O Evangelho como foi revelado a Valtorta

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Maria Valtorta O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO VOLUME PRIMEIRO Capítulos 1-78 CENTRO EDITORIALE VALTORTIANO O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO 7 partes Nascimento e Vida oculta de Maria e Jesus capítulos 1-43 Primeiro ano da Vida pública de Jesus capítulos 44-140 Segundo ano da Vida pública de Jesus capítulos 141-312 Terceiro ano da Vida pública de Jesus capítulos 313-540 Preparação á Paixão de Jesus capítulos 541-600 Paixão e Morte de Jesus capítulos 601-615 Glorificação de Jesus e Maria capítulos 616-651 Para despedida da Obra, capitulo 652 10 volumes Volume primeiro, capítulos 1-78 Volume segundo, capítulos 79-159 Volume terceiro, capítulos 160-225 Volume quarto, capítulos 226-295 Volume quinto, capítulos 296-363 Volume sexto, capítulos 364-432 Volume sétimo, capítulos 433-500 Volume oitavo, capítulos 501-555 Volume nono, capítulos 556-600 Volume décimo, capítulos 601-652 Todos os direitos reservados

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Maria Valtorta

O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO

VOLUME PRIMEIRO Capítulos 1-78

CENTRO EDITORIALE VALTORTIANO

O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO

7 partesNascimento e Vida oculta de Maria e Jesus

capítulos 1-43 Primeiro ano da Vida pública de Jesus

capítulos 44-140 Segundo ano da Vida pública de Jesus

capítulos 141-312 Terceiro ano da Vida pública de Jesus

capítulos 313-540 Preparação á Paixão de Jesus

capítulos 541-600 Paixão e Morte de Jesus

capítulos 601-615 Glorificação de Jesus e Maria

capítulos 616-651 Para despedida da Obra,

capitulo 652

10 volumes Volume primeiro, capítulos 1-78 Volume segundo, capítulos 79-159 Volume terceiro, capítulos 160-225 Volume quarto, capítulos 226-295 Volume quinto, capítulos 296-363 Volume sexto, capítulos 364-432 Volume sétimo, capítulos 433-500 Volume oitavo, capítulos 501-555 Volume nono, capítulos 556-600 Volume décimo, capítulos 601-652

Todos os direitos reservados

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Titulo original:

L'Evangelo come mi è stato rivelatoVolume Primo, capitoli 1-78

Tradução do ítaliano deAristides Taciano RodriguesRevisao aos cuitados do Centro Editoriale Valtortiano srl.

Copyright 2000 byCentro editoriale Valtortiano srl Viale Piscitelli 89-91 03036 Isola del Liri- Italia

ISBN 978-88-7987-076-4 ISBN 978-88-7987-075-7 (Obra completa de 10 volumes)

Digitação e impressão:

Centro Editoriale Valtortiano srl Reprinted in Italy, 2007

* = ON LINEIndice do volume primeiro

Nascimento e Vida oculta de Maria e Jesus.

1. Pensamento de introdução. Deus quis um seio sem mácula. * 9 2. Joaquim e Ana fazem um voto ao Senhor. 10 3. A festa dos Tabernáculos. Joaquim e Ana possuíam a Sabedoria. 14 4. Ana com um cântico anuncia que será mãe No seu ventre esté a alma imaculada

de Maria. 18 5. Nascimento de Maria. A sua virgindade no eterno pensamento do Pai. 23 6. Purificação de Ana e oferecimento de Maria, que é a Menina perfeita para o

reino dos Céus. 37 7. A pequena Maria com Ana e Joaquim. Em seus lábios já está a Sabedoria do

Filho. 41 8. Maria é acolhida no Templo. Ela, em sua humildade, não sabia que era a Cheia

de Sabedoria. 48 9. A morte de Joaquim e de Ana foi suave depois de uma vida de sabia fidelidade

a Deus nas provações. 55 10.Cântico de Maria. Ela se lembrava de tudo o que o seu espírito havia visto em

Deus 58

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11. Maria confidencia o seu voto ao Sumo Sacerdote. 66 12. José escolhido como esposo da Virgem. 70 13. Esponsais da Virgem com José, instruido este pela Sabedoria para ser o

guarda do Mistério. 76 14. Os Esposos chegam a Nazaré. 83 15. Como conclusão do Pré-Evangelho. 89 16. A Anunciação. (Lc. 1, 26-38) 91 17. A desobediência de Eva e a obediência de Maria. 94 5 18. Maria anuncia a José a maternidade de Isabel e confia a Deus a tarefa de

justificar a sua. 103 19. Maria e José dirigindo-se a Jerusalém. (Lc 2, 39) 108 20. Partida de Jerusalém. O aspecto mistico de Maria. A importância da oração

para Maria e José. * 110

21. Chegada de Maria a Hebron e seu encontro com Isabel. (Lc 1, 40-55) 114 22. Os dias transcorridos em Hebron. Os frutos da caridade de Maria para com

Isabel. (Lc 1, 56) 119 23.. Nascimento de João Batista. Todo sofrimento se acalma no ventre de Maria.

( 1, 57-58) 12724. Circuncisão de João Batista. Maria é uma Fonte de Graça para quem acolhe a

Luz. ( Lc. 59-79) 134 25, Apresentação de João Batista no Templo e partida de Maria. O Sofrimento de

José. 137 26. José pede perdão a Maria. Fé, caridade e humildade para receber a Deus. (Mt

1, 18-25 ) 144 27. O edito do censo. Ensinamento sobre o amor ao esposo e sobre a confiança em

Deus. ( Lc 2, 1-3) 149 28. A chegada a Belém. (Lc 2, 4-5) 154 29. Nascimento de Jesus. Eficácia salvífica da divina matern5dade de Maria. (Lc

2, 6-7) 159 30. O anúncio aos pastores, que se tornam os primeiros adoradores do Verbo feito

homem. (Lc 2, 8-20) 167

31. A Visita de Zacarias. Santidade de José e obediência aos sacerdotes. 176 32. Apresentação de Jesus ao Templo. A virtude de Simeão e a profecia de Ana. Lc

2, 22-38) 182 33. A canção de ninar da Virgem. 188 34. Adoração dos Magos. E' “ Evangelho da fé''. (Mt 2, 1-12) 19135. A Fuga para o Egito. sobre a última ão ligada á vinda de Jesus. (Mt 2,13)

204 36. A sagrada Família no Egito. Uma lição para as famílias. (Mt 2, 14-15) 213 37. Primeira lição de trabalho dada a Jesus, que não saiu da regra da idade. 221 38. Maria, mestra de Jesus, de Judas e de Tiago. 225 39. Preparativos para a maioridade de Jesus e partida de Nazaré. 232 40. O exame de Jesus maior de idade no Templo. 236

41. A disputa de Jesus com os doutores no Templo. A angústia da Mãe e a respostado Filho. (Lc 2, 41-50) 241

42. A morte de José. Jesus é a paz de quem sofre e de quem morre. 251 43. A conclus:o da Vida escondida.

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Primeiro ano da Vida pública de Jesus.

44. Jesus se despede de sua Mãe e deixa Nazaré. O pranto e a oração da Co-Redentora. 261

45. Pregação de João Batista e Batismo de Jesus. A divina manifestação. (Mt 3,1-17, Mc 1, 2-11, Lc 3, 1-18.21-22; Jo 1, 19-34) 269

46. Jesus tentado por Satanás no deserto. Como se vencem as tentações. (Mt 4, 12 1,. Mc 1, 12-13; Lc 4, 1-13) 274

47. O encontro com João e Tiago. João de Zebedeu é o puro entre os discípulos.(Jo 1, 37-39) 280

48. João e Tiago falam a Pedro sobre o encontro com o Messias. ( Jo 2, 40-41) 284 49. O encontro com Pedro e André depois de um discurso na sinagoga. João de

Zebedeu, grande também na humildade. (Jo 1, 42) 289 50. Em Betsaida na casa de Pedro. O encontro com Filipe e Natanael. Jo 1, 43- 51)

298

51. Maria manda Judas Tadeu convidar Jesus para as bodas de Cané. 306 7 52. As bodas de Caná. O Filho, não mais sujeito á Mãe, realiza, a pedido Dela, o

primeiro milagre. (Jo 2, 1-11) 309 53. A expulsão dos vendedores do Templo. (Jo 2, 12-25) 315 54. O encontro com Judas de Keriot e com Tomé. Simão Zelote curado da lepra. 320 55. Um encargo confiado a Tomé. 326 56. Simão Zelote e Judas Tadeu unidos na sorte. 332 57. Em Nazaré com Judas Tadeu e com outros seis discípulos. 338 58. Cura de um cego em Cafarnaum. 341 59. O endemoninhado curado na sinagoga de Cafarnaum. (Mc 1, 21-28, Lc 4, 31-3

347 60. Cura de sogra de Simão Pedro (Mt 8, 14-15; Mc 1, 29-31; Lc 4, 38-39) 351

61 . Jesus faz o bem aos pobres depois de ter contado a parábola do cavalo amadopelo rei. (Mt 8, 16-17; Mc 1, 32-34; Lc 4, 40- 41) 359

62. Jesus procurado pelos discípulos enquanto reza na noite. (Mc 1, 35-39; Lc 4,42-44) 365

63. O leproso curado perto de Corozaim. (Mc 1, 40-45; Lc 5, 12-1-16) 367 64. O paralitico curado em Cafarnaum. (Mt 9, 1-8; Mc 2, 1-12; Lc 5, 17-26) 372 65 A pesca milagrosa e a eleição dos quatro primeiros apóstolos. (Mt 4, 18-22,.

Mc 1, 16-20; Lc 5, 1-11 ) 377 66. Judas de Keriot no Getsêmani torna-se discípulo. 380 67. O milagre das lâminas quebradas á porta dos Peixes. 383 68. Jesus, no Templo com o Iscariotes, ensina. 388 69. Jesus instrui Judas Iscariotes. 393 70. No Getsêmani com João de Zebedeu. Uma comparação entre o Predileto e Judas

de Keriot. 399

71. Judas Iscariotes apresentado a João e a Simão Zelote. 405 8 72. Em direção a Belém com João, Simão Zelote e Judas Iscariotes. 408 73. Em Belém, na casa de um camponês e na gruta do Nascimento. 412 74. No albergue de Belém e nos escombros da casa de Ana. 422 75. Jesus reencontra os pastores Elias e Levi. 432

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76. Em Juta na casa do pastor Isaque. Sara e os seus meninos. 438 77. Em Hebron na casa de Zacarias. O encontro com Aglae. 446 78. Em Keriot. Morte do velho Saul. 453 9 10

Nascimento e Vida escondida de Maria e de Jesus.

1. Introdução. Deus quer um seio sem mácula.

“Deus me possuiu no principio de seus caminhos.”Salomão, Provérbios cap. 8 v. 22.

22 de agosto de 1944.1Jesus me ordena: “Pega um caderno todo novo. Copia, na primei ra 1.1 folha, o ditado do dia 16 de agosto. Neste livro se falará dela”.Obedeço e copio.

16 de agosto de 1944.2 Jesus diz: 1.2“Hoje escreve apenas isto. A pureza, na sua expressão máxima*, tem um tal valor que torna o seio de uma criatura capaz de conter o que não podia ser contido”.A Santíssima Trindade desceu com a sua perfeição em um pe queno espaço, habitando-o com as suas Três Pessoas, encerrando lá o seu Infinito, sem diminuir-se com isso, pois o amor da Virgem e a vontade de Deus dilataram este espaço até transformá-lo num Céu. Eis como essas características se manifestaram:* Assim como no sexto dia, o Pai recria a Criatura, tendo uma “fi lha” digna e verdadeira, feita à sua perfeita semelhança. A imagem de Deus estava estampada em Maria de tal modo que só no Primo gênito do Pai lhe era superior. Maria pode ser chamada a “segundo gênita” do Pai porque, pela perfeição que lhe foi dada e sabida con servar, por dignidade de esposa e mãe de Deus e também de Rainha do Céu, vem depois do Filho do Pai no seu eterno Pensamento, que “ab aeterno” nela se compraz;o Filho, sendo também para ela “Filho” ensinando-a, por misté -_________________* máxima, em vez de absoluta, é correção da escritora Maria Valtorta (que a par tir deste momento indicaremos com a sigla MV) feita numa cópia datilografada. A presente edição da sua obra reproduz o texto original autografo e assinala em anotação sejam as nossas correções como as MV tiradas da cópia datilografada, da qual tratamos em nota ao texto de 174.10 e de 335.7.* sexto dia da criação, descrito em: Gênesis 1,24-31.

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rio de graça, a sua verdade e sabedoria quando ainda não era mais que um embrião que lhe crescia no ventre;o Espírito Santo, aparecendo entre os homens por uma anteci pada Pentecostes, por uma prolongada Pentecostes, Amor “naquela que amou”, consolação dos homens, pelo fruto do seu ventre, santifi cação, pela maternidade do Santo.3Deus, para manifestar-se aos homens, da forma nova e completa que inicia a 1.3 era da Redenção,

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não escolheu para seu trono um astro do céu, nem o palácio real de um poderoso. Não quis nem mesmo as asas dos anjos como base para seus pés. Quis um seio sem mácula.Eva também tinha sido criada sem mancha. Mas espontanea mente quis corromper-se. Maria, tendo vivido num mundo corrupto (Eva, ao contrário, vivera num mundo puro) não quis prejudicar a sua inocência nem mesmo com um pensamento voltado ao pecado. Sabia que o pecado existe. Viu os vultos diversos e horríveis. Viu todos, até o mais horrendo vício: o deicídio. Mas os conheceu para expiá-los e ser, eternamente, aquela que tem piedade dos pecadores e ora por suas redenções.4 Este pensamento será introdução a outras coisas santas que da rei para teu 1.4 conforto e de muitos outros”.

2. Joaquim e Ana fazem um voto ao Senhor.

22 de agosto de 1944.1 Vejo o interior de uma casa. Nela está sentada, junto a um tear, uma mulher 2.1 de idade. Diria, ao vê-la com os cabelos antes pretos, agora grisalhos, e no rosto não enrugado mas já cheio daquela se riedade que vem com os anos, que ela possa ter entre cinqüenta e cinqüenta e cinco anos. Não mais.Ao indicar estas idades femininas me baseio no rosto de minha mãe, cuja imagem tenho mais que nunca presente nestes dias que me lembram os seus últimos dias junto ao meu leito... Depois de ama nhã fará um ano que não a vejo mais... Minha mãe tinha um rosto jovial, sob os cabelos precocemente embranquecidos. Aos cinqüenta anos eram brancos e pretos como no fim de sua vida. Mas, exceto a maturidade do olhar, nada denunciava os seus anos. Por isso poderia errar também ao dar às mulheres idosas um certo número de anos.Esta que vejo tecer, em uma sala toda clara de luz, que penetra da porta escancarada sobre um grande pomar - diria, um sitiozinho,

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porque se estende num sobe e desce, até uma encosta verde - é boni ta em seus traços decididamente hebreus. Olhos negros e profundos que, não sei porquê, me lembram os de João Batista. Mas este olhar sendo altivo como de uma rainha, é doce também. Como se sobre o seu coruscar semelhante ao de uma águia fosse estendido um tênue véu azul. Doce e apenas um pouco triste, como de quem pensa, e la menta, as coisas perdidas. A tez é morena, mas não excessivamen-te. A boca, levemente grande, é bem desenhada, e está parada num gesto austero que porém não é duro. O nariz é comprido e delicado, levemente inclinado para baixo. Um nariz aquilino que fica bem com aqueles olhos. É robusta, mas nao gorda. Bem proporcionada e creio que alta, a julgar de como aparece sentada.Parece-me que está tecendo uma cortina ou um tapete. As lan çadeiras multicolores correm rápidas sobre a trama que é marrom escuro, e o que já está feito mostra um vago entrelaçamento de ga lões e rosáceas nos quais verde, amarelo, vermelho e azul profundo se cruzam e se fundem como em um mosaico. A mulher está vestida com uma roupa muito simples e escura. Um roxo-avermelhado que parece igual a alguns amores-perfeitos.2Levanta-se ao ouvir bater à porta. É alta realmente. Abre. 2.2Uma mulher lhe pede:- Ana, queres dar-me a tua ânfora? Eu a encherei para ti.A mulher tem consigo um menininho travesso de cinco anos que se pendura imediatamente nos vestidos da nominada Ana, que o acaricia enquanto vai em um outro cômodo e retorna com uma boni ta ânfora de cobre, que oferece à mulher dizendo:- Tu és sempre boa, com a velha Ana. Deus te recompense por isto e pelos filhos que tens e terás, tu bem-aventurada! Ana suspira.A mulher a olha e não sabe o que dizer por aquele suspiro; para desviar a compaixão, que se

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compreende existe, diz:- Eu te deixo Alfeu, se não te aborreces, assim posso andar mais depressa e te encherei muitas moringas e jarras.Alfeu está bem alegre de ficar, e explica-se o motivo. Tendo ido embora a mãe, Ana o pega no colo e o leva ao pomar, o levanta até uma parreira de uvas loiras como topázio e diz:- Come, come, que são gostosas - e o beija no rostinho sujo de suco de uva, que o menino arranca avidamente do cacho. Depois ri com gosto, e parece imediatamente mais jovem por causa dos dentes bo nitos que aparecem e pela alegria que lhe cobre o rosto, anulando os anos, quando o menino diz:

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- E agora o que me dás? - ele a olha com dois olhos grandes arre galados de um cinzento azul escuro. Ela ri e brinca inclinando-se sobre os joelhos, dizendo:- O que me dás se te dou... se te dou... adivinha!O menino, batendo as mãozinhas, diz todo risonho:- Beijos, beijos te dou, Ana bonita, Ana boa, Ana mamãe!...Ana, ouvindo dizer: “Ana mamãe”, dá um verdadeiro grito de afeto jubiloso e se abraça contra o pequenino, dizendo:- Oh que alegria! Querido! Querido! Querido! - A cada “querido” um beijo desce sobre a pequena face rósea. E depois vão a uma es tante, e vai tirando de um prato pãezinhos de mel.- Fiz os pãezinhos para ti, beleza da pobre Ana, para ti que me queres bem. Mas, diz-me, quanto me queres bem?E o menino, pensando naquilo que mais o impressionou, diz:- Tanto quanto amo o Templo do Senhor.Ana o beija ainda sobre os olhinhos espertos, sobre a boquinha vermelha, e o menino a toca de leve como um gatinho.A mãe vai e vem com o cântaro cheio e ri sem dizer nada. Ela os deixa ao seu entusiasmo.3Entra do pomar um homem ancião, um pouco mais baixo que Ana, com 2.3 uma cabeça de cabelos espessos todos brancos. Um rosto claro, de barba aparada, com dois olhos azuis como turquezas entre cílios de um castanho claro quase loiro. Está vestido de marrom es curo.Ana não o vê porque virou-se de costas à porta, e ele vem atrás dela dizendo: “E a mim nada?”. Ana vira-se e diz:- Oh Joaquim! Terminastes o teu trabalho?Ao mesmo tempo, o pequeno Alfeu lhe abraça os joelhos dizendo:- A ti também, a ti também!Quando o ancião se inclina e o beija, o menino cinge-lhe o pesco ço despenteando-lhe a barba com as mãozinhas e com beijos.Joaquim também tem o seu presente. Tira de trás das costas a mão esquerda e lhe oferece uma maçá tão bonita que parece de cerâmica. Rindo diz ao menino, que estende as mãozinhas avidamente: -Espera que a corto em fatias para ti. Assim não podes. É maior do que tu. Com um canivete que carrega à cintura, uma faca de poda dor, a corta em fatias, parecendo dar de comer a um passarinho no ninho, tal é o cuidado com que coloca os bocados na boquinha aber ta que mastiga e mastiga.

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- Mas olha só que olhos, Joaquim! Não parecem dois pedacinhos do mar da Galiléia, quando o vento da noite lança um véu de nuvem no céu?Ana fala apoiando uma mão nas costas do marido e apoiando-se também levemente a si mesma, num gesto que revela um profundo amor de esposa, um amor intacto, depois de muitos anos de casa mento.Joaquim a olha com amor e concorda dizendo:

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- Maravilhosos! E aqueles caracoizinhos? Não têm a cor da palha que o sol secou? Olha: entre eles há uma mistura de ouro e cobre.4- Ah! Se tivéssemos tido um menino, teria querido assim, com estes olhos 2.4 e estes cabelos...Ana está inclinada, aliás, ajoelhada e com um grande suspiro, beija os dois grandes e belos olhos cinza-azulados.Joaquim também suspira. Mas quer consolá-la. Coloca-lhe a mão sobre seus cabelos crespos e embranquecidos e lhe diz:- Convém ainda esperar. Deus tudo pode. Enquanto se é vivo, o milagre pode acontecer, especialmente quando se ama e se é amado.Joaquim frisa muito as últimas palavras.Mas Ana calada, desalentada, está com a cabeça inclinada para não mostrar duas lágrimas que descem, e que somente o pequeno Alfeu vê; admirado e angustiado por ver a sua grande amiga chorar, como faz algumas vezes, levanta a mãozinha e enxuga aquele pranto.- Não chores Ana! Somos felizes assim mesmo. Ao menos eu sou, porque tenho a ti.- Eu também. Mas não te dei um filho... Penso que desagradei a Senhor, já que me secou as entranhas...- Oh minha mulher! Em que tu, santa, queres ter-lhe desagrada do? Escuta. Vamos ainda uma vez ao Templo. Por este motivo. Não só pelos Tabernáculos. Façamos uma longa oração... Talvez te aconteça * como com Sara... ou com Ana de Elcana. Muito esperaram, e se acreditavam reprovadas por serem estéreis. Ao invés disso, nos céus de Deus, amadurecia um filho santo para elas. Sorri, minha esposa. O teu pranto me dói mais do que não ter prole... Levaremos Alfeu conosco e o faremos orar, ele que é inocente... Deus ouvirá a sua e a__________________* como com Sara, em: Gênesis 17,15-21; 18,10-15; 21,1-3; com Ana de Elcana, em 1 Samuel 1; 2,1-10. Mencionadas como as mulheres que tiveram o Dom da maternidade mesmo sendo idosas e estéreis (Sara é mãe de Isaac, Ana de Elcana é mãe do profeta Samuel), serão igualmente recordadas em: 104.4 - 138.4 - 300.2 - 346.4 - 473.8 - 486.4 - 561.15 - 569.4.

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nossa oração, nos atendendo então”.- Sim. Façamos um voto ao Senhor. Será seu o recém-nascido. Contanto que nos conceda... Oh! Ouvi-lo chamar-me “mamãe”!”.E Alfeu, espectador admirado e inocente:- Eu te chamo assim!- Sim, querida alegria... mas tu tens a tua mamãe e eu... eu não tenho nenhuma criança...A visão termina aqui.5Entendo que iniciou o ciclo do nascimento de Maria. E estou muito 2.5 contente, porque o desejava muito. Penso que também o senhor * ficará contente.Antes que eu começasse a escrever, ouvi a Mãe dizer:- Filha, escreve então sobre mim. Todo o teu desgosto será con solado.Enquanto dizia isto, me pousava a mão sobre a cabeça em uma suave carícia. Depois veio a visão. Mas a princípio, ou seja, enquanto não ouvi chamar a senhora de cinqüenta anos por nome, não havia compreendido estar diante da mãe da mãe e por isto da graça do seu nascimento.

3. A festa dos Tabernáculos.Joaquim e Ana possuíam a sabedoria.

23 de agosto de 1944.

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1Antes de continuar, faço aqui uma observação. 3.1A casa não me parece aquela já bem conhecida de Nazaré. Ao menos o ambiente é muito diferente. Também o pomar é mais vasto, e além disso, pode-se ver os campos. Não muitos, mas enfim, alguns. Depois, quando Maria casou-se, havia só o horto, vasto mas limitado a horto, e este quarto que vi, nunca vi em outras visões. Não sei se devo pensar que, por motivos pecuniários, os pais de Maria se des fizeram de parte de seus pertences ou se Maria, saindo do Templo,_____________________* senhor é o diretor espiritual da escritora, o padre Romualdo M. Migliorini, da Congregação “Ordine dei Servi di Maria”, ao qual MV se dirige com frequência. Por vezes vem favorecido um seu desejo (como em: 44.7 e em 45.10) ou lhe é de dicado um episódio (como em: 58.1) ou lhe é dirigido um ensinamento (como em nota a 180.5 e em 234.10) ou lhe vem feita uma confidência (como em 185.1 e 212.3). Leva a Comunhão à escritora (108.3). - Todo o passo que se segue (de Antes até nascimento) vem escrito como anotação no início do caderno autógrafo, na face interna da sobrecapa; contudo, nos o colocamos aquí, por ser evidente que se refira ao conteúdo do presente capítulo.

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passou para uma outra casa, talvez presenteada por José. Não me lembro se nas visões e lições passadas tive qualquer indício seguro de que a casa de Nazaré fosse a casa nativa.A minha cabeça está muito cansada. E depois, sobretudo por cau sa dos ditados, eu me esqueço logo das palavras, mesmo se os co mandos me permanecem gravados na mente e a luz me permanece na alma. Mas os pormenores se desvanecem imediatamente. Se de pois de uma hora tivesse que repetir aquilo que ouvi, com exceção de uma ou duas frases principais, não saberia mais nada. Enquanto que as visões ficam vivas na mente, porque tive de observá-las por mim mesma. Recebo os ditados. As visões, ao invés, devo perceber. Por isto, elas ficam vivas no pensamento, pelo esforço em observar as suas fases.Esperava que houvesse um ditado sobre a visão de ontem. Em vez disso, nada.2Começo a ver e escrevo. 3.2Fora dos muros de Jerusalém, sobre as colinas e entre as oliveiras há uma grande multidão. Parece uma enorme feira. Mas não exis tem bancas e barracões. Não há o vozerio de charlatães e vendedores. Nem jogos. Há ali muitas tendas de lã ásperas, certamente imperme áveis, estendidas sobre estacas cravadas ao chão. Ligadas ás estacas há ramos verdes que ornam e refrescam. Outras tendas, ao invés, são de ramos fincados ao chão e sendo ligadas assim: ^ , são como pequenas galerias verdes. De baixo de cada uma, há pessoas de toda idade e condição, e um falar tranqüilo e concentrado, interrompido apenas por algum grito de criança.Desce a noite e as luzes de candeiazinhas a óleo, já brilham inten samente aqui e ali, pelo acampamento estranho. Ao redor das luzes algumas famílias consomem a ceia. As mães estão sentadas no chão, com os menores no colo, onde alguns, cansados, adormecem ainda com o pedaço de pão nos dedinhos róseos, tombando a cabecinha so bre o seio materno, como pintinhos sob a galinha; as mães terminam de comer como podem, com uma das mãos, enquanto a outra segura o filhinho junto ao coração. Outras famílias, ao contrário, não estão jantando ainda e conversam na semi-escuridão do crepúsculo, espe rando que a refeição fique pronta. Alguns fogos são acesos aqui e ali, e ao seu redor as mulheres afadigam-se. Alguma cantiga de ninar muito lenta, diria quase lamentosa, embala uma criança que custa a adormecer.No alto, um bonito céu sereno torna-se sempre mais azul pro -

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fundo até parecer um enorme velário de veludo macio de um azul escuro; sobre ele lentamente, invisíveis artífices e decoradores di ligentemente fixam jóias e lamparinas, as quais isoladas, como em bizarras linhas geométricas, deixam sobressair a Ursa maior e a me nor com a sua forma de

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carro com a estaca apoiada ao chão, depois que os bois foram destacados do jugo. A estrela polar ri com todo o seu esplendor.Percebo que é outubro * porque uma voz grave de homem o diz:- É bonito este outubro como poucos o foram!3 Eis Ana que vem de um fogaréu com algumas coisas entre as mãos, 3.3 estendidas sobre um grande pão bem plano que serve também de bandeja. Preso ás suas saias está Alfeu, que tagarela com a sua vozinha. Joaquim está na soleira da sua pequena cabana de ramos falando com um homem de uns trinta anos. (Alfeu de longe o saúda com um gritinho agudo dizendo: “Papai”) Quando Joaquim avista Ana que se aproxima, apressa-se em acender a candeiazinha.Ana passa com o seu porte majestoso entre as fileiras de cabanas. Real, mesmo se humilde, Ana não é soberba com ninguém. Levanta o menino de uma pobre mulher, que caiu, exatamente a seus pes, ao tropeçar na sua corrida travessa. Visto que havia sujado o rostinho de terra, ela o limpa, consolando-o porque chora, e o devolve à mãe, que chega correndo e se desculpa. Ana respode: - Oh! Não é nada! * Estou contente que não tenha se machucado. É um bonito menino. Quantos anos tem?- Três anos. É o penúltimo e logo terei um outro. Tenho seis me ninos. Agora queria uma menina... Para uma mãe é importante uma____________________________________* Outubro: por vezes - assim anota MV na cópia datilografada - os nomes são ditos em italiano, (por consenguinte, traduzidos em portugués), para melhor compreen são do leitor. A correspondência entre os meses do calendário hebraico, regulado pelo ano lunar, que iniciava na Primavera (como referido em 68.4), e os meses do nosso calendário, regulado pelo ano solar, é aproximativa: 1. nisam, ou abid como em 413.6 (Março-Abril); 2. ziv ou zio como em vulgata ou em 461.7 (Abril-Maio); 3. sivan (Maio-Junho); 4. tamnuz ou tanuz como em 442.3 ou tamuz como em 461.16 (Junho-Julho); 5. ab (Julho-Agosto); 6. elul (Agosto- Setembro); 7. tisri ou etanim (Setembro-Outubro); 8. marchesvan ou bul (Outubro-Novembro); 9. casleu (No vembro-Dezembro); 10. tebet (Dezembro-Janeiro); 11. scebat (Janeiro-Fevereiro); 12. adar (Fevereiro-Março). O mês de marchesvan ou bul não é jamais mencionado na obra, que talvez reserva ao oitavo mês o nome de etanim separando-o de tisri. Os meses tinham início com o novilúnio, chamado neoménia. Para recuperar o atraso do ciclo lunar sobre o ano solar, de vez em quando se duplicava o mês de adar e se obtinha um ano de treze meses (chamado anno embolísmico em 114.8)._______________________________* Oh! Não é nada! As frases do diálogo que aqui inicia são escritas de forma contínua na página autógrafo, ao pé da qual MV anota: (Para poupança de papel escre vo os diálogos sem ir ao início da linha. Pego que o façam ao copiá-los).

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menina...- O Altíssimo muito te consolou, ó mulher! - Ana suspira.E a outra:- Sim. Sou pobre, mas os filhos são a nossa alegria e os maiorzi nhos já ajudam no trabalho. E tu, senhora (tudo indica que Ana seja de condição mais elevada, pois a outra o notou) quantas crianças tens?- Nenhuma.- Nenhuma?! Esta não é tua?- Não, de uma vizinha muito boa. É o meu conforto...- Morreram ou...- Não, nunca as tive.- Oh! - A pobre mulher a olha com piedade.Ana se despede com um grande suspiro e vai à sua cabana.

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- Eu te fiz esperar, Joaquim! Uma pobre mulher entreteve-me; mãe de seis filhos, imagine! E terá outro!Joaquim suspira.O pai de Alfeu chama o seu filho, mas este lhe responde:- Eu fico com a Ana. Estou ajudando-a. - Todos riem.- Deixa-o. Ele não me dá aborrecimento. Ainda não está obrigado a observar a Lei. Estando aqui ou ali, ele não passa de um passarinho comilão. - diz Ana que senta-se com o menino no colo, ao qual dá pão com peixe assado. Vejo que antes de dar o peixe, parece estar lhe ti rando os espinhos. Depois serve o marido. Ela come por último.4A noite está sempre mais cheia de estrelas e as luzes sempre mais 3.4 numerosas no campo. Depois lentamente muitos candeeiros se apa gam. São daqueles que jantaram antes e que agora se põem a dor mir. Também o murmúrio diminui devagar. Vozes de meninos não se ouvem mais. Só alguma criança de peito faz ouvir a sua vozinha de cordeirinho buscando o leite da mamãe. A noite sopra o seu há lito sobre as pessoas, apagando desgostos e lembranças, esperanças e rancores. Aliás, talvez Joaquim e Ana sobrevivam tranqüilizados, seja no sono, que no sonho.Ana o diz ao marido, enquanto embala Alfeu que começa a dor mir em seus braços:- Esta noite sonhei que no próximo ano eu virei à Cidade Santa para duas festas, ao invés de uma. E uma será a dádiva da minha criança ao Templo... Oh! Joaquim!...- Espera, espera Ana. Não ouvistes outra coisa? O Senhor não te segredou nada em teu coração?

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- Nada. Somente um sonho...- Amanhá é o o último dia de oração. Todas as ofertas já foram feitas. Mas as renovaremos ainda amanhá, solenemente. Convence remos Deus com o nosso amor fiel. Eu penso sempre que te acontece rá o mesmo que com a Ana de Elcana.- Queira Deus... e que houvesse logo alguém que me dissesse: “Vá em paz. O Deus de Israel te concedeu a graça que pedistes!”- Se a graça vier, o teu menino dir-te-á mexendo-se pela primeira vez no teu ventre, e será voz de inocente, por isto, voz de Deus.Agora o campo cala-se no escuro. Ana também devolve Alfeu à cabana contígua e o põe sozinho sobre a enxerga de feno próximo aos irmãozinhos que já dormem. E depois deita-se ao lado de Joa quim, e também a sua lamparina se apaga. Uma das últimas estreli nhas da terra. Ficam mais bonitas as estrelas do firmamento a velar sobre todos os que dormem.

5Jesus diz: 3.5“Os justos são sempre sábios porque, sendo amigos de Deus, vivem em sua companhia e são instruídos por Ele, que é Infinita Sabedoria.Os meus avós eram justos e por isto tinham a sabedoria. Podiam dizer com verdade quanto diz o Livro *, cantando os louvores da Sabe doria, no livro: “Eu a amei e a procurei desde a juventude e procurei torná-la minha esposa”.Ana de Arão era a mulher forte de quem fala o nosso Avô. E Jo aquim da estirpe do rei Davi, não tinha procurado tanto a formo sura ou riqueza, quanto a virtude. Ana possuía uma grande virtu de. Todas as virtudes reunidas num maço perfumado de flores, para tornar-se uma única lindíssima coisa, a Virtude. Uma virtude real, digna de estar perante o trono de Deus.Joaquim tinha portanto desposado duas vezes a sabedoria “amando-a mais que qualquer outra mulher”: a sabedoria de Deus encerrada no coração da mulher justa. Ana de Arão não procurara outra coisa senão unir a sua vida à de um homem reto, certa de que na retidão está a alegria das famílias. 6Sendo a 3.6 insígnia da “mulher forte” não lhe faltava nada a não ser a coroa dos filhos, glória da mulher casada, justificação do casamento, do qual fala Salomão. À sua felicidade não lhe faltavam senão os filhos, flores da árvore que se une à árvore vizinha obtendo assim a abundância

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de novos frutos,_______________________* no livro, isto é em: Sabedoria 8,2; o nosso Avô, isto é Salomão, em: Provérbios 31, 10-31. Seguem citações de: Provérbios 5, 18-19; Sabedoria 8, 10.13.

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na qual duas bondades se fundem em uma, pois, também do lado do esposo, nunca lhe viera nenhuma desilusão.7Ela, agora a caminho da velhice, há decênios mulher de Joaquim, era sempre 3.7 para ele “a esposa da sua juventude, a sua alegria, a cer va tão querida, a graciosa gazela”, cujas carícias tinham sempre o fresco encanto da primeira noite de núpcias e fascinavam docemente o seu amor, mantendo-o fresco como uma flor que o orvalho ume dece e ardente como fogo constantemente alimentado. Por isto, em suas aflições por não terem filhos, um dizia ao outro “palavras de consolo em pensamento e em cuidados”.8Quando chegou a hora, a Sabedoria eterna, depois de tê-los ins truído na vida, 3.8 os iluminou com os sonhos da noite, alvorada do poema de glória que devia provir deles, Maria Santíssima, a minha mãe. Se na sua humildade não pensaram nisto, seus corações porém, tremeram de esperança, ao primeiro sinal evidente da promessa de Deus. Nas paíavras de Joaquim já havia certeza: “Espera, espera... convenceremos Deus com nosso amor fiel”. Sonhavam com um filho: tiveram a mâe de Deus.9As palavras do livro da Sabedoria parecem escritas para eles: “Por ela 3.9 alcançarei glória perante o povo... por ela alcançarei imor talidade e deixarei memória eterna àqueles que depois de mim vi rão”. Mas, para conseguir tudo isto, tiveram de fazer-se discípulos de uma virtude veraz e duradoura, imune a qualquer acontecimento. Virtude de fé. Virtude de caridade. Virtude de esperança. Virtude de castidade. A castidade dos esposos! Eles a possuíram; porque não é preciso ser virgem para ser casto. E os leitos conjugais castos têm a proteção dos anjos recebendo filhos bons, que fazem da virtude dos pais a norma de suas vidas.10Mas agora onde estão estes filhos? Hoje não se quer mais filhos e não se 3.10 quer tampouco a castidade. Por isso eu digo que o amor e o leito conjugal estão profanados.

4. Ana, com um cântico anuncia que será mâe.No seu ventre está a alma imaculada de Maria.

24 de agosto de 1944.1Revejo a casa de Joaquim e Ana. Nada mudou no seu interior, se se tirarem os 4.1 muitos ramos floridos, colocados em ânforas aqui e ali, fruto das podas feitas nas árvores do pomar em flor: uma nuvem que

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varia do branco neve ao vermelho de certos corais.O trabalho de Ana também é diferente. Sobre um tear menor, ela tece algumas bonitas telas de linho, e canta, cadenciando o movi mento do pé com o canto. Canta e sorri... A quem? A si mesma, a alguma coisa que ela vê no seu interior.Eis o canto, lento mas alegre, que escrevi à parte para segui-lo, porque o repete muitas vezes deleitando-se nisso, sempre mais forte e segura, como quem encontrou um ritmo no seu coração; primeiro o murmura em surdina, depois, segura, canta mais veloz e alto (aqui o transcrevo porque, na sua simplicidade é muito doce):

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“Glória ao Senhor onipotente que dos filhos de Davi teve amor.Glória ao Senhor!A sua suprema graça do Céu me visitou.A velha planta colocou novo ramo e eu sou bem-aventurada.Pela festa das Luzes a semente lançou a esperança;ora a fragrância de Nisam o vê brotar.Como a amendoeira na minha carne floresce a primavera.O seu fruto, nesta tarde, ela sente transportar.Naquele ramo há uma rosa, há um pomo dos mais doces.Há uma estrela reluzente, há uma criança inocente.Há a alegria da casa, do esposo e da esposa.Louvor a Deus, ao meu Senhor, que teve piedade de mim.A sua luz me disse: “Uma estrela virá a ti”.Glória, glória! Será teu este fruto da planta,primeiro e derradeiro, santo e puro como dádiva do Senhor.Teu será e por causa dele venha alegria e paz sobre a terra.Vôa, oh lançadeira. O fio sé aperta sobre o tecido da criança.Ele nasce! A Deus glorioso vá o canto do meu coração”.

2Joaquim entra quando ela está para repetir pela quarta vez o seu canto. 4.2- Estás feliz, Ana? Pareces-me um pássaro que viu a primavera. Que canto é este? Nunca ouvi. De onde ele vem?- Do meu coração, Joaquim. Ana levanta-se e agora se dirige até o esposo, toda risonha. Parece mais jovem e mais bonita.- Não te imaginava poetisa - diz o marido, olhando-a com clara admiração.Não pareciam dois esposos idosos. Em seus olhares, existia uma ternura de jovens esposos.

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- Vim do fundo do pomar ouvindo-te cantar. Eram anos que não ouvia a tua voz de rolinha enamorada. Queres repetir-me aquele canto?- Eu o repetiria mesmo que tu não me pedisses. Os filhos de Isra el sempre confiaram ao canto os clamores mais verdadeiros de suas esperanças, alegrias e dores. Eu confiei ao canto o cuidado de dizer- me e dizer-te uma grande alegria. Sim, também dizer a mim mesma, porque é uma coisa imensa que, por quanto esteja certa, parece-me ainda não ser verdadeira...- e recomeça o canto, mas chegando ao ponto: “sobre aquele ramo há uma rosa, há uma maçá das mais doces, há uma estrela...” a sua voz bem entoada de contralto fez-se primeiro trémula, depois se rompe e com um soluço de alegria olha Joaquim e, levantando os braços grita:- Sou mãe meu deleite - e se refugia no seu coração, entre os bra ços que ele estendeu para encerrarem em torno de sua feliz esposa. O mais casto e feliz abraço que eu jamais vi, desde que estou no mundo. Casto e ardente, na sua castidade.E a doce repreensão entre os cabelos grisalhos de Ana:- E não me disseste antes?- Porque queria estar certa. Velha como sou... Saber-me mãe... Não podia acreditar ser verdade... não queria dar-te uma desilusão mais amarga ainda. Desde fins de dezembro sinto fazerem-se novas as minhas profundas entranhas e brotar, como posso dizer, um novo ramo. Mas agora sobre aquele ramo está seguro o fruto. Vês? Aquele tecido já é para aquele que virá.- Não é o linho que comprastes em outubro em Jerusalém?- Sim. Eu o teci depois enquanto esperava. 3Esperava porque no último 4.3 dia, enquanto orava no Templo, o maior tempo que pudesse uma mulher ficar na Casa de Deus, até a noite... Tu te recordas que eu dizia: “Ainda, ainda um pouco”. Não podia afastar-me dali sem receber a graça! Pois bem!

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Na sombra que já descia do interior do lugar sagrado, que eu olhava com atração de alma para arrancar uma anuência do Deus presente, vi partir uma luz, uma centelha de luz maravilhosa. Era alva como a lua, contudo tinha em si as luzes de todas as pérolas e pedras preciosas que existem sobre a terra. Parecia que uma das estrelas preciosas do Véu, daquelas estrelas postas sob os pés dos querubins, se desprendesse uma e se tornasse espléndida, de uma luz sobrenatural... Parecia partir um fogo para além do Véu sagrado, proveniente da própria Glória, vindo a mim veloz, e ao cortar o ar cantasse com voz celeste dizendo: “O que pe-

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distes venha a ti”. É por isso que eu canto: “Uma estrela virá a ti”. Que filho será esse nosso, que se manifesta como luz de estrela no Templo e que diz: “Eu sou” na festa das Luzes? Que filho fez com que tu tenhas visto em mim uma nova Ana de Elcana? 4 Como cha maremos a nossa criança, que doce como um canto de 4.4 águas ouço falar-me no ventre com o seu pequeno coração que bate como o de uma rolinha apanhada na cavidade das mãos?- Se for menino o chamaremos Samuel. Se for menina Estrela. A palavra que fortaleceu o teu canto para dar-me a alegria de saber me pai. A forma que escolheu para manifestar-se entre a sacra som bra do Templo.- Estrela. A nossa estrela, porque, não sei, penso que seja mesmo uma menina. Parece-me que carícias tão doces nao possam vir senão de uma dulcíssima filha. Eu não a carrego, não tenho nenhum sofri mento. É ela que me carrega sobre uma vereda azul e florida, como se eu estivesse amparada pelos santos anjos e a terra já estivesse longe... Sempre ouvi as mulheres dizerem que conceber e gerar é si nõnimo de dor. Mas eu não tenho dor. Sinto-me forte, jovem, fresca, mais do que quando te dei a minha virgindade na juventude distan te. Filha de Deus, visto que é mais de Deus do que nossa aquela que nasce de um tronco árido, não dá dores à sua mâe. Ela traz somente paz e bênção: os frutos de Deus, seu verdadeiro Pai.- Então a chamaremos Maria. Estrela do nosso mar, pérola, feli cidade. O nome* da primeira grande mulher de Israel. Mas esta não pecará nunca contra o Senhor, e só a Ele dará o seu canto porque a Ele é oferecida, como hóstia, antes de nascer.- A Ele é oferecida, sim. Homem ou mulher que seja, depois de nos alegrarmos por três anos com a nossa criança, nós a daremos ao Se nhor. Hóstia também nós com ela, pela glória de Deus.Não vejo nem ouço mais nada.

5Jesus diz: 4.5“A Sabedoria, depois de tê-los iluminado com os sonhos da noi te, desceu àquela que é “vapor da virtude de Deus, certa emanação da glória do Onipotente”, e tornou-se Palavra para a estéril. Aquele que agora via próximo o Seu tempo de redimir, Eu, o Cristo, neto de__________________________* nome da irmã de Aarão e de Moisés, dela se fala em: Êxodo 15, 20-21; Números 12, 1-15; 20,1; 26,59. Outras referências a Maria de Aarão (ou de Moisés) encon tram-se em 131.2, 525.7, 609.3.* vapor..., como dito em: Sabedoria 7, 25.

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Ana, quase cinqüenta anos depois, mediante a Palavra, farei mila gres sobre as estéreis e as doentes, sobre as endemoninhadas, sobre as desoladas, sobre todas as misérias da terra.No entanto, pela alegria de ter uma mãe, eis que murmuro mis teriosamente a Palavra na sombra do Templo que continha as espe ranças de Israel. Templo agora no limiar da sua vida, porque o novo e verdadeiro Templo não contém mais as esperanças de um povo, mas a certeza de um Paraíso para o povo de toda a terra, por todos os séculos até o fim do mundo; Paraíso que está para vir sobre a ter ra. E esta Palavra opera o milagre de tornar fecundo o que era in fecundo. Dar-me uma mãe, que

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não teve apenas ótima proveniência, como era seu destino, nascida de dois santos; não teve somente um aumento contínuo da bondade pelo seu bem querer, não teve somen te um corpo imaculado, teve também o espírito imaculado, sendo única entre as criaturas.6 Tu vistes* a geração contínua das almas de Deus. Agora imagines qual 4.6 deva ser a beleza desta alma que o Pai almejou antes que o tempo existisse, desta alma que constituía as delícias da Trindade, que ardia por enfeitá-la com as suas dádivas para lhe fazer um dom a Si mesma. Ó toda santa, que Deus criou para Si e depois para refúgio dos homens! Portadora do Salvador, tu fostes a primeira salvação. Paraíso Vivente, com teu sorriso, começastes a santificar a terra.A alma criada para ser a alma da mãe de Deus! Quando, de uma mais viva palpitação do Trino Amor, brotou esta centelha vital, ju bilaram os anjos, porque o Paraíso nunca viu luz mais viva. Como pétala de uma empírea rosa, uma pétala imaterial e preciosa que era jóia e chama, que era o hálito de Deus* que descia para animar uma carne diferentemente das outras, que descia com fogo tão potente que a Culpa não pode contaminá-la, atravessando os espaços e encerrando-se num seio santo.Ainda sem saber, a terra já tinha a sua flor. A verdadeira, única flor que floresce eternamente: lírio e rosa, violeta e jasmim, girassol e ciclame fundidos juntos, e com essas todas as flores da terra numa única flor, Maria, na qual se reúne toda virtude e graça.Em abril, a terra da Palestina parecia um enorme jardim: as fra grâncias e as cores davam delícia ao coração dos homens. Mas a rosa_________________________* tu vistes, a 25 de Maio de 1944, em “Os cadernos de 1944”.* hálito de Deus, em vez de parte de Deus, é correção de MV numa cópia datilografada, assim como o que se segue a culpa não pôde contaminá-la em vez de a culpa foi incinerada.

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mais bonita ainda era desconhecida. Ela já era florescente a Deus no segredo do ventre materno, já que minha mãe amou desde que foi concebida, mas só quando a videira dá o seu sangue para fazer vinho, e o perfume dos mostos, açucarado e forte, enche as eiras e as narinas, ela iria sorrir primeiro a Deus e depois ao mundo, dizendo com o seu sorriso super inocente: “Eis que a Videira, que vos dará o Cacho espremido na prensa, como Remédio eterno contra o vosso mal, está entre vós”.Eu disse: “Maria amou desde que foi concebida”. O que dá ao es pírito luz e conhecimento? A Graça. O que leva a Graça? O pecado de origem e o pecado mortal. Maria, aquela sem mácula, nunca foi despojada da lembrança de Deus, da sua proximidade, do seu amor, da sua luz, da sua sabedoria. Ela pôde por isto, compreender e amar até quando era apenas carne em torno de uma alma imaculada que sempre amou.7Depois, faço-te contemplar mentalmente a profundidade da vir gindade de 4.7 Maria. Terás uma vertigem celeste, como quando te fiz entender a nossa eternidade. Por enquanto, considera apenas como o trazer no ventre uma criatura isenta da mácula da ausência de Deus, dá à mãe uma inteligência superior e a transforma em um profeta, mesmo tendo esta mãe concebido natural e humanamente. O profeta da sua filha, que a chama: “Filha de Deus”. Imagina o que seria se pais inocentes concebessem filhos inocentes, assim como Deus gos taria.Ó homens, que vos dizeis semelhantes ao “super-homem”, mas com os vossos vícios vos assemelhais unicamente ao “super-demô nio”, neste exemplo teríeis encontrado o meio de chegardes ao “su per-homem”. Saber permanecer sem a contaminação de satanás para deixar a Deus a administração da vida, do conhecimento, do bem, não desejando mais do que isto, que é pouco menos que o infinito. Deus vos teria dado poder de gerar em uma contínua evolução até a perfeição, filhos que fossem homens no corpo e filhos da Inteligência no espírito, ou seja triunfadores, fortes, gigantes contra satanás, que seria derrubado muitos milhares de séculos antes da hora em que o será, junto a todo o seu mal”.

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5. Nascimento de Maria. A sua virgindadeno eterno pensamento do Pai.

26 de agosto de 19441Vejo Ana sair no pomar. Apóia-se ao braço provavelmente de una parente, 5-1 porque se assemelha a ela. Está muito volumosa e parece afadigada talvez pelo afã, parecido com o que eu sinto agora.Embora o pomar esteja na sombra, o ar ali está quente, pesado. Um ar que se poderia cortar como uma massa mole e quente, de tão denso, sob um impiedoso céu de um azul embaçado pela poeira suspensa nos espaços. Faz tempo que deve ter havido estiagem, porque a terra, onde não é irrigada, está literalmente reduzida a uma poeira finíssima, quase branca. De um branco levemente tendente a um rosa-escuro, mais para o marrom ao pé das plantas ou ao longo dos breves canteiros, onde banhadas crescem fileiras de hortaliças, em torno aos roseirais, aos jasmineiros, outras flores, que estão ao lado de uma parreira bonita cortando pela metade o jardim, até ao início dos campos, despojados de gramináceas. Também a relva do prado, assinalando o fim da propriedade, está chamuscada e rala. Só ás margens dela, onde há uma cerca de espinheiro-alvar selvagem, marcado pelos rubis dos pequenos frutos, a grama é mais verde e espessa. Alí estão as ovelhinhas com um pequeno pastor, à procura de pasto e de sombra.Joaquim está ao redor das fileiras e das oliveiras. Com ele há dois homens que o ajudam. Mesmo ancião, Joaquim é agil e trabalha com gosto. Estão abrindo pequenos cercados nos limites de um campo, para dar água às plantas sequiosas. A água abre um caminho borbulhando entre a relva e a terra abrasada, e se estende em anéis, que por um momento parecem de um cristal amarelado e depois são só anéis escuros de terra úmida, em torno aos sarmentos e as oliveiras sobrecarregadas.Ana lentamente vai na direção de Joaquim que quando a vê se apressa a encontrá-la andando pela parreira sombreada, sob a qual abelhas de ouro zumbem ávidas do açúcar dos grãos de uva branca.- Chegastes até aqui?- A casa está quente como um forno.- E tu sofres.- O único sofrimento é desta minha última hora de grávida. O sofrimento de todos, homens e animais. Não te acalores demais, Jo aquim.27- A água, que esperamos faz tempo e que de três dias para cá parecia bem próxima, ainda não veio, e o campo queima. É bom para nós que temos a nascente próxima e é muito rica de águas. Abri os canais. Um pouco de refrigério para as plantas, que têm as folhas murchas e cobertas de poeira. Mas é suficiente só para mantê-las vivas. Se chovesse!... - Joaquim, com a ânsia de todos os agricultores, perscruta o céu, enquanto Ana, cansada, se abana com um leque que parece feito com uma folha seca de palma, entrelaçada com fios multicolores que a tornara rígida.A parente diz:- Lá, além do grande Hermon, surgem nuvens velozes. Vento do norte. Refrescará e talvez trará água.- Sâo três dias que se levanta e depois cai com o surgir da lua. Será ainda assim. - Joaquim está desanimado.- Voltemos para casa. Aqui também não se respira, e depois penso que seja bom voltarmos... - diz Ana, que parece ainda mais olivácea por causa de uma palidez que lhe veio sobre o rosto.2- Sofres? 5.2- Não. Mas sinto aquela grande paz que senti no Templo quando me foi dada a graça e que senti

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ainda quando soube que seria mãe. É como um êxtase. Um doce sono do corpo, enquanto o espírito ju bila e se aplaca em uma paz sem comparação humana. Eu te amei, Joaquim, e quando entrei na tua casa e disse a mim mesma: “Sou esposa de um justo”, tive paz, e assim todas as vezes que o teu amor providencial cuidou da tua Ana. Mas esta paz é diferente. Veja, eu creio que é uma paz como aquela que devia invadir, como óleo que se expande e suaviza o espírito de Jacó, nosso pai, depois do seu sonho * de anjos; e, melhor ainda, semelhante à paz jubilosa dos Tobias depois que Rafael se manifestou a eles. Se me abandono a apreciá-la, ela sempre cresce mais. É como se eu subisse pelos espaços azuis do céu... e, não sei por que, desde que eu tenho em mim esta alegria pacífica, eu tenho um cântico no coração, aquele do velho Tobias. Parece-me que tenha sido escrito para esta hora... para esta alegria... para a terra de Israel que a recebe... para a Jerusalém pecadora e agora perdoada... mas, não rides dos delírios de uma mâe, quando digo: “Agradece o Senhor pelos teus bens e glorifica o Deus dos séculos, a fim de que reedifiques em ti o seu Tabernáculo”, eu penso que aquele que reedificará em Jerusalém o Tabernáculo do Deus verda -_______________________________* sonho, narrado em: Génesis 28, 10-16; seguem reenvio a: Tobias 12-13.

28deiro será este que está para nascer; penso ainda que não mais do que a Cidade santa, mas pela minha criança seja profetizado o destino quando o cántico diz: “Tu brilharás com uma luz esplêndida, todos os povos da terra se prostrarão a ti, as naçóes virão a ti trazendo presentes, em ti adorarão o Senhor e julgarão santa a tua terra, porque dentro de ti invocarão o Grande Nome. Tu serás feliz nos teus filhos, porque todos serão abençoados e se reunirão ao lado do Senhor. Bem-aventurados aqueles que te amam e regozijam tua paz!...”; e a primeira a regozijar sou eu, a sua mãe bem-aventurada...”.Ana empalidece e se inflama como algo trazido pela luz lunar a um grande fogo e vice-versa, ao dizer estas palavras. Doces lágrimas descem sobre suas faces e ela nem as percebe, sorrindo de alegria. E assim vai em direção à casa, entre o esposo e a parente, que a escutam e calam-se comovidos.3Apressam-se porque as nuvens, impelidas por um vento forte galopam e 5.3 crescem pelo céu, e a planície torna-se escura e estremece por um aviso de temporal. Quando alcançam à soleira da casa, um primeiro relâmpago lívido sulca o céu e o barulho do primeiro trovão parece o rufar de um enorme tambor que se mistura ao harpejo dos primeiros pingos sobre as folhas secas.Entram todos e Ana se retira, enquanto Joaquim, alcançado pelos criados, fala, da porta, desta longa espera pela água, que é uma bênção para a terra sedenta. Mas a alegria se transforma em temor, porque vem um temporal violentíssimo com raios e nuvens carregadas de granizo.- Se a nuvem rompe, a uva e as oliveiras serão esmagadas como pela moenda. Pobres de nós!Joaquim tem uma outra ansiedade: pela esposa para a qual chegou a hora de dar à luz o seu filho. A parente o tranqüiliza que Ana não sofre absolutamente nada. Mas ele está ansioso; cada vez que a parente ou outras mulheres, entre as quais a mãe de Alfeu, saem do quarto de Ana para depois voltarem com água quente e bacias e linhos enxutos junto ao fogo da lareira central numa cozinha ampla, Joaquim pergunta algo, não se acalmando com as respostas. Tam bém a ausência de gritos de Ana o preocupa. Diz:- Eu sou homem e nunca vi um parto. Mas lembro-me de ter ouvido dizer que a ausência de dores é fatal...Vem a noite, antecipada pela fúria tempestuosa que é violentíssima. Agua torrencial, vento, raios, ali tem de tudo, menos o granizo, que foi cair em outra parte.29Um dos criados percebe a violência e diz:- Parece que satanás saiu do inferno com seus demônios. Olha que nuvens negras! Sente que cheiro de enxôfre no ar, assobios, sibilos, vozes de lamento e maldição. Se é ele, está furioso esta noite!O outro criado ri e diz:- Fugiu-lhe uma grande presa, ou Miguel o espancou com uma nova faísca de Deus, e ele ficou com

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o chifre e o rabo cortado e quei mado”.Passa correndo uma mulher e grita:- Joaquim! Está para nascer! E foi tudo rápido e feliz! - e desaparece com uma pequena ânfora entre as mãos.4O temporal pára de improvisio depois de um último raio tão violento que 5.4 arremessa contra as paredes os três homens; e na frente da casa, no chão do horto-jardim, fica como lembrança um buraco pre to e fumegante. Ao mesmo tempo um gemido vem de lá da porta de Ana, gemido que parece o lamento de uma rolinha que pela primeira vez não pia, mas arrulha. Um enorme arco-íris estende a sua listra em semicírculo sobre toda a amplidão do céu. Surge, ou pelo menos parece surgir, do cume do Hermon que beijado por uma lama de sol, parece de alabastro de um branco-rosado delicadíssimo. Este arco- íris levanta-se até o mais claro céu de setembro, e, atravessando por espaços limpos de toda impureza, sobrevoa as colinas da Galiléia e a planície que aparece, entre duas árvores de figo, ao sul e depois ainda um outro monte, indo pousar a sua ponta final no extremo horizonte, lá onde uma áspera cadeia de montanhas fecha qualquer outro panorama.- Nunca vi isso!- Olhai, olhai!- Parece que toda a terra de Israel esteja ligada em um círculo, mas olhai, ali já há uma estrela, enquanto que o sol ainda não desapareceu. Que estrela! Brilha como um enorme diamante!...- A lua é toda plena, enquanto que ainda faltam três dias para a lua cheia. Mas olhai como resplandece!5As mulheres chegam repentinamente, alegres com um embrulhozinho 5.5 rosado entre tecidos alvos.É Maria, a máe! Uma Maria pequenina que poderia dormir entre o círculo de braços de um menino, uma Maria comprida tanto quanto um braço, uma cabecinha de marfim tingido de um rosa tênue, com a boquinha de carmim, que já não chora mais, mas faz o instintivo ato de sugar, tão pequena que não se sabe como fará para pegar30um mamilo, um narizinho diminuto entre duas pequenas faces arredondadas e ao tocá-lo abrem-se os olhinhos, dois pedacinhos do céu, dois pontinhos inocentes e azuis que olham, mas não vêem, entre cílios delicados, de um loiro tão intenso que é quase róseo. Também os cabelinhos sobre a cabecinha arredondada são a cor loiro-rosado de algumas qualidades de mel quase branco.No lugar de orelhas, duas conchinhas rosadas e transparentes, perfeitas. E por mãozinhas... o que são aquelas duas coisinhas que agitam-se no ar e depois vão à boca? Fechadas como agora, dois botões de rosa musgo que separam o verde das sépalas e lhes estende a seda de um tênue rosa; abertas como agora, duas pequenas jóias de marfim de alabastro ligeiramente rosado, com cinco româs pálidas no lugar das unhazinhas. Como farão aquelas mãozinhas para enxugar tanto choro?E os pezinhos? Onde estão? Por enquanto são só um espernear escondido entre os linhos. Mas eis que a parente senta-se e a descobre... Oh! Os pezinhos! Compridos uns quatro centímetros, têm por planta, uma concha coralina, como dorso uma concha de um branco neve com veiazinhas azuis, têm por dedinhos as obras-primas de escultura liliputiana, são também coroados por pequenos fragmentos de pálida romã. Mas como se encontrarão sandalinhas tão pequenas para poder estar naqueles pezinhos, quando tais pezinhos de boneca derem os primeiros passos? E como estes mesmos pezinhos farão tão áspero caminho e sustentarão tanta dor, debaixo de uma cruz?Mas agora isto não se sabe, e se ri e sorri do seu debater-se e espernear, das perninhas bonitas torneadas, das coxas pequenas que fazem covinhas e dobrinhas de tanto que são gorduchas, da barriguinha, uma taça emborcada do pequeno tórax perfeito sob cuja seda cándida se vê o movimento da respiração que certamente se ouve. O pai feliz escuta seu peitinho agora, e o beija ao ouvir bater um coraçãozinho... Um coraçãozinho que é o mais bonito que a terra teve nos séculos dos séculos, o único coração humano imaculado.E as costas? Eis que a viram, e se vê a forma dos rins e depois os ombros gorduchos e a nuca rosada tão forte que a cabecinha se ergue sobre o arco das pequenas vértebras, parecendo a cabecinha de um pássaro que perscruta ao redor o mundo novo e tem um gritinho de protesto por ser assim

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mostrada, ela, a pura e casta, aos olhos de tantos, ela que homem nenhum a verá nua, a toda virgem, a santa e imaculada. Cobri, cobri este botão de flor-de-lis que nunca se abrirá sobre a terra e que dará, ainda mais bonita que ela, a sua flor, sem -31pre permanecendo botão. Só nos Céus o Lírio do Trino Senhor abri rá todas as suas pétalas. Porque no céu não há poeira de culpa que possa involuntariamente profanar aquele candor. Porque lá em cima deve ser acolhido, à vista de todo o Empíreo, o Deus Trinitário que agora ocultado em um coração sem mácula, entre poucos anos estará nela: Pai, Filho, Esposo.Eis ali de novo entre os linhos e entre os braços do pai terreno, com quem ela se assemelha. Não agora. Agora é um esboço de homem. Eu digo que se lhe assemelhará quando mulher. Da mãe não tem nada. Do pai, a cor da pele, dos olhos e certamente dos cabelos que, se agora são brancos, na juventude eram certamente loiros como o dizem as sobrancelhas. Do pai, as feições, feitas mais perfeitas e gentis por ser ela mulher, a mulher. Do pai o sorriso, o olhar, o modo de mexer-se e a estatura. Pensando em Jesus, como o vejo, acho que Ana deu a sua estatura ao Neto e a cor marfim mais carregada da pele. Enquanto que Maria não tem aquela imponência de Ana, um palmo mais alta e flexível, mas tem a gentileza do pai.6As mulheres também falam do temporal e do prodígio da lua, da estrela, 5.6 do imenso arco-íris, enquanto junto ao Joaquim entram onde está a mãe feliz e lhe entregam a criancinha.Ana sorri a um pensamento:- É a Estrela - diz.- O seu sinal está no céu. Maria, arco de paz! Maria, minha estrela! Maria, lua pura! Maria, nossa pérola!- Chama-se Maria?- Sim. Maria, estrela, pérola, luz e paz...- Mas também quer dizer amargura... Não temes trazer-lhe desventura?- Deus está com ela. Já era Dele antes de ser. Ele a conduzirá pelos seus caminhos e toda amargura se transformará em um paradisíaco mel. Agora sejas da tua mãe... ainda por um pouco, antes de seres toda de Deus...E a visão termina sobre o primeiro sono de Ana mãe e de Maria criança.

27 de agosto de 1944.7 Jesus diz: 5.7“Surge e apressa-te pequena amiga. Tenho um desejo ardente de te levar Comigo para o azul paradisíaco da contemplação da Virgindade de Maria. Sairás com a alma jovem como se tu também fosses *32criada há pouco pelo Pai, uma pequena Eva que ainda não conhece a carne. Sairás com o espírito repleto de luz, porque tu mergulharás, na contemplação da obra-prima de Deus. Sairás com todo o teu ser saturado de amor, porque compreenderás como Deus sabe amar. Falar da concepção de Maria, a sem mácula, quer dizer mergulhar-se no azul, na luz, no amor.8Vem e lê as suas glórias no Livro do Avo: “Deus me possuiu no início 5.8 *de suas obras, desde o princípio, antes da criação. “Ab aeterno” fui predeterminada no princípio. Antes que fosse feita a terra, ainda não existiam os abismos e eu já era concebida. Nem as nascentes das águas transbordavam, nem os montes tinham-se erguido em suas grandes dimensôes, nem as colinas eram cadeias montanhosas ao sol, e eu já tinha sido gerada. Deus ainda não tinha feito a terra, os rios, e as bases do mundo, e eu era. Quando preparava os céus eu estava presente, quando com lei imutável fechou sob a orla celeste o abismo, quando tornou estável no alto a abóbada celeste e suspendeu as fontes das águas, quando fixava ao mar os seus confins e dava leis às águas de não passar os seus limites, quando assentava os fundamentos da terra, eu estava com Ele a dispor todas as coisas. Sempre na alegria brincava diante Dele continuamente, brincava no universo...”. Aplicaram estas palavras à Sabedoria, mas na realidade elas falam dela: a bela máe, a santa máe, a

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virgem máe da Sabedoria, que sou Eu que te falo.9Eu quis que tu escrevesses o primeiro verso deste hino no início do livro 5.9 que fala dela, para que fosse confessada e percebida a consolação e a alegria de Deus; a razão do constante, perfeito, íntimo regozijo deste Deus uno e trino, que vos guia e ama, que do homem teve tantas razões de tristeza; a razão pela qual Deus perpetuou a raça, mesmo quando, à primeira prova, merecia ser *destruída; a razão do perdão que vocês tiveram.Ter Maria que o amasse. Oh! bem merecia criar o homem, e deixá-lo viver, e decretar perdoá-lo, para ter a virgem bela, a virgem santa, a virgem

imaculada, a virgem enamorada, a filha dileta, a____________________________* de Maria, é um acréscimo de MV numa cópia datilografada; na contemplação da obra-prima (em vez de na obra-prima), correção de MV numa cópia datilografada.* lê, em: Provérbios 8, 22-31. Assim anota MV numa copia datilografada: Inspiradas ao autor dos Proverbios para celebrar a Sabedoria, podem aplicar-se também a Maria, Mãe da Sabedoria, porque Maria foi sempre, desde sempre, pensada e contemplada por Deus. À Sabedoria, da qual era Mãe, Maria foi sempre unida, como realça uma nota de MV em 196.7.* primeira prova, aquela narrada em: Gênesis 6-9.

33mãe purissima, a esposa amorosa! Muito e mais ainda vos deu e vos daria Deus para poder possuir a criatura das suas delícias, o sol do seu sol, a flor do seu jardim. E muito continua a dar-vos por ela, a pedido dela, pela alegria dela, porque a sua alegria se derrama na alegria de Deus e a aumenta de esplendor que enche de faíscas a luz, a grande luz do Paraíso; cada centelha é uma graça para o univer so, para a raça do homem, para os próprios bem-aventurados, que respondem-lhes com um grito radiante de aleluia a cada geração de milagre divino, criado pelo desejo do Deus Trino de ver o cintilante riso de alegria da Virgem.10Deus quer um rei no universo que Ele havia criado do nada. Um rei que, 5.10 pela natureza da matéria, fosse o primeiro entre todas as criaturas criadas e dotadas de matéria. Um rei que, pela natureza do espírito, fosse quase divino, fundido na Graça como no seu inocente primeiro dia. Mas a Mente suprema, onde são notórios todos os acontecimentos mais distantes em séculos, cuja vista vê incessantemente tudo quanto era, é, e será, enquanto contempla o passado e observa o presente, eis que aprofunda o olhar no último futuro sem ignorar a morte do último homem, sem confusão nem descontinuidade, esta Mente nunca ignorou o rei criado por Ele, para estar ao seu lado, semidivino, no Céu, herdeiro do Pai. Ao entrar adulto no seu reino, depois de ter vivido na casa da mãe, a terra com a qual foi feito, durante a sua infância de Eterno, na sua jornada sobre a terra, este rei teria cometido contra si mesmo o delito de matar-se na Graça e o latrocínio de furtar-se do Céu.Por que então o criara? Certamente muitos se perguntam isto. Teríeis preferido não existir? Este dia não merecia ser vivido, por si mesmo, tão pobre, nu e amargo pela vossa maldade, mas para conhecer e admirar a Beleza infinita que a mão de Deus semeou no universo?Para quem teria feito estes astros e planetas que deslizam como setas e flechas, riscando o arco do firmamento? Ou os aparentemente lentos, majestosos na sua corrida como bólidos, presenteando-vos com luzes e estações como se fossem eternos, imutáveis, ainda que em contínua mudança, oferecendo-vos uma página nova para ser lida sobre o azul, toda noite, todo mês, todo ano, quase como dizendo-vos: “Esquecei-vos do cárcere, deixai as vossas gravuras repletas de coisas obscuras, podres, sujas venenosas, enganosas, blasfemadoras, corruptoras e elevai, ao menos com o olhar na ilimitada liberdade dos firmamentos. Tende uma alma azul olhando tão grande34serenidade, criai-vos uma reserva de luz, para levar à vossa prisão escura. Lede a palavra que nós

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escrevemos cantando o nosso coro sideral mais harmonioso do que acompanhado por um órgão de catedral. A palavra que nós escrevemos brilhando, a palavra que nós escrevemos amando, visto que sempre temos presente Aquele que nos quis dar a alegria de existir, e o amamos por nos ter dado este ser, este esplendor, este deslizar, este sermos livres e belos em meio ao azul suave, além do qual vemos um azul ainda mais sublime, o Paraíso. E do qual cumprimos a segunda parte do preceito de amor amando a vós, o nosso próximo universal, amando-vos doando guia, luz, calor e beleza. Lede a palavra que nós dizemos, e é aquela sobre a qual regulamos o nosso canto, o nosso resplandecer, o nosso riso: Deus”?Para quem teria feito aquele líquido azul, que é um espelho para o céu, um caminho para a terra, sorriso das águas, voz das ondas, palavra também essa que como os sussurros de seda farfalhando, com risadinhas de crianças serenas, com suspiros de velhos que lembram e choram, com bofetões violentos e com chifradas, mugidos e estrondos, sempre fala e diz: “Deus”? O mar é para vós, como o céu e os astros. E com o mar, os lagos, os rios, os pântanos, os riachos e as nascentes puras, que servem a todos para vos transportar, nutrir, dessedentar e purificar, e que vos servem, servindo o Criador, sem saírem para fora dos seus limites, afogando-vos, como mereceis.Para quem teria feito todas as inumeráveis famílias dos animais, como flores que voam cantando, os servos que correm, que trabalham, nutrem e são recreação para vós, os reis?Para quem teria feito todas as inumeráveis famílias das plantas, e das flores que parecem borboletas, que parecem jóias e passarinhos imóveis, dos frutos que parecem os cofres de pedras preciosas, como tapetes para vossos pés, proteção para as vossas cabeças, recreação útil, alegria para a vossa mente, membros, vista e olfato?Para quem teria feito os minerais nas entranhas da terra, os sais dissolvidos nas fontes de águas geladas ou ferventes, as fontes sulfurosas, as iodadas, as alcalinas? Não teria sido para que alguém gozasse de tudo, alguém que não era Deus, mas filho de Deus? O homem.Para a alegria de Deus, para as necessidades de Deus, nada era preciso. Deus se basta a Si mesmo. Não tem que se contemplar para alegrar-se, nutrir-se, viver e repousar. Tudo o que foi criado não aumentou um átomo a sua infinita alegria, sua beleza, seu poder. Mas35tudo Ele fez pela sua criatura, que Ele quis colocar como rei na Sua obra: o homem.Para ver tão grandes obras de Deus e por reconhecimento para com o seu poder, vale a pena viver. Como viventes deveis ser gratos. Deveríeis ter sido gratos, mesmo se não tivésseis sido redimidos, hoje ou no fim dos séculos, porque não obstante tenhais sido os Primeiros, singularmente, sois até hoje prevaricadores, soberbos, luxuriosos, homicidas. Mas Deus ainda vos concede sabor de gozar das belezas do universo e da bondade do universo, e vos trata como se fosseis bons, filhos bons aos quais tudo é ensinado e concedido, a fim de tornar-lhes mais doce e sadia a vida. Quanto sabeis, vós o sabeis pela luz que Deus vos deu. Tudo quanto descobris, vós o descobris porque Deus vô-lo indica no Bem. Porque os outros conhecimentos e descobertas, que têm o sinal do mal, vêm do Mal supremo, satanás.11A Mente suprema, que nada ignora, antes ainda que o homem 5.11 existisse, sabia que o homem, por si mesmo, teria sido um ladrão e um homicida. E, já que a Bondade eterna não tem limites, antes que acontecesse a Culpa, pensou no meio para anulá-la. E o meio seria: Eu. E o instrumento para fazer do meio um instrumento operante seria: Maria. Assim é que a virgem foi criada no Pensamento sublime de Deus.12Todas as coisas foram criadas para Mim, Filho dileto do Pai. Eu, como 5.12 Rei, deveria ter tido sob os meus pés de Rei divino tapetes e jóias como nenhum palácio real jamais teve. Cantos, vozes, servos e ministros tão numerosos ao redor de minha pessoa que nenhum soberano jamais teve. Flores, pedras preciosas, todo o sublime, o grandioso, o gentil, o minucioso, tudo o que é possível buscar no Pensa mento de um Deus.Mas Eu devia ser Carne, além de ser Espírito. Carne, para salvar a carne. Carne para sublimar a carne, levando-a para o Céu, muitos séculos antes da hora. Porque a carne, habitada pelo espírito, é a obra-prima de Deus, e por ela, o Céu fora feito. Para ser Carne, eu tinha necessidade de uma mãe. Para ser Deus, eu tinha necessidade de que meu Pai fosse Deus.

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Eis que, então, Deus criou para Si uma esposa, e lhe disse: “Vem comigo. A meu lado, vê tudo quanto Eu faço pelo nosso Filho. Olha e jubila-te, virgem eterna, menina eterna, que o teu riso encha todo este empíreo, e dê aos anjos a nota inicial, e ensina ao Paraíso uma harmonia celeste. Eu olho para ti. E te vejo como serás, ó mulher imaculada que, por enquanto, és apenas espírito, o espírito em que36me deleito. Olho para ti, e dou o azul do teu olhar ao mar e ao firmamento, a cor dos teus cabelos ao trigo, a tua candura ao lírio, o tom róseo à rosa, semelhante à tua pele de seda. Imito nas pérolas os teus dentes graciosos; olhando tua boca, faço os doces morangos, ponho na voz rouxinóis às tuas notas, e na das rolinhas o teu pranto. Ainda lendo os teus futuros pensamentos, ouvindo as palpitações do teu coração, eu encontrei os modelos de arte para criar. Vem, minha Alegria! Habita os mundos para divertimento teu, enquanto fores a luz que se move em meu Pensamento, teus hão de ser os mundos pelo teu sorriso, tuas as belas formações das estrelas e o colar dos astros todos. Coloca a lua sob os teus pés gentis, cinge-te com o cinto de estrelas da Via Láctea. As estrelas e os planetas são para ti. Vem e diverte-te, vendo as flores que serão o divertimento do teu Menino, servindo de almofada para o Filho do teu ventre. Vem, e vê como se criam as ovelhas e os cordeiros, as águias e as pombas. Fica perto de mim, enquanto eu faço como uns vasos, os mares e os rios, enquanto ergo as montanhas e as enfeito com a neve e as florestas, enquanto semeio as searas, as árvores, as, videiras, enquanto faço para ti a oliveira, minha rainha de paz, para ti a videira, meu sarmento que levará o Cacho eucarístico. Corre, voa, jubila-te, ó minha beleza, e que o mundo todo, que vai sendo criado de hora em hora, aprenda contigo a me amar, ó amorosa, e se torne mais bonito com o teu sorriso, ó mãe do meu Filho, rainha do meu Paraíso, amor do teu Deus”. Vendo o Erro, e olhando para a Sem Erro diz ainda: “Vem a Mim, tu que anulas a amargura da desobediência, da ingratidão, da fornicação humana com satanás. Eu terei contigo a desforra sobre satanás”.13Deus, Pai Criador, criara o homem e a mulher com uma lei de amor tão 5.13 perfeita, que não podeis, nem ao menos compreender. E vós vos enganais ao pensar como teria aparecido a raça humana, se o homem não o tivesse alcançado pelo ensinamento de satanás.Olhai as plantas que produzem fruto e semente. Por acaso elas conseguem ter semente e fruto por meio de uma fornicação ou de uma fecundação em cada cem encontros conjugais? Não. Da flor masculina sai o pólen, guiado por um complexo de leis meteóricas e magnéticas, vai ao ovário da flor feminina. Esta se abre, o recebe e produz. Não se suja e o rejeita depois, como vós fazeis, para poderdes gozar, no dia seguinte, da mesma sensação. Depois de produzir não floresce, até a próxima estação e, quando floresce, é para reproduzir.Olhai os animais. Todos. Já vistes algum animal, macho ou fêmea, ir um ao outro para algum abraço estéril, ou só para algum encontro37lascivo? Não. De perto ou de longe, voando, rastejando, pulando ou correndo, eles vão, quando chega a hora, ao rito fecundativo, e não se subtraem a isso para ficarem só no prazer, mas vão além, vão até ás conseqüências sérias e santas, que conduzem à geração da prole, o único escopo que, no homem, semideus pela origem da Graça que Eu restituí inteira, deveria fazê-lo aceitar a animalidade do ato neces sário, uma vez que descestes um grau no nível do animal.Vós não fazeis como as plantas e os animais. Vós tivestes por mes tre satanás, pois o escolhestes e o desejais. As obras que praticais são dignas do mestre que quisestes ter. Mas, se tivésseis sido fiéis a Deus, teríeis tido santamente, sem dor, a alegria de filhos, sem vos esgotardes em cópulas obscenas, indignas, que os próprios animais não conhecem, os animais que não têm alma racional e espiritual. *Ao homem e à mulher, depravados por satanás, Deus quis opor o Homem nascido de mulher tão purificada por Deus, a ponto de poder gerá-Lo sem relação com homem. Flor que gera flor, sem necessidade de semente, mas apenas com o beijo do Sol sobre o cálice inviolado do Lirio que é Maria.14A desforra de Deus! 5.14

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Solta os teus silvos de inveja, ó satanás, enquanto ela está nascendo. Esta menina te venceu! Antes que tu fosses o Rebelde, o Tortuoso, o Corruptor, já estavas vencido, e ela é a tua vencedora. Mil exércitos alinhados nada podem contra o teu poder, e contra as tuas couraças caem as armas das mãos dos homens, ó perene, e não há vento que possa dispersar o mau cheiro do teu hálito. No entanto, este calcanharzinho de criança, tão rosado, que parece o interior de uma camélia também rosada, tão liso e tão macio que a seda é áspera comparado a ele, tão pequenino, que poderia caber no cálice de uma tulipa e usá-la como sapatinho, eis que ele te pisa sem medo, e te confina em teu antro. Eis que só o seu vagido já te póe em fuga, a ti que não tens medo dos exércitos. O hálito dela purifica o mundo do teu fedor. Estás derrotado. Só o nome dela, só o seu olhar, só a sua pureza já são uma lança, um fulgor de raio, uma enorme pedra que te transpassam, que te abatem, que te aprisionam no teu covil do inferno, ó Maldito, que tiraste a Deus a alegria de ser Pai de todos os homens criados.Foi inútil, pois, teres corrompido os que haviam sido criados inocentes, levando-os a conhecer e a conceber sinuosidades da luxúria,___________________________* racional e espiritual, é um acréscimo de MV numa cópia datilografada. 38

38privando Deus, de ser o doador dos filhos, em suas diletas criaturas, dando-lhes regras que, se respeitadas, teriam mantido sobre a terra um equilíbrio entre os sexos e as raças, capaz de evitar guerras entre os povos e desventuras entre famílias.Obedecendo, teriam conhecido o amor. Só obedecendo, teriam conhecido e conservado o amor. Uma posse plena e tranqüila desta emanação de Deus, que do sobrenatural desce ao inferior, para que também a carne se alegre santamente, esta que está ligada ao espírito, criada por Aquele que criou o espírito.Agora, o vosso amor, ó homens, os vossos amores o que são? Ou libidinagem vestida de amor, ou medo insanável de perder o amor do cônjuge, seja pela libidinagem própria, ou alheia. Já não estais mais seguros quanto à posse do coração do esposo ou da esposa, desde quando a libidinagem entrou neste mundo. Tremeis, chorais e tornais-vos loucos de ciúmes, até assassinos, às vezes, para vingar al guma traição, desesperados, ou então abúlicos e até dementes.Eis o que fizeste, satanás, aos filhos de Deus. Estes, que corrompeste, teriam conhecido a alegria de ter filhos sem sentirem dor, a alegria de nascer sem o medo de morrer. Mas agora estás vencido em uma mulher e por uma mulher. De agora em diante, quem a amar, tornará a ser de Deus, superando as tuas tentações, para poder imitar a sua pureza imaculada. De agora em diante, não mais podendo conceber sem dor, as mães a terão para o seu conforto. De agora em diante, as esposas a terão por guia e os moribundos por mãe, sendo doce para eles morrer sobre aquele seio, que é um escudo contra ti, oh Maldito, e proteção, diante do julgamento de Deus.Maria, minha cara interlocutora, viste o nascimento do Filho da virgem e o nascimento da virgem no Céu. Viste, pois, que para os sem culpa é desconhecido o castigo de dar a vida e também o sofrimento de dar-se à morte. Mas, se à inocentíssima mãe de Deus foi reservada a perfeição dos dons celestes, a todos, que tivessem permanecido inocentes e filhos de Deus, teria sido possível gerar sem dor e morrer sem afã, por justiça de terem sabido unir-se e conceber sem luxúria.A sublime desforra de Deus sobre a vingança de satanás foi a de elevar a perfeição da criatura dileta a uma super-perfeição, capaz de anular, ao menos nela, toda lembrança de humanidade, que fosse suscetível ao veneno de satanás, e para a qual, não de um casto abraço de homem, mas de um divino amplexo, que empalidece o espírito num êxtase de Fogo, lhe teria vindo o Filho.39

15A virgindade da Virgem!... 5.15Vem. Medita nesta virgindade profunda, que produz em quem a contempla vertigens de abismo! O que é a pobre virgindade forçada da mulher que por nenhum homem foi desposada? É menos do que nada. O que é a virgindade daquela que quer ser virgem, para ser de Deus, mas sabe sé-lo só no

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corpo e não no espírito, no qual deixa entrar muitos pensamentos estranhos, acaricia e aceita as carícias de pensamentos humanos? Isto já começa a ser uma máscara de virgindade, mas muito pouco ainda. O que é a virgindade de uma enclausurada, que vive só para Deus? É muito. Mas, mesmo assim, ainda não é uma virgindade perfeita, se comparada com a virgindade da minha mãe.Sempre existiu um enlace, até mesmo no mais santo. O enlace da origem, entre o espírito e a Culpa. Só o Batismo o desfaz. Mas, é como uma mulher separada do marido pela morte, não restitui mais em si a virgindade total, como a virgindade dos nossos Primeiros, antes do Pecado. Uma cicatriz permanece, e dói ao ser lembrada, e está sempre pronta para reabrir-se em ferida, como certas doenças que periodicamente voltam com seus vírus, ainda mais ativos. Na virgem não fica esse sinal de um enlace dissolvido com a Culpa. Sua alma apresenta-se bonita e intacta, como quando estava na mente do Pai, e reúne em Si todas as Graças.É a virgem, a única, a perfeita, a completa, foi assim pensada, gerada, querida, coroada. É eternamente a virgem, o abismo da intocabilidade, da pureza, da graça que se perde no Abismo do qual brotou: em Deus, intangibilidade, pureza e graça perfeitíssima.Aí está a desforra do Deus Trino e Uno. Contra suas criaturas profanadas, Ele ergue esta Estrela de perfeição. Contra a curiosidade doentia, esta se esquiva, recompensada em poder amar somente a Deus. Contra a ciência do mal, esta sublime ignorante. Nela não existe somente a ignorância do que é um amor aviltado; não há tam bém somente a ignorância do amor que Deus havia dado aos esposos. E ainda mais. Nela há a ignorância das concupiscências, herança do pecado. Nela há somente a sabedoria gélida, mas incandescente, do Amor divino. Fogo que protege de gelo a carne, para que se torne espelho transparente no altar onde um Deus desposa uma virgem, e não se avilta, porque sua Perfeição abraça aquela que, como convém a uma esposa, só em um ponto é inferior ao esposo, sendo-lhe sujeita por ser mulher, mas é sem mancha, como Ele”.40

6. Purificação de Ana e oferecimento de Maria,a menina perfeita para o reino dos Céus.

28 de agosto de 1944.1Em Jerusalem, vejo Joaquim e Ana com Zacarias e Isabel saírem juntos 6.1 de uma casa, certamente de parentes ou amigos, e dirigiremse ao Templo, onde vão para a cerimônia da Purificação.Ana tem nos braços a menina, toda envolta em cueiros, tendo sido antes enrolada com um amplo tecido de lã mais leve, que deve ser macio e quente. Com que cuidado e amor leva a sua filhinha, levantando de vez em quando a beirada do pano fino e quente, para ver se Maria respira bem, e depois, cobre-a bem de novo, para protegê-la do ar gelado deste dia sereno, embora de pleno inverno.Isabel tem alguns pacotes nas mãos. Joaquim puxa com uma corda dois cordeiros grandes e muito brancos, que já são mais carneiros que cordeiros. Zacarias não leva nada. Ele está muito bonito em sua veste de linho, que um pesado manto de lã também branco, deixa entrever. Um Zacarias muito mais jovem do que aquele visto no tempo do nascimento do Batista, em plena virilidade, como também Isabel é agora uma mulher madura, mas ainda de aparência jovem. Todas as vezes que Ana olha a menina, ela também se inclina extasiada, sobre o rostinho adormecido. Muito bonita, com um vestido azul que tende ao violeta escuro, com um véu que lhe cobre a cabeça, descendo depois sobre os ombros e sobre o manto mais escuro que o vestido.Joaquim e Ana, enfim, estão realmente esplêndidos em suas vestes de festa. Ao contrário do seu costume, ele não está com sua túnica marrom escuro, mas com uma longa veste de um vermelho bem escuro, diríamos, um vermelho de fundo, e as franjas colocadas em seu manto são muito novas e bonitas. Na cabeça, ele tem também uma espécie de véu retangular, cingido com uma tira de couro. Sua roupa é toda nova e fina.

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Ana, oh! ela não se veste de escuro hoje. Está com um vestido amarelo muito claro, quase da cor do marfim velho, ajustado à cin tura, ao pescoço e aos pulsos por meio de um cinturão que parece ser de prata e ouro. A sua cabeça está coberta com um véu muito leve, que parece adamascado e está preso à fronte por uma lâmina delgada e preciosa. Ao pescoço, um colar de filigrana e nos pulsos, braceletes. Parece uma rainha, também pela dignidade com que caminha com sua veste, em especial o manto amarelo claro, com galões41formando um bordado muito bonito, tom sobre tom.- Parece-me estar te vendo no dia em que fostes a noiva. Eu era pouco mais que uma menina, mas lembro-me ainda como estavas bonita e feliz, diz Isabel.- Mas hoje estou ainda mais... Quis pôr a mesma roupa daquele dia para a cerimônia de hoje. Eu a guardei sempre para este dia... Já não esperava mais poder usá-la para esta festa.2- O Senhor te amou muito... - diz Isabel com um suspiro. 6.2- É por isso que eu Lhe dou a coisa que eu mais amo. Esta minha flor.- Como farás para arrancá-la do seio, quando chegar a hora?- Recordando-me que eu não a tinha, e a recebi de Deus. Estarei sempre mais feliz agora, do que antes. Quando pensar que ela estará no Templo, direi a mim mesma: “Reza junto ao Tabernáculo, ora ao Deus de Israel também por sua mãe” e ficarei em paz. E ainda maior paz terei, ao dizer: “Ela é toda Sua. Quando estes dois velhos felizes que a receberam do Céu não estiverem mais em vida, Ele, o Eterno, lhe será eternamente Pai”. Podes crer, eu tenho disso a firme convicção, esta pequenina não é nossa. Nada mais eu podia fazer... Foi Ele que a colocou em meu ventre, este dom divino para enxugar o meu pranto, confortar as nossas esperanças e atender as nossas orações. Por isso ela é Sua: Nós somos somente os felizes guardiães dela... e por isso Deus seja bendito!3 Chegam até os muros do Templo. 6.3- Enquanto vos dirigis para a porta de Nicanor, eu vou avisar o sacerdote. Depois, eu virei também - diz Zacarias, desaparecendo atrás de um arco, que dá para um grande pátio rodeado de pórticos.A comitiva continua a encaminhar-se pelos sucessivos terraços. Porque (não sei se já o disse) o recinto do Templo não está sobre um terreno plano, mas vai-se elevando por degraus sucessivos sempre mais altos. A cada lance pode-se chegar por escadarias, e em cada lance há pátios, pórticos e portais muitos bem trabalhados, de mármore, bronze e ouro.Antes de chegarem ao lugar combinado, eles param e vão tirar dos pacotes as coisas que tinham levado, ou seja, pães cozidos, de formato achatado e de pouca espessura, feitos com muita gordura, um pouco de farinha branca, duas pombas em uma pequena gaiola de vime e grandes moedas de prata, certas patacas tão pesadas, que por sorte não havia bolsos naquele tempo, pois não resistiriam.Eis a bonita porta de Nicanor, um trabalho bem acabado de42entalhe, feito de pesado bronze com lâminas de prata. Lá já se encontra Zacarias, ao lado de um sacerdote esplêndidamente vestido de linho.Ana recebe a aspersão de uma água, que eu suponho seja a água lustral, e depois recebe a ordem de aproximar-se do altar do sacrifício. A menina não está mais em seus braços. Isabel carrega, estando ainda do outro lado da porta.Joaquim, por sua vez, entra, atrás de sua mulher, puxando um pobre cordeiro balindo. Faço como na purificação de Maria: fecho os olhos para não ver degolações como esta.Agora Ana está purificada.4Zacarias diz em voz baixa algumas palavras a um colega, o qual concorda,6.4 sorrindo. Depois aproxima-se do grupo, que já se reuniu de novo, congratulando-se com a mãe e o pai pela sua alegria e pela fidelidade às promessas feitas, recebendo o segundo cordeiro, a farinha e os pães cozidos.- Então, esta filha está sendo consagrada ao Senhor? Que a Sua bênção esteja com ela e convosco. Eis Ana que chega. Ela será uma de suas mestras. É Ana de Fanuel, da tribo de Aser. Vem, mulher!

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Esta pequenina é oferecida ao Templo em hóstia de louvor. E tu serás sua mestra. Submissa a ti, ela crescerá na santidade.Ana de Fanuel, já com os cabelos todos brancos, acaricia a menina, que acabou de acordar e olha com seus olhos inocentes e espantados toda aquela brancura e todo aquele ouro, que a luz do sol faz brilhar.A cerimônia deve ter acabado. Não vi nenhum rito especial para a oferta de Maria. Talvez fosse suficiente dizê-lo ao sacerdote e sobretudo que o dissessem a Deus, no lugar sagrado.5- Eu gostaria de fazer a oferta ao Templo, e ir depois àquele lugar, onde vi 6.5 aquela luz no ano passado.Vão assim para lá, acompanhados por Ana de Fanuel. Mas não entram no Templo propriamente dito. Compreende-se que, tratandose de mulheres e de uma menina, não chegaram até o lugar, ao qual Maria chegou, quando veio oferecer o seu Filho. Mas, bem perto da porta toda aberta, olham para o interior meio escuro, de onde estão vindo doces cantos de meninas, e de onde vem o brilho de lâmpadas preciosas, que espalham uma luz de ouro sobre dois canteiros de cabecinhas cobertas com véus brancos, dois verdadeiros canteiros de lírios.- Daqui a três anos tu também estarás lá, meu Lírio, promete Ana43a Maria, que olha como que fascinada para o interior do Templo, sorrindo ao lento canto.- Parece até que ela compreende - diz Ana de Fanuel - É uma linda menina! Será querida por mim, como se fizesse parte de minhas entranhas. Assim eu te prometo ó mãe, se a idade me permitir.- Sim, que poderás, mulher! - diz Zacarias - Tu a receberás entre as meninas consagradas. Eu também estarei lá. Quero estar lá naquele dia para dizer a ela que reze por nós desde o primeiro momento... - e olha para a sua mulher; que compreende, suspirando.A cerimônia terminou, e Ana de Fanuel se retira, enquanto os outros saem do Templo, conversando entre si.Ouço a voz de Joaquim, que diz:- Eu teria dado até todos os meus cordeiros, não só os dois melhores, em troca desta alegria, para dar louvor a Deus!Nada mais vejo.

6Jesus diz: 6.6“Salomão faz a Sabedoria dizer: “Quem é criança, venha a mim”. Na * verdade, é da fortaleza e dos muros de sua cidade que a eterna Sabedoria dizia à eterna menina: “Vem a mim”. Ansiava por tê-la. Mais tarde, o Filho desta puríssima menína dirá: “Deixai vir a Mim os pequeninos, porque deles é o Reino dos Céus, e quem não se tornar semelhante a eles, não terá parte no meu Reino”. As vozes se perseguem e, enquanto a voz do Céu grita à pequena Maria: “Vem a Mim”, a voz do Homem pensa em sua mãe, ao dizê-lo: “Vinde a Mim, se souberdes ser pequeninos”.Dou-vos um modelo em minha mãe.Eis a perfeita criança, do coração de pomba, simples e puro, eis Aquela que os anos e os contatos do mundo não conseguem embrutecer pela barbárie de um espírito corrompido, tortuoso, mentiroso. Porque Ela não quer este espírito. Vinde a Mim, olhando para Maria.7Tu, que a estás vendo, diz-me: o seu olhar de criança é muito diferente do 6.7 olhar com que a viste aos pés da Cruz, na alegria do Pentecostes, na hora em que suas pálpebras desceram sobre seus olhos de gazela para o seu último sono? Não. Aqui está o olhar incerto e espantado da criança; mais tarde será o olhar espantado e verecundo da Anunciada; mais tarde ainda, o olhar feliz da mãe de Belém; depois, o olhar de adoradora da minha primeira e sublime discípula;_____________________________* faz a Sabedoria dizer, em: Provérbios 9,4; dirá, em 378.8.

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44depois ainda, o olhar dilacerado da atormentada no Gólgota; depois, o olhar radiante da Ressurreição e Pentecostes; e, por fim, o olhar velado do sono extático da última visão. Mas, seja que se abra às pri meiras vistas, seja que se feche cansado sobre a última luz, depois de ter visto tanta alegria e tanto horror, o olho é sereno, puro, plácido, nesga de céu que brilha sempre de modo igual, sob a fronte de Maria. Ira, mentira, soberba, luxúria, ódio, curiosidade, nunca o sujam com suas nuvens de fumaça.É o olho que olha para Deus com amor, tanto quando chora, como quando ri. Por amor de Deus acaricia e perdoa, tudo suportando. Por amor ao seu Deus se torna inatacável aos assaltos do Mal, que muitas vezes se serve dos olhos para penetrar no coração. O olhar puro, repousante, benevolente, que têm os puros, os santos, os enamorados de Deus.* Eu disse: “A luz do teu corpo são os teus olhos. Se os olhos são puros todo o teu corpo estará iluminado. Mas se os olhos são turvos, toda a tua pessoa estará em trevas”. Os santos tiveram esse olho que é luz para o espírito e salvação para a carne, porque como Maria, durante toda a sua vida, não olharam senão para Deus. Ao contrário, eles sempre se lembraram de Deus.Explicarei a ti, pequena voz, qual é o sentido desta minha pala vra”.

6. A pequena Maria com Ana e Joaquim.Em seus lábios já está a Sabedoria do Filho.

29 de agosto de 1944.lAinda vejo Ana. Desde ontem à tarde, que a estou vendo assim: ela está 7.1 sentada no começo da sombra da parreira, atenta a um trabalho de costura. Está toda vestida de uma cor cinzento-areia, com um vestido muito simples e solto, talvez por causa do grande calor que deve estar fazendo.No fim da parreira, podem ver-se os ceifadores, que estão cortando o feno. Mas ainda não deve ser o feno de maio, porque a uva já está para colorir-se de ouro e uma macieira grande já vem mostrando os seus frutos, entre as folhas escuras, que vão se tornando da cor de uma cera lustrosa, amarela e vermelha. Além disso, o campo de___________________________* Eu disse, em: Mateus 6, 22-23 (174.9); Lucas 11,34-35 (413.7)

45cereais é agora um restolho sobre o qual, ondulam leves as chamazinhas das papoulas e se levantam, rígidas e serenas, as flores-de-lis, raiadas como uma estrela, e azuis como o céu do Oriente.Da parreira sombria vem vindo, à frente, uma Maria pequenina, mas já andando ligeira e independente. Seu passo é curto, mas seguro, e suas sandalinhas já não tropeçam nas pequenas pedras. Tem já um esboço do seu doce passo, levemente ondulante, de pomba, e ela está parecendo mesmo uma pombinha em seu vestidinho de linho, que desce até os tornozelos, um vestidinho bem cômodo, franzido no pescoço por um cordãozinho azul celeste, e com manguinhas curtas, que deixam ver os antebraços rosados e gorduchos. Com os seus cabelinhos, que parecem de seda e de um loiro-mel, não muito encaracolados, mas formando ondas suaves, que terminam em um gracioso cacho; com seus olhinhos cor do céu, e o doce rostinho levemente rosado e sorridente, ela parece um pequeno anjo. Até o ventinho leve que lhe vai entrando pelas mangas largas, e enchendo seu vestido de linho e fazendo-o ficar mais saliente nas costas, tudo contribui para dar à menina o

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aspecto de um pequeno anjo, com as asas já entreabertas, e prontas para voar.Nas mãozinhas ela leva papoulas, flores-de-lis e outras florzinhas, que crescem por entre os cereais, mas das quais eu não sei o nome. Ela vai indo e, ao chegar perto da mâe, dá uma corridinha, solta uma vozinha festiva, e como uma pequena rolinha, pára o seu vôo contra os joelhos da mâe, que se abrem um pouco para recebêla, enquanto que o trabalho, que estava sendo feito, é posto de lado, para acolhê-la sem que ela se machuque, e os braços estão estendidos para abraçá-la.

Até aqui ontem à tarde, e hoje de manhâ reapresenta-se e conti nua assim.“Mamãe! Mamãe!”. A pequena rolinha branca está agora no ninho dos joelhos maternos, com seus pezinhos sobre a erva curta, o rostinho curvado sobre o colo materno, e não se vê nada mais, além do ouro pálido dos cabelinhos sobre a nuca delicada, que Ana se curva para beijar com amor.2Depois a pequena rola levanta a cabeça, e oferece as suas florzi nhas. 7.2 Todas são entregues à mamãe e, para a oferta de cada flor, ela conta uma história que ela mesma inventou.- Esta aqui, tão azul e grande, é uma estrela que desceu do céu para trazer o beijo do Senhor para a mamãe. Aqui está: esta florzi-46nha celeste, beija-a bem aí no coração, e perceberás que ela tem o sabor de Deus.Agora, esta outra, que é de um azul mais pálido, como são os olhos do papai, tem gravado nas folhas que o Senhor quer muito bem ao papai, porque ele é bom.E esta aqui, tão pequenina, a única pequena que eu achei (é um miosótis), é a que o Senhor fez para dizer a Maria que lhe quer bem.Estas vermelhas, sabe a mamãe o que são? São os pedaços da veste do rei Davi, molhadas no sangue dos inimigos de Israel, e semeadas nos campos de luta e de vitória. Nasceram das fímbrias da heróica veste real, rasgada na luta pelo Senhor.Mas esta aqui, tão branca e graciosa, que parece formada com sete taças de seda que olham para o céu, cheias de perfume, nasceu lá perto da fonte (foi papai que a apanhou entre os espinhos) -Foi feita com a veste de Salomão, quando, no mês em que sua netinha tinha nascido, há tantos anos (oh! quantos, quantos anos antes) na pompa da alvura de suas vestes, Salomão caminhou pelo meio da * multidão de Israel, diante da Arca e do Tabernáculo, alegrando-se pela nuvem que voltou a circundar a glória do Senhor, cantando o côntico e a oração de sua alegria.Eu quero ser sempre como esta flor, e, como o sábio rei, eu quero cantar, por toda a vida, cânticos e oraçóes diante do Tabernáculo - e aí cessa de falar a pequena boca de Maria.- Meu bem, como sabes estas coisas santas? Quem é que as diz a ti? O teu pai?- Não. Não sei quem é. Parece que eu as soube desde sempre. Mas talvez seja alguém que eu não vejo, e que as diz a mim, talvez um dos Anjos que Deus manda vir falar aos homens que são bons. 3Mamãe, me contas outras coisas?... 7.3- Oh! Minha filha! Sobre que fato queres saber?Maria fica pensando; séria e recolhida como estava, que bom teria sido que se tivesse feito o seu retrato naquela posição, para perpetuar aquela sua expressão. Sobre o rostinho infantil se refletem as som bras de seus pensamentos. Sorrisos e suspiros, raios de sol e sombras de nuvens, pensando na história de Israel. Depois ela escolhe:- Conta-me aquela passagem de Gabriel falando a Daniel, na qual o Cristo * foi prometido.____________________________* caminhou, como se narra em: 1 Reis 8,1-5* aquela, da profecia que se encontra em: Daniel 9, 20-27, e que será interpretada em 10.5 e em 41.3/4.

47E ela fica escutando, de olhos fechados, repetindo devagar as palavras que a mäe vai dizendo, como para se lembrar melhor delas. Quando Ana termina, Maria lhe pergunta:- Quanto falta ainda para o Emanuel chegar?- Cerca de trinta anos, querida.

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- Mas, quanto tempo ainda falta! Nesse tempo, eu estarei no Templo... Diz-me, se eu rezasse muito, muito, muito, dia e noite, noite e dia, e quisesse ser só de Deus durante toda a vida, só para este fim, o Eterno não me faria a graça de dar o Messias ao seu povo antes disso?- Não sei, querida. O Profeta diz “setenta semanas”. Creio que a profecia não erra. Mas o Senhor é tão bom - Ana se apressou em acrescentar estas palavras, ao ver que se marejavam de lágrimas os cílios de ouro da sua menina - que eu creio que, se rezares muito, muito, muito, Ele te atenderá.O sorriso volta ao rostinho, que está levemente erguido para a mãe, e um raiozinho de sol está passando por entre duas folhas da videira, fazendo brilhar as lágrimas do pranto, que já cessou, como se tivessem sido apenas gotinhas de orvalho pendentes de finos caules do musgo dos Alpes.4- Então, eu rezarei e me farei virgem para isso. 7.4- Mas, sabes o que significa o que estás dizendo?- Quer dizer não conhecer o amor de homem, mas só o de Deus. Quer dizer não ter outro pensamento, senão no Senhor. Quer dizer permanecer menina na carne, e anjo no coração. Quer dizer não ter olhos para outra coisa, mas só para olhar a Deus, ouvidos só para ouvi-lo, boca para louvá-lo, mãos para oferecer-lhe hóstias, pés velozes para segui-lo, coração e vida para doar a Ele.- Bendita és tu! Mas, então, não terás filhos, tu, que gostas tanto das crianças, dos cordeirinhos e das pombinhas... Sabes de uma coisa? Um filho para uma mulher é como um cordeirinho branco e todo encaracolado, é como uma pequena pomba, com penas sedosas, boca cor-de-coral, que pode ser amado, beijado, e ouvi-lo dizer: “Mamãe! “- Não importa. Eu serei de Deus. No Templo rezarei. E talvez um dia eu verei o Emanuel. A virgem, que vai ser a mãe dele, como diz o grande Profeta, já deve ter nascido, e já deve estar no Templo... Eu vou ser companheira dela... e sua serva... Oh! Sim! Se, por meio da luz de Deus, eu a puder conhecer, eu quereria ser serva dela, daquela Virgem bem-aventurada! E, depois, ela traria o Filho a mim,48e me levaria ao seu Filho, e eu serviria a Ele também. Pensa nisto mamãe!... Eu, servindo ao Messias!!... - Maria está dominada por este pensamento, que a sublima e a aniquila, ao mesmo tempo. Com suas mãozinhas cruzadas sobre o pequeno peito, com a cabecinha um pouco inclinada para a frente, e tomada pela emoção, ela parece já uma reprodução infantil da “Anunciação” que eu vi. Ela * retoma o assunto:- Mas será que o Rei de Israel, o Ungido de Deus, me permitirá que eu o sirva?- Disso não tenhas dúvidas! Pois, não diz o rei Salomão: “Sessen ta são as * rainhas, oitenta as outras mulheres, e as pequeninas serão sem número”? Vê como no Palácio do Rei serão sem número as meninas virgens que servirão ao seu Senhor.- Oh! Estás vendo agora como devo ser virgem? Eu devo. Se Ele por mãe quer uma virgem, isso é sinal de que ele ama a virgindade, sobre todas as coisas. Eu quero que me ame, como sua serva, pela minha virgindade, que me vai tornar um pouco semelhante à sua mãe querida... Isto eu quero... 5Queria também ser 7.5 pecadora, muito pecadora, se eu não temesse ofender ao Senhor... Diz-me, mamãe: pode-se ser pecadora por amor de Deus?- Mas, que é isso que estás dizendo, meu tesouro? Eu não te estou compreendendo.- Eu quero dizer: pecar, para poder ser amada por Deus, que se torna nosso Salvador. Salva-se quem se perdeu. Não é verdade? Eu quereria ser salva pelo Salvador, para ter o seu olhar de amor. Por isso, queria pecar, mas não fazer pecado que desgoste a ele. Como é que ele pode salvar-me, se eu nao me perco?Ana fica atordoada. Não sabe mais o que dizer.Mas o socorro vem de Joaquim, que acabou de chegar, caminhando sobre a grama. Por trás da sebe de arbustos baixos, ele tinha se aproximado, sem fazer barulho.- Ele te salvou antes, porque sabe que tu o amas, e queres amar somente a Ele. Por isso tu já estás redimida, e podes ser virgem como quiseres - diz Joaquim.- É verdade, meu pai? - Maria se abraça aos joelhos do pai e olha para ele com as claras estrelas, que são os seus olhos, semelhantes aos do pai, e tão felizes por esta esperança que ele lhe está dando.

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_______________________* Anunciação, é a efígie sagrada que se venera na “Basilica della Ss. Anunziata” em Florença, como veremos igualmente em 27.1.* diz, em: Cântico dos Cânticos 6,8.

49- É verdade, pequeno amor. Olha. Eu vinha te trazendo este passarinho, que tinha acabado de dar o seu primeiro vôo perto da fonte. Eu teria podido abandoná-lo, mas suas asas e suas perninhas, ainda fracas, não tinham forças para levantá-lo e sustentá-lo em um novo vôo, nem para conservá-lo firme sobre as pedras cobertas de musgo escorregadio. Ele teria caído n’água. Mas eu não fiquei esperando que isso acontecesse. Peguei-o, e o trouxe para ti. Com ele farás o que quiseres. O fato é que ele foi salvo, antes de cair no perigo. Pois foi isso mesmo que Deus fez contigo. Agora, diz-me, Maria: achas que eu amei mais ao pássaro, salvando-o, antes dele cair no perigo, ou eu o teria amado mais, se o salvasse depois?- Assim é que o amaste mais, pois não deixaste que ele se machucasse, caindo na água gelada.- Deus te amou mais, porque te salvou, antes que tivesses pecado.- Então, eu também o amarei inteiramente. De todo o coração. Passarinho lindo, eu sou como tu. O Senhor nos amou de modo igual, dando-nos a salvação. Agora eu vou te criar, e depois te deixarei ir embora. E tu cantarás no bosque, e eu no Templo os louvores de Deus, e nós diremos: “Envia, envia o teu Prometido aos que o estão esperando”. 6Oh! Meu papai! Quando me levarás ao Templo? 7.6- Dentro em breve, minha pérola. Mas, não ficarás triste por ter que deixar o teu pai?- Muito. Mas tu irás lá... e, além disso, se não se ficasse um pouco triste, que sacrifício haveria?- E tu te lembrarás de nós?- Sempre. Depois da oração para que venha o Emanuel, rezarei por vós. Que Deus vos dê alegria e uma longa vida... até o dia no qual Ele será Salvador. Depois, eu direi a Ele que vos tome consigo, e vos leve para a Jerusalém Celeste.A visão termina para mim com Maria estreitada nos lagos do abraço paterno.

7Jesus diz: 7.7“Já estou ouvindo os comentários dos doutores, em suas ironias maliciosas, dizendo: “Como é que pode uma menina, que não tem ainda nem três anos, falar coisas assim? Isso é um exagero”. E não refletem que me tornam monstruoso, alterando a minha infância, atribuindo-me atos de adulto.A inteligência não se manifesta em todos do mesmo modo e na mesma idade. A Igreja marcou a idade de seis anos como a idade50em que começa a responsabilidade das ações, porque essa é a idade na qual até um retardado é capaz de distinguir o bem do mal, pelo menos de modo rudimentar. Mas há crianças que muito antes são capazes de discernir, entender e querer, usando de uma razão já suficientemente desenvolvida. A pequena Imelde Lambertini, Rosa de Viterbo, Nellie Organ, Nennolina, vos sirvam de base, ó doutores difíceis, para crerdes que minha mãe podia pensar e falar assim. Não citei mais do que quatro nomes por acaso, no meio de milhares de santas crianças que povoam o meu Paraíso, depois de terem raciocinado como adultos sobre a terra, umas com mais, outras com menos idade.8Qual é a razão? Um dom de Deus. Portanto, Deus o pode dar na medida 7.8 que quiser, a quem quiser e quando quiser. A razão é uma das coisas que mais vos tornam semelhantes a Deus, Espírito inteligente e raciocinante. A razão e a inteligência foram graças dadas por Deus ao homem no Paraíso terrestre. Quanto elas eram vivas, junto com a graça ainda intacta, operando no espírito de nossos dois Primeiros Pais!*No livro de Jesus Bar Sirac está escrito: “Toda sabedoria vem do Senhor Deus, e sempre esteve com Ele, mesmo antes dos séculos”. Quanta sabedoria teriam, então, os homens, se tivessem

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permanecido filhos de Deus?As lacunas em vossas inteligências são o fruto natural do vosso decaimento da graça e da honestidade. Perdendo a Graça, vós vos afastastes, por séculos, da Sabedoria. Como os meteoros, que se escondem atrás de uma nebulosidade de muitos quilômetros, a Sa bedoria não chegou mais até vós com os seus nítidos fulgores, mas somente através de um nevoeiro, que as vossas prevaricações foram tornando cada vez mais graves.Depois veio o Cristo, e vos deu a Graça, dom supremo do amor de Deus. Mas, vós sabeis guardar esta gema tão límpida e pura? Não. Quando não a destruis com a vossa vontade individual de pecado, a sujais com contínuas culpas menores, as vossas fraquezas, as vossas simpatias para com o vício, e também aquelas simpatias que não chegam ainda a ser verdadeiros casamentos com o vício septiforme, mas, são um enfraquecimento da luz da Graça e de sua atividade. Depois, tivestes séculos e séculos de corrupções, para enfraquecer ainda mais a magnífica luz da inteligência que Deus havia dado aos_________________________* está escrito, em: Eclesiástico 1, 1-8.

51Primeiros, corrupções que se repercutem como nocivas sobre o físico e sobre a mente.9Maria porém era não somente a Pura, a nova Eva, criada de novo para a 7.9 alegria de Deus: era a super-Eva, a Obra-Prima do Altíssimo, a cheia de graça, a mãe do Verbo na mente de Deus.“O Verbo é a Fonte da Sabedoria”, diz Jesus Bar Sirac. O Filho, então, não terá posto a sua sabedoria sobre os lábios da própria mãe?Se a um profeta foi-lhe purificada a boca com carvóes ardentes, * porque devia dizer aos homens as palavras que o Verbo, a Sabedoria, lhe confiava, não terá o Amor à sua esposa ainda menina, mas que um dia iria trazer em si a Palavra, a linguagem limpa e exaltada, não terá este Amor feito com que ela não falasse mais como menina, nem mais tarde, como mulher, mas somente e sempre como uma criatura celeste, unida à grande luz e sabedoria de Deus?O milagre não está em uma inteligência superior, demonstrada por Maria em sua idade infantil, como depois aconteceu Comigo. Mas o milagre está em poder conter em si a Inteligência infinita, que nela habitava, dentro dos diques preparados para não assombrar as multidões e não despertar a atenção satânica.Ainda voltarei a falar sobre este assunto, que reaparece sempre naquele “lembrar-se” de Deus, que é próprio dos Santos”.

8. Maria é acolhida no Templo. Ela, em suahumildade, não sabia que era a cheia de sabedoria.

30 de agosto de 1944.1Vejo Maria caminhar entre o pai e a mãe, pelas ruas de Jerusalém. 8.1Os passantes detêm-se para olhar a formosa menina, toda vestida de um branco neve, coberta com um véu muito leve que, por seus desenhos de ramos e de flores, mais escuros por entre os pontos mais claros do fundo, parece-me ser o mesmo que Ana usou no dia de sua Purificação. Com esta diferença: enquanto para Ana ele chegava só até a cintura, para a pequenina Maria desee quase até o chão, e a envolve em uma nuvem tênue e clara de uma extraordinária beleza.__________________* profeta, isto é, Isaías, como se narra em: Isaías 6, 6-7. É um fato citado muitas vezes na obra, em modo direto (como aqui e, por exemplo, em 166.8 e em 626.2) ou indireto (como em 364.8). Contudo, vêm recordadas as profecias messiânicas de Isaías, como indicam as notas em 561.11 e em 577.4.

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52O loiro dos cabelos soltos sobre os ombros, ou melhor, sobre a graciosa nuca, transparece aqui e ali, nos pontos em que o véu não é adamascado, apresentando à vista apenas o fundo, que é quase diáfano. O véu está preso sobre a fronte por meio de uma fita de um azul muito claro sobre a qual, certamente por obra da mamãe, estão bordadas, a fio de prata, pequenos lírios.O vestido de Maria, como eu disse, é alvíssimo, desce até o chão, e os pezinhos mal se mostram, quando ela anda, com suas sandalinhas brancas. Suas mãozinhas lembram duas pétalas de magnólia, saindo das mangas largas. Fora o círculo azul formado pela fita, não se vê nenhuma outra cor. Tudo é branco. Maria parece vestida de neve.Joaquim e Ana estão vestidos, ele com a mesma roupa da Purificação e Ana ao invés, com um vestido de cor violeta muito escuro. Até o manto, que lhe cobre a cabeça, é de um violeta escuro. Ela o traz caído totalmente sobre os olhos, dois pobres olhos de mãe, vermelhos de tanto chorar, que não queriam ser vistos assim, por isso choram sob a proteção do manto. Essa proteção serve por causa dos transeuntes e também por Joaquim que, embora tenha sempre olhos serenos, hoje eles estão avermelhados e opacos de lágrimas. Ele caminha, muito encurvado, debaixo do seu véu colocado como um turbante, com as beiras laterais descendo ao longo do rosto.Joaquim agora está, realmente, envelhecido. Quem o vê deve pensar que ele seja o avô, talvez até bisavô daquela pequenina que leva pela mão. O sofrimento por ter que separar-se dela faz que o pai ande como que arrastando os pés, desanimado em todos os seus movimentos e modos, o que o faz ficar vinte anos mais velho. Seu rosto parece o de uma pessoa doente, além de envelhecida, tão grande é o grau do seu cansaço e de sua tristeza, e sua boca está com um leve tremor, por entre duas rugas ao lado do nariz, mais acentuadas hoje.Os dois estão procurando esconder o pranto. Mas, se o podem esconder para muitos, não o escondem de Maria que, pelo seu pequeno tamanho, pode ver, olhando de baixo para cima e, levantando a cabecinha, olha uma vez o pai, outra vez, a mãe. Eles se esforçam para sorrir a ela, com um tremor na boca, aumentando o aperto de suas mãos sobre a pequenina mão, cada vez que sua filhinha olha para eles sorrindo. Eles devem ficar pensando: “Aí está. É esta uma vez a menos que vemos este sorriso”.2Vão andando bem devagar. Parecem querer que aquela sua viagem dure o 8.2 mais possível. Tudo serve de motivo para mais uma parada... Mas, afinal, uma estrada uma hora tem que acabar. E esta já53está no fim. No alto deste último trecho da estrada, que vai subindo, estão os muros que rodeiam o Templo. Ana solta um gemido e aperta com mais força a mãozinha de Maria.- Ana querida, eu estou contigo! - assim diz uma voz, que vem da sombra de um arco baixo, que se projeta sobre um cruzamento. Isabel, que, com certeza, a estava esperando, se aproxima dela e a aperta ao coração. Vendo que Ana está chorando, lhe diz:- Vem, entra um pouco nesta casa amiga. Depois, iremos juntos. Zacarias também está aqui.Entram todos em uma morada baixa e escura, na qual se vê o clarão de um grande fogo. A dona da casa deve ser amiga de Isabel, mas para Ana é estranha, e então se retira dali delicadamente, deixando os recém-chegados mais a vontade.- Não pense que eu esteja arrependida, ou esteja dando o meu tesouro de má vontade ao Senhor - explica-lhe Ana, entre lágrimas - Mas o coração... oh! como o meu coração está doendo, o meu velho coração, que vai voltar para aquela solidão dos que não têm filhos!... Se pudesses sentir o que estou sentindo...- Eu compreendo, minha querida Ana... Mas, tu és boa, Deus te confortará em tua solidão. Maria rezará pela paz de sua mamãe. Não é mesmo?Maria acaricia as mãos maternas e as beija, e as passa em seu rosto para ser acariciada, enquanto Ana aperta entre as suas aquele rostinho, e o beija, repetidamente. E não se sacia de beijá-lo.Entra Zacarias, e saúda:- Aos justos, a paz do Senhor!- Sim - diz Joaquim - suplica para nós a paz, pois as nossas entranhas estão trêmulas, ao fazermos

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nossa oferta, como deviam estar as entranhas de nosso Pai Abraão, quando subia o monte, só * que nós não encontraremos outra oferta para darmos no lugar desta. Também não quereríamos fazer isso, pois somos fiéis a Deus. Mas estamos sofrendo, Zacarias. Sacerdote de Deus, procura compreender-nos e não fiques escandalizado conosco.- Nunca. Pelo contrário, a vossa dor, que sabe não passar além do permitido e levar-vos à infidelidade, serve para mim até como um exemplo de amor ao Altíssimo. Mas, tende coragem! 3Ana, a profe tisa, tomará muito cuidado desta 8.3 flor de Davi e de Arão. Neste mo -______________________* Pai Abraão no sacrifício do filho Isaac, narrado em: Gênesis 22,1-18, inclui também a promessa de Deus que será recordada em 24.2.

54mento ela é o único lírio de sua estirpe santa, que Davi ainda tem no Templo, e cuidaremos dela como de uma pérola real. Visto que os tempos vão chegando ao fim, as mães da estirpe deveriam consagrar suas filhas ao Templo, dado que há de ser de uma virgem, da estirpe de Davi, que nascerá o Messias. No entanto, por um relaxamento na fé, os lugares das virgens estão vazios. São muito poucas no Templo, e nenhuma da estirpe real, depois que Sara, a esposa de Eliseu, saiu para se casar, há três anos. É verdade que ainda faltam seis lustros para o fim, mas... ainda bem! Esperemos que Maria seja a primeira de muitas outras virgens da estirpe de Davi diante do Sagrado Véu. E depois... quem sabe... - Zacarias não diz mais nada, mas, pensativo olha para Maria. Depois, retoma o assunto:- Eu mesmo velarei por ela. Sou sacerdote, e lá dentro tenho as minhas funções. E, no desempenho delas cuidarei deste anjo. Isabel também virá muitas vezes se encontrar com ela...- Oh! Decerto! Eu tenho tanta necessidade de Deus, e virei dizer isso a esta menina, para que ela o transmita ao Eterno.4Ana se sente reanimada. Isabel, para aliviá-la ainda mais, lhe pergunta: 8.4- Esse não é o teu véu de esposa? Ou será que o fiaste de um novo linho?- É aquele mesmo. Eu o consagro com ela ao Senhor. Já não tenho mais aquela vista boa... Depois, as riquezas estão muito diminuídas pelos impostos e pelas desventuras... Nem eu podia estar fazendo pesadas despesas. Tomei as providências necessárias só para um bom enxoval durante o tempo que vai passar na Casa de Deus, e para depois... pois penso que não serei eu quem a vai vestir para as núpcias... Mas quero que tenha sido a mão de sua mamãe, ainda que fria e imóvel, a preparar-lhe para as núpcias, fiando os linhos e as vestes de esposa.- Oh! Por que ficar pensando estas coisas?!- Eu estou velha, prima. Nunca me senti assim, como agora que estou passando por esta dor. As últimas forças de minha vida foram dadas a esta flor, quando a trouxe comigo, quando a alimentei, e agora... agora que estou nas últimas, estou sentindo a dor de perdêla, o que vai acabar com minhas forças.

• Não digas uma coisa dessas. Pensa no Joaquim.Tens razão. Procurarei viver para o meu homem.Joaquim fez como se não tivesse ouvido, atento como estava em ouvir Zacarias; mas bem que ele ouviu, e dá um forte suspiro, com os55olhos marejados de lágrimas.- Estamos entre a terga e a sexta horas. Acho que seria bom irmos andando - diz Zacarias.Levantam-se todos para colocarem-se os mantos e partirem.5Mas antes de saírem, Maria se ajoelha sobre a soleira, de braços abertos. 8.5 É um pequeno querubim, que implora:- Pai! Mãe! Dai-me a vossa bênção!A pequenina é forte, não chora. Mas seus labiozinhos tremem, e a voz, entrecortada por um interno soluço, tem, mais do que nunca, o som do gemido trêmulo da rolinha. Seu rostinho está mais pálido,

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e seus olhos têm aquele olhar cheio de uma resignada angústia que parece sempre mais forte até provocar-nos um profundo sofrimento. Este olhar só o verei de novo no Calvário e junto ao Sepulcro.Seus pais a abençoam e beijam. Uma, duas, dez vezes. Não sabem saciar-se... Isabel chora silenciosamente, e Zacarias, por mais que não queira demonstrá-lo está comovido.Saem. Maria entre o pai e a mãe, como antes. Na frente, vão Zacarias e a mulher.E¡-los dentro dos muros do Templo.- Vou ao Sumo Sacerdote. Vós subi até o grande terraço.Atravessam três pátios e três átrios sobrepostos. Chegam aos pés do grande cubo de mármore coroado de ouro. Cada cúpula, convexa como uma enorme laranja, está brilhando agora ao sol, cujos raios incidem perpendicularmente sobre o vasto pátio que circunda a majestosa construção, ocupando toda a ampla esplanada, abrangendo a escadaria que conduz ao Templo. Só o pórtico, que fica à frente da escadaria, está na sombra, tornando a alta porta feita de bronze e ouro ainda mais escura e majestosa, rodeada de muita luz.Maria parece ainda mais ser feita de neve, quando anda ao sol. Agora ela está aos pés da escadaria. Entre o pai e a mãe. Como devem estar batendo os corações dos três! Isabel está ao lado de Ana, mas a um meio passo atrás.6Um toque de trombetas de prata, e a porta, girando sobre as dobradiças, 8.6 parece produzir um som de cítara, ao correr sobre as esferas de bronze. Pode-se ver agora o interior, com suas lâmpadas lá no fundo, e um cortejo que vem saindo do interior. É um cortejo pomposo, com o soar das trombetas de prata, nuvens de incenso e muitas luzes.Ei-lo que chega à soleira da porta. O Sumo Sacerdote parece vir à frente. É um ancião cheio de majestade, vestido de linho finíssimo, tendo sobre o linho uma túnica mais curta, também de linho, sobre56a qual traz uma espécie de casula, um paramento multicolor, parecido com a planeta e a veste dos diáconos. Nas suas vestes, as cores púrpura e ouro, roxo e branco se alternam, e brilham como pedras preciosas ao sol; duas gemas verdadeiras brilham ainda mais vivamente sobre os ombros. Também parecem ser duas fivelas em seus engastes preciosos. Sobre o peito uma larga placa reluzente com pedras preciosas presas por uma corrente de ouro. Há ainda pingentes e ornamentos vários, que reluzem na barra da túnica curta, enquanto o ouro lhe resplende sobre a fronte por cima da cobertura da cabeça, fazendo lembrar os padres ortodoxos, na mitra que eles usam em forma de cúpula, diferente da católica, que tem uma ponta.O solene personagem avança sozinho, até o começo da escadaria, exposto ao brilho do sol, que o torna ainda mais esplêndido. Os outros, numa fila em semicírculo, o esperam do lado de fora da porta, à sombra do pórtico. A esquerda, há um grupo de meninas vestidas de branco, em companhia de Ana, a profetisa, e outras anciãs, que certamente são mestras.O Sumo Sacerdote olha para a pequena e sorri. Ela deve estar-lhe parecendo muito pequena, ainda mais, aos pés daquela escadaria que parece digna de um templo egípcio! Ele eleva os braços em oração. Todos abaixam a cabeça, como que aniquilados, diante da ma jestade sacerdotal que está em comunhão com a Majestade eterna.Depois, chegou a hora! Ele faz um sinal a Maria. E ela se separa da mãe e do pai e sobe, vai subindo, como se estivesse fascinada. Ela sorri. Está sorrindo, agora já à sombra do Templo, onde desce o Véu precioso... Já está no alto da escadaria, aos pés do Sumo Sacerdote, que lhe impõe as mãos sobre a cabeça, a vítima é aceita. Que hóstia mais pura terá tido algum dia o Templo?Depois o Sumo Sacerdote se volta até a porta do Templo, conservando a mão sobre o ombro dela, como para conduzir a cordeirinha sem mácula ao altar. Antes de fazê-la entrar, lhe pergunta:- Maria de Davi, sabes qual é o teu voto? Ao “sim” alto e claro, com que ela lhe responde, ele exclama:- Entra, então. Caminha em minha presença. E sê perfeita.Maria entra, pois, e a sombra a faz desaparecer, enquanto o grupo das virgens e das mestras, e depois o dos levitas, a escondem cada vez mais, até separá-la. Acabou-se...

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Agora a porta também gira sobre suas dobradiças harmoniosas... Uma pequena fresta, permite ainda que se veja o cortejo, que se vai encaminhando para o Santo. A fresta torna-se apenas um fio. Já não57se vê mais nada. A porta é então fechada.Ao último acorde das dobradiças sonoras, responde o soluço de dois velhinhos e um único grito:- Maria! Minha filha! - depois, dois gemidos, um que chama o ou tro:- Ana!- Joaquim! - e terminam, dizendo:- Demos glória ao Senhor, que a recebe em sua Casa, e a conduz pelo seu caminho.E tudo termina assim.

7Jesus diz: 8.7“O Sumo Sacerdote havia dito: “Caminha em minha presença, e sê perfeita”. Ele não sabia que estava falando à mulher que era inferior em perfeição só a Deus. Mas ele falava em nome de Deus e, por isso, sua ordem era sagrada. Sempre sagrada, especialmente quando dada àquela que é cheia de sabedoria.Maria havia merecido que a “Sabedoria fosse ao seu encontro mostrando-se primeiro a ela”, porque, “desde o começo de sua vida, tinha ficado vigiando à sua porta, desejando instruir-se por amor, quis ser pura para conseguir o perfeito amor e merecer ter a sabedoria por mestra”.Em sua humildade, não sabia que a possuía desde antes de nascer, e que sua união com a Sabedoria não era outra coisa, senão a continuação das divinas palpitações do Paraíso. Ela nem podia imaginar isso. E, quando, no silêncio do coração, Deus lhe dizia palavras sublimes, Ela humildemente pensava que fossem pensamentos de orgulho, e, elevando a Deus seu coração inocente, suplicava: “Tem piedade de tua serva, Senhor!”.Oh! É bem verdade que a verdadeira sábia, a virgem eterna, teve um só pensamento, desde a aurora do seu dia: “Dirigir a Deus o seu coração, desde a manhã de sua vida, estando atenta à vontade do Senhor, orando diante do Altíssimo”, pedindo perdão pela fraqueza do seu coração, como sua humildade lhe sugeria, sem saber que estava antecipando os apelos de perdão que haveria de fazer pelos pecadores, aos pés da Cruz, em companhia de seu Filho, quase morto.“Quando, pois, o Senhor o quiser, ela ficará cheia do Espírito de*_____________________* Quando ... é citação de: Eclesiástico 39, 6; as que precedem são ainda citações de: Provérbios 8.

58inteligência, compreendendo, então, sua sublime missão. Por enquanto, não é senão uma pequenina que, na sagrada paz do Templo, abraça, tornando mais estreitos com Deus, os laços de seus colóquios, de seus afetos e de suas recordações.Isto é para todos.8Mas para ti, pequena Maria, não terá nada em particular para dizer-te o teu8.8 Mestre? “Caminha na minha presença: e portanto sê perfeita”. Modifico ligeiramente a frase sagrada fazendo dela uma ordem para ti: sê perfeita no amor, na generosidade, no sofrer.Olha uma vez mais para minha mãe. E medita sobre aquilo que tantos ignoram ou querem ignorar, porque a dor é uma matéria por demais dura para o seu paladar e o seu espírito. A dor. Maria teve-a desde as primeiras horas da vida. Ser perfeita assim era possuir uma sensibilidade também perfeita. Portanto mais agudo ainda devia ser o seu sacrifício, sendo, então, mais meritório também. Quem possui pureza, possui amor, quem possui amor possui sabedoria, quem possui sabedoria, possui generosidade e heroísmo, porque sabe o motivo pelo qual se sacrifica.Eleva para o alto o teu espírito, mesmo quando a cruz te perturba, te estraçalha, te mata. Deus está contigo”.

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9. A morte de Joaquim e de Ana foi suavedepois de uma vida de sábia fidelidade a Deus nas provações.

31 de agosto de 1944.1Jesus diz: 9.1“Como um rápido crepúsculo de inverno, no qual o vento forte com neve acumula nuvens pelo céu, assim, a vida dos meus avós conheceu rapidamente o chegar da noite, depois que o sol deles se deteve, brilhando na sagrada cortina do Templo.2Mas, foi dito*: “A Sabedoria inspira vida aos seus filhos, toma sob a sua 9.2 proteção os que a procuram... Quem ama a sabedoria, ama a vida, e quem fica vigilante para adquiri-la, haverá de gozar de sua paz. Quem a possui, terá como herança a vida... Quem a serve, obedecerá ao Santo, sendo muito amado por Deus... Se crer nela, a terá por herança, confirmada pelos seus descendentes, porque ela o acompanha nas provações. Antes de tudo, o escolhe, depois enviará_______________________* foi dito, em: Eclesiásticos 4, 11-18.

59sobre ele todos os temores, medos e provações, atormentando-o com o açoite de sua disciplina, para prová-lo em seus pensamentos e adquirir confiança nele. Depois lhe dará estabilidade, voltando a ele por um caminho reto e o fará contente. Ela lhe descobrirá os seus segredos, porá nele tesouros de ciência e de inteligência, que se manifestarão em obras de justiça.Sim, tudo isso foi dito. Os livros sapienciais são aplicáveis a todos os homens que neles encontram um espelho para o seu comportamento e sua guia. Mas felizes aqueles que podem ser identificados entre os amantes espirituais da Sabedoria.Eu me fiz rodear de sábios, que foram meus parentes mortais. Ana, Joaquim, José, Zacarias e ainda mais, Isabel, e depois o Batista. Acaso não são eles verdadeiros sábios? Não falo de minha mãe, na qual a Sabedoria fez sua morada.3Da juventude até o túmulo, a sabedoria tinha inspirado uma vida 9.3 agradável a Deus aos meus avós, protegendo-os do perigo de pecar, como uma tenda que protege da fúria dos elementos. O santo temor de Deus é base para a planta da sabedoria, a qual lança todos os seus ramos, até atingir, no seu vértice, o amor tranqüilo, na sua paz, o amor pacífico, na sua segurança, o amor seguro, na sua fidelidade, o amor fiel, na sua intensidade, enfim, o amor total, generoso e ativo dos santos.“Quem ama a sabedoria, ama a vida, e terá a Vida como herança”*, diz o Eclesiástico. Isto está ligado à minha Palavra: “Aquele que perder a vida por amor de Mim, salvá-la-á”. Porque não se trata da pobre vida desta terra e, sim, da vida eterna; não se trata das alegrias de um momento, mas das alegrias imortais.Foi neste sentido que Joaquim e Ana amaram a sabedoria. E ela esteve com eles nas provações.Quantas provações! Vós que, por não serdes completamente maus, desejaríeis não ter nunca que chorar e sofrer! Imaginem, estes justos quantas dessas provações tiveram, embora merecessem ter Maria por filha! A perseguição política que os expulsou da terra de Davi, empobrecendo-os grandemente. A tristeza de ver reduzir-se a nada os anos que iam passando, sem que uma flor lhes dissesse: “Eu serei a vossa continuação”. E, depois, o receio de tê-la conseguido já na idade em que não tinham nenhuma certeza de chegarem a vê-la mulher. Além____________________* diz, em: Eclesiástico 4,12-13; solda-se ao Meu, em: Mateus 16,25; Marcos 8,35; Lucas 9, 24 (346.9).

60disso, o dever que teriam de cumprir, de afastá-la de seus corações, para a colocarem sobre o altar de Deus. Ainda mais: tiveram que viver num silêncio bem mais pesado; depois de estarem já habituados com o arrulhar de sua pombinha, com o rumor de seus passinhos, os sorrisos e beijos de

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sua filhinha, ficaram agora esperando apenas, por entre recordações, a hora de Deus. E muitas outras coisas. Doenças, calamidades do tempo, prepotência dos poderosos, quantos duros golpes assestados contra o frágil castelo de sua modesta propriedade. E ainda não basta. O sofrimento da filha, que está longe deles, que vai ficar sozinha e pobre, apesar de todos os cuidados e sacrifícios, não tendo mais do que as sobras dos bens paternos. Como irá esta filha encontrar essas sobras, se ficarem por muitos anos sem serem cultivadas, imobilizadas, à sua espera? Temores, medo, provações e tentações. E fidelidade, fidelidade, fidelidade sempre, a Deus.4E a tentação mais forte: que não se lhes negasse o conforto de terem sua 9.4 filha junto a eles quando já estivessem bem idosos. Mas, os filhos são de Deus, antes de serem dos pais. E cada filho pode dizer isto que Eu disse * à minha mãe: “Não sabes que Eu devo tratar dos interesses do Pai do Céu?” E cada mãe, cada pai deve aprender o que fazer, olhando Maria e José no Templo, ou Ana e Joaquim na sua casa de Nazaré, cada vez mais despojada e mais triste, embora pos- sua algo que não diminui nunca, crescendo sempre mais: a santidade de dois corações, a santidade de um casamento.O que resta a Joaquim, já enfermo, e o que resta à sua sofredora esposa, nas longas e silenciosas tardes de velhos a caminho da morte? Os vestidinhos, as primeiras sandalinhas, os pobres brinquedos de sua pequenina, que agora está longe deles, e sempre as lembranças. E, com as lembranças, uma paz que lhes nasce no coração, quando cada um pode dizer: “Estou sofrendo, mas cumpri o meu dever de amor para com Deus”.Estamos, pois, diante de uma alegria sobrehumana, que brilha com uma luz celestial, desconhecida aos filhos do mundo, e que não perde o brilho ao cair, como pálpebra pesada sobre dois olhos moribundos, mas que, na sua última hora, resplende ainda mais, evidenciando verdades ocultas durante toda a vida, fechadas como borboletas em seus casulos, que só davam sinal de sua presença por movimentos suaves, enquanto que agora podem abrir suas asas douradas, mostrando as palavras que as adornam. A luz de suas vidas_____________________* Eu disse, em: Lucas 2, 49 (41.12).

61vai-se apagando no conhecimento de um futuro feliz para eles e para sua estirpe, com um louvor ao nome do Senhor sobre os lábios.5Assim foi a morte dos meus avós, justamente pela santa vida que tiveram. Por 9.5 sua santidade eles mereceram ser os primeiros guardiães da amada de Deus, e, somente quando um sol maior se mostrou no ocaso de suas vidas, eles entenderam claramente a graça que Deus lhes havia concedido.Por sua santidade, Ana não passou pelos sofrimentos da mulher * que dá à luz, mas, sim, pelo êxtase de quem trazia consigo aquela que é a sem culpa. Para os dois não houve aflições de agonia, mas uma languidez que foi-se desvanecendo, assim como docemente vaise apagando uma estrela, à medida que o sol vem surgindo com a aurora. Eles não tiveram o conforto de ter-me consigo, Sabedoria Encarnada, como pôde José; no entanto, Eu era a invisível Presença que, inclinada sobre o travesseiro deles, fazendo-os adormecer em paz, na esperança do triunfo, lhes dizia sublimes palavras.Há quem diga: “Por que não tiveram que sofrer para gerar, nem para morrer, sendo eles também filhos de Adão?”. Eu respondo: “O Batista foi pré-santificado só por ter chegado perto de Mim, quando estava no ventre de sua mãe, tendo sido ele também filho de Adão, concebido com o pecado original; não teria recebido nenhuma graça a santa mãe daquela que não teve mancha, preservada por Deus, por trazer o próprio Deus no seu espírito quase divino e no seu coração embrionário, sem nunca de Deus se separar, desde que foi pensada pelo Pai, concebida num ventre, tornando a possuir Deus plenamente no céu por uma eternidade gloriosa? E ainda respondo: “A reta consciência dá uma morte serena, e as orações dos santos vos alcançam tal morte”.Joaquim e Ana deixaram atrás de si uma vida inteira vivida numa consciência reta, que surge então como plácido panorama, servindolhes de guia para o Céu. Eles tinham a santa, em oração pelos seus

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pais que estavam longe, diante do Tabernáculo de Deus, pais colocados por ela em segundo lugar depois de Deus, que é o Bem supremo, mas que eram amados, como a lei e o sentimento o exigiam, com um amor sobrenaturalmente perfeito”._____________________* não ... sofrimentos da mulher: fato admitido - assim anota MV numa cópia datilografada - também por parte de alguns teólogos no sentido material da dor do parto; na realidade a alegria estática no dar à luz Maria predominou sobre o natural sofrimento feminino da grávida, tanto que Ana deu à luz sem ânsias nem crueza próprias desses casos.

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10.Cântico de Maria. Ela se lembravade tudo o que o seu espírito havia visto em Deus.

2 de setembro de 1944.1Somente ontem à tarde, sexta-feira, é que a minha mente se iluminou para 10.1 ver. Não vi outra caisa senão uma Maria bem jovem, uma Maria de, no máximo doze anos, cujo rostinho já não tem mais aquelas rotundidades próprias da meninice, mas vai deixando ver os contornos da mulher, naquela forma oval que se alonga.Também os cabelos não estão mais caídos sobre o pescoço, com seus cachinhos leves, mas estão divididos, formando duas boas tranças de uma cor de ouro esmaecida - parecem uma liga de prata de tão claros - e descem passando pelos ombros e chegando até a cintura. Seu rosto agora está mais pensativo, mais maduro, ainda que continue a ser o rosto de uma menina, uma menina bela e pura que, toda vestida de branco, está costurando em um pequeno quarto, também branco, de cuja janela escancarada, pode-se ver o edifício imponente do Templo, no centro, e depois, toda a descida dos degraus dos pátios e dos pórticos. Atrás dos muros, que rodeiam o Templo, vê-se a cidade com suas ruas, casas e jardins e, no fundo, o cume arredondado e verde do monte das Oliveiras.Ela está costurando e cantando em voz baixa. Não sei se é um canto religioso. Diz assim:

“Como uma estrela dentro da água clarabrilha-me uma luz no coração.Desde minha infância, de mim não se separae suavemente ela me guia com amor.No coração eu tenho um canto.De onde ele virá?Homem, tu não sabes isso.Vem de onde repousa o Santo.Eu olho para a minha estrela clarae não quero coisa alguma que não seja,mesmo a mais doce e querida,mas que não seja esta doce luz que é toda minha.Tu me trouxeste desde os altos Céus,ó minha Estrela, no seio de uma mãe.Vives agora em mim, mas por fora dos véuste estou podendo ver, ó rosto glorioso do Pai.63

Quando darás à tua serva a honrade ser do Salvador a humilde serva?Manda, manda-nos do Céu o Messias.Aceita, ó Pai santo, a oferta de Maria”.

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2Maria se cala, sorri e suspira, e depois se inclina e se ajoelha em oraçáo. 10.2Seu pequeno rosto é todo uma só luz. Erguido depois para o azul límpido de um belo céu de verão, parece atrair para si toda aquela luminosidade, e irradiá-la de si. Ou melhor, parece que um sol escondido no seu interior irradie suas luzes e incendeie a neve levemente rosada da face de Maria, derramando-se sobre as coisas e o sol que brilha na terra, abençoando e prometendo toda sorte de bens.Enquanto Maria está para levantar-se, depois de sua amorosa oração, e em seu rosto ainda lhe permanece a luminosidade do êxta se, entra a anciã Ana de Fanuel, e pára, assombrada, ou, pelo menos, admirada pelo ato e pelo aspecto de Maria.Depois a chama:- Maria! - e a menina se volta com um sorriso, diferente, mas sempre muito lindo, saudando-a:- Ana, a paz esteja contigo!3- Estavas rezando? A oração não te basta nunca? 10.3- A oração poderia me bastar. Mas eu falo com Deus! Ana, não fazes uma idéia como eu O sinta próximo de mim. Mais do que próximo, sinto-O em meu coração. Deus me perdoe esta soberba. Mas eu não me sinto sozinha. Estás vendo? Lá, naquela casa de ouro e de neve, atrás da dupla Cortina, está o Santo dos santos. Nenhum olho, a não ser o do Sumo Sacerdote, pode fixar-se no Propiciatório sobre o qual repousa a glória do Senhor. Mas eu não preciso olhar, com toda a alma cheia de veneração, para aquele duplo Véu bordado, que se move com as ondas dos cantos das virgens e dos levitas, e guarda o perfume dos preciosos incensos, como para tentar perfurar sua urdidura, a fim de ver transparecer o Testemunho. Sim, também eu olho para ele! Não temas que eu não o olhe, cheia de veneração, como fazem todos os filhos de Israel. Não temas que o orgulho me cegue, a ponto de fazer-me pensar isto que estou te dizendo. Eu olho para ele. Não há nenhum servo humilde no povo de Deus que olhe com mais humildade para a Casa do Senhor, como eu, pensando ser a mais indigna de todos. O que eu vejo? Vejo um véu. O que deve estar atrás do Véu? Um Tabernáculo. O que há nele? Se olho em meu coração, eis que vejo Deus, que brilha em sua glória e amor, dizendo-me: “Eu64te amo”, e eu Lhe digo: “Eu te amo” e sinto-me derreter, me deleito em cada palpitação do coração, neste beijo recíproco... Eu estou no meio de vós, mestras e companheiras queridas. Mas um círculo de fogo me separa de vós. Dentro do círculo estamos Deus e eu, que vos vejo, através do Fogo de Deus, e assim vos amo... Mas não posso amar-vos segundo a carne. Jamais poderei amar ninguém segundo a carne. Só posso amar a Este que me ama, segundo o espírito. 4Eu 10.4 conheço a minha sorte.- A Lei secular de Israel quer que cada menina se torne esposa, e cada esposa mãe. Mas eu, ainda que obedecendo à Lei, obedeço uma Voz que diz: “Eu te quero”, mas como poderei fazer isso se sou e serei virgem? Esta tão doce e invisível Presença, que está comigo me ajudará, porque Ela é que quer assim. Eu não temo. Não tenho mais pai nem mãe... só o Eterno sabe como nesta dor se purificou tudo o que eu tinha de humano. Foi uma purificação por meio de uma dor atroz. Agora não tenho ninguém, além de Deus. A Ele obedeço, portanto, cegamente. Já teria obedecido até contra meu pai e minha mãe, porque a Voz me instrui que quem quer acompanhá-la deve ir além dos pais, que são amorosos guardiães, rondam os muros do coração filial, querendo conduzi-lo à alegria, mas, segundo o modo de ver deles... Não sabem que há outros modos que conduzem a uma alegria infinita... Eu lhes teria deixado as vestes e o manto, para acompanhar a Voz, que me diz: “Vem, ó minha querida, ó minha esposa!”. Eu lhes teria deixado tudo. As pérolas das lágrimas, que choraria por dever desobedecer, e os rubis do meu sangue, dado que até a morte eu teria desafiado para acompanhar a Voz que me chama, lhes diriam que há algo maior e mais doce do que o amor paterno e materno. É a Voz de Deus. A Sua vontade agora me deixou livre até do laço da piedade filial. Talvez não teria sido propriamente um laço. Eles eram dois justos, e Deus certamente lhes falava, como faz comigo. Eles seguiriam a justiça e a verdade. Quando penso neles, os vejo na

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tranqüila espera dos Patriarcas. Apresso, com o meu sacrifício, a chegada do Messias para abrir-lhes as portas do Céu. Sobre a terra, sou eu que me dirijo, ou melhor, é Deus que dirige a sua pobre serva, dando-lhe as Suas ordens. Eu as cumpro, pois cumpri-las é a minha alegria. Quando chegar a hora, direi ao esposo o meu segredo... e ele o aceitará.- Mas, Maria, que palavras encontrarás para persuadi-lo? Terás contra ti o amor de um homem, a Lei e a vida.- Eu terei Deus comigo... Deus abrirá à luz o coração do meu esposo... A vida perderá os espinhos da sensualidade, tornando-se65uma pura flor com perfume de caridade. 5A Lei... Ora, Ana, não me digas que 10.5 sou uma blasfemadora. Eu acho que a Lei está para ser mudada. Por quem, dirás tu, se a Lei é divina? Pelo único que a pode mudar. Por Deus. O tempo está mais perto do que pensais, eu vos digo. Porque, lendo Daniel, uma grande luz se fez em mim, partindo do fundo do meu coração, e minha mente compreendeu o sentido das palavras misteriosas. As setenta semanas serão abreviadas pelas orações dos justos. Foi mudado o número dos anos? Não. A profecia não mente. A medida do tempo profético não é o curso do sol e sim o da lua. Portanto, eu te digo: “A hora está perto, quando se ouvirá o vagido daquele que nasceu de uma Virgem”. Oh! Se esta Luz que me ama quisesse me dizer, já que me diz tantas coisas, onde está a * feliz donzela que dará à luz o Filho de Deus, que dará o Messias ao seu povo! Caminhando descalça, percorreria a terra, e nem o frio, nem o gelo, nem a poeira, nem a canícula, nem as feras, nem a fome seriam para mim obstáculos para eu chegar perto dela e dizer-lhe: “Concede à tua serva e à serva dos servos de Cristo de viver sob o teu teto. Eu trabalharei o moinho e a prensa. Coloca-me como escrava ao lado do moinho, ou como pastora do teu rebanho, como a que limpa as fraldas do teu Filho, coloca-me em tuas cozinhas, junto aos teus fornos... coloca-me onde quiseres, mas me aceita! Que eu o possa ver! Que eu ouça a sua voz! Que dele eu receba um olhar”. Se ela não me quisesse, como mendiga à sua porta, eu haveria de viver de esmolas e de zombarias, ao ar livre, sujeita aos rigores do tempo, contanto que pudesse ouvir a voz do Messias menino, o eco dos seus risos, depois vê-lo caminhar... Talvez algum dia eu recebesse Dele a esmola de um pão... Oh! ainda que a fome me estivesse dilacerando as entranhas, eu estivesse desfalecendo, depois de tanto tempo sem comer, eu não comeria aquele pão. Eu o conservaria como um saquinho de pérolas sobre o meu coração, e o beijaria para sentir o perfume da mão do Cristo. E já não sentiria mais fome nem frio, porque aquele contato me daria êxtase e calor, êxtase e alimento...6- Tu deverias ser a mãe do Cristo, tu que o amas tanto assim! Será para 10.6 isso que queres permanecer virgem?_______________________* onde é que está a donzela feliz ... Não deve maravilhar - assim anota MV numa cópia datilografada - esta ignorância de Maria quanto ao seu futuro como Mãe de Jesus. Deus, que por singular privilégio lhe havia concedido sabedoria proporcional ao seu estado de Imaculada e de Predestinada Mãe do Verbo Encarnado, por motivos que nos são imperscrutáveis quis que Maria ignorasse algumas coisas até ao momento oportuno de o saber. Tal conceito vem reforçado no texto de 10.10, 17.9, 108.2.

66- Oh! não. Eu sou apenas miséria e pó. Não ouso levantar o olhar em direção à Glória. É por isso que eu gosto de olhar para dentro do meu coração mais do que para o duplo Véu, alétn do qual está a invisível Presença de Jeová. Lá está o Deus terrível do Sinai. Mas aqui, em mim, eu vejo o nosso Pai, uma Face amorosa que me sorri e me abençoa, porque eu sou pequena como um passarinho, que o vento sustenta sem sentir peso algum, e frágil como o caule do pequeno lírio selvagem que só sabe florescer e exalar seu perfume, não opondo outra resistência ao vento, a não ser a de sua perfumada e pura doçura. Deus, o meu vento de amor! Não é por isso que permaneço virgem. Mas porque se o Filho de Deus é de uma virgem, ao Santo do Altíssimo não pode agradar senão aquilo que no Céu Ele escolheu por mãe e aquilo que na terra lhe fala do Pai Celeste: a Pureza. Se a Lei

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meditasse isto, e os rabis que as multiplicaram em todas as sutilezas, voltassem sua mente para horizontes mais altos, mergulhando-se no sobrenatural, deixariam de lado o humano e o lucro, que é o que eles procuram esquecendo-se de seu Fim supremo, orientando os seus ensinamentos à Pureza, a fim de que o Rei de Israel a encontre ao chegar. Com a oliveira do Pacífico, com as palmas do Triunfador, espalhai lírios, mais lírios, muitos lírios... Quanto Sangue o Salvador não deverá derramar para redimir-nos! Quanto sangue! Das milhares e milhares de feridas que Isaías viu no corpo do Ho mem das dores, está caindo uma chuva de Sangue como o orvalho de um vaso poroso. Que este Sangue divino não caia onde houver profanação e blasfêmia, mas, sim, em cálices de pureza odorífera, que o acolhem e recolhem, para depois espargi-lo sobre os doentes do espírito, sobre os leprosos da alma, que estão mortos para Deus. Dai lírios, dai lírios para enxugar os suores e as lágrimas do Cristo, com a cándida veste de pétalas puras! Dai lírios e mais lírios para o ardor de sua febre de Mártir! Oh! Onde estará aquele Lírio que te carrega? Onde estará quem te dessedentará, em tua febre ardente? Onde estará aquela que se tornará vermelha pelo teu Sangue, morrendo pela dor de te ver morrer? Onde estará quem chorará pelo teu Corpo esvaído em sangue? Oh! Cristo! Cristo! Meu suspiro!Maria se cala, lacrimejante e esmagada.7Ana se cala por algum tempo e depois, com sua branca voz de anciã 10.7 comovida, diz:- Tens mais alguma coisa para ensinar-me, Maria?Maria leva um susto. Em sua humildade, ela crê que sua mestra a esteja censurando, e diz:67- Oh! Perdão! Tu és mestra, eu sou um pobre nada. Mas esta Voz me saiu do coração. Eu bem que a vigio, para não falar. Mas, como um rio, que sob o impulso da onda, arrebenta os diques, eis que eu fui apanhada transbordando. Não faças conta de minhas palavras, e castiga a minha presunção. As palavras misteriosas deveriam ficar na arca secreta do coração, que Deus, em sua bondade, trata tão bem. Eu sei disso, mas é tão doce esta invisível Presença, que dela eu estou ébria... Ana, perdoa a tua pequena serva!Ana a abraça, e todo o seu velho rosto rugoso treme, brilhando em prantos. As lágrimas escorrem por entre as rugas, como a água por um terreno acidentado se transforma em um pântano que treme. Mas a velha mestra não provoca riso. Pelo contrário, o seu pranto excita a mais alta veneração.Maria está entre os seus braços, com o rostinho contra o peito da velha mestrà, e tudo termina assim.

8Jesus diz: 10.8“ Maria se recordava de Deus. Sonhava com Deus. Pensava estar sonhando. Não fazia mais do que rever tudo o que o seu espírito havia visto no fulgor do Céu de Deus, no momento em que tinha sido criada, para ser unida à carne concebida na terra. Ela partilhava uma das propriedades de Deus ainda que de modo bem menor, como exigia a justiça. Assim, ela tinha a faculdade de recordar, ver e prever por atributo de uma inteligência poderosa e perfeita, não lesada pela Culpa.9O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Uma das 10.9semelhanças está na sua possibilidade de recordar, ver e prever, através do espírito. Isto explica também a faculdade de ver o futuro. Muitas vezes, esta faculdade aparece, pela vontade de Deus, de modo direto, outras vezes, vem pela lembrança, que se ergue, como o sol da manhá, iluminando um determinado ponto do horizonte dos séculos, como é visto no seio de Deus.Estes são mistérios altos demais, para que os possais compreender plenamente. Mas, pensai.Aquela Inteligência suprema, aquele Pensamento que tudo sabe, aquela Vista que tudo vê, que vos criou por um ato de sua vontade, com um sopro de Seu infinito amor, fazendo-vos filhos Seus, por origem, filhos Seus também pela meta a que fostes destinados, poderá Ele, por acaso, dar-vos algo sem ser Ele mesmo? Ele vo-lo dá em uma medida infinitamente pequena, porque nunca uma criatura poderia ter a capacidade do seu Criador. Mas a medida que vos dá, ainda que68em sua infinita pequenez, é perfeita e completa.

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Que tesouro de inteligência Deus deu ao homem Adão! A culpa, certamente, diminuiu essa inteligência, mas o Meu sacrifício reintegra o homem, e abre para vós os fulgores da Inteligência, os seus canais, a sua ciência. Oh! Que sublimidade tem a mente humana, unida a Deus pela Graça, participando da Sua capacidade de conhecer!... A mente humana unida a Deus pela Grctça.Não existe outro modo. Os curiosos de segrrrlos ultra-humanos que pensem nisso. Todo conhecimento que não proceda de uma alma em estado de graça - e não está em graça quem está contra a Lei de Deus, tão clara em suas ordens - só pode provir de Satanás. Dificilmente satanás corresponde à verdade em tudo o que se refere a assuntos humanos, e nunca corresponde à verdade no que se refere ao sobrenatural, porque o demônio é pai da mentira, conduzindo -vos consigo aos caminhos da mentira. Não há nenhum outro método para conhecer a verdade, senão o método de Deus, o qual fala, diz ou faz lembrar, assim como um pai que faz um filho recordar-se da casa paterna, ao dizer: “Estás lembrado de quando Comigo fazias isto, vias aquilo, ou ouvias aquilo outro? Estás lembrado de quando recebias o meu beijo de despedida? Lembras-te de quando me viste pela primeira vez, o sol fulgurante do meu rosto sobre a tua alma virgem, que tinha acabado de ser criada, e estava ainda limpa do marasmo, que mais tarde te diminuiu e degradou, quando mal acabavas de sair de Mim? Lembras-te ainda de quando chegaste a compreender, em um sobressalto de amor, o que é o Amor? Qual é o mistério do nosso Ser e da nossa Procedência?”. Até onde a capacidade limitada do homem em estado de graça não consegue chegar, vem o Espírito falar-lhe e ensinar-lhe.Contudo, para o homem possuir o Espírito, é necessária a Graça. Para possuir a Verdade e a Ciência, é necessária a Graça. Para o homem ter o Pai, é necessária a Graça. A Graça é a Tenda em que as Três Pessoas fazem a sua morada, é o Propiciatório sobre o qual pousa o Eterno, e fala, não mais de dentro da nuvem, mas revelando sua Face ao filho fiel. Os santos se recordam de Deus, das palavras ouvidas da Mente criadora e que a Bondade ressuscita em seus corações, para elevá-los, como águias, à contemplação do Verdadeiro e ao conhecimento do Tempo.10Maria era a cheia de Graça. Toda a Graça, una e trina estava nela, toda 10.10 a Graça una e trina a preparava como esposa para as núpcias. Preparava-a como o leito nupcial para a prole, divinizando-a69para a sua maternidade e missão. Ela é a que vem concluir o ciclo das profetisas do Antigo Testamento, e abre o ciclo dos “porta-vozes de Deus”, no Novo Testamento.Arca da verdadeira Palavra de Deus, olhando em seu seio eternamente inviolado, Maria descobria as palavras da ciência eterna, traçadas pelo dedo de Deus em seu coração imaculado, e se recordava, como todos os Santos, tê-las já ouvido, quando gerada com o seu espírito imortal de Deus Pai, criador de toda vida. E, se não se recordava de tudo, a respeito de sua futura missão, é porque em toda perfeição humana, Deus deixa algumas lacunas, por divina prudência, que é bondade e merecimento, em favor da criatura.Como uma segunda Eva, Maria precisou conquistar a sua parte de merecimento, ao ser a mãe de Cristo, com uma fiel boa vontade, que Deus quis ter até em seu Cristo, para fazê-lo Redentor.O espírito de Maria estava no Céu. Sua personalidade e sua carne estavam na terra, devendo pisar terra e carne, para chegar ao espírito e uni-lo ao Espírito, num abraço fecundo”.

11Nota minha. Durante todo o dia de ontem, estive imaginando ver o 10.11 anúncio da morte dos pais de Maria, dado por Zacarias, quem saberá porquê? Assim, também eu pensava como Jesus teria tratado a “lembrança de Deus, por parte dos santos”. Hoje de manhã, quando começou a visão, eu disse: “Agora vão dizer que Maria está órfã”, e já ia ficando com o coração pequenino porque... era a minha tristeza destes dias que eu teria visto e sentido. Pelo contrário, não há nada de tudo o que eu pensava ver ou ouvir, nem mesmo uma só palavra. Isto me consola, porque me diz que não há nada de mim própria, nem mesmo uma honesta sugestão sobre determinado ponto. Tudo vem mesmo de outra fonte. Meu medo contínuo cessa... até a próxima vez, porque este medo de ser enganada e de enganar me haverá de acompanhar sempre.

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11. Maria confidencia o seu voto ao Sumo Sacerdote.

3 de setembro de 1944.1Que noite de inferno! Parecia mesmo que os demônios estivessem soltos 11.1 sobre a terra. Canhonaços, trovões, relâmpagos, perigo, medo, sofrimento por estar em uma cama não minha e, em meio a tudo isso, como uma flor toda branca e suave, colocada entre labaredas e70espinheiros, a presença de Maria, que está um pouco mais adulta do que na visão de ontem, mas sempre jovem, com as suas tranças loiras sobre os ombros, com o seu vestido branco, com seu sorriso doce e cheio de recolhimento, um sorriso interior, voltado para o mistério glorioso, que ela acolheu em seu coração. Passo a noite comparando o seu suave aspecto com a ferocidade que há no mundo, e relembrando suas palavras de ontem cedo, um canto de viva caridade, com o ódio dos que se dilaceram.Agora de manhã, tendo voltado ao silêncio do meu quarto, assisto a esta cena.2Maria está sempre no Templo. Agora, ela está saindo com outras virgens 11.2 do Templo verdadeiro e propriamente dito.Lá dentro deve ter havido alguma cerimônia, pois o cheiro do incenso se espalha pelo ar, que está todo avermelhado por causa de um belo pôr-do-sol, que eu diria de um outono adiantado, com um céu docemente cansado, como um outubro sereno, inclinando-se sobre os jardins de Jerusalém, nos quais o amarelo-ocre das folhas, estando para cair, vão derramando manchas loiro-avermelhadas no verde-prateado das oliveiras.A fileira, ou melhor, o cândido enxame das virgens, atravessa o pátio dos fundos, sobe por uma escadaria, passa por uma série de pórticos, entra em um outro pátio mais simples, quadrado, tendo uma única entrada. Deve ser este o lugar que serve para acomodar os pequenos quartos das virgens destinadas ao Templo, pois cada menina se dirige para a sua cela, como uma pombinha para o seu ninho, e até parece um bando de pombas que se separam, depois de estarem unidas respondendo a um apelo. Muitas, eu diria todas, falam entre si em voz baixa e alegre, antes de se separarem. Maria está calada. Somente antes de se separar das outras, ela as saúda afetuosamente, depois se dirige para o seu pequeno quarto, que fica num canto à direita.3Lá, ela se encontra com uma mestra também anciã, embora não tanto 11.3 quanto Ana de Fanuel.- Maria, o Sumo Sacerdote te espera.Maria olha para ela, ligeiramente surpresa, mas não lhe pergunta nada. Responde só isto:- Irei imediatamente.Não sei se a ampla sala em que ela entra faz parte da casa do Sacerdote, ou se faz parte dos aposentos das mulheres que trabalham no Templo. Só sei que é uma sala vasta e muito clara, bem arruma-71da, onde, além do Sumo Sacerdote, majestoso em suas vestes, estão também Zacarias e Ana de Fanuel.Maria faz uma grande reverência na entrada, não continuando a entrar até que o Sumo Sacerdote lhe diga:- Adiante, Maria. Não temas. - Maria ergue, então, de novo o corpo, e vai para a frente devagar, não porque queira, mas por um movimento involuntário que lhe dá um ar solene, fazendo-a parecer, de fato, uma mulher.Ana sorri para ela, para dar-lhe coragem, e Zacarias a saúda, dizendo:- A paz esteja contigo, prima.

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O Pontífice a observa atentamente, e depois diz a Zacarias: - Nela se vê logo a estirpe de Davi e de Arão.- Minha filha, eu conheço a tua graça e bondade. Sei que cada dia vieste crescendo na ciência e na graça, aos olhos de Deus e dos homens. Sei que a voz de Deus murmura ao teu coração as mais doces palavras. Sei que tu és a Flor do Templo de Deus e que um terceiro querubim está diante do Testemunho, desde quando tu lá estás. Eu gostaria que o teu perfume continuasse a subir com o incenso em cada novo dia. Mas as palavras que a Lei diz são outras. Tu não és mais uma menina, mas uma mulher. E toda mulher deve ser esposa em Israel, para levar ao Senhor o seu filho varão. Tu cumprirás a ordem da Lei. Não tenhas medo, não fiques envergonhada. Estou bem lembrado da tua realeza. A própria Lei já tutela essa condição, quando ordena que a cada homem seja dada a mulher da sua estirpe. Ainda que assim não fosse, assim eu o faria, para não corromper o teu nobilíssimo sangue. Não conheces, Maria, alguém da tua estirpe, que possa ser o teu esposo?Maria ergue o rosto, todo ruborizado de pudor, e sobre o qual, dos cílios das pálpebras vem brotando um primeiro sinal de pranto, e com voz trémula, responde:- Ninguém.- Mas ela não pode conhecer alguém, porque entrou aqui em sua infância, e a estirpe de Davi tem sido perseguida e dispersa de tal modo, que não foi possível que os diversos ramos se reunissem como em uma fronde, formando a copa da palmeira real - diz Zacarias.- Então, vamos deixar para Deus a escolha.4 As lágrimas, até aí contidas jorram agora, e descem até à boca trémula, e 11.4 Maria lança um olhar suplicante à sua mestra.- Maria fez um voto ao Senhor pela sua glória e pela salvação de72Israel. Naquele tempo ela não passava de uma menina, estava aprendendo a soletrar, e já se tinha obrigado por um voto...- diz Ana em sua ajuda.- O teu pranto, então, é por isso? Não é por resistência à Lei?- É por isso... e não por outra causa. Eu obedeço a ti, Sacerdote de Deus.- Isto vem confirmar tudo o que sempre me foi dito de ti. Há quantos anos que fizeste essa promessa de virgindade?*- Desde sempre, penso. Ainda não estava neste Templo, e já me havia entregue ao Senhor.- Não és tu aquela pequenina que, faz agora doze invernos, vieste pedir-me para entrar?- Sou eu.- E como podes dizer que naquele tempo já eras de Deus?- Se olho para trás, vejo-me consagrada já ao Senhor. Não posso lembrar-me da hora em que nasci, nem de como foi que comecei a amar a minha mãe e a dizer a meu pai: “Meu pai, eu sou tua filha”... Mas eu me lembro, ainda que não saiba quando começou, de ter dado a Deus meu coração. Talvez tenha sido com o primeiro beijo que eu soube dar, com a primeira palavra que eu consegui pronunciar, com o primeiro passo que eu fui capaz de dar... Sim, isso mesmo. Creio que a primeira recordação de amor, vou encontrá-la no primeiro passo firme que eu consegui dar... Minha casa... tinha um jardim cheio de flores... tinha um pomar e muitos campos... e lá havia uma nascente, bem lá no fundo, ao sopé de um monte, e a nascente jorrava de uma rocha escavada, que formava uma gruta... era cheia de ervas de talos longos e finos, que ficavam penduradas como pequenas cascatas verdes, que vinham de diversas direções e parecia que estivesse chovendo, porque as folhinhas leves das pequenas copas semelhantes a um bordado, tinham uma gotinha de água em cada uma que, ao pingar, fazia o som de uma campainha, bem pequenina. E a nascente também cantava. Lá havia passarinhos nos ramos das oliveiras e das macieiras, que estavam na encosta acima da nascente, pombas brancas, que vinham lavar-se no espelho límpido da água da fonte... Eu não me lembrava mais de tudo aquilo, porque eu tinha colocado todo o meu coração em Deus e, com exceção do pai e da______________________* de virgindade, diz-se no sentido de: consagraste-te virgem, fizeste o voto de virgindade, como em 12.7; assim como a afirmação me farei virgem (em 7.4) significa permanecerei virgem por

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minha vontade. A virgindade de Maria Ss. vem particularmente reafirmada e celebrada em: 5.7/15 - 35.10/11 - 100.12 - 136.6.

73mãe, amados por mim na vida e na morte, quaisquer outras coisas da terra tinham desaparecido do meu coração... Mas tu me estás fazendo pensar, Sacerdote... Devo descobrir quando foi que me dei a Deus... e por isso as coisas dos primeiros anos estão voltando à minha mente... Eu amava aquela gruta, porque, mais doce do que o canto da água e dos passarinhos, lá eu ouvia uma Voz que me dizia: “Vem, minha querida!”. Eu amava aquelas ervas ornadas com gotas sonoras e parecidas com lindos diamantes, porque nelas eu via o sinal do meu Senhor, e me tornava alheia a tudo mais, ao dizer a mim mesma: “Vê como é grande o teu Deus, ó minha alma! Aquele que fez os cedros do Líbano, lá no Norte, fez também aqui estas folhinhas que se inclinam sob o peso de um mosquitinho, para alegria dos teus olhos e como anteparo para os teus pequenos pés”. Eu amava aquele silêncio das coisas puras: o vento leve, a água prateada, o asseio das pombas... eu amava aquela paz que velava sobre a pequena gruta, descendo das macieiras e das oliveiras, agora todas em flor, e depois todas carregadas de frutos... E não sei... parecia que a Voz me dissesse: “Vem, tu, minha oliva linda; vem, tu, doce maçã; vem, tu, fonte selada; vem, tu, ó minha pomba”... Doce, o amor do pai e da mãe... doce era a voz deles que me chamava... mas esta voz, esta voz! Oh! No Paraíso terrestre*, penso que foi assim que a ouviu aquela que foi a culpada, e eu nem sei como foi que ela pôde preferir um sibilo a esta Voz de amor, como pôde apetecer um outro conhecimento, que não fosse o de Deus... Com os lábios, que ainda estavam com o cheiro do leite materno, mas com o coração tornado ébrio pelo mel celeste, eu disse, então: “Eis-me aqui, eu vou. Sou tua. E nenhum outro senhor terá a minha carne, senão Tu, Senhor, como outro amor não tem o meu espírito”... Parecia-me estar repetindo coisas já ditas e estar cumprindo um rito há tempo realizado, nem era estranho para mim o Esposo escolhido, porque Dele conhecia já o ardor e minha vista estava já afeita à sua luz, e minha capacidade de amar se havia completado entre os seus braços. Quando foi? Não sei. Do lado de lá da vida, eu diria, porque sinto que sempre o tive, e que Ele sempre me teve, e que eu existo porque Ele me quis para alegria do seu Espírito e do meu... 5Agora, eu obedeço, Sacerdote. Mas diz-me tu, 11.5 como é que deverei agir. Não tenho pai nem mãe. Sé tu o meu guia.- Deus te dará o esposo, e santo ele há de ser, pois te entregas a______________________* No Paraíso terrestre, em vez de no Paraíso, é correcção de MV numa cópia datilografada.

74Deus. Tu contarás ao teu esposo qual é o teu voto. - E ele aceitará?- Assim espero. Reza, ó filha, para que ele possa compreender teu coração. Vai agora. Deus te acompanhe sempre.Maria se retira com Ana. Zacarias fica com o Pontífice. Cessa assim a visão.

12. José escolhido como esposo da Virgem.

4 de setembro de 1944.1Vejo um rico salão lindamente pavimentado, com cortinas, tapetes e 12.1 móveis entalhados. Deve ainda ser também essa, uma parte do Templo, porque vejo sacerdotes, entre os quais Zacarias, e muitos homens de várias idades, ou seja: de vinte a cinqüenta anos, mais ou menos.Eles estão falando animadamente uns com os outros em voz baixa. Parecem estar ansiosos por

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alguma coisa, que eu ainda não sei o que seja. Todos estão com roupas novas, ou pelo menos lavadas há pouco, como se estivessem preparados para uma festa. Muitos tiraram o véu que lhes estava cobrindo a cabeça, mas outros ficaram cobertos, especialmente os anciãos. Os jovens preferem ficar com as cabeças descobertas, uns ostentando suas cabeleiras loiro-escuras; outros, as cor de amora; alguns, as bem escuras; e vejo uma de cor vermelho cobre. A maior parte dos jovens tem os cabelos cortados curtos; mas há também os de longas cabeleiras que descem até os ombros. Parece que eles não se conhecem uns aos outros, pois vejo como estão se observando mútua e curiosamente. Mas devem ser parentes entre si, porque pode-se notar que há um pensamento que está preocupando a todos.2A um canto estou vendo José. Ele está falando com um velhinho ainda 12.2 robusto. José deve ter seus trinta anos. É um belo homem, de cabelos curtos e um tanto crespos, de cor castanho escuro, como sua barba e seus bigodes, que formam um sombreado, pondo em relevo o queixo, subindo pelas faces, que são moreno-avermelhadas, não oliváceas, como costumam ser os homens morenos. Ele tem os olhos escuros, bons e profundos, muito sérios e parecendo até um pouco tristes. Mas, quando ele sorri, como está fazendo agora, seus olhos se tornam alegres e joviais. José está todo vestido de um marrom claro, muito simples, mas muito bem arrumado.753Agora entra um grupo de jovens levitas, colocando-se entre a porta e 12.3 uma longa e estreita mesa, que fica perto da parede. A porta, ao meio da mesa, fica aberta. Somente uma das cortinas desce até vinte centímetros do solo, cobrindo o vão da porta.A curiosidade aumenta. E, ainda mais, quando uma mão afasta a cortina para dar passagem a um levita, que traz nos braços um feixe de ramo secos, sobre o qual foi colocado um ramo florido, com todo o cuidado. Em uma fina camada, as pétalas brancas das flores mal se recordam de sua primeira cor rosada, que ainda se pode ver no centro, tornando-se, porém, mais clara, à medida que se aproxima das extremidades das delicadas pétalas. O levita coloca o feixe de ramos sobre a mesa, com muito cuidado, para não estragar o milagre daquele ramo florido, que está em meio a tantos ramos secos.Um murmúrio passa pelo salão. Os pescoços se espicham, os olhares se tornam mais atentos. Até Zacarias, com os sacerdotes que estão perto da porta, está querendo ver. Mas não consegue.José, no seu canto, dá apenas uma olhadela no feixe de ramos, e quando um interlocutor lhe diz algo, faz um gesto de negação, como se estivesse dizendo:- Impossível! e sorri.4Ouve-se um toque de trombeta, do outro lado da cortina. Todos se calam, 12.4 e se colocam em ordem, com o rosto virado para a saída, que agora está completamente aberta, com a cortina deslizada pelas argolas. Entra o Sumo Pontífice, rodeado por outros anciãos. Todos se inclinam profundamente. O Pontífice vai até à sua mesa, falando assim:- Homens da estirpe de Davi, que aqui vos reunistes, em obediência a uma ordem minha, escutai. O Senhor falou, louvores sejam dados a Ele! De sua Glória desceu um raio e, como um sol de primavera, deu vida a um ramo seco, que floresceu milagrosamente, enquanto nenhum outro ramo da terra hoje está florido, no último dia das Encênias, quando ainda não se derreteu a neve que caiu sobre as montanhas de Judá, sendo a única candura que existe entre Sião e Betânia. Deus falou, fazendo-se Pai e tutor da virgem de Davi, que não tem nenhum outro senão Ele para a sua tutela. Santa menina, glória do Templo e da estirpe, mereceu a palavra de Deus para ficar conhecendo o nome do esposo que agradou ao Eterno. Ele deve ser muito justo, para ser o eleito do Senhor como guarda da virgem a Ele tão querida! Por isso, a nossa dor de perdê-la se atenua, e cessa toda a nossa preocupação quanto ao seu destino de esposa. E ao que76foi indicado por Deus confiamos com toda a segurança a virgem sobre a qual está a bênção de Deus e nossa. O nome do esposo é José de Jacó, de Belém, da tribo de Davi, carpinteiro em Nazaré da Galiléia. José, vem para a frente! O Sumo Pontífice te ordena.Grande murmúrio. Cabeças que se viram, olhos e mãos que acenam, explosões de desilusão e

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expressões de alívio. Alguém, especialmente entre os velhos, deve ter ficado alegre por não ter tido esta sorte.José, muito vermelho e embaraçado, vai para a frente. Está agora diante da mesa, em frente ao Pontífice, que saúda com reverência.- Vinde todos e olhai o nome escrito sobre o ramo. Apanhe cada um o seu próprio ramo, para que se prove que não houve fraude.Os homens obedecem. Olham para o ramo que está delicadamente seguro pelo Sumo Sacerdote, apanha cada um o seu próprio ramo, e uns o despedaçam, outros o conservam. Todos observam José, há quem olhe e se cale e outros que se felicitam. O velhinho, com quem José conversava antes, diz:- Eu não te havia dito, José? Quem menos se sente seguro, é o que vence a partida! Agora todos já passaram.5O Sumo Sacerdote entrega a José o ramo florido, e depois põelhe a mão sobre o ombro, dizendo:- A esposa que Deus te dá não é rica, tu bem o sabes. Mas possue todas as virtudes. Procura ser sempre mais digno dela. Não há em Israel outra flor de tão rara beleza e pureza. Agora, saí, todos vós ficando apenas José. Tu, Zacarias, como seu parente, conduz a esposa até aqui.Todos saem, menos o Sumo Sacerdote e José. A cortina torna a ser baixada sobre a saída.José, todo humilde, está junto ao majestoso Sacerdote. Há um momento de silêncio, e depois o Sacerdote lhe diz:- Maria precisa dizer-te um voto seu. Procuras ajudar a timidez dela. Sejas bom para com ela.- Porei a minha virilidade a seu serviço e nenhum sacrifício, por ela, me será pesado. Fica certo disso.Maria entra com Zacarias e Ana de Fanuel.- Vem, Maria. - diz o Pontífice - Eis o esposo que Deus te destinou. É José de Nazaré. Voltarás, pois, para a tua cidade. Agora eu vos deixo. Deus vos dê a Sua bênção. O Senhor vos guarde e abençoe, mostrando-vos a sua face e tendo sempre piedade de vós. Que Ele volte para vós o seu rosto e vos dé a paz.77Zacarias sai, acompanhando o Pontífice. Ana se congratula com o esposo e depois também sai.6Os dois noivos ficam um em frente ao outro. Maria, com o rosto 12.6 vermelho, está de cabeça inclinada. José também ruborizado, a observa, procurando as primeiras palavras para dizer.Finalmente um sorriso ilumina-lhe o rosto. Ele diz:- Eu te saúdo, Maria. Eu te vi menina de poucos dias... Era amigo de teu pai, e tenho um sobrinho, filho do meu irmão Alfeu, que era muito amigo de tua mãe. Seu pequeno amigo, que hoje não tem mais do que dezoito anos, quando ainda não tinhas ainda nascido era como um homenzinho e alegrava as horas tristes de tua mãe, que o amava muito. Tu não o conheces, porque vieste para aqui ainda pequena. Mas em Nazaré todos te querem bem, pensam na pequena Maria e falam nela, na pequena Maria do Joaquim, cujo nascimento foi um milagre do Senhor, que fez com que uma estéril florescesse... Eu me lembro daquela tarde em que nasceste... Todos nos lembramos dela pelo prodígio acontecido de uma grande chuva que veio salvar os campos, e de um violento temporal no qual os raios não destroçaram nem mesmo um caule de érica selvagem, e que terminou com um arco-íris tão surpreendente, que ninguém jamais viu outro maior, nem mais bonito. E depois... quem não se lembra da alegria do Joaquim? Ele te levava por toda parte, mostrando-te aos vizinhos... Como se fosses uma flor vinda do Céu, ele te admirava, e queria que todos te admirassem. O velho pai era feliz e morreu falando de sua Maria, tão bela, tão boa, e de suas palavras tão cheias de graça e sabedoria... Ele tinha razão de te admirar e de dizer que não existe outra mais bela do que tu! E tua mãe? Ela enchia com o seu canto o lugar onde era a tua casa, e parecia uma cotovia na primavera, quando te levava em suas entranhas e, mais tarde, quando te amamentava. Fui eu que fiz o teu berço. Um bercinho todo entalhado com rosas, porque assim o quis tua mãe. Talvez ele ainda esteja na casa que está fechada... Eu estou velho, Maria. Quando nasceste, eu estava fazendo os meus primeiros trabalhos. Já fazia alguma coisa... Quem me teria dito que eu haveria de ter-te como

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esposa? Talvez os teus tivessem morrido mais alegres, pois eles eram meus amigos. Eu sepultei o teu pai, chorando, com um coração sincero, porque ele foi para mim um bom mestre na vida.Maria vai erguendo devagarinho seu rosto, reanimando-se sempre mais, ouvindo que José lhe fala assim e, quando ele se refere ao berço, ela sorri levemente, e quando José lhe fala do pai, ela lhe es-78tende uma mão e diz:- Obrigada, José. - Um agradecimento tímido e suave.José toma a mãozinha de jasmim, entre as suas mãos curtas e fortes de carpinteiro e a acaricia com um afeto que quer encorajar sempre mais. Talvez espere por outras palavras. Mas Maria se cala de novo. Então, é ele que retoma a palavra:- A casa, como sabes, está intocada, menos naquela parte que foi demolida por ordem do Cônsul, transfomando um atalho numa estrada, para as carruagens de Roma. Mas o campo está um pouco descuidado, aquela parte que ficou para ti, porque, tu sabes, a doença do pai fez que se gastasse muito do que era teu. Já são mais de três primaveras que as árvores e as videiras não vêem a tesoura do hortelão. A terra está inculta e dura. Mas as árvores, que te viram pequenina, estão lá ainda e, se tu me permites, eu vou cuidar logo delas.- Obrigada José. Mas tu já estás trabalhando...- Trabalharei no teu pomar nas primeiras e nas últimas horas do dia. Agora os dias estão alongando-se cada vez mais. Na primavera, quero que tudo esteja em ordem, para tua alegria. Olha, este é um ramo da amendoeira que está à frente da casa. Eu quis apanhar este... Há entradas por toda parte na sebe arruinada, mas agora eu a consertarei e a farei ficar mais forte e sólida. Eu quis apanhar este ramo, pensando que se fosse o escolhido... (não o esperava, porque sou nazireu * e só obedeci por ser ordem do Sacerdote, não por desejar as núpcias) Como eu ia dizendo, pensei que terias tido prazer em ter uma flor do teu jardim. Ei-la aqui, Maria. Com ela te dou o meu coração que, como esta flor, floresceu até agora para o Senhor, florescendo agora para ti, minha esposa.7Maria pega o ramo. Está comovida, e olha para José com um rosto sempre mais tranqüilo e radiante. Sente-se segura com ele. Por isso, quando ele lhe disse: “Eu sou nazireu”, o rosto de Maria se iluminou, e ela se encheu de coragem.____________________* nazireu ou nazarita ou nazir era o consagrado ao, Senhor com o voto de nazireado ou nazareato ou nazirato que vem ilustrado em: Números 6, 1-21. O voto de nazireado (de nazir - afastado, diferente dos outros) era um voto temporário ou perpétuo de abstinência em honra de Deus. Exigia três coisas: abstenção de qualquer bebida alcoólica, não cortar o cabelo, evitar o contacto com os mortos. Além de José, esposo de Maria Ss., encontraremos outros nazireus, como em 156.4 (onde é escrito nazir), em 323.7, (referido a Nicolai de Antioquia****) em 363.3 (referido ao apóstolo Tomé). Será também recordado em 94.8 e em 467.9, (nazareu) nazireado de Sansão.

79- Eu também sou toda de Deus, José. Não sei se o Sumo Sacerdote te disse isto.- Ele só me disse que és boa e pura, que me irás falar de um voto, e que eu seja bom para contigo. Fala, Maria. O teu José quer te fazer feliz em todos os teus desejos. Eu não te amo com a carne. Eu te amo com o meu espírito, ó santa menina a mim dada por Deus! Vê em mim, Maria, um pai e um irmão, mais do que um esposo. Como em um pai, confia, e como a um irmão, tranqüiliza-te.- Desde a minha infância, eu me consagrei ao Senhor. Eu sei que em Israel não se faz isso. Mas eu ouvia uma Voz que me pedia a minha virgindade como um sacrifício de amor pela vinda do Messias. Faz tanto tempo que Israel o está esperando!... Por este motivo não é demais renuciar à alegria de ser mãe!José olha para ela fixamente, como se quisesse ler em seu coração, e depois lhe pega as duas mãozinhas, que ainda estão com o ramo florido entre os dedos, e diz:- Eu também unirei o meu sacrifício ao teu, e amaremos tanto ao Eterno com a nossa castidade, que

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Ele haverá de dar o Salvador mais depressa à terra, permitindo-nos ver a sua Luz brilhar no mundo. Vem, Maria. Vamos andar na frente de sua Casa, e juremos que nos haveremos de amar como anjos se amam uns aos outros. 8Depois eu irei a Nazaré preparar tudo para ti na tua casa, se achares bom ires para lá, ou então um outro lugar, que preferires.- Na minha casa havia uma gruta, lá no fundo. Ainda existe?- Ainda existe, mas não é mais tua. Mas eu farei uma para ti, onde sentirás um ar fresco, que te porás à vontade, nas horas quentes do dia. Eu a farei, o mais possível, igual à outra. Diz-me uma coisa: quem gostarias de ter contigo?- Ninguém. Eu não tenho medo. A mãe do Alfeu, que sempre costuma vir estar comigo, me fará um pouco de companhia de dia. De noite prefiro ficar sozinha. Nada me pode acontecer de mal.- Além disso, eu agora estarei lá. Quando devo vir te buscar? - Quando quiseres, José.- Então virei, logo que a casa esteja em ordem. Não vou tocar em nada. Quero que encontres tudo como tua mãe a deixou. Mas quero que ela esteja cheia de sol e bem limpa, para receber-te sem tristeza. Vem, Maria. Vamos dizer ao Altíssimo que o bendizemos.Não vejo mais nada. Mas fica em meu coração o sentido da segurança que Maria está experimentando.80

13. Casamento da Virgem com José, que é instruídopela Sabedoria para tornar-se o guardião do Mistério.

5 de setembro de 1944.1Como está bela Maria, entre suas amigas e mestras festivas, com as suas 13.1 vestes de esposa! No meio delas, está também Isabel.Toda vestida com um linho alvíssimo, tão macio e fino, que parece seda preciosa. Um cinturão, feito de ouro e prata, trabalhado a buril, é formado por medalhões presos um ao outro por correntinhas- Cada medalhão é um bordado feito com fios de ouro, entremeados com os de prata, que o tempo já poliu - O cinturão cinge a fina cintura de Maria e, talvez porque ele fica muito folgado para ela, pois ela é ainda muito jovem, está pendurado na frente com os três últimos medalhões da ponta, descendo por entre as pregas do vestido, que é bastante amplo, e que ela vai arrastando um pouco, por ser comprido demais. Nos pés tem sandálias feitas de uma pele muito branca, com fivelas de prata.Ao pescoço, o vestido está ajustado por meio de uma correntinha com rosetas de ouro e filigranas de prata, que reproduzem, em ponto pequeno, a figura do cinturão e passa pelos ilhoses, que estão no amplo decote, reunindo suas margens em várias dobras, e formando um belo adorno. O pescoço de Maria sobressai daquela alvura cheia de dobras com a beleza de um caule envolto em uma gaze preciosa, e parece ficar ainda mais delgado e branco, um caule de lírio, que termina no rosto lirial, que tornou-se ainda mais pálido e puro pela emoção. Um rosto de hóstia puríssima.Seus cabelos já não estão mais caídos sobre os ombros. Estão graciosamente dispostos em um laço com tranças, que alguns grampos de prata brunida, todos feitos em bordado de filigrana no ponto mais alto, conservam os cabelos em seu lugar. O véu materno está pousado sobre estas tranças e recai em graciosas dobras até abaixo da lámina preciosa, que está cingindo a branquíssima fronte. Ele não desce até a cintura, porque Maria não é alta como era sua mãe, e nela o véu passa abaixo dos quadris, enquanto que em Ana chegava só até a cintura.Maria não tem nada nas mãos, tem braceletes nos pulsos. Mas seus pulsos são tão finos, que os pesados braceletes maternos caem até o dorso das mãos e, se Maria as sacudisse, eles cairiam no chão.

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2As companheiras a estão contemplando de todos os lados, e a admiram. 13.2 Fazem um alegre chilrear de passarinhos, com os seus81pedidos e palavras de admiração.- São de tua mãe?- Antigos, não é?- Que bonita, Sara, esta cintura!- E este véu, Susana? Olha que fino! E olha estes lírios tecidos nele!- Deixa-me ver as pulseiras, Maria! Eram de tua mãe? - Ela as usou. Mas eram da mãe de Joaquim, meu pai.- Oh! Vê só! Trazem o selo de Salomão, entremeado com finos raminhos de palmeira e de oliveira, e entre eles há lírios e rosas. Oh! Quem terá feito um trabalho tão minucioso e perfeito?- São da Casa de Davi. - explica Maria - São usados, há séculos, pelas mulheres da estirpe, que se tornam esposas, e ficam de herança para a herdeira.- Certo. Pois tu és uma filha herdeira... - Trouxeram-te tudo de Nazaré?- Não. Quando minha mãe morreu, minha prima levou o enxoval para sua casa, a fim de conservá-lo melhor. E agora o trouxe para mim.- Onde está? Onde? Mostra-o ás amigas.Maria não sabe como fazer... Ela gostaria de ser cortês, mas gostaria também de não ficar tirando do lugar todas as peças do vestuário, colocadas em três pesados baús.Em sua ajuda, intervêm as mestras:- O esposo está para chegar. Não é tempo de fazer confusão. Deixai-a estar quieta, que a estais cansando, e ide, também vós, preparar-vos.O enxame de tagarelas se afasta, um pouco amuado. Maria pode, então, ouvir em paz suas mestras, que lhe dizem palavras de louvor e de bênção.3Isabel também se aproximou. E, estando Maria comovida e chorando, porque Ana de Fanuel, beijando-a com um afeto verdadeiramente materno, a chamou de “Filha”, Isabel lhe diz:- Maria, tua mãe está e não está aqui. O espírito dela está exultante junto ao teu. E olha bem, as coisas que tu estás usando te fazem sentir as carícias dela de novo. Nelas podes sentir ainda o sabor dos beijos dela. Faz muitos anos, no dia em que vieste ao Templo, ela me disse: “Preparei para ela as vestes e enxoval de esposa, porque quero ser sempre eu quem há de fiar os linhos e fazer-lhe as vestes de esposa, para não estar ausente no dia da alegria dela”. E, sabes82de mais uma coisa? Nos últimos tempos, quando eu a acompanhava, todas as tardes ela queria acariciar as tuas primeiras vestes e estas que agora estás vestindo, e dizia: “Aqui estou sentindo o cheiro de jasmim da minha pequenina, e aqui eu quero que ela sinta o beijo da sua mamãe”. Quantos beijos ela deu neste véu, que te está sombreando a fronte! Há nele mais beijos do que fios!... E, quando vestires as roupas por ela tecidas, pensa um pouco que, mais do que os fios, o que as formou foi o amor de tua mãe. E aqueles colares... mesmo em horas penosas, eles foram guardados por teu pai para ti, a fim de tornar-te bela como há de ser uma princesa do sangue de Davi nesta hora. Alegra-te, pois, Maria. Porque não estás órfã, os teus estão contigo, e tens um esposo que para ti é pai e mãe, de tão perfeito que é...- Oh! Sim. É verdade. É certo que dele não posso queixar-me. Em menos de dois meses veio duas vezes, e hoje vem pela terceira, desafiando chuvas e ventanias, para vir ouvir as minhas ordens... Pensa só: as minhas ordens! Eu, que sou uma pobre mulher, e bem mais nova do que ele! Ele nunca me negou nada. Pelo contrário, nem espera que eu lhe peça. Parece que um anjo lhe diz o que eu desejo, e ele o diz, antes que eu fale. Na última vez, ele disse: “Maria, acho que preferes estar na casa de teus pais. Porque, uma vez que és filha herdeira, tu podes fazer isso, quando o desejares. Eu irei para a tua casa. Só para guardar a cerimônia, irás ficar uma semana na casa do Alfeu, meu irmão. Maria já te ama muito. E, na tarde das núpcias, partirá de lá o cortejo, que te acompanhará

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até a tua casa”. Não é ser gentil? Não se importou nem mesmo que ele podia estar fazendo com que o povo ficasse falando que ele nem tem uma casa que me agrade... Para mim será sempre bem aceita uma casa, se ele estiver nela, pois ele é tão bom. Mas com certeza... prefiro, na verdade, a minha casa... por causa das lembranças... Oh! Como o José é bom!- Que é que ele falou do teu voto? Ainda não me disseste nada.- Não fez nenhuma oposição. Pelo contrário, ao saber de minhas razões, disse: “Eu vou unir o meu sacrifício ao teu”.- É um jovem santo - diz Ana de Fanuel.4A essa altura, o “jovem santo” vem entrando, acompanhado por Zacarias. 13.4 Está literalmente espléndido. Todo em amarelo ouro, e até parece tratar-se de algum soberano do Oriente. Um espléndido cinturão segura por baixo a bolsa e o punhal, a bolsa feita de marroquim bordado em ouro, e o punhal numa bainha também de marroquim83com frisos de ouro. Tem na cabeça um turbante, que é a cobertura de costume como se vê ainda em certos povos da África, como os beduínos, preso por um cordão precioso, um tênue fio de ouro, ao qual estão atados pequenos maços de mirto. Ele está com um manto novo, cheio de franjas, o que lhe dá um ar majestoso, e está fulgurante de alegria. Nas mãos traz ainda pequenos maços de mirto florido.- A paz esteja contigo minha esposa! - ele saúda - A paz esteja com todos. - E, depois de ter recebido a saudação de resposta, diz:- Eu vi a tua alegria no dia em que te dei aquele ramo do teu jardim. Pensei agora em trazer-te o mirto apanhado perto da gruta de que tanto gostas. Queria trazer-te as rosas que já estão abrindo as primeiras flores em frente à tua casa. Mas as rosas duram pouco, e com tantos dias de viagem... Eu teria chegado aqui só com os espinhos. A ti, querida, só quero oferecer rosas, atapetando os caminhos de flores delicadas e perfumosas, para que sobre elas possas pôr o teu pé, para que não encontre nenhuma sujeira ou aspereza.- Agradeço a ti, bom homem! Como conseguiste que ele chegasse até aqui tão viçoso e bonito?- Eu amarre¡ um vaso na sela, e dentro dele pus os ramos, com as flores ainda em botão. E, pelo caminho, as flores foram-se abrindo. E aqui estão elas, Maria. Que a tua fronte se engrinalde de pureza, que é o símbolo da esposa, mas que nunca será igual à pureza que tens no coração.Isabel e as mestras enfeitam Maria com a pequena grinalda de flores que se formou, ao fixarem no lindo arco os ramalhetes cândidos de mirto, e vão entremeando pequenas rosas brancas que estão num vaso posto sobre um baú.Maria se esforça para apanhar o seu amplo manto branco e colocá-lo puxado sobre os ombros. Mas o esposo a precede no gesto e a ajuda a fixar, com duas fivelas de prata, o amplo manto no alto dos ombros. As mestras arrumam as dobras com arte e amor.5Está tudo pronto. Enquanto estão esperando por algo que não sei o que 13.5 seja, José diz (ele fala aproximando-se um pouco de Maria): - Eu estava pensando, agora mesmo, no teu voto. Eu já te disse que quero partilhar dele contigo. Mas quanto mais nisso penso, tanto mais vou compreendendo que não basta o nazireato temporário, ainda que seja renovado muitas vezes. Eu te compreendi, Maria. Eu ainda não mereço a palavra da Luz. Mas dela um murmúrio já está chegando aos meus ouvidos. É isto que me está levando a entender o teu segredo, pelo menos em suas linhas mais expressivas. Eu sou84um pobre ignorante, Maria. Sou um pobre operário. Não entendo de letras, nem possuo tesouros. Mas aos teus pés quero pôr o meu tesouro. Para sempre. A minha castidade absoluta, para poder ser digno de estar ao teu lado, ó virgem de Deus, “irmã esposa minha, jardim fechado, fonte selada”, como diz o nosso Avô* que talvez tenha até escrito o Cântico, tendo-te à frente de seus olhos... Eu serei o guardião deste jardim de aromas no qual se encontram as mais finas frutas e do qual jorra uma nascente de água viva, com ímpeto suave: a tua doçura, ó minha esposa, que com sua candura me conquistaste o espírito, ó toda bela. Bela, mais do que uma aurora, sol que resplandece, porque

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teu coração resplandece, ó toda cheia de amor pelo teu Deus, e pelo mundo ao qual queres dar o Salvador com o teu sacrifício de mulher. Vem, amada minha. - E a toma delicadamente pela mão, levando-a rumo à porta.Todos os outros os acompanham, e do lado de fora se reúnem todas as companheiras da festa, todas de branco e com véus.6Vão pelos pátios e pórticos, por entre a multidão que os observa, até 13.6 chegarem a um ponto, que não é ainda o Templo, mas parece quase um salão usado para o culto, pois aí se vêem lâmpadas e rolos de pergaminho, como nas sinagogas. Os dois esposos vão até à frente de uma estante, semelhante a uma cátedra, e lá se detêm. Os outros se colocam em ordem atrás deles. Ao fundo se aglomeram outros sacerdotes e os curiosos.O Sumo Sacerdote está entrando solenemente. Há um murmúrio entre os curiosos.- É ele que vai celebrar o casamento?- Sim, porque é de sangue real e sacerdotal. A esposa, Flor de Davi e de Arão, é virgem do Templo. O esposo é da tribo de Davi.O Pontífice póe a mão direita da esposa na do esposo, e os abençoa solenemente:- Que o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó esteja convosco. Que Ele vos una e que se realize em vós a sua bênção, dando-vos Ele a sua paz e uma numerosa descendência, uma vida longa e uma morte feliz no seio de Abraão. - Depois ele se retira, com a mesma solenidade que entrou.Fazem-se as promessas mútuas. Maria já é esposa de José.Todos saem e, sempre em perfeita ordem, vão até a sala, onde é lavrado o contrato de núpcias, no qual se diz que Maria, filha her-_______________________* diz o nosso Avô, isto é, em Salomão, em: Cântico dos Cânticos 4,12.

85deira de Joaquim de Davi e de Ana de Arão, entrega como dote ao seu esposo a sua casa com os seus bens, os enxovais e todos os outros bens que ela herdou de seu pai.Tudo terminou.7Os esposos saem para o pátio e o atravessam, indo para a saída, que fica 13.7 perto do quarteirão das mulheres que trabalham no Templo. Um carro de boi bem cômodo e pesado está à espera deles. Sobre o carro está estendido um toldo de proteção onde se encontram também os pesados baús de Maria.Despedidas, beijos, lágrimas, bênçãos, conselhos, recomendaçôes e depois Maria sobe com Isabel colocando-se no centro do carro. Na frente, estão José e Zacarias. Já tiraram os mantos de festa, e todos se envolveram num grande manto escuro.O carro parte, ao trote pesado de um cavalo grande e escuro. Os muros do Templo vão ficando longe, depois também os da cidade, e vão chegando os campos novos e verdejantes, cheios das flores dos primeiros dias da primavera, com as plantações já crescidas a um bom palmo do chão, mostrando suas folhinhas leves, que à brisa ligeira formam ondas, parecendo esmeraldas, soltando um cheiro mesclado das flores dos pessegueiros e das macieiras, junto com cheiro de trevos e do poejo selvagem.Maria está chorando baixinho, debaixo do seu véu e, de vez em quando, afasta a cortina do toldo para olhar mais uma vez o Templo, que vai ficando sempre mais longe, e a cidade, que ela está deixando para trás...A visão termina assim.

8Jesus diz: 13.8“Que é que diz o livro da Sabedoria, cantando os louvores dela? * “Na sabedoria está, de fato, o espírito da inteligência, santo, único, multíplice, sutil”. E continua enumerando os dotes dela, para terminar o período com estas palavras: “...que tudo pode, tudo prevê, que compreende todos os espíritos, inteligente, puro, sutil. A sabedoria penetra com sua pureza, é um vapor da virtude de

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Deus... por isso nada há de impuro... imagem da bondade de Deus. Mesmo sendo única, tudo pode, imutável, renova todas as coisas, comunica-se ás almas santas e forma os amigos de Deus e os profetas”.9Tu viste como José, não por uma cultura humana, mas por uma 13.9__________________________* diz, em: Sabedoria, 7,22 - 27.

86instrução sobrenatural, sabe ler no livro selado da virgem imaculada, e como ele se aproxima das verdades proféticas com a sua “visão” de um mistério sobre-humano, no qual os outros viam apenas uma virtude. Impregnado dessa sabedoria, que é vapor da virtude de Deus, e uma certa emanação do Onipotente, ele se dirige com espírito seguro no mar desse mistério de graça que é Maria, aprofunda-se com ela em conversações espirituais, nas quais, mais do que com os lábios, são seus dois espíritos que falam um ao outro, no sagrado silêncio das almas, onde só Deus ouve as vozes, e só as percebem aqueles que são agradáveis a Deus, porque são seus servos fiéis, e Dele estão plenos.A sabedoria do justo, que aumenta pela união e proximidade daquela que é a toda graça, prepara-o para penetrar nos segredos mais altos de Deus, e para poder cuidar e defendê-los das insídias do homem e do demônio. Por enquanto a sabedoria lhe dá um novo vigor. Do justo faz um santo, do santo faz um guardião da esposa e do Filho de Deus.Sem faltar com a reverência para com o selo de Deus, ele, o casto, que agora leva a sua castidade até um heroísmo angelical, pode ler a palavra de fogo escrita sobre o diamante virginal, pelo dedo de Deus. Nele lê aquilo que a sua prudência não diz, mas que é muito maior do que o que Moisés leu nas tábuas de pedra. E, para que nenhum olho profano, nem de leve, se atreva a tocar no Mistério, ele se póe como selo sobre o selo, como o arcanjo de fogo sobre a entrada do Paraíso, dentro do qual o Eterno acha as suas delícias, “passeando à brisa da tarde”, e falando com aquela que é o seu amor, bosque de lírios em flor, aura impregnada de aromas, aragem fresca da manhá, estrela de rara beleza, delícia de Deus. A nova Eva está lá, diante dele, não osso de seus ossos, nem carne de sua carne, mas companheira de sua vida, Arca viva de Deus, a qual é recebida por ele de Deus para que a guarde, e a entregue a Deus, tão pura como quando a recebeu.“Esposa de Deus” era o que estava escrito naquele livro místico de páginas imaculadas... E quando, na hora da prova, a suspeita assobiou para ele, para atormentá-lo, como homem e como servo de Deus, sofreu como nenhum outro, pela suspeita de ter havido um sacrilégio. Contudo, essa foi a prova que estava por vir. Por enquanto, nesse tempo de graça, ele vê e se coloca ao serviço sincero de Deus. Depois, virá a tempestade da provação, como para todos os santos, a fim de serem provados e transformados em cooperadores de Deus.8710 O que se lê no Levítico?* “Diz a Arão, teu irmão, que ele não entre, em 13.10 momento algum, no santuário, além do Véu, diante do propiciatório, que está sobre a Arca, porque Eu apareço sobre o propiciatório em uma nuvem, e ele poderá morrer, se antes não tiver feito estas coisas: oferecer um novilho pelo pecado e um carneiro em holocausto. Vestir a túnica de linho e com calças de linho cobrir sua nudez”.Com efeito, José entra quando Deus quer e quanto Deus quer no santuário de Deus, além do véu que encobre a Arca, e sobre a qual paira o Espírito de Deus, e se oferece a si mesmo, oferecendo o Cordeiro, holocausto pelo pecado do mundo e expiação por esse pecado. E assim faz, estando vestido de linho, e com os seus membros viris mortificados, para abolir a sensualidade que, uma vez, no princípio * dos tempos, triunfou, lesando o direito de Deus sobre o homem, mas que agora vai ser calcada no Filho, na mãe e no pai adotivo, para reconduzir os homens à graça e reintegrar a Deus o seu direito sobre o homem. E faz isso com a sua perpétua castidade.José não estava no Gólgota? Pensais, então que ele não estava entre os corredentores? Em verdade, vos digo que ele foi o primeiro dos corredentores e, por isso, ele é grande aos olhos de Deus.

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Grande pelo sacrifício, pela paciência, pela constância e pela fé. Qual fé foi maior do que a de quem acreditou, sem ter visto os milagres do Messias?11Louvor seja dado ao meu pai adotivo, exemplo para vós naquilo que 13.11 mais vos falta: pureza, fidelidade e amor perfeito. Ao magnífico leitor do Livro selado, instruído pela Sabedoria para saber compreender os mistérios da graça e eleito para guardar a salvação do mundo contra as insídias de todos os inimigos”.

14. Os Esposos chegam a Nazaré.

6 de setembro de 1944.1O céu muito azul, de um fevereiro sereno, se estende por sobre as colinas 14.1 da Galiléia. São amenas estas colinas que, nesta fase da virgem menina, eu ainda não tinha visto, mas que agora já são tão familiares aos meus olhos, como se eu tivesse nascido entre essas colinas.________________________* se lê, em: Levítico 16,2 - 4.

* no principio dos tempos, é um acréscimo de MV numa cópia datilografada.

88Na estrada mestra agora a temperatura está agradável, por causa da chuva que parece ter caído na noite passada. Na estrada não há poeira, nem lama; está firme e limpa como uma rua de cidade, e vaise estendendo por entre duas sebes de espinheiro-alvar em flor. A neve que caiu veio trazendo dos bosques um cheiro levemente amargo, mas depois foi desfeita pelas singulares aglomerações dos cáctus de folhas grossas e em forma de pequenas pás, todas rígidas e cheias de espinhos, ornadas com as grandes granadas, que são os seus estranhos frutos, nascidos sem pedúnculos, mas saindo diretamente das folhas, as quais, pela cor e pela forma, me fazem lembrar das profundezas do mar, dos bosques de coral e das medusas, ou de outros bichos dos mares profundos.As sebes cuja função é separar as várias propriedades, estendidas em todas as direções, formando um esquisito desenho geométrico cheio de curvas e de ángulos, de losangos, quadrados, semicírculos e triãngulos de agudezas e obtusidades incríveis, um desenho, todo borrifado de branco, como uma fita excêntrica estendida ao longo dos campos, como sinal de alegria, e sobre a qual voam, piam e cantam centenas de passarinhos de toda espécie, na alegria do amor, ou no trabalho da reconstrução de seus ninhos. Adiante das sebes, estão os campos, com os trigais já mais crescidos do que os dos campos da Judéia, prados já cobertos de flores. Como uma resposta às nuvenzinhas que passam ligeiras pelo céu e que o pôr-do-sol que torna ou róseas, ou de um lilás delicado, um roxo pervinca, um opalino azulado, um laranja coral, assim também as centenas de nuvens vegetais, com suas árvores frutíferas, são brancas, róseas, vermelhas, em todas as nuances das cores branca, rosa e vermelha.Ao suave vento da tarde, as primeiras pétalas das árvores floridas borboleteiam pelo ar e vão caindo, parecendo enxames de pequenas borboletas, à procura do pólen sobre as flores dos campos. Entre uma árvore e outra, nos sarmentos das videiras ainda nuas, nas pontas, onde o sol bate, as primeiras folhinhas vão-se abrindo aos poucos, ingênuas, assombradas e palpitantes de vida.Plácido em seu ocaso, o sol está para sumir no horizonte, e o céu já tão bonito em seu azul, torna-se de um azul mais claro com os raios de luz. Lá longe está brilhando o branco das neves do monte Hermon e de outros picos mais afastados.2Um carro de boi está indo pela estrada. É o carro que leva José e Maria com 14.2 seus primos. A viagem está chegando ao fim.Maria olha, com aqueles olhos cheios de ansiedade de quem quer89

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conhecer, ou melhor, reconhecer, aquilo que ela já viu, mas de que não se lembra mais, e sorri, quando alguma sombra de lembrança volta à sua memória e se detém, como uma luz que mostra esta ou aquela coisa, este ou aquele ponto. Isabel, Zacarias e José, ajudam Maria a se lembrar, mostrando uma elevação do terreno, ou uma ou outra casa.Desta forma, Nazaré começa a despontar, estendida por cima das ondulações de sua colina. Olhada pelo lado esquerdo do sol poente, Nazaré nos mostra a cor branca rosada de suas casinhas largas e baixas com seus terraços sobrepostos. Algumas delas, atingidas em cheio pelo sol, parecem estar para pegar fogo, pois, a fachada fica tão vermelha com o sol, que incendeia até a água dos regos e dos poços rasos, quase sem peitoril por onde os cântaros com água para a casa e os odres para a horta sobem chiando.Meninos e mulheres aparecem à beira da estrada para olhar o carro, saúdam José, que é muito conhecido. Mas depois ficam perplexos e atemorizados, ao verem os outros três.Quando chegam a entrar na pequena cidade propriamente dita, não encontram mais nenhuma perplexidade, nem temor. Muitas pessoas, de todas as idades, estão na entrada da cidade, sob um arco rústico com flores e folhagens. Mal o carro de boi aponta atrás do cotovelo formado pela última casa, construída enviesada, ouve-se um trilar de vozes agudas, acompanhado pelo rumor de ramos e flores agitados. São as mulheres e as crianças de Nazaré que saúdam os esposos. Os homens, mais sisudos, estão atrás da cerca viva dos cantores, saudando-os com moderação.O carro já foi descoberto, pois tiraram o toldo, antes de chegarem à cidade, visto que o sol não mais incomoda, e Maria assim tem oportunidade de ver melhor a sua terra natal. Portanto, agora ela também aparece em sua beleza, como uma flor. Branca e loira como um anjo, ela sorri com bondade para as crianças, que lhe jogam flores e beijos, para as jovens de sua idade, que a chamam pelo nome, para as esposas, para as mães, para as velhas que a abençoam cantando. Ela faz uma inclinação para os homens, e especialmente para um que parece ser o rabino, ou a pessoa mais influente da cidade.Enquanto isso, o carro continua lentamente pela rua principal, acompanhado, durante um bom tempo, pela multidão, para a qual aquela chegada foi um agradável acontecimento.3- Aqui está a tua casa Maria - diz José, mostrando, com o chicote que está em 14.3 sua mão, uma casinha que fica precisamente ao pé90de uma das ondulações da colina, tendo aos fundos um belo e vasto jardim todo florido, e que termina em um pequenino olival. Do outro lado, está a costumeira sebe com o espinheiro-alvar e as cactáceas, marcando o limite da propriedade. Os campos, que antes pertenciam a Joaquim, estão atrás da sebe.- Como estás vendo, te restou pouca coisa. - diz Zacarias - A doença de teu pai foi longa e se gastou muito com ela. Também se gastou bastante com as despesas para reparar os prejuízos dados por Roma. Estás vendo? A estrada feita pelos romanos levou os três principais cômodos da casa, deixando-a muito diminuída. Para torná-la mais ampla, sem que fossem necessárias despesas excessivas, foi aproveitada uma parte do monte onde há uma gruta. Era lá que Joaquim guardava as suas provisões, e Ana os seus teares. Tu farás aí o que achares bom.- Oh! Que seja pouca coisa, não tem importância! Sempre para mim bastará. Eu vou trabalhar...- Não, Maria. - é José que está falando - Eu é que trabalharei. Tu não farás mais do que tecer e costurar as coisas da casa. Eu estou jovem e forte, e sou teu esposo. Não me faças ficar envergonhado com o teu trabalho.- Farei como queres.- Sim, neste ponto eu quero. Em qualquer outra coisa o teu desejo é lei. Exceto isto.4Chegaram. O carro pára. 14.4Duas mulheres e dois homens, respectivamente com os seus quarenta e cinqüenta anos, estão à porta, rodeados por muitas crianças e adolescentes.- A paz de Deus esteja contigo, Maria - diz o homem mais velho, enquanto uma das mulheres se aproxima de Maria, a abraça e beija.

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- É o meu irmão Alfeu e Maria, sua mulher, e estes são os filhos dele. Vieram de propósito para te fazerem festa e para te dizerem que a casa deles é tua, se quiseres - diz José.- Sim, vem, Maria, se te for penoso ficar vivendo sozinha. O campo é belo na primavera, e nossa casa fica no meio dos campos em flor. Entre as outras flores, tu serás a mais bela - diz Maria de Alfeu.- Eu te agradeço, Maria. Eu iria de muito boa vontade. Irei em alguma oportunidade, irei sem falta para as núpcias. Mas estou com tanto desejo de ver, de reconhecer a minha casa. Eu a deixei, quando ainda era pequena, e tinha perdido a sua lembrança... Agora eu a reencontro... parece-me reencontrar a minha mãe, que se foi, e o91meu amado pai, com o eco de suas palavras... e o perfume do seu último suspiro. Parece-me não estar mais órfã, porque tenho de novo, ao redor de mim, o abraço destas paredes... Compreende-me, Maria. Maria está, um pouco, com pranto na voz e nos olhos.Maria de Alfeu lhe responde:- Como quiseres, querida. Quero que me consideres irmã e amiga e também um pouco mãe, porque sou muito mais velha do que tu. A outra mulher vem para a frente:- Maria, eu te saúdo. Sou Sara, * amiga de tua mãe. Eu te vi nascer. E este é o Alfeu, sobrinho de Alfeu e grande amigo de tua mãe. O que eu fiz por tua mãe, farei por ti, se quiseres. Estás vendo? A minha casa é a que está mais perto da tua, e os teus campos agora são nossos. Mas, se quiseres vir, faze-o a qualquer hora. Nós abriremos uma passagem na sebe, e estaremos juntas, mesmo se estiver cada uma em sua casa. Este é o meu marido.- Eu vos agradeço a todos, e por tudo. Por todo o bem que desejastes aos meus e desejais a mim. Que o Senhor Onipotente vos abençoe por isso.5As caixas pesadas são descarregadas e levadas para casa. Entram. Agora 14.5 eu reconheço a casinha de Nazaré como é vista, mais tarde, na vida de Jesus Cristo.Como costume, José toma Maria pela mão para entrar na casa. Na entrada, ele lhe diz:- Agora, na soleira desta porta, quero de ti uma promessa. Que qualquer coisa que te aconteça, ou que te suceda, não tenhas outro amigo, outra ajuda, para a qual te voltes, a não ser José, e que, por nenhum motivo tenhas que ficar-te atormentando sozinha. Eu sou tudo para ti, lembra-te disso, e será minha alegria tornar feliz o teu caminho, pois, se a felicidade nem sempre depende do nosso poder, pelo menos posso tornar este caminho para ti calmo e seguro.- Prometo, José.Abrem-se as portas e janelas. Os últimos raios de sol, curiosos, entram.

Maria tirou o manto e o véu, porque tendo, por enquanto, tirado só as flores de mirto, ainda está com as vestes das núpcias. Sai para o jardim florido. E fica olhando, sorri e, sempre segura pela mão de José, dá uma volta pelo jardim. Parece estar tomando de novo posse___________________________* Sara, em vez de Lia é a correta transcrição datilografada. Alfeu, aparece rapazinho em 2.2/3 e em idade de dezoito anos em 12.6, será sempre chamado Alfeu de Sara.

92de um lugar perdido.José fala dos seus trabalhos:- Estás vendo? Aqui eu fiz esta cava para receber a água da chuva, pois estas videiras sempre sofrem com o calor. Eu cortei os ramos mais velhos desta oliveira, para dar-lhe um novo vigor, pus no lugar definitivo estas macieiras, porque duas delas já estavam mortas. Mais adiante, plantei duas figueiras. Quando elas crescerem, protegerão a casa do ardor do sol e dos olhares dos curiosos. A armação da parreira é a antiga. Nada mais fiz do que mudar os mourões que estavam podres e trabalhar com a tesoura. Espero que esta parreira dê muita uva. E aqui, olha - enquanto a leva, orgulhoso, para a encosta que se ergue atrás da casa, cercando o pomar do lado norte - aqui escavei

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uma pequena gruta, reforçando-a para que quando estas plantinhas pegarem, fique quase igual àquela que tinhas. Falta a nascente... mas eu espero trazer até aqui um fio de água da nascente. Vou trabalhar nas longas tardes do verão, quando eu vier te ver...6- Mas como? - diz Alfeu - Não ireis casar-vos neste verão?* - Não. Maria quer fiar os tecidos de lã, as últimas coisas que estão faltando para o enxoval. E eu estou contente que seja assim. Maria é tão jovem, que esperar um ano, ou até mais, não é nada. Enquanto isso, ela se vai acostumando com a casa...- Ora, ora! Tu sempre foste um pouco diferente dos outros, e ainda continuas o mesmo. Não sei se poderia haver alguém que não tivesse pressa em ter por mulher uma flor, como Maria. E tu ainda queres esperar meses!...- Alegria longamente esperada, é alegria mais intensamente gozada - responde José com um amável sorriso.O irmão encolhe os ombros, e pergunta:- E então? Quando achas que sairá o casamento?- Quando Maria fizer dezesseis anos. Depois da Festa dos Tabernáculos. Assim, serão doces as tardes de inverno para os novos esposos!...- e sorri outra vez, olhando para Maria. É um sorriso suave, que faz parte de uma combinação secreta. Faz parte de uma castidade fraterna e consoladora.Depois, José retorna ao seu passeio:___________________________* ireis casar-vos - casamento, que segundo o costume hebraico seguia-se ao namoro ou ao noivado, o qual consistia num contrato (vimo-lo em 13.6) vinculativo como um matrimônio, mas a aperfeiçoar com a coabitação a partir do dia do casamento (como veremos em 26.5). De casamento por realizar se fala também em 300.2; assim como em 374.6 se fala de Anália como esposa de Samuel apesar de não se ter realizado o casamento.

93- Este é o quarto grande, do lado do monte. Se achas bom, dele farei a minha oficina, quando vier aqui. Ele está perto da casa sem fazer parte dela. Assim não perturbarei ninguém, fazendo barulho ou desordem. Mas, se quiseres de outro modo...- Não, José. Está muito bem assim.7Tornam a entrar em casa e acendem as lâmpadas.- Maria está cansada - diz José - Deixemo-la descansar com os primos.Todos se despedem. José fica ali ainda alguns minutos e fala com Zacarias em voz baixa.- Teu primo deixa contigo Isabel, por algum tempo. Estás contente? Eu sim. Porque ela vai te ajudar... para que te tornes uma perfeita dona de casa. Com ela poderás pôr em ordem, como gostas, as tuas coisas e tuas alfaias, e eu virei todas as tardes também para te ajudar. Com ela poderás ir comprar lã e o mais que for preciso. Eu responderei pela despesa. Lembra-te que prometeste me procurar para tudo. Adeus, Maria. Dorme o primeiro sono nesta tua casa, e o anjo de Deus torne o teu sono tranqüilo. O Senhor esteja sempre contigo.- Adeus, José. Que tu também estejas sob as asas do anjo de Deus. Obrigada, José. Por tudo. Na medida que eu puder, vou te dar, com o meu amor, uma compensação ao teu amor por mim.José saúda os primos e sai. E com isto cessa a visão.

15. Como conclusão do Pré-Evangelho.

[6 de setembro de 1944.] 1Jesus diz: 15.1“O ciclo terminou. E, com este ciclo tão doce e suave, o teu Jesus te fez sair, sem sobressaltos, para

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fora do tumulto destes dias. Como um menino enfaixado em lás macias, colocado sobre fofas almofadas, tu também foste enfaixada por estas felizes visões, para que não sentisses, com terror, a ferocidade dos homens, que se odeiam,* em vez de se amarem. Não poderias mais suportar certas coisas, eu_______________________* se odeiam, porque se desencadeava a segunda guerra mundial (outras referências em 11.1 e em 606.13). A escritora foi obrigada a evacuar de Viareggio para Sant’Andrea di Còmpito, a pequena aláeia assim chamada algumas linhas abaixo e que será ainda mencionada em 128.6 (como Còmpito) e em anotação a 361.7.

94nao quero que morras por causa delas, mas tomo conta da minha “porta-voz”.2Está para terminar no mundo a causa pela qual as vítimas foram 15.2 torturadas por todo tipo de desespero. Também para ti, Maria, cessa, por isso, o tempo do tremendo sofrimento causado por razões tão diferentes do teu modo de entender. Não cessará o teu sofrimento, pois és vítima. Mas, uma parte dele, sim: essa parte cessa. Depois chegará o dia em que Eu te direi, como disse a Maria de Magdala, quando estava morrendo:* “Repousa. Agora é teu tempo de repousar. Dá-me teus espinhos. Agora é tempo de rosas. Repousa e espera. Eu te abençôo, bendita”.Isto eu te dizia, e era uma promessa, que tu não chegaste a compreender, quando estava chegando o tempo em que terias ficado mergulhada, revolvida, acorrentada, repleta até o mais profundo do teu ser, com espinhos... Eu te repito isto agora, com uma alegria que só o Amor que Eu sou, é capaz de fazer experimentar, ao cessar uma dor de um seu filho querido. Isto Eu te digo agora, quando cessa aquele tempo de sacrifício. Eu, que sei, te digo, para o mundo que não sabe, para a Itália, para Viareggio, esta pequena aldeia, à qual tu me levaste. Medita no sentido destas palavras, medita no agradecimento que se deve aos holocaustos, pelo sacrifício deles.3Quando Eu te mostrei Cecília, a virgem-esposa, te disse que ela se 15.3 impregnou dos meus perfumes, arrastando o marido, o cunhado, os escravos, os parentes e amigos. Tu não o sabes, mas Eu que sei, te digo que fizeste a parte de Cecília neste mundo enlouquecido. Tu te saciaste de Mim, da minha palavra. Levaste os meus ideais entre as pessoas, das quais, as que são melhores compreenderam estes ideais, surgindo muita gente atrás de ti, oferta como vítima. A partir daí, portanto, não aconteceu uma ruína completa de tua pátria ou dos lugares que a ti são tão caros, porque tantas hóstias se consumaram, seguindo o teu exemplo e o teu ministério.Obrigado, bendita. Mas, continua ainda. Tenho muita necessidade de salvar a terra. De comprar de novo a terra. E as moedas sois vós, como vítimas.4A sabedoria que instruiu os santos, e te instruiu com um magistério 15.4 direto, te eleve sempre mais ao compreender a ciência da vida e colocá-la em prática. Levanta a tua pequena tenda junto à casa do________________________* Maria Madalena quando estava morrendo, numa visão de 30 de Março de 1944, referida no volume “I quaderni del 1944” (Os Cadernos de 1944).

95Senhor. Finca as estacas da tua própria morada, na morada da sabedoria, sem saíres nunca mais dela. Repousarás debaixo da proteção do Senhor, que te ama, como um passarinho por entre ramos em flor, e Ele será teu abrigo, contra todas as intempéries espirituais, e estarás na luz da glória de Deus, do qual descerão para ti, palavras de paz e de verdade.Vai em paz. Eu te abençôo, bendita”.

5Logo depois, Maria diz: 15.5“A Maria o presente da mãe, para a sua festa. Uma porção de presentes. E, se algum espinho estiver entremeado com eles, não te lamentes ao Senhor, que te amou, como poucos.

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Eu te havia dito, desde o princípio: “Escreve sobre mim. Toda pena tua será consolada”. Estás vendo que era verdade. Este dom estava reservado a ti neste tempo de agitação, porque não cuidamos apenas do espírito, mas também da matéria, que não é rainha, mas uma serva útil ao espírito, a fim de que ele possa cumprir a sua missão.Sê grata ao Altíssimo, que para ti é verdadeiramente Pai, até mesmo no sentido afetivo e humano, afagando-te com êxtases suaves, para ocultar o que poderia assustar-te.Procura querer-me sempre bem. Eu te mostrei os segredos dos meus primeiros anos. Agora sabes tudo de mim como mãe. Procura querer-me bem como filha e como irmã, na qualidade de vítima. Ama a Deus Pai, a Deus Filho, a Deus Espírito Santo com perfeição de amor.A bênção do Pai, do Filho e do Espírito Santo que passa pelas minhas mãos, perfuma-se com o meu amor materno, desça e repouse em ti. Que sejas sobrenaturalmente feliz”.

16. A Anunciação.

8 de março de 1944.1Vejo o seguinte: Maria, ainda muito jovem, com a aparência no máximo 16.1 de uns quinze anos, está num pequeno quarto retangular. Um quarto de menina. A frente de uma das duas paredes mais longas, há o catre: uma cama baixa, sem beiral, coberta com altas esteiras ou tapetes. Dir-se-ia que eles estão estendidos, ou sobre uma mesa, ou sobre uma esteira de caniços, pois estão muito rígidos e96retos, como acontece com as nossas camas. Em frente de outra parede, há uma estante com uma lâmpada de azeite, rolos de pergaminho, um trabalho de costura dobrado com cuidado, parecendo ser um bordado.A virgem está sentada num banco, ao lado da estante, perto da porta, que embora esteja aberta para o jardim, está velada por uma cortina em movimento pela brisa. Está fiando um linho muito alvo, e macio como uma seda. Suas pequenas mãos, pouco mais escuras do que o linho, volteiam com grande agilidade o fuso. Seu rosto juvenil e belo está levemente inclinado, ligeiramente sorridente, como se estivesse acariciando ou acompanhando um doce pensamento.Há muito silêncio na casinha e no jardim. Há muita paz, tanto no semblante de Maria, como no ambiente que a rodeia. Paz e ordem. Tudo muito bonito e em ordem, e o ambiente, ainda que humilde no aspecto e nos móveis, embora parecendo despojado de tudo como uma cela, tem um ar de austeridade e realeza, pela grande nitidez e cuidado com que a colcha está colocada sobre a pequena cama, como estão dispostos os rolos de pergaminho, a lâmpada, a pequena jarra de cobre perto da lâmpada, com um maço de ramos floridos, de pessegueiro ou pereira, pois, certamente, são árvores que produzem um fruto branco, levemente rosado.2Maria se póe a cantar em voz baixa e depois eleva um pouco a voz. Não 16.2 chega a cantar alto. Mas sua voz que começa a vibrar o pequeno quarto, traduz uma vibração de alma. Não compreendo as palavras que ela está dizendo, certamente em hebraico. Mas, como ela repete saltiadamente “Jeová”, eu percebo que se trata de um canto sagrado, como um salmo. Parece que Maria está relembrando os cantos do Templo. Deve estar sendo uma doce recordação, porque ela pousa as mãos que estão segurando o fio e o fuso sobre o regaço, levantando a cabeça, apoiando-a para trás na parede, com um belo enrubescimento no rosto, um olhar perdido, talvez atrás de algum suave pensamento. Seus olhos se tornam brilhantes por uma onda de pranto, que não chega a se derramar, mas os deixa maiores. Contudo aqueles olhos estão sorrindo, com o pensamento da visão, que os abstraem das coisas sensíveis. Seu rosto sobressai, das suas vestes brancas e tão simples, pois está tão rosado, que, rodeado pelas tranças, como coroa ao redor da cabeça, mais parece uma bela flor.O canto de Maria se transforma em oração:

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- Senhor Deus Altíssimo, não tardes a mandar o teu Servo, que venha trazer a paz sobre a terra. Faz chegar o tempo e a virgem pura97e fecunda, para a vinda do teu Cristo. Pai Santo, concede à tua serva que possa oferecer a sua vida para que isso aconteça sobre a terra, concede-me morrer, depois de ter visto a Tua luz e a Tua justiça sobre a terra, sabendo que a Redenção já se cumpriu. Ó Pai Santo, manda à terra o suspiro dos profetas. Manda a esta tua serva o Redentor. Que no dia em que cessar a minha vida, se abra para mim a tua morada, porque, as portas do céu já terão sido abertas pelo teu Cristo, para todos aqueles que em Ti esperaram. Vem, ó Espírito do Senhor! Vem aos teus fiéis, que te esperam! Vem, Príncipe da Paz!...- Maria fica assim absorta...3A cortina tremula mais fortemente, como se alguém estivesse agitando o 16.3 ar com alguma coisa por detrás dela, ou a estivesse sacudindo, a fim de afastá-la para um lado. Uma luz branca, como se fosse de pérola fundida com prata pura, torna as paredes, que são de um amarelo claro, brancas, as cores das roupas e tecidos mais vivas e o rosto de Maria, agora soerguido, mais espiritual. O Arcanjo se prostra diante daquela luz, sem que a cortina tenha sido afastada, frente ao mistério que está acontecendo, pois a cortina não está mais tremulando, mas está bem esticada, ao lado dos umbrais, como uma parede separando o interior da casa, da parte exterior.Ele assumiu necessariamente o aspecto humano. Mas é um aspecto que ultrapassa os limites da natureza humana. De que carne estará feita esta figura tão bela e tão fulgurante? Com que substância Deus a terá materializado, para que os sentidos da Virgem a percebessem? Só mesmo Deus pode possuir essas substâncias, e usá-las de uma maneira tão perfeita. Possui rosto, corpo, olhos, boca, cabelos e mãos, como as nossas. Mas não são feitos de uma matéria opaca como a do nosso corpo. É uma luz que assumiu cor de carne, de olhos, de cabelos, de lábios; uma luz que se move, sorri, enxerga e fala.4- Ave, Maria, cheia de Graça, ave! -. Sua voz é como um doce arpejo, 16.4 como pérolas jogadas sobre um metal precioso.Maria estremece, abaixando o olhar. Estremece mais ainda, quando vê aquela fulgurante criatura ajoelhada a cerca de um metro de distância dela, olhando para ela com uma veneração sem limites, com as mãos cruzadas sobre o peito.Maria se põe de pé, encostando-se à parede. Ela se torna, ora pálida, ora vermelha. Seu rosto exprime estupor e susto. Instintivamente une as mãos sobre o seio, escondendo-as nas longas mangas, e se inclina quase que para esconder, do melhor modo possível, o seu corpo. É um ato de delicado pudor.98- Não tenhas medo... O Senhor está contigo. Bendita és tu entre todas as mulheres.Maria, porém, continua com medo. De onde terá vindo esse ser extraordinário? Será ele um enviado de Deus, ou do enganador?- Não tenhas medo, Maria! - lhe repete o Arcanjo - Eu sou Gabriel, o Anjo de Deus. Meu Senhor me mandou a ti. Não tenhas medo, porque achaste graça junto de Deus. Eis que agora conceberás em teu ventre, e darás à luz um Filho, e lhe porás o nome de “Jesus”. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo (como de fato é). O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi seu pai. Ele reinará para sempre na casa de Jacó e o seu Reino nunca terá fim. Procura compreender, ó santa virgem amada do Senhor, filha bendita do Senhor, que foste chamada para ser mãe de seu Filho, o Qual tu gerarás.- Como poderá acontecer isso, se eu não conheço varão? Talvez o Senhor Deus não quer mais receber a oferta de sua serva, de ficar virgem por amor Dele?- Não serás mãe por obra de homem, ó Maria. Tu és a virgem eterna, a santa de Deus. O Espírito Santo descerá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com Sua sombra. Por isso, Aquele que nascer de ti, se chamará Santo, Filho de Deus. Tudo pode o Senhor nosso Deus. Isabel, a estéril, concebeu em sua velhice aquele que será o profeta do teu Filho, ele preparará o caminho para teu Filho. O Senhor tirou de Isabel o seu opróbrio, e os povos lembrarão dela, unida ao teu nome, como

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também o nome do filho dela ficará unido ao do teu, até o fim dos séculos. As nações vos chamarão bem-aventuradas, pela Graça do Senhor que veio a vós, e especialmente a ti, pois esta Graça chegou a todos os povos por meio de ti. Isabel já está em seu sexto mês, e o peso que ela carrega, a soergue até à alegria. Nada é impossível para Deus, Maria, cheia de Graça. O que devo ir dizer ao meu Senhor? Nenhuma dificuldade deverá perturbar-te. O Senhor defenderá os teus interesses, se confiares Nele. O mundo, o Céu, o Eterno estão esperando pela tua palavra!Maria, por sua vez, cruzando as mãos sobre o peito, e fazendo uma profunda inclinação, diz:- Eis aqui a serva de Deus. Faça-se de mim conforme a sua palavra.O Anjo cintila de alegria. Ele adora, porque certamente está vendo o Espírito de Deus descer sobre a virgem, que está inclinada ao dar sua resposta de assentimento, e depois desaparece, sem precisar mover a cortina, que fica bem estendida sobre o mistério santo.99

17. A desobediência de Eva e a obediência de Maria.

5 de março de 1944. 1Jesus diz:“[...]. * 17.1Não se lê no Gênesis* que Deus fez o homem para dominar tudo o que havia sobre a terra, ou seja, tudo, com exceção de Deus e dos seus ministros angélicos? Não se lê que fez a mulher para ser companheira do homem na alegria e na dominação de todos os seres vivos? Não se lê que eles podiam comer de tudo, menos da árvore da ciência do Bem e do Mal? Por qué? O que está sub-entendido nas palavras “para que domines”? O que está sub-entendido na árvore da ciência do Bem e do Mal? Nunca vos fizestes tais perguntas, vós que viveis perguntando tantas coisas inúteis, mas não indagam vossa alma a respeito das verdades celestes?A vossa alma, se estivesse viva, vos responderia. Quando ela está na graça de Deus, está bem segura, como uma flor entre as mãos do vosso anjo. Quando está na graça de Deus, é como uma flor beijada pelos raios do sol, borrifada por um orvalho do Espírito Santo, que a aquece e ilumina, que a irriga e adorna com suas luzes celestes. Quantas verdades vos diria a vossa alma, se soubésseis conversar com ela, se a amásseis, como se ama alguém que voz faz semelhantes a Deus, que também é Espírito. Que grande amiga teríeis, se amásseis a vossa alma, em vez de odiá-la, ao ponto de matá-la? Que grande e sublime amiga com a qual poderíeis falar das coisas do céu, vós que gostais tanto de falar, e vos arruinais reciprocamente, com amizades que, se não são indignas, pelo menos são quase sempre inúteis, transformando-se num vazio vão e nocivo de palavras, totalmente terrenas._______________________* [...] Este sinal indicará sempre a omissão de uma passagem não pertinente, que se encontrará referido em um dos volumes intitulados “Os cadernos” ou então num outro ponto da obra.

* se lê no Gênesis, é uma constante referência à história das origens (criação do universo e do homem, culpa de Adão e Eva e suas consequências) pela qual se remete, uma vez por todas, a: Gênesis 1-3. O tema da criação resplandecerá no discurso de Jesus repetido por João em 244. 5/8 e no proferido por Jesus em 506.2, e ainda será tratado em 540.8/10 e 651.14/15. O tema do pecado original é tratado, além do presente capítulo, em 5.14/15 -29.7/12 - 45.6 - 47.6 (com nota) - 122.8 - 126.3 - 131.2 - 140.3 - 174.9 (com uma extensa anotação) - 188.6 - 196.5 (com nota) - 207.10 - 242.6 (em nota) - 265.4 - 267.3 - 286.7 - 307.6/7 - 317.4 - 365.6 - 381.6 - 406.10 - 412.2 - 414.8 - 420.10/11 - 477.3 (antepenúltima linha) - 511.3 - 515.3 - 527.7 - 553.6 - 554.10 (explicado em

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parábola) - 567.19.23 (em nota) - 593.6 - 596.29 (com nota) - 600.36 - 606 (todo o capítulo) - 620.5 - 635.2 - 642.8 - 643.2 - 645.12 .

100Não disse Eu: * “Quem me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e viremos a ele e faremos nele morada”? A alma no estado de graça possui o amor, possuindo então Deus, ou seja, o Pai que mantém esta alma, o Filho que a ensina, o Espírito que a ilumina. Possui, portanto, o Conhecimento, a Ciência, a Sabedoria. Possui a Luz. Pensai, então, nas conversaçóes sublimes que vossa alma poderia entabular convosco. São os diálogos que encheram os silêncios dos calabouços, das celas, dos ermos, dos aposentos dos enfermos santos. Souberam confortar os que estavam encarcerados, à espera do martírio, os enclausurados por amor à busca da Verdade, os ermitãos ansiosos pelo conhecimento antecipado de Deus, os enfermos pela suportação. Em suma, souberam ensinar o amor à cruz.2Se soubésseis fazer perguntas à vossa alma, ela vos diria que o significado 17.2 verdadeiro, exato, vasto como a criação, da palavra “domina” é este: “O homem deve dominar tudo, em todos os estados: o estado inferior, que é o animal; o estado mediano, que é o moral e o estado superior, que é o espiritual. O homem usa os três estados* para atingir um único fim, que é possuir a Deus”. Merecer isto através deste férreo domínio, que subjuga as forças do eu, tornando-as escravas deste único objetivo: merecer a possessão de Deus. Vossa alma vos diria que Deus proibira o conhecimento do Bem e do Mal, porque o Bem tinha sido dado por Ele ás suas criaturas gratuitamente, mas Ele desejava que o Mal vós não conhecêsseis, porque é um fruto doce ao paladar, mas que, descendo para o sangue, desperta uma febre que mata, produzindo uma tal ardência, que quanto mais se bebe daquele suco mentiroso, mais se tem sede dele.3Vós me objetareis: “Então, por que o Mal foi colocado diante de nós?”. 17.3 Porque é uma força que nasceu por si mesma, como nascem certos males monstruosos até nos corpos mais sadios.Lúcifer era um anjo, o mais belo dos anjos. Espírito perfeito, in-________________________* disse, em: João 14, 23 (600.27).

* três estatos, como os classifica também S. Paulo em: 1 Tessalonicenses 5, 23. A obra Valtortiana apresenta com frequência a divisão tripartida do homem: corpo (ou carne, matéria, sentido, etc.), alma (ou mente, pensamento, moral, coração, etc.), espírito (ou alma espiritual, essência espiritual, etc.). Sempre mantendo a substancial gradualidade das três partes, com frequência chama “alma” à alma espiritual ou espírito, a ponto de dar, em 651.1, a singular definição de “parte eleita do espírito”. A divisão tripartida do homem representa-se neste capítulo e em 35.10 - 36.9 - 37.8 - 46.13 - 47.4 - 69.1.3 - 80.9 - 122.8 -125.2 - 137.5 - 174.9 (na nota sobre o pecado original) - 196.4 - 204.5/6 - 209.6 - 212.2 - 225.8 - 237.2 - 243.10 - 272.4 - 275.13 - 286.7 - 346.5 - 406.10 - 465.4 - 473.9 - 524.7/8 - 527.7 - 548.18 - 555.6 (nota) - 567.21 - 601.1 - 608.13 - 610.16 - 613.9 - 651.4.17.

101ferior somente a Deus. No entanto em seu ser luminoso nasceu uma sombra de soberba, que ele não tratou de dispersar, mas, ao contrário, procurou condensar, incubando-a. Dessa incubação, nasceu o Mal. Este existia, antes que o homem fosse criado. Deus havia precipitado o maldito incubador do Mal para fora do Paraíso, que tinha se maculado com este Mal. Não podendo mais sujar o Paraíso, o eterno incubador do Mal sujou a Terra.4A planta metafórica quer demonstrar esta verdade. Deus tinha dito ao 17.4 homem e à mulher: “Vós conheceis todas as leis e os mistérios da criação. Mas não queirais usurpar-me o direito de ser o Criador do homem. Para propagar a raça humana, bastará o meu amor, que circulará entre vós, sem libido de sensualidade, mas pelo impulso da caridade, que suscitará novos Adãos. Tudo eu vos dou. Só me reservo este mistério da formação do homem”.5Satanás quis tirar esta virgindade intelectual do homem e, com sua 17.5 língua serpentina,

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aplacou, acariciando membros e olhos da Eva, fazendo surgir neles reflexos e sagacidades, que antes não tinham, quando a malícia não os tinha intoxicado ainda.Ela “viu”. E quis experimentar. A carne foi despertada. Oh! se tivesse chamado por Deus! Se tivesse corrido para ir dizer-lhe: “Pai, eu estou doente. A Serpente me acariciou, e estou perturbada”. O Pai a teria purificado, e curado com o seu hálito, que podia infundir-lhe novamente a inocência, como lhe havia infundido a vida, fazendo-a esquecer-se do tóxico da Serpente, colocando nela a repugnância por ela, como acontece com aqueles que foram assaltados por algum mal, guardando uma instintiva repugnância dele. Mas Eva não foi ao Pai. Ela voltou à Serpente. Aquela sensação foi doce para ela: “Vendo que o fruto da árvore era bom para se comer, bonito de se ver e agradável ao aspecto, foi apanhá-lo, e comeu”.E “compreendeu”. A malícia já tinha começado a morder-lhe as entranhas. Ela passou a ver com outros olhos, e a ouvir com outros ouvidos, os usos e as vozes dos irracionais. Passou a desejá-los com uma louca cobiça.6Ela iniciou sozinha o pecado. E o terminou com o seu companheiro. Por 17.6 isso é que sobre a mulher pesa uma pena maior. Foi por meio dela que o homem se tornou rebelde a Deus e que ele conheceu a luxúria e a morte. Foi por ela que ele não soube mais dominar os três reinos: do espirito, porque permitiu que o espírito desobedecesse a Deus; da moral, porque permitiu que as paixóes o dominassem; e da carne, porque o aviltou, submetendo-o às leis instintivas que102regem os brutos. “A Serpente me seduziu”, diz Eva. “A mulher me ofereceu o fruto, e eu o comi”, diz Adào. A tríplice concupiscência rouba os seus três reinos do homem.7Somente a Graça pode desacorrentar o homem preso àquele monstro 17.7 impiedoso. Mas, se a Graça é viva, mantida sempre assim pela vontade do filho fiel, ela chega a destroçar o monstro, e não é preciso temer mais nada: nem os tiranos internos, isto é, a carne e as paixões; nem os tiranos externos, ou seja, o mundo e os poderosos dele. Nem as perseguições. Nem a morte. É como diz o Apóstolo Paulo:* “Nenhuma destas coisas eu temo, nem amo a minha vida mais do que a mim mesmo, contanto que eu leve a bom termo a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, que é o de dar testemunho do Evangelho da Graça de Deus”.[...]”.

[8 de março de 1944.] 8Maria diz: 17.8“Estou na alegria, pois, desde que compreendi a missão a que Deus me destinava, fiquei repleta de alegria. O meu coração se abriu como um lírio que desabrocha e o sangue derramou dele, como terreno para o Embrião do Senhor.9Alegria de ser mãe. 17.9Eu me tinha consagrado a Deus desde a mais tenra idade, porque a luz do Altíssimo me havia feito conhecer a causa do mal no mundo e eu quis, por quanto estava em meu poder, anular, por mim mesma, o plano de satanás.Eu ainda não sabia que não possuía a mancha do pecado. Nem eu podia pensar nisso, pois, teria sido presunção e soberba, dado que, nascida de pais humanos, não me era lícito pretender que logo eu é que seria a escolhida para não ter mácula.O Espírito de Deus me tinha instruído sobre a dor do Pai, diante da corrupção de Eva, que tinha querido aviltar-se, pois, sendo criatura por graça, desceu ao nível de uma criatura inferior. Havia em mim a intenção de amenizar aquela dor, reconduzindo a minha carne à pureza angélica, conservando-me inviolada por pensamentos, desejos e contactos humanos. Só por Ele o meu coração palpitava de amor, só a Ele eu consagrava o meu ser. Mas, se não havia em mim o ardor da carne, contudo ainda havia o sacrifício de não ser mãe.___________________________* diz o apóstolo Paulo, em: Atos 20, 24.

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103A maternidade, livre de tudo o que agora a avilta, tinha sido concedida assim pelo Pai Criador também a Eva. Uma doce e pura maternidade, sem o peso da sensualidade! Eu a experimentei! De quantas vantagens Eva se despojou, quando renunciou a uma riqueza de tal porte! Essa riqueza era muito mais do que a imortalidade. E que não vos pareça um exagero dizer isso. De fato, o meu Jesus, e com Ele eu, sua mãe, tivemos de passar pelos langores da morte. Eu passei por ela, como alguém que, cansado, adormece docemente, e Ele, por meio do atroz sofrimento de quem está morrendo, porque foi condenado a isso. Portanto, também para nós houve morte. Mas a maternidade sem pesos e sem violaçôes só aconteceu comigo, a nova Eva, a fim de que ela pudesse dizer ao mundo que doçura teria sido para a mulher chamada a ser mãe, se não sentisse dor em sua carne. Ora, o desejo dessa maternidade pura estava também na virgem toda de Deus, pois a maternidade é a glória da mulher. Se pensardes, então, na honra que era ser mãe para a mulher israelita, ainda mais podereis compreender o meu sacrifício, ao consagrar-me a Deus, com a privação da maternidade.Mas o Eterno Bem quis dar à Sua serva este dom, sem deixá-la perder o candor que a revestia, tornando-a uma flor no seu trono. Eu me sentia jubilosa com a dupla alegria de poder ser a mãe de um homem e, ao mesmo tempo, ser a mãe de Deus.10A Alegria de ser aquela pela qual a paz se estabelecia entre o Céu e 17.10 a Terra.Oh! Ter tanto desejado essa paz, por amor de Deus e do próximo, e saber que através de mim, uma pobre serva do Todo-Poderoso, é que tal paz viria ao mundo! Poder dizer: “Ó homens, não choreis mais, pois eu trago em mim o segredo que vos fará felizes. Não posso lhes comunicar este segredo, porque está selado no meu coração, assim como o Filho no meu ventre inviolado. Mas já O trago em meio a vós, e cada hora que passa, fica mais perto o momento em que o vereis, e conhecereis seu Nome Santo”.11A Alegria de ter contentado a Deus: a alegria do fiel que faz feliz o 17.11 seu Deus.Oh! Sim! Ter tirado do coração de Deus a amargura da desobediência de Eva! Da soberba de Eva! Da sua incredulidade!12Meu Jesus me explicou a culpa com que o primeiro casal se manchou. 17.12 Eu anulei aquela culpa, refazendo de modo retroativo as etapas da descida deste casal, para depois subir de novo.O princípio da culpa estava na desobediência: “Não comais da-104quela árvore, e não toqueis nela”, Deus havia dito. Mas o homem e a mulher não levaram em conta aquela proibição. Eles que eram os reis da criação, podiam tocar em tudo, comer de tudo, menos daquela árvore, pois Deus queria torná-los inferiores só aos anjos.A árvore: meio para provar a obediência dos filhos.O que é a obediência ao mandamento de Deus? É um bem, porque Deus só exige o bem. O que é a desobediência? É um mal, porque põe a alma na disposição de rebeldia, oferecendo a satanás um campo propício para as suas operações.Eva vai até à árvore, da qual receberia o bem, ao evitá-la, ou o mal, aproximando-se dela. Ela é arrastada por uma curiosidade infantil que deseja ver o que a árvore tem de especial. É levada pela imprudência, que lhe faz conceber o mandamento de Deus como inútil, pois se sente forte e pura, rainha do Éden, no qual tudo lhe obedece, onde nada lhe fará mal. Esta presunção causa sua ruína. A presunção é um fermento da soberba.Junto à árvore, ela encontra o sedutor, que se aproveita da sua inexperiência, daquela inexperiência virgem e bela, tão mal protegida por ela mesma, para cantar-lhe a canção da mentira: “Crês tu que isso seja um mal? Não. Deus te disse isso porque vos quer conservar escravos do seu poder! Pensais que sois reis? Nem liberdade tiendes, como a têm os animais. Pois aos animais foi concedido que se amem com verdadeiro amor. Mas a vós, não. Ao animal foi concedido tornar-se criador, como Deus. Ele gerará filhos e verá crescer sua família, à vontade. A vós, porém, é negada essa alegria. Porque, então, ser homem ou mulher, se tendes que viver desse modo? Sede deuses! Não sabeis que alegria é estarem ambos numa só carne, para que dessa união se crie uma terceira criatura, e depois

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muitas outras criaturas? Não acrediteis na promessa de Deus de que tereis alegria em vossos descendentes, vendo os vossos filhos criarem novas famílias, deixando pai e mãe, por causa delas. Deus vos deu apenas uma sombra de vida: a verdadeira vida é conhecer as suas leis. Então, sim, sereis semelhantes a deuses e podereis dizer a Deus: ‘Somos iguais a ti’ ”.E a sedução continuou, porque não houve vontade de acabar com ela, pelo contrário, houve vontade de continuar conhecendo o que não era lícito ao homem conhecer. É aí que a árvore proibida se torna realmente mortífera para a raça humana, pois dos seus ramos está o fruto da amarga sabedoria, que vem de satanás. A mulher se torna fêmea e, com o fermento do conhecimento satánico no coração,105corrompe o companheiro, Adão. Aviltada, pois, a carne, corrompida a moral, degradado o espírito, eles passaram a conhecer a dor e a morte do espírito, sem a graça, e morte da carne, sem a imortalidade. A ferida de Eva gerou o sofrimento, que não se aplacará, enquanto não se extinguir a vida do último casal, sobre a terra.13Eu percorri, de modo regressivo, os caminhos daqueles dois pecadores. 17.13 Obedeci. Obedeci de todos os modos. Deus me pediu que eu permanecesse virgem. Eu obedeci. Tendo amado a virgindade, que me tornava pura como a primeira das mulheres, antes de conhecer satanás, Deus me pediu que fosse esposa. Eu obedeci, colocando o matrimônio naquele primeiro grau de pureza conforme o pensamento de Deus, quando criou o primeiro homem e mulher. Convicta de que estava destinada à solidão no matrimônio, a ser desprezada pelos outros, pela minha esterilidade voluntária, Deus me pedia para me tornar mãe. Eu obedeci. Eu acreditei que seria possível e que aquela palavra tinha vindo de Deus, pois, ao ouvi-la, difundiuse em mim uma grande paz. Não fiquei pensando: “Eu mereci isto”. Não fiquei dizendo a mim mesma: “Agora, o mundo vai me admirar, pois sou semelhante a Deus, criando a carne de Deus”. Não. Eu me aniquilei na humildade.A alegria brotou-me do coração, como um pedúnculo de roseira florida. Mas esta viu-se bem depressa ornada com agudos espinhos, apertada no emaranhado da dor, como aqueles ramos que ficam enrolados por alguma trepadeira. A dor pela dor do esposo: eis a angústia na minha alegria. A dor pela dor do meu Filho: eis o espinho na minha alegria.Eva quis o gozo, o triunfo, a liberdade. Eu aceitei a dor, o aniquilamento, a escravidão. Renunciei à minha vida tranqüila, ao amor do meu esposo, à minha própria liberdade. Não conservei nada para mim. Fiz-me a serva de Deus na carne, na moral, no espírito, confiando-me a Ele, não só para a concepção virginal, mas para a defesa de minha honra, para a consolação do esposo, para o meio com o qual ele pudesse entender a purificação do matrimônio, de tal modo a fazer de nós dois os que haveriam de restituir a dignidade perdida ao homem e à mulher.14Abracei a vontade do Senhor, por mim mesma, pelo esposo e por meu 17.14 Filho. Eu disse “sim” pelos três, certa de que Deus não teria faltado com sua palavra, quando prometeu me socorrer na minha dor de esposa, que está sendo julgada culpada, de mãe que gera um Filho para entregá-Lo à dor.106Eu disse sim, e basta. Aquele “sim” anulou o “não” de Eva ao mandamento de Deus. “Sim, Senhor, como quiseres. Conhecerei o que Tu queres. Viverei como Tu queres. Alegrar-me-ei, se Tu quiseres. Sofrerei o que Tu quiseres. Sim, sempre sim, meu Senhor, desde o momento em que o Teu raio me fez mãe, até o momento em que me chamaste para Ti. Sempre sim. Todas as vozes da carne, todas as paixões da moral, sob o peso deste meu perpétuo sim. Acima, como num pedestal de diamante, o meu espírito, ao qual faltam asas para voar a Ti, mas que é senhor de todo o eu domado, servo teu. Serva na alegria, serva na dor. Sorri, ó meu Deus! Sé feliz! A culpa foi vencida, excluída, destruída. Ela, agora sob o meu calcanhar, está lavada em meu pranto, destruída pela minha obediência. De meu ventre nascerá a árvore nova, que há de ter em si o Fruto, que conhecerá todo o Mal, por té-lo padecido em Si, e que doará todo o Bem. Os homens poderão ir a Ele. Eu me darei por feliz, se eles colherem desse fruto, ainda que não se lembrem que este fruto está nascendo de mim. Contanto que o homem se salve, e que Deus seja amado, que se faça desta tua serva o que se

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faz do solo sobre o qual surge uma árvore: um degrau para subir”.15Maria, é preciso saber sempre ser degrau, para que os outros subam 17.15 para Deus. Se nos pisam, não faz mal. Contanto que consigam chegar à Cruz. É a nova árvore que tem o fruto do conhecimento do Bem e do Mal, pois diz ao homem o que é um e outro, a fim de que ele saiba escolher e viver. Esta árvore também tornar-se-a licor que cura os intoxicados do mal que quiseram saborear. O nosso coração esteja sob os pés dos homens, contanto que o número dos redimidos cresça, e que o Sangue do meu Jesus não seja derramado sem fruto. Eis a sorte das servas do Senhor. Depois mereceremos receber no ventre a Hóstia santa e, aos pés da Cruz, impregnada pelo Seu Sangue e pelo nosso pranto, dizer: “Eis aqui, ó Pai, a Hóstia imaculada, que te oferecemos pela salvação do mundo. Olha para nós, ó Pai, unidas com ela e pelos seus merecimentos infinitos, dá-nos a tua bênção”.Eu te dou minhas carícias. Repousa, minha filha. O Senhor está contigo”.

16Jesus diz: 17.16 “A palavra de minha mãe deveria dissipar toda e qualquer titubeação de pensamento, até mesmo dos mais bloqueados com relação ás fórmulas.[...].107Eu chamei antes de “árvore metafórica”. Agora vou chamar de “árvore simbólica”. Talvez compreendais melhor. O símbolo é claro: assim como os dois filhos de Deus procederam a respeito desta árvore, se entende como estava neles a tendência para o Bem ou para o Mal. Como a água régia prova o ouro, a balança do ourives pesa os quilates de ouro, aquela árvore tinha assumido uma “missão” pela ordem de Deus a seu respeito, dando a medida de pureza do metal que era Adão e Eva.l7Estou já ouvindo a vossa objeção: “Não foi rigorosa demais a 17.17 condenação, e pueril o meio usado para condená-los?”.Não foi. Uma vossa desobediência hoje, que sois os herdeiros de Adão e Eva, é menos grave do que a deles. Vós fostes redimidos por Mim. Mas o veneno de satanás continua sempre pronto a se reerguer, como certas doenças que nunca saem totalmente do sangue. Os dois progenitores eram possuidores da graça, sem nunca terem sido nem tocados pela desgraça. Por isso eram mais fortes, mais amparados pela graça, que gerava neles inocência e amor. O dom que Deus lhes havia dado era infinito. A queda deles, portanto, foi bem mais grave, não obstante aquele dom.18O fruto oferecido e comido também é simbólico. Era o fruto de uma 17.18 experiência que se quis fazer contra a ordem de Deus, por instigação satánica. Eu não havia proibido o amor aos homens. Queria unicamente que se amassem sem malícia; como Eu os amava com a minha santidade. Eles deviam amar-se na santidade de afetos, sem sujarem-se com a luxúria.19Não se há de esquecer que a graça é luz e quem a possui conhece o que 17.19 é útil e bom. Aquela que é cheia de graça conheceu tudo, porque a Sabedoria a instruía. A sabedoria é graça, e ela soube guiar-se santamente. Eva conhecia o que lhe era bom conhecer. Não mais do que isso, porque é inútil conhecer o que não é bom. Não teve fé nas palavras de Deus e não foi fiel à sua promessa de obediência. Acreditou em satanás, infringiu a promessa, quis saber o que não é bom e o amou sem remorso, fazendo com que o amor, que Eu lhe tinha dado como algo santo, se corrompesse, se aviltasse. Anjo decaído, rolou na lama e no esterco, enquanto poderia correr feliz entre as flores do Paraíso terrestre, vendo florescer a prole ao redor de si, assim como uma árvore que se cobre de flores, sem precisar curvar sua copa sobre o brejo. 20Não fiqueis como os meninos tolos de que Eu falo no Evangelho* 17.20_______________________ *Eu falo, em: Mateus, 16-17; Lucas 7, 31-32 (266.12). Mesma citação em 45.9.

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os quais ouviram cantar, e taparam os ouvidos, ouviram tocar e não dançaram, ouviram chorar, e quiseram rir. Não sejais mesquinhos, não sejais negadores. Aceitai, aceitai a Luz sem malícia e teimosia, sem ironia e incredulidade. A respeito deste assunto, basta por enquanto.21Para fazer-vos compreender o quanto deveis ser gratos Àquele que 17.21 morreu para elevar-vos ao céu e vencer a concupiscência de satanás, neste tempo de preparação para a Páscoa, Eu vos quis falar do primeiro elo da corrente com que o Verbo do Pai foi arrastado à morte, do Cordeiro Divino no matadouro. Eu vos quis falar disso, porque agora noventa por cento entre vós é semelhante à Eva, intoxicada pelo hálito, pela palavra de lúcifer, e não viveis para amarvos, mas para saciar-vos de sensualidade, não viveis para o Céu, mas para a lama, não sois criaturas dotadas de alma e de razão, mas cães sem alma e sem razão. Vós já matastes a alma; já depravastes a razão. Em verdade, vos digo que os animais irracionais estão acima de vós, na honestidade dos seus amores”.

18. Maria anuncia a José a maternidade de Isabele confia a Deus a tarefa de justificar a sua.

25 de março de 1944.1Aparece-me agora a casinha de Nazaré, onde está Maria. Muito jovem, 18.1 como quando o Anjo de Deus lhe apareceu, sua imagem faz minha alma encher-se do perfume virginal daquela morada e do perfume angélico, que ainda permanece no ambiente ventilado pelas asas douradas do anjo. É o perfume divino, que se concentrou em Maria, para lhe fazer mãe, e que agora exala de sua pessoa.Começa a entardecer, porque as sombras invadem o ambiente de onde viera tanta luz do Paraíso.Maria, de joelhos junto de sua pequena cama, está rezando com os braços cruzados sobre o peito, e com o rosto muito inclinado sobre a terra. Está ainda vestida, como estava no momento da Anunciação. Tudo está como naquele dia. O ramo florido ainda está no vaso, e os móveis na mesma ordem. Somente a roca e o fuso estão encostados em um canto, a roca com sua estriga de linho, e o fuso com seu alvo fio enrolado.Maria termina sua oração, e se levanta, com o rosto abrasado, como que em chamas. Sua boca sorri, mas o pranto deixa os seus109olhos molhados. Ela pega a candeia e a acende, com a pederneira. Olha se tudo está em ordem em seu pequeno aposento. Acerta a coberta da cama, que tinha saído do lugar. Põe mais água no vaso do ramo florido, e o leva para fora, a fim de que tome o frescor da noite. Depois torna a entrar. Toma o bordado que está dobrado sobre um móvel da prateleira com o candeeiro e sai, fechando a porta.Dá alguns passos pelo jardim e pelos lados da casa, depois entra no pequeno aposento, onde vi* Jesus se despedindo dela. Reconheço bem o lugar, ainda que estejam faltando agora alguns móveis que haverá naquele tempo. Maria desaparece, levando consigo o candeeiro para um outro pequeno quarto, e eu fico ali com a única companhia do trabalho que ela deixou sobre um canto da mesa. Ouço os passos ligeiros de Maria, que vai e vem, ouço o barulho de água, como o de quem está lavando alguma coisa, depois o barulho de quem está quebrando uns pequenos galhos, e compreendo que ela está acendendo fogo com uns gravetos.Depois, volta. Sai de novo para o pequeno jardim. Torna a entrar com algumas maçás e verduras. Põe as maçás sobre a mesa em uma bandeja de metal que parece ser cobre burilado. Volta para a cozinha (certamente deve ser a cozinha). Agora a luz da lareira está projetando-se alegre pela porta aberta, chegando até aqui dentro, e está produzindo uma dança de sombras nas paredes.Algum tempo depois, Maria volta, com um pãozinho escuro e uma tigela de leite quente. Ela se

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assenta, e vai molhando fatias de pão no leite, e come devagar. Depois, deixando a metade da tigela com leite, entra de novo na cozinha, voltando com as verduras sobre as quais derrama azeite, e as come com pão. Depois bebe o leite. Em seguida,______________________________* vi, visto que se trata de um episódio escrito antes e que virá inserido no seu lugar (capítulo 44) na ordem da narração. Isto vale também para expressbes análogas encontradas desde a primeira página da obra, como em 5.14 (viste o nascimento ...), em 6.1 (... do que aquele visto no tempo do nascimento do Batista), em 6.3/4 (menções à purificação de Maria), em 6.7 (várias referências a episódios sucessivos mas já escritos), em 14.5 (agora eu reconheço a casinha de Nazaré ...), e para casos semelhantes que encontraremos, por exemplo, em: 20.1.4 - 21.7 - 27.1 - 29.2 - 31.1 - 54.1 (referência ao Cenáculo) - 76.8 - 84.2 - 106.5 - 107.1 (referência a Longino) - 110.4 - 140.1 - 155.10 - 169.3 - 208.10 - 232.3 - 234.1 - 283.1 - 373.4 - 374.10 - 411.2 - (referência a Bartolomeu) - 473.1 - 515.6 - 549.6 - 604.2 - 608.11 . Os episódios escritos numa ordem diversa da sucessão dos fatos, depois restabelecida, se encontram sobretudo no ciclo inicial da Vida escondida e nos episódios finais da Paixão e da Glorificação (destes últimos existe com frequência uma dupla versão, como explicaremos em nota a 587.13); encontram-se raras vezes no amplo ciclo central dos três anos da Vida pública, onde é o mesmo Jesus quem diz à escritora quando necessário inserir uma visão já escrita. As explicações a respeito estão em: 43.5 - 44.7/8 - 468.1.

110apanha uma maçá e come. É uma ceia de menina.Maria vai comendo e pensando, e tem algum pensamento que a está fazendo sorrir. Levanta-se, corre o olhar pelas paredes, parecendo querer comunicar a elas um segredo. Mas, de vez em quando, fica séria, quase triste. Contudo, logo em seguida volta o seu sorriso.2Ouve-se bater à porta. Maria se levanta e abre. José entra. Saúdam-se. José 18.2 se assenta sobre um banco, em frente a Maria, do outro lado da mesa.José é um belo homem, na plenitude dos seus trinta e cinco anos, quando muito. Seus cabelos castanho-escuros, e também sua barba da mesma cor, emolduram o seu rosto bastante regular, com dois doces olhos de um castanho quase preto. Ele tem a fronte espaçosa e lisa, nariz fino levemente aquilino, faces um tanto arredondadas, de cor morena não oliváceas, mas um pouco rosadas no centro. Ele não é muito alto. Mas é robusto e bem feito de corpo.Antes de sentar-se, tirou o manto que é uma peça inteira (é o primeiro que vejo feito assim), presa à altura da garganta por um alfinete, ou coisa semelhante, e tem um capuz. É de cor marrom clara, e parece ser de tecido impermeável, lã não trabalhada. Parece um daqueles mantos dos montanheses, próprio para chuva.3Mas, antes mesmo de sentar-se, ele oferece a Maria dois ovos e um cacho 18.3 de uvas, um pouco murchas, mas ainda bem conservadas. Ele sorri, dizendo:- Trouxeram-me estas uvas de Caná. O centurião me deu os ovos, por um trabalho que eu fiz em seu carro. O carro estava com uma roda quebrada, e o carpinteiro dele está doente. Os ovos são frescos. Foram apanhados no ninho. Toma-os. Eles te farão bem.- Amanhã os tomarei, José. Acabei de comer agora mesmo.- Mas a uva podes chupar. É boa. Doce como mel. Eu a trouxe com cuidado para não estragá-la. Chupa-as. Eu ainda tenho mais. Eu as trarei amanhã em um cestinho. Esta tarde eu não podia, porque estou vindo diretamente da casa do centurião.- Então, não ceaste ainda?- Não, mas não tem importância.Maria se levanta logo, e vai para a cozinha, e volta com leite, azeitonas e queijo.- Não tenho outra coisa - ela diz - Toma um ovo.José não quer. Os ovos são para ela. Ele come com gosto o seu pão com queijo e bebe o leite, que ainda está morno. Depois aceita uma maçã. E termina a ceia.111

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Maria pega o seu bordado, depois de ter tirado as louças da mesa, e José a ajuda na cozinha, mesmo quando ela torna a sair. Estou ouvindo como ele se move, indo colocar cada coisa em seu lugar. Depois, atiça de novo o fogo, porque a noite vai ser fria. Quando volta, Maria lhe agradece.4Conversam um com o outro. José conta como passou aquele dia. Fala de 18.4 seus pequenos sobrinhos. Interessa-se pelos trabalhos de Maria e por suas flores. Promete trazer-lhe umas flores muito bonitas que o centurião lhe prometeu.- São flores que nós não temos por aqui. Trouxeram-lhe de Roma. Ele me prometeu mudas. E, quando a lua for boa, eu as plantarei para ti. Elas têm belas cores e um cheiro muito agradável. Eu as vi no verão passado, pois florescem no verão. Vão te perfumar toda a casa. Depois, quando a lua for boa, podarei as plantas. Logo é tempo para isso.Maria sorri, e agradece. Ficam os dois em silêncio. José olha para a cabeça loira de Maria, que está inclinada para o bordado. É um olhar de amor angelical. Pois, certamente, se um anjo amasse uma mulher com amor de esposo, seria assim que a olharia.5Maria, como alguém que toma uma decisão, põe sobre os joelhos o 15.5 bordado, e diz:- José, eu também tenho uma coisa para te dizer: Nunca tenho nada, pois sabes como vivo retirada. Mas hoje tenho para ti uma notícia. Tive notícia de que nossa parenta Isabel, mulher de Zacarias, está para ter um filho...José arregala os olhos, e diz: - Naquela idade?- Naquela idade - responde Maria, sorrindo -. O Senhor tudo pode. E agora quis dar esta alegria à nossa parenta.- Como ficaste sabendo disso? É notícia certa?- Veio até aqui um mensageiro. É um que não pode mentir. Eu gostaria de ir à casa de Isabel para ajudá-la e dizer-lhe que me congratulo com ela. Se me deres licença...- Maria, tu és a minha esposa, e eu sou o teu servo. Tudo o que fazes é bem feito. Quando gostarias de ir?- Quanto antes. Mas ficarei fora alguns meses.- E eu ficarei contando os dias, à tua espera. Vai tranqüila. Cuidarei da casa e do pomar. Encontrarás na volta as tuas flores tão bonitas, como se tivesses cuidado delas. Só uma coisa... espera. Eu preciso ir, antes da Páscoa, a Jerusalém, comprar alguns objetos para112o meu trabalho. Se esperares um ou dois dias, te acompanharei na viagem. Não mais, porque eu preciso voltar logo. Mas, daqui até lá, podemos ir juntos. Eu fico mais tranqüilo, quando sei que não estás sozinha pelas estradas. Para a tua volta, me mandarás notícia, e irei te buscar.- És tão bom, José. O Senhor te recompense com as suas bênçãos, e mantenha a dor longe de ti. Peço isso sempre a Ele.6Os dois castos esposos sorriem angelicalmente um para o outro. Faz-se 18.6 silêncio por algum tempo.Depois, José se levanta. Torna a colocar o manto, puxa o capuz sobre a cabeça. Saúda Maria, que também se levanta, e sai.Maria o fica olhando, enquanto ele caminha, e dá com um suspiro, como de pena. Depois, eleva os olhos para o céu. Certamente, está rezando. Fecha a porta com cuidado. Dobra o bordado. Vai à cozinha. Apaga, ou cobre o fogo. Olha se tudo está em seu lugar. Toma o candeeiro, e sai, fechando a porta. Com a mão faz um anteparo de proteção para a chama do candeeiro, que está tremendo pelo vento frio da noite. Entra no aposento, e vai rezar ainda.A visão termina assim.

7Maria diz: 18.7“Querida filha, quando, depois de cessar o êxtase, que me havia enchido de inexprimível alegria, voltei ao uso dos sentidos nesta terra, o primeiro pensamento que tive foi José, pensamento pungente como um espinho de roseira, me feria o coração, enfaixado, há alguns instantes, pelas

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rosas do Divino Amor, meu Esposo.Eu já o amava, este meu santo e previdente guarda. Desde quando a vontade de Deus, por meio da palavra de seu Sacerdote, me tinha querido desposada a José, eu já pudera conhecer e apreciar a santidade deste justo. Unida a ele eu tinha sentido que cessava aquela minha desorientação de órfã, e já não tinha mais saudade do meu tempo de asilada no Templo. Para mim ele era tão bom, como meu falecido pai. Junto dele eu me sentia segura, como junto ao Sacerdote. Toda minha titubeação havia cessado, e não só cessado, mas fìcado esquecida, de tal modo tranquilizava-me o coração de virgem, ao compreender que já não precisava mais titubear, pois não tinha que temer nada da parte de José. Mais segura do que um menino nos braços da mãe, assim estava a minha virgindade confiada a José.8Mas, e como dizer-lhe que eu era mãe? Eu procurava palavras para 18.8 dizer-lhe isso, mas era uma tarefa árdua. Eu não queria louvar-113me pelo dom de Deus, e não podia, de maneira alguma, justificar a minha maternidade, sem dizer: “O Senhor me amou mais do que todas as mulheres, e de mim, sua serva, me fez sua esposa”.Enganá-lo, escondendo-lhe o meu estado, eu não queria também. Mas, enquanto estava rezando, o Espírito, do qual eu estava plena, me disse: “Cala-te. Confia a Mim a tarefa de justificar-te perante o esposo”. Quando? Como? Estas coisas não lhe perguntei. Eu sempre me havia confiado a Deus, como uma flor na onda que a transporta. Nunca o Eterno me tinha feito ficar sem sua ajuda. Sua mão sempre me havia sustentado, protegido e guiado, até aqui. E iria fazer tudo isso também agora.9Minha filha, como é bela e confortável a fé em nosso eterno e bom Deus! 18.9 Ele nos acolhe em seus braços como em um berço, nos leva ao luminoso porto do Bem, como num barco, nos aquece o coração, nos consola, nos nutre, nos dá repouso e alegria, nos dá luz e guia. A confiança em Deus é tudo, pois Deus tudo dá a quem tem confiança Nele. Ele se dá até a Si mesmo.Naquela tarde levei a minha confiança de criatura à perfeição. Agora, eu o podia fazer, porque Deus estava em mim. Antes, tinha tido a confiança de uma pobre criatura. Sempre um nada, mesmo sendo tão amada, a ponto de ser sem mácula. Mas agora eu tinha uma confiança divina, porque Deus era meu: meu Esposo, meu Filho! Oh! Que alegria! Ser uma com Deus! Não para a minha glória, mas para amá-lo com uma união total e poder dizer-lhe: “Tu, só Tu, que estás em mim, aperfeiçoa com tua divina perfeição tudo o que eu faço”.Se Ele não me tivesse dito: “Cala-te”, talvez eu até tivesse ousado, com o rosto em terra, dizer a José: “O Espírito penetrou em mim, e em mim está a Semente de Deus”. Ele teria acreditado em mim, porque me estimava e porque, como todos aqueles que não mentem nunca, ele acreditava que os outros também não lhe mentissem. Sim, contanto que eu não lhe causasse nenhuma dor no futuro, eu teria vencido a recusa de dar-me aquele louvor. Mas obedeci à ordem divina.Durante muitos meses, a partir daquele momento, senti a primeira ferida em meu coração. Foi a primeira dor, na minha condição de co-redentora. Eu a ofereci e sofri para reparar e para dar-vos uma norma de vida nos momentos de sofrimento, quando há necessidade de silêncio em relação a algum acontecimento que vos dé aparência de culpados, aos olhos de quem vos ama.10Deixai a Deus a guarda do vosso bom nome e dos vossos inte- 18.10114resses afetivos. Merecei com uma vida santa a tutela de Deus, e depois, caminhai tranqüilos. Ainda que todo o mundo estiver contra vós, Ele vos defenderá junto a quem vos ama, e fará com que a verdade apareça.Repousa agora, minha filha. E sê sempre mais minha filha”.

19. Maria e José dirigindo-se a Jerusalém.

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27 de março de 1944.1Estou assistindo à partida deles para irem à casa da Santa Isabel. 19.1José veio com dois burrinhos acinzentados para levar Maria: um para si próprio e o outro para Maria. Os dois animaizinhos estão selados com selas costumeiras; mas à sela de um deles foi acrescentado um instrumento muito especial, que depois descubro ter sido feito para levar carga: é uma espécie de porta-bagagem sobre o qual José pregou um pequeno cofre de madeira, digamos, um bauzinho, que ele trouxe a Maria, para que nele pudesse pôr as suas roupas, e a chuva não as molhasse.Ouço Maria agradecer muito a José por este presente feito com tanta previdência, pois neste baú ela colocou tudo o que estava num pacote, que já havia preparado antes.2Fecham a porta da casa e põem-se a caminho. O dia já está perto de raiar, 19.2 pois estou vendo a aurora cor-de-rosa, mas só do lado do Oriente. Nazaré ainda está dormindo. Os dois viajantes madrugadores encontram apenas um pastor, que toca para a frente as suas ovelhinhas; elas vão trotando e esbarrando umas nas outras, aqui e ali, encaixadas umas entre as outras, como se fossem cunhas, berrando sem parar. Os cordeirinhos também berram, e mais do que as ovelhas, com sua voz aguda e débil. Mesmo precisando ir para a frente, o que eles mais gostariam de fazer seria procurar as tetas da mãe. Mas as mães se apressam para chegar às pastagens, e os convidam, com seu balido mais forte, a trotar com elas.Maria fica olhando, e sorri. Ela parou para deixar passar a manada, e se inclina sobre sua sela para acariciar os mansos animaizinhos, que vão passando rentes ao burrinho. Quando o pastor chega perto, levando nos braços um cordeirinho que acabou de nascer, pára perto de Maria para saudá-la; ela sorri, acariciando o focinho rosado do cordeirinho, que berra sem consolo, e lhe diz: “Está pro-115curando a mamãe. Aqui está a mamãe. Ela não te deixa, não, pequenino”. De fato, a ovelha mãe vai roçar-se no pastor, e se levanta para lamber o focinho do seu filhote.A manada vai passando e fazendo barulho como o da chuva sobre as copas das árvores, deixando atrás de si a poeira levantada pelos casquinhos, que sobem e descem, deixando as marcas de suas pegadas no chão da estrada.José e Maria retomam o caminho. José, com. seu manto grande, Maria, com uma espécie de xale listrado, pois a manhã está muito fria.Ao chegarem no campo, Maria está perto de José. Pouco falam. José pensa em seus trabalhos, e Maria continua com seus pensamentos; recolhida como está, sorri aos pensamentos e às coisas quando, saindo um pouco daquela sua concentração, gira o olhar sobre tudo o que a rodeia. De vez em quando, olha para José, e um véu de seriedade e tristeza lhe ensombra o rosto. Depois, volta-lhe o sorriso, até mesmo ao olhar para este seu esposo, tão previdente, e de poucas palavras, mas que, quando fala, é para perguntar-lhe se tudo vai indo bem e se não está precisando de alguma coisa.3Agora, as estradas já estão cheias de gente, especialmente nas vizinhanças 19.3 dos povoados, e dentro deles. Mas os dois não se preocupam com as pessoas que vão encontrando. Lá se vão eles sobre os seus burrinhos, que vão trotando com grande barulho dos guizos, e só vão parar uma vez, à sombra de um pequeno bosque, para comer um pouco de pão e azeitonas, beber água da fonte que desce de uma pequena gruta e, outra vez, para se protegerem de um violento aguaceiro, que desaba de repente, de uma nuvem muito escura.Colocaram-se, então, ao abrigo do monte, debaixo da saliência de um penhasco, que os protege pelo menos da chuva mais forte. Mas José faz questão que Maria ponha o manto grande de lã impermeável sobre o qual a água desliza sem molhá-la. Maria tem que ceder à desvelada insistência do seu esposo que, para tranqüilizá-la a respeito de sua própria situação, põe sobre a cabeça e sobre os ombros uma pequena manta cinzenta, que estava sobre a sela. Era a manta do burrinho, provavelmente. Agora, Maria vai indo, parecendo um fradezinho com um capuz, que lhe emoldura o rosto, e com o manto marrom, que se lhe fecha à altura da garganta, e a cobre de alto a baixo.O aguaceiro diminui, mas se transforma numa chuva incômoda e fina. Os dois começam de novo a andar pela estrada, qué agora está toda barrenta. Mas, como é primavera, depois de alguns minutos,

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o116sol volta, para tornar mais cômoda a viagem. Também os dois burrinhos estão agora mais dispostos, batendo as patas sobre a estrada. Não vejo nada mais, pois aqui cessa a visão.

20. Partida de Jerusalém. O aspectomístico de Maria. A importância da oraçãopara Maria e José.

28 de março de 1944.1Estamos em Jerusalém. Eu a reconheço bem agora, com suas estradas e 20.1 suas portas.Os dois esposos se dirigem ao Templo, em primeiro lugar. Reconheço a estalagem, onde José deixou o burrinho, no dia da Apresentação no Templo. Agora também é ali que ele deixa os dois burros, depois de tê-los feito comer e beber, e vai adorar o Senhor, com Maria.Depois voltam para fora. Pelo que parece, Maria e José vão para uma casa de pessoas conhecidas. Lá fazem uma refeição, e Maria descansa até a volta de José, que chega acompanhado de um velhinho.- Este homem vai pelo mesmo caminho por onde vais. E é muito pouco o que terás de andar sozinha, para chegar à casa de tua parenta. Podes confiar nele, que eu o conheço.2Montam de novo nos burrinhos, e José sai acompanhando Maria até à 20.2 porta da cidade (não aquela pela qual entraram, mas uma outra). Lá, eles se saúdam e Maria vai sozinha com o velhinho, que fala tanto mais, quanto José falava menos, interessando-se por mil coisas. Maria vai-lhe respondendo com muita paciência.Agora ela tem, na parte dianteira de sua sela, o pequeno baú, que antes tinha sido sempre levado pelo jumento de José, e não mais com o manto grande. Nem mesmo o xale, pois ele está dobrado sobre o baú, e Maria está muito bonita, em sua veste azul escura, com o seu véu branco, que a protege do sol. Como está bonita!O velhinho deve ser um pouco surdo porque, para fazer-se ouvir por ele, Maria precisou falar bem alto, ela que sempre costuma falar em voz baixa. Mas ele agora ficou cansado. Esgotou todo o seu repertório de perguntas e de notícias, e está cochilando sobre a sela, deixando-se guiar pelo jumento, que conhece bem a estrada.Maria aproveita-se bem dessa trégua para recolher-se em seus pensamentos, e rezar. Deve ser uma oração, que está cantando em voz baixa, ao olhar o céu azul, com os braços sobre o peito, um sem-117blante abrasado e feliz por uma emoção interior. Não vejo mais nada.

3Também agora, quando a visão me fica suspensa, como aconteceu 20.3 ontem, fico com a mãe junto de mim, bem visível para a minha vista interior, e tão nítida, que posso descrever a cor rosada leve de sua face, não muito cheia, mas suavemente delicada, o vermelho vivo de sua pequena boca, o luzir doce de seus olhos azulados, entre o loiro escuro de seus cílios.Posso dizer como os seus cabelos, repartidos no alto da cabeça, descem delicadamente com três ondulações de cada lado, até cobrirem a metade das pequenas orelhas rosadas, desaparecendo, com o seu ouro pálido e brilhante, atrás do véu que lhe cobre a cabeça. Estou vendo-a com o manto na cabeça, vestida com a sua veste de seda paradisíaca e com seu manto leve como um véu, embora opaco, feito do mesmo tecido que a veste.Esta veste é ajustada ao seu pescoço por uma bainha, da qual sai um cordão, cujas pontas formam um laço na frente, na base do pescoço, e está apertada à altura da cintura, por um cordão mais grosso, sempre de seda branca, que desce ao longo de cada lado com duas borlas nas pontas.

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Posso dizer também que, ajustada como está ao pescoço e à cintura, a veste forma sobre o peito sete pregas redondas e frouxas, o único enfeite de sua roupa castíssima.Posso dizer ainda da castidade que emana do aspecto todo de Maria, de suas formas tão delicadas e harmoniosas, que a tornam tão angelicalmente, mulher.4E, quanto mais a olho, tanto mais eu sofro, pensando em quanto a 20.4 fizeram sofrer, e fico perguntando, a mim mesma, como puderam deixar de ter piedade dela, tão mansa e gentil, tão delicada, até em seu próprio aspecto físico. Eu a fico olhando, e torno a ouvir os gritos do Calvário, também contra ela, com todas as zombarias e gracejos grosseiros. Todas as maldições, dirigidas a ela, por ser a mãe do condenado. Vejo-a bela e tranqüila, agora. Mas o seu aspecto de hoje não me desfaz a lembrança de suas trágicas feições, naquelas horas de agonia, e o seu semblante desolado em sua casa em Jerusalém, depois da morte de Jesus. Eu queria poder acariciá-la e beijá-la em sua face tão rósea e delicada, para tirar com o meu beijo aquela recordação de pranto que certamente ela, como eu, também tem.5É inimaginável a paz que sinto ao té-la perto de mim. Penso 20.5118que morrer, vendo-a, seja doce, e até mais do que a mais doce hora desta vida. Nesse tempo em que eu não a via assim, toda para mim, sofri a sua ausência, como a ausência de uma mãe. Agora sinto de novo a inefável alegria, que foi minha companheira em dezembro e nos primeiros dias de janeiro. Estou feliz, não obstante ter visto os tormentos da Paixão, que lançam sobre toda a minha felicidade um véu de dor.É difícil dizer e fazer compreender o que eu experimentei e o que aconteceu a 11 de fevereiro, desde a tarde em que vi Jesus sofrer em sua Paixão. Foi uma visão que me mudou radicalmente. Morresse eu agora, ou daqui a cem anos, aquela visão permaneceria sempre igual na intensidade e nos efeitos. Antes, eu pensava nas dores de Cristo. Agora, eu as vivo, porque basta-me uma palavra, uma imagem, para eu sofrer de novo tudo o que sofri naquela tarde, horrorizando-me com aquele seu desolado padecimento. Mesmo quando nada me faz recordar aquilo, sinto essa recordação me atormentar.Maria começa a falar e eu me calo.

6Maria diz: 20.6“Vou falar pouco, porque estás muito cansada, ó minha pobre filha.Somente quero chamar a tua atenção, e a de quem estiver lendo, sobre o hábito constante de José, e meu também, de dar sempre o primeiro lugar à oração. Cansaço, pressa, desgostos, ocupações eram coisas que não impediam as orações, pelo contrário, a ajudavam até. Ela era sempre a rainha das nossas ocupações. O nosso conforto, a nossa luz, a nossa esperança. Se nas horas tristes, a oração era um conforto, nas horas felizes, era um canto. Mas era sempre a amiga constante de nossa alma. Era ela que nos fazia desprender-nos da terra deste exílio, elevando-nos ao Céu, nossa Pátria.Não somente eu, que já tinha Deus dentro de mim, não precisava senão olhar para o meu interior, para adorar o Santo dos santos, mas também José se sentia unido a Deus quando rezava, porque a nossa oração era adoração verdadeira, com todo o nosso ser que se fundia em Deus, adorando-O e sendo por Ele abraçado.Olhai bem, mesmo assim, eu que tinha em mim o Eterno, não me senti isenta de prestar um reverente obséquio ao Templo. A santidade mais alta não exime ninguém de sentir-se nada diante de Deus, e de humilhar esse nada, pois o Senhor no-lo permite, em um contínuo hino de louvor à Sua glória.1197Sois pobres, fracos, defeituosos? Invocai a santidade do Senhor: “Santo, 20.7 Santo, Santo!”. Clamai por Ele, Santo bendito, sobre a vossa miséria. Ele virá e derramará sobre vós a sua santidade. Sois santos e ricos de merecimentos aos Seus olhos? Invocai, do mesmo modo, a santidade do Senhor. Essa santidade é infinita e fará crescer sempre mais a vossa. Os anjos, seres que estão acima das fraquezas da humanidade, não cessam um instante de cantar o seu “Sanctus”, e

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a beleza sobrenatural deles aumenta, cada vez que invocam a santidade de nosso Deus. Imitai os anjos.Não vos priveis nunca da proteção da oração, contra a qual ficam embotadas as armas de satanás, as malícias do mundo, os apetites da carne e as soberbas da mente. Não deponhais nunca esta arma, pela qual se abrem os céus, de onde chovem graças e bênçãos.A terra está precisando de um banho de orações para limpar-se das culpas que atraem os castigos de Deus. Mas, como são poucos os que rezam, esses poucos precisam rezar como se fossem muitos, multiplicando as suas orações vivas, para fazerem delas o total necessário para se obter a graça pedida. Orações vivas, são as temperadas com verdadeiro amor e com sacrifício.8Que tu, minha filha, sofras, principalmente porque o teu sofrimento, 20.8 unido ao meu e ao de Jesus, torna-se uma coisa boa, agradável a Deus, com muitos merecimentos. Gosto muito do teu amor de compaixão. Queres dar-me um beijo? Beija as chagas de meu Filho. Embalsama-as com o teu amor. Eu senti espiritualmente as dores, a angústia e a aflição causadas pelos flagelos, pelos espinhos e pela tortura dos cravos e da cruz. Mas, de modo igual, eu sinto espiritualmente todas as carícias feitas ao meu Jesus: são beijos dados a mim. Depois, vem. Eu sou a rainha do céu. Mas sou sempre a mãe...”.E estou feliz.

O EVANGELHO COME ME FOI REVELADO

Volume SEGUNDO Capítulos 79 – 159

Centro Editoriale Valtortiano

Índice do volume segundo Primeiro ano da Vida pública de Jesus.(continuação e fim)

79. Indo ao encontro dos pastores. As jóias de Aglae e uma parábola sobre a sua conversão. 9

80. Sobre o monte do jejum e no penedo da tentação. 14

81. No vau do Jordão com os pastores Simeão, João e Matias.Um plano para libertar o Batista. 25

82. Em Jericó. O Iscariotes conta como vendeu as jóias de Aglae. 3083. Jesus sofre por causa de Judas, o qual é uma lição viventepara os apóstolos de todos os tempos. 3784. O encontro com Lázaro de Betânia. 42 85. Antes de ir para o Getsêmani, Jesus e o Zelote sobem ao Templo,

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onde está falando o Iscariotes. 48 86. O encontro com o soldado Alexandre na porta dos Peixes. 5487. Com pastores e discípulos perto de Doco. Isaque fica na Judéia. 5888. Em casa do pastor Jonas na planície de Esdrelon. 62

Despedida de Jonas e chegada de Jesus a Nazaré. 67 90.Chegada a Nazaré dos discípulos com os pastores. 74

91. Primeira lição aos discípulos no olival perto de Nazaré. 79 92. Segunda lição aos discipulos junto à casa de Nazaré. 83 93. Terceira lição aos discípulos na horta de Nazaré e um conforto ao Judas de Alfeu. 87 94. Cura da Beldade de Corozaim. Jesus fala na sinagoga de Cafarnaum. 92 O Tiago do Alfeu acolhido entre os discipulos. 95. Jesus fala junto à banca de Mateus. 99 96. Jesus responde à acusação de ter curado em dia de sâbado a Beldade de Corozaim. 106 5 97. O chamado de Mateus. (Mt 9, 9-13,Mc 2, 13-17,. Lc 5, 27-32) 111 98. Encontro com a Madalena no lago e liçào aos discípulos

perto de Tiberiades. 118 99. Em Tiberiades na casa de Cusa. 128 100. Em Nazaré na casa do velho e doente Alfeu.

Não é fácil a vida de apóstolo. 133

101. Jesus interroga a Mãe sobre os discípulos. 143 102. Encontro com o ex-pastor Jônatas e cura de Joana de Cusa. 145 103. No Lïbano em easa dos pastores Benjamim e Daniel. 152 104. Ava reconciliada com o marido. Notícias sobre a morte

de Alfeu e sobre o resgate de Jonas. 157 105. Em Nazaré, quando da morte de Alfeu.

Lenta conversão do primo Simão. 165 106. Expulsão de Nazaré e conforto à Mãe.

Reflexões sobre quatro contemplações. (Lc 4, 16-30) 170 107. Jesus e a Mãe em casa de Joana do Cusa. 176 108. Discurso aos vindimadores e cura de um menino paralitico. 178 109. Nos campos de Joacã e de Doras. Morte de Jonas. 185 110. Na casa de Jacó junto ao lago Meron. 198

111. Encontro com Salomão no vau do Jordão. Parábola sobre a conversão dos corações. 204

112. De Jericá a Betània, O encontro com Marta, que fala de Maria. 209 113. Volta a Betânia depois da Festa dos Tabernâculos. 215 114. No banquete de José de Arimatéia .

Encontro com Gamaliel e Nicodemos. 217 115. Cura do menino atingido pelo cavalo de Alexandre. Jesus

expulso do Templo 225 116. No Getsêmani com Jesus. os discípulos falam dos pagãos

da “velada''. O collóuio com Nicodemos. (Jo 3. 1-21) 229 117. Lázaro põe à disposição de Jesus uma casinha na

planicie de Âguas Belas, 240 6 118. Início da vida em comum nas Águas Belas e discurso de

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abertura. (JO 3, 22-24) 244 l19. Os discursos de Águas Belas: Eu sou o Senhor teu Deus.

Jesus batiza como João. (Jo 3. 22-24) 251 120. Os discursos de Águas Belas: Não farás deuses para ti em

minha presença. 260

121. Os discursos de Águas Belas: Não proferirás em vão o meu Nome. A visita de Mananen. 264

122. Os Águas : o a mãe. Cura de um hebetado. 272 123. Os discursos de Águas Belas: Não fornicar. A afronta dos

cinco notáveis. 282 124. A “velada'' se hospeda na casinha de Águas Belas. 291 125. Os discursos de Águas Belas: Santifíca a festa. O menino

das pernas quebradas. 296 126. Os Águas Belas: Não matar . Morte de Doras.. 300 127. Os discursos de Águas Belas, Não tentarás ao Senhor teu

Deus. Testemunho do Batista. (Jo 3, 25-36) 308 128. Os éguas : Não desejar do próximo. O jovem luxurioso. 314 129. A cura, em Águas Belas, de um romano . 319 130. Os discursos de Águas Belas: Não dirá falso testemunho.

O pequeno Asrael. 326

131. Os discursos de Águas Belas: Não roubar e nào desejar as *coisas alheias. O pecado de Herodes . 333

132. Discurso conclusivo em Águas Belas, antes Purificação. 336 133. O trabalho escondido de André.

Uma Mãe Jesus, que deve deixar Águas Belas. 344 134. A cura de Jerusal em Doco. 353 135. Chegada a Betânia e o discurso de Jesus ouvido por

Madalena. 356 136. Na festa das Encênias, em casa de Lázaro, é recordado o

nascimento de Jesus. 365 137. Jesus volta a Águas Belas, mas tem que abandonar esse lugar 376 7 138. Despedida do feitor de Águas Belas e do sinagogo Timoneo,

que se torna discípulo. 382 139. Nos montes perto de Emaús. O carácter de

Judas Iscariotes e as qualidades dos bons. 386 140. Em Emaús, na casa do sinagogo Cléofas. Um caso de incesto.

Fim do primeiro ano. 391

Segundo ano da Vida pública de Jesus.

141. Indo para Arimatéia com os discípulos e com José de Emaús. 398

142. Com os doze indo para Samaria. (Jo g, 1-4) 401 143. A samaritana Fotinai. (Jo 4, 5-38) 403 144. Os samaritanos convidam Jesus em Sicar. (Jo 4, 39-44) 409 145. O primeiro dia em Sicar. (Jo 4, 39-44) 411 146. O segundo dia em Sicar e despedida dos samaritanos.

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(Jo 4, 39-44) 415 147. Cura de uma mulher de Sicar e conversão de Fotinai. 418 148. Jesus visita o Batista perto de Hinon. 422 149. A visita ao Batista é motivo de ensinamentos

aos discípulos. 425 150. Em Nazaré na casa da Màe, a qual deverá seguir o Filho. 429

151. Em Caná na casa de Susana, que se tornará discípula. O oficial do rei.(Jo 4, 46-54) 431

152. Maria Salomé é acolhida como discípula. 433 153. As mulheres dos discípulos a serviço de Jesus. 435 154. Jesus em Cesaréia Maritima fala aos galeotes.

As canseiras do apostolado. 437 155. Cura da pequena romana em Cesaréia. 444 156. Anália, a primeira das virgens consagradas. 451 157. Instruções às discípulas em Nazaré. 456 158. No lago de Genezaré com Joana de Cusa. 463 159. Discurso em Gergesa. A resposta sobre o jejum aos discipulos

do Batista. (Mt 9, 14-17: Mc 2, 18-22: Lc 5, 33-39) * 467 8

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131. Os discursos de Águas Belas: Não roubar e não desejar as coisas alheias. O pecado de Herodes.

15 de março de 1945.

1 "Deus dá a cada um o necessário. Isto é a verdade. O que é neces- 131.1 sério ao homem? O luxo? Um grande número de servos? As terras cujos campos não se podem contar? Os banquetes, que começam com o pôr-do-sol e terminam com o romper da aurora? Não. Necessário para um homem é um teto, um pão, uma veste. O indispensável para viver.Olhai ao redor de vós. Quem são os mais alegres e os mais sãos? Quem é que goza de uma velhice sadia e serena? Os gozadores? Não. Aqueles que honestamente vivem, trabalham e desejam. Esses não têm o veneno da luxúria e permanecem fortes. Não têm o veneno das crápulas e permanecem ágeis. Não têm o veneno das invejas e permanecem alegres. Enquanto que aquele que deseja ter sempre mais, mata sua paz e não goza, mas envelhece precocemente, queimado pela inveja ou pelo abuso.Poderia unir o mandamento do "não roubar" àquele do "não desejar o que é dos outros". Porque, de lato, o desejo excessivo impele ao furto. Não há mais do que um rápido passo deste para aquele. É ilícito todo desejo? Não digo isto. O pai de família que, trabalhando no campo ou na officina, deseja tirar daí o pão para os seus filhos, na verdade não peca. Ao contrário, está cumprindo o seu dever de pai. Mas aquele que, em vez disso, não deseja outra coisa senão gozar mais, e se apropria do que é dos outros, para conseguir gozar mais, esse peca.2 A inveja! Porque, o que é o desejo das coisas alheias, senão avareza 131.2 e inveja? A inveja separa de Deus, meus filhos, e une a Satanás.Não pensais que o primeiro que desejou o que era dos outros foi Lúcifer? Era o mais belo dos arcanjos e gozava de Deus. Teria devido 333

ficar contente com isso. Invejou a Deus, quis ser Deus e tornou-se o demónio. O primeiro demónio.Segundo exemplo: Adão e Eva tudo tiveram, gozavam do paraíso terrestre, gozavam da amizade de Deus, felizes com os dons da graça, que Deus lhes havia dado. Teriam devido contentar-se com isso. Invejaram a Deus em seu conhecimento do bem e do mal e foram expulsos do Éden, tornando-se os proscritos malvistos a Deus. Foram os primeiros Secadores.Terceiro exemplo: Caim invejou Abel por sua amizade com o Senhor. E tornou-se o primeiro assassino.Maria, irmã de Arão e Moisés, invejou o irmão e tornou-se a primeira leprosa da história de Israel.Poderia, passo a passo, conduzir-vos, por toda a vida do povo de Deus, e veríeis que o desejo imoderado fez, de quem o teve, um pecador, e da nação um castigo. Porque os Recados dos particulares se acumulam e provocam os castigos das nações, assim como grãozinhos e mais grãozinhos de areia, acumulados em séculos e séculos, provocam um desmoronamento, que submerge as cidades com os que moram nelas. 131.3 3 Muitas vezes vos tenho citado como exemplo os pequenas, porque são simples e confiantes. Hoje Eu vos digo: imitai os pássaros, em sua liberdade, quanto aos desejos.Olhai. Agora é inverno. Há pouco alimento nos pomares. Mas eles se preocupam em acumulá-lo no verão? Não. Eles confiam no Senhor. Sabem que um vermezinho, um pequeno grão, uma migalha, uma aranhazinha, uma pequena mosca em cima d água. sempre conseguirão pegar para o seu papinho. Sabem que uma chaminé quente, ou um floco de lã sempre haverá para aí se refugiarem no inverno, como sabem que, quando chegar o tempo que vão precisar de feno para os seus ninhos, e mais alimento por causa dos filhotes, haverá feno bastante nos prados e sucoso alimento nos pomares e nos sulcos, e de muitos insetos estarão cheios o ar e a terra. E cantam baixinho: "Obrigado, ó Criador, por tudo o que nos dais e nos darás", prontos a louvar a Deus com suas gargantas, quando, na época dos amores, desfrutarão da esposa e se verão multiplicados na prole.

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Haverá criatura mais alegre que o pássaro? Contudo, que é a sua inteligência, em comparação àquela humana? Uma lasquinha de sílex em relação a uma montanha. Mas vos ensina. Em verdade Eu vos digo que possuem a alegria do pássaro aquele que vive sem desejos impuros. Ele confia em Deus e sente que Deus é Pai. Ele sorri ao dia que334

surge e à noite que desce, porque sabe que o sol é seu amigo e que a noite é sua nutriz. Ele olha sem rancor para os homens e não teme as suas vinganças, porque não os prejudica de nenhum modo. Ele não receia pela sua saúde, nem pelo seu sono, porque sabe que uma vida honesta mantém longe as doenças e dá um doce descanso. Finalmente, ele não teme a morte, porque sabe que, tendo agido bem, só pode receber o sorriso de Deus.O rei também morre. O rico também morre. Não é o cetro que afasta a morte, nem o dinheiro do rico que compra a imortalidade. Como meliante do Rei dos reis e do Senhor dos senhores, são uma coisa risível as coroas e as moedas, mas só tem valor uma vida vivida na Lei!4 O que é que estão dizendo aqueles homens, lá no fundo? 131.4Não tenhais medo de falar"."Estávamos dizendo: o Antipas de que pecado é culpado? De furto ou de adultério?"."Não gostaria que ficásseis olhando para os outros, mas para os vossos corações. Mas Eu vos respondo que ele é culpado de idolatria, adorando mais a carne do que a Deus; de adultério, de furto, de desejo ilícito e, dentro em breve, de homicídio"."Será salvo por Ti, que és o Salvador?"."Eu salvarei aqueles que se arrependem e voltam para Deus. Os impenitentes não terão redenção"."Disseste que é ladrão. Mas o que ele roubou?"."A mulher do irmão. O furto não é só de dinheiro. É furto também tirar a honra a um homem, tirar a virgindade a uma moça, tirar a um marido a sua mulher, como o é levar um boi do vizinho, ou apanhar frutos de suas plantas. O furto, pois, agravado pela libidinagem ou pelo falso testemunho torna-se mais grave pelo adultério ou pela fornicação e pela mentira".5 "E uma mulher que se prostitui, que pecado faz?". 131.5 "Se é casada, é de adultério e furto contra o seu marido. Se é solteira, é de impureza e furto contra si mesma"."Contra si mesma? Mas ela dá o que é dela! ! "."Não. O nosso corpo é criado por Deus para ser templo da alma, que é o templo de Deus. Por isso, deve ser conservado honesto, porque senão, a alma fica despojada da amizade de Deus e da vida eterna"."Então uma meretriz só pode ser de Satanás?"."Todo pecado é um meretrício com Satanás. O pecador, como uma fêmea que paga, se dá a Satanás para os amores ilícitos, esperando335

receber dele lucros sujos. Grande. bem grande é o pecado de prostituição, que torna os que o cometem semelhantes aos animais imundos. Mas ficai sabendo que qualquer outro pecado capital não o é menos. Que direi da idolatria? Que direi do homicídio? Contudo, Deus perdoou aos israelitas depois do bezerro de ouro. Perdoou a Davi, depois do seu pecado, e que era duplo. Deus perdoa a quem se arrepende. Seja o arrependimento na proporção do número e da gravidade das culpas, e Eu vos digo que a quem mais se arrepende, mais será perdoado. Porque o arrependimento é uma forma de amor. De um amor operante. Quem se arrepende, diz a Deus com o seu arrependimento: "Não posso viver com a tua ira, porque eu te amo e quero ser amado". E Deus ama a quem o ama. Por isso digo: quanto mais alguém ama, mais é amado. Quem ama totalmente, tem tudo perdoado. E esta é a verdade.lide. Mas antes ficai sabendo que está às portas da cidade uma viúva, carregada de filhos e passando uma grande fome. Ela foi despejada da casa, por causa de dívidas. E ainda pode dizer: "obrigada" ao patrão, por tê-la apenas despejado. Eu usei o vosso óbolo para comprar pão para eles. Mas

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precisam de um abrigo. A misericórdia é o sacrifício mais agradável ao Senhor. Sede bons e em seu nome, vos garanto a recompensa".O povo cochicha, se aconselha, se discute.Enquanto isso, Jesus está curando um quase cego e ouvindo uma velhinha, que veio de Doco para pedir-lhe que vá à casa de sua nora, que está doente. É uma longa história de lágrimas que eu, meio morta como estou hoje, não posso transcrever.E por sorte tudo termina, porque eu não estou mesmo em condições mais, com esta crise cardíaca, que dura já três horas e que me perturba até a vista.

132. Discurso conclusivo em Águas Belas, antes da festa da Purificação.17 de março de 1945.

132.1 1 "'Meus filhos no Senhor, a festa da Purificação é iminente e à ela Eu,

Luz do mundo, vos mando preparados com o mínimo necessário para bem realizá-la. A primeira lâmpada da festa, da qual emitireis a chama a todas as outras. Porque bem tolo seria aquele que pretendesse acender muitas luzes, não tendo como acender nem a Primeira. 336

E ainda mais tolo seria aquele que pretendesse começar a sua santificação pelas coisas mais difíceis, descuidando-se daquilo que é base do edifício imutável da perfeição: o Decálogo.2 Lê-se nos Macabeus que Judas e os seus, tendo, com a proteção 132 2 de Deus retomado o Templo e a Cidade, destruiram os altares erguidos aos deuses estrangeiros e os pequenos templos e purificaram o Templo. Depois ergueram um outro altar e com pederneiras acenderam o fogo, ofereceram os sacrifícios, queimaram incenso, colocaram as lâmpadas e os pões da proposição e depois, prostrados todos por terra, suplicaram ao Senhor que não permitisse mais que eles pecassem, ou que, se por fraqueza, voltassem a pecar de novo, que os tratasse com divina misericórdia. Isto aconteceu no dia vinte e cinco do mês de Casleu.Consideremos e apliquemos a história a nós mesmos, porque cada palavra da história de Israel, sendo do povo eleito, tem um significado espiritual. A vida é sempre um ensinamento. A vida de Israel é ensinamento não só para os dias terrenos, mas para a conquista dos dias eternos."Destruiram os altares e os pequenas templos pagãos".Eis a primeira operação. Aquela que Eu vos mandei fazer, ao darvos os nomes dos deuses individuais, que substituam ao Deus verdadeiro: as idolatrias da sensualidade, do ouro, do orgulho, os vícios capitais que levam à profanação e morte da alma e do corpo e ao castigo de Deus.Eu não vos esmaguei sob as inumeráveis fórmulas que agora oprimem os fiéis, e servem de baluarte à verdadeira Lei, oprimida, escondida por cúmulo de proibições, todas exteriores, que com sua opressão, conduzem os fiéis a perder de vista a voz reta, clara e santa do Senhor, que diz: "Não blasfemar. Não idolatrar. Não profanar as festas. Não desonrar os pais. Não matar. Não fornicar. Não roubar. Não mentir. Não invejar as coisas dos outros. Não desejar a mulher do próximo". São dez "não". E nem um a mais. São as dez colunas do templo da alma. Por cima brilha o ouro do preceito mais santo de todos: "Ama a teu Deus. Ama o teu próximo". É o coroamento do templo. É a proteção dos fundamentos. É a glória do construtor. Sem amor ninguém poderia obedecer as dez regras e cairiam as colunas, todas ou alguma, e o templo se arruinaria, total ou parcialmente. Mas, de qualquer modo, ficaria arruinado e não mais apto para acolher o Santíssimo.Fazei o que Eu vos disse, abatendo as três concupiscências. Dai337

um nome claro ao vosso vício, assim como claro é Deus ao dizer-vos: "Não façais isto nem aquilo".

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É inútil buscar sutilezas nas formas. Quem nutrir algum amor mais forte do que o amor que dá a Deus, seja qual for esse amor, é um idólatra. Quem fala o nome de Deus, professando-se servo Dele e depois lhe desobedece, é um rebelde. Quem por avidez trabalha aos sábados é um profanador, um desconfiado, um presunçoso. Quem nega um socorro aos pais, aduzindo pretextos ainda que diga que são serviços prestados a Deus, é alguém que está sendo abominado por Deus, pois Este colocou os pais e as mães como seus representantes nesta terra. Quem mata, sempre é assassino. Quem comete fornicação é sempre um luxurioso. Quem rouba é sempre ladrão. Quem mente é sempre abjeto. Quem quer o que não é seu. é sempre um guloso, com a mais execrável das fomes. Quem profana um tálamo é sempre um imundo.Assim é. E Eu vos lembro que, depois que ergueram o bezerro de ouro, veio a ira do Senhor; depois a idolatria de Salomão, o cisma que dividiu e enfraqueceu Israel; depois que o helenismo foi aceito, e aliás bem acolhido e introduzido pelos judeus indignos, no tempo de Antíoco Epifanio, vieram as nossas atuais desventuras espirituais. económicas e de nacionalidade. Eu vos lembro Nadab e Abiud, falsos servos de Deus, que foram feridos por Javé. Eu vos lembro que não era santo o maná colhido ao sábado. Eu vos lembro Cam e Absalão. Eu vos lembro o pecado de Davi contra Urias e o de Absalão contra Amnon. Eu vos lembro o fim de Absalão e o de Amnon. Eu vos lembro a sorte do ladrão Heliodoro e Simão e Menelau. Eu vos lembro o fim ignóbil dos dois falsos reitores que deram testemunho mentiroso contra Susana. E Eu poderia continuar sem encontrar fim aos exem-132 3 plos. 3 Mas voltemos aos Macabeus."E purificaram o Templo".Não basta dizer: "Destruo". É preciso dizer: "Purifico". Eu vos disse como se purifica o homem: com um arrependimento humilde e sincero. Não há pecado que Deus não perdoe, se o pecador estiver realmente arrependido. Tende fé na Bondade divina. Se vós pudésseis chegar a compreender o que é esta Bondade, ainda que estivessem sobre vós todos os pecados do mundo, não fugiríeis de Deus, ao contrário, iríeis prostrar-vos a seus pés, porque só o que é sumamente Bom pode perdoar o que o homem não perdoa."E ergueram um outro altar".Oh! Não tenteis enganar o Senhor. Não sejais falsos em vosso modo de agir. Não mistureis Deus e Mamon. Teríeis um altar vazio: o de338

Deus. Porque é inútil erguer um altar novo, se ainda permanecem os restos do outro: Ou Deus, ou o ídolo. Escolhei."E acenderam o fogo com a pedra e a isca". Pedra é a vontade firme de ser de Deus. Isca é o desejo de anular, com todo o resto da vida, até a lembrança do vosso pecado do coração de Deus. Eis então que se suscita o fogo: o amor. Porque o filho que procura reconfortar o pai ofendido, com uma vida toda honrada, que é que tem que fazer, a não ser amar ao pai, querendo vê-lo alegre com seu filho, que causou suas lágrimas, e que agora lhe causa alegrias? Agora, chegados a este ponto, podeis oferecer sacrifícios, queimar os incensos, colocar as lâmpadas e os pães. Não serão malvistos por Deus os vossos sacrifícios, e agradáveis lhe serão vossas orações, verdadeiramente iluminado estará o altar, rico do alimento da vossa l oferta diária. Podereis rezar, dizendo: "Sê para nós protetor", porque Ele será vosso amigo.Mas a sua misericórdia não ficou esperando que vós pedísseis piedade. Ela antecipou-se ao vosso desejo. E vos mandou a Misericórdia ara dizer-vos: "Esperai. Eu vo-lo digo: Deus vos perdoa. Vinde ao Senhor". Um altar já está entre vós: o novo altar. Dele brotam rios de luz e de perdão. Como um óleo se espalham, medicam, fortalecem. rede na Palavra que dele vem. Chorai Comigo sobre os vossos pecados. Como o levita que dirige o coro, Eu dirijo as vossas vozes a Deus, não será repetido o vosso gemido, se estiver unido à minha voz. convosco me aniquilo, Irmão dos homens pela carne, Filho do Pai elo espírito, e digo por vós e convosco: "Deste profundo abismo onde Eu-Humanidade caí, grito a Ti, Senhor. Escuta a voz de quem oIha para si e suspira, e não feches os teus ouvidos às minhas palavras. Ver-me é um horror, ó Deus. Eu sou um horror também aos meus olhos! E que é que serei aos teus olhos? Não olhes para as minhas culpas, ó Senhor,

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porque senão eu não poderei resistir diante de i, mas usa para comigo de tua misericórdia. Tu o disseste: 'Eu sou Misericórdia'. E eu creio em tua palavra. Minha alma, ferida e abatida, confia em Ti e em tua promessa, e da aurora à noite, da juventude velhice eu esperarei em Ti".4 Culpado de homicídio e de adultério, reprovado por Deus, Davi 132.4 4obtém perdão, depois de ter gritado ao Senhor: "Tem piedade, não lar consideração a mim, mas para honra de tua misericórdia, que é infinita. E por ela cancela o meu pecado. Não existe água que possa lavar o meu coração, se não for apanhada nas águas profundas da lula santa bondade. Lava-me com ela da minha iniquidade e purifica339

me da minha sujeira. Não nego que pequei. Ao contrário, eu confesso o meu delito e, como um testemunho de acusação, minha culpa está sempre diante de mim. Ofendi o homem no próximo e em mim mesmo, mas eu me arrepelado, particularmente, por haver pecado contra, Ti. E que isto te diga que reconheço que Tu és justo em tuas palavras, e temo o teu juízo, que triunfa sobre todos os poderes humanos. Mas considera, ó Eterno, que na culpa eu nasci, e que era uma pecador; que me concebeu e que, no entanto, Tu tanto me amaste, que chego te a revelar-me a tua sabedoria e a dá-la a mim, por mestra para, compreender os mistérios das tuas sublimes verdades. E se tanto fizeste, deverei temer a Ti? Não. Não temo. Asperge-me com o ama da dor e ficarei purificado. Lava-me com o pranto e tornar-me-ei como a neve dos Alpes. Faz me ouvir a tua voz e o teu servo humilhado exultará, porque a tua voz é alegria e regozijo, mesmo quando censura. Volta o teu rosto para os meus pecados. Teu olhar cancelará as minhas iniquidades. O coração que me deste foi-me profanado por Satanás e pela minha fraca humanidade. Cria-me um coração nó que seja puro, detrói o que é corrupção nas entranhas do teu se para que reine nele só um espírito reto. Mas não me expulses de tua presença e não me negues a tua amizade, porque só a salvação que de Ti vem, é que é alegria para a minha alma, e o teu espírito soberana" um conforto para o humilhado. Faz que eu me transforme naquele, que vá entre os homens, dizendo: 'Vede quanto é bom o Senhor. Ai, dai pelos seus caminhos e sereis abençoados como eu sou, eu. aborto de homem e que agora me torno filho de Deus, pela graça que renasce em mim'. E a Ti se converterão os ímpios. O sangue e a carne fervem e gritam em mim. Livra-me deles, ó Senhor, salvação da minha alma, e eu cantarei os teus louvares. Eu não sabia. Mas age. compreendo. Não é um sacrifício de carneiros o que Tu queres, mas o holocausto de um coração contrito. Um coração contrito e humilhado te é mais agradável do que carneiros, porque Tu para Ti nos criaste e queres que disto nos lembremos e demos a Ti o que é teu. Sê benigno para comigo, pela tua grande bondade e reedifica a minha e tua Jerusalém: aquela de um espírito purificado e perdoado, sobre o qual possa ser oferecido o sacrifício, a oblação e o holocausto pelo pecado, para ação de graças e para o louvor. E que cada meu novo dia seja uma hóstia de santidade consumada sobre o teu altar, para subir o odor do meu amor até Ti". 132. 5 5 Vinde! Vamos ao Senhor. Eu adiante, vós atrás. Vamos às ás da salvação, vamos às santas pastagens, vamos às terras de Deus I 340

quecei-vos do passado. Sorride para o futuro. Não penseis na lama, mas olhai para as estrelas. Não digais: "Eu sou escuridão"; dizei: "Deus é Luz". Eu vim para anunciar-vos a paz, para dizer aos mansos a Boa Nova, para curar os que têm o coração quebrantado por tantas coisas, para pregar a liberdade a todos os escravos, primeiros entre todos, os de Mamon, para libertar os prisioneiros de suas concupiscências.Eu vos digo: o ano da graça chegou. Não choreis, vós tristes, com a tristeza de quem se sente pecador, não derrameis lágrimas, como exilados do Reino de Deus. Eu substituo as cinzas pelo ouro, as lágrimas pelo óleo. Eu vos visto para a festa, a fim de apresentar-vos ao Senhor e dizer: "Eis as ovelhazinhas que Tu me mandaste procurar. Eu as visitei e reuni, as contei, procurei as dispersas, e trouxe-as a Ti, afastando-as das nuvens e da escuridão. Eu as apanhei por entre todos os povos e as reuni de todas as regiões, para conduzi-las à Terra, não mais a terra que para elas Tu preparaste, ó Pai santo, para levá-las aos cumes paradisíacos dos teus montes férteis, onde tudo é

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luz e beleza, ao longo dos rios das beatitudes celestes, onde se saciam de Ti os espíritos por Ti amados. Fui à procura também das feridas, curei as machucadas, restaurei as fracas, não me descuidei de uma só delas. E a mais dilacerada pelos ávidos lobos da sensualidade, Eu a coloquei sobre os meus ombros, como um jugo de amor, e a pouso aos teus pés, Pai benigno e santo, porque ela não pode mais caminhar, não sabe as tuas palavras, é uma pobre alma perseguida pelos remorsos e pelos homens, é um espírito que lamenta e treme, é como uma onda empurrada e rechaçada pelo vagalhão da praia. Vem com o desejo, mas sente-se repetida pelo conhecimento de si... Abre-lhe o teu seio, ó Pai, que és todo amor, para que nele encontre paz esta criatura extraviada. Diz-lhe: 'Vem'. Diz-lhe: 'És minha'. Ela foi de todo mundo, mas agora tem náusea e medo. Ela diz: 'Cada patrão é um valentão sujo'. Faz que ela possa dizer: 'Este meu Rei deu-me a alegria de ser conquistada!'. Não sabe o que é o amor. Mas se Tu a acolhes, saberá o que é este amor celeste, que é o amor nupcial entre Deus e o espírito humano e, como um pássaro livre da gaiola dos malvados, subirá, subirá sempre mais para o alto, até chegar a Ti, ao Céu, à alegria, à glória, cantando: 'Encontrei Aquele que procurava. Não tem outro desejo o meu coração. Em Ti me pouso e jubilo, Senhor eterno, pelos séculos dos séculos, feliz!"'.Ide. Com um espírito novo, celebrei a festa da Purificação. E que a luz de Deus se acenda em vós".341

Jesus tornou-se arrebatador no encerramento do seu discurso. Um rosto luminoso com olhos resplandecentes, um sorriso e uns tons de uma doçura ainda não conhecida.O povo parece estar fascinado e não se move dali, enquanto Ele não repete: "Ide. A paz esteja connosco". Então começa a partida dos peregrines, que vão conversando baixo entre eles. 132. 6 6 A mulher velada se vai, rápida como sempre, com seus passas ágeis e levemente ondulantes. Ela parece ter asas, por causa do vento que lhe estufa o manto nas costas."Agora vou ficar sabendo se ela é de Israel", diz Pedro."Por que?"."Porque, se está aqui, é sinal de que..."."...é uma pobre mulher sem casa própria. Nada mais, lembra-te disso, Pedro".Jesus toma o caminho que vai para a cidade."Sim, Mestre. Eu me lembrarei... E nós, que faremos, agora que todos estarão em suas casas para a festa?"."Nossas mulheres acenderão as lâmpadas para nós"."Isto me desagrada... É o primeiro ano que não as vejo acender em minha casa, ou que eu não as acendo..."."Tu és um velho menino! Nós também acenderemos as lâmpadas. Assim não farás mais essa cara amuada. E tu mesmo é quem as acenderá"."Eu? Eu não, Senhor. Tu és o Chefe da nossa família. Compete Ti"."Eu sou sempre uma lâmpada acesa... e gostaria que vós também132. 7 fôsseis. Eu sou a Encênia sempiterna, Pedro. 7 Sabes tu que Eu nasci exatamente a vinte e cinco de Casleu?"."Quem sabe quantas lâmpadas, heim?", pergunta Pedro, admira do."Nem se podiam contar... Eram todas as estrelas do céu..."."Não! Não te fizeram festa em Nazaré?"."Eu não nasci em Nazaré. Mas no meio de uns escombros em Belém. Vejo que João soube ficar calado. É muito obediente o João"."E não é curioso. Mas eu... eu sou tanto! Queres contar-me? Conta ao teu pobre Simão. Senão, como faço para falar de Ti? Algumas vezes o povo pergunta e eu nunca sei o que dizer... Os outros sabem se sair, quero dizer, os teus irmãos e Simão, Bartolomeu e Judas clã Simão. E... sim, até o Tomé sabe falar... parece um leiloeiro da feira.. e que está vendendo uma mercadoria. Mas consegue falar... Mateus... 342

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ele vai bem! Usa a antiga sabedoria, com que depenava os fregueses em sua banca de gabelas, para forçar os outros a dizerem: "Tens razão". Mas eu!... Pobre Simão de Jonas! Que é que os peixes te ensinaram? Que é que o lago te ensinou? Duas coisas... Mas para nada servem: os peixes a te calares e a seres constante. Eles, constantes em escapar da rede, eu constante em colocá-los nela. E o lago a teres coragem e olhos atentos a tudo. E o barco? A esfalfar-me, sem poupar nenhum músculo, e a ficar em pé, mesmo quando as ondas estão agitadas e se corre o risco de cair. Olhos na estrela polar, mão firme no leme, força, coragem, constância, atenção, eis o que me ensinou a minha pobre vida...".Jesus lhe pausa a mão sobre o ombro e o sacode, olhando-o com afeto e admiração, verdadeira admiração, por tanta simplicidade, e diz: "E parece-te pouco, Simão Pedro? Tens tudo o que é preciso, para seres a minha "pedra". Nada há a pôr, nada a tirar. Serás o eterno marinheiro, Simão. E a quem vier depois de ti, tu dirás: "Olhos na estrela polar: Jesus. Mão firme no leme, força, coragem, constância, atenção, afadigar-se sem poupar-se, ter os olhos atentos a tudo, e saber estar em pé, mesmo sobre ondas agitadas...". E, quanto ao silêncio... nada disso... os peixes não te ensinaram nada!"."Mas para aquilo que deveria saber dizer, sou mais mudo do que um peixe. As outras palavras?... Até as galinhas sabem tagarelar, como eu faço... Mas. diz a mim, meu Mestre. Vais dar um filho também a mim? Nós estamos velhos... Mas Tu disseste que o Batista nasceu de uma velha... Agora Tu disseste: "E a quem vier depois de ti, tu dirás...". Quem é que vem depois de um homem, senão quem foi gerado por ele?". Pedro está com um semblante de quem pede e tem esperança."Não, Pedro. E não fiques sentido por isso. Estás mesmo te parecendo com o teu lago, quando o sol está escondido por uma nuvem. De sorridente, tornou-se escuro. Não, meu Pedro. Mas não um e sim, mil, dez mil filhos terás, e em todas as nações... Não te lembras de que Eu te disse: "Serás pescador de homens"?"."Oh! Sim... mas... Teria sido tão doce ouvir um menino que me chamasse de "pai" ! "."Terás tantos que nem os poderás contar. E a eles dará a vida eterna. E os reencontrarás no Céu, e os levarás a Mim, dizendo: "São os filhos do teu Pedro, e quero que estejam onde eu estou", e Eu te direi: "Sim, Pedro, seja como tu queres. Porque tudo fizeste por Mim e Eu tudo faço por ti"". Jesus é muito doce ao dizer estas promessas.343

Pedro engole a saliva entre o pranto, por causa de sua esperança que morreu de ter uma paternidade terrena e o outro pranto de um êxtase que se anuncia. "Oh! Senhor!", diz. "Mas para dar a vida eterna é necessário persuadir as almas para o bem. E... voltamos sempre ao mesmo ponto: eu não sei falar"."Saberás falar, quando chegar a hora, melhor do que Gamaliel"."Quero crer... Mas, faz Tu este milagre, porque, se eu tiver que chegar a isso por mim... ".Jesus ri, com o seu riso tranquilo e diz: "Hoje sou todo teu. Vamos para o povoado. Vamos à casa daquela viúva. Tenho um óbolo secreto. É um anel para vender. Sabes como o consegui? Uma pedra veio bater em meus pés, enquanto estava rezando debaixo deste salgueiro. Na pedra estava amarrado um embrulhinho com uma pequena tira de pergaminho. Dentro do pacotinho estava o anel. E no papel estava escrita a palavra "caridade""."Deixas-me ver? Oh! Que bonito! É de mulher. E que dedo pequeno! Mas quanto metal!..."."Agora tu o venderás. Eu não sei fazer isso. O hospedeiro compra ouro. Estou sabendo. Eu te espero junto ao forno. Vai, Pedro"."Mas... e se não souber fazer? Eu, lidar com ouro... De ouro eu não entendo! "."Faz de conta que é pão para quem está com fome. E faz o negócio do melhor modo que puderes. Adeus".E Pedro vai para a direita, enquanto Jesus, mais lentamente, vai para a esquerda, em direção ao povoado, que já está aparecendo a uma certa distancia, por detrás de um pequeno bosque, que está além da casa do feitor.

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133. O trabalho escondido de André. Uma carta da Mãe a Jesus, que deve deixar Águas Belas.18 de março de 1945.

133. 1 1 Em Águas Belas não há mais peregrinas. E parece estranho vê-laassim, sem os bivaques dos que aí paravam por uma noite, ou pelo menos para comerem a sua refeição na eira ou sob o telheiro. Hoje não há senão uma limpeza e ordem, sem nenhum daqueles sinais que uma grande aglomeração de gente costuma deixar atrás de si.Os discípulos ocupam o seu tempo em trabalhos manuais. uns344

traçando vime para fazerem novas armadilhas para os peixes, outros trabalhando ao redor de pequenas trabalhos de desaterros e de canalização das águas dos telhados, para que não empocem na eira. Jesus está em pé no meio de um prado, esmigalhando pão para os passarinhos. A perder de vista, não há alma viva, não obstante o dia esteja sereno.André vai em direção a Jesus, de volta de alguma incumbência: "A paz esteja Contigo, Mestre"."E contigo, André. Vem aqui um pouco Comigo. Tu podes ficar perto dos passarinhas. És como eles. Mas estás vendo? Quando eles sabem que quem se aproxima deles os ama, não temem mais. Olha como estão confiantes, seguros, alegres. Antes eles estavam quase aos meus pés. Agora tu estás aqui e eles estão alerta... Mas olha, olha... Eis aquele pássaro mais corajoso que vem à frente. Compreendeu que não há nenhum perigo. E atrás dele vêm os outros. Vê como eles se saciam? Não é assim conosco, filhos do Pai? Ele nos sacia com seu amor. E, quando estamos certos de que somos amados e convidados a ser seus amigos, por que temer a Ele e a nós? Sua amizade deve dar-nos coragem até junto aos homens. Acredita: só quem leva uma vida má é que deve ter medo do seu semelhante. Não um justo, como és tu".André está corado e não fala.Jesus o atrai para si e diz sorrindo: "Seria preciso unir a ti e Simão, em um mesmo filtro, dissolver-vos e depois reformar-vos. Seríeis perfeitos. Contudo... Se te dissesse que, tão diferente no princípio, serás perfeitamente igual a Pedro, ao fim da tua missão, acreditarias?"."Se Tu o dizes, é certo. Nem me pergunto como é que isso possa ser. Porque tudo o que Tu dizes é verdade. E ficarei contente por ser como o Simão, meu irmão, porque ele é um justo e te faz feliz. Como é disposto o Simão! Eu fico contente por ser ele assim, disposto, corajoso e forte. Mas os outros também!..."."E tu, não?"."Oh! Eu!... Só Tu podes estar contente comigo...""E perceber que tu trabalhas sem barulho e mais profundamente que os outros. 2Porque entre os doze há quem faz tanto barulho 133.2quanto o trabalho que faz. Há quem faz muito mais barulho do que o trabalho que faz, e há quem não faz outra coisa a não ser o trabalho. Um trabalho humilde, ativo, ignorado... Os outros podem pensar que esse não faça nada. Mas Aquele que vê, sabe. Estas diferenças existem porque ainda não sois perfeitos. E elas existirão sem345

pre entre os futuros discípulos, entre aqueles que virão depois de vós, até o momento em que o anjo dirá, com voz de trovão: "Não há mais tempo". Sempre haverá ministros de Cristo que serão iguais no trabalho e no atrair sobre si os olhares do mundo: os mestres. E haverá, infelizmente, os que farão só barulho e gostos exteriores, somente exteriores, os falsos pastores com poses histriônicas... Sacerdotes? Não: mimos. Nada mais do que isso. Não é o gesto que faz o sacerdote, nem é a sua veste. Não é a sua cultura mundana, nem as relações mundanas com os poderosos, que o fazem sacerdote. É a sua alma. Uma alma tão grande, que faça anular a carne. Há de ser todo espiritual o meu sacerdote... Assim Eu o sonho. Assim serão os meus santos sacerdotes. O espírito não tem voz

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nem pose de tragicomediante. Ele é inconsistente, porque é espiritual, e, por isso, não pode usar peplos nem máscaras. Ele é o que é: espírito, chama, luz, amor. Fala aos espíritos. Fala com a castidade em seus olhares, em seus atos, em suas palavras e em suas obras. O homem olha. E vê um seu semelhante. Mas além da carne, e acima dela, que é que ele vê? Alguma coisa que o faz deter o seu andar apressado, meditar e concluir: "Este homem, semelhante a mim, de homem só tem a aparência. Sua alma é de um anjo". E se é um descrente, conclui ainda: "Por ele eu creio que existe um Deus e um Céu". E se for um luxurioso, dirá: "Este meu semelhante tem seus olhos no Céu. Freio minha sensualidade, para não profaná-los". E se for um avarento, ele decide: "Pelo exemplo deste, que não é apegado às riquezas, eu vou deixar de ser um avarento". E se for um iracundo, um feroz, diante do manso, ele se transformará em um ser mais pacato. Tudo isso pode fazer um sacerdote santo. E, podes crer, sempre haverá, entre os sacerdotes santos, aqueles que saberão até morrer por amor de Deus e do próximo, e saberão fazer isso com simplicidade, depois de se terem exercitado na perfeição a vida inteira, e com a mesma modéstia, de tal modo que o mundo nem se aperceberá deles. Mas se o mundo todo não se vai transformar em um lupanar e numa idolatria, será por estes: os heróis do silêncio e da atividade fiel. E terão o teu sorriso: puro e tímido. Porque sempre haverá Andrés. Por graça de Deus e para felicidade do mundo haverão! " ."Eu não pensava em merecer estas palavras... Nem havia feito nada para suscitá-las..."."Tu me ajudaste a atrair para Deus um coração. E é o segundo que tu conduzes para a Luz"."Oh! Por que falou? Ele me havia prometido...". 346

"Ninguém falou. Mas Eu sei. Quando os companheiros, cansados, descansam, há três que não dormem em Águas Belas. O apóstolo do amor silencioso e ativo para com os irmãos Secadores. A criatura cuja alma a estimula para a salvação. E o Salvador, que reza e vigia, e espera... A minha esperança: que uma alma encontre a sua salvação... Obrigado, André. Continua e sê bendito por isso"."Oh! Mestre!... Mas não digas nada aos outros... Falando a uma leprosa, de um para outra em uma praia deserta, e falando aqui a alguém cujo rosto não vejo, eu ainda sei fazer um pouquinho. Mas se os outros souberem disso, Simão principalmente, e quiser ir... eu não sei fazer mais nada... Não vás nem Tu... Porque de falar na tua frente eu me envergonho"."Eu não irei. Jesus não irá. Mas o Espírito de Deus sempre esteve contigo. Vamos para casa. Estão nos chamando para a refeição".E tudo termina entre Jesus e o manso discípulo.3 Ainda estão comendo e já acenderam as lâmpadas, porque a lar- 133.3 de desce rapidamente e também o vento norte aconselha a conservar fechada a porta, quando bate-se à porta e a voz alegre de João se faz ouvir."Bem-vindos! "."Fizestes logo o negócio!..."."Então, como foi?"." Quantas coisas trouxestes ! ... " .Todos falam ao mesmo tempo, à medida que vão ajudando aos três a se livrarem dos pesados sacos que têm nos ombros."Devagar! " ."Deixai-nos saudar o Mestre!..."."Mas um momento!".Há um tumulto alegre, familiar, pela alegria de estarem juntos."Eu vos saúdo, amigos. Deus vos deu dias serenos"."Sim, Mestre. Mas as notícias não são serenas. Eu o previa", diz o Iscariotes."Que está havendo? Que é? Despertou-me a curiosidade"."Fazei que primeiro comam alguma coisa", diz Jesus."Não, Mestre. Antes te entregamos o que temos para Ti e para os outros. E primeiro... João, entrega a carta!"

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"Ela está com Simão. Eu tive medo de amassá-la no transporte".O Zelote, que esteve até agora discutindo com o Tomé, que lhe queria despejar água sobre os pés cansados, acorre dizendo: "Ela está aqui comigo na bolsa da cinta" e abre o lado interno da sua alta cinta347

de couro vermelho, tirando dela um rolo, já tornado achatado."É de tua Mãe. Quando estávamos perto de Betania, encontramos Jônatas que ia ter com o Lázaro com a carta e muitas outras coisas. O Jônatas vai a Jerusalém, porque Cusa está pondo em ordem o seu palácio... Talvez Herodes vá a Tiberíades... e Cusa não quer que sua mulher fique perto de Herodíades", explica o Iscariotes, enquanto Jesus desata os nós do rolo e o desenrola. Os apóstolos cochicham, enquanto Jesus, com um sorriso feliz, lê as palavras da Mãe. 133.4 "Ouvi", diz Ele depois. "Há também alguma coisa para os galileus. Minha Mãe escreve: "A Jesus, meu doce Filho e Senhor, paz e bênção. O Jônatas, servo de seu Senhor, trouxe-me uns presentes gentis da parte de Joana, que pede bênçaos ao seu Salvador sobre ela, o esposo e toda a sua casa. O Jônatas me diz que ele, por ordem de Cusa, vai a Jerusalém para reabrir o palácio de Sião. Eu bendigo a Deus por isso, porque posso assim fazer que tenhas minhas palavras e minhas bên,cãos. Também a Maria do Alfeu e Salomé mandam aos filhos bei jos e bênçõos. E, visto que Jônatas foi bom além da medida, vão também saudações da mulher de Pedro ao marido distante, e também os familiares de Filipe e Natanael mandam as suas. Todas as vossas mulheres, ó queridos homens distantes, com a agulha e com o tear, com o trabalho da horta, vos mandam vestes para estes meses de inverno e doce mel, recomendando-vos que o tomeis com água bem quente, nas tardes úmidas. Tomais cuidado. Isto é o que as mães e esposas me mandam que eu vos diga e eu o digo. E também ao meu Filho. Não nos sacrificamos por nada, crede-o. Alegrai-vos com os humildes presentes que nós, discípulas dos discípulos de Cristo, damos aos servos do Senhor, e somente dai-nos a alegria de sabermos que estais com saúde. Agora, meu amado Filho, eu penso que há quase um ano que Tu não és mais todo meu. E parece-me ter voltado ao tempo no qual sabia que Tu já estavas aqui, porque sentia o teu pequeno coração na ter no meu ventre, mas podia também dizer que ainda não estavas aqui, porque estavas separado de mim por uma barreira que me impedia de acariciar o teu querido corpo e eu só podia adorar o teu espírito, o meu caro Filho e adorável Deus. Agora também sei que Tu estás aqui e que o teu coração bate com o meu, nunca separado de mim ainda que separado, mas não te posso acariciar, ouvir, servir, venerar, ó Messias do Senhor e da sua pobre serva. 348

Joana queria que eu fosse até ela, para não ficar sozinha na festa das Luzes. Mas eu preferi permanecer aqui, com a Maria, para acender as lâmpadas. Por mim e por Ti. Mas se fosse até a maior rainha da terra e pudesse acender mil ou dez mil lâmpadas, estaria no escuro, porque Tu nao estás aqui. Enquanto que estava na perfeita luz naquela escura gruta, quando eu te tinha sobre o coração, minha Luz e Luz do mundo. Será a primeira vez que eu digo a mim mesma: 'O meu Menino hoje tem um ano a mais' e não tenho o meu Menino. E será este mais triste do que o teu primeiro aniversário em Matarea. Mas Tu cumpres a tua missão e eu a minha. E nós dois fazemos a vontade do Pai e trabalhamos para a glória de Deus. Isto enxuga todas as lágrimas.Querido Filho, compreendo tudo o que fazes, por tudo o que me foi dito. Como as ondas de um mar aberto levam a voz do alto mar até dentro de um golfo solitário e fechado, assim o eco do teu santo trabalho pela glória do Senhor, chega até a nossa sossegada casinha, à tua Mãe, que com isso, jubila e treme, porque se todos falam de Ti, nem todos falam com o mesmo coração. Amigos e beneficiados vêm dizer-me: 'Bendito seja o Filho do teu ventre', e vêm inimigos teus ferir o meu coração, dizendo: 'Maldito seja Ele!'. Mas por estes eu rezo porque são uns infelizes, mais ainda do que os pagãos, que vêm perguntar-me: 'Onde está o mago, o divino?' e não sabem que estão dizendo uma grande verdade em seu erro, porque verdadeiramente Tu és sacerdote e grande, como na língua antiga aquela palavra queria dizer, e divino Tu és, ó meu Jesus. E eu os envio a Ti, dizendo: 'Ele

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está em Betania'. Porque assim eu sei que devo dizer, enquanto não ordenares de outro modo. E rezo por estes que vêm procurar saúde para o que morre, a fim de que encontrem saúde para o espírito eterno. E por isso eu te peço. Não fiques aflito com a minha dor. Ela é compensada pela grande alegria, pelas palavras dos que ficaram curados de alma e corpo.Mas Maria teve com isso, e ainda tem, uma dor mais forte que a minha. E não é somente a mim que falam. O José do Alfeu quer que saibas que ele, em uma recente viagem de negócios a Jerusalém, foi detido e ameaçado por causa de Ti. Eram homens do Grande conselho. Penso que ele lhes foi indicado por algum dos grandes daqui. Porque, senão, quem poderia conhecer o José como chefe de família e teu irmão? Eu te digo isto por obediência de mulher. Mas eu queria dizer-te isto: queria estar perto de Ti. Para dar-te conforto. Mas depois, age Tu, ó Sabedoria do Pai, sem levar em conta o meu pranto.349

Simão, teu irmão, estava quase para ir, depois desse fato. E comigo. Mas a estação do ano o deteve e também o receio de não te encontrar, porque nos disseram, e como uma ameaça, que Tu, onde estás, não pode ficar. Filho! Meu Filho! Adorado e santo Filho meu! Eu estou com os braços levantados, como Moisés sobre o monte, para rezar por Ti, que estás em batalha contra os inimigos de Deus e inimigos teus, meu Jesus, a quem o mundo não ama. Aqui morreu a Lia do Isaque. Eu senti com isso, porque ela sempre foi para mim uma boa amiga. Mas minha pena maior és Tu, que estás longe e não és amado. Eu te abençoo, meu Filho, e como eu te desejo paz e bênção, peço te que as desejes para a tua Mãe" ". 133 5 5 "Foram até àquela casa esses sem-vergonhas!", grita Pedro.E Judas Tadeu exclama: "O José... ele bem podia ter guardado para si aquela notícia. Mas... não via a hora de podê-la dar! "."Voz de hiena não espanta os vivos", sentencia Filipe."O mal é que não são hienas, são tigres. Eles procuram presas vivas", diz o Iscariotes. E virando-se para o Zelote: "Diz tu tudo o que ficamos sabendo"."Sim, Mestre. Judas tinha razão de temer. Nós fomos ter com José de Arimatéia e com Lázaro. E ali estivemos como sinceros amigos teus. Depois, eu e Judas, como se eu fosse amigo dele de infância, fomos a alguns amigos dele de Sião... E... José e Lázaro te dizem que venhas embora logo, durante estas festas. Não insistas, Mestre. É para o teu bem. Os amigos de Judas depois disseram: "Olha que já está decidido que vão surpreendê-lo para o acusarem. Justamente nesses dias de festa, porque o povo está ausente. Que Ele se retire por algum tempo. Para despistar estas víboras. A morte de Doras atiçou o veneno deles e também o seu medo. Porque eles têm medo além de ódio. E o medo os faz ver o que não existe, enquanto que o ódio os faz dizer até mentiras""."Tudo, mas tudo mesmo, sabem sobre nós! É uma coisa odiosa! E tudo eles alteram. Tudo exageram. E quando lhes parece que não há ainda bastante para maldizer, inventam. Eu estou enojado e cansado. Dá-me vontade de ir-me embora... não sei... para longe. Para fora deste Israel, que é todo um pecado...". O Iscariotes está abatido."Judas, Judas! Uma mulher, para dar ao mundo um homem, trabalha nove luas. E tu, para dar ao mundo o conhecimento de Deus, quererias ir mais depressa? Não nove luas. Mas milênios de luas serão.350

necessários. E como a lua nasce e morre em cada lunação, aparecendo para nós recém-nascida, depois cheia e depois minguante, assim será sempre no mundo, enquanto ela existir, haverá fases crescentes, cheias e minguantes de religião. Mas, mesmo quando parecer estar morta, ela estará viva, assim como a lua, que continua a existir, mesmo quando parecia que tinha se acabado. E quem tiver trabalhado para esta religião, terá por isso um mérito total, ainda que fique só uma pequena minoria de almas fiéis sobre a terra. Vamos, Vamos! Nada de entusiasmos fáceis nos triunfos, nem depressões fáceis nas derrotas"."Contudo... sai daqui. Nós não estamos fortes ainda. E sentimos que, diante do Sinédrio teríamos

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medo. Eu pelo menos... Os outros não sei... Mas creio que é imprudência qualquer tentativa. Não temos o coração dos três jovens da corte de Nabucodonosor"."Sim, Mestre. E melhor"."É prudente"."Judas tem razão"."Vê que até tua Mãe e teus parentes..."."E Lázaro e José"."Vamos fazê-los vir por nada".Jesus abre os braços e diz: "Faça-se como desejais. Mas depois voltaremos aqui. Vós estais vendo quantos vêm. Eu não forço, nemtento vossa alma. De lato, não a sinto pronta... Mas vamos ver os ~~ 6 trabalhos das mulheres".Porém, enquanto todos, com olhos risonhos e vozes de alegria, vão tirando dos alforjes os pacotes com as vestes, as sandálias e os mantimentos mandados pelas mães e pelas esposas, e procuram que Jesus se interesse em admirar tanta graça de Deus, Ele se mostra triste e distraído. Lê e relê a carta materna. Encantoando-se, com uma pequena candeia na parte mais distante da mesa, sobre a qual estão as vestes, maçãs, pequenos vasos de metal e queijos, e fazendo com a mão um anteparo para os olhos, parece meditar. Mas está sofrendo."Olha aqui, Mestre, a minha esposa, pobrezinha, que veste bonita e que manto com capuz fez para mim. Quem sabe quanto ela teve que trabalhar, porque não é perita como a tua Mãe", diz Pedro, que exulta, com os braços carregados de seus tesouros."Bonitos, sim, bonitos. É uma mulher muito habilidosa", diz cortesmente Jesus. Mas com os olhos longe das coisas mostradas."Para nós a mãe fez duas vestes de tecido duplo. Pobre mãe! Parecem-te bonitas, Jesus? São de uma bela cor, não é verdade?", Zebedeu351

“Muito bonitas, Tiago. Vão ficar-lhes muito bem.”“olha, aposto que estas cintas foram feitas por tua Mãe. E Ela que borda assim. E também este véu duplo para servir de anteparo contra o sol, eu digo que foi feito por Maria. E igual ao teu. A vete não. E certo que foi nossa mãe que a teceu. Pobre mãe! Depois de tanto chorar, durante o verão, esta enxergando pouco, e muitas vezes, se lhe arrebenta o fio. Coitada!” E Judas de Alfeu beija a pesada veste, de um vermelho marrom.133.7 7 “Não estas alegre, Mestre”Observa finalmente Bartolomeu.“Não lhas nem para as coisas que te foram mandadas.”“Não pode se-lo” rebate Simão Zelote.“Estou pensando... Mas … Refazei os pacotes. Colocai tudo em seus lugares. Não è hora de sermos apanhados e não o seremos. Hoje, em alta noite, ao luar, iremos para Doco. Depois para Betania.”“Por que para Doco?”“Porque lá há uma mujer que esta a morte e esperando de Mim a cura.”“Não vamos passar pelo feitor?”“Não, André. Por ninguém. Assim ninguém precisa mentir, dizendo que não sabe onde estamos. Se a vos o que importa è não serdes perseguidos, a Mim o que importa è não causar aborrecimentos a Lázaro.”“Mas Lázaro te esta esperando.”“E nos estamos indo para a casa dele. Ou melhor … Simão , tu me hospedas na casa do teu antigo servo?”“Com alegria, Mestre. Tu já sabes tudo. Por isso posso te dizer por Lázaro, por mim, e por quem estiver nessa casa: essa casa è tua.” “Vamos. Andai depressa. Para estar em Betânia, antes do sábado.” E enquanto todos se espalham com candeias para fazerem tudo o que è necessário para a repentina partida, Jesus fica sozinho.

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Reentra André, vai até perto de Jesus e diz: “E aquela mulher?Tenho pena de deixá-lá,logo agora que parecia proxima a vir... E' prudente... Tu a viste ..”“Vai dizer-lhe que voltaremos depois de algum tempo e que durante esse tempo ela se lembre das tuas palavras...” “Das tuas palavras, Senhor. Eu disse somente as tuas.”“Vai. Vai logo. E toma cuidado para que ninguém te veja. Verdadeiramente, neste mundo de maus, devem tomar aparência de perversos aqueles que são inocentes...”Para mim, tudo cessa aqui, com esta grande verdade.352

134. A cura de Jerusa em Doco.

19 de março de 1945.[ ]1 Vejo: Jesus, na primeira luz de uma embruscada manhã de inver- 134.1 no, entra na pequena cidade de Doco e a um madrugador que vai passando, pergunta: "Onde é que mora a Mariana, a velha mãe danora que está à morte?"."Mariana? A viúva de Levi? A sogra da Jerusa, mulher do Josias?"."Ela mesma"."Olha, homem. No fim desta rua há uma praça, e no canto há uma fonte. Dali saem três estradas. Pega a que tem no centro uma palmeira e caminha ainda cem passes. Encontrarás um rego. Segue-o até à ponte de madeira. Atravessa-a e verás uma ruazinha coberta. Vai por ela. Quando acabar a rua e a coberta, porque desemboca em uma praça, terás chegado. A casa de Mariana tem uma cor de ouro, porque é velha. E com as despesas que eles têm, não a podem limpar. Não vás errar. Adeus. Estás vindo de longe?"."Não muito"."Mas és galileu?"."Sim"."E estes? Estão vindo para a festa?"."São meus amigos. Adeus, homem. A paz esteja contigo". Jesus deixa só o falador, que não tem mais pressa, e vai pelo seu caminho. E os apóstolos atrás.Chegam à... pracinha: uma área de terra muito barrenta, tendo no centro um alto carvalho, que aí cresceu como se fosse o dono e que, talvez no verão, oferece um bom abrigo. Por enquanto, ele só oferece melancolia, tão cerrado e escuro, mais alto que as pobres casas, não deixa que tomem luz e sol.A casa da Mariana é a mais pobrezinha. Larga e baixa, mas tão necessitada de cuidados! O portão está cheio de remendos colocados sobre as rachaduras de uma madeira já muito velha. Uma janelinha, que já nem tem mais batentes, mais parece um buraco preto, como se fosse a cavidade onde antes já existiu um olho.2 Jesus bate palmas junto ao portão. Vem uma menininha dos seus 134-2 dez anos, pálida, despenteada, com os olhos vermelhos. "És tu a netinha da Mariana? Vai dizer à vovó que Jesus está aqui".A menina dá um grito e sai correndo, chamando em alta voz. A353

velha vem correndo, seguida por seis crianças, além da mocinha de antes. O maior das crianças parece ser gémeo desta. Os últimos são dois pequerruchos que estão agarrados à saia da velha, descalçou magros e mal sabem caminhar suficientemente bem."Oh! Tu vieste! Filhos, venerai o Messias! Bem-vindos à minha;, pobre casa. Minha filha está à morte... Não choreis, crianças, pará que ela não ouça! Pobres criaturas! As meninas estão acabadas

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pelas vigílias, porque eu faço tudo. Mas fazer vigília não posso mais, piei caio no chão de tanto sono. São meses que não vejo cama. Agora durmo sentada numa cadeira, para estar perto dela e das meninas. Mas elas são pequenas e sofrem com isso. Os meninos vão buscar lenha para conservarmos o fogo aceso e vendem parte da lenha para cone prarmos pão. Também eles vão definhando, os coitados dos meus netos! Mas o que nos está matando não é a canseira mas o ficar vendo ; morrer... Não fiqueis chorando. Temos Jesus"."Sim, não choreis. A mamãe sarará, o papal vai voltar, não teríeis. mais tantas despesas, nem tanta fome. Estes são os dois últimos?"."Sim, Senhor. Esta pobre criatura deu à luz gémeos três vezes... ficou mal do peito"."A uns demais e a outros nada", resmunga Pedro, por entre a barba. Depois, pega um pequenino e lhe dá uma maçã, para fazê-lo calar-se.E enquanto o outro menino também lhe pede uma e Pedro o con-134 3 tenta, 3 Jesus vai com a velha além do átrio e sobe uma escada para entrar num quarto, onde está gemendo uma mulher jovem, mas esquelética."É o Messias, Jerusa. Agora não sofrerás mais. Estás vendo como Ele veio mesmo? Isaque nunca mente. Ele o disse. Crê, portanto, que assim como veio, te pode curar"."Sim, boa mãe. Sim, meu Senhor. Mas se não me podes curar, faz pelo menos que eu morra. Tenho os cães em meu peito. As bocas dos meus filhos às quais dei leite doce, me pagaram com fogo e amargor. Estou sofrendo tanto, Senhor! Estou dando tantas despesas! Meu marido está longe, por causa do nosso sustento. A velha mãe está se acabando. Eu estou morrendo... Com quem vão ficar os filhos, quando eu morrer, deste mal, e ela, de cansaço e privações?"."Dos pássaros Deus toma conta e também dos filhinhos do homem. Mas tu não morrerás. Sentes muita dor aqui?". Jesus faz um gesto como quem vai pousar a mão sobre o seio envolto em faixas."Não me toques! Não me aumentes a dor!", grita a doente. 354

Mas Jesus pousa delicadamente sua longa mão sobre a mama doente. "Realmente tem fogo por dentro, pobre Jerusa. O amor materno virou ou fogo em teu seio. Mas tu não tens ódio ao esposo e aos meninos, não é verdade?"."Oh! Por que deveria? Ele é bom e sempre me amou. Com sábio amor nos amamos e esse amor floresceu em filhos... E eles!... Angustio-me por ter que deixá-los, mas... Senhor! Mas o fogo está cessando! Mãe! Mãe! E como se um anjo estivesse soprando o ar do Céu sobre o meu tormento! Oh! que paz! Não tires, não tires a tua mão, meu Senhor. Ao contrário, aperta-a. Oh! que força, que alegria! Os meus fiIhos! Aqui os meus filhos! Eu os quero! Dina! Osias! Ana! Seba! Melqui! Davi! Judas! Aqui! Aqui! A mãe não vai mais morrer! Oh!...".A jovem se vira sobre as almofadas, chorando de alegria, enquanto acorrem os filhos 4 a velha, de joelhos, não sabendo em sua ale- 134.4 ária, fazer outra coisa, entoa o canto de Azarias na fornalha ardente e o diz todo com sua voz trémula por causa da velhice e da comoção."Oh! Senhor! Que é que te posso fazer? Não tenho nada com que dar-te honra!", diz por fim.Jesus a faz levantar-se e diz: "Deixa-me somente descansar do meu cansaço. E fica calada. O mundo não me ama. Eu devo ir-me embora por algum tempo. Eu te peço fidelidade a Deus e silêncio. Peço-o a ti, à esposa e aos pequemos"."Oh! Não tenhas medo! Ninguém vem à casa de quem é pobre! Podes ficar aqui sem medo de seres visto. Os fariseus, não? Mas... e para comermos? Eu só tenho um pouco de pão...".Jesus chama o Iscariotes: "Pega o dinheiro e vai comprar tudo o que é preciso. Comeremos e descansaremos juntos com estas boas pessoas. Ficaremos aqui até a tarde. Vai e cala-te".Depois Jesus se vira para a curada: "Tira as faixas, levanta-te, ajuda a tua mãe e jubila-te. Deus te concedeu graça, por ter piedade de tuas virtudes de esposa. Iremos partir o pão juntos, porque hoje o Senhor Altíssimo está em tua casa e é preciso celebrar este acontecimento com uma festa completa".E Jesus sai, alcançando Judas, que está para sair: "Comprarás com abundância. Que eles tenham

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também para os dias futuros. A nós não faltará nada em casa de Lázaro"."Sim, Mestre. E, se me permites... Tenho algum dinheiro meu. Fiz voto de oferecê-lo pela tua salvação das mãos dos teus inimigos. Eu o transformo em pães. É melhor dá-lo a estes irmãos em Deus, do que pô-lo nas goelas do Templo. Permites? O ouro para mim foi sempre 355

uma serpente. Não quero mais o seu fascínio. Porque me sinto tao bem, agora que sou bom. Sinto-me livre. E sou feliz". "Faz como quiseres, Judas. O Senhor te dê paz". Jesus vai ao encontro dos discípulos, enquanto Judas sai e tala, termina.

135. Chegada a Betânia e o discurso de Jesus ouvido por Madalena.

21 de março de 1945. 135.1 1 'Quando Jesus, tendo transposto a última subida, chega ao planalto, vê Betânia, toda risonha, sob os raios de um sol de dezembro, que torna menos triste o campo, agora sem plantações e menos escuro o verde dos ciprestes e dos carvalhos e das alfarrobas que surgem aqui e ali, e parecem cortesãos, prontos a se inclinarem diante de alguma palmeira de grande altura, verdadeiramente real e que se ergue solitária nos mais belos jardins. Porque Betânia não tem somente a bela casa de Lázaro. Tem também outras moradas de ricos, talvez cidadãos de Jerusalém, que preferem morar aqui, perto de suas propriedades e que, acima das cásinhas dos camponeses, fazem ressaltar as suas casas de campo, de amolas e belas construções, com jardins bem cuidados. Causa estranheza ver, num lugar cheio de colinas, ainda alguma palmeira, para fazer-nos lembrar do Oriente, com o seu tronco delgado e o seu topete duro e sussurrante das folhas, atrás de cujo verde jade, procura-se instintivamente o amarelo sem fim do deserto. Aqui, ao invés, vêem-se oliveiras verde-prateadas e campos arados, por ora desprovidos até do menor sinal de trigo, e esqueléticos pomares com os troncos escuros e as ramagens emaranhadas, como se fossem almas que se contorcem em uma tortura infernal. Ele vê logo também um servo de Lázaro colocado de sentinela. O servo o saúda profundamente e pede licença para ir levar a notícia de sua chegada ao patrão, e, tendo recebido a licença, vai sem demora Entrementes, camponeses e citadinos acorrem para saudar o Rabi e, de uma sebe de toureiros, que circunda com seu verde perfumado uma bela casa, aparece uma jovem mulher, que certamente não e israelita. O seu peplo ou, se é que estou bem lembrada dos nomes, a sua. estola (longa até chegar a fazer uma pequena cauda, ampla, de uma lã356

macia e muito branca, reavivada por uma orla bordada com galões de cores vivas, nas quais brilham fios de ouro, apertada na cintura por um cinto igual a orla) e também os arranjos de sua cabeça (uma pequena rede de ouro, que conserva em seu lugar um complicado penteado, todo com cachinhos na frente e atrás liso, terminando em uma grande madeixa acima da nuca) me faz pensar que ela seja grega ou romana. Olha curiosamente, porque levam-na a olhar, os gritos estridentes das mulheres e os hosanas dos homens. Depois, dá um sorriso desdenhoso, vendo que vão diretamente a um pobre homem, que não tem nem um burrinho para andar e que caminha no meio de um grupo de homens semelhantes a ele, todos ainda menos atraentes do que ele. Encolheu os ombros e, com um gesto de aborrecimento, afasta-se dali, seguida, como por uns cães, por um grupo de pernaltas multicores, entre as quais há umas íbis muito alvas e flamingos multicores, sem faltarem duas pernaltas, cor de fogo, com uma coroazinha tremulante sobre a cabeça que parece de prata, único ponto branco de sua esplêndida plumagem, que é toda como uma chama dourada.

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Jesus a olha por um momento, depois volta a escutar a um pobre velho que... gostaria de não ter aquela fraqueza que tem nas pernas. Jesus o acaricia e o exorta a... ter paciência, pois daqui a pouco, vem a primavera e com o belo sol de abril, ele se sentirá mais forte.2 Chega inesperadamente o Maximino, que vem alguns metros à 135.2 frente de Lázaro. "Mestre... o Simão me disse que... que Tu vais à casa dele... é um desgosto para Lázaro... mas se compreende..."."Falaremos nisso depois. Oh! Meu amigo!". Jesus se apressa, em direção a Lázaro, que parece estar meio acanhado e o beija na face. Chegaram a uma vereda, que conduz a uma casinha, situada entre outros pomares e o de Lázaro."Então, queres mesmo ir para a casa do Simão?"."Sim, meu amigo. Tenho Comigo todos os meus discípulos e prefiro assim...".Lázaro não gosta daquela decisão, mas não rebate. Somente se vira para a pequena multidão, que o segue e diz: "Ide. O Mestre precisa descansar".Aqui eu vejo quanto Lázaro é poderoso. Todos se inclinam às suas palavras e se retiram, enquanto Jesus os sauda com seu doce: "Paz a vós. Eu vos mandarei avisar quando pregarei"."Mestre", diz Lázaro agora que estão sozinhos, na frente dos discípulos que falam com Maximino alguns metros atrás. "Mestre... Marta está desmanchando-se em lágrimas. Por isso é que ela não357

veio. Mas virá depois. Eu choro só no coração. Mas vamos dizer: ~ justo. Se tivéssemos pensado que ela vinha... Mas ela não vem nunca para as festas... Sim... e quando ela vem?... Eu digo: logo hoje é que á, demónio a foi trazer aqui"."O demónio? E por que não o seu anjo, por ordem de Deus? Maus deves crer-me, mesmo que ela aqui não tivesse estado, Eu teria ice para a casa de Simão"."Por que, meu Senhor? Minha casa não te ofereceu paz?"."Tanta paz que, depois de Nazaré, é o lugar de que Eu mais gosto" Mas, responde-me, por que é que me disseste: "Vai-te embora de Águas Belas"? Por causa das ciladas que se aproximam, não é verde de? E, por isso, Eu vou entrar nas terras de Lázaro, mas não colos Lázaro na condição de receber insultos em sua casa. Achas que te respeitariam? Para pisar-me passariam até sobre a Arca santa... Dei xa-me agir. Pelo menos, por enquanto. Depois virei. Afinal, ninguém me proíbe de ir fazer refeições em tua casa, nem que tu venhas à minha. Mas faz por onde possam dizer: "Ele está na casa de um dos seus discípulos" "."E eu não sou um deles?"."Tu és o amigo. Para o coração, isto é mais do que discípulo. Pai-; a malícia é coisa diferente. Deixa-me agir. Lázaro, esta casa é tuamas não é a tua casa. A bela e rica casa do filho de Teófilo. E, para os pedantes, isso tem muito valor"."Tu dizes assim... mas é porque... é por causa dela, é isso. Eu está va querendo persuadir-me a perdoar... mas, se ela te afasta daqui por Deus, eu a odiarei... "."E me perderás totalmente. Deixa de lado este pensamento, já ou135.3 já ficarás sem Mim... 3 Eis Marta. Paz a ti, minha doce hospedeira"."Oh! Senhor!". Marta, de joelhos, chora. Abaixou o véu que esta pousado sobre o arranjo da cabeça, feito em forma de diadema, a Ai de não deixar que os estranhos vejam o seu pranto. Mas a Jesus não, pensa em esconde-lo."Por que este choro? Em verdade, estás desperdiçando estas lágrimas! Há muitos motivos para se chorar e para se fazer das lágrimas um objeto precioso. Mas chorar por este motivo! Oh! Marta! Parece que tu não sabes mais quem Eu sou! Do homem, tu o sabes. Eu não tenho mil i que a veste. O coração é divino e como divino palpita. Vamos! Levais ta-te e vem para casa... e ela... deixai-a em paz. Ainda que ela chegar se a zombar de Mim, deixai-a em paz, Eu vos digo. Não é ela. É aqui te que a possui que a faz instrumento de perturbação. Mas aqui há Um358

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que é mais forte que o patrão dela. Agora a luta vai ser entre Eu e ele diretamente. Vós, rezai, perdoai, tende paciência e fé. E nada mais".Entram na casinha, que é quadrada e rodeada por um pórtico, que a alarga. Dentro, há quatro quartos, separados por um corredor em forma de cruz. Uma escada, externa como sempre, conduz ao alto do pequeno pórtico, que se transforma em um terraço e dá acesso a um grande quarto, da largura da casa, que, em certas épocas é usado para guardar as provisões, mas agora está todo desocupado e limpo, completamente vazio.Simão, que está ao lado do velho servo, que eu ouço ser chamado elo nome de José, está fazendo as honras da casa e diz: "Aqui se poderia falar ao povo, ou fazer as refeições... como Tu quiseres"."Agora vamos pensar nisso. Por enquanto, vai dizer aos outros que, depois da refeição o povo pode vir. Não decepcionarei a gente boa daqui"."Onde eu digo que eles devem ir?"."Aqui. O dia está agradável. O lugar está protegido contra os ventos. O pomar, que agora está sem frutas, não ficará prejudicado, pelo povo que vier. Daqui do terraço, Eu falarei. Então, vai".Ficam sozinhos Lázaro com Jesus. Marta, na necessidade de prover o que é preciso para tantas pessoas, voltou a ser a "boa hospedeira" e, com os servos e os próprios apóstolos, trabalha lá embaixo, preparando as mesas e o necessário para o descanso.Jesus passa um braço em torno aos ombros de Lázaro e o conduz para fora do quarto grande, indo dar uns passas com ele no terraço, que fica ao redor da casa, ao belo sol, que torna morno este dia, e, lá do alto, observa o trabalho dos servos e dos discípulos, e sorri para Marta, que vai e vem e levanta o rosto sério, mas já mais sereno. Olha também para o belo panorama que circunda o lugar e vai repetindo com Lázaro os nomes das diversas localidades e pessoas, e, por fim, pergunta à queima-roupa: "Então a morte de Doras foi um bastão agitado no ninho das serpentes?"."Oh! Mestre! Disse-me o Nicodemos que a reunião do Sinédrio foi de uma violência nunca vista! "."O que Eu fiz ao Sinédrio, para ele se inquietar? Doras morreu por si mesmo, à vista de todo o povo, morreu pela ira. Não permiti que se faltasse com o respeito para com o morto. Portanto..."."Tens razão. Mas eles... Estão loucos de medo. E... estás sabendo que eles disseram ser preciso apanhar-te em pecado, para poderem matar-te?".359

"Oh! Então, fica tranquilo! Terão que esperar até a hora de Deus! ". "Mas, Jesus! Sabes de quem estamos falando? Sabes de que são capazes os fariseus e os escribas? Sabes que alma tem o Anás? Sabes quem é que o manda, depois dele? Sabes... mas, que é que estou dizendo? Tu sabes! E, por isso, é inútil que eu te diga que o pecado eles inventarão, para poderem acusar-te"."Eles já o encontraram. Fiz mais do que é preciso. Eu falei aos romanos, falei a pecadoras... Sim, a pecadoras, Lázaro. Uma delas, e não me fiques olhando assim espantado, uma delas vem sempre ouvir-me e está hospedada em uma estrebaria do teu feitor, a pedido meu, porque, para ficar perto de Mim, ela tinha ido ficar num chiqueiro de porcos...".Lázaro está como uma estátua, pasmado. Nem se move mais. Olha para Jesus, como se estivesse vendo alguém que, por sua estranheza. causa espanto.Jesus o sacode sorrindo. "Terás visto o Mamon?", lhe pergunta."Não. Eu vi a Misericórdia. Mas... mas eu o entendo. Eles, os do Conselho, não. Eles dizem que é pecado. Então é verdade! Eu pensava... Oh! que fizeste?"."O meu dever, o meu direito e o meu desejo: procurar redimir um espírito caído. Estás vendo, portanto, que tua irmã não será a primeira lama de que Eu me aproximo e sobre a qual me inclino. E não será a última. Sobre a lama, quero semear flores e fazer que nasçam as: flores do bem"."Oh! Deus! Meu Deus!... Mas... Oh! Meu Mestre, Tu tens razão. E' o teu direito e o teu dever e é o teu desejo. Mas as hienas não compreendem isso. Elas são umas carniças tão fétidas, que não sentem, não podem sentir o odor dos lírios. E mesmo onde eles florescem, esses poderosos covardes sentem cheiro de pecado; não compreendem que 135 5 da sentina deles é que ele sai...5 Eu te peço. Não pares por muito tempo em um lugar. Vai, gira, sem dar-lhes o modo de alcançar-te. Sós como um fogo-fátuo, dançante sobre os caules das

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flores, rápido, que não se pode pegar, desconcertante no seu andar. Faz assim. Não por covardia, mas por amor do mundo, que precisa que Tu vivas, para sã santificado. A corrupção aumenta. É preciso que lhe contraponhas ; santificação... A corrupção!... Viste a nova cidadã de Betania? É um; romana casada com um judeu. Ele até que é observante. Mas ela è idólatra e, não podendo viver bem em Jerusalém, porque surgiram discussões com os vizinhos, por causa dos animais dela, veio aqui. A casa dela está cheia de animais, que para nós são imundos e... a mais360

mou o tóxico do regato, porque o rio do vosso amor o superou, e no mar do meu amor não entrou senão a doçura do vosso amor. Aliás fez bem. Trouxe-me de volta a vós. Bendigamos por isso ao Senhor Altíssimo".A voz de Jesus se expande poderosa pelo ar calmo e silencioso. Jesus, tão belo ao sol, gesticula e sorri serenamente do alto do terraço. Embaixo, o povo o escuta feliz: uma florada de rostos levantados. que sorriem com a harmonia de sua voz. Lázaro está perto de Jesus. como também Simão e João. Os outros estão espalhados pelo meio do povo. Sobe também Marta e vai sentar-se no chão, aos pés de Jesus. virada para o lado de sua casa, que aparece para lá do pomar."O mundo é dos maus. O Paraíso é dos bons. Esta é a verdade e a promessa. E sobre essa se apóie a vossa força com firmeza. O mundos passa. O Paraíso não passa. Se, sendo bom, alguém o conquista, gozará dele para sempre. E então? Por que turbar-se pelo que fazem os maus? Lembrai-vos dos lamentos de Jó? São os eternos lamentos dói quem é bom e oprimido; porque a carne geme, mas não deveria gemer, e, quanto mais espezinhada, mais deveria alçar as asas da alma. no júbilo do Senhor.Credes vós que sejam felizes aqueles que parecem felizes porque de modo lícito e, ainda mais, de modo ilícito, estão com seus celeiros repletos, cheias as suas dornas e com seus odres transbordantes de óleo? Não. Eles sentem o sabor do sangue e das lágrimas alheias em todos os seus alimentos, e sua cama lhes parece cheia de espinhos. tanto sentem nela os remorsos gritantes. Depredam os pobres, despojam os órfãos, roubam o próximo para amontoarem, oprimem os que são menores do que eles em poder e perversidade. Não importa. Deixai-os. O reino deles é deste mundo. E, quando eles morrerem, que sobrará? Nada. Se não se quer chamar de tesouro ao monte de culpas que eles levarão consigo e com o qual se apresentarão a Deus. Deixai-os. São os filhos das trevas, os rebeldes à Luz, e não podem seguir os luminosos caminhos desta. Quando Deus faz brilhar a estrela da manhã, eles a chamam de sombra da morte, e, como tal, a julgam contaminada, e preferem caminhar ao brilho sujo do ouro e de seu ódio, que reluzem, somente porque as coisas de inferno brilham, com o fósforo dos lagos eternos da perdição...". 135, 7 7"Minha irmã, Jesus..oh!". Lázaro avista ao longe Maria, que vai deslizando por trás de uma sebe do pomar de Lázaro, para chegar o mais perto possível. Vai encurvada. Mas sua cabeça loira brilha com., ouro, contra o buxo escuro.362

Marta procura levantar-se. Mas Jesus preme-lhe a mão sobre a .~ cabeça e ela tem que ficar onde está. Jesus eleva ainda mais o tom de sua voz."Que diremos desses infelizes? Deus lhes deu tempo de fazer penitência e eles abusam dele para pecar. Mas Deus não os perde de vista, ainda que pareça que sim. Chegará o momento no qual, ou porque, como um raio que penetra até no rochedo, o amor de Deus rasga o duro coração deles, ou porque a soma dos delitos leva a onda de lama até às suas faces e a seus narizes - e eles sentem, oh! finalmente eles sentem!, o nojo daquele sabor e daquele fedor, que para os outros é repugnante e que enche o coração deles - chega um momento em que ficam com nojo daquilo e surge neles um movimento de desejo do bem.A alma então grita: "E quem me dera poder voltar aos tempos de antes, quando eu estava na amizade com Deus? Quando a sua luz brilhava em meu coração e, ao brilho dela, eu caminhava? Quando, diante da minha justiça, o mundo calava admirado, e quem me via me dizia feliz? O mundo bebia o meu sorriso e minhas palavras eram acolhidas como palavras de um anjo e pulava de

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orgulho o coração no peito dos meus familiares. E agora, que sou eu? Derisão para os jovens, horror para os anciães, sou o sujeito de suas canções e o cuspe do desprezo deles atinge o meu rosto". Sim, assim fala em certas horas a alma dos pecadores, dos verdadeiros Jós, porque não há miséria maior do que esta, de alguém que perdeu para sempre a amizade de Deus e o seu Reino. E devem causar dó. Somente dó.São pobres almas que, por ociosidade ou leviandade, perderam o Esposo eterno. "De noite, em meu leito procurei o amor de minha aima e não o encontrei". De lato, nas trevas não se pode distinguir o esposo, e a alma, estimulada pelo amor, sem pensar, porque cercada pela noite espiritual, procura e quer encontrar um refrigério para o seu tormento. Pensa encontrá-lo em um amor qualquer Não. Só um é o amor da alma: Deus. Vão, estas almas, que o amor de Deus aguilhoa, buscando o amor. Bastaria que quisessem em si a luz, e teriam amor ao seu consorte. Vão como doentes, procurando, às cegas, o amor, e encontram todos os amores, todas as coisas sujas às quais o homem deu esse nome, mas não encontram o amor; porque o amor é Deus e não o ouro, a sensualidade, o poder.Pobres, pobres almas! Se elas, menos ociosas, se tivessem levantado, ao primeiro convite do Esposo eterno, para Deus que diz: "Segueme", para Deus que diz: "Abre-me", não teriam chegado a abrir a 363

porta, com o ímpeto do amor nelas despertado, quando o Esposo de-cepcionado, já ia longe. Desaparecido... E não teriam profanado, aquele ímpeto santo, de uma necessidade de amor, em algum lamaçal, que causa nojo até ao animal imundo, de tão inútil que é, e espalhado de abrolhos triturados, que não eram flores, mas somente acúleos, que rasgam, mas não servem para coroas. E não teriam conhecido as zombarias dos guardas da ronda, de todo o mundo Mi como Deus, mas por motivos opostos, não perdem de vista o pecado e o espreitam, para zombarem dele e criticá-lo. Pobres almas, surra das, despojadas, feridas por todo mundo! Só Deus é que não se une a este apedrejamento feito por um escárnio impiedoso. Mas faz quis` caiam suas lágrimas, para curar as feridas e revestir com uma veste, diamantino a sua criatura. Sempre sua criatura... Só Deus... e os filhos de Deus com o Pai.Bendigamos ao Senhor. Ele quis que pelos pecadores Eu aqui tivesse que voltar, para dizer-vos: "Perdoai. Perdoai sempre. Fazei de todo mal um bem. Fazei de toda ofensa uma graça". Não vos digo "fazei" somente. Eu vos digo: repeti o meu gesto. Eu amo e bendigo ". inimigos porque, por causa deles, Eu pude voltar a vós, meus amigas.A paz esteja com todos vós".O povo agita véus e ramos para Jesus e depois se afasta lentamente. 135.8 8"Terão visto aquela impudente?"."Não, Lázaro. Ela estava atrás da sebe e bem escondida. Nós podíamos vê-la, porque estamos aqui no alto. Os outros não"."Ela nos tinha prometido que..."."Por que não haveria de vir? Não é ela também uma filha de Abraão? Quero de vós, irmãos, e de vós, discípulos, a promessa solo, de não levar nada ao conhecimento dela. Deixai-a agir. Zombará de Mim? Deixai que zombe. Chorará? Deixai que chore. Quererá fico Deixai-a ficar. Quererá fugir? Deixai que fuja. É o segredo do Redentor e dos redentores: ter paciência, bondade, constância e oração. Nada mais. Qualquer movimento é demais junto à certas doençasAdeus, meus amigos. Eu vou ficar aqui e rezar. Vós, ide cada um pai., a sua tarefa. E que Deus vos acompanhe".E tudo termina

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136. Na festa das Encênias, em casa de Lázaro, é recordado o nascimento de Jesus.22 de março de 1945.

1 A já esplêndida casa de Lázaro, nesta tarde, está muito mais 136.1 esplêndida. Parece estar pegando fogo, pelo número de luzes que nela estão acesas, e a claridade se espalha para fora da casa, neste princípio de noite, extravasando das salas para o átrio e deste para o pórtico, estendendo-se, para ir vestir de ouro os cascalhos dos caminhos, as ervas e as touceiras dos canteiros, entrando em luta com a luz do luar, e vencendo-a nos primeiros metros, com seu brilho amarelado e profano, enquanto, mais além, tudo se torna angelical, com a veste de pura prata que o luar lança sobre todas as coisas.Até o silêncio, que circunda o magnífico jardim, no qual só se ouve o arpejo produzido pelas gotas que caem do repuxo no aquário, parece aumentar a celestial e paradisíaco paz desta noite de luar, enquanto, junto à casa, alegres e numerosas vozes, unidas ao gaio rumor dos móveis arrastados e das louçãs que estão sendo colocadas sobre as mesas, lembram que o homem é homem e não ainda um espírito.Marta anda depressa, com sua ampla veste muito bonita e pudica, de cor violeta avermelhada, e parece uma flor, uma bela campânula, ou uma borboleta, que se agita contra as paredes purpúreas do átrio, ou contra as da sala do banquete, que tem uns pequenas desenhos que parecem um tapete.Jesus, ao invés, passeia sozinho e absorto, ao lado do aquário, e parece estar sendo absorvido, alternadamente, ou pela sombra densa, que projeta um alto Toureiro, uma verdadeira árvore gigante, ou pela luz fosforescente da lua, que vai se tornando cada vez mais clara. Tão viva que a água do repuxo está parecendo ser um punhado de penas de prata, que se reparte em fragmentos de brilhantes, e que tornam a cair, para desaparecerem sobre a superfície plácida e toda prateada da água do tanque. Jesus olha e escuta as palavras da água na noite. Elas adquirem um som tão musical, que faz despertar um rouxinol, no toureiro basto, que responde ao arpejo lento das gotas com uma nota aguda de flauta, e depois faz uma pausa, como se quisesse acertar bem a nota, para tomar parte em um acorde com a água. Finalmente, ele entra, como o rei do canto, com o seu perfeito, variado e delicado hino de alegria.Jesus nem caminha mais, para não perturbar, com o barulho de365

seus passes, a doce alegria do rouxinol, e acho que também Dele, porque, de cabeça inclinada, sorri com o sorriso de uma verdadeiro mente serena alegria. Quando o rouxinol cessa de cantar, depois de uma nota muito afinada e prolongada, e modulada em um tom asco dente, que não sei como pode uma garganta tão pequena sustentá-la Jesus exclama: "Bendito sejas, ó Pai, por esta perfeição e pela alegria que me deste!" e retoma o seu lento passeio, cheio, quem sabe de quis profundas meditações. 136.2 2 Simão o alcança: "Mestre, Lázaro te pede que vás. Tudo estápronto""Vamos. E que assim caia a última dúvida que Eu estou gostando menos deles por causa da Maria"."Quanto choro, Mestre! Somente um teu milagre secreto é que pró dia curar aquela dor. Mas não sabes que Lázaro estava para fugi depois que ela, quando voltaram, saiu de casa, dizendo que ia deixo os sepulcros pelos prazeres e .. outras insolências? Eu e Marta lhe pedimos que não fizesse aquilo, também porque.. nunca se sabe qual reação de um coração. Se a tivesse encontrado, creio que a teria castigado uma vez por todas Teriam querido, ao menos, o silêncio, dela sobre Ti..."."E o milagre imediato de Mim sobre ela. E Eu o teria podido fázer. Mas não quero nenhuma ressurreição forçada dos coraçoes. Forçarei a morte e ela me entregará suas presas Porque Eu sou Senhor da morte e da vida. Mas, sobre os espíritos, que não são matéria que, sem sopro, é privada de vida, e sim seres imortais, capazes de ressurgir por vontade própria, Eu não forço a ressurreição. Faço primeiro apelo, dou a primeira ajuda, como um que abrisse um sepulcro, onde alguém foi fechado meio vivo e onde morreria, se por muito tempo permanecesse naquelas trevas asfixiantes, e deixo entrar ar e luz .. depois fico esperando. Se o espírito é desejoso de sair sai. Se

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não quer assim, enfusca-se mais ainda e se precipita no abismo. Mas, se ele sai!... Oh! Se ele sai, em verdade te digo que ninguém será maior do ressuscitado de espírito. Só a Inocência absoluta maior deste morto que volta à vida por força do seu próprio amor para alegria de Deus. . São esses os meus maiores triunfos!Olha o céu, Simão. Nele podes ver estrelas, estrelinhas e planetas de diversas grandezas. Todos têm vida e esplendor por Deus que o; fez e pelo sol que os ilumina, mas não são todos igualmente esplendidos e grandes No meu céu também será assim. Todos os redigido terão vida por Mim e esplendor pela minha luz. Mas não serão todos366

igualmente esplêndidos e grandes. Uns serão um simples pó de astros, como o que torna "láctea" a Via Láctea, e serão aqueles inumeráveis, que de Cristo tiverem recebido, ou melhor, tiverem aspirado somente aquele mínimo indispensável para não serem uns condenados, e somente pela infinita misericórdia de Deus, depois de longo purgatório, irão para o Céu. Outros serão mais fulgidos e formados: os justos que tiverem unido a sua vontade - nota bem: vontade, não digo boa vontade - à vontade de Cristo e tiverem obedecido às minhas palavras para não se condenarem. Depois virão os planetas, as boas vontades, oh! esplendidíssimos' Com luz de puro diamante ou com o esplendor de gemas preciosas das mais diversas cores - vermelhos como os rubis, violetas, como as ametistas, loiros como os topázios, cândidos como as pérolas - são os que se enamoram até à morte pelo amor, os Renitentes por amor, os operantes por amor, os imaculados por amor.E haverá alguns, do meio desses planetas, que serão a minha glória de Redentor, que terão em si os brilhos do rubi, da ametista, do topázio e da pérola, porque tudo eles serão por amor. Heróicos, por conseguirem perdoar-se, por não terem sabido amar antes; Renitentes por se saturarem de expiação, como Ester que, antes de ir apresentar-se a Assuero, se saturou de aromas; incansáveis, para fazerem em pouco tempo, no pouco que lhes sobra, tudo aquilo que não fizeram nos anos que perderam no pecado; puros até o heroismo, para se esquecerem até em suas entranhas, além de na alma e no pensamento, de que existe uma sensualidade. Serão eles que hão de atrair, por seu multiforme esplendor, os olhares dos crentes, dos puros, dos penitentes, dos mártires, dos heróis, dos ascetas, dos Secadores. E, para cada uma destas categorias, o esplendor deles será palavra, resposta, convite e garantia...3 Mas, vamos. Nós estamos falando e eles lá estão nos esperando". 136.3"É que, quando Tu falas, esquecemo-nos de estar vivos. Posso dizer tudo isso ao Lázaro? Parece-me que nisso há uma promessa..."."Deves dizê-lo. A palavra do amigo pode ir pousar sobre a ferida deles e não se enrubescerão de se terem enrubescido diante de Mim... Nós te fizemos ficar esperando, Marta. Mas Eu estava falando ao Simão sobre as estrelas e nos esquecemos destas luzes. Verdadeiramente, a tua casa, nesta tarde, é um firmamento..."."Não foi só para nós e para os servos, mas também para Ti e para os hóspedes, teus amigos, que as acendemos. Obrigada, por teres vindo na última tarde. Agora é a festa da Purificação mesmo...". Marta367

gostaria de falar mais, mas sente que o choro lhe vai chegar e se cala. "Paz a todos vós", diz Jesus, entrando no átrio iluminado por dezenas de lâmpadas de prata, todas acesas e colocadas por toda parte. Lázaro vai para a frente, sorridente: "Paz e bênção a Ti, Mestre.muitos anos de santa felicidade". Eles se beijam. "Disseram-me certos amigos nossos que Tu nasceste enquanto Belém estava iluminada por uma longínqua Encênia. Por ter-te entre nós nesta tarde, nós, e eles jubilamos. Não perguntas quem são?". "Outros amigos não tenho, que não sejam os discípulos e os queridos de Betania, além dos pastares. Portanto, são estes. E vieram? Para que?". "Para adorar-te, nosso Messias. Ficamos sabendo, por meio de Jonatas e aqui estamos. Com os nossos rebanhos, que agora estão nos currais de Lázaro, e com os nossos corações, agora e sempre, sob os teus santos pés". Isaque falou por Elias, Levi, José e Jônatas, que estão todos prostrados aos pés de Jesus. Jônatas

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está com sua veste macia, como intendente predileto do patrão; Isaque com a sua de incansável peregrino, de grossa lã marrom escuro, impermeável; Levi, José e Elias, com vestes dadas pelo Lázaro, frescas e limpas para poderem sentarse às mesas, sem precisarem usar suas pobres vestes rasgadas e com o mau cheiro do curral. "Por isso é que me mandastes para o jardim? Deus vos abençoe a todos! Só falta minha Mãe, para minha felicidade. Levantai-vos, levantai-vos. E o meu primeiro Natal, que passo sem minha Mãe. Mas a vossa presença me consola da tristeza, da saudade do seu beijo". 136.4 4 Entram todos na sala das mesas. Aqui as lâmpadas são, na maior parte, de ouro e o metal se enche de vida com a luz das chamas, e as chamas parecem mais reluzentes pelo reflexo que lhes dá todo aquele ouro. A mesa está montada em forma de U, para poder dar lugar a tanta gente e poderem servir à mesa, sem estorvar o trabalho dos trinchadores e dos servos. Além de Lázaro, aí estão os apóstolos, os pastares e o Maximino, o velho servo do Simão. Marta acompanha com o olhar a disposição dos lugares e querias estar em pé. Mas Jesus se impõe: "Hoje não és a hospedeira, és a irmãs e aí estás sentada, como se fosses do meu sangue. Somos uma família. Caiam as regras e cedam o lugar ao amor. Aqui, ao meu lado e perto de ti, o João. Eu com o Lázaro. Mas, dai-me uma lâmpada. Entre Mim e Marta, esteja acesa uma luz... uma chama, pelas ausentes, embora presentes; pelas amadas, as esperadas, pelas mulheres queridas368

e distantes. Todas. À chama tem palavras de luz. O amor tem palavras de chama, e vão longe essas palavras, sobre a onda incorpóreados espíritos, que se encontram sempre, além dos montes e dos mares, levando beijos e bênçãos... Tudo levam. Ou não é verdade?".Marta coloca a lâmpada onde Jesus quer, em um lugar que fica vazio... e, visto que Marta está compreendendo, ela se curva para bejar a mão de Jesus, que depois a pousa sobre a cabeça morena, abençoante e consoladora.Começa a refeição. A princípio, os três pastares estão um pouco l acanhados, ao passo que Isaque já está mais seguro, e Jônatas não mostra embaraço, mas vão-se animando cada vez mais, à medida que a refeição continua, e depois de terem ficado calados, começam a falar. E sobre que assunto haverão de falar, senão das suas recordações?"Acabávamos de nos recolher", diz Levi. "E eu estava com tanto rio, que fui refugiar-me entre as ovelhas, chorando com saudades da mãe..."."Eu, ao invés, pensava na jovem mãe, que antes tinha encontrado e dizia a mim mesmo: "Terá achado lugar?". Ao ter sabido que estava numa estrebaria, a teria conduzido para o redil!... Mas era tão gentil - um lírio dos nossos vales - que pareceu-me ser uma ofensa, dizerlhe: "Vem entre nós". Mas pensava Nela... e sentia ainda mais o frio, pensando quanto a devia fazer sofrer. Lembras-te que luz houve naquela tarde? E o teu medo?"."Sim... mas depois... veio o anjo... oh!...". Levi, como se estivesse delirando, sorri àquela lembrança."Oh! Escutai uma coisa, meus amigos. Nós não sabemos, senão pouca coisa e mal. Temos ouvido falar de anjos, de manjedouras, de rebanhos, de Belém... E nós sabemos que Ele é galileu e carpinteiro... Não é justo que nós não saibamos! Ao Mestre perguntei isto em Águas Belas... mas depois se mudou de assunto. Este aqui, que sabe, não me disse nada... Sim, estou falando de ti, João de Zebedeu. Este é o respeito que tens com o ancião! Teres tudo para ti e me deixares crescer como um discípulo ignorante. Já não o estarei eu sendo bastante?".Todos riem da boa reclamação de Pedro. Mas ele se dirige ao seu Mestre: "Eles estão rindo. Mas eu tenho razão" e depois, dirigindo-se a Bartolomeu, Filipe, Mateus, Tomé, Tiago e André: "Vinde para a frente! Dizei-o, vós também, protestai junto comigo. Por que é que nós não sabemos de nada?". 369 "É verdade... Onde é que estáveis, quando o Jonas estava morrer do? E onde, no Líbano?".

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"Tens razão. Mas quanto ao Jonas, eu, pelo menos, pensei qual aquilo fosse um delírio de moribundo. E, quanto ao Líbano... lá estava cansado e sonolento. Perdoe-me, Mestre, mas é a verdade"."E será a verdade de muitos! O mundo dos evangelizados respondera frequentemente ao Juiz eterno, para desculpar sua ignorância, não obstante os ensinamentos dos meus apóstolos, responderá cola estás dizendo: "Pensei que fosse um delírio... Estava cansado e sonolento". E muitas vezes não admitirá a verdade porque a tomará pele delírio, e não lembrará a verdade porque estará cansado e sonolento, por causa de coisas demais, inúteis, caducas e até pecaminosas. Uma só coisa é necessária: conhecer a Deus"."Pois bem. Agora que nos dissestes o que é bom para nós, contanos como foi que as coisas aconteceram... Conta ao teu Pedro. Depõem eu conto ao povo. Senão... eu te disse: Que posso dizer? O passado eu não sei; as profecias e o Livro, não sei explicar; o futuro... oh! pobre de mim! E que evangelizo então?"."Sim, Mestre. Que o saibamos nós também... Sabemos que és o Messias e assim cremos. Mas, pelo menos de minha parte, tive dificuldades em admitir que de Nazaré pudesse sair alguma coisa boa Por que não me fizeste conhecer logo o teu passado?", diz Bartolomeu..136.6 "Para provar a tua fé e a luminosidade do teu espírito. 6 Mas agora. irei falar-vos, ou melhor, iremos falar do meu passado. Eu direi aquilo que nem os pastores sabem e eles dirão o que viram. E ficarei conhecendo a aurora de Cristo. Escutai.Tendo chegado o tempo da Graça, Deus preparou para si a sua Virgem. Vós bem podeis compreender como Deus não podia mão; onde Satanás tinha deixado impresso um sinal indelével. Por isso. " Poder operou para fazer o seu futuro Tabernáculo sem mácula. E de dois justos, já em sua velhice e contra as regras comuns da procriação foi concebida Aquela na qual não há mácula nenhuma.Quem colocou alma numa carne embrionária, que fazia reverdecer o velho ventre da Ana de Arão, a minha avó? Tu, Levi, viste o arcanjo que fez todos os anúncios. Podes dizer quem é ele. Porquês ., "Força de Deus" foi sempre o vitorioso, que levou o canto de alego l. aos santos e aos Profetas, o indomável, no qual a força, ainda que grande de Satanás, partiu-se como um pedúnculo de musgo ressequido, o inteligente que, com presteza, realizou a obra de Deus, e, com370

sua boa e lúcida inteligência, afastou as ciladas do outro, que era inteligente, mas era mau.Com um grito de júbilo, ele, o Anunciador, que já conhecia os caminhos da terra, pois já havia descido para falar aos Profetas, recolheu do Fogo divino a imaculada centelha, que era a alma da eterna Menina e, encerrando-a dentro de um halo de chamas angélicas, que eram as do seu espiritual amor, levou-a até a terra, até uma casa, até um ventre. E o mundo, desde aquele momento teve a Adoradora; e Deus, desde aquele momento, pôde olhar para um ponto da terra, sem sentir desgosto ao fazê-lo. E nasceu uma pequena criatura: a Amada de Deus e dos anjos, a Consagrada a Deus, a santamente Amada pelos parentes."E Abel deu a Deus as primícias do seu rebanho". Oh! Em verdade os avós do eterno Abel souberam dar a Deus a primícia do seu bem, todo o seu bem, morrendo por haverem dado este bem a quem havia lhes dado.Minha Mãe foi a Menina do Templo, dos três aos quinze anos e apressou a vinda do Cristo com a força do seu amor. Virgem, antes de sua concepção, virgem na escuridão de um ventre, virgem em seus vagidos, virgem em seus primeiros passes, a Virgem foi de Deus, só de Deus, e proclamou o seu direito, superior ao decreto da Lei de Israel, obtendo do esposo, que lhe foi dado por Deus, poder permanecer inviolada, depois das núpcias.José de Nazaré era um justo. Só a ele podia ser dado o Lírio de Deus e só ele o teve. E, sendo anjo na alma e na carne, amou, como amam os anjos de Deus. O abismo desse forte amor, que teve todas as ternuras conjugais, sem ultrapassar a barreira do fogo celeste, além do qual estava a Arca do Senhor, só será compreendido por poucos nesta terra. É o testemunho do que pode um justo, contanto que queira. O que pode, porque até a alma, ainda lesada pela mancha de origem, tem

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poderosas forças de elevação, recordações e retornos à sua dignidade de filha de Deus, e opera divinamente por amor do Pai.Maria ainda estava em sua casa, esperando sua união com o esposo, quando Gabriel, o anjo dos divinos anúncios, voltou à terra e pediu à Virgem que se tornasse Mãe. Ele já havia prometido o Precursor ao sacerdote Zacarias, que não creu nele. Mas a Virgem creu que isso pudesse ser, por vontade de Deus e, sublime em sua ignorância, segmente perguntou: "Como poderá acontecer isso?".E o anjo lhe respondeu: "Tu és a Cheia de Graça, ó Maria. Portanto, não temas, porque achaste graça junto ao Senhor, também quanto371

ao que se refere à tua virgindade. Conceberás e darás à luz um Filho. ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele é o Salvador prometido Jacó e a todos os Patriarcas e Profetas de Israel. Ele será grande Filho verdadeiro do Altíssimo, porque, por obra do Espírito Santas será concebido. A Ele o Pai dará o trono de Davi, como foi predito, e reinará na casa de Jacó, até o fim dos séculos, mas o seu verdadeiro Reino nunca terá fim. Agora, o Pai, o Filho e o Espírito Santo esperam a tua obediência, para que se cumpra a promessa. O Precursor do Cristo já está no ventre de Isabel, tua prima e, se tu consentes. Espírito Santo descerá sobre ti, e santo será Aquele que de ti nascer levará o seu verdadeiro nome de Filho de Deus".Então Maria respondeu: "Eis a Serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a sua palavra". E o Espírito de Deus desceu sobre sua Esposa e, no primeiro abraço, deu-lhe suas luzes, que aperfeiçoaram em sumo grau as virtudes do silêncio, da humildade, da prudência e da caridade, de que Ela estava cheia, e Ela tornou-se uma só coisa com a Sabedoria, e não mais pôde separar-se da Caridade, e a Obediente Casta perdeu-se no oceano da Obediência, que sou Eu, e conheceu a alegria de ser Mãe, sem conhecer a perturbação de ser deflorada. Foi a neve que se concentra em flor e se oferece a Deus assim...".136.7 7 "Mas e o marido?", pergunta, atordoado, Pedro."O selo de Deus fechou os lábios de Maria. E José não soube do prodígio, senão quando, ao voltar da casa de Zacarias, parente dela Maria apareceu com os sinais de mãe aos olhos do esposo"."E que fez ele?"."Sofreu... e Maria também sofreu..."."Se fosse eu..."."José era um santo, Simão de Jonas. Deus sabe onde coloca seus dons... Amargamente sofreu e decidiu abandoná-la, tomando sobre si a pecha de injusto. Mas o anjo desceu até ele, para dizer-lhe "Não tenhas medo de tomar Maria por tua esposa. Porque o que Nela se está formando é o Filho de Deus e por obra de Deus é que Ela è Mãe. E, quando o Filho nascer, tu porás Nele o nome de Jesus, que Ele é o Salvador""."José era instruído?", pergunta Bartolomeu."Como um descendente de Davi"."Então terá recebido repentina luz, ao recordar-se daquilo , do Profeta: "Eis que uma virgem conceberá...""."Sim. Ele recebeu. À prova, seguiu-se a alegria...". "Se fosse eu...", torna a dizer Simão Pedro, "a mim não sucederia,372

porque antes eu teria... Oh! Senhor, como foi bom que não tenha sido eu! Eu a teria despedaçado como a uma haste, sem dar-lhe tempo de falar. E depois, se não tivesse cometido assassínio, teria ficado com medo Dela... O medo de Israel inteiro, desde séculos, pelo Tabernáculo..."."Também Moisés teve medo de Deus e, no entanto, foi socorrido e esteve com Ele no monte... José foi, portanto, para a casa santa da Esposa e proveu as necessidades da Virgem e do Nascituro. E quando chegou para todos o tempo do édito, com Maria foi para a terra dos seus pais, e Belém os repetiu, porque o cora,cão dos homens estava fechado à caridade. 8 Agora, falai vós".136.8

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"Eu, quando já vinha chegando a tarde, encontrei uma mulher jovem e sorridente, sentada sobre um burrinho. Um homem ia com ela. Ele pediu-me leite e informações. E eu disse o que sabia. Depois veio a noite... e uma grande luz... e nós saímos... e o Levi viu um anjo perto da estrebaria. E o anjo disse: "Nasceu o Salvador". Era noite cheia. E o céu estava pleno de estrelas. Mas a luz sumia diante da do anjo e de milhares e milhares de anjos... (Elias ainda chora, ao lembrar-se). E disse-nos o anjo: "Ide adorá-lo. Está em uma estrebaria, em uma manjedoura, entre dois animais... Encontrareis um Menino pequeno, envolvido em pobres panos...". Oh! Como cintilava o anjo, ao dizer estas palavras!... Mas, lembras-te, Levi, de como das asas dele se desprendiam chamas, quando, depois de ter-se inclinado para dizer o nome do Salvador, disse: "...que é o Cristo Senhor"?"."Oh! Se me lembro! E as vozes daqueles milhares? Oh!... "Glória a Deus nos Céus altíssimos e paz na terra aos homens de boa vontade!". Aquela música está aqui, está aqui, e me transporta ao Céu, cada vez que a ouço ' e Levi ergue um rosto extático, sobre o qual já está brilhando o pranto."Então nós fomos", diz Isaque. "Carregados como uns animais de carga, alegres como quem vai para núpcias, e depois... não soubemos mais fazer nada, quando ouvimos a tua vozinha e a de tua Mãe, e mandamos que o Levi, que ainda era menino, fosse olhar. Nós nos sentíamos como uns leprosos, junto a tanto candor... E o Levi estava escutando, e ria chorando, e ia repetindo, assim com voz de cordeiro, até que a ovelha de Elias soltou um batido. E o José se aproximou da abertura e nos fez entrar... Oh! Como eras pequenino e bonito! Um botão de rosa, uma carne delicada, sobre um feno áspero... e choravas... Depois, sorriste, ao sentir o calor da pele de ovelha que te oferecemos e com o leite que ordenhamos para Ti... Foi a tua primeira373

refeição... Oh!... e depois... e depois te beijamos... Tinhas um cheirei de amêndoa e jasmim... e nós não podíamos mais deixar-te..."."De falo, não me deixastes mais"."E verdade", diz Jônatas. "O teu rosto ficou em nós, a tua voz. ,~ teu sorriso... Ias crescendo... eras cada vez mais belo... O mundo dó bons vinha deliciar-se de Ti... e o dos maus não te via... Ana... os teus primeiros passos... os três Sábios... a estrela..."."Oh! Aquela noite, que luz! O mundo parecia arder com mil luzes Ao invés, na tarde do dia da tua vinda, a luz era fixa, cor de pérola.. Agora, era a dança dos astros, antes fora a adoração dos astros. E nó.;. de um lugar alto, vimos passar a caravana e a fomos acompanhando para ver se parava.... E, no dia seguinte, toda Belém pôde ver .136.9 adoração dos Sábios. 9 Depois... Oh! Não vamos falar do horror'. Não vamos dizer nada!...". E Elias empalidece, só de recordar."Sim, não o digas. Silêncio quanto ao ódio..."."A maior dor era não te ter mais e não ter notícias de Ti. Nem Zacarias sabia nada. Ele era a nossa última esperança... Depois, naco mais"."Por que, Senhor, não confortaste os teus servos?"."Perguntas o porquê, Filipe? Porque era prudente fazer assim. Vê que nem Zacarias, cuja formação espiritual se completou depois dói daquela hora, quis levantar o véu. Zacarias..."."Mas nos disseste que foi ele que se ocupou dos pastares. E, então por que ele não disse, primeiro a eles, e depois a Ti, que uns estavam procurando o Outro?"."Zacarias era um justo todo homem. Tornou-se menos homem is mais justo nos nove meses de mutismo, se aperfeiçoou nos meses sucessivos ao nascimento de João, mas tornou-se um espírito justo quando sobre sua soberba de homem caiu o desmentido de Deus. Ele tinha dito: "Eu, sacerdote de Deus, digo que é em Belém que deve vi ver o Salvador" e Deus lhe tinha mostrado como o juízo, mesmo sacerdotal, se não for iluminado por Deus, é um pobre juízo. Sob o horror do pensamento: "Podia ter feito matar a Jesus pela minha palavra", Zacarias se tornou o justo, que agora repousa, esperando o Paraíso. A justiça lhe ensinou prudência e caridade. Caridade para com os pastares, prudência para com o mundo, ao qual o Cristo devia SI desconhecido. Quando, de volta para a pátria, nos dirigimos pará Nazaré, pela mesma prudência que agora guiava Zacarias,

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evitamos Hebron e Belém, e custeando o mar, voltamos para a Galiléia. Nem mesmo o dia de minha maioridade foi possível ver Zacarias, que par-374

tira um dia antes, com o seu menino, para a mesma cerimonia.Deus velava, Deus provava, Deus provia, Deus aperfeiçoava. Ter a Deus é também ter esforço, não só ter alegria. E esforço não pouparam o meu pai de amor e a minha Mãe de alma e de carne. Até o que era lícito foi proibido, para que o mistério circundasse com sombras o Messias Menino.10 E isto explique a muitos que não compreendem, a dupla razão da 136.10aflição, quando fiquei perdido por três dias. Amor de mãe, amor de pai pelo menino perdido, tremor dos guardas do Messias, pois ele podia ter-se revelado antes do tempo, terror de ter guardado mal a Salvação do mundo e o grande dom de Deus. Este o motivo do insólito grito:” Filho, porque nos fizeste isso? Teu pai e eu, angustiados, te estávamos procurando!” Teu pai, tua Mãe... Era um véu lançado sobre o fulgor do divino Encarnado. E resposta tranquilizadora: “Por que me estáveis procurando? Não sabeis que Eu devo estar ativo nas coisas do meu Pai?” Resposta recebida e compreendida pela Cheia de Graça, o tanto quanto ela significa, ou seja: “Não tenhais medo. Pequeno sou, um menino. Mas, se cresci em mina humanidade, em estatura, sabedoria e graça, aos lhos dos homens, Eu sou o Perfeito, como Filho do Pai e, portanto, sei regular-me com perfeição, servindo ai Pai, ao fazer que resplandeça sua luz, servindo a Deus, ao procurar conservar o seu Salvador” E assim vim fazendo até o ano passado.Agora chegou o tempo. Levantam-se os véus. E o Filho de José se mostra em sua natureza: o Messias da Boa Nova, o Salvador, o Redentor, e o Rei do século futuro.”“E não viste nunca mais o João?”“Só à beira do Jordão, meu João, quando quis o Batismo?”“ De modo que, Tu não sabias que Zacharias tinha feito um bem a estes?”“ Eu já te disse: depois do banho do sangue inocente, os justos se tornaram santos e os homens se tornaram justos. Somente os demónios permaneceram com eram. Zacharias aprendeu a santificar-se com humildade, a caridade, a prudência, o silencio.”11 “Eu quero lembrar-me de tudo isso. Será que vou poder” diz 136.11Pedro.“Fica bonzinho, Simão. Amanha peço aos pastores que repitam tudo. Com paz. No pomar. Uma, duas, três vezes, se for preciso. Eu tenho boa memoria, exercitada em meu banco, e me lembrarei por todos. Quando quiseres, eu te poderei repetir tudo. Nem apontamen-375 tos eu tinha em Cafarnaum, contudo ...", diz Mateus."Oh! Não te enganavas nem um didracma!... Eu me lembro... Bem! Eu te perdôo o passado, mas de coração mesmo, se te lembrares desta história... e contares a mim muitas vezes. Quero que ela fique em minha memória, como ficou na destes... como Jonas que a releve... Oh! Morrer dizendo o seu Nome!...".Jesus olha para Pedro e sorri. Depois se levanta e o beija sobre os cabelos grisalhos."Por que Mestre, este teu beijo?"."Porque foste profeta. Tu morrerás dizendo o meu Nome. Eu beijei o Espírito que falava em ti".Depois, Jesus entoa forte um salmo e todos, de pé, fazem-lhe eco: ""Levantai-vos e bendizei o Senhor vosso Deus, de eternidade em eternidade. Seja bendito o seu Nome sublime e glorioso, com todo o louvor e bênção. Tu só és o Senhor. Tu fizeste o céu e o céu dos céus e todo o seu exército, a terra e tudo o que ela contém" etc. (é o hino cantado pelos levitas na festa da consagração do povo, cap IX do 2°. livro de Esdras)" e tudo termina com este longo canto, que não sei se é o do rito antigo ou se Jesus o diz por si mesmo.

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137. Jesus volta a Águas Belas, mas tem que abandonar esse lugar. 15 de abril de 1945.

137.1 1 Jesus, junto aos seus apóstolos, atravessa os campos planos de Águas Belas. O dia é chuvoso e o lugar deserto. Deve ser por volta do meio-dia, pois o sol, que de vez em quando, sai, como um fantasma, por detrás da cortina cinzenta das nuvens, está mandando perpendicularmente os seus raios. Jesus fala com o Iscariotes e o encarrega de ir ao povoado fazer as compras mais urgentes. Quando Jesus fica sozinho, o alcança André e, sempre tímido, lhe diz em voz baixa: "Podes ouvir-me, Mestre?". "Sim. Vem Comigo, vamos para a frente" e alonga o passo, seguido pelo apóstolo, afastando-se alguns metros dos outros. "A mulher não está mais aí, Mestre!", diz aflito o André. E explica : "Bateram nela e ela fugiu. Estava ferida e sangrando. O feitor a viu. Fui na frente, dizendo que ia ver se não havia alguma emboscada, mas era porque eu queria ir logo até ela. Esperava tanto de levá-376 la à Luz! Rezei tanto neste dias para isso!... Agora ela fugiu! Vai extraviar-se. Soubesse onde ela está, iria ao encontro dela... Não diria isto aos outros, mas a Ti, sim, porque me compreendes. Sabes que não há sensualidade nesta procura, mas só desejo - oh! tão grande, que se torna um tormento - de pôr a salvo uma minha irmã..."."Eu sei, André, e te digo que, mesmo assim como aconteceram as coisas, o teu desejo se cumprirá. Nunca fica perdida uma oração feita neste sentido. Deus quer servir-se dela e ela se salvará"."Tu dizes isso? Oh! A minha dor se torna mais tolerável!".2 "Não gostarias de saber o que está havendo com ela? Não te im- 337 2 porta nem mesmo saber se serás tu, ou não, quem a conduzirá a Mim? Não perguntas como fará?". Jesus sorri docemente, com um brilho de luz em suas pupilas azuis voltadas para o apóstolo, que vai caminhando a seu lado. É um daqueles sorrisos e daqueles olhares que constituem alguns dos segredos de Jesus para conquistar os corações.André, com seus doces olhos castanhos, olha para Ele e diz: "Basta-me saber que ela virá a Ti. Eu ou outro não faz diferença. Como fará? Isto Tu o sabes e eu não tenho necessidade de sabê-lo. Tenho a tua garantia e sou feliz".Jesus lhe passa o braço por detrás dos ombros e o atrai para si, com um abraço afetuoso, que leva ao êxtase o bom André. E Jesus, segurando-o assim: "Este é o dom do verdadeiro apóstolo. Vê, meu amigo, a tua vida e a dos futuros apóstolos será sempre assim. Algumas vezes ficareis sabendo que sois os "salvadores". Mas, na maior parte das vezes, salvareis sem ficardes sabendo que salvastes as pessoas que mais quereríeis salvar. Só no Céu vereis virem ao vosso encontro, ou subirem para o Reino eterno, os vossos salvados. E o vosso júbilo de bem-aventurados aumentará, a cada um que for sendo salvo. Algumas vezes o sabereis, desde esta vida. São as alegrias que Eu vos dou, para infundir um vigor ainda maior para novas conquistas. Mas, feliz do sacerdote que não sente falta desses estímulos para cumprir o seu dever! Feliz daquele que não se abate, por não ver triunfos e diz: "Não vou fazer mais nada, porque não tenho satisfação". A satisfação apostólica, tida como único incentivo para o trabalho, mostra não-formação apostólica, rebaixa o apostolado, coisa espiritual, ao nível de um trabalho humano comum. É necessário nunca cair na idolatria do ministério. Não sois vós os que devem ser adorados. Mas o Senhor vosso Deus. Só a Ele a glória pelos que se salvam. A vós competem os trabalhos para a salvação, deixando para o tempo do Céu a glória de terdes sido uns "salvadores". 3 Mas tu me 137.3377

disseste que o feitor a viu. Conta-me como foi"."Três dias depois de termos partido, chegaram uns fariseus para procurar-te. E é natural que não nos

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encontraram. Saíram pelos povoados e pelas casas do campo, mostrando-se ansiosos por te encontrar. Mas ninguém acreditava neles. Então eles foram colocar-se na estalagem, expulsando, com prepotência, todos aqueles que lá estavam, porque, diziam, não queriam contatos com estranhos desconhecidos, que podiam até profaná-los. E todos os dias iam à casa. Depois de alguns dias, encontraram a pobrezinha, que sempre ia lá, porque talvez esperava encontrar-te e ter a sua paz. Mas eles a fizeram fugir. perseguindo-a até o seu abrigo, na estrebaria do feitor. Não a agrediram logo, porque ele tinha chegado com os seus filhos e armados de paus. Mas, depois, ao anoitecer, quando ela saiu, eles voltaram e se ajuntaram a uns outros e, quando ela foi à fonte, surpreenderam-na com pedradas, chamando-a de "meretriz" e apontando-a como o opróbrio do povoado. E, como ela queria fugir, eles a alcançaram, e a maltrataram, arrancaram-lhe o véu e o manto, para que todos pudessem vê-la e ainda bateram nela, impondo-se com sua autoridade ao sinagogo para que a amaldiçoasse, a fim de poder ser apedrejada e amaldiçoasse a Ti, que a tinhas trazido para o povoado. Mas ele não quis fazer nada e agora espera a maldição do Sinédrio. O feitor arrancou das mãos daqueles carrascos e a socorreu. Mas, durante noite, ela foi-se embora, deixando uma pulseira com algumas palavras escritas num pedaço de pergaminho. Ela escreveu: "Obrigada. Reza por mim". O feitor diz que ela é jovem e muito bonita, embora muito pálida e magra. Saiu procurando-a pelo campo, porque estava muito ferida. Mas não a encontrou. E não sabe como possa ter ido longe. Talvez tenha morrido, assim, em algum lugar... e não se tenho salvado... "."Não"."Não? Não morreu? Ou não se perdeu?"."O desejo da redenção já é uma absolvição. Ainda que ela tivessem morrido, teria sido perdoada, porque procurou a Verdade, pondo o Erro sob seus pés. Mas não morreu. Está subindo as primeiras ladeiras do monte da redenção. Eu a estou vendo... Curvada sob seu pran- to de arrependimento; mas o pranto a torna sempre mais forte, eu quanto que o peso diminui. Eu a estou vendo. Procede rumo ao sol Quando tiver subido todo a encosta, estará na glória do Sol-Deus Vai subindo... Ajuda-a com a tua oração"."Oh! Meu Senhor!". André fica Quase aterrorizado Dor poder aju- 378

dar uma alma em sua santificação.Jesus sorri mais docemente ainda. E diz: "Vai ser preciso abrir os traços e o coração para o sinagoga, que está sendo perseguido e ir abençoar o bom feitor. Vamos aos nossos companheiros para dizerlhes isto".4 Mas enquanto, refazendo o caminho já feito, alcançam os dez, 137.4 que tinham parado à distancia compreendendo que André está em Lima conversa secreta com o Mestre, chega correndo o Iscariotes. Parece uma grande borboleta volitando sobre os prados, de tão velozmente que corre, com o manto esvoaçando atrás e fazendo com os braços os mais incríveis sinais."Mas, que ele tem?", pergunta Pedro. "Terá ficado louco?".Antes que alguém possa responder-lhe, o Iscariotes, tendo chegado mais perto, pode gritar com a respiração entrecortada: "Pára, Mestre. Escuta-me, antes de ires à casa... Há uma emboscada. Oh! Que covardes!..." e corre. Ei-lo junto a Jesus: "O Mestre! Não se pode mais ir para lá! Os fariseus estão no povoado, e todos os dias vão à casa. Eles te estão esperando para te prejudicarem. Estão mandando embora os que vêm procurar-te. Com maldições horrendas os amedrontam. Que queres fazer? Aqui serias perseguido e a tua obra reduzida a nada... Um deles me viu e me agrediu. E um velho feio e narigudo, que me conhece, porque é um dos escribas do Templo. Porque há também uns escribas. Ele me agrediu, agarrando-me com suas mãos e unhas e insultando-me com sua voz de falcão. Enquanto insultou a mim e me arranhou, olha... (e mostra um pulso e uma das faces marcados com claros sinais de unhadas) eu o deixei fazer. Mas quando ele quis babar sobre Ti, eu o peguei pelo pescoço..."."Mas Judas! ", grita Jesus."Não, Mestre. Eu não o estrangulei. Somente o impedi de blasfemar contra Ti e depois o deixei ir-se

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embora. Agora, ele está lá morrendo de medo pelo perigo por que passou... Mas nós vamos embora, é o que te peço. Mesmo porque ninguém mais poderia vir a Ti..."."Mestre! " ."Mas é um horror!"."Judas tem razão"."Eles estão de emboscada, como hienas!"."Fogo do céu que desceste sobre Sodoma, por que não voltas?"."Mas sabes que foste um bravo, rapaz? É pena que eu também não estava lá; eu te teria ajudado"."Oh! Pedro! Se estivesses lá, tu também, aquele falcãozinho teria379

perdido as penas e a voz para sempre"."Mas como fizeste para... para não chegar até o fim?"."Ah!... Foi uma luz que brilhou em minha mente, o pensamento que me veio, talvez do fundo do coração: "O Mestre condena a violência", e então eu parei, sentindo com isso um choque ainda mais profundo do que aquele que tinha recebido da parede contra a qual me havia jogado o escriba, quando me agrediu. Fiquei com os nervos moídos... tanto que depois não mais teria tido força para enfurecer. Como cansa vencer a si mesmo!. "És mesmo um bravo! Não é verdade, Mestre? Não dizes o que achas?". Pedro está tão feliz com o ato de Judas, que nem vê como Jesus mudou daquele rosto iluminado de antes, para um rosto severo, que lhe escurece o olhar e fecha-lhe a boca, que parece se torne mais fina. Ele a abre para dizer: "Eu digo que estou mais desgostoso com o vosso modo de pensar, do que com a conduta dos judeus. Eles são uns infelizes, no escuro. Vós, que estais com a Luz, sois duros, vingativos. murmuradores, violentos, aprovadores do aio brutal, como eles. Digo-vos que me estais dando a prova de serdes sempre aqueles que éreis, quando me vistes pela primeira vez. E fico sentido com isso. Quanto aos fariseus, ficai sabendo que Jesus Cristo não foge. Vós, re- tirai-vos. Eu os enfrento. Não sou um covarde. Quando tiver faladas com eles e não os tiver convencido, me retirarei. Não se há de dizei que Eu não procurei, por todos os meios, atraí-los a Mim. Eles também são filhos de Abraão. Eu faço o meu dever até o fim. A conde nação deles há de ser causada unicamente por sua má vontade e não por algum descuido de minha parte para com eles". E Jesus vai em direção à casa, que mostra o seu telhado baixo, para lá de uma fileira de árvores despidas. Os apóstolos o seguem de cabeça baixa, falando baixo entre eles. 137.5 5 Ei-los na casa. Em silêncio entram na cozinha. E põem-se a trabalhar ao redor do fogão. Jesus está absorto em seu pensamento. Estão para começar a comer, quando um grupo de pessoas aparece à porta. "Aí estão eles", cochicha o Iscariotes. Jesus se levanta logo e vai ao encontro deles. É tão majestoso, que o pequeno grupo recua um passo, por um instante. Mas a saudação de Jesus ostranquiliza: "A paz esteja convosco. Que desejais?". Então os infames acham que podem atrever-se a tudo e arrogantemente o intimam: "Em nome da Lei santa, te ordenamos que deixei; este lugar. Tu, perturbados das consciências, violador da Lei, corrup-380

for das tranquilas cidades de Judá. Não tens medo do castigo do Céu, Tu, arremedador do Justo que está batizando no Jordão, Tu, que proteges as meretrizes? Fora da terra santa de Judá! Que o teu hálito não passe para dentro dos muros da cidade santa"."Eu não faço nada de mal. Ensino como rabi, curo como taumaturgo, expulso os demónios como exorcista. Estas categorias existem também em Judá. E Deus, que as quer, as faz respeitar e venerar por vós. Eu não peço veneração. Só peço que me deixem fazer o bem aos que estão enfermos na carne, na mente ou no espírito. Por que é que me proibis?"."Tu és um possuído. Sai daí"."O insulto não é uma resposta. Eu vos perguntei por que me proibis, enquanto que a outros o permitis"."Porque és um possuído, e expulsas os demónios e fazes milagres com a ajuda dos demónios".

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"E os vossos exorcistas então? Com ajuda de quem o fazem?"."Com a sua vida santa. Tu és um pecador. E para aumentar o teu poder, ainda te serves das pecadoras porque, no conúbio se aumenta a posse da força diabólica. A nossa santidade purificou a zona da tua cúmplice. Mas não permitimos que Tu fiques aqui, para não ficares atraindo outras fêmeas"."Mas esta casa é vossa?", pergunta Pedro, que se aproximou do Mestre, com um aspecto pouco recomendável."A casa não é nossa. Mas todo Judá e todo Israel está nas mãos santas dos puros de Israel"."Que seríeis vós!", termina o Iscariotes, que foi também para a saída e que termina com uma risada zombeteira. Depois, pergunta: "E o outro amigo vosso, onde está? Ainda está tremendo? Ó desavergonhados, ide-vos embora! E já. Senão eu vos farei arrepender de..."."Silêncio, Judas. E tu, Pedro, volta ao teu lugar. 6 Ouvi, vós, o fari- 137. 6 seus e escribas. Para o vosso bem, por piedade da vossa alma. Eu vos peço que não combatais contra o Verbo de Deus. Vinde a Mim. Eu não vos odeio. Conheço a vossa mentalidade e me compadeço dela. Mas quero levar-vos a uma mentalidade nova, santa, capaz de santi~icar-vos e de dar-vos o Céu. Mas credes vós que Eu tenha vindo para combater-vos? Oh! Não! Eu vim para salvar-vos. Eu vim para isto. Eu vos tomo sobre o coração. Eu vos peço amor e entendimento. Justamente porque sois os mais sábios de Israel, deveis compreender, mais do que todos, a verdade. Sede alma e não corpo. Quereis que Eu vos suplique de joelhos? A aposta é tão grande - a vossa alma - que381

sob os pés colocar-me-ia, para conquistá-la para o Céu, certo que o Pai não julgaria um erro essa minha humilhação. Dizei! Dizei uma palavra, que estou esperando!". "Maldição é o que dizemos". "Está bem. Está dito. Então, ide. Eu também me vou". E Jesus vira-lhes as costas, voltando ao seu lugar. Inclina a cabeça sobre a mesa e chora. Bartolomeu fecha a porta, para que nenhum dos cruéis, que o insultaram, e que se vão com ameaças e blasfémias contra o Cristo, veja este pranto. Um longo silêncio, e depois Tiago do Alfeu acaricia sobre a cabeça o seu Jesus e diz: "Não chores. Nós te amamos. Também por eles". Jesus ergue o rosto e diz: "Não choro por Mim. Choro por eles, que se matam, surdos a todos os convites". "Que faremos agora, Senhor?", pergunta o outro Tiago. "Iremos para a Galiléia. Amanhã de manhã partiremos". "Por que não hoje, Senhor?". "Não. Eu preciso saudar os bons deste lugar. E vós ireis Comigo".

138. Despedida do feitor de Águas Belas e do sinagoga Timoneo, que se torna discípulo.

16 de abril de 1945. 138.1 1 "'Senhor, eu não fiz mais do que o meu dever para com Deus, pai ; com o meu patrão e para com a honestidade da consciência. Aquela mulher foi por mim vigiada em todo o tempo em que era minha hospede e a vi sempre como mulher honesta. Pode ter sido até uma pecadora. Mas agora não é. Por que eu hei de ficar indagando a respeita, de um passado, sobre o qual ela pôs um cancelamento, para anulá-lo? Eu tenho filhos moços e que não são feios. E ela nunca mostrou o sã rosto, que na verdade é bonito, nem fez ouvir sua palavra. Posso dizer que ouvi o tom de sua voz de prata, só quando gritou, por ter sido ferida. Fora disso, o pouco que ela pedia e sempre a mim ou à minha mulher, o sussurrava atrás do véu, e tão baixo, que quase não se entendia. Vê também como foi prudente. Quando teve medo de que a sua presença pudesse causar prejuízos, foi-se embora... Eu lhe havia prometido defesa e ajuda. Mas ela não se valeu disso. Não. Não é aí; sim que fazem as mulheres perdidas! Eu rezarei por ela, como ela pediu, e mesmo sem esta lembrança.

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Toma isto aqui, Senhor. Faz esmo- 382

la com isto, para o bem dela. Feita por Ti, com certeza lhe trará paz". O feitor fala respeitosamente a Jesus. Ele é um belo homem, de rosto honesto e corpo robusto. Atrás dele estão seis filhos jovens par ácidos com o pai, seis rostos sinceros e inteligentes, e está também a esposa, uma mulherzinha delicada e amável, que escuta o seu marido, como se estivesse escutando um deus, anuindo, de contínuo, com u cabeça.Jesus pega a pulseira de ouro e a entrega a Pedro, dizendo: "Para os pobres". Depois, vira-se para o feitor: "Nem todos têm a tua retidão em Israel. Tu és sábio, porque distingues o bem do mal e segues o bem, sem calcular que vantagem humana há em fazê-lo. Em nome tio eterno Pai, Eu abençoo a ti, aos teus filhos, a tua esposa, a tua casa . Conservai-vos sempre nestas disposições de espírito e o Senhor estará sempre connosco, e tereis a vida eterna. Eu agora me vou. Mas não está dito que nunca mais nos vejamos de novo. Eu voltarei e vós podereis sempre vir a Mim. Por tudo o que fizestes por Mim e por aquela pobre criatura, Deus vos dê a sua paz".O feitor, os filhos, e, por fim, a mulher, ajoelham-se e beijam os pés de Jesus que, depois de um gesto de bênção, afasta-se junto com os seus discípulos, dirigindo-se para o povoado.2 "E se ainda estiverem por aí aqueles homens maus?", pergunta 138 2 Filipe."Não se pode impedir a ninguém que ande pelos caminhos da terra", responde Judas de Alfeu."Não. Mas para eles nós somos uns "malditos""."Oh! Deixa-os! Estás preocupado com eles?"."Eu só me preocupo, porque o Mestre não quer violências. E eles, sabendo disso, disso tiram vantagens", resmunga Pedro, por entre a barba. E certamente pensa que Jesus, que está falando com o Simão e o Iscariotes, não o esteja ouvindo.Mas Jesus o está ouvindo e, com um rosto meio severo, meio sorridiente, se vira e diz: "Pensas tu que Eu venceria, fazendo violência? Dura, este é um pobre sistema humano e que serve temporariamente, para obter vitórias humanas. Quanto tempo dura a violência? Dura até que ela, por si mesma, gere reações nos oprimidos e eles, reunindo-se, formem uma violência maior que abate a primeira. Eu não quero um reino temporário. Eu quero um reino eterno: o Reino dos Ceus. Quantas vezes vo-los disse? Quantas vezes deverei dizê-lo? Compreendê-lo-eis algum dia? Sim, chegará o momento em que o compreendereis". 383

"Quando, meu Senhor? Eu tenho pressa de compreender, para sã menos ignorante", diz Pedro."Quando? Quando fordes moídos como o grão, entre as pedras da dor e do arrependimento. Poderíeis, ou melhor, deveríeis compreender antes. Mas, para fazer isto, deveríeis destruir a vossa humanista de e deixar livre o espírito. E esta força sobre vós mesmos, vós não ; sabeis fazer. Mas compreendereis... compreendereis. E então compreendereis também que Eu não podia usar de violência, meio humanos. para estabelecer o Reino dos Céus: o Reino do espírito. Mas, por enquanto, não tenhais medo. Aqueles homens, de que vos preocupais não nos farão nada. Para eles basta que me tenham expulsado". "Mas não era mais fácil mandar avisar ao sinagogo para que ela fosse ao feitor, ou que nos ficasse esperando na estrada mestra?". "Oh! Que homem prudente está hoje o meu Tomé! Não era fácil não. Ou melhor, era mais fácil, mas não era justo. Ele mostrou heroísmo por Mim e, em sua casa, foi insultado por minha causa. É justo que Eu, na sua casa, o á consolar". Tomé encolhe os ombros e não fala mais. 138 3 3 is o povoado, vasto, mas muito rural, com casas por entre os po-mares, agora despojados de folhas, e com muitos rebanhos. Deve um lugar adequado para a pastorícia, porque, por todos os lados se ouve um grande balir por rebanhos, que vão e vêm pelos pastos da planície. A costumeira encruzilhada de caminhos e, no lugar do cruzamento, está a praça, com a fonte ao centro. E ali está a casa do sinagogo.Quem abre a porta é uma mulher idosa, que tem claros sinais de pranto em seu rosto. No entanto, ao ver o Senhor, faz um gesto ele alegria e se prostra no chão, com palavras de bênção.

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"Levanta-te, mãe. Eu vim para me despedir de vós. Onde está teu filho?"."Está ali...". E acena para um quarto no fundo da casa. "Vieste para consolá-lo? Eu não sou capaz..."."Ele, então, está desconsolado? Lamenta-se por me ter defendi do?" ."Não, Senhor. Mas está com um escrúpulo. Tu o ouvirás. Eu vou chamá-lo"."Não. Vou Eu. Vós, esperai aqui. Vamos, mulher".Jesus atravessa os poucos metros do vestíbulo, empurra a porte, entra no quarto, aproxima-se devagar de um homem sentado, inclinado para o chão. absorto em dolorosas meditacões. 384

"A paz esteja contigo, Timoneo"."Senhor! Tu! "."Eu. Por que estás tão triste?"."Senhor... Eu... Disseram-me que pequei. Disseram-me que sou anátema. Eu me estou examinando. E não me parece que seja. Mas eles são os santos de Israel, e eu o pobre sinagogo. Certamente eles tem razão. Agora eu não ouso mais levantar o olhar para o rosto irado de Deus. E precisaria tanto disso, nesta hora! Eu o servia com verdadeiro amor e procurava torná-lo conhecido. Agora vou ficar privado deste bem, porque o Sinédrio, com certeza, me amaldiçoa"."Mas, qual é a tua dor? É por deixares de ser o sinagogo ou de fiar impossibilitado de falar em Deus?"."Mas é isto, Mestre, que me causa dor! Penso que Tu me queres dizer se não fico triste de não ser mais o sinagogo por causa das vantagens e da honra que o cargo me traz. Não penso nisso. Só tenho ninha mãe, que nasceu em Aera, onde tem uma casinha. O teto e com que viver ela tem. Quanto a mim... eu sou jovem. Trabalharei. Mas nunca mais terei coragem de falar de Deus, porque eu pequei"."Por que pecaste?"."Dizem que sou cúmplice do... Oh Senhor! Não me facas dizer!... "."Não. Eu o digo. Não, nem o digo. Eu e tu conhecemos as acusaçoes deles e Eu e tu sabemos que elas não são verdadeiras. Portanto, tu não pecaste. É o que te digo"."Então eu posso ainda levantar o meu olhar para o Onipotente? E te posso..."."O que, filho?". Jesus está cheio de doçura, enquanto se curva para aquele homem, que bruscamente se deteve, como atemorizado. "Deixa disso! Meu pai está procurando o teu olhar, e o quer. E Euquero o teu coração e o teu pensamento. Sim, o Sinédrio te punirá._Eu te abro os braços e digo: "Vem". Queres ser meu discípulo? Eu vejo em ti tudo o que é necessário para seres um operário do Patrão , eterno. Vem à minha vinha..."."Estás falando de verdade, Mestre? Mãe... estás ouvindo? Eu estou feliz, minha mãe! Eu... bendigo esta dor, porque me deu esta ale-ia. Oh! Vamos fazer uma grande festa, mãe! Depois, eu irei com o Mestre e tu voltarás para a tua casa. Eu vou logo, meu Senhor, pois .~ abaste com todo o meu temor, com minha dor e meu medo de Deus."Não. Tu esperarás a palavra do Sinédrio. Com coração sereno e385

sem ódio. Fica em teu lugar, enquanto nele fores deixado. Depois, li alcançarás em Nazaré ou em Cafarnaum. Adeus. A paz esteja contigo e com tua mãe"."Não te deténs em minha casa?"."Não. Eu irei à casa de tua mãe""E um povoado pouco fiel"."Eu lhe ensinarei a fidelidade. Adeus, mãe. Estás feliz agora'` Jesus a acaricia, como sempre faz com as mulheres idosas, às quê . percebo, quase sempre dá o nome de "mãe"."Estou feliz, Senhor. Eu havia criado um varão para o Senhor. 1` " Senhor o toma como servo do seu Messias. Seja bendito por isto

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Senhor. Bendito sejas Tu, que és o Messias. Bendita seja a hora que vieste. Bendito seja o meu filho, chamado para o teu serviço"."Bendita seja a mãe santa, como a Ana de Elcana. A paz está á; connosco".Jesus sai, seguido pelos dois. Chega até os discípulos, saúda de nóvo e começa a sua volta para a Galiléia.

139. Nos montes perto de Emaús. O caráter de Judas Iscariotes e as qualidades dos bons.

17 de abril de 1945. 139.1 1 Jesus está com os seus em um lugar muito montanhoso. O caminho é desconfortável e áspero, e os mais velhos vão-se cansando má to. Os jovens, ao invés, estão alegres perto de Jesus, e vão subindo com agilidade, conversando entre eles.Os dois primos, os dois filhos de Zebedeu e André estão contento pensando que estão voltando para a Galiléia, e a alegria deles é tu que contagia até o Iscariotes que de algum tempo para cá, tem esta com as melhores disposições de espírito. Ele se limita a dizer: "M;^l Mestre, pela Páscoa, quando viermos ao Templo... voltaremos a Keriot? Minha mãe sempre espera ver-te lá em casa. Mandou-me dizias E o mesmo se diga dos meus conterrâneos..."."Certamente. Mas agora, ainda que o quiséssemos, esta é uma estação muito rigorosa para viajar por aqueles caminhos intransitáveis Vede como por aqui já é cansativo. E, se não fosse aquela imposto não teria empreendido agora este caminho... Mas não se podia mal ficar...". Jesus se cala, pensativo."E depois, quero dizer, pela Páscoa, poderíamos ir? Eu queria386

mostrar a tua gruta ao Tiago e ao André", diz João."Estás esquecido do amor de Belém por nós?", pergunta o Iscariotes. "Ou melhor, pelo Mestre"."Não. Mas eu iria com o Tiago e o André. Jesus poderia ficar em Juta ou em tua casa..."."Oh! Isto me agrada. Farás assim, Mestre? Eles vão a Belém e Tu ficas comigo em Keriot. Só comigo, nunca estiveste... e tenho tanto desejo de ter-te todo para mim..."."És ciumento? Não sabes que Eu vos amo a todos do mesmo modo? Não crês que Eu estou com todos vós, mesmo quando pareço estar longe?"."Eu sei que nos amas. Se não nos amasses, deverias ser bem mais severo, pelo menos comigo. Creio que o teu espírito vela sempre sobre nós. Mas nós não somos só espírito. Somos também o homem, com os seus amores de homem, os seus desejos, as suas saudades. Meu Jesus, eu sei que não sou eu aquele que te faz mais feliz. Mas creio que Tu sabes como é vivo em mim o desejo de agradar-te e a dor por todas as horas que te perco, por causa de minha miséria..."."Não, Judas. Eu não te perco. Estou mais perto de ti do que dos outros, justamente porque conheço quem és tu".2 O que sou, meu Senhor? Diz. Ajuda-me a compreender o que eu 139.2 sou. Eu não me entendo. Parece-me que sou como uma mulher perturbada por desejos de concebimento. Tenho apetites santos e apetites depravados. Por que? O que eu sou?".Jesus olha para ele com um olhar indefinível. Está triste, mas com uma tristeza cheia de piedade. Muita piedade. Parece um médico que constata o estado de um doente e sabe que é um doente incurável... Mas não diz nada."Diz, meu Mestre. O teu julgamento será sempre o menos severo de todos sobre o pobre Judas. E, além disso, estamos entre irmãos. Não me importa que saibam de que é que sou feito. Pelo contrário, sabendo por meio de Ti, corrigirão os seus julgamentos e me ajudarão, não é verdade?".

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Os outros estão embaraçados e não sabem o que dizer. Olham para o companheiro e olham para Jesus.Jesus puxa para perto de si o Iscariotes, colocando-o no lugar em que antes estava o seu primo Tiago, e lhe diz: "Tu és simplesmente um desordenado. Tens em ti todos os melhores elementos. Mas não os tens bem firmes. Por isso, o menor sopro de vento faz desmoronar tudo. Pouco tempo atrás, passamos por aquele desfiladeiro e lá nos387

mostraram o dano que sofreram as pobres casas daquele povoado, pele causa da água, da terra e das árvores. Ora, a água, a terra e as árvores são coisas úteis e abençoadas, não é mesmo? Contudo, naquele lugar se tornaram malditas. Por que? Porque a água da torrente não tinha um curso bem regulado, mas também pela inércia do homem, foi cavando mais leitos, segundo os seus caprichos. Tudo estava bonito, ex quanto não chegava alguma tempestade. Então era como um trabalho de ourives: aquela água clara, que banhava o monte em pequenos regatos, adereços de diamantes ou colares de esmeraldas, conforme estivesse refletindo a luz ou a sombra dos bosques. E o homem se ali grava, porque para os seus pequenos campos aquelas águas, que agora desciam tagarelando, eram muito úteis. Assim como eram belas . árvores nascidas, por causa de uma brincadeira dos ventos, em gra- ciosas moitas aqui e ali, deixando clareiras cheias de sol E bela era l terra fofa, ali depositada por quem sabe quantas aluviões, entre ondulações do monte, tão fértil para as culturas. Mas bastou que chegassem as tempestades de um mês atrás, para que os caprichosos rãs gatos da torrente se unissem e, desordenadamente, extravasassem para um outro caminho, levando de roldão as plantas que não estavam em ordem e arrastando para o vale as terras desbarrancadas. Se águas tivessem sido distribuídas com ordem e as plantas tivessem sé do plantadas em ordenados bosques, se àquela terra, em tempo, tiver sem sido dados uns arrimos, então os três bons elementos, que saí ; madeira, a água e o solo não se teriam transformado em causa de rui na e morte para aquele pequeno povoado. Tu tens inteligência, coragem, instrução, prontidão, prestància. Tens tantas e tantas coisas. Mas em ti elas estão selvagemente dispostas e tu as deixas assim. Vè tu tens necessidade de um trabalho paciente e constante sobre ti meã mo, para pôr ordem, que também é vigor, em tuas qualidades, de má do que, quando vier a tempestade da tentação, o bem, que em ti exibi te, não se transforme num mal para ti e para os outros"."Tens razão, Mestre. De vez em quando, sinto-me transtornam por um vento e tudo se complica. E tu dizes que eu poderia..."."A vontade é tudo, Judas".139. 3 3 "Mas há tentações tão mordentes... que se esconde por medo de que o mundo as leia no rosto"."Eis o erro! Seria justamente aquele o momento para não esconder-se. Mas de procurar o mundo, aquele dos bons, para ter dela uma ajuda. Também o contato com a paz dos bons, acalma a febre. E procurar também o mundo dos criticadores porque, por aquele orgu-388

Iho que nos leva a esconder-se para não ser "lidos" em nossos espíritos tentados, isso serviria como uma reação contra a fraqueza moral. E não se cairia"."Tu te foste colocar no deserto..."."Porque podia fazê-lo. Mas ai dos sozinhos, se não forem, em sua solidão, multidão contra multidão"."Como? Não entendo"."Multidão de virtudes contra multidão de tentações. Quando a virtude é pouca, é preciso fazer como esta hera indolente: agarrar-se aos ramos das árvores robustas, para poder subir"."Obrigado, Mestre. Eu me agarro a Ti e aos companheiros. Mas, ajudai-me, vós todos. Todos vós sois melhores do que eu"."Foi melhor o ambiente parco e honesto no qual nós crescemos, amigo. Mas agora tu estás conosco, e nós te queremos bem. Verás... Não é para criticar a Judéia, mas podes crer que na Galiléia há, ao

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menos nos nossos povoados, menos riqueza e menos corrupção. Tiberiades, Magdala e outros lugares de tripudio, estão perto de nós. Mas nós vivemos com a "nossa" alma simples, rústica, se quiseres, mas operosa, santamente contentes com o que por Deus nos foi concedido", diz Tiago do Alfeu."Mas a mãe de Judas é uma santa mulher, sabes, Tiago? Nela se vê escrita a bondade no rosto", objeta João.Judas de Keriot lhe sorri feliz pelo elogio, e o seu sorriso aumenta, quando Jesus confirma: "Disseste bem, João. É uma santa criatura"."É sim. Mas o sonho de meu pai era fazer de mim um grande do mundo, e me separou, muito cedo, e por demais profundamente, da minha mãe...".4 "Mas, que tendes a dizer, que estais sempre falando?", pergunta, 139.4 de longe, Pedro. "Parai! Esperai-nos. Não é bonito que vades andando assim, sem pensar que eu sou de pernas curtas".Param, então, até que o outro grupo se aproxime deles."Puxa! Como eu gosto de ti, meu barquinho! Aqui se cansa como escravos... Que é que estáveis dizendo?"."Falávamos das qualidades necessárias para ser bons", responde Jesus."E não as dizes a mim, Mestre?"."Certamente que sim: ordem, paciência, constância, humildade, caridade... Já falei nelas muitas vezes!"."Mas, da ordem, não. A que vem ela?"."A desordem nunca foi boa qualidade. Eu expliquei isto a estes389

teus companheiros. Eles te falarão. E a pus em primeiro lugar, enquanto que pus no último a caridade, porque são as duas pontas da reta da perfeição. Agora tu sabes que uma reta, colocada no plana não tem princípio nem fim. Ambas as extremidades podem ser o princípio e podem ser o fim, enquanto que, em uma espiral, ou em qualquer outro desenho, que não seja fechado sobre si mesmo, h; sempre um princípio e há um fim. A santidade é linear, simples, perfeita, e não tem mais do que duas extremidades, como uma rota"."É fácil fazer uma reta...". "Achas? Estás enganado. Em um desenho, mesmo que ele seja complicado, pode passar despercebido qualquer defeito. Mas na linha reta, logo se vê qualquer erro, ou de inclinação, ou de hesitar José, quando me ensinava o oficio, insistia muito na direitura das tábuas e justamente, me dizia: "Estás vendo, meu filho? Uma leve ia perfeição, num ornato ou em um trabalho de torno, pode ainda passar, porque os olhos, se não forem muito espertos, quando olham para um ponto, não estão vendo o outro. Mas se uma tábua não estiver reta como deve, nem o trabalho mais simples, como é uma pobre mesa de camponeses, ficará bem. Ou encurva, ou enverga. Só serve para o fogo" Podemos dizer isto também à respeito das almas. Para não ficar servindo só para o fogo do inferno, ou seja, para conquista " Céu, é preciso que sejam perfeitos, como uma tábua aplainada e te quadrejada como deve ser. Quem começa o seu trabalho espiritual com desordem, começando pelas coisas inúteis, saltando, como Um pássaro irrequieto, daqui para ali, acaba não conseguindo mais quando quiser reunir as partes do trabalho. Elas não combinam. Por isso, ordem. Por isso, caridade. Depois, mantendo fixas em dois tom ninhos estas extremidades, de modo que elas nunca escapem, trabalhar em todo o resto, sejam ornatos ou entalhes. Entendeste?"139.5 5 “Entendi '. Pedro mastiga em silêncio a sua lição e conclui, de repente: "Então meu irmão está mais adiantado do que eu. Ele é orce nado mesmo. Um passo depois do outro, calado, calmo. Parece que não se move e ao invés... Eu queria fazer logo e muito. E não faço nó da. Quem me ajuda?"."O teu bom desejo. Não temas, Pedro. Tu também fazes. Tu te vai fazendo " ."E eu?"."Tu também, Filipe".

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"E eu? Parece-me que não sou mesmo bom para nada". "Não, Tomé. Tu também trabalhas. Todos, todos vós trabalhai 390

Sois umas árvores selvagens, mas os enxertos vos fazem mudar, lentamente e com segurança, e Eu tenho em vós a minha alegria"."Aí está. Estamos tristes e Tu nos consolas. Fracos, e nos fortaleces. Medrosos, e nos dás coragem. Para todos, e para todos os casos, tens sempre um conselho e um conforto. Como é que fazes, Mestre, para estares sempre pronto e bom assim?"."Meus amigos, Eu vim para isto, sabendo já o que teria que encontrar e o que devia fazer. Sem ilusões, não se tem desilusões, nem se perde o fôlego. Vai-se adiante. Recordai-vos disso, para quando tiverdes que trabalhar com o homem animal para fazerdes dele o homem espiritual".

140. Em Emaús, na casa do sinagogo Cléofas. Um caso de incesto. Fim do primeiro ano.18 de abril de 1945.

1 João com o seu irmão, batem à porta de uma casa do povoado. 140.1 Reconheço a casa onde entraram os dois discípulos de Emaús, em companhia de Jesus ressuscitado. Quando lhes foi aberta a porta, entram e com certeza conversam com alguém que não estou vendo. Depois saem e vão por um caminho, alcançando Jesus, que está com os outros, parado em um lugar afastado."Ele está, Mestre. E está todo feliz, por teres vindo mesmo. Ele nos disse: "Ide dizer-lhe que a minha casa é sua". Agora, eu também vou"."Então vamos".Caminham por algum tempo e depois encontram o velho sinagogo Cléofas, visto em Águas Belas. Inclinam-se reciprocamente, mas depois o ancião, que parece um patriarca, ajoelha-se, com uma reverente saudação. Alguns cidadãos, ao verem isto, aproximam-se, curiosos.O velho se levanta e diz: "Eis o Messias prometido. Lembrai-vos deste dia, ó cidadãos de Emaús".Uns observam com uma curiosidade toda humana, enquanto outros têm olhares de um religioso respeito. Dois abrem caminho e dizem: "A paz esteja Contigo, Rabi. Nós também estávamos lá, naquele dia"."A paz esteja convosco e com todos. Vim, como me havia pedido o vosso sinagoga"."Farás milagres aqui também?".391"Se houver aqui filhos de Deus, que crêem e têm necessidade do391

milagre, certamente Eu o farei".O sinagoga diz: "Aqueles que querem ouvir o Mestre, vão à sinagoga. E também quem tiver doentes. Posso dizer isso, Mestre?"."Podes. Depois da hora sexta, Eu serei todo para vós. Agora Eu sou do bom Cléofas".E seguido por um grupo de pessoas, prossegue ao lado do velho, até à sua casa"Eis o meu filho, Mestre. E a minha mulher. E esta é a mulher do meu filho, com seus meninos pequenos. Muito me desagrada que o outro filho esteja, junto com o sogro do meu filho Cléofas, em Jerusalém, em companhia de um infeliz daqui... Depois te direi. Entra, Senhor, com os teus discípulos".

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Eles entram e comem alguma coisa, conforme os costumes dos hebreus. Depois aproximam-se do fogo, que está aceso em um grande fogão, pois o dia está úmido e frio."Daqui a pouco vamos sentar-nos à mesa. Convidei os notáveis dói lugar. É uma grande festa hoje. Nem todos estão crendo em Ti. Mas tampouco são teus inimigos. São somente uns indagadores... Quereriam crer. Mas temos ficado decepcionados muitas vezes, nestes últimos tempos, a respeito elo Messias. Há muita desconfiança. Bastaria uma palavra do Templo para acabar com toda dúvida. Mas o Templo... Eu tenho pensado que, vendo-te e ouvindo-te, assim, simplesmente, muita coisa se possa fazer neste sentido. Eu gostaria de dar-te verdadeiros amigos". "Tu és um deles". I "Eu sou um pobre velho. Se eu fosse mais jovem, te seguiria. Mas; | os anos pesam". I "Já me serves com o teu crer. Falas de Mim com a tua fé. Ficai I tranquilo, Cléofas. Eu não te esquecerei na hora da Redenção".140.2 2"Eis o Simão com o Hermes. Estão chegando", avisa o filho do sinagogo. Levantam-se todos, enquanto entram dois de meia idade e de aspecto senhoril."Este é o Simão e este é o Hermes, Mestre. São verdadeiros israelitas. Mas são sinceros em seus espíritos"."Deus se revelará aos seus espíritos. Por enquanto, que a paz desça sobre eles. Sem paz, não se ouve a Deus"."Está dito também no livro dos Reis, falando de Elias"."Estes são os teus discípulos?", pergunta o que tem o nome de Simão.392

"Sim""São de todas as idades e lugares. E Tu, és galileu?"."De Nazaré. Mas nascido em Belém, no tempo do censo"."Então és belemita. Isto está confirmado por tua figura"."É uma confirmação bondosa, para a fraqueza humana. Mas a confirmação mesmo está no sobre-humano"."Em tuas obras, queres dizer", diz Hermes."Nelas e nas palavras, que o Espírito acende sobre os meus labios"."Já me foram repetidas por pessoas que te ouviram. Verdadeiramente grande é a tua sabedoria. E com ela pretendes fundar o teu Reino?"."Um rei deve ter súbitos, que conheçam as leis do seu reino"."Mas as tuas leis são todas espirituais!"."Tu o disseste, Hermes. Todas espirituais. Eu terei um reino espiritual. Para isso, tenho o código espiritual"."Mas, e a reconstrução de Israel, então?"."Não caiais no erro comum de tomar o nome Israel no sentido que ele tem no significado humano. Israel quer dizer "Povo de Deus". Eu reconstituirei a liberdade e o poder verdadeiro deste povo de Deus e o reconstituirei, ao entregar ao Céu as almas, redimidas e tornadas conhecedoras das eternas verdades".3 ""Vamos sentar-nos à mesa. Eu w -lo peço", diz Cléofas, que toma 140 3 lugar com Jesus, ao centro. À direita de Jesus está Hermes e ao lado de Cléofas está Simão, depois o filho do sinagogo e, nos outros lugares, os discípulos.Jesus, a pedido do hóspede, oferece e abençoa, e tem início a refeição."Estás vindo para estes lados, Mestre?", pergunta Hermes."Não. Estou indo para a Galiléia. Aqui Eu virei de passagem"."Como? Estás deixando Águas Belas?"."Sim, Cléofas"."Aí vinham as turbas, não obstante fosse inverno. Por que as decepcionas?" ."Não Eu. Assim querem os puros de Israel"."Que é isso? Por que? Que mal estavas fazendo? A Palestina tem muitos rabis, que falam onde querem. Por que isso não te é concedido?".

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"Não faças indagações, Cléofas. És velho e sábio. Não ponhas em teu coração um tóxico de amargo conhecimento".393

"Mas talvez Tu estivesses ensinando doutrinas novas, julgadas peririgosas, oh! certamente por erro de avaliação, por parte dos escriba; e fariseus? Tudo o que de Ti sabemos não nos parece... não é verdades Simão? Mas talvez nós não estejamos sabendo de tudo. Para ti, em que é que consiste a Doutrina?", pergunta Hermes."No conhecimento exalo do Decálogo. No amor e na misericórdia O amor e a misericórdia, esta respiração e este sangue de Deus, são . norma de minha conduta e da minha doutrina. E dela Eu faço a aplicação em todos os difíceis momentos de minha jornada"."Mas isto não é uma culpa! E uma bondade"."Foi julgado como culpa pelos escribas e fariseus. Mas Eu não posso mentir, quanto à minha missão, nem desobedecer a Deus, que mi mandou como "Misericórdia sobre a terra". Chegou o tempo da Misericórdia plena, depois dos séculos da Justiça. Esta é irmã da primeira Como duas nascidas do mesmo ventre; mas, enquanto antes era mais. forte a Justiça, e a outra somente temperava o seu rigor - porque Deus não pode proibir-se de amar- agora a rainha é a Misericórdia, e, como se alegra com isso a Justiça, que tanto sofria por ter que punir! Saí olhardes bem, vereis facilmente que sempre existiram, desde queHomem obrigou a Deus de usar de severidade. O subsistir da Humanidade, não é mais que a prova do que Eu digo. Na mesma punição de Adão está presente a misericórdia. Deus podia reduzi-los a cinzas n" seu pecado.Deu-lhes a possibilidade de fazer expiação, e na mulher causadora de todo o mal, aviltada por isso, por ser causa do mal, fez brilhar uma figura de Mulher, causa do bem. Aos dois concedeu os filhos e os conhecimentos da existência. Ao assassino Caim, junto com a justiça, concedeu o sinal, e que era de misericórdia, para que nau fosse morto. E à Humanidade corrompida concedeu Noé, para que a conservasse na arca e, em seguida, prometeu um pacto sempiterno de paz. Não mais o feroz dilúvio. Não mais. A Justiça cedeu, diante da Misericórdia. Quereis remontar Comigo a História Sagrada, até chegarmos a este meu momento? Vereis sempre, e cada vez mais vastas. repetir-se as ondas do Amor. Agora está cheioo mar de Deus, e ele te levanta, ó Humanidade, sobre as suas águas doces e serenas, te eleva para o Céu, limpa, bela, e te diz: "Eu te entrego ao meu Pai"".Os três estão absortos e estupefatos, diante de tanta luz de amor.104 Depois Cléofas suspira: "Mas tal és só Tu! 4 Que terá acontecido ao José? Já deveria ter sido ouvido! Terá sido?".Ninguém responde.394

Cléofas vira-se para Jesus: "Mestre, uma pessoa de Emaús, cujo pai, há tempo, repudiou a mulher, a qual foi morar em Antioquia com um irmão, o qual era dono de um empório, incorreu em falta grave. Ele nunca tinha conhecido aquela mulher expulsa, e eu não indago as causas, depois de poucos meses de casamento. Nada ficou sabendo dela porque, naturalmente, o seu nome não se pronunciava mais naquela casa. Uma vez feito homem e tendo herdado do pai negócios e bens, pensou em casar-se e, tendo conhecido em Jope uma mulher, dona de um rico empório, a desposou. Agora, eu não sei como soube, tornou-se conhecido o falo de que aquela mulher era filha da mulher do pai dele. Por isso, pecado grave, embora, a meu ver, seja muito incerta a paternidade da mulher. José, atingido pela condenação, teve destruída, com um só golpe, a sua paz de fiel e a de marido. E, não obstante, com grande dor, tenha repudiado a mulher, que talvez fosse sua irmã, a qual, pela dor, foi atacada pela febre e morreu, ele não está sendo perdoado. Em consciência eu digo que, se não houvesse inimigos rondando os seus bens, ele não teria sido condenado. E Tu, que farias?"."O caso é muito grave, Cléofas. Quando vieste a Mim, por que não me falastes nele?"."Eu não queria afastar-te daqui.."Oh! Mas não é por estas coisas que Eu sou expulso! Agora escuta. Materialmente há incesto. E por

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isso há punição. Mas a culpa, para que seja moralmente culpa, deve ter como base a vontade de pecar. Esse homem terá cientemente cometido incesto? Tu dizes que não. Então, onde está a culpa? Quero dizer: a culpa de ter querido pecar? Resta aquela da convivência com a filha do próprio pai. Mas tu dizes que é incesto se tal ela era. E mesmo que tal fosse, a culpa cessa ao cessar a convivência. Neste caso, houve esta cessação com certeza, não só pelo repúdio, mas pela morte que sobreveio. Onde Eu digo que o homem deveria ser perdoado, mesmo do aparente pecado. E digo que, uma vez que não existe condenação para o incesto dos reis, que permanece visível à luz do mundo, assim se deveria ter piedade desse doloroso caso, cuja origem remonta aquela licença de repúdio concedida por Moisés, para evitar males, se não mais graves, mais numerosos. Aquela licença que Eu condeno, porque a pessoa que tiver contraído núpcias, bem ou mal, deve viver com seu cônjuge e não repudiá-lo, favorecendo adultérios e situações semelhantes a esta. Além disso, Eu repito, para ser severo, é necessário que o seja na mesma medida para com todos. Primeiramente para consigo mesmos e com os grandes. Agora, que Eu saiba, ninguém, exceto o Batista, levantou395

a voz contra o pecado régio. Os que condenam, são imunes de culpará semelhantes ou piores ou então a elas tira a visão o nome e o podei assim como o pomposo manto protege seus corpos, muitas vezes do entes por causa dos seus vícios?". "Bem dissestes, Mestre. Assim é. Mas em suma, Tu, quem és? perguntam, ao mesmo tempo, os dois amigos do sinagoga. 140. 5 5 Jesus não chega a responder, porque se abre a porta e entra Simão, o sogro do Cléofas filho. "Bem-vindo! E então?". A curiosidade é tão viva, que ninguém pensa mais no Mestre."Então... condenação absoluta. Não aceitaram nem a oferta do s<a orifício. José está cortado de Israel"."Onde ele está?"."Aí fora. E está chorando. Procurei falar com os mais poderosos; Expulsaram-me como a um leproso. Agora... Mas... Aquele homem está arruinado. Em seus bens e em sua alma. Que quereis que faça?".Jesus se levanta e se encaminha para a porta, sem dizer uma pá lavra.O velho Cléofas acha que Ele tenha ficado ofendido pelo descoso diz: "Oh! Mestre, perdoa! Mas é a dor por este falo que perturba minha mente. Fica, eu te peço!"."Eu fico, Cléofas. Só estou indo ao infeliz. Vinde Comigo, se quiserdes " .Jesus sai até o vestíbulo. A casa tem uma nesga de terreno na frente e uns pequenos canteiros, além dos quais passa o caminho. Jogada, ao chão, sobre a soleira, está um homem. Jesus vai até perto dele, com as mãos estendidas. Atrás estão todos os outros, procurando ver."José, ninguém te perdoou?", diz Jesus com toda doçura.O homem estremece, ao ouvir aquela voz nova e tão boa, depois dói tantas vozes de condenação. Levanta o rosto e o olha espantado."José, ninguém te perdoou?", torna a dizer Jesus e se inclina pará segurar as mãos do homem, procurando levantá-lo."Quem és?", pergunta o infeliz."Sou a Misericórdia e a Paz"."Para mim não há mais misericórdia nem paz"."No seio de Deus isso sempre se encontra. Aquele seio está repleto, dessas coisas, especialmente para os filhos infelizes"."Mas minha culpa é tal que sou um cortado de Deus. Deixa-m. Tu, que com certeza és bom, para que não te contamines"."Eu não te deixo. Quero levar-te a paz".396

"Mas eu estou... Tu quem és?"."Eu já te disse: a Misericórdia e a Paz. Sou o Salvador. Sou Jesus. Levanta-te. Eu posso o que quero. Em nome de Deus, te absolvo da tua involuntária contaminação. O outro mal não existe. 6

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Eu sou o 140.6 Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo. A Mim foi deferido pelo Eterno todo julgamento. Quem crê em minha palavra terá a vida eterna. Vem, pobre filho de Israel. Restaura o teu corpo cansado e fortifica o teu espírito abatido. Bem outras culpas Eu perdoarei. Não. Não virá de Mim o desespero dos corações! Eu sou o Cordeiro sem mancha, mas não fujo das ovelhas feridas por medo de me contaminar. Pelo contrário, as procuro e as levo Comigo. Muitos, muitos são os que vão indo para completa ruína, por causa de uma severidade exagerada, até injusta, nos julgamentos. Ai daqueles que, por um rigor intransigente, levam um espírito a desesperar! Eles trabalham, não pelos interesses de Deus, mas pelos de Satanás. Agora, estou vendo uma pecadora, ansiosa por sua redenção, sendo afastada do Redentor, vejo perseguido um sinagoga porque justo, vejo ser condenado alguém que, inadvertidamente, caiu em culpa. Muitas coisas estou vendo serem feitas, lá onde estão vivos o vício e a mentira. E assim como um muro, que tijolo a tijolo, vai-se erguendo e virando uma parede, assim as coisas que Eu já vi, e, no período de um ano já vi demais, estão levantando entre Mim e eles um muro de dureza. Ai deles quando tudo estiver levantado com os materiais dados por eles mesmos! Toma: bebe e come. Estás exausto. Depois, amanhã, virás Comigo. Não temas. Quando tiveres voltado a ter paz de espírito, estarás livre para pensar sobre o teu futuro. Agora não poderias fazê-lo, e seria perigoso deixar que o fizesses".Jesus que levou o homem para a sala, e o forçou a sentar-se em seu lugar, também o serve e depois se dirige ao Hermes e ao Simão e diz: "Esta é a minha Doutrina. Esta, e não outra. E não me limito a pregá-la. Mas a torno uma realidade. Quem tem sede de Verdade e Amor venha a Mim". 7 Jesus diz: 140.7 "E com isto termina o primeiro ano de evangelização. Tomai nota disto. Que vos direi? Eu o dei porque era meu desejo que fosse conhecido. Mas como com os fariseus acontece com este trabalho. O meu desejo de ser amado - conhecer é amar - é rejeitado por demasiadas coisas. E isto é para Mim, uma grande dor, o Mestre eterno ser aprisionado por vós... ".397__________

Segundo ano da Vida pública de Jesus.

141. Indo para Arimatéia com os discípulos e com José de Emaús.19 de abril de 1945. 141.1 1 ' 'Senhor. que faremos com este?", pergunta Pedro a Jesus, indicando o homem chamado José, que os segue, desde que deixaras Emaús e que agora está ouvindo os dois filhos de Alfeu, que se ocupam particularmente dele."Eu já disse. Ele vai conosco até a Galiléia"."E depois?..."."Depois... ele fica conosco. Verás que assim vai acontecer"."Vai ser discípulo, ele também? Depois daquele falo que sucede com ele?"."És fariseu, tu também?"."Eu não! Mas... parece-me que os fariseus estão de olhos em nele; até demais... "."E se eles o vêem conosco, vão dar-nos aborrecimentos. Tu quer dizer isto. E então, pelo medo de sermos perturbados, deveriamdeixar um filho de Abraão entregue à desolação? Não, Simão Pedra Ele é uma alma que se pode perder ou se pode salvar, conforme o mo do como for tratada a sua grande ferida"."Mas os teus discípulos já não somos nós?...".Jesus olha para Pedro e sorri amavelmente. Depois diz: "Um dia há muitos meses, Eu te disse:

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"Muitos outros ainda virão...". O campa é vasto, muito vasto. Os trabalhadores serão sempre insuficientes. por causa da vastidão do campo... e também porque muitos farão como Jonas: morrerão na aspereza do trabalho. Mas vós sereis sempre os meus prediletos", termina Jesus, puxando para perto de si o per turbado Pedro que, com esta promessa, se tranquiliza."Então ele vai conosco?"."Sim. Até que se fortaleça o seu coração, que está envenenado p tanto ódio que teve que suportar. Está intoxicado".Tiago e João, junto com André, alcançam também o Mestre e escutam. 141.2 2 " Vós não podeis avaliar o mal imenso que um homem pode fazer398

outro com a sua intransigência hostil. Eu vos peço que vos recordeis de que o vosso Mestre sempre foi muito benigno para com os enfermos espirituais. Vós pensais que os meus maiores milagres e minha principal virtude sejam manifestador nas curas dos corpos. Não, amigos... Sim, vinde aqui também vós, que estais na frente e vós que estais atrás de Mim. O caminho é largo e podemos andar por ele em grupo".Todos se apertam Junto a Jesus, que prossegue:"As minhas principais obras, as que mais testemunham a minha natureza e a minha missão, que são olhadas com alegria pelo meu Pai, são as curas dos corações, sejam elas curas de um ou mais vícios capitais, sejam desolações que abalam aqueles que se persuadiram de que estão sendo punidos por Deus, abandonados por Deus.Uma alma que perdeu esta certeza da ajuda de Deus, que é ela ainda? É como uma trepadeira mirrada, que se arrasta no pó, não podendo mais agarrar-se à idéia que era a sua força e a sua alegria. Viver sem esperança é um horror. A vida, em suas asperezas, é bela, somente porque recebe estes raios de Sol divino. Esta vida tem como meta aquele Sol. É tétrico o dia humano, molhado pelo pranto, marcado pelo sangue? Sim. Mas depois teremos o Sol. Não haverá mais dor, não mais separações, não mais asperezas, não mais ódios, não mais misérias e solidões nem névoas opressoras. Mas luminosidade e canto, serenidade e paz, mas Deus. Deus: o Sol eterno! Olhai como fica triste a terra, quando há um eclipse. Se o homem tivesse que dizer: "O sol morreu", não lhe pareceria estar sempre vivendo em um escuro hipogeu murado, sepultado, morto, antes de morrer? Mas o homem sabe que, além daquele astro, que esconde o sol e lança um ar fúnebre sobre o mundo, existe sempre o alegre sol de Deus. Assim é o pensamento da união com Deus, durante toda a vida. Os homens ferem, roubam, caluniam? Mas Deus cura, restitui, justifica. E com uma medida bem cheia. Os homens dizem: "Deus te rejeitou"? Mas a alma tranquila pensa, deve pensar: "Deus é justo e é bom. Ele vê as causas e é benigno. E o é ainda mais do que o pode ser o mais benigno dos homens. Ele o é em grau infinito. Por isso, não, Ele não me rejeitará, se, inclinando o rosto choroso sobre o seu seio, eu lhe disser: 'Pai, só tenho a Ti. Teu filho está aflito e abatido. Dá-me a tua paz..."'.3 Agora Eu, o Enviado por Deus, recolho aqueles que o homem per- 141 3turbou, ou que Satanás arrastou e os salvo. Eis a minha obra. Esta é verdadeiramente minha. O milagre sobre o corpo é o poder divino. A redenção dos espíritos é obra de Jesus Cristo, o Salvador e Redentor. Eu penso, e não erro, que os que acharam em Mim a sua reabilitação 399

aos olhos de Deus e aos olhos deles, serão os meus discípulos fiéis, aqueles que com maior força poderão levar as turbas para Deus, dizendo: "Vós sois Secadores? Eu também. Estais aviltados? Eu também. Estais desesperados? Eu também. Contudo, estais vendo? Da minha miséria espiritual o Messias teve piedade e quis que eu fosse seu sacerdote, porque Ele é a Misericórdia e quer que disso o mundo se persuada. E ninguém está mais apto para persuadir do que aquele que a experimentou em si mesmo".Agora Eu, aos meus amigos e aos meus adoradores desde que nasci, portanto, a vós e aos pastares, uno estes. Antes, os uno aos pastores, aos curados, àqueles que, sem especial escolha, como foi a de

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vós doze, colocaram-se no meu caminho e seguiram por ele até à morte. Perto de Arimatéia está Isaque, quem me pediu isso foi o nosso amigo José. Eu tomarei Comigo o Isaque para que se una ao Timoneo, quando ele chegar. Se creres que em Mim há paz e meta para toda uma vida, poderás unir-te a eles. Eles serão para ti bons irmãos".4"0 meu Conforto! É mesmo como Tu dizes. As minha grandes feridas, tanto de homem, como de homem de crença, estão sendo curadas de hora em hora. Há três dias que estou Contigo. E parece-me que aquilo que, há apenas três dias, era o meu tormento, seja um sonho que já se distancia. Eu tive esse sonho. Mas, quanto mais o tempo passa, mais o sonho se desvanece, diante da realidade, daqueles contornos que me feriam. Nestas noites tenho pensado muito. Em Jope tenho um bom parente. Ele foi... a causa involuntária do meu sofrimento, porque, por meio dele, é que fiquei conhecendo aquela mulher. E isto já te pode dar uma idéia de se podíamos ou não saber de quem era filha... Dela, da primeira mulher de meu pai, sim, pode ter sido. Mas não de meu pai. Tinha outro nome, e tinha vindo de longe. Conheceu o parente numa troca de mercadorias. E eu a fiquei conhecendo assim. O parente se interessa muito pelos meus negócios. Eu os oferecerei a ele. Perder-se-iam, ficando sem dono. Ele os adquirirá. sem dúvida, também para não sentir o remorso de ter causado o meu sofrimento. E eu poderei ter o suficiente e seguir-te tranquilo. Só te peço que me concedas esse Isaque de que falas. Tenho medo de ficai sozinho com os meus pensamentos. Eles são ainda muito tristes..."."Eu te darei o Isaque. É uma alma boa. A dor o aperfeiçoou. Durante trinta anos levou a sua cruz. Ele sabe o que é sofrer... Enquanto, isso, nós iremos avante. E nos encontraremos em Nazaré"."Não pararemos com o José, na casa dele?"."José, provavelmente, está em Jerusalém... O Sinédrio tem muito400

que fazer. Mas ficaremos sabendo pelo Isaque. Se ele estiver lá, levar-lhe-emos a nossa paz. Se não estiver, pararemos uma noite, só para descansar. Tenho pressa de chegar à Galiléia. Lá há uma Mãe que está sofrendo. Porque, lembrai-vos disso, lá há quem só cuida de afligí-la. E Eu a quero tranquilizar".

142. Com os doze indo para Samaria.

21 de abril de 1945.1 Jesus está com os seus doze. O lugar continua montanhoso, mas 142.1 sendo a estrada suficientemente cómoda, todos estão em grupo e falando entre eles."Porém, agora que estamos sós, podemos dize-lo: por que tanto ciúme entre dois grupos?", diz Filipe."Ciúme? Não é nada mais do que soberba", rebate Judas do Alfeu."Não. Eu digo que é só um pretexto para justificar, de qualquer modo, a injusta conduta deles para com o Mestre. Sob o véu de um zelo para com o Batista, consegue-se afastá-lo sem desagradar demais a multidão", diz Simão."Eu os desmascararia"."Nós, Pedro, faríamos tantas coisas que Ele não faz"."Por que não as faz?"."Porque sabe que é bom não fazê-las. Nós não temos mais do que procurar segui-lo. Não nos cabe guiá-lo. E é necessário dar-nos por felizes com isso. E um grande alívio ter só que obedecer..."."Disseste bem, Simão", diz Jesus que, na frente, parecia ir pensativo. "Disseste bem. Obedecer é mais fácil do que dar ordens. Não parece. Mas é assim. Certamente isto é fácil quando o espírito é

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bom. Como é difícil mandar quando o espírito é feto. Porque se um espírito não é reto, dá ordens insensatas e mais do que insensatos. Então é fácil dar ordens. Mas... quanto torna-se mais difícil obedecer! Quando alguém tem a responsabilidade de ser o primeiro de um lugar ou de uma reunião de pessoas, deve ter sempre presente a caridade e a justiça, a prudência e a humildade, a temperança e a paciência, a firmeza, mas sem teimosia. Oh! É difícil!... Vós, por enquanto, não tendes senão que obedecer. A Deus e ao vosso Mestre.2 Tu, e não somente tu, perguntas a ti mesmo por que é que Eu faço 142.2 ou não faço algumas coisas, te perguntas por que Deus permite ou não permite tais coisas. Vê Pedro, e vós todos, meus amigos. Um dos 401

segredos do perfeito fiel está em não arvorar-se nunca em inquirido~ de Deus. "Por que fazes isto?", pergunta alguém mal formado, ao seu Deus. E parece ter ele posto as vestes de um adulto sábio diante dói um menininho da escola, para dizer-lhe: "Isto não se faz. É uma tolice. É um erro". Quem mais do que Deus?Agora vós estais vendo como, sob o pretexto de um zelo por João. Eu fui expulso. E estais escandalizados com isso. E quereríeis que E^t^l ratificasse o erro, tomando uma atitude polémica com os defensores desta causa. Não. Isto não se dará nunca. Ouvistes o que diz o Batistal pela boca dos seus discípulos: "E preciso que Ele cresça e que eu diminua". Nada de lamentações nem de apegos à própria posição. O santo não se apega a essas coisas. Ele trabalha, não pelo número dos "próprios" fiéis. Ele não tem fiéis próprios. Mas trabalha para aumentar os fiéis a Deus. Somente Deus tem o direito de ter fiéis. Por isso, assim como Eu não fico amargurado porque, por boa ou por mil fé, alguns continuem como discípulos do Batista, também ele não só aflige, pois o ouvistes, que alguns discípulos seus venham a Mim. Elo nem dá importância a estas pequenezas numéricas. Ele olha para o Céu. E Eu olho para o Céu. Não estejais, portanto, a discutir entre vós se é justo ou injusto que os judeus me acusem de tomar discípulos ao Batista, se é justo ou injusto que se deixe que continuem a dizei isso. Essas são brigas de mulheres faladeiras, ao redor de uma fonte. Os santos se ajudam, se dão e permutam entre si os espíritos com alegre facilidade, sorrindo à idéia de trabalhar para o Senhor. 142.3 3 Eu batizei, ou melhor, vos mandei batizar, porque, tão pesado está o espírito agora, que é preciso apresentar-lhe formas materiais dói piedade, formas materiais de milagre, formas materiais de escolas. Por causa desse peso espiritual, deverei recorrer ao auxílio de substâncias materiais, quando quiser fazer de vós operadores de milagres. Mas, crede que não estará no óleo, como não na água, como não em outras cerimónias, a prova da santidade. Está para chegar o tempo no qual uma coisa impalpável, invisível, inconcebível para os materialistas, será rainha, a rainha "que voltou", poderosa e santa de todas as coisas santas e em todas as coisas santas. Por ela o homem se tornará o "filho de Deus" e operará o que Deus opera, porque terá Deus consigo.A Graça. Eis a rainha que volta. Então o batismo será sacramento. Então o homem falará e compreenderá a linguagem de Deus e dará vida e Vida, dará poder de ciência e de poder, então... oh! então! Mas ainda estais imaturos para saberdes o que a Graça vos concederá. Eu 402

vos peço, ajudai a sua vinda com a vossa contínua obra de formação de vós mesmos e deixai as coisas inúteis dos mesquinhos...4 Eis ali os confins da Samaria. Achais vós que faria bem em ir fa- 142.4 lar por lá?"."Oh!". Estão todos mais ou menos escandalizados."Em verdade, vos digo que os samaritanos estão em toda parte, e se Eu não devesse falar onde há um samaritano, não deveria mais falar em lugar nenhum. Portanto, vinde. Não procurarei falar, mas não desprezarei a ocasião de falar de Deus, se isso me for pedido. Um ano terminou. Começa o segundo. Ele está a cavaleiro entre o princípio e o fim. No princípio ainda predominava o Mestre. Agora, eis que se revela o Salvador. O fim terá o rosto do Redentor. Vamos. O rio vai crescendo,

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quanto mais se aproxima da foz. Eu também aumento as obras de misericórdia, porque a foz já está perto"."Vamos para algum grande rio, para lá da Galiléia? Talvez para o Nilo? Ou para o Eufrates?", cochicham alguns."Talvez vamos para o meio dos gentios...", respondem outros."Não fiqueis falando entre vós. Vamos para a "minha" foz. Ou seja, para o cumprimento de minha missão. Estai bem atentos, porque depois Eu vos deixarei e vós devereis continuar em meu nome".

143. A samaritana Fotinai.

22 de abril de 1945.1 "'Eu vou parar aqui. Vós, ide à cidade e comprai o que é preciso 143.1 para a refeição. Aqui comeremos"."Vamos todos?"."Sim, João. É bom que andeis em grupo"."E Tu? Ficas sozinho... Eles são samaritanos..."."Não serão os piores entre os inimigos do Cristo. Ide, ide. Eu fico rezando, enquanto vos espero. Rezando por vós e por eles".Os discípulos lá se vão, a contragosto e por três ou quatro vezes se viram para olhar Jesus, que sentou-se em um murinho baixo, exposto ao sol e que está perto da beira baixa e larga de um poço. Um poço grande, quase uma cisterna, de tão largo. No verão, deve ser sombreado por grandes árvores, que agora estão despidas. A água não se vê, mas o terreno, perto do poço, mostra claros sinais das águas que foram tiradas, pelas pequenas poças e círculos deixados pelas bilhas molhadas.403

Jesus assentou-se e está meditando, em sua posição de costume com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos juntas para a frente o corpo levemente dobrado e a cabeça curvada para o chão. Depois sente o belo solzinho aquece-lo e deixa cair o manto da cabeça e dos ombros, segurando-o, porém, no regaço.Levanta a cabeça para sorrir diante de um bando de pardais briguentos, que estão disputando um grande miolo de pão, perdido porl alguém junto ao poço. Mas os pardais fogem com a chegada inesperada de uma mulher que vem ao poço com uma ânfora vazia com uma asa segura pela mão esquerda, enquanto com a direita afasta, num gesto de surpresa, o véu, para ver quem é o homem que ali está sentado.Jesus sorri para esta mulher de seus trinta e cinco a quarenta anos, alta, de traços fortemente marcados, mas belos. Um tipo que diríamos ser quase espanhol, por causa de sua cor de um pálido oliváceo, de lábios muito vermelhos e bastante túmidos, os olhos desmesuradamente grandes e pretos sob sobrancelhas cerradas, e as tranças escuras, que transparecem por baixo do véu fino. Também as formas, tendentes ao formoso, tem um acentuado tipo oriental, til uma leve moleza, como a das mulheres árabes. Está vestida com um vestido de listras multicores, bem justo na cintura, esticado nos flancos e no peito gorduchos, caindo depois em uma espécie de orla ondulante, até o chão. Tem muitos anéis e pulseiras nas mãos gorduchas e morenas e nos pulsos que aparecem na parte inferior das mangas de linho. No pescoço um pesado colar, do qual pendem umas medalhas, eu diria uns amuletos, porque são de todas as formas. Pesados brincos descem-lhe até o pescoço e brilham sob o véu.143.2 2 "A paz esteja contigo, mulher. Podes dar-me de beber? Caminhei muito e tenho sede"."Mas não és Tu judeu? E pedes de beber a mim, samaritana' Então, que foi que aconteceu? Teremos

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nós sido reabilitados, ou vós vos dais por vencidos? Certamente algum grande acontecimento sucedeu, se um judeu está falando educadamente com uma samaritana. Porém eu deveria dizer-te: "Não te dou nada, para punir em Ti todas as afrontas que, através dos séculos, os judeus nos têm feito""."Disseste bem. Um grande acontecimento sucedeu. E por ele muitas coisas se mudaram e mais se mudarão. Deus deu um grande dom ao mundo e por ele muitas coisas se mudaram. Se tu conhecessesdom de Deus e quem é Aquele que te está dizendo: "Dá-me de beber", talvez tu mesma lhe terias pedido de beber, e Ele te teria dado água viva". 404

"A água viva está nos lençois subterraneos. Este poço a tem. Mas é nosso". A mulher é zombeteira e prepotente."A água é de Deus. Como a bondade é de Deus. Como a vida é de Deus. Tudo é de um único Deus, mulher. E todos os homens vêm de Deus, tanto os samaritanos, como os judeus. Este poço não é o do Jacó? E Jacó não é a cabeça de nossa estirpe? Portanto, se um erro nos separou, isso não muda a nossa origem"."Erro nosso, não é?", pergunta agressiva a mulher."Nem nosso, nem vosso. Erro de alguém que havia perdido de vista a caridade e a justiça. Eu não te ofendo, nem ofendo a tua raça. Por que queres ser ofensiva?"."És o primeiro judeu que ouço falar assim. Os outros... Mas, quanto ao poço, sim, é o poço de Jacó e tem uma água tão abundante e clara, que nós de Sicar o preferimos às outras fontes. Mas ele é muito fundo. Tu não tens ânfora nem odre. Como, pois, poderias tirar para mim água viva? Serás mais do que Jacó, o nosso santo patriarca, que achou este abundante lençol de água para ele, para os seus filhos e seus rebanhos e no-lo deixou como lembrança e presente dele?"."Tu o disseste. Mas quem bebe desta água, ainda terá sede. Eu, ao invés, tenho uma água que, quem a beber, não sentirá mais sede. Mas é só minha. E Eu a darei a quem me pedir. E, em verdade, te digo que quem tiver a água que Eu lhe der, ficará para sempre coberto de orvalho e não terá mais sede, porque a minha água se tornará nele nascente certa e eterna"."Como? Eu não entendo. És um mágo? Como pode um homem se transformar num poço? O camelo bebe e faz sua reserva de água no amplo ventre. Mas depois a consome e não lhe dura a vida inteira. E Tu dizes que a tua água dura para a vida toda?"."E mais ainda: ela jorrará até a vida eterna. Estará em quem a bebe, jorrando até a vida eterna e dará frutos de vida eterna. Porque é uma fonte de salvação"."Dá-me dessa água, se é verdade que a possais. Eu me canso por ter que vir até aqui. Eu a terei e não terei mais sede, e não ficarei nunca doente, nem velha".3 Só disto é que te cansas? Não será de outra coisa? Só sentes ne- 143.3cessidade de apanhar água para beber e para o teu pobre corpo? Pensa nisso. Existe alguma coisa que é mais do que o corpo. E é a alma. Jacó não deu a si mesmo e aos seus somente a água do poço. Mas se preocupou em dar a si mesmo e aos outros a santidade, que é a água de Deus".405

"Vós nos chamais de pagãos... Se for verdade isso que dizeis, nós não podemos ser santos...". A mulher perdeu o tom petulante e irônico e está submissa e levemente confusa."Um pagão também pode ser virtuoso. E Deus, que é justo, o premiará pelo bem feito. Não será um prémio completo, mas Eu te digo. entre um fiel com culpa grave e um pagão sem culpa, Deus olha com menos rigor o pagão. E, por que vós, sabendo que sois assim, não vindes ao verdadeiro Deus? Como te chamas?"."Fotinai"."Pois bem. Responde-me, Fotinai. Tu sentes por não poderes aspirar à santidade, porque és pagã, como tu dizes, porque estás nas n~voas de um antigo erro, como Eu digo?".

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"Sim. Eu o sinto"."E por que então, não vives pelo menos como uma pagã virtuosa?"."Senhor! ... "."Sim. Podes negá-lo? Vai chamar o teu marido... e volta aqui com ele"."Eu não tenho marido...". A confusão da mulher aumenta."Disseste bem. Não tens marido. Tiveste cinco homens e agora tens um contigo, que não é teu marido. Era necessário isto? Tua reli-gião também não aconselha a impudicícia. Vós também tendes o Decálogo. Por que então, Fotinai, tu vives assim? Não te sentes cansada dessa fadiga de seres a carne para tantos e não a mulher honesta de um só? Não ficas com medo da tua velhice quando te encontrarás sozinha com as tuas lembranças? Com as saudades? Com os medos' Sim, com estes também. Medo de Deus e dos fantasmas. Onde estão os teus filhos?".A mulher abaixa totalmente a cabeça e não fala."Não os tens nesta terra. Mas as suas pequenas almas, às quais tu impediste de conhecer a luz do dia, te censuram. Sempre. Jóias... belos vestidos... casa rica... mesa farta... Sim. Mas um vazio e lágrimas e miséria interior. És uma desamparada, Fotinai. E somente com um arrependimento sincero, através do perdão de Deus e, por conseqüência, do perdão de teus filhos, podes tornar-te rica".143.4 4 "Senhor, eu vejo que és um profeta. E tenho vergonha..."."E do Pai, que está no Céus, tu não tinhas vergonha, quando praticavas o mal? Nào chores por estares aviltada diante do Homem... Vem aqui, Fotinai. Perto de Mim. Eu te falarei de Deus. Talvez não o conhecias bem. E por isso, certamente por isso, tu errastes tanto. Se tivesses conhecido bem o verdadeiro Deus, não estarias aviltada as406

sim. Ele te teria falado e amparado..."."Senhor, os nossos pais adoravam neste monte. Vós dizeis que só em Jerusalém é que se deve adorar. Mas Tu o dizes: Deus é um só. Ajuda-me a ver onde e como devo fazer..."."Mulher, crê em Mim. Dentro em pouco chegará a hora na qual nem no monte de Samaria, nem em Jerusalém será adorado o Pai. Vós adorais Aquele a quem não conheceis. Nós adoramos Aquele a quem conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Eu te lembro os Profetas. Mas vem a hora, aliás, já começou, na qual os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, não mais com o rito antigo, mas com o novo rito, no qual não haverá sacrifícios e hóstias de animais consumidos pelo fogo. Mas o sacrifício eterno da Hóstia imaculada, queimada pelo Fogo da Caridade. Culto espiritual do Reino espiritual. E será compreendido por aqueles que saberão adorar em espírito e em verdade. Deus é Espírito. Aqueles que o adoram devem adorá-lo espiritualmente"."Tu tens santas palavras. Eu sei, porque alguma coisa nós também sabemos, que o Messias está para chegar, Aquele que é também chamado "o Cristo". Quando Ele vier, nos ensinará todas as coisas. Aqui perto está também aquele que dizem ser o seu Precursor. Muitos vão ouvi-lo. Mas ele é tão severo!... Tu és bom... e as pobres almas não têm medo de Ti. Penso que o Cristo será bom. Dão-lhe o nome de Rei da paz. Tardará muito para vir?"."Eu te disse que o tempo Dele já chegou"."Como o sabes? És porventura seu discípulo? O Precursor tem muitos discípulos. O Cristo também os terá"."Eu, que te estou falando, sou o Cristo Jesus"."Tu!... Oh!...". A mulher, que se havia assentado perto de Jesus, levantou-se e quer fugir."Por que queres fugir, mulher?"."Porque tenho horror de ficar perto de Ti. Tu és santo..."."Sou o Salvador. Cheguei até aqui - não era necessário - porque sabia que a tua alma estava cansada de andar errante. Tu te enjoaste do teu alimento... Vim para dar-te um alimento novo e que te tirará as náuseas e o cansaço... 5 Eis os meus discípulos que já estão voltan- 143.5 do com o meu pão. Mas Eu já estou nutrido, por te ter dado as migalhas iniciais para a tua

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redenção".Os discípulos olham de soslaio, meio dissimuladamente, para a mulher, mas nenhum fala nada. A mulher se afasta dali, sem mais pensar na água nem na ânfora.407

"Eis, Mestre", diz Pedro. "Eles nos trataram bem. Aqui estão o queijo, o pão fresco, as azeitonas e as maçãs. Pega o que quiseres. Aquela mulher fez bem em deixar a ânfora. Faremos mais depressa do que com as nossas pequenas bolsas. Beberemos e as encheremos. Sem ter que pedir mais nada aos samaritanos. Nem de irmos às fontes deles. Não comes? Eu quis trazer peixe para Ti, mas não achei. Talvez gostasses mais. Estás cansado e pálido"."Eu tenho um alimento que vós não conheceis. Comerei dele. Com ele me restaurarei bem".Os discípulos se olham interrogativamente.Jesus responde a essas perguntas mudas. "Meu alimento é fazer a vontade Daquele que me enviou e levar a bom termo a obra que Ele deseja que Eu realize. Quando um semeador lança a somente, pode, por acaso, dizer que já fez tudo, que já está garantida a colheita? Realmente, não. Quanto tem ainda que fazer para poder dizer: "Eis o meu trabalho terminado!". E, enquanto não chega aquela hora, não pode descansar. Olhai para estes pequenas campos, sob o alegre sol da hora sexta. Faz apenas um mês, até menos de um mês, a terra estava nua e escura, por ser molhada pelas chuvas. Agora, olhai. Hastes e hastes de trigo, que mal acabam de aparecer, de um verde muito tênue, exposto à plena luz, ainda parece mais claro, fazendo que a terra fique como coberta de um fino véu branquejante. Esta é a futura colheita e vós, vendo-a, dizeis: "Daqui a quatro meses, vai ser a colheita. Os semeadores irão contratar os ceifeiros, porque, se um só é suficiente para semear o seu campo, muitos são necessários para ceifá-lo. E ambos estão contentes. Tanto o que semeou um saquinho de trigo, e agora precisa preparar os celeiros para recebê-lo, como aquele que, em poucos dias, ganha com que viver por algum mês". Também no campo espiritual, aqueles que vão ceifar o que Eu semeei se alegrarão Comigo e como Eu, porque Eu lhes darei o meu salário e o fruto devido. Dar-lhes-ei com que viver no meu Reino eterno. Vós não tereis que fazer outra coisa, senão ceifar. O trabalho mais duro, Eu já fiz. Contudo vos digo: "Vinde, ceifai no meu campo. Eu fico contente, se vos carregardes com os manípulos do meu trigo. Quando todo o meu trigo, que Eu houver semeado incansavelmente por toda parte, for por vós colhido, então se terá cumprido a vontade de Deus e Eu me sentarei para o banquete da Jerusalém celeste". Eis que chegam os samaritanos com a Fotinai. Usai de caridade para com eles. São almas que vêm a Deus".408

144. Os samaritanos convidam Jesus em Sicar.

23 de abril de 1945.1 'Vêm ao redor de Jesus um grupo de notáveis samaritanos, guia- 144.1 dos pela Fotinai."Deus esteja Contigo, Rabi. Esta mulher nos disse que és um profeta e que não te indignas por falar conosco. Nós te pedimos que fiques conosco e que não nos negues a tua palavra, porque, se é verdade que estamos separados de Judá, também não está dito que todo Judá seja santo e que o pecado todo esteja em Samaria. Também entre nós há quem é justo"."Eu também disse a esta mulher este conceito. Eu não me imponho, mas também não rejeito a quem me procura".2 "Tu és justo. 'A mulher nos disse que Tu és o Cristo. É verdade? 144.2 Responde-nos em nome de Deus"."Eu o sou. Os tempos messiânicos chegaram. Israel está sendo reunido por seu Rei. E não somente

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Israel"."Mas Tu serás para aqueles que... que não estão em erro, como nós estamos", observa um imponente ancião."Homem, Eu vejo em ti o chefe de todos estes e também em ti vejo uma honesta busca da Verdade. Agora escuta, tu que és instruído nas leituras sagradas. A Mim foi dito aquilo que o Espírito disse a Ezequiel, quando lhe deu a missão profética: "Filho do homem, Eu te envio aos filhos de Israel, aos povos rebeldes que se afastaram de Mim... São filhos que têm uma face dura e um coração indomável... Pode ser que eles se ponham a ouvir-te e depois não façam conta das tuas palavras, que minhas são, porque é uma casa rebelde, mas ao menos saberão que no meio deles há um profeta. Tu, portanto, não tenhas medo deles, que não te espantem os seus discursos, porque eles são incrédulos e subversivos... Conta a eles as minhas palavras, tanto se eles te derem ouvidos ou não. Tu, faz o que Eu te digo, escuta o que Eu te digo, para que não sejas rebelde como eles. Por isso, coma qualquer que seja o alimento que Eu te oferecer". E Eu vim. Não me iludo, nem tenho a pretensão de ser acolhido como um triunfador. Mas, visto que a vontade de Deus é o meu mel, eis que Eu a cumpro e, se quiserdes, vos direi as palavras que o Espírito colocou em Mim"."Como pode ter o Eterno pensado em nós?"."Porque Ele é Amor, filhos"."Os rabis de Judá não dizem assim"."Mas é assim que vos diz o Messias do Senhor".409

144.3 3"Está dito que o Messias nasceria de uma virgem de Judá. Tu, de quem e como nasceste?"."Nasci em Belém Efrata, de Maria da estirpe de Davi, por obra de uma concepção espiritual. Queirais crê-lo". A bela voz de Jesus ressoa com um som claro de alegre triunfo, ao proclamar a virgindade da Mãe."O teu rosto brilha com uma grande luz. Não. Tu não podes estar mentindo. Os filhos das trevas têm um rosto tenebroso e olhos turbados. Tu és luminoso; límpidos como uma manhã de abril são os teus olhos, e a tua palavra é boa. Entra em Sicar, eu te peço, e ensina aos filhos deste povo. Depois poderás ir... e nós nos lembraremos da Estrela que riscou o nosso céu..."."E por que não a seguiríeis?"."Como queres que o possamos?". Vão conversando, enquanto se dirigem para a cidade. "Nós somos os separados. Ao menos assim se diz. Mas já nascemos nesta fé e não sabemos se é justo deixá-la. Além disso... Sim, Contigo podemos falar, eu sinto. Além disso, também nós temos olhos para ver e cérebro para pensar. Quando em viagens ou negócios passamos pelas vossas terras, nem tudo o que nós vemos é santo, a ponto de persuadir-nos de que Deus está convosco de Judá. nem convosco da Galiléia"."Em verdade te digo que do falo de não vos ter persuadido nem reconduzido a Deus, não com as ofensas e as maldições, mas com o exemplo e a caridade, será feita imputação ao resto de Israel"."Quanta sabedoria há em Ti! Estais ouvindo!?".Todos concordam com um murmúrio de admiração.144.4 4 Enquanto isso, alcançaram a cidade e muitas outras pessoas se achegam, enquanto vão-se dirigindo para uma casa."Escuta, Rabi. Tu, que és sábio e bom, resolve uma dúvida nossa. Muito do nosso futuro pode depender disso. Tu, que és o Messias, restaurador, portanto, do reino de Davi, deves ter alegria em unir de novo este membro disperso ao corpo do Estado. Não é verdade?"."Não tanto de reunir as partes separadas do que é caduco, quanto de reconduzir a Deus todos os espíritos, Eu cuido e sinto alegria. quando restauro a Verdade em um coração. Mas, diz-me qual é a tua dúvida?"."Os nossos pais pecaram. Desde então, as almas de Samaria saí malvistas por Deus. Por isso, que vantagem teremos, se seguirmos o Bem? Para sempre seremos uns leprosos aos olhos de Deus"."A vossa é a eterna saudade. o perene descontentamento de todo. 410

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os cismáticos. Mas te respondo ainda com Ezequiel: "Todas as almas são minhas", diz o Senhor. Tanto a do pai, como a do filho. Mas só morrerá a alma que tem pecado. Se um homem for justo, se não for idólatra, se não fornicar, se não roubar nem praticar a usura, se tiver misericórdia para com a carne e o espírito dos outros, esse será justo aos meus olhos e viverá a verdadeira vida. E ainda. Se um justo tiver um filho rebelde, por acaso esse filho terá a vida, porque o pai era justo? Não terá. E ainda. Se o filho de um pecador for um justo, morrerà como o pai, por ser filho dele? Não. Vivo estará com a vida eterna, porque foi justo. Não seria justiça, se um levasse o pecado do outro. A alma que pecou, morrerá. A que não pecou, não morrerá. E, se quem pecou se arrepende e vem para a Justiça, eis que ele também terá verdadeira vida. O Senhor Deus, único e só Senhor, diz: "Eu não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e tenha a Vida". Para isso Ele me enviou, ó filhos errantes! Para que tenhais a verdadeira vida. Eu sou a Vida. Quem crê em Mim e Naquele que me enviou, terá a vida eterna, ainda que até agora tenha sido pecador"."Eis-nos à minha casa, Mestre. Não sentes horror de entrar nela?"."Só tenho horror do pecado"."Então vem, e pára um pouco. Partiremos juntos o pão e depois, se não te for incomodo, Tu partirás para nós a palavra de Deus. Tem um outro sabor essa palavra, dita por Ti... e nós temos aqui um tormento: o de não nos sentirmos seguros de estarmos no certo..."."Tudo se acalmaria se tivésseis coragem de ir abertamente à Verdade. Deus fale em vós, ó cidadãos. Logo desce a tarde. Mas amanhã, à hora terceira, Eu vos falarei longamente, se o quiserdes. Ide com a Misericórdia perto de vós".

145. 0 primeiro dia em Sicar.24 de abril de 1945.[ ].'Jesus fala a muita gente, do centro de uma praça. Ele subiu sobre o pequeno banco de pedra, que está perto da fonte. As pessoas estão todas ao redor Dele. Também ao redor Dele estão os doze, com uns rostos... consternados ou aborrecidos, ou até mostrando aversão por certos contatos. Especialmente Bartolomeu e Iscariotes estão mostrando abertamente o seu incomodo e, para evitar o mais possível a proximidade dos samaritanos, o Iscariotes foi pôr-se a cavalo sobre 411

um galho de árvore, como se quisesse dominar a cena, enquanto que o Bartolomeu foi encostar-se a um portão, no canto da praça. O preconceito está vivo e ativo em todos. Jesus, ao invés, não tem nada de diferente do costume. Aliás, diria que procura não assustar com a sua majestade, e ao mesmo tempo, procura fazê-la brilhar, para tirar qualquer dúvida. Acaricia dois os três pequeninos aos quais pergunta os seus nomes, se interessa por um velho cego, ao qual dá pessoalmente o óbolo, responde a duas ou três perguntas que lhe foram feitas, não sobre coisas de interesse geral, mas particulares. 145.1 1 `Uma é a pergunta de um pai a respeito da filha que fugiu por amor e que agora lhe pede perdão. "Dá-lhe logo o teu perdão". "Mas eu sofri com isto, Mestre! E ainda sofro. Em menos de um ano, envelheci dez anos". "O perdão te dará alívio". "Não pode ser. A ferida está aberta". "É verdade. Mas na ferida há duas pontas que fazem sofrer. Uma é a inegável afronta que te fez tua filha. A outra é o esforço que fazes para deixar de amá-la. Tira ao menos esta. O perdão, que é a forma mais alta do amor, a tirará. Pensa, pobre pai, que aquela criatura nasceu de ti e que tem sempre o direito ao teu amor. Se tu a visses doente com uma doença da carne, e soubesse que, se não cuidas dela tu mesmo, morre, a deixarias morrer? Certamente não. E então, pensa que tu, tu mesmo, com o teu perdão, podes fazer parar o seu mal e até levá-lo a ficar sã em seu instinto. Porque, vê, nela predominou o lado mais vil da matéria". "Então dirias que eu devo

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perdoar?". "Tu o deves". "Mas como farei para ficar vendo-a lá em casa, depois do que ela fez, e não amaldiçoá-la?". "Mas então não a terias perdoado. O perdão não consiste em reabrir-lhe a porta de tua casa, mas em reabrir-lhe o coração. Sê bom, homem. Por que não? A paciência que temos com o novilho teimoso, não a teríamos para com a nossa filha?". 145.2 2 Uma mulher pergunta se está certo que ela se case com o cunhado para dar um pai aos seus orfãozinhos. "Achas que ele seria um verdadeiro pai?". "Sim, Mestre. São três filhos homens. É preciso que um homem os guie".412

"Então faz e sê uma mulher fiel, como o foste ao primeiro".4 Um terceiro lhe pergunta se, aceitando o convite que lhe fizeram 145 4 de ir para Antioquia, ele fará bem ou mal."Homem, por que queres ir para lá?"."Porque aqui não tenho meios para sustentar a mim e aos meus muitos filhos. Conheci um gentio que me tomaria a seu serviço, porque viu que sou bom no trabalho e daria trabalho também para os meus filhos. Mas eu não queria... parecer-lhe-á estranho o escrúpulo de um samaritano, mas eu o tenho. Eu não queria que perdêssemos a fé. É um pagão aquele homem, sabes?"."E então? Nada contamina se não se quer ser contaminado. Vai, pois, para Antioquia e sê do Deus verdadeiro. Ele te guiará e tu serás até o benfeitor do teu patrão, que conhecerá a Deus, através da tua honestidade".Depois, começa a falar a todos."Eu ouvi a muito de vós, e em todos senti que há uma dor secreta, uma pena, da qual talvez nem vós deis conta, e que vos faz chorar em vossos corações. Há séculos que ela vem se acumulando e nem as razões que vós dizeis, nem as injúrias, que se vos fazem, conseguem desfazê-la. Ao contrário, sempre mais endurece e pesa como a neve que se transforma em gelo.Eu não sou um de vós e não sou tampouco um dos que vos acusam. Eu sou Justiça e Sabedoria. E, para a solução do vosso caso, vos cito ainda Ezequiel. Ele, profeticamente, fala de Samaria e de Jerusalém, chamando-as de filhas de um seio e dando-lhes os nomes de Oola e Ooliba.A primeira a cair em idolatria foi a primeira, chamada Oola, porque já privava da ajuda espiritual, que lhe provinha de sua união com o Pai dos Céus. A união com Deus sempre é salvação. Trocou a verdadeira riqueza, o verdadeiro poder, a verdadeira sabedoria pela pobre riqueza, poder e sabedoria de alguém que era inferior a Deus, ainda mais do que ela, e foi seduzida a tal ponto, que tornou-se escrava do modo de viver desse alguém que a havia seduzido. Para ser forte, tornou-se fraca. Para ser maior, tornou-se menor. Por ser imprudente, enlouqueceu. Quando alguém imprudentemente se contamina com alguma infecção, só pode livrar-se dela com muito trabalho. Vós direis: "Tornou-se menor? Não. Nós fomos grandes". Grandes, sim, mas como? A que preço? Vós o sabeis. Quantas, mesmo entre as mulheres, conquistam a riqueza pelo preço tremendo de sua honra! Conquistam uma coisa que pode acabar. E perdem uma coisa que413

nunca tem fim: o bom nome.Ooliba, vendo que a loucura de Oola lhe tinha trazido riqueza, quis imitá-la e enlouqueceu mais do que Oola, e com culpa dobrada, porque ela tinha consigo o verdadeiro Deus e não deveria nunca ter desprezado a força, que de tal união lhe provinha. Por isso lhe veio uma dura e tremenda punição, e maior virá à duplamente louca e fornicadora Ooliba. Deus lhe virará as costas. Já o está fazendo, para ir àqueles que não são de Judá. E não se poderá acusar a Deus de ser injusto, porque Ele não se impõe. Abre a todos os seus braços, a todos convida, mas, se alguém lhe diz: "Vai-te embora", Ele se vai. Vai em busca de amor, vai levar seus convites a outros, até encontrar quem lhe diga: "Eu vou". Por isso, Eu vos digo que podeis ter alívio em vosso tormento, e deveis tê-lo, se pensardes nisto.Oola, cai em ti mesma! Deus te está chamando. A sabedoria do homem está em saber reconhecer as próprias faltas, a sabedoria do espírito está em amar ao Deus verdadeiro e à sua Verdade. Não

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fiqueis olhando nem para Ooliba, nem para a Fenícia, nem para o Egito, nem para a Grécia. Olhai para Deus. Aquela é a Pátria de todos os espíritos retos: o Céu. Não existem muitas leis. Mas uma só: a de Deus. Por esse código, tem-se a Vida. Não digais: "Pecamos", mas dizei: "Não queremos pecar mais". Que Deus ainda vos ame, nisto de ter-vos mandado o seu Verbo par dizer-vos: "Vinde", tendes a prova. Vinde, vos digo. Sois injuriados e proscritos? E por quem? Por seres semelhantes a vós. Mas Deus é mais do que eles, e Ele vos diz: "Vinde". Um dia chegará em que vos jubilareis por não terdes estado no Templo... Com a mente vos jubilareis por isso. Mas ainda mais se jubilarão os espíritos, porque sobre os fetos de coração, espalhados pela Samaria, já terá descido o perdão de Deus. Preparai a chegada dele. Vinde ao Salvador universal, ó filhos de Deus que perdestes o Caminho ". 145.6 6 "Mas, pelo menos alguns, nós iremos. São os do outro lado que não nos querem". "E ainda com o sacerdote e profeta Eu vos digo: "Eu pegarei a madeira de José, que está na mão de Efraim, com as tribos de Israel a ele unidas e as ajuntarei com a madeira de Judá, fazendo de tudo uma só madeira...". Sim. Não ao Templo. A Mim, vinde. Eu não rejeito. Eu sou aquele que é chamado o Rei que domina sobre todos. O Rei dos reis sou Eu. Eu vos purificarei a todos, ó povos que quereis ser purificados. Eu vos reunirei, ó rebanhos sem pastor, ou com pastores que se fazem ídolos, porque Eu sou o bom Pastor. Eu vos darei um414

tabernáculo único e o colocarei no meio dos meus fiéis. Esse tabernáculo será fonte de vida, pão de vida, será luz, será salvação, proteção, sabedoria. Tudo será, porque será o Vivente dado em alimento aos mortos para torná-los vivos, será o Deus que se derrama com a sua santidade para santificar. Isto Eu sou e serei. O tempo do ódio, da incompreensão, do temor, está superado. Vinde! Povo de Israel! Povo separado! Povo aflito! Povo distante! Povo querido, tanto, infinitamente querido, porque doente, porque enfraquecido, porque esvaído em sangue por uma flecha que te abriu as veias da alma e dela fez fugir a união vital com o teu Deus, vem! Vem ao seio do qual nasceste, vem ao peito do qual te veio a vida. Doçura e calor ainda há aqui para ti. Sempre. Vem! Vem à Vida e à Salvação".

146. 0 segundo dia em Sicar e despedida dos samaritanos.

25 de abril de 1945.1 Jesus diz aos samaritanos de Sicar: 146.1

"Antes de deixar-vos, porque tenho outros filhos para evangelizar, quero abrir-vos os caminhos luminosos da esperança e neles colocar-vos, dizendo: ide seguros pois a meta é certa. E hoje não vou lançar mão do grande Ezequiel, mas sim, do discípulo predileto de Jeremias, o grande profeta.Baruque fala para vós. Oh! Como realmente ele representa as vossas almas e fala por todas elas ao Deus sublime que está nos Céus. As vossas almas. Não digo somente as dos samaritanos, mas todas as vossas almas, ó estirpes do povo eleito, que caístes em múltiplos pecados, e representa também as vossas, ó povos gentios, que percebeis haver um Deus desconhecido, entre os muitos deuses que adorais, um Deus que a vossa alma sente que é o Unico e Verdadeiro e que o vosso peso vos impede de procurar, para o conhecerdes, como vossa alma desejaria. Pelo menos uma lei moral vos havia sido dada, ó gentios, ó idólatras, porque sois homens, e o homem tem em si uma essência que vem de Deus e que se chama espírito, a qual tem uma voz e sempre um conselho de elevação, que a impele para uma vida santa. E vós a obrigastes a tornar-se escrava de uma carne viciosa, espezinhasses a lei moral humana, que tínheis, e vos tornastes, também humanamente, pecadores,

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rebaixando o conceito das vossas crenças e a vós mesmos, até ao nível da bestialidade, que vos torna inferiores aos brutos.415

Contudo, escutai. Ouvi todos. E tanto mais compreendereis e, pele consequência, tanto mais agis, quanto mais conheceis a Lei de uma moral sobrenatural que vos foi dada pelo verdadeiro Deus. 146.2 2 Reza - e esta é a oração que deve estar em vossos corações humi-lhados em uma humildade nobre, que não é uma degradação e ir dolência, mas sim, o conhecimento exalo das próprias miseráveis condições e o desejo santo de encontrar o meio para melhorá-las espiritualmente - Baruque reza assim: "Olha para nós, ó Senhor, lá ~1 tua santa morada, inclina para nós os teus ouvidos e escuta-n. Abre os olhos e reflete que não serão os mortos, que estão no infernal cujos espíritos estão separados de suas entranhas, os que prestar`" honra e justiça ao Senhor, mas a alma aflita pela grandeza de Sul`; desventuras, que vai andando encurvada e enfraquecida, com olhos abatidos. É a alma que tem fome de Ti, ó Deus, a que te rena glória e justiça".E Baruque chora humildemente, e todo justo deve chorar com ela vendo e chamando com seus verdadeiros nomes as desventuras quis têm, de um povo forte que se tornou um povo triste, dividido e subiu gado: "Não demos ouvido à tua voz e Tu cumpriste as tuas palavras ditas por meio dos teus servos, os Profetas... E eis que os ossos dos nossos reis e dos nossos pais foram tirados dos seus sepulcros e joga dos ao calor do sol, ao gelo da noite, e os cidadãos morreram, entra dores atrozes, ou pela fome, ou pela espada, ou pela peste. E o Tem pio, no qual era invocado o teu Nome, Tu o reduziste ao estado em que hoje se encontra por causa da iniquidade de Israel e de Judá".Oh! filhos do pai, não digais: "Tanto o nosso, como o vosso Templo, surgiram e ressurgiram, e são belos". Não. Uma árvore rachada pelo raio, desde a copa até as raízes, não sobrevive. Poderá vegeta miseravelmente, com um esforço de vida, dado pelos rebentos nascidos daquelas raízes que não querem morrer, mas será um espinheiro infrutífero, nunca mais aquela opulenta árvore, rica de frutos agradáveis e suaves. O desmoronamento, iniciado com a separação, sem põe mais se acentua, não obstante a construção material não pareça ter sido danificada, antes, bela e nova. Destrói aos poucos as consciências que nela moram. Depois chegará a hora que, apagada todas as chamas sobrenaturais, faltará ao Templo, altar de metal preciosas que, para subsistir, deve ser conservado em contínua fusão, pelo calor da fé e da caridade de seus ministros, pois isto é a sua vida, e ele. gelado, apagado, emporcalhado, cheio de mortos, virará uma podridão, sobre a qual os urubus estrangeiros e a avalanche da punição 416

divina se arremessarão para fazer dela uma ruína.Filhos de Israel, rezai, chorando Comigo, vosso Salvador. Que minha voz sustente as vossas e penetre, pois ela o pode, até o trono de Deus. Quem reza com o Cristo, Filho do Pai, é ouvido por Deus, Pai do Filho.Rezemos a antiga e justa oração de Baruque: "E agora, Senhor Omnipotente, ó Deus de Israel, todas as almas angustiadas, todos os espíritos cheios de ansiedade clamam por Ti. Escuta-os, Senhor, e tem piedade. Tu és um Deus misericordioso, tem piedade de nós, porque pecamos diante de Ti. Tu, desde a eternidade, estás sentado e nós deveremos perecer para sempre? Senhor Omnipotente, Deus de Israel, escuta a oração dos mortos de Israel e dos seus filhos, os quais pecaram diante de Ti. Eles não deram ouvidos à voz do Senhor seu Deus e em nós pegavam os males deles. Não te lembres da iniquidade de nossos pais, mas recorda-te do teu poder e do teu Nome... Para que nós invoquemos esse Nome e nos convertamos da iniquidade de nossos pais, tem piedade".Rezai assim e convertei-vos verdadeiramente, voltando-se à verdadeira sabedoria, que é a de Deus e que se encontra no Livro dos mandamentos de Deus e na Lei que dura para sempre e que agora Eu, Messias de Deus, vim trazer de novo, em sua forma simples e inalterável, para os pobres do mundo, anunciando-lhes a boa nova da era da Redenção, do Perdão, do Amor, da Paz. Quem crer nesta Palavra, alcançará a vida eterna.

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3Eu vos deixo, 0 cidadãos de Sicar, que fostes bons para com 0146.3 3 Messias de Deus. Eu vos deixo com a minha paz"."Fica ainda conosco!"."Volta outra vez!"."Nunca mais ninguém nos falará como nos falaste!"."Sê bendito, bom Mestre!"."Abençoa o meu pequenino"."Reza por mim, Tu que és santo"."Deixa que eu conserve uma das tuas franjas como uma bênção"."Lembra-te do Abel"."E de mim, Timóteo"."E de mim, Jorai"."De todos. De todos. A paz venha sobre vós".Eles o acompanham até fora da cidade, por algumas centenas de metros, depois, lentamente voltam para trás...417

147. Cura de uma mulher de Sicar e conversão de Fotinai.

26 de abril de 1945. 147. 1 1 Jesus caminha sozinho, passando rente a uma sebe de cactáceas que, zombando de todas as outras árvores despidas, brilham ao sol com suas pazinhas gordas e espinhosas, sobre as quais ficou ainda um ou outro fruto ao qual o tempo deu uma cor vermelho tijolo e sobre as quais já vêm sorrindo alguma precoce flor, com seu amarelo pincelado de cinabre. Atrás, os apóstolos cochicham entre eles, e não me parece que estejam fazendo propriamente elogios ao Mestre. O qual, em certo momento, vira-se de repente e diz: ""Quem olha para os ventos, não semeia e quem fica olhando para as nuvens, nunca irá fazer a colheita". É um provérbio antigo. Mas Eu o sigo. E vós estais vendo que, onde tínheis medo de encontrar ventos contrários e nem queríeis parar, Eu encontrei terreno e modo de semear. E não obstante as "vossas" nuvens que, seja-vos dito, não é bom que as fiqueis mostrando onde a Misericórdia quer mostrar o seu sol, estou certo de já ter feito uma colheita". "No entanto, ninguém te pediu um milagre. É uma fé muito estranha a que eles têm em Ti! ". "E crês tu, Tomé, que só o pedido de um milagre já prove que há fé? Estás enganado. É tudo ao contrário. Quem quer um milagre para poder crer, é sinal de que, sem o milagre, que é uma prova palpável, ele não acreditaria. Ao invés, aquele que diz: "Eu creio", só pela palavra de outrem, mostra a máxima fé". "De modo, então, que os samaritanos são melhores do que nós!". "Não digo isto. Mas na condição em que estão de rebaixamento espiritual, mostraram uma capacidade de entender a Deus muito superior à dos fiéis da Palestina. Encontrareis isso muitas vezes em vossa vida, e Eu vos peço, recordai-vos também deste episódio para saberdes controlar-vos, sem preconceitos para com as almas que virão à fé no Cristo". "Porém, perdoa Jesus, se eu te digo, parece-me que, com todo o ódio que já tens atrás de Ti, seja ruim para Ti dar pretextos a novas acusações. Se os sinedritas soubessem que Tu tiveste... "."Mas diz logo: "amor", porque isto é 0 que Eu tive e tenho, Tiago. E tu, que és meu primo, podes compreender que Eu não posso ter outra coisa, senão amor. Eu te mostrei que não tenho senão amor, até419

"Podias ter-me chamado logo que Eu estivesse sozinho com os meus"."Eu esperava alcançar-te, quando estivesse sozinho, como aconteceu com Fotinai. Eu também tenho um grande motivo para ficar sozinho Contigo...".

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"Que queres? Que é que estás trazendo nas costas com tanta dificuldade?" ."É a minha mulher. Um espírito tomou posse dela e fez dela um corpo morto e uma inteligência que se apagou. Tenho que dar-lhe comida na boca, vesti-la e transportá-la, como se faz com uma criança. Ela ficou assim de repente, sem ficar doente...Chamam-lhe "a endemoninhada". Sofro tanto com ela, me dá trabalho. E despesas. Olha".O homem põe no chão o seu fardo de carnes inertes, envolvidas em um manto, como se fosse um saco, e descobre um rosto de mulher ainda nova, mas que, se não estivesse respirando, poder-se-ia dizer que estava morta. Olhos fechados, boca entreaberta... o rosto de alguém que expirou. Jesus se inclina sobre a infeliz, que está deitada no chão, olha para ela, olha para o homem: "Crês tu que Eu o possa? Por que é que cres? '. "Porque Tu és o Cristo". "Mas tu não viste nada que o prove". "Eu ouvi a tua palavra. Ela basta". 147 3 3' Pedro, estás ouvindo? Que dizes que Eu tenha que fazer agora diante de uma fé tão boa?"."Mas... Mestre... Tu... Eu... Mas, faz Tu, em suma". Pedro ficou muito embaraçada."Sim. Eu faço. Homem, olha". Jesus pega pela mão a mulher e ordena: "Sai dela. Eu quero".A mulher, até então inerte, tem uma horrível convulsão, primeiro muda e depois com gritos e lamentos, que terminam com um grande grito, durante o qual ela abre os olhos, que até aquele momento tinham estado fechados, arregalando-os, como alguém que desperta de um sono de pesadelo. Depois se acalma e um pouco atordoada olha ao redor de si, fixando os olhos, primeiro em Jesus, o Desconhecido que lhe sorri... olha a poeira do caminho em que está deitada, uma moita de erva que nasceu na beira do caminho e sobre a qual estão as cabecinhas brancas e vermelhas dos botões das margaridinhas, ali colocadas como pérolas, que estão para abrir-se numa auréola... Olha para a sebe de cactáceas, para o céu tão azul, e depois vira os olhos e 420

vê o seu homem... o seu homem, que a olha ansioso e a escruta em todos os seus movimentos. Ela sorri, e depois, na completa liberdade que volta, em um pulo põe-se de pé e vai refugiar-se sobre o peito do marido que a acaricia e abraça chorando."Como? Como é que eu estou aqui? Por que? Quem é aquele homem?"."É Jesus, o Messias. Tu estavas doente. Ele te curou. Diz a Ele que tu lhe queres bem"."Oh! Sim! Obrigada... Mas que é que eu tinha? Os meus meninos... Simão... eu não me lembro do dia de ontem, mas me lembro que tenho uns meninos...".Jesus fala: "Não é preciso que te lembres do dia de ontem. Lembra-te sempre do dia de hoje. E sê boa. Adeus. Sede bons e Deus estará connosco". E Jesus, seguido pelas bênçãos dos dois, retira-se rapidamente.Quando alcança os outros, que ficaram encostados na sebe, não lhes fala nada. Mas diz a Pedro: "E agora? Tu que tinhas certeza de que aquele homem queria me atacar, que dizes? Simão, Simão! Quanto ainda te falta para seres perfeito! Quanto vos falta! Vós tendes, menos a evidente idolatria, todos os pecados que estes têm, além da soberba de juízo. Agora vamos tomar a nossa refeição. Não vamos poder chegar até onde Eu queria, antes que a noite venha. Dormiremos em algum palheiro, se não acharmos coisa melhor".Os doze, com o sabor da repreensão no coração, assentam-se em silêncio e comem seus alimentos.O sol de um plácido dia ilumina o campo, que desce em suaves ondulações, em direção à planície.4 Terminada a refeição, ficam parados ainda por algum tempo, até 147 4 que Jesus se levanta e diz: "Vinde tu, André e tu, Simão. Vou ver se aquela casa é amiga ou inimiga" e lá se vai, enquanto os outros ficam e permanecem calados, até que o Tiago do Alfeu diz ao Judas Iscariotes: "Mas esta, que vem vindo, não é a mulher de Sicar?"."Sim. É ela. Reconheço-a pela veste. Que quererá ela?"."Ir pelo seu caminho", responde Pedro, amuado."Não. Está olhando muito para nós, enquanto protege os olhos com a mão".Ficam observando-a, até que ela chega perto e diz, toda submissa: "O vosso Mestre, onde está?"."Está fora. Por que perguntas por Ele?"."Eu tinha necessidade Dele...".

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"Ele não se perde com as mulheres", responde secamente Pedro."Sei disso. Com as mulheres não. Mas eu sou uma alma de mulher que preciso Dele"."Deixa-a", aconselha Judas do Alfeu. E responde à Fotinai: "Espera. Daqui a pouco Ele volta".A mulher se coloca em um cantinho da estrada, onde há uma curva e fica lá quieta e em silêncio, enquanto todos deixam de preocupar-se com ela. Mas Jesus logo volta e Pedro diz: "Eis o Mestre. Dizlhe o que queres e sem demora".A mulher nem lhe responde, mas vai aos pés de Jesus e, calada, se curva até o chão."Fotinai, que queres de Mim?"."A tua ajuda, Senhor. Sou muito fraca. E não quero mais pecar. Eu já disse isto ao homem. Mas agora, que não sou mais pecadora, não sei mais nada. O bem eu o ignoro. Que devo fazer? Diz a mim. Eu sou uma lama. Mas o teu pé pisa nos caminhos para ir atrás das almas. Pisa na minha lama, mas vem à minha alma com o teu conselho" e chora."Atrás de Mim, mulher sozinha não poderá vir. Mas, se não queres mesmo pecar mais e conhecer a ciência de não pecar, volta para a tua casa com espírito de penitência e espera. Virá o dia no qual, mulher entre muitas outras igualmente redimidas, poderás estar perto do teu Redentor e aprender a ciência do Bem. Vai. Não tenha medo. Sê fiel à presente vontade de não pecar. Adeus".A mulher beija a poeira, levanta-se e se retira retrocedendo alguns metros, depois vai-se embora, dirigindo-se para Sicar...

148. Jesus visita o Batista perto de Hinon.

27 de abril de 1945. 148.1 1 Uma clara noite de luar, tão clara, que o terreno se revela em todos os seus particulares e os campos com o trigo nascido há poucos dias, parecem tapetes de uma felpa verde prateada, listrados pelas fitas escuras dos caminhos e vigiados pelos troncos das árvores todos brancos do lado da lua e todos pretos do lado do poente.Jesus caminha tranquilo e sozinho. Vai muito rápido, até encontrar um curso d'água, que desce borbulhante em direção à planície no sentido noroeste. Sobe por ele até um lugar solitário perto de uma encosta cheia de árvores. Faz uma volta ainda Alindo Ar um ata-422

lho, e chega a um abrigo natural, num dos lados da colina.Entra e se inclina sobre alguém que está deitado, e que mal pode ser visto ao clarão do luar, que ilumina o caminho, mas não penetra na caverna. Jesus 0 chama: "João".O homem desperta e se assenta, ainda ofuscado pelo sono. Mas logo dá-se conta de Quem é que o está chamando e num pulo põe-se de pé, para depois prostrar-se por terra, dizendo: "Como é que veio a mim o meu Senhor?"."Para contentar o teu coração e o meu. Tu me queria ver, João. Eis-me. Levanta-te. Vamos sair para a luz do luar e sentar-nos na pedra que está junto à caverna para conversarmos".João obedece, levanta-se e sai. Mas quando Jesus sentou-se, ele em sua pele de ovelha, que mal lhe cobre o corpo magríssimo, põe-se de joelhos diante do Cristo, joga para trás seus cabelos longos e descompostos, que lhe estavam caindo sobre os olhos, para ver melhor o Filho de Deus.O contraste é muito forte. Jesus é pálido e loiro, de cabelos macios e penteados, com uma barba curta por baixo do rosto, e o outro é uma verdadeira touceira de pelos muito pretos dos quais apenas aparecem dois olhos encovados, eu diria febris, de tanto que brilham em sua cor negra de azeviche."'Vim para dizer-te: "obrigado". Tu tens cumprido e estás cumprindo, com a perfeição da Graça que

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há em ti, a tua missão de meu Precursor. Quando chegar a hora, entrarás a meu lado no Céu, porque tudo terás merecido de Deus. Mas, naquela espera, já estarás na paz do Senhor, meu amigo dilato"."Bem depressa entrarei na paz. Meu Mestre e Deus, abençoa o teu servo para fortalecê-lo na última prova. Eu não ignoro que ela já está próxima e que ainda tenho que dar um testemunho: o sangue. E Tu, mais ainda do que eu, não ignoras que está para chegar a minha hora. A tua vinda foi a misericordiosa bondade do teu coração de Deus que a quis, para fortalecer o último mártir de Israel e o primeiro mártir dos tempos novos. Mas diz-me uma coisa: terei que esperar muito a tua vinda?"."Não, João. Não muito mais do que o tempo que decorreu do teu ao meu nascimento"."Seja bendito o Altíssimo por isso. Jesus... posso dizer-te assim?"."Tu o podes, tanto pelo sangue, como pela santidade. Aquele Nome, que os pecadores também dizem, pode ser dito pelo santo de Israel. Para eles é salvação, para ti seja doçura. Que queres de Jesus, 423

teu Mestre e primo?"."Eu vou morrer. Mas como um pai se preocupa com seus filhos, eu me preocupo com os meus discípulos. Os meus discípulos... Tu és Mestre e sabes como para com eles é vivo em nós o amor. A única pena que eu tenho ao morrer é o temor de que eles se percam, como ovelhas sem pastor. Recolhe-os, Tu. Eu te entrego os três que já são teus e que me foram perfeitos discípulos, à espera de Ti. Neles, e especialmente em Matias, está realmente presente a Sabedoria. Outros tenho. E a Ti virão. Mas a estes, deixa que eu os confie a Ti pessoal mente. São os três mais queridos". "E Eu também os considero queridos. Vai tranquilo, João. Eles não se perderão. Nem estes nem os outros que tens, verdadeiros discípulos. Eu recolho a tua herança e a velarei como o tesouro mais caro, vindo de perfeito amigo meu e servo do Senhor". 148. 3 3 João se prostra por terra e, o que parece impossível em tão austero personagem, chora com fortes soluços de alegria espiritual. Jesus pousa a mão sobre a cabeça dele. "O teu pranto, que é de alegria e humildade é o eco de um canto longínquo, ao som do qual o teu pequeno coração pulou de júbilo. São, aquele canto e este pranto, o mesmo hino de louvor ao Eterno que "fez grandes coisas, Ele que é poderoso, nos espíritos humildes". Também minha Mãe está para entoar de novo o seu canto, já cantado então. Mas depois, também para Ela virá a maior glória, como para ti, depois do martírio. Eu te trago também as saudações Dela. Todas as despedidas e todos os confortos. Tu o mereces. Aqui não há mais do que a mão do Filho do homem, que está sobre a tua cabeça, mas, do Céu aberto, desce a Luz e o Amor a abençoar-te, João". "Eu não mereço tanto. Eu sou o teu servo". "Tu és o meu João. Naquele dia, junto ao Jordão, Eu era o Messias que se manifestada; aqui agora é o primo e o Deus, que te quer dar o viático do seu amor de Deus e de parente. Levanta-te, João. Demos um ao outro o beijo de adeus"."Não mereço tanto... Eu sempre o desejei durante toda a vida. Mas não ouso fazer este ato sobre Ti. Tu és o meu Deus"."Sou o teu Jesus. Adeus. A minha alma estará perto da tua até à paz. E vive e morre em paz quanto aos teus discípulos. Não posso dar-te senão isto agora. Mas no Céu te darei o cêntuplo, porque achaste graça aos olhos de Deus".Jesus o levantou e o abraçou, beijando-o nas faces e sendo por ele beijado. Depois João se ajoelha ainda e Jesus lhe impõe as mãos so-424

bre a cabeça e reza com os olhos voltados para o céu. Parece que o está consagrando. É majestoso.O silêncio se prolonga assim por algum tempo. Depois Jesus se despede, com sua doce saudação: "A minha paz esteja sempre contigo" e retoma o caminho por onde veio.

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149. A visita ao Batista é motivo de ensinamentos aos discípulos.28 de abril de 1945.

1 "'Senhor, por que não tomas um descanso, de noite? Esta noite, eu 149.1 me levantei e não te vi. O teu lugar estava vazio", diz Simão Zelote."Por que estavas me procurando, Simão?"."Para ceder-te o meu manto. Temia que Tu estivesses com frio na noite, que estava serena, mas muito fresca"."E tu, não estavas com frio?"."Eu me habituei, em muitos anos de miséria, a ficar mal coberto, mal nutrido e mal alojado... Aquele vale dos mortos!... Que horror! Neste momento não seria oportuno. Mas numa outra vez que tivermos que ir para Jerusalém, pois certamente teremos que ir, vai, meu Senhor, para os lados daqueles lugares de morte. Lá há tantos infelizes... e a miséria corporal não é a mais grave... O que mais rói lá e consome é o desespero... Não achas, meu Senhor, que existe dureza demais para com os leprosos?".É o Iscariotes quem responde, antes até de Jesus, ao Zelote, que perora em favor dos seus antigos companheiros. O Iscariotes diz: "E quereria, então, deixá-los no meio do povo? Pior para eles, se são leprosos! "."Não nos faltaria nada mais do que isto, para fazer dos hebreus uns mártires. Até a lepra, tendo o seu espaço nas ruas, junto com as milícias e outras coisas!...", exclama Pedro."Parece-me que seja uma medida de justa prudência conservá-los separados", observa Tiago do Alfeu."Sim. Mas haveria de ser praticada com piedade. Tu não sabes o que é ser leproso. Não podes falar. Se é justo ter cuidado com os nossos corpos, por que não temos a mesma justiça para com as almas dos leprosos? Quem fala a eles de Deus? E só Deus sabe quanto eles têm necessidade de pensar em Deus e em uma paz, naquela sua atroz desolação! " . 425

"Simão, tens razão. Eu irei a eles. Porque é justo e para ensinar vos esta misericórdia. Até agora, tenho curado os leprosos encontra dos por acaso. Até este momento, ou seja, até o dia em que fui expulso de Judá, Eu me dirigi aos grandes de Judá, como aos mais afasta dos e necessitados de serem redimidos para serem auxiliares do Redentor. Mas agora, convicto da inutilidade dessa minha tentativa, Eu os abandono. Não aos grandes, mas aos mínimos, às misérias de Israel é que Eu vou. E entre elas estarão os leprosos do vale dos mortos. Não decepcionarei a fé que têm em Mim estes evangelizador pelo leproso reconhecido". "Como sabes, Senhor, que eu fiz isso?". "Como sei o que pensam de Mim amigos ou inimigos, cujos corações perscruto".149.2 2 "Misericórdia! Mas Tu sabes mesmo tudo de nós, Mestre?", grita Pedro. "Sim. Também que tu, e não tu somente, querias afastar a Fotinai. Mas não sabes que não te é lícito afastar uma alma do bem? Não sabes que para penetrar numa cidade é preciso ser de uma piedade to da doce, até para com aqueles que a sociedade, que não é santa, por que não está identificada com Deus, chama e julga indignos de piedade? Mas não te perturbes por Eu saber estas coisas. Tem, sim, pena de que o teu coração tenha movimentos, que Deus não aprova e es força-te para não te-los mais. Eu vo-lo disse. O primeiro ano terminou. No ano novo, Eu progredirei, e com novas formas, pelo meu caminho. Vós deveis no segundo ano também progredir. Se assim não fosse, seria inútil que Eu me cansasse a evangelizar e a superevangelizar-vos, meus futuros sacerdotes".149.3 3 "Tinhas ido rezar, Mestre? Tu nos havias prometido ensinar-nosas tuas orações. Irás fazê-lo neste ano?". "Eu o farei. Mas quero ensinar-vos a serdes bons. A bondade já é oração. Mas Eu o farei, João". "E também a fazer milagres, nos ensinarás neste ano?", pergunta Iscariotes. "O milagre não se ensina. Não é um jogo de prestidigitador. O milagre vem de Deus. Consegue-o quem tem graça junto a Deus. Se aprenderdes a ser bons, tereis graça e conseguireis milagres".

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149. 4 4 Mas Tu nunca respondes a nossa pergunta. Perguntou-se o Simão, perguntou-se o João, e nunca nos dizes aonde foste esta noite. Sair assim sozinho, numa terra pagã, pode ser perigoso". "Fui fazer feliz uma alma reta e. como era um moribundo. fui re426

ceber a sua herança"."Sim? Era muita?"."Muita, Pedro, e de muito valor. Era o fruto do trabalho de um verdadeiro justo"."Mas... eu não vi nada mais na tua sacola. Serão talvez jóias que trazes no peito?"."Sim. São jóias muito queridas ao meu coração"."Mostra-no-las, Senhor!"."Eu as receberei, quando aquele moribundo morrer. Por ora, servem a ele, e a Mim, deixando-as onde estão"."Ele as pôs a juros?"."Mas, pensas tu que o que tem valor é só o dinheiro? Este é a coisa mais inútil e suja que há sobre a terra. E só serve para a matéria, para os delitos e o inferno. Raramente o homem o usa para o bem"."Então... se não é dinheiro, o que é?"."Três discípulos formados por um santo"."Estiveste com o Batista? Oh! Mas por que?"."Por que!... Vós me tendes sempre; e todos vós valeis menos do que uma só unha do Profeta. Não era justo que Eu fosse levar ao santo de Israel a bênção de Deus para fortalecê-lo para o martírio?"."Mas se é santo... não precisa de fortificação. Age por si mesmo!..."."Um dia chegará em que os "meus" santos serão levados aos juízes e à morte. Serão santos, estarão na graça de Deus, serão confortados pela fé, pela esperança e pela caridade. Contudo, Eu já estou ouvindo o grito deles, o grito de seus espíritos: "Senhor, ajuda-nos nesta hora!". Só com a minha ajuda é que os meus santos serão fortes nas perseguições".5 "Mas... estes não seremos nós, não é? Porque eu não tenho mesmo 149 5 a capacidade de sofrer"."É verdade. Tu não tens a capacidade de sofrer. Mas tu, Bartolomeu, ainda não foste balizado"."Eu o fui sim"."Com a água. Mas falta-te ainda um outro baptismo. Só depois é que saberás sofrer"."Eu já estou velho"."E quando muito mais velho, serás mais forte do que um jovem"."Mas Tu nos ajudarás do mesmo modo, não é verdade?"."Eu estarei sempre convosco"."Procurarei habituar-me a sofrer", diz Bartolomeu."Eu rezarei sempre, desde agora, para receber esta graça de Ti", 427

diz Tiago do Alfeu."Eu estou velho e não peço senão poder ir à tua frente e entrar Contigo na paz", diz Simão Zelote."Eu... nem sei o que quereria: Se ir à tua frente ou estar perto de Ti para morrer Contigo", diz Judas do Alfeu."Eu ficarei pesaroso, se sobreviver a Ti. Mas me consolarei pregando o teu nome aos povos", professa Iscariotes."Eu penso como o teu primo", diz Tomé."Eu, ao invés, como Simão, o Zelote", diz Tiago do Zebedeu."E tu, Filipe?"."Mas... eu digo que não quero nem pensar nisso. O Eterno me dará o que for melhor"."Oh! Calai-vos! Parece que o Mestre vai morrer logo! Não me façais pensar em sua morte! ", exclama André.

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"Disseste bem, meu irmão. Estás jovem e são, Jesus. Terás que sepultar-nos todos, pois somos mais velhos do que Tu"."E se me matassem?"."Que isso não te aconteça nunca. Mas eu te vingarei"."Como? Com vinganças de sangue?"."Eh!... Até com elas, se me dás licença. Mas, se não a deres, irei destruir, com a minha profissão de fé entre os povos as acusações lançadas contra Ti. O mondo te amará, porque serei incansável em pregar o teu Nome", termina Pedro."É verdade. Assim será. E tu, João? E tu, Mateus?"."Eu devo sofrer e esperar ter, com muito sofrimento, lavado o meu espírito", diz Mateus."E eu... eu não sei. Gostaria de morrer logo, para não te ver sofrer. Gostaria de estar ao teu lado, para consolar-te na agonia. Gostaria de viver por longo tempo para servir-te por longo tempo. Gostaria de morrer Contigo para entrar Contigo no Céu. De tudo isso eu gostaria, porque te amo. E penso que eu, o menor de meus irmãos, poderei tudo isso, se eu souber amar-te com perfeição.149.6 6 Jesus, aumenta em mim o teu amor! ", diz João."Quererás dizer: "Aumenta 0 meu amor"", comenta Iscariotes. "Porque somos nós que devemos amar sempre mais..."."Não. Eu digo: "Aumenta o teu amor". Porque nós mais amaremos quanto mais Ele nos queimará com seu amor".Jesus atrai para perto de si o puro e apaixonado João e o beija na fronte, dizendo depois: "Revelaste um mistério de Deus sobre a santificação dos corações. Deus se derrama sobre os justos, e, quanto mais428

eles se entreguem ao seu amor, mais Ele o aumenta e cresce a santidade. É este o misterioso e inefável modo de operar de Deus e dos espíritos. Cumpre-se nos silêncios místicos e a sua potência, indescritível com palavras humanas, cria indescritíveis obras-primas de santidade. Não é um erro, mas é uma palavra sábia esta de pedir que Deus aumente o seu amor em um coração".

150. Em Nazaré na casa da Mãe, a qual deverá seguir o Filho.30 de abril de 1945.

1 'Jesus está sozinho. Caminha ligeiro pela estrada mestra, que pas- 150.1 sa perto de Nazaré e entra na cidade, dirigindo-se para a sua casa. Quando está próximo dela, vê sua Mãe, que por sua vez, também está indo para casa, tendo a seu lado o sobrinho Simão, que está carregado de feixes de gravetos. Jesus a chama: "Mãe!".Maria se vira, exclamando: "Oh! Meu bendito Filho!" e ambos correm um para o outro, enquanto Simão, tendo colocado no chão os seus feixes, imita Maria, dirigindo-se para o primo, a quem saúda cordialmente."Minha Mãe, Eu vim. Estás contente agora?"."Muito, meu Filho. Mas... se for só porque eu te pedi que vieste, eu te digo que não te é permitido seguir a voz do sangue, mais do que a de tua missão"."Não, Mãe. Eu vim também para outras coisas"."Então é verdade mesmo, meu Filho? Eu achava, eu queria achar que fossem palavras mentirosas e que Tu não fosses odiado tanto...". As lágrimas estão nas palavras e nos olhos de Maria."Não chores, Mãe. Não me dês este sofrimento. Eu preciso do teu sorriso " .

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"Sim, Filho, sim. É verdade. Tu vês tantos rostos duros de inimigos, que tens necessidade de muito amor e sorriso. Mas aqui, estás vendo? Aqui há quem te ama por todos...". Maria, que se apóia levemente no Filho, que a segura abraçada pelas costas, vai caminhando lentamente para casa, e procura sorrir, para tirar todo o sofrimento do coração de Jesus.Simão tornou a apanhar os seus feixes e caminha ao lado de Jesus."Estás pálida, Mãe. Fizeram-te sofrer muito? Estiveste doente? Tens-te cansado muito?".429

"Não, Filho. Não. Não tive nenhum sofrimento. A única pena foi a de estares longe e não seres amado. Mas aqui, comigo, todos são muito bons. Não falo da Maria e do Alfeu; esses Tu sabes que são. Mas até Simão, estás vendo como ele é bom? É sempre assim. Tem sido a minha ajuda nestes meses. Agora me abastece de lenha. É muito bom. E José também, sabes? Tantos pensamentos bondosos para com a sua Maria"."Deus te abençoe, Simão e também abençoe ao José. E, que ainda não me ameis como ao Messias, Eu vo-lo perdôo. Oh! Mas vireis ao amor de Mim, o Cristo! Mas, como poderia Eu perdoar-vos, se não a amásseis?"."Amar Maria é uma justiça e uma paz, Jesus. Mas Tu também és amado... só que nós tememos muito por Ti"."Sim. Vós me amais humanamente. Ireis ter o outro amor"."Mas Tu também, meu Filho, estás pálido e emagrecido"."Sim. Pareces mais velho. Eu também o estou vendo", observa Simão. 150.2 2 Entram em casa e Simão, tendo posto os feixes em seu lugar, retira-se discretamente."Filho, agora que estamos sós, diz-me a verdade. Toda a verdade. Por que foi que te expulsaram?". Maria fala, conservando as mãos sobre os ombros do seu Jesus e olha fixamente para o seu rosto emagrecido.Jesus tem um sorriso doce e cansado: "Porque procurava levar o homem à honestidade, à justiça, à verdadeira religião"."Mas quem te acusa? O povo?"."Não, Mãe. Os fariseus e os escribas, com exceção de alguns justos entre eles"."Mas que fizeste para atrair as acusações deles?"."Disse a verdade. Não sabes que é o maior erro, junto aos homens?"."E que terão podido dizer para justificar suas acusações?"."Mentiras. As que sabes e outras mais"."Dize-as à tua Mãe. E põe toda a tua dor no meu seio. Um seio de mãe está acostumado com a dor, e fica feliz em passar por ela, contanto que possa tirá-la do coração do filho. Dá-me a tua dor, Jesus. Põe-te aqui, como quando eras pequenino, e deixa aqui toda a tua" amarguraJesus se assenta em um banquinho aos pés de sua Mãe e conta tudo o que aconteceu naqueles meses na Judéia. Sem rancor, mas sem encobrir nada.430

Maria o acaricia nos cabelos, com um heróico sorriso nos lábios que luta contra o brilho das lágrimas, que estão em seus olhos azuis.Jesus fala também da necessidade de aproximar-se das mulheres para redimi-las e o pesar que sente por não poder fazê-lo, devido à maldade humana.Maria concorda e depois decide: "Filho, não me deves negar o que eu quero. De agora em diante, eu irei Contigo, quando fores para longe. Em qualquer tempo e estação. E em qualquer lugar. Eu te defenderei da calúnia. Só a minha presença fará cair a lama. E Maria virá comigo. Ela o deseja muito. Isto se torna necessário junto do Santo e contra o demónio e o mundo: o coração das mães".

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151. Em Caná na casa de Susana, que se tornará discípula. O oficial do rei.1 de maio de 1945.

1 'Talvez Jesus se tenha dirigido para o lago. O certo é que chega a 151 1Caná, e vai até a casa de Susana. Com Ele vão os seus primos.Enquanto estão naquela casa, onde tomam descanso e refeição, e enquanto, ouvido como sempre deveria sê-lo, por seus parentes ou amigos de Caná, Jesus ensina com simplicidade àquelas boas pessoas e consola os sofrimentos do esposo de Susana - que parece enferma, porque não está presente e ouço falar insistentemente do seu sofrimento - entra um homem bem vestido e se prostra aos pés de Jesus."Quem és? Que queres?".Enquanto o homem ainda suspira e chora, o dono da casa puxa Jesus pela orla da veste e lhe sussurra: "É um oficial do Tetrarca. Não confies muito nele"."Fala, pois. Que queres de Mim?"."Mestre, eu soube que tinhas voltado. Eu te esperava, como se espera a Deus. Vai depressa a Cafarnaum. O meu filho está de cama, tão doente, que as suas horas estão contadas. Eu vi o teu discípulo João. Por ele eu soube que tinhas vindo aqui. Vai, vai logo, antes que seja tarde demais"."Como? Tu que és servo do perseguidor do santo de Israel, podes crer em Mim? Vós não credes no Precursor do Messias. Como, então, podeis crer no Messias?"."É verdade. Estamos no pecado de incredulidade e de crueldade. Mas tem piedade de um pai! Eu conheço Cusa. E vi a Joana. Antes e431

depois do milagre. E acreditei em Ti"."Sim! Sois uma geração tão incrédula e perversa, que, sem sinais e prodígios, não acreditais. Falta-vos a primeira qualidade necessária para obter o milagre"."É verdade. Tudo isso é verdade! Mas Tu estás vendo... Eu creio em Ti agora e te peço: vai, vai logo a Cafarnaum. Eu providenciarei para Ti um barco em Tiberíades, a fim de que possas ir mais rápido. Mas vai, antes que meu menino morra!" e chora desoladamente."Eu não vou, por enquanto. Mas tu, vai para Cafarnaum. A partir deste momento, o teu filho está curado e vivo"."Deus te abençoe, meu Senhor. Eu creio. Mas, como quero que toda a minha família te preste uma homenagem, vai depois à minha casa em Cafarnaum"."Irei. Adeus. A paz esteja contigo".O homem sai com pressa e ouve-se, pouco depois, o trotar de um cavalo.151.2 2 "Mas aquele menino ficou mesmo bom?", pergunta o esposo de Susana."E tu és capaz de crer que Eu esteja mentindo?"."Não, Senhor. Mas Tu estás aqui e o menino está lá"."Para o meu espírito não há barreiras, nem distancias"."Oh! Meu Senhor, que transformaste a água em vinho no meu casamento, transforma então o meu pranto em sorriso. Cura a minha Susana"."Que me darás em troca disso?"."A soma que quiseres"."Eu não sujo 0 que é santo com 0 sangue de Mamon. Pergunto ao teu espírito o que ele me dará"."Até a mim mesmo, se quiseres"."E se Eu te pedisse, sem palavras, um grande sacrifício?"."Meu Senhor, eu te peço a saúde corporal de minha esposa e a santificação de todos nós. Creio que para obter isso, não posso achar nada grande demais..."."Tu estás angustiado por causa de tua mulher. Mas, se Eu a fizesse voltar à vida, conquistando-a

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para sempre como discípula, que dirias tu?"."Eu diria... que Tu tens o direito de fazer isso... e que... eu imitarei a Abraão na prontidão ao sacrifício". 151 3 "Disseste bem. 3 Ouvi todos: aproxima-se o tempo do meu sacrifício. Como uma água ele corre veloz, sem parar, até à foz. Eu preciso432

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151. Em Caná na casa de Susana, que se tornará discípula. O oficial do rei.1 de maio de 1945.

1 'Talvez Jesus se tenha dirigido para o lago. O certo é que chega a 151 1Caná, e vai até a casa de Susana. Com Ele vão os seus primos.Enquanto estão naquela casa, onde tomam descanso e refeição, e enquanto, ouvido como sempre deveria sê-lo, por seus parentes ou amigos de Caná, Jesus ensina com simplicidade àquelas boas pessoas e consola os sofrimentos do esposo de Susana - que parece enferma, porque não está presente e ouço falar insistentemente do seu sofrimento - entra um homem bem vestido e se prostra aos pés de Jesus."Quem és? Que queres?".Enquanto o homem ainda suspira e chora, o dono da casa puxa Jesus pela orla da veste e lhe sussurra: "É um oficial do Tetrarca. Não confies muito nele"."Fala, pois. Que queres de Mim?"."Mestre, eu soube que tinhas voltado. Eu te esperava, como se espera a Deus. Vai depressa a Cafarnaum. O meu filho está de cama, tão doente, que as suas horas estão contadas. Eu vi o teu discípulo João. Por ele eu soube que tinhas vindo aqui. Vai, vai logo, antes que seja tarde demais"."Como? Tu que és servo do perseguidor do santo de Israel, podes crer em Mim? Vós não credes no Precursor do Messias. Como, então, podeis crer no Messias?"."É verdade. Estamos no pecado de incredulidade e de crueldade. Mas tem piedade de um pai! Eu conheço Cusa. E vi a Joana. Antes e431

depois do milagre. E acreditei em Ti"."Sim! Sois uma geração tão incrédula e perversa, que, sem sinais e prodígios, não acreditais. Falta-vos a primeira qualidade necessária para obter o milagre"."É verdade. Tudo isso é verdade! Mas Tu estás vendo... Eu creio em Ti agora e te peço: vai, vai logo a Cafarnaum. Eu providenciarei para Ti um barco em Tiberíades, a fim de que possas ir mais rápido. Mas vai, antes que meu menino morra!" e chora desoladamente."Eu não vou, por enquanto. Mas tu, vai para Cafarnaum. A partir deste momento, o teu filho está curado e vivo"."Deus te abençoe, meu Senhor. Eu creio. Mas, como quero que toda a minha família te preste uma homenagem, vai depois à minha casa em Cafarnaum"."Irei. Adeus. A paz esteja contigo".O homem sai com pressa e ouve-se, pouco depois, o trotar de um cavalo.151.2 2 "Mas aquele menino ficou mesmo bom?", pergunta o esposo de Susana."E tu és capaz de crer que Eu esteja mentindo?"."Não, Senhor. Mas Tu estás aqui e o menino está lá"."Para o meu espírito não há barreiras, nem distancias"."Oh! Meu Senhor, que transformaste a água em vinho no meu casamento, transforma então o meu pranto em sorriso. Cura a minha Susana"."Que me darás em troca disso?"."A soma que quiseres"."Eu não sujo 0 que é santo com 0 sangue de Mamon. Pergunto ao teu espírito o que ele me dará"."Até a mim mesmo, se quiseres"."E se Eu te pedisse, sem palavras, um grande sacrifício?"."Meu Senhor, eu te peço a saúde corporal de minha esposa e a santificação de todos nós. Creio que para obter isso, não posso achar nada grande demais..."."Tu estás angustiado por causa de tua mulher. Mas, se Eu a fizesse voltar à vida, conquistando-a para sempre como discípula, que dirias tu?"."Eu diria... que Tu tens o direito de fazer isso... e que... eu imitarei a Abraão na prontidão ao sacrifício".

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151 3 "Disseste bem. 3 Ouvi todos: aproxima-se o tempo do meu sacrifício. Como uma água ele corre veloz, sem parar, até à foz. Eu preciso432

cumprir tudo o que devo cumprir. A dureza humana me vem fechando muitos campos de missão. Minha Mãe e Maria de Alfeu irão Comigo, quando Eu for para longe, por entre as populações que não me amam ainda, ou que não me amarão nunca. Minha sabedoria sabe que as mulheres poderão ajudar o Mestre nesse campo fechado. Eu vim para redimir a mulher também e, no século futuro, em meu tempo, ver-se-ão mulheres, semelhantes a sacerdotisas, servindo ao Senhor e aos servos de Deus. Eu escolhi os meus discípulos. Mas, para escolher as mulheres, que não estão livres, Eu devo pedir isso aos pais e aos maridos. Queres tu fazer isso?"."Senhor... eu amo a Susana. E até agora, a tenho amado mais como carne do que como espírito. Mas com os teus ensinamentos, já alguma coisa se mudou em mim, e olho para minha mulher como alma, além do que como corpo. A alma é de Deus e Tu és o Messias, Filho de Deus. Não te posso contestar o teu direito sobre o que é de Deus. Se Susana quiser seguir-te, eu não lhe criarei dificuldades. Somente te peço, opera o milagre de curá-la em sua carne e a mim nos meus sentidos..."."Susana está curada. Dentro de poucas horas, ela virá dizer-te a sua alegria. Deixa que a alma dela siga o seu impulso, sem falar nada do que Eu disse agora. Verás como a alma dela virá espontâneamente a Mim, assim como a chama tem a tendência de subir. Nem por isso morrerá o seu amor de esposa. Mas se elevará ao mais alto grau, que é aquele de amar-se com a melhor parte: com o espírito"."Susana te pertence, Senhor. Ela ia morrer, e lentamente, com fortes dores. E, uma vez que estivesse morta de falo, a teria perdido nesta terra. Sendo como Tu dizes, eu a terei ainda ao meu lado para conduzir-me consigo pelos teus caminhos. Deus deu-a para mim e Deus a tira de mim. Que o Altíssimo seja bendito, quando dá e quando retém".

152. Maria Salomé é acolhida como discípula.

2 de maio de 1945.

1 'Jesus está em uma casa que compreendo ser a de Tiago e João, 152. 1 pelo que estão dizendo os que nela se encontram. Com Jesus, além dos dois apóstolos, estão Pedro e André, Simão Zelote, Iscariotes e Mateus. Os outros não os vejo.Tiago e João estão felizes. Vão e vêm entre a mãe deles e Jesus, como umas borboletas que não sabem qual a flor que hão de preferir, 433

entre duas igualmente amadas, e Maria Salomé acaricia os seus dois rapagões, a cada vez que dela se aproximam, toda contente, enquanto Jesus sorri.Devem ter acabado de tomar a refeição, porque a mesa ainda está posta. Mas os dois querem que Jesus coma uns cachos de uva branca, tida em conserva pela mãe e que deve ser doce como o mel. O que é que eles não dariam a Jesus! 152 ~ ^2Mas Salomé quer dar e receber alguma coisa que seja mais do que uvas e carícias. E depois de ter parado um pouco, pensativa, olhando para Jesus e olhando para Zebedeu, decide. Vai ao Mestre, que está sentado com as costas apoiadas na mesa e ajoelha-se diante Dele."Que queres, mulher?".

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"Mestre, Tu decidiste que tua Mãe e a mãe de Tiago e Judas vão Contigo e também Susana vai, e certamente também a grande Joana de Cusa irá. Todas as mulheres que te veneram irão, se uma qualquer for. Eu quereria ir também. Leva-me, Jesus. Eu te servirei com amor"."Tu tens que cuidar do Zebedeu. Não o amas mais?"."Oh! Se o amo! Mas eu amo mais a Ti. Oh! Não quero dizer que te amo como homem. Tenho sessenta anos e há quase quarenta que estou casada, e nunca vi outro homem, que não fosse o meu. Louca, agora que sou uma velha, não vou ficar. Nem, porém, pela velhice, morre o meu amor pelo meu Zebedeu. Mas Tu... Eu não sei falar. Sou uma pobre mulher. Falo como sei. E é isto, ao Zebedeu eu amo com tudo o que era antes. Mas a Ti eu amo com tudo aquilo que soubeste fazer vir em mim com as tuas palavras e com as que me foram ditas pelo Tiago e pelo João. E é uma coisa bem diferente... mas tão bela"."Não será tão bela como o amor de um étimo esposo"."Oh! Não. O é muito mais!... Oh! Não o leves a mal, Zebedeu! Eu te amo ainda com toda mim mesma. Mas a Ele eu amo com alguma coisa que é ainda Maria, mas que não é mais Maria, a pobre Maria tua esposa, mas é mais do que isto... Oh! eu nem sei explicar!".Jesus sorri para a mulher, que não quer ofender ao marido, mas não pode calar-se, diante do seu grande e novo amor. Também o Zebedeu sorri gravemente, aproximando-se da mulher que, continuando de joelhos, vira-se sobre si mesma para olhar, ao esposo e a Jesus. alternadamente."Mas sabes, Maria, que terás que deixar a tua casa? Tu, que aqui cuidas de tantas coisas! Os teus pombos... as tuas flores... e esta videira que produz aquela uva doce de que tanto te orgulhas... e as tuas colméias, as mais famosas do povoado... e não mais aquele tear, no434

qual fizeste tantos tecidos e tanta lã para os teus queridos... E os netinhos? Como farás, sem os teus pequenas netos?""Oh! Mas meu Senhor! Que queres que sejam as paredes, os pombos, as flores, a videira, as colméias, o tear? Tudo isso são coisas boas, queridas, mas tão pequenas, comparadas a Ti e ao amor a Ti?! Os netinhos... é, sim. Será uma pena não poder fazê-los dormir no colo e ouvir que me estão chamando... mas Tu és mais! Oh! se és mais do que todas as coisas de que falaste! E, se elas, mesmo tomadas todas juntas, e por minha fraqueza, fossem tão queridas como Tu, ou mais do que seguir-te e servir-te, eu, chorando, as lançaria de lado com lágrimas de mulher, para seguir-te com o sorriso da minha alma. 3 Le- I52 3 va-me, Mestre. Dizei isto a Ele, vós, João e Tiago... e tu, meu esposo. Sede bons. Ajudai-me, vós todos! "."Tudo bem. Irás tu também com as outras. Eu quis fazer-te meditar bem sobre o passado e o presente, sobre o que vais deixar e sobre o que vais assumir. Mas vem, Salomé. Já estás madura para entrar na minha família"."Oh! Madura! Eu sou menos que uma criança! Mas Tu me perdoarás os erros e me segurarás pela mão. Tu... Porque, grosseira como eu sou, de tua Mãe e da Joana eu terei muita vergonha. De todos eu terei vergonha. Menos de Ti. Porque Tu és o Bom e tudo compreendes, de tudo tens dó, tudo perdoa".

153. As mulheres dos discípulos a serviço de Jesus.3 de mato de 1945.

"'Que é que tens, Pedro? Pareces estar descontente", pergunta Je- 153.1 sus, enquanto vai caminhando por uma estradinha do campo, sob ramos floridos das amendoeiras, que anunciam ao homem que o tempo mais feio terminou.

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"Estou pensando, Mestre"."Estás pensando. Eu vejo. Mas o teu semblante diz que não estás pensando em coisas alegres"."Mas Tu, que sabes tudo de nós, já estás sabendo que coisas são"."Sim. Já sei. Também Deus Pai sabe as necessidades do homem, mas quer da parte do homem a confidência dele em expor as próprias necessidades e em pedir ajuda. Eu posso dizer-te que não tens razões para ficares assim inquieto"."Então, a minha mulher não é por Ti menos estimada?" 435

"De modo algum, Pedro. E por que haveria de ser? São tantas no Céu as moradas de meu Pai. São tantas na terra as mansões do homem. E, desde que sejam santamente feitas, todas são abençoadas. Poderia Eu dizer que serão malvistas por Deus todas as mulheres que não seguem as Marias e a Susana?"."Não. Pois também minha mulher crê no Mestre, mas não segue o exemplo das outras", diz Bartolomeu."Tampouco a minha com as filhas. Ficam em casa, mas sempre prontas a dar hospedagem, como fizeram ontem", diz Filipe."Creio que minha mãe fará igualmente. Não pode deixar tudo... ela é sozinha", diz Iscariotes."E verdade. E verdade. Eu estava assim triste porque me parecia que a minha fosse assim... assim pouco... oh! não sei dizer!". "Não a critiques, Pedro. É uma mulher honesta", diz Jesus. 153 2 2 Ela é muito tímida. A mãe dela dominou todas as filhas e noras, como quem dobra umas pulhas", diz André. "Mas, depois de tantos anos comigo, devia mudar! ". "Oh! Irmão! Tu também não és muito doce, sabes? Sobre um tímido, tu produzes o efeito de uma grossa trave entre as pernas. A minha cunhada é muito boa e, só já ter suportado com paciência a mãe com a sua ruindade, e a ti com a tua prepotência, prova o que eu digo". Riem todos da conclusão tão sem rodeios de André e do rosto admirado de Pedro, ao ouvir que o chamam de prepotente. 153 3 3 Jesus também ri, com gosto. Depois diz: "As mulheres fiéis, que não podem deixar a casa para seguir-me, servem-me do mesmo mo do, ficando em suas casas. Se todas tivessem querido vir Comigo, Eu teria precisado mandar a algumas que ficassem onde estavam. Agora que as mulheres vão unir-se a nós, Eu devo pensar também nelas. Não seria decente, nem prudente que as mulheres ficassem sem uma morada, andando para cá e para lá. Nós, em qualquer lugar podemos ficar. A mulher tem outras necessidades e precisa de um abrigo. Nós podemos ficar numa só enxerga. Elas não poderiam ficar no meio de nós. Tanto pelo respeito, como pela prudência, por causa da com pleição mais delicada delas. Não se deve nunca tentar a Providência e a natureza, além dos limites. Agora, Eu farei de todas as casas amigas, onde estiver uma de vossas mulheres, um abrigo para as suas irmãs. Da tua, Pedro; da tua, Filipe; da tua, Bartolomeu; e da tua, Judas. Não podemos impor às mulheres o indefesso andar, que nós faremos. Mas as colocaremos à espera no lugar do reencontro, do qual partiremos todas as manhãs, para voltarmos todas as tardes. A elas436

daremos instrução nas horas de descanso, e o mundo não poderá mais murmurar, se outras infelizes criaturas vierem a Mim, nem me será impedido poder ouvi-las. As mães e as esposas, que nos seguirem, serão colocadas como defesa de suas irmãs e de Mim contra a maledicência do mundo. Vós estais vendo que Eu estou fazendo uma rápida viagem de saudação por onde tenho amigos ou por onde sei que terei amigos. Isso não é por Mim. Mas pelas mais fracas entre os discípulos que, com a sua fraqueza, ampararão a nossa força e a tornarão útil junto à tantas e tantas criaturas"."Mas agora vamos para Cesaréia, como disseste. E lá quem mora?"."As criaturas que tendem para o verdadeiro Deus estão em todos os lugares. A primavera já se anuncia neste candor rosado das amendoeiras em flor. Os dias gelados terminaram. Dentro de poucos dias Eu terei estabelecido os pontos de etapa e de abrigo para as discípulas e recomeçaremos, então, nossas viagens, espalhando a palavra de Deus sem preocupação para com as irmãs, sem medo da calúnia, e a paciência delas será para vós uma lição e a doçura delas também.

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Para a mulher também está chegando a hora de sua reabilitação. De virgens, de esposas e de mães santas haverá uma grande florada na minha Igreja".

154. Jesus em Cesaréia Marítima fala aos galeotes. As canseiras do apostolado.4 de mato de 1945.

1 Jesus está no centro de uma praça ampla e muito bonita, que con- 154.1tinua em uma estrada bem larga, quase um prolongamento da praça, até à beira do mar. Uma galera deve ter deixado, há pouco, o porto e se dirige para o alto mar, sob o impulso do vento e dos remos. Uma outra está precisando fazer as manobras para entrar no porto, pois as velas são arriadas e os remos são usados só de um lado, para que o barco possa ir tomando a posição mais conveniente. Da praça não se vê o porto. Mas deve estar perto. Aos lados da praça estão alinhadas grandes casas com seus muros característicos e que quase não têm aberturas. Não há lojas."Aonde vamos agora? Tu quiseste vir aqui, em vez de ir para o lado oriental e aqui é lugar de pagãos. Quem queres que te fique ouvindo?", censura Pedro."Vamos lá, naquele canto virado para o mar. Lá Eu falarei"."Às ondas".437

"As ondas também foram criadas por Deus". Eles vão. Agora estão justamente no canto e vêem o porto, no qual entra lentamente a galera vista antes e que está atracando em seu lugar. Alguns marinheiros estão descansando ao longo do cais. Um ou outro vendedor de frutas se arrisca a ir até o navio romano para vender suas mercadorias. E nada mais. 154 2 2 Jesus com as costas apoiadas num muro, parece estar mesmo falando às ondas. Os apóstolos, pouco satisfeitos com aquela situação, estão ao redor Dele, uns de pé, outros sentados, aqui e ali, em umas pedras, esperando que elas lhes sirvam de bancos. "Tolo é o homem que vendo-se poderoso, são, feliz, diz: "De que mais é que eu preciso? E de quem? De ninguém. Nada me falta, eu me basto; por isso, as leis ou decretos de Deus, ou de moral, para mim não existem. A minha lei é a de fazer o que eu posso, sem pensar se isso é bem ou mal para os outros"". Um vendedor, ouvindo aquela voz sonora, vira-se e vai em direção de Jesus, que continua: "Assim fala o homem e assim fala a mulher sem sabedoria e sem fé. Mas, se com isto mostra que tem alguma força, mais ou menos poderosa, igualmente denuncia ter um paren- tesco com o Mal". Alguns homens descem da galera e de outros barcos e se dirigem para Jesus. "O homem mostra, não com palavras, mas com falos, que tem um parentesco com Deus e com a virtude, quando reflete que a vida é mais mutável do que a onda do mar, que agora está plácida e amanhã está furiosa. Igualmente o bem-estar e o poder de hoje pode amanhã ser miséria e impotência. E que fará então, o homem privado da união com Deus? Quantos naquela galera foram um dia alegres e poderosos, e agora são escravos e considerados réus! Réus, por isso duas vezes escravos: da lei humana, que inutilmente é escarnecida, porque ela existe e pune os seus transgressores e de Satanás, que para sempre se apodera do culpado que não consegue odiar a sua culpa". 154.3 3 "Salve, Mestre! Como é que estás aqui? Não me conheces?". "Deus venha a ti, Públio Quintiliano. Estás vendo? Eu vim". "E justamente aqui no bairro romano. Eu não esperava mais ver te. Mas tenho prazer em ouvir-te". "Eu também. Naquela galera há muitos que trabalham com os remos?". "Há muitos. A maior parte são prisioneiros de guerra. Eles te interessam?".438

"Eu gostaria de ir para perto daquele navio".

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"Vem. Saí daí, vós", ordena aos poucos que se aproximaram e que se afastam logo, resmungando impropérios."Podes deixá-los. Estou acostumado a ser apertado entre o povo"."Até aqui, eu posso. Não além. A galera é militar"."Para Mim, basta. Deus te recompense".Jesus recomeça a falar, enquanto o romano parece estar montando guarda a seu lado, todo esplêndido em sua veste."Fostes feitos escravos por um doloroso acontecimento, ou seja, escravos uma só vez. Escravos enquanto dura a vida. Mas cada lágrima que cai nas correntes que vos prendem, cada golpe que desce, escrevendo uma nova dor em vossas carnes, suaviza o peso das algemas, embeleza o que não morre, abre, enfim, a porta da paz de Deus, que é amigo dos seus pobres filhos infelizes e que lhes dará tanta alegria, quanto receberem aqui de dor".Das amuradas da galera aparecem alguns homens da tripulação, que estão escutando. Os galeotes, naturalmente, não aparecem. Mas com certeza estão ouvindo chegar até eles, por todos os buracos das cavilhas, a voz potente de Jesus, que se espalha pelo ar tranquilo desta hora de maré baixa.Públio Quintiliano, tendo sido chamado por um soldado, foi embora."Eu quero dizer a estes infelizes que Deus ama, que sejam resignados em sua dor, e que não a considerem mais do que uma chama que bem depressa vai derreter as correntes da galera e da vida, consumando em um desejo de Deus este pobre dia que é a vida, dia escuro, borrascoso, cheio de medos e de privações, para entrar no dia de Deus, luminoso, sereno, sem medos nem langores. Na grande paz, na infinita liberdade do Paraíso, vós entrareis, ó mártires de uma penosa sorte, contanto que saibais ser bons em vosso sofrimento e aspireis por Deus".Públio Quintiliano volta com outros soldados, e atrás dele vem uma liteira transportada por escravos e para a qual os soldados procuram achar um lugar."Quem é Deus? Eu falo a gentios que não sabem quem é Deus. Falo a filhos de povos subjugados que não sabem quem é Deus. Em vossas florestas, ó gauleses, ó íberos, ó trácios, ó germanos, ó celtas, tendes uma aparência de Deus. A alma, espontaneamente, se inclina para a adoração, porque se lembra do Céu. Mas não sabeis encontrar o verdadeiro Deus que colocou uma alma em vossos corpos, uma alma 439

igual a que temos nós de Israel, igual a dos romanos poderosos que vos subjugaram, uma alma que tem os mesmos deveres e os mesmos direitos para o Bem e à qual o Bem, ou seja, o verdadeiro Deus, será fiel. Sede também vós fiéis ao Bem. O deus ou os deuses que até aqui adorastes, aprendendo o nome dele ou deles nos joelhos maternos; o deus que agora talvez nem penseis mais, porque dele não vos veio nenhum conforto em vossos sofrimentos, e que talvez chegueis a odiar e maldizer no desespero de vossa jornada, não é o Deus verdadeiro. O Deus verdadeiro é Amor e Piedade. Eram assim, por acaso, os vossos deuses? Não. Eles também eram dureza, crueldade, mentira, hipocrisia, vício, ladroagem. E agora eles vos deixaram sem aquele mínimo de conforto, que é a esperança de ser amados e a certeza de um descanso, depois de tanto sofrer. Assim é, porque os vossos deu ses não existem. Mas Deus, o Deus verdadeiro, que é Amor e Piedade, e o qual Eu vos afirmo que existe com certeza, é Aquele que fez os céus, os mares, os montes, as florestas, as plantas, as flores, os animais, o homem. É Aquele que ao homem vitorioso inculca a piedade e o amor, como Ele é, para os pobres da terra. 154.5 5 0 poderosos, ó patrões, pensai que viestes todos de uma única árvore. Não vos enfureçais contra aqueles que, por uma desventura, foram parar em vossas mãos, e sede humanos até para com aqueles que, por algum delito, tiveram que ir para o banco da galera. Muitas vezes o homem peca. Ninguém deixa de ter culpas, mais ou menos secretas. Se pensásseis nisto, seríeis muito bons para com os irmãos que, menos afortunados do que vós, foram punidos por culpas, que vós também tendes cometido, ficando impunes. A justiça humana é uma coisa tão incerta no julgar, que ai de nós se a divina fosse assim. Há réus que não parecem sê-lo e há inocentes que são julgados como réus. Não vamos perguntar o porquê. Isto se ria acusação muito forte contra o homem injusto e cheio de

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ódio para com o seu semelhante! Há réus que o são de verdade, mas que foram levados ao delito por forças poderosas que, em parte, os livram da culpa. Por isso, vós, que estais colocados na direção das galeras, sede humanos. Acima da justiça humana, há uma Justiça divina, bem mais alta. É a Justiça do Deus verdadeiro, do Criador tanto do rei, como do escravo, da rocha, como do grão de areia. Ele olha para vós, tanto para vós do remo, como para vós, prepostos à tripulação, e ai de vós se fordes cruéis sem razão. Eu, Jesus Cristo, o Messias do Deus verdadeiro, vo-lo asseguro: Ele, à vossa morte, vos amarrará a uma galera eterna, entregando o açoite manchado de sangue aos demô-440

nios, e sereis torturados e golpeados, como vós torturasses. Porque, se é lei humana que 0 réu seja punido, é preciso que na punição não se passe da medida. Sabei recordar-vos disso. O poderoso de hoje pode ser o miserável de amanhã. Só Deus é eterno.Eu queria mudar vosso coração e queria, sobretudo, destruir as correntes, entregar-vos à liberdade e à pátria que perdestes. Mas, irmãos galeotes, que não estais vendo o meu rosto, e dos quais Eu não ignoro o coração com todas as suas feridas, pela liberdade e a pátria deste mundo que Eu não vos posso dar, ó pobres homens escravos dos poderosos, Eu vos darei uma liberdade mais alta e uma Pátria. Por vós Eu me tornei prisioneiro e sem pátria, por vós darei a Mim mesmo em resgate, por vós, também por vós, que não sois 0 opróbrio da terra, como sois chamados, mas sim, a vergonha do homem que esquece a medida, no rigor da guerra e da justiça, Eu farei uma nova lei sobre a terra e uma doce morada no Céu.Lembrai-vos do meu Nome, ó filhos de Deus, que estais chorando. E o nome do Amigo. Dizei esse nome em vossos sofrimentos. Ficai seguros de que, se me amardes, me tereis, mesmo se nesta terra não nos virmos mais. Eu sou Jesus Cristo, o Salvador, o vosso Amigo. Em nome do verdadeiro Deus Eu vos conforto. Que venha logo a paz sobrevós " .6 A multidão, a maior parte romana, aglomerou-se ao redor de Je- 154 6 sus, cujos conceitos novos deixaram a todos atordoados."Por Júpiter! Tu me fizeste pensar em coisas novas, nas quais eu nunca havia pensado. Mas que acho certas...". Públio Quintiliano olha para Jesus, pensativo e, ao mesmo tempo, enlevado."Assim é, amigo. Se o homem fizesse uso do pensamento, nunca chegaria a cometer delito"."Por Júpiter! Por Júpiter! Que palavras! Quero lembrar-me delas! Tu disseste: "Se o homem fizesse uso do pensamento...""."... nunca chegaria a cometer delito"."Mas é verdade! Por Júpiter! Mas, sabes que és um grande?! "."Todos os homens, se o quisessem, poderiam ser como Eu, se estivessem todos unidos a Deus".O romano continua a repetir: "Por Júpiter", cada vez com maior admiração.Mas Jesus lhe diz: "Poderia Eu dar um conforto àqueles galeotes? Eu tenho dinheiro... uma fruta, um consolo, para que saibam que Eu os amo"."Dá-me aqui. Eu o posso fazer. Além disso, há lá uma dama que441

tem muito poder. Vou perguntar a ela". Públio vai até à liteira e fala junto às cortinas entreabertas, por uma fresta. Depois volta: "Estou com plenos poderes. Eu providencio à distribuição, de modo que os encarregados não se aproveitem para abusar. E será a única vez que um soldado imperial terá usado de piedade para com os escravos de guerra"."A primeira. Não a única. Um dia virá, no qual não haverá mais escravos; e, antes ainda, os meus discípulos descerão para o meio dos galeotes e os escravos, chamando-lhes de irmãos".Uma outra série de "Por Júpiter" vão pelos ares calmos, enquanto154.7 Públio espera ter fruta e vinho suficiente para os galeotes. 7 Em seguida, antes de subir para a galera, aproxima-se do ouvido de Jesus e lhe diz: "Lá dentro está Cláudia Prócula. Ela gostaria de ouvir-te ainda. Entretanto, ela quer perguntar-te uma coisa. Vai lá'Jesus vai em direção da liteira.

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"Salve, Mestre". A cortina é afastada um pouco, mostrando uma bela mulher dos seus trinta anos."Que venha a ti o desejo de sabedoria"."Tu disseste que a alma se recorda dos Céus. Então, é eterna essa coisa que vós dizeis que há em nós?"."É eterna. Por isso ela se lembra de Deus. De Deus que a criou"."O que é a alma?"."A alma é a verdadeira nobreza do homem. Tu és gloriosa, porque és dos Cláudios. O homem o é mais, porque é de Deus. Em ti corre o sangue dos Cláudios, a família poderosa, mas que teve uma origem e terá um fim. No homem, pela alma, está o sangue de Deus. Porque a alma é o sangue espiritual - sendo Deus um puríssimo Espírito - do Criador do homem: de Deus eterno, poderoso, santo. O homem é, pois, eterno, poderoso, santo, pela alma que há nele e que está viva, enquanto estiver unida a Deus"."Eu sou pagã. Portanto, não tenho alma..."."Tu a tens. Mas está envolvida em um letargo. Desperta-a para a Verdade e para a Vida... ". "Adeus, Mestre". "Que a Justiça te conquiste. Adeus". 154.8 "Como estais vendo, até aqui Eu tive ouvintes", diz Jesus aos discípulos. "Sim. Mas, a não ser os romanos, quem mais te terá entendido? São uns bárbaros! ". "Quem? Todos. A paz está neles e lembrar-se-ão de Mim muito442

mais do que muitos outros em Israel. Vamos à casa que nos hospeda para tomarmos a refeição"."Mestre, aquela mulher é a mesma que me falou naquele dia em que curaste aquele doente. Eu a vi e a reconheci", diz João."Vede, pois, que também aqui havia quem nos estava esperando. Mas não me pareceis estar muito satisfeitos. Muito Eu terei feito, no dia em que vos tiver persuadido que não foi só para os hebreus, mas para todos os povos, que Eu vim, e que para todos vos preparei. Mas Eu vos digo: Recordai-vos de tudo do vosso Mestre. Nenhum falo existe, por mais insignificante que pareça, que não tenha que tornarse um dia uma regra no apostolado".Ninguém responde e Jesus tem um sorriso triste de compaixão.9 Esta manhã Jesus sorriu triste também para mim... 154.9 Tinha-me vindo um desconforto tão grande, que eu me pus a chorar por muitas coisas, não sendo a última entre elas o cansaço de escrever e escrever com a convicção de que tanta bondade de Deus e tanto trabalho do pequeno João sejam mesmo inúteis. E eu, chorando, invoquei a meu Mestre e, visto que por sua bondade veio exclusivamente para mim, disse-lhe o meu pensamento.Ele fez um movimento de ombros, como de quem diz: "Deixa que se perca o mundo com suas histórias", e depois me acariciou, dizendo: "E então? Não quererias continuar a ajudar-me? O mundo não quer conhecer as minhas palavras? Pois bem, contemo-las entre nós, para minha alegria em repeti-las a um coração fiel e para a tua em ouvi-las. Os cansaços do apostolado!... Mais cansativos do que os de qualquer outro trabalho! Tiram a luz ao dia mais sereno e a doçura ao mais doce alimento. Tudo se torna cinza e lama, náusea e fel. Mas, ó minha alma, são estas as horas em que nos sobrecarregamos com o cansaço, com as dúvidas, com esta miséria dos mundanos que morrem por não terem o que nós temos. E são as horas em que mais atuamos. Eu disse a ti também no ano passado. "Mas para que?", pergunta a si mesma a alma submersa com as coisas que submergem o mundo, ou seja, as ondas levantadas por Satanás. E o mundo se afoga. Mas a alma pregada com o seu Deus na cruz não afoga. Pode perder por um instante a luz e afunda na onda enjoativa do cansaço espiritual, mas depois emerge mais viçosa e mais bela. As tuas palavras: "Eu não presto mais para nada" são consequência desse cansaço. Tu não prestarias mais para nada. Mas Eu sou sempre Eu e por isto tu prestarás sempre para cumprir tua tarefa de porta-voz. É certo que443

se Eu visse como o meu dom, em vez de ser usado como uma gema de grande peso e valor, fosse escondido com avareza, ou usado com imprudência ou, por indolência não tratado com cuidado

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para protegêlo com aquelas garantias que a maldade humana, nestes casos, impõe para tutelar o dom e a criatura, através da qual o dom é dado, Eu diria o meu "Basta". E, dessa vez, sem voltar atrás. Basta para todos, mas não para a minha pequena alma, que hoje parece mesmo uma florzinha debaixo de um aguaceiro. E podes, com estas carícias, duvidar que Eu te ame? Vamos! Tu me ajudaste no tempo da guerra. Ajuda-me agora também... Há tanta coisa para se fazer".E eu me acalmei, sob a carícia da longa mão e do sorriso tão doce do meu Jesus, cândido como sempre, quando é todo para mim.

155. Cura da pequena romana em Cesaréia.5 de mato de 1945. I~D.1 Jesus diz:

155.1 1 "Pequeno João, vem Comigo, pois quero que escrevas uma lição para os consagrados de hoje. Vê e escreve".

155.2 .2 Jesus está ainda em Cesaréia Marítima. Não está maisnaquela praça de ontem, mas num lugar mais central, do qual, porém, ainda se vê o porto e os navios. Aqui há muitas lojas e outras casas comerciais e, como até no chão, neste espaço sem calçamento, estão esteiras com várias mercadorias, concluo estar nos arredores do mercado, que talvez localizava-se perto do porto e dos armazéns, para comodidade dos que chegam por mar e dos compradores de mercadorias trazidas por mar. Há um grande barulho e o vaivém da multidão.Jesus espera com Simão e os primos, que os outros tenham comprado os alimentos de que necessitam. Alguns meninos olham curiosamente para Jesus, que os acaricia docemente, enquanto fala com os seus apóstolos. Jesus diz: "Não me agrada ver o descontentamento porque Eu me estou aproximando dos gentios. Mas Eu não posso senão fazer o que devo e ser bom com todos. Esforçai-vos por serdes bons, pelo menos vós três e João; os outros irão atrás de vós por imitação"."Mas como se faz para ser bons com todos? Afinal, eles nos desprezam e oprimem, não nos entendem, são cheios de vícios...", escu-444

sa-se Tiago do Alfeu."Como se faz? Tu estás contente por teres nascido do Alfeu e da Maria?"."Sim. Com certeza. Por que me perguntas isso?"."E se tivesses sido interrogado por Deus, antes de seres concebido, l terias querido nascer deles?". "Mas, sim. Eu não entendo..' "E se, ao invés, tivesses nascido de um pagão, e ouvisses que te acusavam por teres querido nascer de um pagão, que é que terias respondido?" ."Eu teria dito... teria dito: "Eu não tenho culpa de uma coisa destas. Eu nasci dele, mas podia ter nascido de um outro". Eu teria dito: "Vós sois injustos em vossa acusação. Se não faço o mal, por que é que me odiais?""."Tu o disseste. Também estes, que vós desprezais porque são pagãos, podem dizer a mesma coisa. Tu não tens merecimento por teres nascido do Alfeu, um verdadeiro israelita. Deves agradecer por isso somente ao Eterno, porque te fez um grande presente e, por reconhecimento e humildade, procurar levar ao verdadeiro Deus outros que não receberam este presente. 3 E preciso ser bom".155.3 "É difícil amar a quem não se conhece!"."Não. Presta atenção. Tu, ó pequenino, vem aqui".Aproxima-se um pequenino de uns oito anos, que estava brincando em um canto com outros dois meninos. É um menino robusto, de cabelos muito escuros, mas de uma pele muito alva.

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"Quem és?"."Eu sou Lúcio, Caio Lúcio de Caio Mário, sou romano, filho do decurião da guarda, que ficou aqui, depois que foi ferido"."E aqueles, quem são?"."São Isaque e Tobias. Mas não se deve dizer isto, porque não se pode. Eles apanhariam"."Por que?"."Porque eles são hebreus e eu sou romano. Não podemos estar juntos "."Mas tu estás com eles. Por que?"."Porque nos queremos bem. Brincamos sempre juntos, com os dados e com o saltarelo. Mas nós estamos escondidos"."E a Mim, quererias bem? Eu também sou hebreu, e não sou um menino. Pensa: Eu sou um Mestre, isto é, um Sacerdote"."E a mim que importa? Se me queres bem, eu te quero bem. E bem445

eu te quero porque Tu me queres bem"."Como é que o sabes?"."Porque és bom. Quem é bom quer bem"."Eis, amigos. O segredo para amar. Ser bons. Então se ama, sem pensar se isso faz parte, ou não, de uma religião".E Jesus, segurando pela mão o pequeno Caio Lúcio, vai acariciar os pequenos hebreus, que ficaram assustados e foram esconder-se atrás de um corredor, e lhes diz: "Os meninos bons são anjos. Os anjos têm uma só Pátria: o Paraíso. Têm uma só religião: a do único Deus. Têm um só Templo: o Coração de Deus. Sede amigos sempre, como os anjos"."Mas se eles nos vêem, nos batem...".Jesus sacode tristemente a cabeça e não rebate... 155.4 4 Uma mulher alta e formosa chama o Lúcio e ele deixa Jesus, gritando: "E a mamão!", e à mulher ele grita: "Tenho um amigo grande, sabes? É um Mestre!...".A mulher não se afasta com o filho, ao contrário, vai até Jesus e lhe pergunta: "Salve! Não és Tu o homem da Galiléia, que ontem falou no porto?"."Sou Eu"."Espera-me aqui, então. Eu volto logo" e se vai com o seu pequeno.Entrementes, os outros apóstolos lambem chegaram, todos, com exceção de Mateus e de João, e perguntam: "Quem é ela?"."É uma romana, penso eu", responde Simão e os outros"Que é que ela queria?"."Ela disse que a esperasse aqui. Logo saberemos".Algumas pessoas, neste meio tempo, foram chegando perto e curiosas esperam.A mulher volta com outros romanos. "Então, Tu és o Mestre?", pergunta um, que parece ser servo de alguma casa senhoril. E, tendo obtido a confirmação, pergunta: "Sentirias repugnância em curar uma filha pequena de uma amiga de Cláudia? A menina está à morte, porque se sente sufocada e nem o médico sabe de que é que ela está morrendo. Ontem à tarde estava boa. Esta manhã em agonia"."Vamos " .Dão uns poucos passos por um caminho que vai em direção ao lugar em que estiveram ontem e chegam ao portão, todo aberto, de uma casa que parece habitada por romanos."Espera um momento". O homem entra depressa e logo depois446

torna a aparecer, dizendo: "Vem".5 Mas antes ainda que Jesus pudesse entrar, sai de lá uma jovem de 155.5 aspecto senhoril, mas em condições mais que visíveis de uma grande aflição. Tem nos braços uma

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pequenina criatura de poucos meses, quase inerte, lívida como alguém que se está sufocando. Eu diria que estava com uma difteria mortal e já em seus últimos momentos de vida. A mulher se refugia no peito de Jesus, como um náufrago que se apega a um rochedo. O seu pranto é tal, que não a deixa falar.Jesus pega a criaturinha, que está com pequenas movimentos convulsivos, com as mãozinhas cor de cera e as unhas já roxas e a levanta. A cabecinha dela cai para trás, sem força. A mãe, sem soberba de romana diante do hebreu, deixou-se cair na poeira aos pés de Jesus e soluça, com o rosto erguido, os cabelos meio soltos, os braços estendidos tocando na veste e no manto de Jesus. Atrás dela e ao redor, os romanos da casa e as hebréias da cidade estão olhando.Jesus molha o seu dedo indicador direito em sua saliva e o põe na boquinha anelante, introduzindo-o para baixo. A menina se debate e torna-se mais escura ainda. A mãe grita: "Não! Não!" e parece alguém que se contorce sob uma lamina que a traspassa. As pessoas suspendem a respiração.Mas o dedo de Jesus sai de lá envolvido por uma pelota de membranas purulentos e a menina não mais se debate e, depois de uma pequena ameaça de choro, se acalma, com um sorriso inocente, agitando as mãozinhas e movendo os lábios como um passarinho que pipila, batendo as pequenas asas, à espera de que se lhe dê comida."Toma, mulher. Dá-lhe o leite. Ela está curada".A mãe está de tal modo atordoada, que pega a pequenina e estando como está, na poeira, beija-a e a acaricia, dá-lhe o peito e, como uma louca, se esquece de tudo que não seja a sua pequenina.Um romano pergunta a Jesus: "Mas como foi que pudeste? Eu sou o médico do Procônsul e sou douto. Procurei remover o obstáculo. Mas ele estava em baixo, muito em baixo!... E Tu... assim..."."Tu és douto. Mas contigo não está o Deus verdadeiro. Que Ele seja bendito por isso! Adeus". E Jesus põe-se em movimento, como querendo sair dali.6 Mas eis que um pequeno grupo de israelitas se sente na necessi- 155. 6 dade de intervir. "Como foi que te permitiste aproximar-te dos estrangeiros? Eles são corruptos, são impuros, e todos os que se aproximam deles ficam como eles".Jesus os olha - são três - fixo, severo e depois fala: "Não és tu o 447

Ageu? O homem de Azoto, que veio aqui no mês de Tisri passado pro curar fazer negócios com o mercador, que tem seu posto nos alicerces da fonte velha? E tu, não és o José de Ramá, que vieste até aqui para consultar o médico romano, e tu bem sabes, como Eu sei, o porquê? E então? Não vos sentis impuros?". "Um médico nunca é estrangeiro. Ele cura o corpo, e o corpo é igual para todos". "A alma o é, com maior razão do que o corpo. Afinal, que foi que Eu curei? O corpo inocente de um pequenino e, por este meio, espero curar as almas não inocentes dos estrangeiros. Como médico e como Messias, posso, portanto, aproximar-me seja lá de quem for". "Não o podes". "Não, Ageu? E tu, por que tratas com o mercador romano?". "Não me aproximo dele, senão com a mercadoria e o dinheiro". "E, uma vez que não tocas na sua carne, mas somente aquilo que foi tocado pela sua mão, achas que não te contaminas. Oh! Como sois cegos e cruéis! 155.7 7 0uvi, todos. Justamente no livro do Profeta do qual esse traz o nome, está escrito: "Apresenta aos sacerdotes esta questão sobre a Lei: 'Se um homem leva uma carne santificada na dobra de sua veste e com ela toca depois no vinho ou nas comidas, no pão, ou no óleo ou outros alimentos, ficarão eles santificados?'. E os sacerdotes responderam: 'Não'. Então Ageu disse: 'Se alguém, que ficou imundo por ter tocado em um morto, tocar em uma destas coisas, ficará ela contaminada?'. E os sacerdotes responderam: 'Sim"'. Por esta astuciosa, mentirosa e incoerente maneira de agir, vós impedis e condenais o Bem e só aceitais o que vos traz vantagens. Então cessa o desprezo, a repugnância, a náusea. Vós discernis, desde que não vos traga prejuízo pessoal, se uma coisa é imunda ou torna impuro, e se aquela outra não o é. E como podeis, bocas mentirosas, professar que, se aquilo que é santificado por ter tocado numa carne ou coisa santa, não santifica aquilo que toca, aquilo que tocou coisa imunda possa tornar imundo aquilo que toca? Não compreendeis que vos estais desmentindo a vós mesmos, ó mentirosos ministros de uma Lei de Verdade, ó aproveitadores da mesma, que a torceis como uma corda, conforme achais que podeis

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tirar dela alguma vantagem, ó fariseus hipócritas que, sob um pretexto religioso, quereis desafogar o vosso rancor humano, completa mente humano, ó profanadores do que é de Deus, ó insultadores e inimigos do Mensageiro de Deus? Em verdade, em verdade Eu vos di-448

go que todos os vossos aios, todas as vossas conclusões, todos os vossos movimentos, têm como motivo um completo mecanismo de astúcia, ao qual servem de rodas e de molas, de pesos e tirantes, os vossos egoísmos, as vossas paixões, as vossas insinceridades, os vossos ódios, as vossas sedes de dominar, as vossas invejas.Que vergonha! Avarentos, tremebundos, rancorosos, vós viveis com o medo orgulhoso de que alguém vos supere, mesmo quando não são da vossa casta. E mereceis, então, ser como aquele do qual tendes medo e raiva! Vós, como diz Ageu, que, de um montão de vinte alqueires fazeis um de dez, e de cinquenta barris fazeis vinte, embolsando a vantagem da diferença, enquanto, e pelo exemplo a ser dado ao homem, e pelo amor a ser prestado a Deus, deveríeis ao monte dos alqueires e ao monte dos barris, não tirar, mas acrescentar, do vosso bolso, em favor de quem tem fome, e mereceis ser esterilizados pelo vento abrasador, pela ferrugem e pelo granizo em todas as obras de vossas mãos.Quem são entre vós os que vêm a Mim? Estes, estes que para vós são esterco e imundície, estas supremas ignorâncias, que nem sabem que há um verdadeiro Deus, eles vêm a Quem traz presente este Deus, nas palavras e nas obras. Mas vós, mas vós! Vós vos fizestes um nicho, e aí estais. Áridos, frios como ídolos à espera dos incensos e adorações. E, visto que vos credes uns deuses, parece-vos inútil pensar no verdadeiro Deus, assim como deve ser pensado, e vos parece perigoso que outros, que não sois vós, ousem fazer o que vós não ousais. Vós não podeis, na verdade, ousá-lo, porque sois uns ídolos. E porque sois servos do ídolo. Mas, quem ousa, pode, porque não ele, mas Deus opera nele.8 Ide! Ide dizer a quem vos enviou atrás de meus calcanhares, que 155 8 Eu desprezo os mercadores, que acham não ser contaminação vender as mercadorias, ou a pátria, ou o Templo àqueles de quem recebem dinheiro. Dizei a esses que Eu sinto repugnância dos brutos, que só têm o culto da própria carne e do próprio sangue e pela cura destes não acham ser contaminação aproximarem-se de um médico estrangeiro. Ide dizer que a medida é igual e que não há duas medidas. Ide dizer que Eu, o Messias, o Justo, o Conselheiro, o Admirável, Aquele que terá sobre si o Espírito do Senhor com seus sete dons, Aquele que não julgará pelo que aos olhos parece ser, mas pelo que é segredo de corações, Aquele que não condenará pelo que ouve com os ouvidos, mas pelas vozes espirituais que ouvirá no interior de cada homem, Aquele que tomará a defesa dos humildes e julgará os pobres com449

justiça, Aquele que Eu sou, porque isto Eu sou, já estou julgando e punindo os que sobre a terra são somente terra, e o sopro da minha respiração, fará morrer o ímpio e exterminará o seu covil, enquanto que haverá Vida e Luz, Liberdade e Paz para aqueles que, desejosos de justiça e de fé, virão ao meu monte santo, para se saciarem da Ciência do Senhor. Isto é Isaías, não é verdadeO meu povo! Todo ele vem de Adão, e Adão vem de meu Pai. Todo ele, pois, é obra do Pai e a todos tenho o dever de reunir ao Pai. E Eu os conduzo a Ti, ó Pai santo, eterno, poderoso. Eu os conduzo a Ti estes filhos errantes, depois de havê-los reunido, chamando-os com palavras de amor, reunindo-os sob a minha vara de pastor, parecida com a que Moisés levantou contra as serpentes mortíferas, para que Tu tenhas o teu Reino e o teu povo. Nem faço distinções, porque no fundo de cada vivente Eu vejo um ponto que brilha mais do que o fogo: a alma, uma centelha de Ti, ó eterno Esplendor. Ó meu eterno desejo! Ó minha incansável vontade!Isto Eu quero. Com isto Eu me queimo. Uma terra que cante, toda, o teu Nome. Uma humanidade que te chame Pai. Uma redenção que salve a todos. Uma vontade fortificada que faça todos obedientes à tua vontade. Um triunfo eterno, que encha o Paraíso com um hosana sem fim... Oh! Multidão dos Céus!... Aí está. Eu vejo o sorriso de Deus... e este é o prémio contra todas as durezas

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humanas". 155.9 9 Os três fugiram, sob a saraivada de reprovações. Os outros todos, romanos ou hebreus, ficaram de boca aberta. A mulher romana, com a pequenina, saciada de leite que dorme tranquila no colo materno, ficou lá onde estava, quase aos pés de Jesus, e chora de alegria ma terna e de comoção espiritual. Muitos estão chorando, por causa da arrasadora conclusão de Jesus que, em seu êxtase, parece flamejar. E Jesus, abaixando o olhar e o espírito do Céu para a terra, vê a multidão, vê a mãe... e, ao passar, depois de um gesto de adeus a todos, toca de leve com a mão a jovem romana, como que a abençoá-la por sua fé. E vai-se embora com os seus, enquanto o povo, ainda assombrado, fica onde está... 155.10 10 "'(A jovem romana, se não for alguém muito parecida, é uma das romanas que estavam com Joana do Cusa no caminho do Calvário. Mas, como ninguém aqui a chamou pelo nome, fico na incerteza). 450

156. Anália, a primeira das virgens consagradas.6 de maio de 1945.

1 'Jesus, junto a Pedro, André e João, bate à porta de sua casa em l56.1 Nazaré. A Mãe abre logo, e seu rosto se ilumina com um fúlgido sorriso, ao ver o seu Jesus."Em boas horas voltas, meu Filho! Desde ontem tenho comigo uma pomba pura que te está esperando. Ela veio de longe. E quem a acompanha não podia ficar por mais tempo. Eu, já que ela pedia um conselho, disse-lhe o que podia. Mas só Tu, meu Filho, és a Sabedoria. Bem-vindos vós também. Vinde logo tomar alguma coisa"."Sim. Ficai aqui. Eu vou logo a esta criatura que me está esperando".A curiosidade está viva nos três, mas de modo diferente. Pedro está olhando de soslaio para todas as direções, como se estivesse querendo enxergar além das paredes. João parece querer ler, no sorridente rosto de Maria, o nome da desconhecida. André, que está muito corado, ao invés, olha para Jesus com toda a firmeza de suas pupilas, e uma súplica muda treme em seu olhar e em seus lábios.Mas Jesus não se incomoda com nenhum deles. Enquanto os três se decidem a entrar na cozinha, onde Maria lhes oferece alimentos e o calor do fogo, Jesus levanta a cortina que fecha a abertura que conduz para o jardim e vai até lá.Doces raios de sol tornam ainda mais aéreos e irreais os ramos da alta amendoeira do jardim, que estão todos floridos. Ela é a única que está florida e, sendo a mais alta das plantas do jardim, rica em sua veste de seda branco-rosada e em contraste com a pobreza nua das outras - a pereira, a macieira, a figueira, a videira, a romãzeira, todas ainda sem viço e sem folhas - pomposa em seu véu espumoso e vivo, contra a humildade cinzenta e monótona das oliveiras, parece, com seus longos ramos, ter capturado uma pequena e levíssima nuvem, que se perdeu pelo campo azul do céu, e que com ela se tenha enfeitado, para dizer a todos: "As núpcias da primavera estão aí! Exultai, vós plantas, vós animais. É a hora dos beijos com os ventos, com as abelhas, ó flores. É hora dos beijos sob os telhados, ou nos pequenos bosques cerrados, ó passarinhas de Deus, ó cândidas ovelhas. Hoje beijos, amanhã a prole, para perpetuar a obra do Criador, nosso Deus".Jesus, com os braços cruzados sobre o peito, de pé e ao sol, sorri àquela graça pura e plácida, que é o jardim materno com seus cantei451

ros de lírios, que se mostram como os primeiros em suas touceiras de folhas, com suas roseiras

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ainda despidas, com a oliveira prateada, com outras famílias de flores espalhadas por entre os humildes can teiros de legumes e verduras, que mal começam a verdejar. Puro, bem arrumado, delicado, parece ele também, exalar o candor da virgindade perfeita! 156.2 2 "Filho, vem no meu quarto. Eu a trarei para Ti, pois ela fugiu lápara o fundo, ao ouvir tantas vozes".Jesus entra no pequeno quarto da Mãe, sempre o casto, castíssimo quartinho, que ouviu as palavras do diálogo com o anjo, e de onde emana, mais ainda do que do jardim, o aroma virginal, angelical, santo, Daquela que ali mora há anos e do Arcanjo que nele venerou a sua Rainha. Já se passaram mais de trinta anos, ou só ontem é que se deu o encontro? Ainda hoje uma roca segura o seu macio e meio prateado novelo de fios e, no fuso, ainda está o fio. Um bordado está dobrado sobre a mesa, ao lado da porta, entre um rolo de pergaminho e uma ânfora de cobre, que conserva dentro um espesso ramo de amendoeira florido. Agora também a cortina listrada, que trémula ao vento, está descida sobre o mistério da virginal morada, e a cama, arrumada num canto, tem sempre o aspecto da cama de uma menina que mal acabou de chegar aos limiares da juventude. Que sonhos irão haver e já terão havido sobre aquele baixo travesseiro?...A cortina é levantada lentamente pela mão de Maria. Jesus que, com as costas voltadas para a porta, de pé, contemplava aquele ninho de pureza, vira-se."Eis, meu Filho. Eu a conduzo a Ti. É uma cordeira. E Tu és o seu Pastor". E Maria, que entrou segurando pela mão uma jovenzinha morena e delgada, que fica muito corada, ao aparecer na presença de Jesus, retira-se docemente, deixando cair de novo a cortina. 155 ~ 3i'A paz esteja contigo, menina".156.3 3 "A paz... Senhor...". A menina, muito emocionada, fica sem palavras, mas se ajoelha com a cabeça inclinada para o chão."Levanta-te. Que queres de Mim? Não tenhas medo..."."Não é medo... mas... agora que estou diante de Ti... depois de 0 ter querido tanto... tudo o que me parecia fácil e necessário dizer-te... eu não sei mais... não me parece mais o que era... Eu sou uma tola... perdoa-me, meu Senhor..."."Pedes graça para a terra? Precisas de milagre? Tens almas para converter? Não? E então? Vamos, fala! Tiveste tanta coragem, e agora ela te falta? Não sabes que Eu sou Aquele que aumenta a fortaleza?452

Sim? Tu o sabes? E então, vamos, fala, como se Eu fosse teu pai. És jovem. Quantos anos tens?"."Dezesseis, meu Senhor! "."De onde vens?"."De Jerusalém"."Como te chamas?".';Anália "."É o nome querido de minha avó e de tantas outras santas mulheres de Israel, e com ele, formando um só, é o da boa, fiel, amorosa e mansa mulher de Jacó. Ele será de bons augúrios para ti. Serás uma esposa e mãe exemplar. Não? Estás sacudindo a cabeça? Estás chorando? Terás sido rejeitada? Não é isso? Terá morrido o teu prometido? Ainda não foste escolhida?".A jovenzinha sacode sempre a cabeça. Jesus dá um passo, a acaricia e a faz levantar a cabeça e olhar para Ele... O sorriso de Jesus vence a ansiedade da jovenzinha. Ela se encoraja."Meu Senhor, eu seria esposa e feliz, e por mérito teu. Não me conheces, meu Senhor? Eu sou aquela doente de tuberculose, aquela noiva que estava à morte, e que Tu curaste, a pedido do teu João... Depois da tua graça, eu... eu passei a ter um outro corpo: um corpo são, em lugar daquele que antes tinha, moribundo, e passei a ter outra alma... Não sei. Não me sentia mais ser eu mesma... A alegria de estar curada e, com isso, a certeza de poder casar-me - pois era o meu sentimento o de, naquele sofrimento mortal, não poder chegar a ser esposa - não duraram mais do que as primeiras horas. E depois...".A jovenzinha vai-se tornando cada vez mais desembaraçada, encontra de novo as palavras e as

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idéias, perdidos na perturbação de estar sozinha com o Mestre..."...E depois senti que não devia ser só egoísta, e só pensar: "Agora serei feliz", mas que devia pensar em alguma coisa melhor, e que viesse a Ti e a Deus, teu e meu Pai. Qualquer pequena coisa, mas que quisesse dizer que eu estava agradecida. Pensei muito, e quando no sábado seguinte vi o noivo, disse-lhe: "Escuta, Samuel. Sem o milagre eu estaria morta dentro de alguns meses e tu me terias perdido para sempre. Agora, eu queria oferecer a Deus um sacrifício, eu junto contigo, para dizer a Deus que o louvo e lhe agradeço". E Samuel disse logo, pois ele me ama: "Vamos juntos ao Templo, para imolar a vítima". Mas não era isto o que eu queria. Sou pobre, uma pobre pessoa do povo, meu Senhor. Pouca coisa sei, e menos ainda posso. Mas através de tua mão, pousada sobre o meu peito doente, alguma coisa453

veio, não só nos pulmões corroídos, mas dentro do coração. Nos pulmões chegou a saúde e no coração, a sabedoria. Compreendi, então, que o sacrifício de um cordeiro não era o sacrifício desejado pelo meu espírito, que te... que te amava".A mocinha se cala, e fica corada, depois dessa sua declaração de amor. 156.4 4 "Continua sem temor. Que é que queria o teu espírito?"."Queria oferecer um sacrifício digno de Ti, Filho de Deus! E então... e então eu pensava que haveria de ser uma coisa espiritual, como são as coisas de Deus, ou seja, um sacrifício de ficar esperando as núpcias por amor de Ti, meu Salvador. Grande alegria são as núpcias, sabes? É uma grande coisa, quando as pessoas se amam! É um desejo e uma ânsia de realizá-las!... Mas eu não era mais aquela de poucos dias antes. Não queria mais isto como a coisa mais bela... E eu disse isto a Samuel... e ele me compreendeu. Ele também quis fazer-se nazareno por um ano, começando do dia que teria devido ser aquele das núpcias, ou seja, um dia depois das calendas de Adar. Nesse meio tempo, ele veio à tua procura para amar Quem lhe havia dado a noiva, para amá-lo e conhecê-lo: a Ti. E te encontrou, depois de muitos meses, em Águas Belas. Eu também estava lá... e a tua palavra acabou de mudar-me o coração. Agora não me basta mais o voto de antes... Como aquela amendoeira ali fora, que debaixo de um sol sempre mais quente, renasceu depois de ter estado morta durante meses, e soltou flores, depois soltará folhas, e depois frutos, assim eu sempre fui progredindo na sabedoria do que é melhor. Na última vez, já decidida e certa do que eu queria - durante todos aqueles meses pensei nisso na última vez que eu fui às Águas Belas, Tu não estavas mais lá... Haviam-te expulsado. Chorei tanto e tanto rezei, que o Altíssimo me atendeu, persuadindo minha mãe a mandar-me aqui, com um parente, que estava indo para Tiberíades a fim de conversar com os cortesãos do Tetrarca. O feitor dissera-me que te teria encontrado. Encontrei tua Mãe... e as palavras dela, só de ouvi-las e ficar ao seu lado nestes dois dias, acabaram de amadurecer o fruto da tua graça".A mocinha está ajoelhada... como diante de um altar, com os braços cruzados sobre o peito. 156.5 5 "Está bem. Mas, que é que queres exatamente? O que Eu te possofazer?" ."Senhor, eu queria... queria uma grande coisa. E só Tu, Doador da vida e da saúde, pode dá-la a mim, porque eu penso que isto que me podes dar, Tu também o podes tirar... Eu queria que a vida que me 454

, Tu a tirasses de mim durante o ano do meu voto, antes que ele termine... " ."Mas por que? Não agradeces a Deus pela saúde recebida?"."Muito! E sem medida! Mas só por um motivo: porque, vivendo por sua graça e por teu milagre, compreendi o que é melhor"."E que é?"."Que o melhor é viver como os anjos. Como a tua Mãe, meu Senhor... como Tu vives... Como vive o teu João... os três lírios, as três chamas brancas, as Ires bem-aventuranças da terra, Senhor. Sim. Porque penso que é bem-aventurança possuir a Deus e que Deus seja possuído pelos puros. O puro,

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eu creio que é um céu, com o seu Deus no centro e os anjos ao redor... Oh! Meu Senhor! Isto eu queria!... Pouco eu te ouvi, e pouco à tua Mãe, ao discípulo e ao Isaque. De outros não me aproximei, que me dissessem as tuas palavras. Mas me parece que meu espírito sempre te esteja ouvindo, e que Tu sejas o seu Mestre... tenho dito, meu Senhor..."."Anália, muito é o que pedes e muito é o que dás... Filha, compreendeste a Deus e a perfeição à qual pode chegar a criatura, para tornar-se semelhante ao Puríssimo e para agradá-lo". Jesus toma entre as suas mãos o rosto moreno da moça, ajoelhada e lhe fala, estando inclinado sobre ela. "Aquele que nasceu de uma Virgem - porque não podia fazer seu ninho, a não ser sobre um manípulo de lírios - fica enojado, filha, da tríplice libidinagem do mundo, e ficaria arrasado de tanto nojo, se o Pai, que sabe de que é que vive o seu Filho, não interviesse, com amorosos auxílios, para sustentar minha alma angustiada. Os puros são a minha alegria. Tu me dás aquilo que o mundo me tira com a sua insaciável baixeza. Por isso, bendito seja o Pai e tu, menina. Vai tranquila. Alguma coisa virá acontecer e a tornar eterno o teu voto. Sejas tu um dos lírios espalhados pelos caminhos ensangüentados do Cristo".6 "0h! Meu Senhor... eu queria ainda uma coisa.. 156.6"Qual?" ."Não estar aqui presente à tua morte... Eu não poderia ver morrer Aquele que é a minha Vida".Jesus sorri docemente e com a mão enxuga duas fileiras de lágrimas que descem sobre o rostinho moreno. "Não chores. Os lírios não são nunca usados no luto. Tu estarás rindo, com todas as pérolas de tua coroa angélica, quando vires o Rei coroado, entrando em seu Reino. Vai. O Espírito do Senhor te ensine entre uma e outra das minhas vindas. Eu te abençoo com as chamas do eterno Amor".455

Jesus vai até o jardim e chama: "Mãe! Eis uma pequena filha, toda para ti. Agora está feliz. Mas tu, mergulha-a nos teus candores, agora e todas as vezes que formos à Cidade Santa, para que seja uma neve de pétalas celestes, espalhada sobre o trono do Cordeiro". E Jesus volta para os seus, enquanto Maria acaricia a mocinha, permanecendo com ela. 167.7 7 Pedro, André e João o olham interrogativamente. E o rosto resplendente de Jesus lhes diz que Ele está feliz.Pedro não se contém e pergunta: "Com quem estiveste falando tanto, meu Mestre? E que foi que ouviste para estares tão luminoso de alegria?"."Com uma mulher na aurora de sua vida; com aquela que será a aurora para muitas outras que virão"." Quem?" ."As virgens".André murmura a si mesmo: "Não é ela..."."Não. Não é ela. Mas não te canses de rezar, com paciência e bondade. Cada palavra de tua oração é como um chamamento, uma luz na noite, e a ajuda e guia"."Mas a quem é que meu irmão está esperando?"."Está esperando uma alma, Pedro. E uma grande miséria, que ele quer transformar em uma grande riqueza"."E onde a foi encontrar o André, que nunca se move, nunca fala, nunca tem iniciativas?"."Em meu caminho. Vem Comigo, André. Vamos à casa do Alfeu, bendizê-lo entre os seus muitos netos. Vós, esperai-me na casa do Tiago e do Judas. Minha Mãe precisa ser deixada sozinha durante o dia todo".E, andando assim, uns por aqui, outros por ali, o segredo envolve a alegria da primeira consagrada à virgindade por amor de Cristo.

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157. Instrucões às discípulas em Nazaré.7 de maio de 1945.

157.1 1 Jesus ainda está em Nazaré, na sua casa. Ou melhor, está onde foi a oficina do carpinteiro.

Com Ele estão os doze apóstolos e, além deles, aí estão Maria, Maria mãe do Tiago e de Judas, Salomé, Susana e, uma novidade, a Marta. Uma Marta muito aflita, com claros sinais de choro em seus 456

olhos. Uma Marta desambientada, atemorizada por estar assim sozinha junto de outras pessoas, e sobretudo da Mãe do Senhor. Maria procura familiarizá-la com as outras e tirar dela aquela sensação de mal-estar, que percebe estar sofrendo. Mas as suas carícias parecem estar sempre mais a angustiar o coração da pobre Marta. Rubor e grandes lágrimas se alternam sob o véu, descido sobre a sua dor e seu mal-estar.Entra João com o Tiago do Alfeu. "Não está, Senhor. Ela foi com seu marido, hospedar-se na casa de uma amiga. Isto é o que nos disseram os servos", diz João."Certamente, ela sentirá muito. Mas sempre poderá ver-te e receber as tuas instruções", termina Tiago do Alfeu."Está bem. O grupo das discípulas não está como Eu desejava. Mas vós estais vendo: no lugar de Joana, que está ausente, acha-se aqui a Marta, filha de Teófilo, irmã de Lázaro.Os discípulos sabem quem é Marta. Minha Mãe também. Tu também, Maria, e talvez até tu, Salomé, já saibais pelos vossos filhos quem é Marta, não tanto como mulher, segundo o mundo, mas como criatura aos olhos de Deus. Tu, Marta, por tua vez, sabes quem são estas, que te consideram irmã e que te amarão muito. Irmã e filha. Disto tens muita necessidade, ó boa Marta, para teres também aquele conforto humano de afetos bons, que Deus não condena, mas que deu ao homem para aliviá-lo nas canseiras da vida. E Deus te trouxe para aqui justamente na hora por Mim escolhida para estabelecer a base, Eu poderia dizer o canhamaço, na qual bordareis a vossa perfeição de discípulas.2 Discípulo quer dizer aquele que segue a disciplina do Mestre, da 157.2 sua doutrina. Por isso, em sentido amplo, serão chamados discípulos todos aqueles que agora, e nos séculos futuros, seguirão a minha doutrina. E para não inventar muitos nomes, como: "Discípulos de Jesus segundo os ensinamentos de Pedro ou de André, de Tiago ou de João, de Simão ou de Filipe, de Judas ou de Bartolomeu, ou de Tomé e Mateus", dir-se-á um só nome que os unirá com um único sinal: "cristãos". Mas, por entre a grande massa dos que obedecem a minha disciplina, Eu já escolhi os primeiros, e depois os segundos, e assim se fará através dos séculos, em memória de Mim. Como no Templo, e até antes, desde Moisés, houve um Pontífice, os sacerdotes, os levitas, os prepostos aos diversos serviços, os ofícios e encargos, os cantores e assim por diante, o mesmo haverá no meu Templo novo, tão grande como a terra inteira, duradouro como ela, haverá os maiores e os me457

nores, todos úteis, todos a Mim diletos e, além disso, haverá mulheres, uma categoria nova, que Israel sempre desprezou, confinando-as aos cantos das virgens no Templo ou às instruções das mesmas virgens no Templo. E nada mais do que isso.Não fiqueis discutindo se isso era justo. Na religião fechada de Israel e naquele tempo de ira, aquilo era justo. Toda desonra caía sobre a mulher, origem do pecado. Na religião universal de Cristo e no tempo do perdão, tudo isso muda. Toda a Graça se reuniu numa Mulher e Ela a deu à luz ao mundo, a fim de que ele fosse redimido. A mulher, portanto, não é mais objeto de desprezo para Deus, mas

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a ajuda de Deus. E, por meio da Mulher dileta do Senhor, todas as mulheres podem tornar-se discípulas do Senhor, não somente como a massa, mas como sacerdotisas menores, coadjutoras dos sacerdotes, aos quais podem dar muita ajuda, junto aos mesmos e aos fiéis e aos infiéis e junto àqueles que não se deixam levar a Deus pelo ressoar da palavra santa e sim, pelo sorriso santo de uma discípula minha. 107.3 3 Vós me pedistes para vir, como vêm os homens, atrás de Mim. Mas vir somente, escutar somente, pôr em prática somente, é pouco demais para Mim, em comparação com o que Eu espero e quero de vós. Fazer aquelas coisas seria procurar a vossa santificação. Uma grande coisa. Mas ainda não me basta. Eu sou Filho do Absoluto e dos meus prediletos quero o absoluto. Quero tudo, porque Eu dei tudo.Além disso, não somente Eu, mas também o mundo está. Esta coisa tremenda, que é o mundo. Deveria ser tremendo na santidade. Uma santidade ilimitada, em número e poder. Santidade da multidão dos filhos de Deus. Ao invés, é terrível por sua maldade. Sua complexa maldade é realmente sem limites, pelo número de suas manifestações e por seu poder de praticar o vício. Todos os pecados existem no mundo, que não é mais a multidão dos filhos de Deus, mas é a multidão dos filhos de Satanás e sobretudo vivo está o pecado que traz em si o mais claro sinal de sua paternidade: o ódio. O mundo odeia. Quem odeia vê e quer fazer ver, também a quem não vê, o mal até nas coisas mais santas. Se perguntásseis ao mundo para que é que Eu vim, não vos diria: "Para fazer o bem e remir". Mas vos diria: "Para corromper e usurpar". Se perguntásseis ao mundo que é que ele pensa de vós que me seguis, ele não diria: "Vós o seguis para santificar-vos e para dar um conforto ao Mestre com santidade e pureza". Mas diria: "Vós o seguis porque estais seduzidas pelo homem".Assim é o mundo. E Eu vos digo também isto, para que meçais tudo, antes de mostrar-vos ao mundo como discípulas eleitas, como os458

troncos das gerações das futuras discípulas, cooperadoras dos servos do Senhor.Tomai bem o vosso coração nas mãos e dizei-lhes a este vosso coração sensível de mulheres, que vós, e ele convosco, sereis feitos objetos de zombarias, sereis caluniavas, cuspidas, espezinhadas pelo mundo, pelo desprezo, pela mentira, pela crueldade do mundo. Perguntai-lhe se ele se sente capaz de receber todas aquelas feridas sem gritar de indignação, maldizendo aqueles que o ferem. Perguntai-lhe se ele se sente capaz de arrostar o martírio moral da calúnia, sem chegar a odiar os caluniadores e a Causa pela qual será caluniado. Perguntai-lhe se, abeberado e recoberto pelo ódio do mundo, saberá sempre emanar amor e se, envenenado pelo absinto, saberá espremer mel se, sofrendo toda espécie de torturas pelas incompreensões, pelo escárnio, pela maledicência, saberá ainda continuar a sorrir, mostrando com a mão o Céu, sua meta, para a qual - por uma caridade feminina, materna até nas mocinhas, materna também mesmo quando foi prestada a pessoas de idade muito avançada, que poderiam ser vossos avós, mas que são espiritualmente uns meninos, que mal acabam de nascer, e incapazes de compreender e de se orientarem no caminho, na vida, na verdade e na sabedoria, que Eu vim dar, dando a Mim mesmo: Caminho, Vida, Verdade, Sabedoria divina - quereis levar os outros. Eu vos amarei do mesmo modo, ainda que me digais: "Não tenho força para isso, Senhor, para desafiar o mundo inteiro por amor a Ti".4 Ontem uma menina me pediu que Eu a imolasse, antes que che- 157.4gue para ela a hora das núpcias - porque ela acha que me ama como Deus há de ser amado, ou seja, com toda ela mesma - na perfeição de uma doação absoluta. E Eu farei o que ela quer. Ocultei-lhe a hora, para que a alma não trema de medo, e a carne ainda mais que a alma. A sua morte será semelhante à da flor, que fecha sua carola em uma tarde, achando que vai abri-la de novo no dia seguinte, mas não a abre mais, porque o beijo da noite aspirou a sua vida. E Eu o farei, conforme o seu desejo, antecipando de poucos dias, antes do meu, o seu sono da morte. Para não fazê-la esperar no Limbo, esta minha primeira virgem, para encontrá-la logo que Eu morrer...Não choreis! Sou o Redentor... Mas esta mocinha santa, que não se limitou ao hosana depois do milagre, mas soube aproveitar-se do milagre como de uma moeda posta a juros, passando da

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gratidão humana a uma gratidão sobrenatural, de um desejo terreno a um ultraterreno, mostrando um amadurecimento de espírito superior à de 459

quase todos - digo "quase", porque entre vós, que me estais ouvindo, há perfeições iguais e até superiores - não me pediu para seguir-me. Ao contrário, mostrou o desejo de completar sua transformação de jovenzinha em anjo, no segredo de sua casa. E Eu também a amo tanto, que, nas horas de desgosto pelo que o mundo me faz, lembrar-meei desta doce criatura, bendizendo ao Pai, por estas flores de amor e de pureza com que o Pai me enxuga as lágrimas e os suores de Mestre de um mundo que não me quer.157.5 5 Mas, se quiserdes, se tiverdes a coragem de permanecerdes discípulas eleitas, eis que Eu vos mostro o trabalho que havereis de fazer para justificar a vossa presença e eleição junto a Mim e junto aos santos do Senhor.Vós podeis fazer tanto junto aos vossos semelhantes e para com os ministros do Senhor. Fiz menção disso à Maria do Alfeu, há muitos meses. Grande é a falta que faz a mulher junto ao altar de Cristo! As infinitas misérias do mundo podem ser curadas por uma mulher, muito mais e melhor do que pelo homem, e depois levadas ao homem, para que sejam completamente sanadas. Para vós abrir-se-ão muitos corações, especialmente os femininos, a vós, ó mulheres discípulas. Deveis acolhê-los, como se fossem filhos queridos e desencaminhados, que voltam à casa paterna e que não ousam encarar o pai. Sereis vós que reconfortareis o culpado e aplacareis o juiz. Muitos virão a vós, à procura de Deus. Vós os acolhereis, como peregrines cansados, dizendo-lhes: "Aqui é a casa do Senhor. Ele virá logo", e ao mesmo tempo, os circundareis com o vosso amor. Se não Eu, um meu sacerdote virá.A mulher sabe amar. Ela foi feita para o amor. Ela rebaixou o amor, fazendo dele uma fome de sensualidade, mas no fundo de sua carne está sempre prisioneiro o verdadeiro amor, a jóia da alma dela: o amor libertado da lama acre da sensualidade e dotado de asas e de perfumes angélicos, dotado de uma chama pura e de lembranças de Deus, da sua origem, que vem de Deus, e de sua criação, feita por Deus. A mulher - a obra-prima da bondade, ao lado da obra-prima da criação, que é o homem: "E agora seja dada a Adão uma companheira para que ele não se sinta sozinho" - não deve abandonar os Adãos. Tomai, portanto, esta faculdade de amar e usai-a no amor do Cristo e pelo Cristo junto ao próximo.Sede toda caridade junto aos culpados arrependidos. Dizei-lhes que não tenham medo de Deus. Como não saberíeis fazer isso, vós que sois mães e irmãs? Quantas vezes os vossos pequeninos, os vossos460

irmãozinhos não estiveram doentes e precisando do médico! E tinham medo. Mas vós, com carícias e com palavras de amor, tirastes aquele medo e eles, com suas mãozinhas na vossa, deixaram-se tratar, sem terem mais o medo de antes. Os culpados são os vossos irmãos e filhos doentes e temem a mão do médico e do que ele vai dizer... Não. Não é assim. Dizei-lhe, vós que sabeis quanto Deus é bom, que Deus é bom e não precisa temê-lo. Ainda que seja firme e decidido, quando diz: "Não deves nunca mais fazer isto", não expulsará a quem já fez o mal e que ficou doente. Mas tratará dele para que fique são.Sejais mães e irmãs ao lado dos santos. Eles também têm necessidade de amor. Cansar-se-ão e se consumirão na evangelização. Não poderão conseguir tudo o que é preciso fazer. Ajudai-os, vós, discretas e cuidadosas. A mulher sabe trabalhar. Em casa, por entre as mesas e as camas, junto aos teares e tudo mais que é necessário para a vida diária. O futuro da Igreja será uma contínua ida dos peregrines aos lugares de Deus. Sede vós as caridosas hospedeiras, que tomais para vós as coisas mais humildes, a fim de deixardes livres os ministros de Deus para continuarem a obra do Mestre.Depois virão os tempos difíceis, sangrentos, ferozes. Os cristãos, até os santos, passarão horas de terror e de fraqueza. O homem nunca é muito forte para sofrer. A mulher, ao invés, tem sobre o homem esta verdadeira realeza do saber sofrer. Ensinai isso ao homem, sustentando-o nessas horas

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de medo, de desconforto, de lágrimas, de canseiras e sangue. Em nossa história temos exemplos de magníficas mulheres que souberam fazer aios de uma audácia libertadora. Temos Judite, Jael. Mas acreditai que nenhuma delas é maior, até agora, do que a mãe que foi mártir oito vezes, sete em seus filhos e uma em si mesma, no tempo dos Macabeus. Mais tarde haverá uma outra... Mas depois que Essa tiver vindo, tornar-se-ão frequentes as mulheres heroínas da dor e na dor, as mulheres conforto dos mártires e mártires elas próprias, as mulheres anjos dos perseguidos, as mulheres, sacerdotisas mudas, que pregarão a Deus com seu modo de viver e que, sem outra consagração a não ser a que elas receberem do Deus-Amor, serão, oh! serão consagradas e dignas de o serem.6 Estes são em linhas muito esquemáticas, os vossos principais de- 157.6 veres. Eu não terei muito tempo para dedicar a vós em particular. Mas vós vos formareis, ouvindo-me. E mais vos formareis sob a guia perfeita da minha Mãe.Ontem esta mão materna (e Jesus pega na sua a mão de Maria) conduziu até Mim a mocinha de que Eu vos falei e ela me disse que461

somente por tê-la ouvido e ficado ao seu lado durante poucas horas, isso já lhe tinha servido para fazer amadurecer o fruto da graça recebida, levando-o à perfeição. Não é a primeira vez que minha Mãe trabalha pelo Cristo seu Filho. Tu e tu, meus discípulos, e também meus primos, sabeis quem é Maria na formação das almas a Deus e o podeis dizer àqueles ou àquelas que tiverem o temor de não terem si do preparados por Mim para a missão ou de não o serem ainda suficientemente, quando Eu não estiver mais entre vós. Ela, a minha Mãe, estará connosco agora, nas horas em que Eu não estiver entre vós, e depois, quando Eu não estiver mais entre vós. Ela fica convosco, e com Ela, a Sabedoria em todas as suas virtudes. Segui, de agora em diante, todos os seus conselhos. 157 7 7 Ontem à tarde, quando ficamos sozinhos, Eu, sentado perto Dela, como quando era criança, com a cabeça sobre seu ombro tão doce e tão forte, minha Mãe me disse - tínhamos falado da mocinha que partiu nas primeiras horas da tarde, com um sol, mais radioso do que aquele do firmamento, encerrado em seu coração virginal: o seu segredo santo - Ela me disse: "Como é doce ser a Mãe do Redentor! ". Sim, como é doce, quando a criatura que vai ao Redentor é já uma criatura de Deus, uma no qual só existe a mancha original, que não pode ser lavada senão por Mim. Todas as outras pequenas manchas de imperfeição humana o amor as lavou. Mas, minha doce Mãe, puríssima Guia das almas para o teu Filho, Estrela santa de orientação, Mestra suave dos santos, piedosa Nutriz de pequeninos, Cura salutar dos enfermos, nem sempre irão a ti estas criaturas que não repugnam à santidade... Mas as lepras, mas os horrores, mas o mau cheiro, o emaranhamento de serpentes ao redor de coisas imundas rastejarão até aos teus pés, ó Rainha do género humano, para te gritarem: "Piedade! Socorre-nos! Leva-nos ao teu Filho!", e terás que colocar esta tua cândida mão sobre as chagas, inclinar-te com os teus olhares de pomba paradisíaco sobre as deformidades infernais, aspirar o fedor do pecado, e não fugir. Mas antes, acolher sobre o coração esses mutilados por Satanás, esses abortos, estas podridões, e lavá-los com o teu pranto, e trazê-los a Mim... E então, dirás: "Como é difícil ser a Mãe do Redentor!". Mas tu o farás, porque és a Mãe... Eu beijo e abençôo estas tuas mãos, das quais virão a Mim tantas criaturas, e cada uma será uma minha glória. Mas, antes de ser minha, ela será uma glória tua, ó Mãe Santa. 57 ~ ~Vós, queridas discípulas, segui 0 exemplo da minha Mestra e do Tiago e do Judas e de todos aqueles que querem formar-se na graça e462

na sabedoria. Segui a sua palavra. É a minha palavra, tornada mais doce. Nada é preciso acrescentar a ela porque é a palavra da Mãe da Sabedoria.E vós, meus amigos, aprendei a ter das mulheres a humildade e a constância e humilhando a soberba do homem, não desprezeis as mulheres discípulas, mas temperai a vossa força, e poderia dizer também a vossa dureza e intransigência, ao contato da doçura das mulheres. E sobretudo, aprendei delas a amar, crer e sofrer pelo Senhor, porque em verdade vos digo que elas, as fracas, se tornarão as mais fortes na fé, no amor, na coragem, no sacrificarem-se pelo seu Mestre, que elas

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amam com todo o próprio ser, sem nada pedirem, sem nada pretenderem, dando-se por bem pagas, ao me amarem para poderem dar-me conforto e alegria.Ide agora para as vossas casas ou para as casas em que estais hospedadas. Eu fico com minha Mãe. Deus esteja connosco".'Todos vão-se embora, menos Marta."Tu fica, Marta. Eu já falei com o teu servo. Hoje não é Betania que hospeda. Mas a pequena casa de Jesus. Vem. Comerás ao lado de Maria e dormirás no quartinho junto ao seu. O espírito de José, que foi o nosso conforto, te confortará, enquanto descansas, e amanhã voltarás para Betania, mais forte e firme, para preparar também lá mulheres discípulas, à espera daquela mais querida a Mim e a ti. Não tenhas dúvida, Marta. Eu nunca faço promessas em vão. Mas para se fazer de um deserto cheio de víboras um bosquinho do paraíso, precisa-se de tempo... O primeiro trabalho não se vê. Parece até que nada aconteceu. Mas a somente já foi lançada. As sementes. Todas. Depois virá o pranto, para fazer o que faz a chuva, que abre as sementes... E as árvores boas virão... Vem!... Não chores mais!".

158. No lago de Genezaré com Joana de Cusa.8 de maio de 1945.

158.1 1 Jesus está no lago sobre o barco de Pedro, atrás de dois outros barcos. Um deles é um comum barco de pesca, gémeo do de Pedro; e o outro é um barco ligeiro, rico, para esporte. É o barco de Joana de Cusa.Mas a dona dele não está em seu barco. Ela está aos pés de Jesus, no rústico barco de Pedro. Diria que o acaso os reuniu em algum ponto da praia florida de Genezaré, que é muito bonita nesta apa-463

rição da primavera Palestina, que espalha as suas nuvens de amendoeiras em flor e põe pérolas de futuras flores sobre as pereiras e macieiras, romãzeiras e marmeleiros, todas, todas as árvores mais ricas e graciosas na flor e no fruto. Quando o barco passa rente a uma orla ensolarada, já se mostram os milhões de botões, que vêm irrompendo sobre os ramos, esperando florescer, enquanto, borboleteiam pelo ar quieto, até pousarem sobre as águas claras, as pétalas precoces das amendoeiras.As margens, entre a erva nova, que parece uma seda de um verde alegre, estão pontilhados pelos olhos de ouro dos ranúnculos, pelas estrelas raiadas, que das margaridinhas e, ao lado destas, rígidos sobre seus caules, como pequenas rainhas coroadas, sorriem leves, plácidos como as íris das crianças, os miúdos miosótis, azuizinhos, tão graciosos, e parecem estar dizendo "sim, sim" ao sol, ao lago, às ervas irmãs, que estão felizes em florescer e em florescer sob os olhos cerúleos do seu Senhor.Neste começo de primavera, o lago ainda não tem aquela opulência que o tornará triunfante nos meses sucessivas, ainda não tem aquela pompa suntuosa, eu diria sensual, das milhares e milhares de roseiras, rígidas ou flexíveis, que formam moitas nos jardins ou cobertura nos muros, dos mil e mil corimbos dos citisos e das acácias, das milhares e milhares de fileiras das plantas tuberosas em flor, das milhares e milhares de estrelas amareladas nos citrinos, de todo este fundir-se de cores e perfumes, agressivos, suaves, inebriantes, que fazem um cenário e um estímulo ao anseio humano de gozar, que profana, profana demais este canto da terra tão puro, que é o lago de Tiberíades, o lugar escolhido há séculos para ser o teatro do maior número dos prodígios de nosso Senhor Jesus. 158.2 2 Joana olha para Jesus que está absorto na beleza do seu lago galileu e o rosto dela sorri, repetindo como espelho fiel o sorriso Dele.Nos outros barcos estão conversando. Neste há silêncio. O único rumor é o rumor surdo dos pés

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descalças de Pedro e de André, que controlam as manobras do barco, e o suspiro da água, que vai sendo fendida pela proa, e que sussurra suas dores ao costado da embarcação, para depois transformar-se em riso, ao chegar à popa, à medida que a ferida vai-se tornando a fechar em uma esteira de prata, que o sol faz brilhar, como se tivesse sido feita com pó diamantino.Finalmente, Jesus deixa a sua contemplação e volta o olhar para a sua discípula. Ele lhe sorri. Ele lhe pergunta: "Estamos quase chegando, não é verdade? E tu dirás que o teu Mestre é um companheiro464

muito pouco amável. Eu não te disse uma palavra"."Mas eu as li em teu rosto, Mestre, e percebi tudo que ias dizendo a estas coisas que estão ao nosso redor"."E que é que Eu ia dizendo?"."Amai, sede puros, sede bons. Porque de Deus viestes, e da mão Dele nada saiu de mau e de impuro"."Leste bem"."Mas, meu Senhor, as ervas farão assim. Os animais também. O homem... Por que é que ele não o faz, ele que é o mais perfeito?"."Porque o dente de Satanás só penetrou no homem. Ele pretendeu destruir o Criador, no seu prodígio maior, mais semelhante a Ele".3 Joana inclina a cabeça e pensa. Parece alguém que está na dúvida 158.3 e fica avaliando duas vontades opostas. Jesus a observa. Enfim, ela levanta a cabeça e diz: "Senhor, indignar-te-ias em aproximar-te de minhas amigas pagãs? Tu sabes... O Cusa é da Corte. E o Tetrarca - e mais ainda, a verdadeira dominadora da Corte: Herodíades, a cuja vontade se dobram todas as disposições de Herodes, para... acompanhar a moda, para se mostrarem mais finos do que os outros palestinos, para serem protegidos por Roma, adorando Roma e tudo mais que é romano - vive namorando com os romanos da casa proconsular... e quase no-los impõe. Na verdade, preciso dizer que elas não são mulheres piores do que nós. Também entre nós, e nestas mesmas margens, há algumas delas que desceram bem em baixo. E que é que poderemos falar, se não falarmos a respeito de Herodíades?... Quando eu perdi o meu filho e fiquei doente, elas foram muito boas para comigo, que não as havia procurado. E depois permaneceu a amizade. Mas se Tu me dizes que é mal, eu a desfaço. Não? Obrigada, Senhor. Anteontem eu estava em casa de uma dessas amigas. Era a minha uma visita de amizade e de um dever por parte do Cusa. Havia uma ordem do Tetrarca que... quereria voltar aqui, mas que não se sente muito seguro e então... trava mais relações interesseiras com Roma, para ter suas costas protegidas. Aliás... eu te peço... Tu és parente do Batista, não é verdade? Diz então a ele, de não confiar demais e não saia nunca dos confins da Samaria. Antes, se não lhe causar desdém, por lá se esconda por algum tempo. A serpente se aproxima do cordeiro e o cordeiro tem muito o que temer. De tudo. Que ele esteja alerta, Mestre. E que não se saiba que eu disse isto. Seria a ruína do Cusa"."Fica tranquila, Joana. Eu avisarei ao Batista por um meio bom, sem prejudicar a ninguém".465

"Obrigada, Senhor. Eu quero te servir... mas com isto não queria prejudicar ao meu esposo. Antes... eu... não poderei estar sempre Contigo. Algumas vezes eu deverei ficar, porque ele assim quer, e é justo... "."Poderás ficar, Joana. Entendo tudo. Não digas mais nada, pois não é preciso"."Porém, nas horas de maior perigo para Ti, quererás que eu esteja por perto?"."Sim, Joana. Certamente"."Oh! Como me pesava uma coisa destas, ter que dizê-la e a estar dizendo! Mas agora estou aliviada...". 158.4 "Se tiveres fé em Mim, estarás sempre confortada. 4 Mas tu falavasde uma tua amiga romana...".

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"Sim. Ela é muito íntima de Cláudia e creio que deva ser sua parente. E Ela gostaria de falar Contigo, pelo menos ouvir-te falar. E não só ela. E agora, que Tu curaste a menina de Valéria, e a notícia veio rápido como o relâmpago, o desejo nelas está ainda mais vivo. No banquete da outra tarde havia muitas vozes a teu favor e contra Ti. Porque estavam presentes também alguns herodianos e saduceus... ainda que, se lhes fosse feita a pergunta, eles o negariam... e havia lá também algumas mulheres... ricas e... não honestas. Estava lá... eu sinto muito dize-lo, porque sei que Tu és amigo do irmão... mas estava lá Maria Madalena com o seu novo amigo e uma outra mulher, grega, eu creio, e licenciosa como ela. Sabes... é costume entre os pagãos que as mulheres estejam à mesa com os homens e isso é muito... muito... Que coisa mais embaraçosa! A gentileza de minha amiga escolheu para mim como companheiro o meu próprio esposo e isso me deixou muito aliviada. Mas as outras... Oh!... Pois bem. Falava-se de Ti, porque o milagre em favor da Faustina deu bastante o que falar e, enquanto os romanos admiram em Ti o grande médico ou mago - perdoa, Senhor - os herodianos e os saduceus jogavam veneno sobre o teu Nome e Maria, oh! Maria! Que horror!... Começou com o escárnio e depois... Não, isto não te quero dizer. Por isso, chorei a noite inteira..."."Deixa-a. Ela ficará sã"."Mas ela está boa, sabes?"."Na carne. O resto está todo intoxicado. Ficará sã"."Tu o estás dizendo... As romanas, sabes como são... disseram: "Nós não tememos feitiços, nem acreditamos em fábulas. Queremos julgar por nós mesmas"; e depois me disseram: "Não poderíamos ouvi-lo?" " .466

"Diz a elas que no fim da lua de Shebat Eu estarei em tua casa"."Eu o direi, Senhor. Crês que virão a Ti?"."Há todo um mundo a ser refeito nelas. Primeiro, é preciso destruir e depois edificar. Mas não é uma coisa impossível. 5 Joana, eis a 158.5 tua casa com o seu jardim. Trabalha nela pelo teu Mestre, como Eu te disse. Adeus, Joana. O Senhor esteja contigo. Eu te abençoo em seu nome" .O barco chega à terra. Joana implora: "Não vens mesmo?"."Agora não. Preciso reavivar as chamas. Com poucos meses de ausência, elas quase se apagaram. E o tempo voa".O barco pára no pequeno golfo, que penetra no jardim de Cusa. Servos acorrem para ajudar a patroa a descer. O barco patronal vem atrás do de Pedro até à prancha, depois que João, Mateus, Iscariotes e Filipe saíram dele e subiram para o de Pedro, o qual, em seguida, lentamente se afasta, retomando o seu navegar em direção à margem oposta.

159. Discurso em Gergesa.A resposta sobre o jejum aos discípulos do Batista.9 de maio de 1945.

'1 Jesus fala em uma cidade que eu nunca vi. Assim ao menos me 159.1parece, porque são todas elas mais ou menos iguais no estilo e é difícil diferenciá-las à primeira vista. Também aqui uma estrada margela o lago e os barcos estão aí arrastados para a margem. Casas e casinhas estão alinhadas para lá da estrada, mas aqui as colinas estão muito mais afastadas e, por isso, a pequena cidade está em uma sorridente planície, que se prolonga pelas margens orientais do lago, ficando protegida contra os ventos pelo baluarte dos outeiros, e por isso é toda tépida pelo sol que aqui, mais ainda do que em outros campos, aumenta a florescência das árvores.

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Parece que o discurso já tenha começado, porque Jesus diz:"...E verdade. Vós dizeis: "Não te abandonaremos nunca, porque abandonar-te seria abandonar a Deus". Mas, ó povo de Gergesa, lembra-te de que nada é mais mutável do que o pensamento humano. Eu sou convicto que neste momento realmente vós estais tendo este pensamento. A minha palavra e o milagre que aconteceu vos entusiasmaram neste sentido e, neste momento. estais sendo sinceros em tudo o que estais dizendo. Mas Eu vos recordo um episódio, poderia citar 467

mil deles antigos e novos. Vou citar-vos somente este. 159.2 2Josué, servo do Senhor, antes de morrer, reuniu ao seu redor to das as tribos com os seus chefes, príncipes, juizes e magistrados e lhes falou, na presença do Senhor, lembrando-lhes todos os benefícios e prodígios feitos pelo Senhor, através do seu servo. E depois de ter enumerado todas essas coisas, convidou-os a repudiarem todo deus, que não fosse o Senhor, ou pelo menos a serem sinceros em sua fé, escolhendo com sinceridade, ou o verdadeiro Deus, ou os deuses da Mesopotamia e dos Amorreus, de modo que houvesse uma nítida separação entre os filhos de Abraão e os paganizantes. Sempre é melhor um erro com convicção do que uma hipócrita profissão e mistura de fés, que é uma afronta a Deus e uma morte aos espíritos. E nada é mais fácil e comum do que essa mistura. A aparência é boa; debaixo dela está a substância não boa. Ainda agora, filhos. Ainda agora. Aqueles fiéis que misturam a observância da Lei com o que a Lei proibe, aqueles infelizes, que vacilam como bêbados entre a fidelidade à Lei e o interesse de negócios e compromis sos com os que estão fora da Lei e dos quais esperam alguma vantagem, aqueles sacerdotes, ou escribas, ou fariseus, que não fazem mais do serviço de Deus a meta de suas vidas, mas sim, uma astuta política para triunfar sobre os outros e ter todo o poder, sobre os outros mais honestos, porque são servos não de Deus, mas de um poder que eles sabem que é forte e precioso aos seus propósitos, não são senão hipócritas, que misturaram o nosso Deus com os deuses estrangeiros. O povo respondeu a Josué: "Nunca aconteça que nós abandone mos o verdadeiro Deus para servir a deuses estrangeiros". Josué disse a eles o que Eu acabei de vos dizer sobre o santo ciúme do Pai, em sua vontade de ser amado com exclusividade por nós com todo o nosso ser, e de sua justiça em punir os que são mentirosos. Punir! Deus pode punir, como pode premiar. Não é preciso que se tenha morrido para se receber um prémio ou um castigo. Olha, povo hebreu, se Deus, depois de haver-te dado tanto, livrando-te dos Faraós, levando-te a salvo através do deserto e das ciladas dos inimigos, permitindo que te tornasses uma grande e temida nação, rica de glórias não te puniu depois nem uma, nem duas, nem dez vezes pelas tuas culpas! Olha o que te tornaste agora! E Eu, que vejo te precipitar na mais sacrílega das idolatrias, vejo também em que abismo estás para precipitar-te, por este teu perseverar sempre nas mesmas culpas. E Eu te chamo a atenção por isso, ó povo, que és duas vezes meu, por ser Eu o Redentor e por ter nascido de ti. Não é ódio, não é468 rancor, não é intransigência. É de amor este meu chamado, ainda que seja severo.3 Josué então disse: "Vós sois testemunhas disto: vós escolhestes o 159.3 Senhor", e todos responderam: "Sim". E Josué, sábio, além de destemido, sabendo quanto é fraca a vontade do homem, escreveu no Livro todas as palavras da Lei e da aliança e as colocou no Templo e também neste santuário do Senhor, que está em Siquém, em que naquela ocasião se guardava o Tabernáculo, colocou uma grande pedra como testemunha, dizendo: "Esta pedra, que ouviu as vossas palavras ao Senhor, ficará aqui como testemunha, para que não possais negar e mentir ao Senhor vosso Deus".Uma pedra, por maior e mais dura que seja, sempre pode ser pulverizada pelo homem, por um raio ou pela erosão das águas e do tempo. Mas Eu sou a Pedra angular e eterna. E não posso sofrer destruição. Não mintais a esta Pedra viva. Não a ameis só porque faz prodígios. Amai-a porque por Ela chegareis ao Céu. Eu gostaria que fôsseis mais espirituais, mais fiéis ao Senhor. Não digo a Mim. Eu não sou outra coisa, senão a Voz do Pai. Se me espezinhardes, ferireis Aquele que me enviou. Eu sou o Meio. Ele é Tudo. Recolhei de Mim e conservai em vós tudo o que é santo, para que possais ir a este Deus. Não ameis o Homem, amai o Messias do Senhor, não pelos milagres que

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faz, mas porque quer fazer em vós o milagre íntimo e sublime da vossa santificação".4 Jesus abençoa e se encaminha em direção a uma casa. 159.4Está quase na soleira quando é barrado por um grupo de homens anciãos, que o saúdam com respeito, dizendo: "Podemos fazer-te uma pergunta, Senhor? Somos discípulos de João e como ele sempre fala de Ti, e também porque chegou até nós a fama dos teus prodígios, tivemos vontade de conhecer-te. Agora, depois de te termos ouvido, surgiu diante de nós uma pergunta que te queremos fazer"."Dizei qual é. Se sois discípulos de João, já deveis estar no caminho da santidade"."Tu disseste, quando estavas falando das idolatrias comuns entre os fiéis, que há pessoas entre nós que fazem comércio entre a Lei e os que estão fora da Lei. Porém, Tu também és amigo deles. Sabemos que não desprezas os romanos. E então?"."Não o nego. Mas podeis vós dizer que o faço para obter alguma vantagem? Podeis dizer que os acaricio, para conseguir deles, ainda que seja só uma proteção?"."Não, Mestre. E disso estamos mais do que certos. Mas o mundo469.

não é composto só por nós, que só queremos crer no mal que vemos e não naquilo que nos é apontado como mal. Agora, diz-nos quais as razões que tornam plausível o aproximar-se aos gentios. Diz, para ser uma norma para nós e para tua defesa, se alguém te caluniar em nossa presença"."É um mal, que se façam contatos, quando isso é feito com intenções humanas. Não é mal, quando nos aproximamos deles para levá-los ao Senhor nosso Deus. Eu faço assim. Se vós fôsseis pagãos, poderia demorar-me para explicar como todos os homens vêm de um único Deus. Mas vós sois hebreus e discípulos de João. Por isso, sois a flor dos hebreus, e não precisais de que Eu vos explique isso. Podeis, portanto, compreender e crer que é meu dever, sendo Eu o Verbo de Deus, levar a sua palavra a todos os homens, filhos do Pai universal"."Mas eles não são filhos, porque são pagãos... "."Pela Graça, eles não o são. Pela fé errada, eles não o são. E verdade. Mas, enquanto Eu não vos tiver redimido, o homem, ainda que seja hebreu, terá perdido a Graça, estará privado dela, porque a Mancha de origem será um impedimento para que os raios inefáveis da Graça desçam até os corações. Contudo, pela criação, o homem é sempre filho. De Adão, primeiro antepassado de toda a humanidade, vêm tanto os hebreus como os romanos, e Adão é filho do Pai que lhe deu sua semelhança espiritual".159,5 5 ."É verdade. Uma outra pergunta, Mestre. Por que os discípulos de João fazem grandes jejuns e os teus não? Não queremos dizer que Tu não devas comer. Também o profeta Daniel foi santo aos olhos de Deus, ainda que tenha sido um dos grandes na corte da Babilônia, e Tu és mais do ele. Mas eles..."."Muitas vezes uma coisa, que não se consegue com rigorismo, consegue-se com alguma cordialidade. Há pessoas que nunca viriam ao Mestre, e o Mestre deve ir a elas. Outros há, que viriam ao Mestre, mas se envergonham de ir no meio da multidão. Também a esses 0 Mestre deve ir. E, desde que eles me digam: "Vem. ser meu hóspede, para que eu possa conhecer-te", Eu vou, tendo em mente não o gozo da mesa opulenta e das conversas às vezes tão penosas para Mim, mas ainda e sempre, o interesse de Deus. Isto quanto a Mim. E, visto que frequentemente ao menos uma das almas, de que Eu me aproximo, se converte, e cada conversão é como uma festa de núpcias para a minha alma, uma grande festa da qual tomam parte todos os anjos do Céu e que é abençoada pelo eterno Deus, assim os meus discípulos, os amigos de Mim-Esposo, jubilam-se com o Esposo e Amigo.470

Quereríeis ver os amigos de luto, enquanto Eu jubilo? Enquanto Eu estou com eles? Mas tempo virá em que não me terão mais. E então, farão um grande jejum. 6 Para tempos novos, métodos novos. Até ontem,159.6 com o Batista eram as cinzas da

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Penitência. Hoje, neste meu hoje, é o doce maná da Redenção, da Misericórdia, do Amor. Não poderiam aqueles métodos estar enxertados no meu, como também o meu não poderia ter sido usado então, apenas ontem. Porque ainda a Misericórdia não existia na terra. Agora existe. Não mais o Profeta, mas o Messias está na terra, ao qual tudo foi deferido por Deus. A cada tempo as coisas que lhe sejam úteis. Ninguém cose um pedaço de pano novo em uma veste velha, porque de outro modo, especialmente ao lavá-la, o pano novo encolhe e arrebenta a veste velha e o rasgão se torna ainda maior. Igualmente ninguém põe vinho novo em odres velhos, porque, se assim fizer, o vinho arrebenta os odres, incapazes de suportar a efervescência do vinho novo, o qual se derrama fora dos odres que arrebentaram. Mas o vinho velho, que já passou por todas as suas mudanças, é colocado em odres v olhos, e o novo em novos. Porque uma força há de ser enfrentada por outra igual. Assim é agora. A força da nova doutrina aconselha métodos novos para difundí-la. E Eu, que sei disso. faço uso deles".7 "Obrigado, Senhor. Agora estamos contentes. Reza por nós. Nós 159.7 somos uns odres velhos. Poderíamos resistir à tua força?"."Sim. Porque o Batista vos preparou e porque as orações dele, com as minhas, vos tornarão capazes de tudo. Ide com a minha paz, e dizei ao João que Eu o abençoo"."Mas... no teu parecer, é melhor para nós estarmos com o Batista ou Contigo?"."Enquanto ainda há vinho velho, bebam dele se agrada ao paladar acostumado ao seu sabor. Depois... como a água podre, que está por toda parte, vos dará nojo, então passareis a gostar do vinho novo.""Achas que o Batista vai ser preso de novo?"."Com certeza. Eu já mandei a ele um aviso. Ide, ide. Alegrai-vos com o vosso João, enquanto podeis e fazei-o feliz. Depois, amareis a Mim. E isso também vos será Venoso... porque ninguém, depois de acostumado com o vinho velho, vai querer logo o vinho novo. Ele diz: "O velho era melhor". E, de lato, Eu terei sabores especiais, que vos parecerão ásperos. Mas apreciareis, dia por dia, o sabor vital. Adeus, amigos. Deus esteja convosco". 471

VALTORTA

O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO

Vol 3

Indice do volume terceiro

Segundo ano da Vida pùblica de Jesus. (continuação)

* = ON LINE 160. Encontro com Gamaliel na estrada de Neftali a Giscala. *9

161. Cura do neto do fariseu Eli de Cafarnaum. 15 162. As conversöes humanas do fariseu Eli e de Simào de Alfeu. 19 163. A mesa na easa do fariseu Eli de Cafarnaum. 25

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164. O retiro sobre o monte para a eleição apostölica. (Mc 3, 13- 19,. Lc 6, 12-1 6) 29

165. A eleiçào dos doze apöstolos. (Mc 3, 13-19,. Lc 6, 12-16) 32 166. Os milagres apös a eleiçào apostölica. Primeira pregaçâo

de Simão, o Zelote, e de João. (Mt 4, 24-25,. Mc 3, 7-12,. Lc 6, 17-19) 39167. O encontro com as romanas no jardim de Joana de Cusa. 49 168. Aglaé na casa de Maria em Nazaré. 59 169. Primeiro Discurso da Montanha: a missào dos apòstolos e

dos discipulos. (Mt 5, 1-2.13-16; Mc 4, 21-23,. Lc 8, 16-17; 14, 34-35) 70 170. Segundo discurso da Montanha: o dom da Graça e as bem-aventuranças.

(Mt 5, 3-12,. Lc 6, 20-23) 78

171. Terceiro sermão da montanha: os conselhos evangélicos que aperfeiçoam aLei. (Mt 5, 17-26.38-48,. 7, 12.15-20,. Lc 6, 27- 36.38) 89

172. Quarto sermão da Montanha: o juramento, a oraçào, o jejum. O velho Ismael eSara. (Mt 5, 33-37,. 6, 5-8.16-18; 7, 7-11) 96

173. Quinto sermào da Montanha: o uso das riquezas, a esmola, a confiançaem Deus. (Mt 6, 1-4.14-15.19-21.25-34) 107

174. Sexto sermào da Montanha: a escolha entre o bem e o mal o adultério, odivörcio. Chegada inoportuna de Marla de Magdala. (Mt 5, 27-32,. 6, 22-24; 7, 16.24-29; Lc 6, 24-26.37.41-42.46-49) 115

175. O leproso curado aos pés do Monte. Generosidade do escriba João. (Mt 8, 14)135

5 176. No descanso do sabado o ûltimo sermão da Montanha: amar a vontade de Deus.

(Mt 7, 21-23) 140 177 . Cura do servo do centuriào. (Mt 8, 5- 13,.Lc 7, 1- 10) 145 178. Três homens que querem seguir Jesus. (Mt 8, 18-22,. Lc 9, 57-62) 148 179. A parébola do semeador. Em Corozaim com o novo discipulo Elias.

(Mt 13, 1-9,. Mc 4, 1-9; Lc 8, 4-8) 150 180. Debate na cozinha de Pedro em Betsaida.

Explicaçào da parébola do semeador.Noticia da segunda prisão do Batista. (Mt 13, 10-23; Mc 4, 10-20.24-25; Lc 8, 9-15. 18) 159

181. A parébola do trigo e do joio. (Mt 13, 24-30.36-43) 169 182. Sermão para alguns pastores com o pequeno örfão Zacarias. 176 183. Cura de um homem ferido na casa de Maria de Magdala. 181 184. O pequeno Benjamim de Magdala e duas parabolas sobre o Reino dos Céus.

(Mt 13, 31-32; Mc 4, 26-32,. Lc 13, 18-19) 185 185. A tempestade acalmada. Um ensinamento no fato antecedente.

(Mt 8, 23-27,. Mc 4, 35-41; Lc 8, 22-25) 193 186. Os dois endemoninhados da região dos Gerasenos. (Mt 8,28-34,

Mc 5, 1-2% Lc 8, 26-39) 196 187. Indo a Jerusalém pela Péscoa. De Tariquéia até o monte Tabor. 203 188. Em Endor. A espelunca da maga e o encontro com Félix, depois chamado João.

209 189. Em Naim. Ressurreição do filho da vitiva. (Mc 7, 11-16) 220 190. Chegada a planïcie de Esdrelon ao pôr-de-sol de sexta- feira. 224

191. O dia de sébado em Esdrelon. O pequeno Jabé e a parabola do rico Epulão.

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(Lc 16, 19-31) 227 192. Uma predição feita a Tiago de Alfeu. Chegada a Enganim, depois de uma

parada em Magedo. 234 193. Chegada a Siquém depois de dois dias de caminho. 239 194. Revelação feita ao pequeno Jabé durante a viagem de Siquém a Berot. 244 195. Uma liyào de João de Endor a Iscariotes e chegada a Jerusalem. 250 6

196. O dia de sébado no Getsêmani. Jesus fala sobre a Mãe e dos amores de diferentes potências. 254

197. No Templo com José de Arimatéia. A hora da incensação. 264 198. O encontro com a Màe em Betânia. Jabé tem seu nome trocado por

Margziam. 267 199. Com os leprosos de Siloan e de Ben Hinon. Pedro ganha Margziam por mediação

de Maria. 276 200. Aglaé em colöquio com o Salvador. 287

201. O exame de maioridade de Margziam. 293 202. Uma repreensão a Judas Iscariotes e a chegada do camponeses de Jocanà. 299 203. A oração do "Pai Nosso''. (Mt 6, 9-13; Lc 12, 1-13) 303 204. A fé e a alma sào explicadas aos pagãos com a parébola dos templos. 310 205. A parébola do filho prödigo. Jîac 15, 11-32) 319 206. Com duas parabolas sobre o Reino dos Céus termina a permanência em Betânia.

(Mt 22, 1-14,. 25, 1-13) 327 207. Na gruta de Belém a Màe relembra o nascimento de Jesus. 340 208. Maria Ssma. revê o pastor Elias e com Jesus vai à casa de Elisa em Betsur.

351 209. A fecundidade da dor no sermão de Jesus perto da casa de Elisa em Betsur.

362 210. As inquietaçôes de Judas Iscariotes, durante a viagem para Hebron. 368

211. Volta a Hebron, terra do Batista. 373 212. Uma onda de amor por Jesus, quando Ele, em Juta, fala na

casinha de Isaac. 382 213. Em Keriot Jesus faz uma profecia e lé começa a pregaçâo dos

apöstolos. 390 214. A màe de Judas confidencia-se à Màe de Jesus, que chegou a Keriot

acompanhada por Simão Zelotes. 394 215. O albergador de Betgina e a sua filha lunatica. 400 216. A infidelidade dos discïpulos na parabola do assoprador. 407 7

217. As espigas apanhadas no dia de sébado.(Mt 12, 1-8; Lc 2, 23-28; Lc 6, 1- 5)413

218. Chegada a Ascalon, cidade dos filisteus. 417 219. Diversos frutos da pregaçào dos apöstolos na cidade de Ascalon. 428 220. Os idolatras de Magdalgad e o milagre sobre a parturiente. 436 221. As prevençöes dos apöstolos contra os pagàos e a parébola do filhodisforme.

442 222. Um segredo do apöstolo Joâo. 450 223. Uma caravana nupcial evita o assalto dos salteadores, depois de um sermão

de Jesus. 454

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224. No apöstolo João atua o amor. Chegada a Beter. 460 225. O paralitico da piscina de Betsaida e a discussào sobre as obras do Filho

de Deus. (Jo 5, 1-47) 467 8

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201. O exame de maioridade de Margzian.

26 de junho de 1946.

1Deve esta ser a manhã de quarta-feira, porque a comitiva dos apóstolos e 201.1 das mulheres, precedida por Jesus e Maria, com o pequeno entre eles, já se vai aproximando da Porta dos Peixes. Com eles está também José de Arimatéia que, fiel à palavra dada, foi ao encontro deles. Jesus procura com o olhar o soldado Alexandre, mas não o vê...

“Nem mesmo hoje ele está aí. Gostaria de saber o que aconteceu.”

Mas a multidão é tão grande, que não há modo de perguntarem aos soldados, e talvez isso fosse até uma imprudência, porque os judeus estão hoje mais intransigentes do que nunca, à medida que a festa vai se aproximando e por causa do rancor pela captura do Batista, na qual eles acham que também Pilatos, com os seus satélites, tenha sido cúmplice. Vou compreendendo tudo isso, pelos epítetos e pelo bate-boca que continuamente se trocam, junto à Porta, entre os soldados e os habitantes da cidade, e os insultos... pitorescos e grosseiros, que estalam a cada momento, como os fogos de uma girândola continua. As mulheres da Galiléia ficam escandalizadas com isso e se envolvem, como nunca, em seus véus e em seus mantos. Maria enrubesce, mas vai firme para a frente, ereta como uma palmeira, olhan-

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do para o seu Filho, o qual, por sua vez, nem tenta fazer que os exaltados hebreus raciocinem, nem aconselha compaixão aos soldados para com os hebreus. E, posto que alguns epítetos não muito bonitos estejam sendo dirigidos também ao grupo dos galileus, José de Arimatéia passa para a frente, para perto de Jesus e a multidão, que bem o conhece, fica calada por respeito a ele.

A Porta dos Peixes finalmente é superada e este rio de gente que, como em ondas, vai desembocando na cidade, misturado com os asnos e os rebanhos, invade as ruas...

2 “Estamos aqui, Mestre!”, saúda Tomé, que está com Filipe e Bartolomeu 201.2 do outro lado da Porta.

“Judas não está?” “E por que logo aqui?”, perguntam muitos.

“Não. Nós estamos aqui desde cedo, por medo de que Tu antecipasses tua vinda. Mas ele não foi visto. Ontem eu o encontrei com o escriba Sadoc, sabes, José? Aquele velho magro, que tem uma verruga por baixo do olho. E havia também outros... que eram jovens. Eu lhe gritei: “Eu te saúdo, Judas.” Mas ele não me respondeu, fingindo não me conhecer. Eu disse: “Que terá ele?”, e fui andando até alguns metros atrás dele. Ai ele se separou de Sadoc, ao lado do qual ele parecia um levita, e lá se foi com os outros da sua idade que... certamente não eram levitas... E agora não está aqui. Mas ele sabia que havíamos combinado que viríamos para cá!”

Filipe não diz nada. Bartolomeu aperta os lábios, até quase fazêlos desaparecer, como que para opor uma barreira ao julgamento que lhe quer sair do coração .

“Bem, bem! Vamos para a frente assim mesmo! Eu não vou chorar certamente pela ausência dele”, diz Pedro.

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“Vamos esperar mais um pouco. Pode ter ele ficado detido no caminho”, diz sério Jesus.

Encostam-se a um muro, em sua parte sombreada, as mulheres em um grupo, e os homens em outro. Todos estão com vestes de festa. Pedro, então, está um verdadeiro luxo, ostentando um chapéu novo em folha, branco como a neve, e seguro por uns passamanes bordados em vermelho e ouro. Ele está com a sua melhor veste, cor de granada, muito escura, adornada com um cinturão novo, como o é também o galão do chapéu, e do cinturão está pendurada a faca na bainha, como se fosse um punhal, com o punho burilado, a bainha de latão toda trabalhada com furinhos, através dos quais brilha o aço lustroso da lámina. Também os outros estão mais ou menos armados assim. Só Jesus está sem armas, vestido com uma veste de linho muito alva e

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com um manto azul flor-de-lis, certamente tecido por Maria no inverno. O Margziam está vestido com uma veste de cor vermelho-pálida, com um galão de cor mais escura à altura da garganta, na orla da veste e nos pulsos, e um galão igualmente bordado, à altura da cintura e das bordas do manto, que vai, porém, sendo levado dobrado sobre o braço pelo menino, que o acaricia muito contente, levantando, de vez em quando, um rostinho, sorridente por um lado... e preocupado pelo outro... Também Pedro vai segurando com cuidado um embrulho, que está em sua mão.

3 Passa o tempo e o Judas não aparece. 201.3

“Ele não se dignou...”, resmunga Pedro, e talvez fosse continuar a falar mais, mas o apóstolo João diz: “Talvez ele nos esteja esperando junto à Porta Dourada...”

Vão para o Templo. Mas Judas não está com eles.

José de Arimatéia já perdeu a paciência. Ele diz: “Vamos.”

Margziam fica um pouco pálido, e beija Maria, dizendo: “Reza!... Reza!..“

“Sim, querido. Não tenhas medo. Tu sabes tudo bem...”

Margziam se agarra, então a Pedro. Aperta nervosamente a mão de Pedro e, não se sentindo ainda seguro, gostaria de segurar a mão de Jesus.

“Eu não vou, Margziam. Mas rezarei por ti. Nós nos veremos depois.”

“Não vais? Por que, Mestre?”, diz assombrado Pedro.

“Porque é melhor assim...” Jesus está muito serio, eu diria, triste. E termina: “José, que é justo, não pode deixar de aprovar o meu ato.”

De fato, José não diz uma palavra e, com o seu silêncio e um suspiro eloqüente, confirma o que Jesus disse.

“Então... vamos...” Pedro está um pouco aflito.

Margziam se agarra agora a João. E vão indo, precedidos por José, que vai sendo continuamente saudado com profundas inclinações. Com eles vão Simão e Tomé. Os outros ficam com Jesus.

Page 171: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

4 Entram na sala em que Jesus, quando chegou a sua vez, também entrou. 201.4 Um jovem, que estava escrevendo a um canto, levanta-se num salto ao ver José e se dobra ate o chão.

“Deus estejá contigo, Zacarias. Vai depressa chamar Asrael e Jacó”

O jovem sai para voltar quase em seguida, com dois rabinos, sinagogos ou escribas, eu não sei. São dois personagens carrancudos, que depõem essa máscara só diante de José. Atrás deles, entram outros

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oito, menos imponentes. Eles se assentam, deixando de pé os postulantes, inclusive o de Arimatéia.

“Que queres José?”, pergunta o mais velho.

“Apresentar à vossa sagacidade este filho de Abraão, que completou o tempo prescrito para entrar na Lei e reger-se sozinho por ela.

“É teu parente?”, e olham todos, admirados.

“Em Deus somos todos parentes. Mas o menino é órfão, e este homem, de cuja honestidade eu me faço fiador, tomou-o para si, a fim de que o seu tálamo não fique privado de descendência.”

“Quem é esse homem? Que ele responda por si mesmo.”

“Simão de Jonas, de Betsaida na Galiléia, casado sem filhos, pescador pelo mundo, filho da Lei pelo Altíssimo.”

“E tu, galileu, queres assumir essa paternidade, por que?”

“Está dito na Lei que devemos amar ao órfão e à viúva. Eu o faço.”

“Por acaso, poderá esse aí conhecer a Lei, a ponto de merecer que... Mas tu, menino, responde. Quem és?”

“Jabé Margziam de João, das campinas de Emaús, nascido há doze anos.”

“Portanto, és judeu. É permitido que um galileu cuide dele? Vamos ver o que dizem as leis.”

“Mas, que é que eu sou? Um leproso, ou um amaldiçoado?”

O Sangue de Pedro começa a ferver.

“Cala-te, Simão. Eu falo por ele. Eu vos disse que me faço fiador deste homem. Eu o conheço, como se fosse de minha familia. O Ancião José não proporia nunca uma coisa contrária à Lei, nem ás leis. Procurai examinar o menino, com justiça e presteza. O pátio está cheio de meninos, que estão esperando o exame. Não sejais lentos, pelo amor de todos.”

“Mas, quem prova que este menino tem doze anos e que foi resgatado do Templo?”

“Tu o podes provar com as escrituras. E uma busca pode fazer. Menino, disseste que és o

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primogénito?”

“Sim, Senhor. Podes vê-lo, porque fui consagrado ao Senhor e resgatado com os devidos dízimos.”

“Vamos procurar esses apontamentos...”, diz José.

5 “Não adianta!”, respondem secamente os dois caviladores. “Vem aqui, 201.5 menino. Dize o Decálogo.” E o menino o diz com firmeza. “Dáme aquele rolo, Jacó.”

“Lé, se o sabes”

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“Onde, rabi?”

“Onde quiseres. Onde baterem os teus olhos”, diz Asrael.

“Não. Aqui. Dá-me”, diz Jacó. E vai abrindo o rolo até chegar a um ponto. Depois diz: “Aqui”.

“Então, ele lhes disse em segredo: Bendizei o Deus do Céu e dailhe louvores, diante de todos os viventes, porque Ele usou de misericórdia para convosco. Pois é bom conservar escondido o segredo do rei, mas é honroso revelar...”

“Basta! Basta! Que são estas coisas?”, pergunta Jacó, mostrando as franjas do seu manto.

“São as franjas sagradas, senhor: nós as trazemos para recordarnos dos preceitos do Senhor Altíssimo.”

“É permitido a um israelita comer qualquer carne?”, pergunta Asrael.

“Não, Senhor. Somente aquelas que são declaradas puras.”

“Dize-me os preceitos...”

Dócil, o menino começa a ladainha dos “Não farás...”

“Basta! Basta! Para um galileu, já é saber até demais. Homem, cabe-te agora jurar que o menino é maior de idade.”

Pedro, com todo o garbo de que ainda dispõe, depois de tantas grosserias pronuncia o seu discurso paterno: “Como observastes, o meu filho, tendo chegado à idade prescrita, já é capaz de guiar-se, conhecendo a Lei e os preceitos, os costumes, as tradições, as cerimônias, as bênçãos, as orações. Por isso, como pudestes verificar, pode, por mim e por ele ser pedida a maioridade. Na verdade, isto devia ter sido dito primeiro por mim. Mas aqui foram violados, e não por galileus, os costumes, quando foi interrogado o menino antes do pai. Contudo, agora eu vos digo: já que o considerastes capaz, a partir deste momento, eu não sou mais responsável por suas ações, nem junto a Deus, nem junto aos homens.”

“Passai agora para a sinagoga.”

Page 173: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

O pequeno cortejo passa para a sinagoga, pelo meio dos rostos carrancudo dos rabis, dos quais Pedro chamou a atenção. Erecto, diante das Leis e das lâmpadas, Margziam passa pelo corte dos cabelos, que dos ombros foram encurtados até as orelhas, e depois Pedro, que abriu o seu embrulhinho, tira dele um belo cinturão de lã vermelha, bordado de vermelho ouro, e o aperta à cintura do menino. Depois, enquanto os sacerdotes estão atando na fronte e no braço umas tirinhas de couro, Pedro está ocupado em alinhavar no manto que Margziam lhe entregou, as franjas sagradas. E Pedro está muito comovi-

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do, quando entoa o louvor ao Senhor!...

6A cerimônia terminou. Todos rapidamente saem para fora, e Pedro diz: 201.6 “Menos mal. Eu não suportava mais! Viste, José! Eles nem completaram o rito. Não faz mal. Tu... tu, meu filho, tens quem te consagra... Vamos pegar um cordeirinho para o sacrifício de louvor ao Senhor. Um cordeirinho querido como tu. Eu te agradeço, José. Dize, tu também, um “obrigado” a este grande amigo. Sem ti, eles nos tratariam muito mal.”

“Simão, eu estou contente por ter sido útil a um justo como tu, e te peço que venhas à minha casa, em Bezeta, para o banquete. E contigo todos, é natural.”

“Vamos contá-lo ao Mestre. Para mim é... honra demais”, diz humildemente Pedro, mas está faiscando de alegria.

Na volta, eles atravessam os pátios e os átrios, até o pátio das mulheres, onde Margziam é felicitado por todas. Depois, os homens passam para o átrio dos israelitas, onde Jesus está com os seus. Unem-se todos em uma bela comunhão de felicidade, e, enquanto Pedro vai sacrificar o cordeiro, eles se dirigem, pelos pórticos e átrios, à primeira cinta.

7 Como está feliz Pedro com. o seu menino, perfeito israelita agora! A tal 201.7 ponto, que nem vê a ruga que atravessa a fronte de Jesus. Até ponto, que nem nota o silêncio opressivo dos companheiros. É somente na sala da casa de José, - quando o menino, à pergunta ritual sobre o que ele vai fazer no futuro, declara: “Vou ser pescador como meu pai”, - aí é que, entre lágrimas, Pedro cai em si e compreende...

“Mas... Judas pôs uma gota de veneno nesta festa... E Tu estás magoado, Mestre... e os outros estão também tristes por isso. Perdoai-me, vós todos, por não ter eu visto isso antes. Ah! aquele Judas!...”

O suspiro dele, creio que está em todos os corações... Mas Jesus, para tirar o veneno, se esforça para sorrir e diz: “Não fiques magoado Simão. Só esta faltando a tua mulher nesta festa... e Eu estava pensando também nela, tão boa e sacrificada sempre. Mas logo ela vai ter a sua alegria inesperada e como será bem acolhida! Pensemos no bem que ainda há no mundo. Vem. Então Margziam respondeu bem? Eu já sabia antes...”

José torna a entrar, depois de ter dado ordens aos seus criados: “Eu vos agradeço a todos”, ele diz, “por me terdes rejuvenescido com esta cerimônia e por me terdes dado a honra de ter em minha casa o Mestre, sua Mãe, os parentes e vós, caros condiscípulos. Vinde para o jardim. Aí fora há um ar bom e flores...”. e tudo termina.

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202. Uma repreensão a Judas Iscariotes

e a chegada do camponeses de Jocanã.

27 de junho de 1945.

1Estamos na vigília da Páscoa. Sozinho com os seus apóstolos, porque as 202.1 mulheres não se uniram ao grupo, Jesus está esperando a volta de Pedro, que foi levar o cordeiro pascal para ser sacrificado. Enquanto estão esperando e Jesus está falando ao menino sobre Salomão, eis que Judas vem atravessando o grande pátio. Ele está com um grupo de jovens, falando com grandes e espalhafatosos gestos e com poses estudadas. Seu manto se agita continuamente e ele o move com a gravidade própria de um sábio... Creio que Cícero não devia ter sido mais pomposo, quando pronunciava os seus discursos...

“Olha lá Judas!”, diz Tadeu.

“Está com um grupo de escribas”, observa Filipe.

E Tomé diz: “Vou ouvir o que ele está dizendo”, e vai, sem esperar que Jesus diga o seu previsível não.

Jesus... Oh! com que rosto está Jesus! Tem o rosto de um verdadeiro sofrimento e de um severo julgamento. Margziam, que estava olhando para Ele desde antes, enquanto Ele doce e suavemente lhe falava do grande rei de Israel, nota esta mudança, quase fica espantado com ela e sacode a mão de Jesus, para fazê-lo cair em si, e diz: “Não fiques olhando! Olha para mim, que gosto muito de Ti.”...

2 Tomé consegue chegar perto de Judas, sem ser visto por ele, e o 202.2 acompanha durante alguns passos. Não sei o que ele ouve dizer, só sei que ele solta uma repentina exclamação, tão alta, que faz que muitos se virem para ele, especialmente Judas, que fica lívido de raiva: “Mas, que grande quantidade de rabis tem Israel! Eu me felicito contigo, ó nova luz de sabedoria!”

“Eu não sou um seixo. Mas uma esponja. Eu absorvo. E, quando o desejo dos que têm fome de sabedoria o quer, eis que eu me espremo para eles com todos os meus sucos de vida.” Judas está bombástico e desdenhoso.

“Mais me pareces um eco fiel. Contudo, o eco, para continuar a ressoar, precisa estar perto da voz, senão, ele morre, meu amigo. E parece-me que tu te estás afastando dela. Ele está lá. Não queres ir?”

Judas se torna de todas as cores, com o rosto cheio de ódio e de repugnância, como em seus piores momentos. Mas ele se domina. E diz: “Eu vos saúdo, amigos. Eis-me aqui contigo, Tomé, meu caro amigo. Iremos logo ao Mestre. Eu não sabia que Ele estava no Templo. Se eu

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o tivesse sabido, ter-me-ia posto à procura dele”, e passa o braço ao redor das costas de Tomé, como só sentisse por ele um grande afeto.

Não obstante, Tomé, plácido, mas não simplório, não se deixa ludibriar por aquelas

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manifestações... e pergunta, dissimulando-se um pouco: “Como? Não estás sabendo que é a Páscoa? E tu achas que o Mestre não seja fiel à Lei?”

“Oh! Isso nunca! Mas, no ano passado, ele se mostrava, falava. Eu me lembro, como se fosse hoje. Ele me atraiu pela sua violência de rei... Agora... parece-me que Ele perdeu o seu vigor. Tu não achas?”

“Eu não acho. Parece-me alguém que perdeu a estima.”

“Da missão dele, é verdade, tu dizes bem.”

“Não. Tu me entendeste mal. Ele perdeu a estima dos homens. E tu és um dos que contribuem para isso. Cria vergonha!” Tomé não está mais rindo. Está de poucas palavras, mas ele dizer “Cria vergonha” fere mais que uma chicotada.

“Vê bem como falas!”, ameaça Iscariotes.

“Vê bem como ages! Aqui estamos como dois judeus, sem testemunhas. E por isso eu falo. E torno a dizer-te: “Cria vergonha!”. Agora cala-te. Não te faças de ator, nem de choramingas, porque senão eu vou falar diante de todos. 3 Lá vem o 203.3 Mestre e os companheiros. Controla-te.”

“A paz esteja contigo, Mestre...”

“A paz esteja contigo, Judas de Simão.”

“É tão bom para mim achar-te aqui... Precisaria falar-te...”

“Então, fala.”

“Sabes... eu queria dizer-te... Não podes ouvir-me separado?”

“Estás entre os companheiros.”

“Mas eu queria falar só contigo.”

“Em Betânia Eu fico sozinho com quem me quer e procura. Mas tu não me procuras. Tu me evitas...”

“Não, Mestre. Não podes dizer isso.”

“Por que é que ontem ofendeste a Simão, a Mim, e conosco ao José de Arimatéia, os companheiros, minha Mãe e as outras?”

“Eu? mas eu nem vos vi.”

“Não quiseste ver-nos. Porque não vieste, como combinado, para abençoar o Senhor Deus por um inocente acolhido na Lei? Responde! Nem sentiste o dever de avisar que não vinhas.

“Lá vem meu pai”, grita Margziam, que vê de longe a Pedro, que vem vindo de volta, com o seu cordeiro já degolado, destripado e enrolado em sua pele. Oh! Com ele vem vindo Miquéias e os outros.

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300

Eu vou, posso ir ao encontro deles, para ouvir o que estão falando do meu velho pai?”

“Vai, meu filho”, diz Jesus, acariciando-o. E acrescenta, tocando no ombro do João de Endor: “Eu te peço, acompanha-o e... procura entretê-lo um pouco.” E volta-se de novo para Judas: “Responde-me, agora. Eu estou esperando.”

“Mestre, uma obrigação imprevista... indispensável... Senti dor por isso, mas...”

“Mas, será que em toda esta Jerusalém não havia alguém para trazer tua justificação, se é que tinhas alguma? Isto já era uma culpa. Eu te faço lembrar que ultimamente um homem deixou de ir sepultar o seu pai para acompanhar-me, que estes meus irmãos deixaram a casa paterna, entre anátemas.. para seguir-me, e que Simão e Tomé, e com eles André, Tiago, João, Filipe e Natanael deixaram suas famílias; e Simão Cananeu a sua riqueza, para dar-ma. E Mateus, o pecado para Me seguir. Eu poderia continuar com cem nomes. Há quem abandona a vida, a própria vida para seguir-me no Reino dos Céus. Mas, posto que és noa generoso sê, ao menos, menos, educado. Não tens caridade, mas procura ter, pelo menos, um modo de proceder de homem. Imita, já que eles te agradam, os fariseus falsos, que me atraiçoam, que nos atraiçoam mostrando-se muito educados. O teu dever era de te conservares para nós ontem, de não ofenderes Pedro, que Eu exijo que seja respeitado por todos. Mas, pelo menos que tivesses procurado mandar um aviso.”

4 “Eu errei. Mas agora vinho justamente à procura de Ti para dizer-te que, 202.4 sempre pela mesma causa, amanhã não poderei vir. Tu sabes... Eu tenho amigos de meu pai e me...”

“Basta. Vai, então, com eles. Adeus.”

“Mestre... estás irritado comigo? Tu me disseste que me tratarias como um pai... Eu sou um jovem estouvado, mas um pai perdoa...”

“Eu te perdôo, sim. Mas, vai-te embora. Não fiques fazendo esperar-te os amigos do teu pai, assim como Eu não faço que me fiquem esperando os amigos do santo Jonas.”

“Quando deixarás Betânia?”

“No fim dos ázimos. Adeus.”

Jesus se vira, e se dirige para os camponeses, que estão em êxtase, diante da transformação que notaram no Margziam. Ele dá alguns passos, e depois pára, diante da consideração de Tomé: “Por Javé! Ele queria ver-te na violência de um rei. E saiu bem servido!...”

“Eu vos peço que todos vós vos esqueçais do incidente, assim co-

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mo Eu faço violência a mim mesmo para esquecer-me dele. Eu vos ordeno o silêncio com Simão de Jonas, com João de Endor e com o pequeno. Por motivos que vossa inteligência é bem capaz de compreender, é bom não entristecer nem escandalizar aqueles três. E também silêncio em Betânia, com as mulheres. Lá está minha Mãe. Lembrai-vos disso.”

“Fica tranqüilo, Mestre.”

Page 177: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Faremos tudo para reparar o mal.”

“E para consolar-te também”, dizem todos.

“Obrigado... 5 Oh! A paz esteja com todos vós. Isaac vos encontrou. Estou 202.5 contente por isso. Passai em paz a vossa Páscoa. Os meus pastores serão outros tantos bons irmãos convosco. Isaac, antes que se vão, acompanha-os por Mim. Eu os quero abençoar de novo. Vistes o menino?”

“Oh! Mestre! Como ele está bem! E já mais forte. Oh! Nós vamos contar isso ao velho. E com isso, como ele ficará feliz! Disse-nos este justo que Jabé agora é filho dele... é uma providência. Nós diremos tudo, tudo.”

“Dizei também que eu já sou filho da Lei. E que me sinto feliz. E que me lembro sempre dele. E que ele não chore nem por mim nem pela mamãe. Eu a tenho perto de mim, e ele também a tem como um anjo e que a terá sempre, até a hora de sua morte, e se Jesus já tiver aberto as portas dos Céus, eis que, então a mamãe, mais bela do que um anjo, virá ao encontro do velho pai e o conduzirá a Jesus. Foi Ele quem o disse. Vós lhe direis? E sabereis dizê-lo bem?

“Sim, Jabé.”

“Não. Agora sou Margziam. Deu-me este nome a Mãe do Senhor. É como se dissesse o nome dela. Ela gosta muito de Mim. Ela me põe na cama todas as noites, e me faz dizer as orações que fazia seu Menino dizer. Ela me desperta com um beijo, e me veste, e me ensina muitas coisas. E Ele também. Mas penetram dentro tão suavemente que se aprendem sem fadiga Ele é o meu Mestre!” O menino se abraça a Jesus com tal adoração de ato e de expressão que comove quem o vê.

“Sim, vós direis tudo isso, e também que o velho não perca a esperança. Este anjo está rezando por ele, e Eu o abençôo. Também a vós Eu vos abençôo. Ide. A paz esteja convosco.”

Os grupos se separam, indo cada um para o seu lado.

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203. A oração do “Pai Nosso”.

28 de junho de 1945.

1 Jesus sai com os seus de uma casa perto dos muros, e creio que sempre 203.1 no bairro de Bezeta, a fim de sair para fora dos muros, devendo passar primeiro por diante da casa de José, que está próxima da Porta, que eu ouvi ser chamada Porta de Herodes. A cidade está semi-deserta, nesta noite plácida e enluarada. Compreendo que já foi consumada a Páscoa em uma das casas de Lázaro que, contudo, não é, de modo algum, a casa do Cenáculo. Esta é realmente como uma antípoda daquela. Uma está ao norte, a outra ao sul de Jerusalém.

Na porta da casa, Jesus se despede, com garbo gentil, de João de Endor, que Ele deixa como proteção para as mulheres, e a quem agradece por essa proteção. Beija Margziam, que também veio até à porta, e depois põe-se a caminho para fora da Porta chamada Porta de Herodes.

“Aonde vamos, Senhor?”

Page 178: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Vinde comigo. Eu vos levo comigo, para coroarmos com uma pérola rara e desejada, a Páscoa. Por isso é que Eu quis estar somente convosco. Os meus apóstolos! Obrigado, amigos, pelo vosso grande amor por Mim. Se pudésseis ver como isso me consola, ficaríeis admirados. Vede: Eu vivo entre cóntínuos atritos e desilusões. Desilusões para vós. Para Mim, persuadi-vos disso, Eu não tenho nenhuma desilusão, pois não me foi concedido o dom de ignorar... Também por isso, Eu vos aconselho a deixar-vos guiar por Mim. Se Eu permito isto ou aquilo, não crieis obstáculos. Se Eu não intervenho para pôr fim a uma coisa, não penseis em fazê-lo vós. Cada coisa a seu tempo. Tende confiança, sobretudo em Mim.”

Estão no canto nordeste do recinto murado. Eles vão contornando os muros e rodeando o Monte Mória, até o ponto em que, por uma pequena ponte, já podem atravessar o Cedron.

“Vamos indo para o Getsêmani?”, pergunta Tiago de Alfeu.

“Não. Mais acima. Sobre o Monte das Oliveiras.”

“Oh! Será belo!”, diz João.

“Seria agradável também para o menino”, murmura Pedro.

“Oh! Para aqui viremos muitas outras vezes. Ele já estava cansado. Afinal, é um menino. Eu quero dar-vos uma grande coisa, porque agora é justo que a tenhais.”

2Vão subindo por entre as oliveiras, deixando à direita o Getsêmani, e 203.2 subindo ainda pelo monte, até chegarem ao cume, sobre o qual

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as oliveiras, com suas frondes, formam um pente, que cicia, ao soprar do vento.

Jesus pára, e diz: “Paremos... Meus caros, tão caros como discípulos e como meus continuadores no futuro, vinde para perto de Mim. Um dia, e não um dia só, vós me dissestes: “Ensina-nos a rezar como Tu rezas.

Ensina-nos, como João ensinou aos dele, a fim de que nós, discípulos, possamos rezar com as mesmas palavras com que o Mestre reza.” E Eu sempre vos respondi: “Eu vos farei isso, quando vir em vós um mínimo de preparação suficiente, a fim de que vossa oração não seja uma fórmula vazia, com palavras humanas, mas uma verdadeira conversa com o Pai.” A este ponto já chegamos. Vós já sois possuidores do que basta, para poderdes conhecer as palavras dignas de serem ditas a Deus. Eu vo-las quero ensinar nesta tarde, na paz e no amor que existem entre nós, na paz e no amor de Deus e com Deus, porque nós já cumprimos o preceito pascal, como verdadeiros israelitas, e à ordem divina sobre o amor para com Deus e para com o próximo. 3 Um entre vós sofreu muito nestes días. 203.3 Sofreu por um ato não merecido, e sofreu pelo esforço que fez sobre si mesmo, para conter a indignação que aquele ato provocou. Sim, Simão de Jonas, vem aqui. Não houve nenhum frêmito do teu coração honesto, que por Mim tenha ficado desconhecido, e não houve sofrimento teu de que Eu não tenha participado contigo. Eu e os teus companheiros...”

“Mas Tu, Senhor, foste muito máis ofendido do que eu! E esse era para mim um sofrimento muito maior, não, muito mais sensível... nem mesmo... mais... mais... Eis: que Judas tenha tido nojo de participar da minha festa me fez mal a mim, como homem. Mas ter que ver que estavas entristecido, aí é que sofri o dobro... Mas devo dizer e, se o faço por soberba, dize-o a mim, devo dizer que sofri com minha alma... e isso faz que soframos mais.”

Page 179: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Não é soberba, Simão. Sofreste espiritualmente, porque Simão de Jonas, pescador da Galiléia, se está transformando no Pedro de Jesus, Mestre do espírito, pelo qual também os seus discípulos se tornam ativos e sábios no espirito. É por esse teu progresso na vida do espírito, e por esse vosso progredir, que Eu vos quero esta noite ensinar a oração. Quanto estais mudados, desde aquela parada solitária para cá!”

“Todos Senhor?, pergunta Bartolomeu, um pouco incrédulo.

“Compreendo o que queres dizer... Mas Eu falo agora a vós onze, não a outros.”

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“Mas, que tem Judas de Simão, Mestre? Nós não o compreendemos mais. Ele parecia tão mudado e agora, desde que nós deixamos o lago...”, diz desolado André.

“Cala-te, meu irmão. A chave do mistério eu a tenho. Nele se apegou um pedacinho de Belzebu. Ele foi procurá-lo na caverna de Endor, para maravilhar-se, e... ficou servido. O Mestre disse naquele dia... Em Gamala os demônios entraram nos porcos... Em Endor, os demônios saídos daquele infeliz, que era João, entraram nele... Compreende-se... compreende-se... Deixa-me dizê-lo, Mestre! Já está aqui em cima, na garganta, e se eu não o disser, ele não sai e eu vou envenenar-me corn ele...”

“Simão, sê bom!”

“Sim, Mestre... eu te garanto que não serei indelicado com ele. Mas digo e penso que, sendo Judas um viciado, - todos nós já entendemos isso - é um pouco semelhante ao porco... e compreende-se que os demônios escolheram de boa vontade os porcos para serem... as casas para as quais se mudaram. Eis, já o disse.”

“Tu dizes que é assim?”, pergunta Tiago de Zebedeu.

“E que outra coisa queres que sejas? Não houve nenhuma razão para se tornar tão intratável. Pior do que em Águas Belas! Lá eu ainda podia pensar que era o lugar e a estação que o fizessem ficar nervoso. Mas agora...”

4 “Há uma outra razão, Simão...” 203.4

“Dize qual é, Mestre. Eu ficarei contente se puder mudar de opinião a respeito do companheiro.”

“Judas é ciumento. É inquieto por ciúme.”

“Ciumento? De quem? Não tem mulher e, mesmo que a tivesse, e ainda que fosse com as mulheres, eu creio que nenhum de nós teria desprezo para com o condiscípulo...”

“É ciumento de Mim. Considera: Judas se alterou depois de Endor e depois de Esdrelon. Ou seja, quando viu que Eu me ocupei com João e Jabé. Mas agora João, principalmente João, vai-se afastar, passando de Mim para Isaac e verás que ele voltará a ficar alegre e bom.”

“É... Está bem. Mas, não me quererás dizer que ele não está tomado por algum demoniozinho... E, sobretudo... Não, o digo! E mais que tudo, não me quererás dizer que ele

Page 180: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

melhorou nos últimos meses. Ciumento eu também era no ano passado... Eu não teria querido ninguém mais além de nós seis, - os primeiros seis, - Tu recordas?

Agora... Agora... deixa-me invocar a Deus somente uma vez, como

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testemunha do meu pensamento. Agora digo que me sinto feliz, quanto mais aumentam os discípulos ao redor de Ti. Oh! eu quereria ter todos os homens para trazê-los a Ti, e todos os meios para poder acudir a quem tem necessidade de Ti, a fim de que não seja a miséria que crie obstáculos a quem quiser vir a Ti. Deus está vendo se eu estou dizendo a verdade. Mas, por que sou assim agora? Porque eu me deixei mudar por Ti. Ele... não mudou. Pelo contrário... olha lá, Mestre... Um demoniozinho tomou conta dele...”

“Não o digas. Não o penses. Reza para que ele sare. O ciúme é uma doença...”

“Doença que, a teu lado se cura, se o quisermos. Ah! Eu vou suportá-lo, por causa de Ti... Mas, que fadiga!...”

“Por ela te dei como prêmio o menino. E agora vou te ensinar a rezar...”

“Oh! Sim, meu irmão. Vamos falar disso... e o meu homônimo seja lembrado só como alguém que tem necessidade disso. Parece-me que ele já está recebendo o seu castigo: Neste momento ele não está conosco!”, diz Judas Tadeu.

5 “Ouvi. Quando rezardes! dizei assim: “Pai nosso, que estás no Céu, 203.5 santificado seja o teu nome, venha o teu Reino na terra, como o é no Céu e, na terra, como no Céu, seja feita a tua vontade. Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia, perdoa-nos as nossas dívidas, como nós perdoamos aos nossos devedores, não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno.”

Jesus se levantou para dizer a oração, e todos o imitaram, atentos e comovidos.

“Não é preciso nada mais, meus amigos. Nestas palavras está contido como num anel de ouro tudo quanto é necessário ao homem para o espírito, a carne e o sangue. Com isto pedis o que é útil para aquele e para estes. E, se fizerdes o que pedis, conseguireis a vida eterna. É uma oração tão perfeita, que os vagalhões das heresias e o curso dos séculos não conseguirão embotá-la. O cristianismo será esmigalhado pela mordedura de Satanás, e muitas partes da minha carne mística serão arrancadas, separadas, formando células por si mesmas, no vão desejo de criar para si um corpo perfeito como será o Corpo místico de Cristo, ou seja, o que é formado por todos os fieis unidos na Igreja apostólica, que será, enquanto existir a terra, a única verdadeira Igreja. Mas estas pequenas partes separadas, privadas por isso dos dons que eu deixarei à Igreja Mãe para nutrir os meus filhos, continuarão a se chamar sempre de cristãos, prestando culto ao Cristo, e

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sempre se recordarão, mesmo em seu erro, de que vieram do Cristo. Pois bem. Elas também rezarão com esta oração universal. Lembrai-vos bem dela. Meditai nela continuamente. Aplicai-a ás vossas ações. Não há necessidade de mais nada para que vos santifiqueis. Se alguém estivesse sozinho, num. lugar de pagãos, sem igrejas, sem livros, teria tudo que se pode saber para meditar, nesta oração, e uma igreja aberta em seu coração por esta oração. Teria uma regra e uma santificação segura.

Page 181: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

6 “Pai nosso” 203.6

Eu o chamo “Pai”. Pai, Ele é do Verbo, Pai é do Encarnado. Assim quero que o chameis, porque vós sois Um comigo, se permanecerdes em Mim. Houve um tempo em que o homem devia jogar-se de rosto no chão, para suspirar, por entre temores de espanto: “Deus!” Quem não crê em Mim e em minha palavra, ainda está neste temor paralisante... Observai no Templo. Não Deus, mas até a lembrança de Deus está escondida aos olhos dos fieis, atrás de um tríplice véu. Separações por distância, separações por véus, tudo foi usado e aplicado para dizer a quem reza: “Tu és barro. Ele é Luz. Tu és abjecto. Ele é Santo. Tu és escravo. Ele é Rei”.

Mas agora!... Levantai-vos! Aproximai-vos! Eu sou o Sacerdote Eterno. Eu posso tomar-vos pela mão e dizer: “Vinde”. Eu posso agarrar os véus da tenda e abri-las, escancarando as portas do lugar inacessível, e até agora fechado. Fechado? Por que? Fechado pela culpa, sim. Mas, mais fechado ainda pelo pensamento aviltado dos homens. Porque fechado, se Deus é Amor, se Deus é Pai? Eu posso, Eu devo, Eu quero levar-vos não para o pó, mas para o azul; não para longe, mas para perto; não em vestes de escravos, mas de filhos, sobre o coração de Deus. “Pai! Pai”, vós dizeis. E não vos canseis de dizer esta palavra. Não sabeis que, cada vez que a dizeis, o Céu cintila pela alegria de Deus? Não diríeis que nesta oração, feita com verdadeiro amor, já teríeis feito a oração agradável ao Senhor? “Pai! Meu Pai! dizem os pequenos a seu pai. É a palavra que aprendem a dizer primeiro: “Mãe, pai”. Vós sois os pequeninos de Deus. Eu vos gerei do velho homem que éreis e que Eu destruí com meu amor, para fazer nascer o homem novo, o cristão. Chamai, pois, com a primeira palavra que os pequeninos conhecem e falam, ao Pai Altíssimo, que está nos Céus.

7 “Santificado seja o teu Nome” 203.7

“Oh! O nome mais santo e suave que qualquer outro nome. Nome que o terror do culpado vos ensinou a esconder debaixo de um outro.

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Não, não mais digais Adonai, não mais. É Deus. É Deus que, num excesso de amor, criou a Humanidade. A Humanidade de agora em diante, com os lábios purificados pelo banho que Eu preparo, que ela o chame por seu Nome, reservando-o para a hora de compreender com plenitude da sabedoria o verdadeiro significado deste Incompreensível, quando intimamente unida com Ele, a Humanidade, em seus filhos melhores, tiver sido elevada ao Reino que Eu vim estabelecer.

8 “Venha o teu Reino na terra, como no Céu.” 203.8

Desejai com todas as vossas forças este advento. Seria a alegria sobre toda a terra, se ele viesse. O Reino de Deus nos corações, nas famílias, entre os cidadãos, entre as nações. Sofrei, fatigai-vos, sacrificai-vos por este Reino. Seja a terra um espelho que reflete em cada um a vida dos Céus. Ele virá. Um dia tudo isso virá. Séculos e séculos de lágrimas e sangue, de erros, de perseguições, de escuridão rompida por raios de luz, que irradiam do Farol místico da minha Igreja - que, se é uma barca, que não será submersa, é também uma rocha irremovível, frente a todos os vagalhões, e alta vai conservar a Luz, a minha Luz, a Luz de Deus - aqueles séculos precederão o momento no qual a terra possuirá o Reino de Deus. E será então como o flamejar intenso de um astro que, tendo chegado ao ponto mais perfeito de sua existência, se desagrega, como uma flor descomunal dos jardins etéreos, para exalar, em palpitações rutilantes, a sua existência e o seu amor aos pés do seu Criador. Mas, que virá, virá. Depois disso, será o Reino Perfeito, feliz e eterno no Céu.

Page 182: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

9 “Seja feita a tua vontade na terra, como no Céu.” 203.9

A anulação da própria vontade pela de outra pessoa só se pode fazer, quando se alcançou o perfeito amor para com aquela criatura. O anulamento da própria vontade pela de Deus somente se pode fazer quando se alcançou a posse das virtudes teologais, em grau heróico. No Céu, onde tudo é sem defeitos, faz-se a vontade de Deus. Saibais, pois, vós filhos do Céu, fazer o que se faz no Céu.

10 “Dá-nos o pão nosso de cada dia.” 203.10

Quando estiverdes no céu, vos vos nutrireis somente de Deus. A felicidade será o vosso alimento. Mas aqui ainda tendes necessidade de pão. E sois os pequeninos de Deus. Portanto, é justo dizer: “Pai, dá-nos o pão.” Tendes medo de não serdes ouvidos? Oh! Não! Considerai. “Se um de vós tem um amigo e, dando-se conta de que está sem pão para matar a fome de um outro amigo ou de um parente, que chegou à casa dele, lá pelo fim da segunda vigília da noite, e for ao amigo, e lhe disser: “meu amigo, empresta-me três pães, porque um

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hóspede chegou lá em casa, e eu não tenho nada para dar-lhe de comer”, poderá acontecer que ele ouça esta resposta, que vem lá de dentro da casa: “Não me aborreças, porque a porta já está fechada, as aldravas já estão trancadas, os meus filhos já estão dormindo a meu lado. Não posso levantar-me para dar-te o que queres”? Não. Se ele recorreu a um verdadeiro amigo, e se insiste, receberá o que está pedindo. E o receberia também, mesmo que tivesse recorrido a um amigo não muito bom. Ele receberia por causa de sua insistencia, porque o solicitado de tal favor ia se apressar em dar-lhe tudo o que ele quisesse, contanto que não o importunasse mais.

Mas vós, orando ao Pai, não estais recorrendo a um amigo da terra, e sim, ao Amigo Perfeito, que é o Pai do Céu. Por isso, Eu vos digo: “Pedi, e vos será dado; procurai, e encontrareis; batei, e se vos abrirá”. De fato, a quem pede, é dado, quem procura, acaba por encontrar, e a quem bate, a porta se abre. Quem, entre os filhos dos homens, é visto pondo uma pedra na mão de quem está pedindo ao pai um pão? E quem é visto dar uma cobra, em vez de um peixe assado? Seria um delinqüente o pai que assim fizesse com seus filhos. Eu já o disse, e o repito, para persuadir-vos e terdes sentimentos de bondade e confiança. Assim como ninguém, de são juízo, daria um escorpião em lugar de um ovo, assim, com quanto maior bondade Deus não vos dará o que pedis? Porque Ele é bom, enquanto que vós, uns mais, outros menos, sois maus. Pedi, pois, com um amor humilde e filial o vosso pão ao Pai.

11 “Perdoa-nos as nossas dívidas, como nós as perdoamos aos nossos 203.11 devedores.”

Há dívidas materiais, e dividas espirituais. E há também as dívidas morais. É dívida material a moeda ou a mercadoria que, tomada emprestada, não foi restituída. É dívida moral a estima tirada e não devolvida, O amor querido e não dado. É dívida espiritual a obediência a Deus, do qual muito se exigiria, e ao qual se dá bem pouco, e o amor para com Ele. Ele nos ama e deve ser amado, assim como se ama uma mãe, uma esposa, um filho, do qual se exigem tantas coisas. O egoísta quer ter e não dar. Mas o egoísta está entre os antípodas do céu. Temos dívidas com todos. Desde Deus até o parente, e deste até o amigo, do amigo até o próximo, ao criado e ao escravo, sendo todos eles seres como nós. Ai de quem não perdoa! Não será perdoado. Deus não pode, por justiça, perdoar a dívida que o homem tem para com ele que é Santíssimo, se o homem não perdoa a seu semelhante.

12 “Não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Maligno.” 203.12

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O homem, que não sentiu necessidade de participar conosco da Ceia da Páscoa, me perguntou, há menos de um ano; “Como? Tu pedistes para não seres tentado, e para seres ajudado na tentação, contra ela mesma?” Nós dois estávamos sozinhos... e Eu respondi. Depois, éramos quatro em um lugar solitário, e Eu ainda respondi. Mas ainda não adiantou, porque em um espírito muito resistente é preciso insinuar-se, demolindo a má fortaleza de sua obstinação. E, por isso, o direi ainda uma, dez, cem vezes, até que tudo chegue ao fim.

Mas vós, não encouraçados em infelizes doutrinas e em paixões ainda mais infelizes, rezai com humildade para que Deus impeça as tentações. Oh! A humildade! Conhecer-se pelo que se é. Sem aviltarse, mas procurando conhecer-se. Dizer: “Eu poderia ceder, mesmo que não me pareça poder fazê-lo, porque eu sou um juiz imperfeito de mim mesmo. Portanto, Pai meu, se for possível, liberta-me das tentações conservando-me perto de Ti, para não permitir ao Maligno fazer-me mal.” Porque, recordai-vos disso, não é Deus que tenta para o Mal, mas é o Mal que tenta. Rezai ao Pai para que Ele ajude a vossa fraqueza, a tal ponto, que ela não possa ser induzida em tentação pelo Maligno.

13 Já o disse, meus queridos. Esta é a minha segunda Páscoa entre vós. No 203.13 ano passado, partimos somente o pão e o cordeiro. Neste ano vos dou a oração. Outros presentes terei para as outras minhas Páscoas entre vós, para que, quando Eu tiver ido para onde o Pai quer, vós tenhais uma lembrança de Mim, Cordeiro, em todas as festas do Cordeiro de Moisés.

Levantai-vos e vamos. Entraremos de novo na cidade, ao amanhecer. Em tempo: amanhã, tu, Simão e tu, meu irmão (indica Judas) ireis buscar as mulheres e o menino. Tu, Simão de Jonas, e vós outros, ficareis comigo, até que estes voltem. Depois, iremos juntos para Betânia.”

E descem ate o Getsêmani, em cuja casa entram para descansar.

204. A fé e a alma são explicadas

aos pagãos com a parábola dos templos.

29 de junho de 1945.

1 Na paz do sábado, Jesus está descansando perto de um campo de linho 204.1 todo em flor, pertencente a Lázaro. Ele está mais do que perto, eu diria que Ele está submerso no meio do linho e, sentado à beira de

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um sulco, absorto em seus pensamentos. Junto dele só se vê alguma silenciosa borboleta, ou alguma lagartixa rastejando e que olha para Ele com seus olhinhos de azeviche, levantando a cabecinha triangular para cima da garganta clara e palpitante. E nada mais. Nesta hora já adiantada do meio-dia, cala-se até o menor sopro de vento por entre as altas hastes.

De longe, talvez lá do jardim de Lázaro, está fazendo-se ouvir o canto de uma mulher e, junto com ele, os gritos festivos de um menino, que está brincando com algum outro. Depois, uma, duas, três vozes exclamam: “Mestre!” “Jesus!”

Jesus volta a si e se levanta. E, por mais que o linho, em seu completo crescimento, já esteja

Page 184: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

bem alto, Jesus emerge bem por cima este mar verde e azul.

“Lá está Ele, João”, grita Zelotes.

E João, por sua vez, chama: “Mãe, o Mestre está aqui, no meio do linho.”

E, enquanto Jesus vai-se aproximando do caminho que vai para as casas, eis que Maria chega perto dele.

“Que queres, Mãe?”

“Meu filho, chegaram pagãos com umas mulheres. Dizem que ficaram sabendo por Joana que estavas aqui. Dizem também que Te ficaram esperando durante todos estes dias, perto da fortaleza Antônia...”

“Ah! Compreendi! Eu já vou. Onde estão eles?”

“Na casa de Lázaro, em seu jardim. Ele é amado pelos romanos e não tem repugnância por eles, como nós temos. Ele os fez entrar, com os seus carros, no amplo jardim, para não escandalizar a ninguém.”

“Está bem, Mãe. 2São soldados e damas romanas. Eu sei.” 204.2

“E que quererão de Ti?”

“Aquilo que muitos de Israel não querem: Luz.”

“Mas, que pensarão sobre como és e quem és? Deus, talvez?”

“Deus, do modo deles, sim. Para eles é fácil acolher a idéia de uma encarnação de um deus em carne mortal, mais do que para nós.”

“Então, conseguiram crer na tua fé...”

“Ainda não, minha Mãe. Primeiro é preciso destruir a deles. Por enquanto, Eu sou para eles um sábio, um filósofo, como eles dizem. Mas, ou por este desejo veemente de conhecer doutrinás filosóficas, ou porque essa tendência deles para crer que é possível a encarnação de um deus, Eu sou muito ajudado a levá-los à verdadeira Fé. Podes crer, eles são mais ingênuos, em seus pensamentos, do que muitos em Israel.”

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“Mas, serão eles sinceros? Dizem que o Batista...”

“Não. Se dependesse deles, João estaria livre e em segurança. Quem não é rebelde, é deixado sossegado. Antes, te digo, perto eles ser profeta - eles os chamam de filósofos, porque toda elevação da sabedoria para eles é sempre filosofia - é uma garantia para serem respeitados. Não fiques preocupada, minha Máe. Dali não me virá mal...”

“Mas os fariseus... se souberem, que irão dizer, até de Lázaro? Tu... és Tu, e deves levar a palavra ao mundo. Mas Lázaro!... Já é tão ofendido por eles...”

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“Mas ele é intocável. Eles sabem que ele é protegido por Roma.”

“Eu Te deixo, meu Filho. Ai vera Maximino, para levar-te aos pagãos”, e Maria, que havia caminhado ao lado de Jesus durante todo aquele tempo, se retira ligeira, indo para a casa de Zelotes, enquanto Jesus entra por um portãozinho de ferro, aberto no muro do jardim, em uma parte mais afastada dele, lá onde o jardim se transforma em pomar, isto é, perto do lugar onde, mais tarde, haveria de ser sepultado Lázaro.

Lá está também Lázaro e ninguém mais: “Mestre, tomei a liberdade de hospedá-los...”

“Fizeste bem. Onde estão?”

“Lá naquela sombra de buxos e loureiros. Como vês, estão afastados pelo menos uns quinhentos metros da casa.”

“Está bem, está bem. 3 Que a luz venha a todos vós!” 204.3

“Salve, Mestre!”, assim o saúda Quintiliano, vestido como civil.

As mulheres se levantam para saudá-lo. São Plautina, Valéria e Lídia, e mais uma, já idosa, que não sei quem seja, se é da mesma condição, ou de condição inferior. Todas estão vestidas de modo muito simples e nada lhes distingue.

“Nós quisemos ouvir-te. Tu não vieste mais. Eu estava... de guarda à tua chegada. Mas não consegui Te ver.”

“Eu também não vi mais um soldado, que me tratou amigavelmente na Porta dos Peixes. Chamava-se Alexandre...”

“Alexandre? Não tenho certeza de ser aquele. Mas sei que, tempos atrás, tivemos que remover, para acalmar os judeus, um soldado culpado de... ter falado contigo. Agora ele está em Antioquia. Mas talvez vá voltar. Puxa! Como são aborrecidos os... os que querem dar ordens, logo agora que nos estão submetidos! É preciso, então, agir com muita habilidade, antes que as coisas piorem... Eles nos tornam a vida difícil, podes crer... Mas Tu és bom e sábio. Vais falar para nós?

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Talvez daqui a pouco eu tenha que deixar a Palestina. Gostaria de ter alguma coisa de Ti como lembrança.”

“Eu vos falarei. Nunca decepcionei. Que quereis saber?”

Quintiliano olha para as mulheres, como quem pergunta...

“O que quiseres, Mestre,” diz Valéria.

4 Plautina se levanta de novo, e diz: “Estive pensando muito... teria que 204.4 conhecer tantas coisas... tudo, para julgar. Mas, se me for permitido fazer uma pergunta, eu gostaria de saber como é que se constrói urna fé, a tua, por exemplo, sobre um terreno que Tu disseste que está destituído da verdadeira fé. Disseste que as nossas crenças são vazias. Então, ficamos sem nada. Como chegar a ter fé?”

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“Vou tomar como exemplo uma coisa que vós tendes. Os templos. Os vossos edifícios sagrados, verdadeiramente belos e cuja única imperfeição é a de serem dedicados ao nada, eles vos podem ensinar como é que se pode chegar a ter uma fé e onde colocar a fé. Vede bem. Onde são eles construídos? Que lugar é possivelmente escolhido para eles? Como são construídos? Geralmente estão em áreas espaçosas, livres e elevadas. E, se não for espaçosa e livre, então se faz que fique sendo, faz-se a demolição de tudo o que a estorva ou que lhe cria obstáculos. Se o lugar não é elevado, então se faz que fique mais alto, construindo pedestais mais altos que os de costume, de três degraus, que são usados para os templos já colocados sobre alguma elevação natural. Fechados em um recinto sagrado, quase sempre formado por colunatas e pórticos, dentro dos quais estão enceradas as árvores consagradas aos deuses, fontes e altares, as estátuas e estelas sao precedidas somente pelo propileu, depois do qual está o altar, onde são feitas as preces ao nume. Diante deste, há um lugar para o sacrifício, porque o sacrifício vem antes da oração. Muitas vezes, e especialmente nos mais grandiosos, o peristilo os circunda de uma grinalda de mármores preciosos. Na parte interna, há um vestíbulo anterior, externo ou interno em relação ao peristilo, a cela do nume e o vestíbulo posterior. Mármores, estátuas, frontões, acrotérios e tímpanos, todos limpos, preciosos, decorados, que fazem do templo um edificio muito nobre até para as vistas mais incultas. Não é assim?”

“Assim é, Mestre. Tu os viste e estudaste muito bem”, confirma e elogia Plautina.

“Mas, pelo que consta, nunca saíste da Palestina”, exclama Quintiliano.

“Não saí nunca para ir a Roma nem a Atenas. Mas não ignoro a arquitetura da Grécia nem a de Roma, nem o gênio do homem que

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decorou o Partenon. Eu estava presente, porque Eu estou em toda parte, onde há vida e manifestação de vida. Lá, onde um sábio estiver pensando, um escultor esculpindo, um poeta compondo, uma máe cantando sobre um berço, um homem se cansando sobre os sulcos, um médico lutando contra as doenças, um vivente respirando, um animal vivendo, uma árvore vegetando, lá estou Eu junto com Aquele do qual Eu venho. No estrondo do terremoto ou no fragor dos raios, na luz das estrelas ou no fluxo das marés, no vôo da águia ou no zumbido do mosquito, Eu estou com o Criador Altíssimo.”

“De forma que... Tu... Tu sabes tudo? E o pensamento e as obras dos homens?”, pergunta Quintiliano.

“Eu sei.”

Os romanos se olham um para o outro, assombrados.

5Um longo silêncio, e depois, timidamente, Valéria faz este pedido: 204.5 “Desenvolve o teu pensamento, Mestre, para que saibamos o que fazer.”

“Sim. A fé se constrói, como se constróem os templos, dos quais tanto vos orgulhais. Faz-se espaço para o templo e liberdade ao redor dele. E se procura uma elevação para ele.

“Mas, onde é que está o templo, para que nele se coloque a fé, esta verdadeira deidade?”, pergunta Plautina.

“Não é uma deidade a fé, Plautina. É uma virtude. Não existem deidades na verdadeira fé.

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Mas só há um único e verdadeiro Deus.”

“Então, Ele fica lá em cima sozinho no seu Olimpo? E que é que Ele faz, se está sozinho?”

“Ele se basta a Si mesmo, e se ocupa com todas as coisas que existem na criação. Eu te disse antes: até no zumbido do mosquito Deus esta presente. Não duvides, Ele não se aborrece. Ele não é um pobre homem, dono de um imenso império, mas que se sente odiado e no qual vive tremendo. Ele é o Amor, e vive amando. Sua vida é um contínuo Amor. Ele se basta a Si mesmo, porque é infinito e poderosíssimo, é a Perfeição. Mas, tantas são as coisas criadas que vivem por sua contínua vontade, que Ele não tem tempo para aborrecer-se. O aborrecimento é o fruto do ócio e do vício. No Céu do verdadeiro Deus não há ócio, nem vício. Mas, dentro de pouco tempo, Ele terá, além dos Anjos, que agora o servem, um povo de justos, que se alegram nele e esse povo sempre se irá tornando mais numeroso, com os que crerem no verdadeiro Deus, nos tempos futuros.”

“Os Anjos seriara os gênios?”, pergunta Lídia.

“Não. São seres espirituais, como é Deus que os criou.”

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“E os gênios, então, que é que são?”

“Do modo que vós os imaginais, são mentira. Eles não existem, do modo que os imaginais. Mas, por essa necessidade instintiva do homem de procurar a verdade, - e isto por um estímulo da alma, que está viva e presente até nos pagãos e que neles está sofrendo, porque está decepcionada em seus desejos, porque está esfomeada em sua saudade do Deus Verdadeiro, de quem só ela se recorda, no corpo em que ela mora e que é guiado por uma mente pagã, - vós também percebestes que o homem não é somente carne, mas que ao seu corpo perecível está unida alguma coisa imortal. Também o perceberam as cidades e as nações. Por isso é que credes, e sentis a necessidade de crer nos “gênios”. E dais a vos mesmos um gênio individual, o da familia, o da cidade, o das nações. Vós tendes o “gênio de Roma”. Tendes o “gênio do imperador”. E os adorais como a divindades menores. Entrai na verdadeira fé. Tereis o conhecimento e a amizade do vosso anjo, ao qual deveis veneração, mas não adoração. Só Deus deve ser adorado.”

6 “Tu disseste: “Estímulo da alma que está viva e presente, até nos pagãos, 204.6 e sofrendo neles, porque decepcionada.” Mas a alma, de quem vem?”, pergunta Públio Quintiliano.

“Vem de Deus. Ele é o Criador.”

“Mas, não nascemos nós da mulher que se uniu a um homem? Também os nossos deuses foram gerados assim.”

“Os vossos deuses não existem. Eles são os fantasmas produzidos pelo vosso pensamento, que sente a necessidade de crer. Porque esta necessidade é mais imperiosa do que a de respirar. Até mesmo quem diz que não crê, ainda crê. Em alguma coisa ele crê. O simples fato de dizer: “Eu não creio em Deus” pressupõe alguma outra fé. Em si mesmo, talvez, em sua própria mente soberba. Mas, crer, se crê sempre. É como o pensamento. Se vós dizeis: “Eu nao quero pensar”, ou então: “Eu não creio em Deus”, só por estas duas frases que dizeis, já estais mostrando que pensais que não quereis crer n’Aquele que pensais que existe, e no qual não quereis pensar. Quanto ao homem, para serdes exatos em exprimir o conceito, deveis dizer assim: “O homem é gerado, como todos os animais, pela união entre macho e fêmea. Mas a alma, isto é, aquela coisa que faz a diferença entre o animal-homem e o animal bruto, essa vem de Deus. Ele a cria, cada vez que um homem é gerado,

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ou melhor, é concebido em um seio, e a une a esta carne que, se assim não fosse, seria simplesmente a carne de um animal.”

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“E nós a temos? Nós, pagãos? Pelo que dizem os teus conterrâneos, não pareceria...”, diz, irônico, Quintiliano.

“Todos os nascidos de mulher a têm.”

“Mas, Tu disseste que o pecado a mata. Como pode, então, estar ela viva em nós pecadores?”, pergunta Plautina.

“Vós não pecais contra a fé, pois credes que estais na Verdade. Quando conhecerdes a Verdade, se persistirdes no erro, aí estareis pecando. Igualmente, muitas coisas que para os israelitas são pecado para vós não são. Porque nenhuma lei divina vo-lo proíbe. O pecado é quando alguém, conscientemente, se rebela contra a ordem dada por Deus e diz: “Sei que o que faço é mal. Mas eu quero fazê-lo assim mesmo.” Deus é justo. Ele não pode punir a quem faz o mal, pensando que está fazendo o bem. Ele castiga a quem, tendo tido modo de conhecer o Bem e o Mal, escolhe este último, e nele persiste.”

“Então, em nós a alma esta viva e presente?”

“Sim.

“Ela sofre? Pensas mesmo que ela se lembra de Deus? Nós não nos lembramos do útero que nos trouxe. Nem poderíamos dizer como ele era por dentro. A alma, se eu entendi bem, é espiritualmente gerada por Deus. Poderá ela recordar-se disso, se o corpo não se lembra do longo tempo em que esteve no útero?”

“A alma não é bruta, Plautina. O feto, sim. A alma é, a semelhança de Deus, eterna e espiritual. Eterna, desde o momento em que é criada, enquanto que Deus é o perfeitíssimo Eterno e, por isso, não tem princípio no tempo, e também não terá fim. A alma, lúcida, inteligente, espiritual, obra de Deus, se lembra. E sofre, porque tem desejo de Deus, o Verdadeiro Deus, do qual ela vem, e tem fome de Deus. Aí está porque é que ela estimula o corpo entorpecido a procurar aproximarse de Deus.”

7 “Então, nós temos uma alma, como a têm aqueles que vós chamais os 204.7 “justos” do vosso povo? E è igual mesmo à deles?”

“Não, Plautina. Conforme o sentido que estás querendo dizer, ela muda. Se queres falar quanto à origem e natureza de nossas almas, elas são em tudo iguais ás de nossos santos. Mas, se queres referir-te à formação, então Eu te digo que aí elas são diferentes. Se queres referir-te à perfeição alcançada antes da morte, então a diferença pode ser absoluta. Mas isso não acontece só convosco, que sois pagãos. Também um filho do nosso povo pode ser absolutamente diferente de um santo, na vida futura. A alma passa por três fases. A primeira é a de sua criação. A segunda é a da recriação. A terceira, da perfeição.

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A primeira é comum a todos os homens. A segunda é própria dos justos que, com sua vontade, levam a alma a um renascimento ainda mais completo, unindo suas boas ações à bondade da obra

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de Deus, e tornam por isso a alma já espiritualmente mais perfeita do que a primeira, formando, entre a primeira e a terceira um elo de conjunção. A terceira é própria dos bem-aventurados, ou santos, se assim vos agrada dizer, os quais passaram milhares e milhares de graus acima da alma inicial deles, adaptada ao homem, e dela fizeram um ser capaz de repousar em Deus.”

8 “Como é que podemos dar espaço, liberdade e elevação para a alma?” 204.8

“Destruindo as coisas inúteis que tendes em vosso eu. Livrando-o de todas as idéias erradas e, com os detritos dessas demolições, fazer uma elevação para o templo soberano. A alma vai sendo levada cada vez mais para o alto, pelos três degraus.

Oh! Vós romanos gostais dos símbolos. Olhai agora os três degraus, à luz do símbolo. Eles podem dizer-vos os seus nomes: penitência, paciência, constância. Ou então: humildade, pureza, justiça. Ou ainda: sabedoria, generosidade e misericórdia. Ou enfim o esplendido trinômio: fé, esperança e caridade. Olhai ainda o símbolo da cinta que, adornada e robusta, cinge a área do templo. È preciso saber rodear a alma, rainha do corpo, templo do Espirito eterno, com uma barreira que a defenda, sem, no entanto, impedir-lhe os raios da luz, nem oprimi-la com a vista de sujeira. Uma cinta segura e lavrada, livre do desejo do amor ao que é inferior: a carne e o sangue, e voltada para o que é superior: o espírito. Lavra-a com a vontade. Apara-lhe os cantos, cuida das rachaduras, tira as manchas, reforça os veios fracos do mármore de nosso eu, a fim de que ele seja perfeito, ao redor da alma. E, ao mesmo tempo, da cinta colocada como defesa do templo, faze um misericordioso refúgio para os mais infelizes, que não conhecem o que é a caridade. Os pórticos são a efusão do amor, da piedade, do desejo de que os outros venham a Deus, semelhantes eles a braços amorosos, que servem de véu para o berço de um órfão. E, para lá da cinta, as plantas mais belas e mais cheirosas, homenagem ao Criador. Semeai sobre o terreno, que antes estava nu, e depois, cultivai as plantas, que são as virtudes de todos os nomes. A segunda cinta, viva e florida, ao redor do sacrário. E, entre as plantas, entre as virtudes, estão as fontes, outro amor, outra purificação, antes de aproximar-se do propileu, perto do qual, e antes de subir ao altar, deve-se fazer o sacrifício da carnalidade, um esvair-se em san-

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gue das luxurias. E depois passar além, ao altar, para aí colocar a oferenda, e depois ainda aproximar-se da cela onde Deus está, superando o vestíbulo. E a cela o que será? Uma abundância de riquezas espirituais, porque nunca nada é demais para fazer cornijas para Deus. Entendestes? Perguntastes-me como se constrói a fé. E Eu vos disse: “Segundo o método pelo qual se levantam os templos.” Vedes que é verdade. 9 Tendes ainda alguma coisa a dizer-me?” 204.9

“Não, Mestre. Eu acho que Flávia escreveu as coisas que disseste. Cláudia as quer saber. Não as escreveste?”

“Exatamente”, diz a mulher, passando-lhe as tabuinhas enceradas.

“Esta gravado. Poderá rele-las.” diz Plautina.

“É cera. Apaga-se. Escrevei-as em vossos corações. Não se apagarão mais.”

“Mestre, são escombros de templos vazios. Nós os jogamos contra a tua palavra, para enterrá-los. Mas é um longo trabalho”, diz Plautina, com um suspiro. E termina dizendo: “Lembra-te de nós em teu Céu...”

Page 190: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Ficai certas de que Eu o farei. Eu vos deixo. Ficai sabendo que a vossa vinda foi para Mini muito agradável. Adeus, Públio Quintiliano. Lembra-te de Jesus de Nazaré.”

As mulheres o saúdam, e vão por primeiro. Depois, pensativo, vai indo Quintiliano. Jesus olha para eles, que vão indo em companhia de Maximino, que os guia até onde estão os carros.

10 “Que achas, Mestre?”, pergunta Lázaro. 204.10

“Acho que há muitos infelizes neste mundo.”

“Eu sou um deles.”

“Por que, meu amigo?”

“Porque todos veni a Ti e Maria não. A ruína dela será maior?”

Jesus olha para ele, e sorri.

“Tu estás sorrindo? Não tens pena de que Maria ainda continue inconvertível? Não tens dó de mim, que estou sofrendo? Marta outra coisa não faz, senão chorar, desde a tarde de segunda-feira. Quem era aquela mulher? Não sabes que, durante um dia inteiro, ficamos esperando que fosse ela?”

“Eu estou sorrindo, porque tu és uma criança impaciente... E sorrio porque acho que estais desperdiçando vossas forças e vossas lágrimas. Se tivesse sido ela, Eu teria ido correndo para vo-lo dizer.”

“E, então, não era ela mesmo?”

Jesus exclama: “Oh! Lázaro!...”

“Tens razão. Paciência. Paciência ainda!... Eis ai, Mestre, as jóias

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que me deste para vender. Transformaram-se em dinheiro para os pobres. Eram muito belas. De mulher.”

“Eram “daquela” mulher.”

“Eu imaginava Ah! Se tivessem sido de Maria... Mas ela, mas ela!... Eu perco a esperança, meu Senhor!...”

Jesus o abraça, e fica um pouco sem dizer nada. Depois, Ele diz: “Eu te peço que não fales destas jóias, seja com quem for. Ela deve desaparecer das admirações e dos apetites, como uma nuvem que o vento leva para outro lugar, sem deixar delas nenhum traço no azul.”

“Fica tranqüilo, Mestre... e, em compensação, trazei-me Maria, a nossa infeliz Maria...”

“A paz esteja contigo, Lázaro. O que Eu prometi, o farei.”

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205. A parábola do filho pródigo.

30 de junho de 1945.

1 “João de Endor, vem aqui comigo. Eu preciso te falar”, diz Jesus, 205.1 aparecendo à porta de saída.

O homem vai logo, deixando o menino, ao qual estava ensinando alguma coisa: “Que queres de mim, Mestre?”, pergunta ele.

“Vem aqui para cima comigo.”

Sobem para o terraço, vão sentar-se do lado mais abrigado pois, mesmo que esteja ainda de manhã, o sol já está bem forte. Jesus corre o olhar pela campina cultivada, cujos grãos cada dia mais se vão tornando dourados e cujas árvores já ostentam seus frutos. Ele parece estar querendo ir buscar um pensamento naquela metamorfose vegetal.

“Escuta, João. Hoje Eu acho que virá Isaac, para trazer-me os camponeses de Jocanã, antes da partida deles. Eu disse a Lázaro que empreste a Isaac um carro, para que possam apressar sua volta, sem ficarem com temor de chegar com algum atraso, pois isso poderia provocar contra eles algum castigo. E Lázaro vai fazê-lo. Pois Lázaro faz tudo o que Eu lhe digo. Mas de ti Eu quero uma outra coisa. Eu tenho aqui uma importância, que me foi dada por uma criatura para os pobres do Senhor. Geralmente é um dos meus apóstolos que é encarregado de tomar conta das moedas e de dar esmolas. Quase sempre é Judas de Keriot e, uma vez ou outra, os outros. Judas está ausente. Os outros, não quero que fiquem sabendo o que quero fazer. Desta vez, nem Judas o saberia. E tu o irás fazer em meu nome...”

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“Eu, Senhor? Eu? Oh! Não sou digno disso!...”

“Tu precisas acostumar-te a trabalhar em meu nome. Não vieste para isto?”

“Sim. Mas eu pensava que devia trabalhar para reconstruir a minha pobre alma.”

“E Eu te estou oferecendo o meio para isso. Em que foi que pecaste? Contra a Misericórdia e o Amor. Com o ódio, destruíste a tua alma. Com o amor e a misericórdia, tu a reconstruirás. Para isso, Eu te estou dando o material. Eu te aproveitarei particularmente nas obras de misericórdia e de amor. Tu és também capaz de curar, tu és capaz de falar. Por isso, estás apto para teres cuidado das infelicidades físicas e morais, e tens capacidade para fazê-lo. Começarás com esta obra. Toma a bolsa. Tu a darás a Miquéias e aos seus amigos. Faze dela partes iguais. Mas, fazei-as do modo que Eu te estou dizendo. Divide-a em dez partes. Depois, delas darás quatro partes a Miquéias, uma para ele, uma para Saulo, uma para Joel e uma para Isaías. E as outras seis as entregarás a Miquéias para que as dê ao velho pai de Jabé, para ele e para os seus companheiros. Poderão eles ter assim algum conforto..”

“Está bem. Mas, que explicações hei de dar a eles?”

“Dirás assim: “Isto é para que vos recordeis de orar por uma alma que se está redimindo!”

“Mas, poderão pensar que seja eu! Não é justo!”

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“Por que? Não te queres redimir?”

“Não é justo que eles pensem que o doador seja eu.”

“Deixa, e faze como Eu estou dizendo.”

“Obedeço...mas, pelo menos, permite-me pôr, eu também alguma coisa. Tanto... agora não preciso de mais nada. Livros, eu não compro mais, frangos para criar, não tenho mais. Para mim basta tão pouca coisa... Toma, Mestre. Eu vou guardar somente um mínimo para as despesas com as sandálias...” Ele tira de uma bolsa, que trazia na cintura, muitas moedas e as ajunta com as moedas de Jesus.

2 “Deus te abençoe pela tua misericórdia... João, daqui a pouco nos 205.2 separaremos, porque tu irás ficar com Isaac.”

“Sinto muito por isso, Mestre. Mas obedeço.”

“Eu também sinto por te afastares. Mas Eu tenho muita necessidade de discípulos peregrinantes. Eu já não basto. Dentro em pouco, enviarei os apóstolos depois mandarei os discípulos. E tu farás um grande bem. Eu te reservarei para missões especiais. Enquanto isso, te irás formando com Isaac. Ele é muito bom e o Espirito de Deus

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verdadeiramente o instruiu, durante sua longa enfermidade. Ele é um homem que sempre perdoou tudo... Afinal, deixar-nos não quer dizer não ver-nos mais. Nós nos encontraremos freqüentemente e todas as vezes que nos reencontrarmos, falarei sempre por ti, lembra-te disso...”

João se inclina sobre si mesmo, esconde o rosto com as mãos e, com um áspero ataque de choro, geme, dizendo: “Oh! então, dizei-me logo alguma coisa que me persuada de que estou perdoado... de que posso servir a Deus... Se tu soubesses, agora que caiu a fumaça do ódio, como estou vendo a minha alma... e como... e como penso em Deus...”

“Eu sei disso, não chores. Permanece na humildade, mas não te aviltes. O aviltamento ainda é soberba. Procura ter somente, somente a humildade. Eia! Não chores.”

João de Endor se acalma, pouco a pouco.

Depois de ter ficado calmo, Jesus lhe diz: “Vem, vamos para debaixo da ramagem espessa daquelas macieiras, e vasos reunir-nos com os companheiros e as mulheres. Eu falarei a todos, e te direi como é que Deus te ama.”

Descem, e vão-se ajuntando aos outros, à medida que se aproximam, e se vão sentando em círculos, à sombra do pomar. Também Lázaro, que estava falando com Zelotes, aproxima-se do grupo. São vinte pessoas ao todo.

3 “Ouvi. É uma bela parábola, que vos guiará com sua luz, em muitos 205.3 casos.

Um homem tinha dois filhos. O mais velho era sério, trabalhador, amoroso, obediente. O segundo era mais inteligente que o mais velho, pois este na verdade tinha pouca agudeza de espírito, e se deixava guiar para não ter que se cansar ao tomar decisões. Em compensação, porém, o mais jovem era rebelde, dado a passatempos, amante do luxo e do prazer, dissipador e preguiçoso. A

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inteligência é um grande dom de Deus. Mas é um dom que precisa ser usado com sabedoria. Se assim não for, ele se torna como certos remédios que, quando são mal usados, não curam, mas matam. O pai estava no seu direito e no seu dever, e o exortava sempre a levar uma vida de um modo mais ajuizado. Mas isso não adiantava nada, ao contrário, provocava da parte dele más respostas e um maior enrijecimento em suas próprias más idéias.

Afinal, um dia, depois de uma discussão mais violenta, o filho mais novo disse: “Dá-me a minha parte nos bens. Assim não precisa-

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rei mais ficar ouvindo tuas repreensões, nem os queixumes do irmão. Cada um com o que é seu e fica tudo acabado.”

“Olha bem”, respondeu o pai, “que logo tu ficarás arruinado. E então, que farás? Pensa bem, que eu não irei ser injusto, procurando ficar a teu favor e não tomarei um vintém do teu irmão para te dar.”

“Não irei pedir nada. Fica certo disso. E dá-me a minha parte.”

O pai mandou avaliar as terras e os objetos de valor e, visto que o dinheiro e as jóias valiam tanto como as terras, deu ao mais velho os campos e os vinhedos, os rebanhos e as oliveiras, e ao mais novo o dinheiro e as jóias, que o jovem logo vendeu, transformando tudo em dinheiro. E, tendo feito isso, dentro de poucos dias, foi-se embora para um lugar muito longe, onde passou a viver como um ricaço, esbanjando tudo o que possuía em farras e patuscadas de toda especie, querendo passar por filho de um rei, pois ele se envergonhava de dizer: “eu sou um camponês”, renegando assim a condição de seu pai. Festinhas, amigos e amigas, boas vestes, vinho, jogatina...uma vida dissoluta... Beni depressa ele percebeu que o dinheiro ia diminuindo e que a miséria ia chegando. E, com a miséria, para

torná-la mais penosa, sobreveio àquele lugar uma grande carestia, que acabou com o resto do dinheiro que ele ainda tinha.

4 Ele teria querido voltar para o pai. Mas era orgulhoso, e não quis. Foi, 205.4 então, a um dos ricos do lugar, que tinha sido seu amigo nos bons tempos, e lhe suplicou: “Recebe-me entre os teus servos, lembrando-te de quando gozavas com as minhas riquezas.” Agora vede vós como o homem é estulto! Ele prefere ir colocar-se debaixo do chicote de um patrão, a ir dizer ao seu pai: “Perdoa-me! Eu errei!” Aquele jovem havia aprendido tantas coisas inúteis, com sua inteligência perspicaz, mas não tinha querido aprender aquela palavra do Eclesiástico: “Como é infame aquele que abandona o seu pai, e como é maldito por Deus aquele que faz sua mãe ficar preocupada.” O rapaz era inteligente, mas não sábio.

O homem a quem ele se havia dirigido, em compensação pelo muito que ele havia gozado ás custas do estulto jovem, mandou este estulto ir tomar conta de seus porcos - pois lá era terra de pagãos, onde havia muitos porcos - mandou que ele fosse apascentar em suas propriedades umas manadas de porcos. Imundo, esfarrapado, fedorento e esfomeado, - pois a comida estava escassa para todos os servos, especialmente para os empregados menos classificados, como era ele, um estrangeiro e, além disso, um porqueiro que como objeto de zombaria era tratado, - ele via como os porcos se saciavam com as

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bolotas de carvalho, e suspirava: “Ah! Se eu pudesse, pelo menos, encher a barriga com esses frutos! Mas eles são muito amargos! Nem a fome faz com que eles pareçam bons.” E chorava, pensando nos festins feitos pouco tempo atrás, por entre risadas, cantos e danças... depois pensava nas refeições honestas, mas bem nutritivas, de sua casa, que agora estava tão longe, pensava nas porções que o pai imparcialmente distribuía a todos, reservando para si sempre o menos, alegre por ver o apetite sadio de seus filhos... pensava também nas partes que eram distribuídas aos servos por aquele justo, e suspirava: “Os empregados de meu pai, até os menos classificados, têm pão em abundância, e eu fico aqui morrendo de fome...”

Um grande trabalho de reflexão, uma longa luta para acabar com aquele orgulho...

5E, afinal, chegou o dia em que, tendo renascido para a humildade e para a 205.5 sabedoria, ele se pôs de pé, e disse: “Eu vou voltar para o meu pai! É uma estultice minha este orgulho, que me mantém aqui preso. E por que? Por que ficar sofrendo assim no corpo, e mais ainda no coração, quando eu posso obter o perdão e ter alívio? Eu vou voltar para o meu pai. Está dito. E, que lhe direi eu? Ah! Sim. Direi o que nasceu aqui dentro, nesta baixeza, no meio destas sujeiras, sofrendo as mordeduras da fome! E eu lhe direi: “Meu pai, eu pequei contra o Céu e contra ti e não sou mais digno de ser chamado teu filho; trata-me, pois, como o último dos teus empregados, mas tolerame debaixo do teu teto. Que eu possa te ver passando...” Eu não poderei dizer-lhe: “porque te amo”. Ele não acreditaria. Mas eu o direi com minha vida e ele compreenderá e, antes de morrer, me abençoará ainda. Oh! Isso eu espero. Porque meu pai me ama.” E, ao voltar de tarde para o povoado, ele foi despedir-se do patrão e depois, pedindo esmola pelo caminho, voltou para sua casa. Já se vêem os campos do pai... e a casa... e o pai, que estava dirigindo os trabalhos, já envelhecido, emagrecido pelos sofrimentos, mas sempre bom... O culpado, olhando aquilo que tinha sido causado por ele, parou atemorizado... mas o pai, correndo o olhar ao redor de si, o viu, e correu ao seu encontro, pois o filho ainda estava longe e, chegando perto dele, lançou-lhe os braços ao pescoço e o beijou. Somente o pai havia reconhecido naquele mendigo aviltado o seu filho, e só mesmo ele é que tinha tido um movimento de amor.

O filho, apertado entre aqueles braços, com a cabeça sobre o ombro paterno, murmura, por entre soluços: “Pai, deixa que eu me jogue aos teus pés”. “Não, meu filho! Aos pés, não! Mas sobre o meu co-

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ração, que tanto sofreu na tua ausência e que precisa reviver, ao sentir o teu calor sobre o meu peito.” E o filho, chorando ainda mais fortemente, disse: “Oh! meu pai! Eu pequei contra o Céu e contra ti, e já não sou digno de ser chamado por ti de filho. Mas, permite-me viver entre os teus servos, debaixo do teu telhado, vendo-te, comendo o teu pão, servindo-te, sentindo o teu hálito. A cada bocado de pão, a cada teu respiro, se irá reformando o meu coração, tão corrompido, e me tornarei honesto...”

Mas o pai, segurando-o sempre abraçado, o levou até onde estavam os servos, que se haviam aglomerado à distancia, e que de lá estavam observando, e lhes diz: “Depressa, trazei aqui a túnica mais bonita, os frascos com água de cheiro, dai-lhe um banho, perfumai-o, vesti-lhe a túnica, ponde-lhe sandálias novas e um anel no dedo. Depois, ide pegar um vitelo gordo, e matai-o. E que se prepare um banquete. Porque este meu filho estava morto e agora ressuscitou, estava perdido e foi reencontrado. Eu quero que agora ele também reencontre aquele seu simples amor de quando era pequeno. Que o meu amor e a festa da casa pela sua volta o façam reencontrar. Ele precisa compreender que para mim ele é sempre o querido caçula, como o era em sua longínqua infância, quando ele caminhava ao meu lado, fazendome ser feliz com o seu sorriso e o seu balbuciar.” E, como o patrão mandou, assim fizeram os servos.

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6 O filho mais velho estava no campo e não estava sabendo de nada, 205.6 enquanto não voltou. À tarde, voltando para casa, viu que ela estava toda iluminada, e ouviu o som dos instrumentos de música e das danças, que saía da casa. Chamou, então, um dos servos, que ia correndo muito atarefado, e lhe disse: “Que é que está acontecendo?” E o servo respondeu: “O teu irmão voltou! E teu pai fez matar o vitelo gordo, porque pôde reaver o filho com saúde, curado do seu grande mal, e mandou que se preparasse um banquete. Só estamos te esperando para começar.” Mas o primogénito, encolerizado, porque lhe parecia uma injustiça toda aquela festa para o mais jovem que, além de ser mais jovem, ainda tinha sido mau, não quis entrar, e até estava querendo afastar-se de casa.

Mas o pai, avisado disso, saiu correndo para fora, e o alcançou, tentando convencê-lo a entrar e pedindo-lhe que não tornasse amarga a sua alegria. O primogênito respondeu a seu pai: “E queres que eu não fique descontente? Tu estás fazéndo uma injustiça, e tratando com desprezo ao teu primogênito. Eu, desde que pude trabalhar, sempre te servi, e isto há muitos anos. Eu nunca desobedeci a uma

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ordem tua, nem mesmo a um teu desejo. Eu sempre estive perto de ti e te amei por dois, para fazer-te ficar curado da ferida feita por meu irmão. E tu não me deste nem um cabrito para eu fazer uma festa com os meus amigos. E, para este, que te ofendeu, que te abandonou, que foi um preguiçoso e um esbanjador, e que está agora de volta, porque veio impelido pela fome, tu o cobres de honrarias, e matas para ele o vitelo mais bonito. Vale a pena sermos trabalhadores e sem vícios! Isto tu não devias fazer!” O pai disse-lhe, então, apertando-o contra o seu seio: “Oh! Meu filho! Poderás tu crer que eu não te amo, porque não estendi uma faixa festiva em honra de tuas boas ações? As tuas ações já são santas por si mesmas, e por elas o mundo te elogia. Mas este teu irmão, pelo contrário, precisa ser realçado na estima do mundo e em sua própria estima. Acreditarás tu que eu não te amo, só porque não te dei um prêmio visível? Mas, de manhã e de tarde, em todos os meus respiros e pensamentos, tu estás presente em meu coração e, a cada momento, eu te abençôo. Tu tens o prêmio continuo de estares sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era justo que nos banqueteássemos e fizéssemos uma festa, por este teu irmão, que estava morto ressuscitou para o Bem, que estava perdido voltou ao nosso amor.” E o primogênito deu-se por vencido.

7 Assim, meus amigos, é que acontece na Casa do Pai. E quem sabe que 205.7 está como o filho mais novo da parábola pense também que, se o imitar, voltando para o Pai, o Pai lhe dirá: “Não aos meus pés. Mas sobre o meu coração, que sofreu pela tua ausência, e que agora está feliz pela tua volta.” Quem está na condição de filho primogênito e sem culpa para com o Pai, não seja ciumento da alegria paterna, mas participe dela, dando amor ao irmão redimido.

Eu já falei. Fica aqui, João de Endor, e tu, Lázaro. Os outros vão preparar as mesas. Nós iremos logo.”

Todos se retiram. Quando Jesus, Lázaro e João ficam sozinhos, Jesus diz a Lázaro e João: “Assim se fará com a alma querida que tu esperas, Lázaro, e assim está sendo feito com a tua, João. A bondade de Deus está acima de qualquer medida...”

8 Os apóstolos, juntos com a Mãe e as mulheres, vão indo para a casa, 205.8 precedidos por Margziam, que vai dando seus pulinhos na frente. Mas logo ele volta e pega Maria pela mão, dizendo-lhe: “Vem comigo. Tenho uma coisa para dizer-te em segredo.” E Maria o contenta. Desviam-se para o lado do poço, que está num canto do pequeno pátio todo coberto por uma latada bem espessa; que sobe da terra como um arco, para o rumo do terraço. Atrás dela está Iscariotes.

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“Judas, que queres? Vai, Margziam...Fala... Que queres?”

“Eu estou culpado... Não tenho coragem de ir ao Mestre, nem de me encontrar com os companheiros... Ajuda-me...”

“Eu te ajudarei. Mas, não pensas na grande dor que causas?” Meu Filho chorou por tua causa. E os companheiros sofreram com isso. Mas, vem. Ninguém te dirá nada. E, se podes, não recaias mais nestas culpas. É coisa indigna de um homem, e um sacrilégio contra o Verbo de Deus.”

“E tu, Mãe, me perdoas?”

“Eu? Eu não valho nada para ti, que te julgas tão grande. Eu sou a menor das servas do Senhor. Como te podes preocupar comigo, se não tens dó do meu Filho?”

“Porque eu também tenho uma mãe e, se tiver o teu perdão, acho que terei o dela.”

“Ela não sabe dessa tua culpa.”

“Mas ela me tinha feito jurar que fosse bom para o Mestre. Eu sou um perjuro. Estou ouvindo a reprovação da alma de minha mãe.”

“Estás ouvindo isso? E o lamento do Pai e do Verbo, não o ouves? Tu és um infeliz, Judas. Semeias a dor em ti mesmo e em quem te ama.”

Maria está muito séria e triste. Ela fala sem azedume, mas de modo muito sério. Judas chora.

“Não chores. Mas trata de melhorar. Vem.” E o toma pela mão e assim entra na cozinha. Grande é o espanto de todos. Mas Maria procura evitar qualquer palavra impiedosa. Ela diz: “Judas voltou. Fazei como o progênito, depois do discurso do pai. João, vai avisar Jesus.”

João de Zebedeu sai correndo. Um silêncio desee sobre a cozinha... Depois, Judas diz: “Perdoai-me Simão, em primeiro lugar. Tens um coração tão paterno. Eu também sou um órfão.”

“Sim, sim, eu te perdôo. Por favor. Não fales mais nisso. Somos irmãos... e não me agradam estes altos e baixos de perdôes pedidos e de recaídas feitas. Aviltam a quem as faz e quem os dá. Ai vem Jesus. Vai até Ele. E basta.”

Judas vai indo, enquanto Pedro, não podendo fazer outra coisa, se põe, impetuosamente, a rachar umas achas secas.

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206. Com duas parábolas sobre o Reino dos Céus

termina a permanência em Betânia.

1° de julho de 1945.

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1 Na presença dos camponeses de Jocanã, de Isaac e de muitos discípulos, 206.1 das mulheres, entre as quais Maria, Mãe de Jesus e Marta, e muitos de Betânia, Jesus fala. Todos os apóstolos estão presentes. O menino, sentado em frente de Jesus, não perde uma palavra. O discurso deve ter começado há pouco, pois o povo ainda está chegando...

Diz Jesus: “...e por causa desse temor tão forte, que Eu estou percebendo em muitos, que Eu vos quero propor uma boa parábola. Boa, para os homens de boa vontade, desagradável, para os outros. Mas estes tem o modo de acabar com o gosto desagradável. Que se tornem eles também de boa vontade e. a reprovação que a parábola suscita nas consciências, deixará de existir.

2 O Reino dos Céus é a casa do desposório feito entre Deus e as almas. O 206.2 momento da entrada nele é o dia do desposório.

Agora, então, escutai. Entre nós há o costume de que as virgens acompanhem o esposo, quando ele chega, para levá-lo, entre luzes e cânticos, até à casa nupcial, junto com a sua amada esposa. Quando o cortejo deixa a casa da esposa, que vai coberta com um véu e que, comovida, sai, dirigindo-se para o seu lugar de rainha, em uma casa que não é a dela, mas que vai tornar-se dela, desde o momento em que ela se torna uma só carne com o seu esposo, o cortejo das virgens, que em sua maior parte são amigas da esposa, corre ao encontro dos dois felizes esposos, para rodeá-los com um halo de luzes.

Aconteceu, pois, que em um lugar celebraram-se esponsais. Enquanto os esposos, com os parentes e amigos, estavam sapateando na casa da esposa, dez virgens foram para o seu lugar, no vestíbulo da casa do esposo, prontas para saírem ao encontro dele, quando um longínquo som de címbalos e de cânticos estivesse avisando que os esposos já tinham saído da casa da esposa para irem para a casa do esposo. Mas o banquete na casa dos esponsais se prolongou muito, e assim chegou a noite. As virgens, como sabeis, seguram sempre as lâmpadas acesas, para não ficarem perdendo tempo no momento principal. Pois bem. Entre estas dez virgens, que deviam segurar as lâmpadas acesas e bem luzentes, havia cinco sábias e cinco estultas. As sábias, cheias de prudência, tinham-se munido de pequenos vasos cheios de azeite, para poderem alimentar suas lâmpadas, se a duração da espera fosse

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mais longa do que era previsível. Enquanto que as estultas se limitaram só a encher, quando muito, suas pequenas lâmpadas.

Uma hora passou, e mais outra hora. Alguns discursos, histórias e palavras jocosas foram alegrando o tempo de espera. Mas depois, não sabiam mais o que dizer, nem o que fazer. E, aborrecidas, ou também simplesmente cansadas, as dez moças resolveram sentar-se mais comodamente, com as lâmpadas acesas e bem próximas e, pouco a pouco, pegaram no sono.

3 Quando chegou a meia noite, ouviu-se um grito: “Eis o esposo chegando, 206.3 idelhe ao encontro!” Àquela ordem, as dez moças se levantaram, puseram os véus e as grinaldas e correram depois para a pequena mesa, onde estavam as lâmpadas. Cinco destas já se estavam apagando. O pavio, não encontrando mais azeite, pois este se havia acabado, estava já soltando fumaça, com uns lampejos cada vez mais fracos e pronto para apagar-se, ao menor sopro de vento. Mas as outras cinco lâmpadas, alimentadas antes do sono pelas virgens prudentes, estavam com suas chamas ainda bem vivas e mais vivas ainda ficaram pela nova quantidade de azeite que colocaram sobre o pavio.

“Oh!”, imploravam as estultas, “dai-nos um pouco do vosso azeite, porque senão as nossas

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lâmpadas se apagam, só ao movê-las daqui. As vossas já estão bonitas...” Mas as prudentes responderam: “Fora há o vento da noite e o orvalho está caindo em grossas gotas. O azeite nunca é bastante para formar uma chama forte, capaz de resistir aos ventos e à umidade. E, se nós vos dermos do nosso, vai acontecer que nossas luzes também possam começar a vacilar. E bem triste ficaria o cortejo das virgens, sem o palpitar daquelas chamazinhas! Ide, pois, ide correndo ao vendedor mais perto, pedi, batei à porta, fazei que ele se levante para vos vender.”

E elas, apressadas, amarrotando os véus, sujando as vestes, perdendo as grinaldas, por terem que esbarrar uma na outra, e a correr, procuravam seguir o conselho das companheiras.

Mas, enquanto iam indo comprar o azeite, eis que já aparecem, lá no começo da rua, o esposo e a esposa. As cinco virgens, tendo nas mãos suas lâmpadas acesas, correram ao encontro deles e, no meio delas, os esposos entraram na casa, para o fim da cerimônia, momento este em que as virgens deveriam acompanhar a esposa até a câmara nupcial. A porta, então, foi fechada, depois da entrada dos esposos, e quem fora estava, fora permaneceu. E assim para as cinco estultas que, chegadas enfim com o azeite, encontraram a porta fechada. Inutilmente bateram nela, machucando as mãos e gemendo:

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“Senhor, senhor abre-nos. Nós somos do cortejo das núpcias. Somos as virgens propiciatórias, escolhidas para trazer honra e fortuna ao teu tálamo.” Mas o esposo, lá do alto da casa, deixando por um momento os convidados mais íntimos, dos quais ele se despedia, enquanto a esposa entrava na câmara nupcial, disse: “Em verdade, eu vos digo que não vos conheço. Não sei quem sois. Os vossos rostos não estavam presentes ao redor da minha amada, festejando-a. Vós sois umas usurpadoras. Que sejais, pois, deixadas fora da casa das núpcias.” E as cinco estultas, chorando, foram-se embora, pelas estradas escuras, com suas lâmpadas já inúteis, com suas vestes amarrotadas, os véus rasgados, as grinaldas desmanchadas ou perdidas...

4 E agora, ouvi a admoestação encerrada na parábola: Eu vos disse, os.. no 206.4 princípio, que o Reino dos Céus é casa dos esponsais feitos entre Deus e as almas. Para as núpcias celestes, são chamados todos os fieis, porque Deus ama todos os seus filhos. Uns antes, outros depois, chegam ao momento dos esponsais, e chegar a esse momento é uma grande sorte.

Mas agora escutai ainda. Vós sabeis como as moças consideram uma honra e uma sorte serem chamadas para ficarem como servas, ao redor da esposa. Apliquemos ao nosso caso o papel dos personagens e compreendereis melhor. O esposo é Deus. A esposa é a alma de um justo que, tendo passado o período do noivado na casa do Pai, isto é, na dependência e obediência da e à doutrina de Deus vivendo segundo a justiça, é levada à casa do Esposo para as núpcias. As servas virgens são as almas dos fiéis que, segundo o exemplo deixado pela esposa, - ter sido escolhida pelo esposo por suas virtudes é sinal de que ela era um exemplo vivo de santidade - procuram chegar àquela mesma honra, santificando-se.

5 Elas estão com veste branca, limpa e nova; em brancos véus, coroadas de 206.5 flores. Elas têm lâmpadas acesas nas mãos. As lâmpadas estão bem limpas, tendo um pavio alimentado com azeite do mais puro, para que não seja mal-cheiroso.

Com veste branca. A justiça firmemente praticada, produz uma veste cândida e bem depressa chegará o dia em qué será candidíssima, sem nenhuma lembrança, nem de longe, de mancha, com um candor sobrenatural, um candor angélico.

Em veste limpa. É preciso, junto com a humildade, ter sempre limpa a veste. É muito fácil

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embaçar a pureza do coração. E quem não é puro de coração não pode ver a Deus. A humildade é como uma água que lava. O humilde se dá conta logo, porque tem olhos não em-

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baçados pelas fumaças do orgulho, de estar com suas vestes enodoadas, e corre para o Senhor, e diz: “Eu tirei a limpeza deste meu coração. Eu choro para limpar-me. A teus pés venho chorar. E tu, ó meu Sol, alveja com os teus benignos perdões, com os teus paternos amores, esta minha veste!”

Em veste nova. Oh! O frescor do coração! As crianças o possuem por um dom de Deus. Os justos o têm por dom de Deus e por sua própria vontade. E os santos o têm por dom de Deus e por sua vontade elevada até o grau de heroísmo. Mas os pecadores, com uma alma dilacerada, queimada, envenenada, emporcalhada, será que não poderão nunca mais ter uma veste nova? Oh! Sim, que podem ter. Começam a tê-la desde o momento em que olham para si mesmos com aversão, depois a aumentam, quando se decidem a mudar de vida e a aperfeiçoam quando se lavam com a penitencia, e se desintoxicam, e se medicam, e recompõem a sua pobre alma e, com a ajuda de Deus, que não nega socorro a quem lhe pede uma santa ajuda, e com a própria vontade, elevada ao super-heroismo, - porque neles o necessário não é ficar tomando conta do que eles têm, mas de reconstruir o que eles demoliram e para isso há uma dupla, tripla e sétupla fadiga - e, finalmente, com uma penitência incansável e implacável para com o eu que foi pecador, fazem voltar sua alma a um novo frescor como na infância, frescor precioso pela experiência que os faz mestres de outros, que são agora como eram eles há tempo, ou seja, pecadores.

Em brancos véus. A humildade! Eu disse: “Quando rezais ou fazeis penitência, procurai que o mundo não o perceba.” Nos livros sapiênciais está escrito: “Não é bom revelar o segredo do Rei”. A humildade é o véu cândido posto como defesa do bem que se faz e do bem que Deus nos concede. Não é a glória pelo amor ao privilégio que Deus concede, nem é a estulta glória humana. O dom seria imediatamente retomado. Mas é um canto interior do coração ao seu Deus: “Minha alma canta a tua grandeza, ó Senhor... porque Tu voltaste o teu olhar para a baixeza da Tua serva”.

Jesus faz uma breve pausa, e lança um olhar para sua Mãe que, por debaixo do seu véu, se ruboriza e se inclina profundamente, como para compor os cabelos do menino que está sentado aos seus pés, mas, na verdade, o faz para ocultar uma sua comovida lembrança...

“Coroada de flores. A alma deve entretecer para si sua grinalda diária de atos virtuosos porque, ao conspecto do Altíssimo, não se devem apresentar coisas murchas, nem se deve estar com aspecto desmazelado. Diária, Eu disse. Porque a alma não sabe quando Deus-Es-

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poso pode aparecer para dizer-lhe: “Vem”. Por isso não nos cansemos nunca de renovar a coroa. Não tenhais medo As flores ficam murchas. Mas as flores das coroas virtuosas não murcham. O Anjo de Deus, que cada homem tem ao seu lado, recolhe estas grinaldas de cada dia e as leva para o Céu. E lá elas servem como um trono ao novel bem-aventurado, quando ele entrar, como esposa, na casa nupcial.

6 Tem as lâmpadas acesas. E é para honrar o esposo, e para se guiarem 206.6 no caminho. Como é fulgente a fé, e que doce amiga ela é! Produz uma chama brilhante, como uma estrela, uma chama que ri, porque tem segurança em sua certeza, uma chama que torna luminoso até o instrumento que a rege. Até a carne do homem, nutrido pela fé, parece, desde esta terra, tornar-se mais luminosa e espiritual e imune de uma murchidão precoce. Porque quem crê, se rege pelas

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palavras e pelas ordens de Deus, para chegar a possuir a Deus, que é o seu fim e, por isso, foge de toda corrupção, não sofre perturbações, nem temores, nem remorsos, e não é obrigado a nenhum esforço, para recordar-se de suas mentiras, ou para esconder suas más ações, e se conserva belo e jovem pela bela incorrupção de santo. Uma carne e um sangue, uma mente e um coração limpos de toda luxúria, para conterem o azeite da fé e para produzirem uma luz sem fumaça. Uma constante vontade para alimentar sempre esta luz. A vida de cada dia, com as suas desilusões, verificações, contatos, tentações, atritos, tende a diminuir a fé. Não. Não deve acontecer. Ide cada dia ás fontes do azeite suave, do azeite espiritual, do azeite de Deus.

Lâmpada pouco alimentada pode ser apagada pelo menor vento, pode ser apagada pelo pesado orvalho da noite. A noite... A hora das trevas, do pecado e da tentação, chega para todos. É a noite para a alma. Mas, se esta se conserva a si mesma cheia de fé, não pode a chama ser apagada pelo vento do mundo, pela caligem da sensualidade.

Enfim, vigilância, vigilância, vigilância. Quem for imprudente, e fiar-se em si mesmo, dizendo: “Oh! Deus virá em tempo, enquanto eu estiver lúcido”, quem se põe a dormir, em vez de vigiar e for dormir, desprovido de tudo o que é necessario para poder levantar-se prontamente, ao primeiro chamado, quem deixa para o último momento o trabalho de ir prover-se do azeite da fé, ou do pavio forte da boa vontade, incorre no perigo de ter que ficar fora, quando o Esposo chegar. Vigiai, pois, com prudência, com constância, com pureza, com confiança, para estardes sempre prontos para o chamado de Deus, porque, na realidade, não sabeis quando Ele virá.

7 Meus caros discípulos, Eu não quero induzir-vos a tremer por 206.7

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causa de Deus, mas, antes, a terdes fé em sua bondade. Tanto vós que ficais, como vós que ides, pensai que, se fizerdes o que fizeram as virgens sábias, sereis chamados, não somente para fazer o cortejo ao Esposo, mas, como a jovem Ester, que foi feita rainha no lugar de Vasti, sereis escolhidos e eleitos como esposas, tendo o Esposo “encontrado em vós toda graça e favor, mais do que em todos os outros”. Eu vos abençôo, a vós que ides. Levai em vós e para vossos companheiros esta minha palavra. A paz do Senhor esteja sempre convosco.”

Jesus se aproxima dos camponeses, para saudá-los ainda, mas João de Endor lhe sussurra: “Judas já está aí...”

“Não importa. Acompanha-os até o carro, e faze o que Eu te disse que faças.”

A multidão se dispersa lentamente. Muitos falam a Lázaro... E este se dirige a Jesus que, tendo deixado os camponeses, vem na direção dele, e diz: Mestre, antes que nos deixes, fala-nos ainda... Isto desejam os corações de Betânia.”

A tarde está chegando. Mas é plácida e serena. Se quiserdes reunir-vos sobre os fenos ceifados, Eu vos falarei, antes de deixar este lugar amigo. Ou, então, amanhã bem cedo. Porque já chegou a hora da despedida.”

“Mais tarde! Hoje mesmo!”, gritam todos.

“Como quiserdes. Ide-vos agora. Na metade da Primeira vigília, Eu vos falarei.

8 ... E incansável de fato - enquanto o sol desaparece, deixando como 206.8 lembrança uma vermelhidão no céu, com o primeiro, incerto e solitário trilar dos grilos, - Jesus se põe a

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caminho pelo meio de um prado, há pouco ceifado, e no qual as ervas cortadas, que já estão murchando, formam um tapete de uma fragrância aguda e suave. Acompanham-no os apóstolos, as Marias, Marta e Lázaro com os de sua casa, Isaac com os seus discípulos, eu diria até que com toda a Betânia. Entre os seus servos está o velhinho com a mulher, aqueles dois que, no Monte das Bem-aventuranças, acharam também um conforto para os seus dias.

Jesus pára, a fim de abençoar o patriarca que, chorando, vai beijar-lhe a mão e acaricia o menino, que vai caminhando ao lado de Jesus, e dizendo-lhe: “Feliz de ti, que o podes acompanhar sempre! É uma grande felicidade! Sobre tua cabeça está suspensa uma coroa... Oh! Feliz de ti!”

9 Quando todos já estão em seus lugares, Jesus começa a falar: “Já tendo 206.9 ido embora os nossos pobres amigos, que tinham necessidade

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de muito conforto em sua esperança, ou melhor, em sua certeza de que basta saber pouco para serem admitidos no Reino, de que basta um mínimo de verdades com as quais a boa vontade trabalha, Eu agora me dirijo a vós, muito menos infelizes, por que estais em condições materiais muito melhores e com maiores auxílios do Verbo. O meu amor vai a eles, só com o pensamento. Mas aqui a vós, o meu amor vem também com a palavra. Por isso, vós estais sendo tratados na terra como no Céu, com maiores exigências, porque a quem mais foi dado, mais dele será exigido. Eles, os nossos pobres amigos, que estão de volta ás suas galés, não podem ter senão um mínimo de bens, mas têm, em compensação, um máximo de dores. Por isso são somente para eles as promessas de benignidade, já que qualquer outra coisa para eles seria supérflua. Em verdade, Eu vos digo que a vida deles é penitência e santidade e que nada mais lhes deve ser imposto. Também, em verdade Eu vos digo que, semelhantes ás virgens sábias, eles não terão deixado que se apaguem suas lâmpadas, até que chegue a hora do chamado.

Deixa-la apagar-se? Não. A luz delas é todo o bem deles. Eles não podem deixá-la apagar-se.

10 Em verdade, Eu vos digo que, assim como Eu estou no Pai, os pobres 206.10 estão em Deus. É por isso que Eu, o Verbo do Pai, quis nascer pobre, e viver pobre. Porque, entre os pobres, Eu me sinto mais próximo do Pai, que ama os pequeninos e é amado por eles com todas as suas forças. Os ricos têm muitos amigos. Os pobres vivem sozinhos. Os ricos têm muitas consolações. Os pobres não tem consolações.

Os ricos têm muitos divertimentos. Os pobres só têm trabalho. Os ricos têm o dinheiro, que lhes torna tudo fácil. Os pobres, além de tudo, ainda têm que levar a cruz, que é o temor das doenças e da carestia, que para eles só trazem a fome e a morte. Mas os pobres tem a Deus consigo. Ele é amigo deles. É o consolador deles. É Ele quem os consola com as esperanças do Céu, quando eles sofrem as penas do momento presente. É Ele a quem eles podem dizer - e o saberri dizer, e o dizem justamente porque são pobres, humildes e sós -: “Socorrenos, ó Pai, com a tua misericórdia.”

Tudo o que Eu estou dizendo aqui nesta terra de Lázaro, meu amigo e amigo de Deus, se bem que ele seja tão rico, pode até parecer estranho. Mas Lázaro é uma exceção entre os ricos. Lázaro chegou a ter aquela virtude, muito difícil de ser encontrada na terra e ainda mais difícil de ser praticada para ensinamento dos outros. A virtude de estar livre das riquezas. Lázaro é justo. Lázaro não se ofende. Ele

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não pode ofender-se, porque sabe que ele é o rico-pobre e por isso não é atingido pela minha

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velada censura. Lázaro é justo e reconhece que no mundo dos grandes as coisas são como Eu digo. Por isso, Eu falo e digo: em verdade, em verdade, Eu vos digo que é muito mais fácil que esteja em Deus um pobre do que um rico. E, no Céu do meu e vosso Pai, muitos lugares vão ser ocupados por aqueles que na terra foram desprezados porque eram tão miúdos como grãos de poeira em que pisamos.

Os pobres conservam no coração as pérolas, que são as palavras de Deus. Elas são o seu único tesouro. Quem tem uma só riqueza toma todo o cuidado com ela. Quem tem muitas, vive aborrecido e desatento, e se torna soberbo e sensual. Por tudo isso, ele não admira com olhos humildes e cheios de amor o tesouro que Deus lhe deu, mas o confunde com outros tesouros, que são preciosos só na aparência, tesouros que são as riquezas desta terra, e fica pensando: “Já é muito o que eu faço, ao ficar ouvindo as palavras de um que é carne e ossos como eu!” E os sabores das sensualidades fazem ficar obtusa a sua capacidade de saborear o que é sobrenatural. Fortes sabores!... Sim, mas o que eles são é muito bem temperados, para misturar tudo com seu fedor e sabor de podridão...

11 Mas, ouvi. E, então, compreendereis melhor como os requintes, as 206.11 riquezas e as devassidões impedem a entrada no Reino dos Céus.

Uma vez um rei fez a festa do casamento de seu filho. Podeis imaginar que festa houve no palácio. Tratava-se do filho único do rei que, tendo-se tornado núbil, estava se casando com sua dileta. O rei, seu pai, quis que tudo fosse alegria, ao redor da alegria de seu filho e de sua bem amada. Entre os muitos atos do programa da festa, constava também um grande banquete. E ele o preparou com tempo, cuidando de todos os pormenores do mesmo, para que a festa saísse muito bonita e digna das núpcias de um filho do rei.

Mandou com antecedência a seus servos que fossem dizer aos amigos e aliados, e também aos magnatas do seu reino que o casamento estava marcado para aquela data de tarde, e que eles estavam convidados e que fossem abrilhantar as festas do filho do rei. Mas os amigos, os aliados e os magnatas do reino não aceitaram o convite.

Então o rei, na dúvida se os primeiros servos haviam ou não, falado como deviam, mandou ainda outros servos, para insistirem, dizendo: “Nós vo-lo pedimos. Vinde à festa. Já está tudo pronto. O salão está preparado, os vinhos mais preciosos já foram trazidos de diversos lugares, nas cozinhas já estão preparados os bois e os animais ce-

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vados para serem cozidos, as escravas já estão amassando a farinha para fazer os doces, e outras estão esmagando as amêndoas nos almofarizes, para confeitarem os mais finos petiscos aos quais elas misturam os mais raros aromas. As dançarinas e os melhores tocadores de instrumentos foram contratados para a festa. Portanto, vinde, a fim de que todos esses preparativos não tenham sido inúteis.”

Mas os amigos, os aliados e os grandes, uns se recusaram e outros disseram: “Nós temos mais o que fazer”, enquanto que outros ainda fingiram aceitar mas, na hora, foram tratar de seus interesses, uns no campo, outros em seus negócios, e outros em outras coisas de pouca importância. E, finalmente, houve também alguns que, aborrecidos com aquela insistência, pegaram os servos do rei e os mataram para os fazer calar, porque eles ficavam só repetindo: “Não negues ao rei uma coisa destas, porque poderias sair-te mal.”

Os servos voltaram ao rei e lhe contaram tudo e o rei se encheu de indignação, mandando seus soldados punir os assassinos de seus servos e castigar os outros que haviam desprezado o seu

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convite, e ficou esperando, para recebê-los bem, aos que prometeram ir. Mas, quando chegou a tarde do dia da festa, na hora marcada, ninguém havia chegado.

12 O rei, irado, chamou os seus servos e disse-lhes: “Não há de acontecer 206.12 que meu filho fique sem os festejos nesta tarde de suas núpcias. O banquete está pronto, mas os convidados não são dignos dele. Seja como for, o banquete nupcial de meu filho haverá de realizar-se. Ide agora pelas praças e pelas estradas, colocai-vos nas encruzilhadas, fazei parar a quem estiver passando, reuni ós que pararem e trazei-os todos para cá. E que o salão se encha com os que vêm para a festa.”

Os servos lá se foram. Tendo saído pelas estradas, e tendo-se uns espalha do pelas praças ou se colocado nas encruzilhadas, foram ajuntando a todos os que foram encontrando, bons e maus, ricos e pobres e os levaram para a morada do rei, fornecendo-lhes também os meios para que pudessem comparecer à festa e entrar no salão do banquete do casamento. Depois os fizeram entrar e o salão ficou cheïo de convidados, como o rei queria.

Mas, resolvendo o rei entrar no salão, para ver se já se podia começar a festa, viu lá dentro um homem que, mesmo com a ajuda que os servos lhe haviam oferecido, não estava com a veste própria para uma festa de casamento. E o rei lhe perguntou: “Como foi que entraste aqui sem a veste de núpcias?” E o homem não soube o que res-

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ponder, porque de fato não tinha motivos para desculpar-se. Então, o rei chamou os servos e lhes disse: “Pegai este homem, amarrai-o de pés e mãos e expulsai-o para fora de minha morada, que ele fique lá no escuro e na lama gelada. Que lá ele fique chorando e rangendo os dentes, como ele mereceu por sua ingratidão e pela ofensa que me fez, e mais do que a mim, ao meu filho, entrando aqui com esta veste andrajosa e suja, logo aqui no salão do banquete, onde só deve entrar quem é digno de estar neste lugar e na festa de meu filho.”

13 Como estais vendo, as preocupações do mundo, as avarezas, as 206.13 sensualidades, as crueldades atraem a ira do rei e fazem que esses filhos das preocupações nunca mais entrem na casa do Rei. E vede também que, até entre os convidados pela bondade do seu filho, há castigados.

Quantos há assim, nos dias de hoje, nesta terra à qual Deus enviou o seu Verbo!

Aos aliados, aos amigos, aos grandes do seu povo Deus realmente os convidou, por meio dos seus servos, e mais ainda os fará convidar, com um convite insistente, à medida que a hora das minhas núpcias for-se avizinhando. Mas não aceitarão o convite, porque são falsos aliados, falsos amigos, não são grandes senão de nome, pois a baixeza mora neles (Jesus vai elevando cada vez mais a voz, e seus olhos, à luz de um fogo, que foi aceso entre Ele e os ouvintes, para iluminar a noite, pois nela não há luar, estando a lua em minguante e levantando-se mais tarde, lançam uns lampejos de luz como se fossem duas pedras preciosas). Sim, a baixeza mora neles. Por tudo isso, eles não compreendem que é um dever e uma honra para eles que aceitem o convite do Rei.

Soberba, dureza e libidinagem formam um baluarte em seu coração. E - maus como são, - tem ódio de Mim, e por isso não querem vir às minhas núpcias. Não querem vir. Preferem às núpcias os conúbios com a política suja, com o dinheiro ainda mais sujo e com a sujíssima sensualidade. Eles preferem ir fazer os seus cálculos cheios de astúcia, ficar conspirando numa conspiração traiçoeira, preferem o ardil e o delito.

Eu condeno tudo isso em nome de Deus. Odeia-se por isso a voz que fala e as festas a que ela

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convida. É neste povo que devem ser procurados os que matam os servos de Deus: os Profetas, que são seus servos até hoje, os meus discípulos, que são os servos, de agora em diante. Neste povo é que são escolhidos os que querem trapacear com Deus, é dizem: “Sim, nós vamos”, enquanto, em seu interior, pensam

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assim: “Não vou, nem por sombra!” De tudo isso há em Israel.

E o Rei do Céu, a fim de que o Filho possa ostentar a magnificência de suas núpcias, mandará recolher nas encruzilhadas aqueles que nem são amigos, que nem são grandes, nem aliados, mas são simplesmente pessoas que vão passando. Já - por minha mão, pela minha mão de Filho e de servo de Deus - a colheita começou.

Sejam quais forem, eles virão... E já vieram. E Eu os ajudo a ficarem limpos e belos para a festa das núpcias. Mas haverá, oh! para sua infelicidade, haverá quem até da generosidade de Deus, que lhe dá perfumes e vestes reais, para fazê-lo parecer o que ele não é: alguém rico e digno, haverá quem, de toda essa bondade se aproveitará para, como um indigno, seduzir, tirar vantagem... É um indivíduo vesgo de espirito, abraçado pelo polvo repugnante de todos os vícios... e até subtrairá alguns perfumes e vestes para obter com essas coisas algum lucro ilícito, usando delas não para as núpcias do Filho, mas para as suas núpcias com Satanás.

Pois bem. Isto acontecerá. Porque muitos são os chamados, mas poucos os que, por saberem perseverar em atender ao chamado, chegam a ser eleitos. Contudo, também acontecerá que a estas hienas, que preferem as podridões a um nutrimento vivo, haverá de ser infligido o castigo de serem tocados para fora do salão do banquete para o meio das trevas e de uma lama de um brejo eterno, onde Satanás faz ouvir a sua estridente e horrível risada por todos os triunfos conseguidos contra uma alma, e nos quais se ouve também o eterno pranto desesperado dos mentecaptos, que foram atrás do delito, em vez de acompanharem a Bondade, que os havia chamado.

14 Levantai-vos, e vamos descansar. Eu vos abençôo, ó cidadãos de 206.14 Betânia, a todos vós. Eu vos abençôo e vos dou a minha paz. Eu abençôo em particular a ti, ó Lázaro, meu amigo, e a ti, Marta. Abençôo aos meus discípulos antigos e novos, que Eu mando pelo mundo para chamar, para convidar para as núpcias do Rei. Ajoelhai-vos, para que Eu vos abençoe a todos. Pedro, dize a oração que Eu vos ensinei e vem dizê-la aqui ao meu lado, de pé, porque assim há de ser feita por quem para isso foi destinado por Deus.”

A assembléia toda se ajoelha sobre o feno, ficando em pé somente Jesus em sua veste de linho, com toda a sua altura e beleza, e Pedro, em sua veste marrom escura, inflamado pela emoção, um pouco trêmulo e que reza, com uma voz não bonita, mas viril, recitando devagar, por medo de errar: “Pai nosso...

Ouvem-se alguns soluços... de homem, de mulher... Margziam es-

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tá ajoelhado justamente ao lado de Maria, que está segurando suas mãozinhas juntas. Olha com um sorriso angelical para Jesus, e diz baixinho: “Olha Mãe é belo! E como é belo também pai. Parece estarmos no Céu. Será que minha mãe está aqui vendo?”

E Maria, em um sussurro, que termina com um beijo, responde: “Sim, querido. Ela está aqui. E está aprendendo a oração.”

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“E eu? Também eu a aprenderei?”

“Ela a sussurrará à tua alma, enquanto estiveres dormindo, e eu a repetirei durante o dia.”

O menino deixa cair para trás a cabecinha morena sobre o peito de Maria e fica assim, enquanto Jesus abençoa com a solene bênção mosaica de sempre.

Depois todos se levantam, indo cada um para a sua própria casa. Só Lázaro é que acompanha ainda Jesus, entrando com Ele na casa de Simão, para estar mais algum tempo com Ele. Entram também todos os outros. Iscariotes se coloca em um canto meio escuro, contrariado. Não tem coragem de ficar perto de Jesus, como fazem os outros...

15 Lázaro se congratula com Jesus. Ele diz: “Oh! Sinto muito vê-lo partir. 206.5 Mas estou mais contente do que se te tivesse visto partir ante-ontem!”

“Por que, Lázaro?”

“Porque me parecias estar muito triste e cansado... Não falavas nada e pouco sorrias...Ontem e hoje te tornaste o meu santo e doce Mestre e isto me dá muita alegria...”

“Eu o era, mesmo estando calado...”

“Tu o eras. Mas Tu és serenidade e palavra. Nós queremos isto de Ti. E nestas fontes que bebemos a nossa força. E agora estas fontes pareciam estar secas. Nossa sede nos estava atormentando. Tu estás vendo como até os pagãos ficaram espantados e vieram procurá-las...”

Iscariotes, do qual se havia aproximado João de Zebedeu, se atreve a perguntar: “É isso. Já também a mim me haviam feito esta pergunta. Porque eu estava junto à fortaleza Antônia, esperando verte.”

“Tu sabias onde Eu estava”, responde Jesus curtamente.

“Eu sabia. Mas eu pensava que não terias decepcionado a quem Te estava esperando. Também os romanos ficaram decepcionados. Não sei porque fizeste assim...”

“E és tu que me fazes esta pergunta? Não estarás tu, a par das intenções do Sinédrio, dos fariseus e de outros ainda a meu respeito?”

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“Por que? Terias tido medo?”

“Medo não. Náusea. 16 No ano passado, quando Eu estava sozinho, um só 206.16 contra todo mundo, que nem mesmo sabia se Eu era um Profeta, Eu mostrei que não tinha medo. E tu foste uma conquista daquela minha coragem. Eu fiz que se ouvisse a minha voz contra todo mundo que urrava contra Mim; fiz ouvir a voz de Deus a um povo que se tinha esquecido dela; purifiquei a Casa de Deus das sujeiras materiais que estavam nela, não esperando que pudesse limpá-la das bem mais graves sujeiras morais que se tinham aninhado nela, porque Eu não ignoro o futuro dos homens, mas para cumprir o meu dever, pelo zelo da Casa do Senhor Eterno, transformada em uma praça barulhenta de revendedores, usurários e ladrões e para sacudir do torpor aqueles que muitos séculos de desleixo sacerdotal tinham feito cair num letargo espiritual. Foi o toque de recolher para o meu

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povo, a fim de levá-lo para Deus. Este ano Eu voltei.. E pude ver que o Templo é sempre o mesmo... E que está pior ainda. Já não é mais uma espelunca de ladrões, mas um lugar de conspiração. Depois se tornará sede do delito, depois um lupanar e finalmente, será destruído por uma força maior que a de Sansão, esmagando uma casta indigna de ser chamada santa. É inútil falar naquele lugar, no qual, eu peço que te lembres, foi-me proibido falar. Povo desleal! Povo envenenado em seus chefes, povo que ousa interditar que a Palavra de Deus fale em sua Casa! Foi-me proibido. Eu me calei por amor aos pequeninos. Não é ainda a hora de me matarem. Muitos precisam de Mim, e os meus apóstolos ainda não estão fortes para receberem em seus braços a minha prole: o Mundo. Não chores, Mãe, perdoa, tu que és boa, a necessidade que teu Filho tem de falar a Verdade, que Eu sou, a quem quer ou pode iludir-se... Eu me calo... Mas, ai daqueles por causa dos quais Deus se cala!... Ó Mãe, ó Margziam, não choreis!... Isto Eu vos peço. Ninguém chore.”

Mas, na realidade todos mais ou menos estão chorando e com muita dor.

Judas, pálido como um morto, em sua veste amarela e vermelha com listras, ainda se atreve a falar com uma voz choramingante e ridícula: “Podes crer, Mestre, que eu estou assombrado e entristecido... Não sei o que queres dizer... Eu não estou sabendo de nada... É verdade que eu não vi nenhum do Templo. Eu rompi relacionamento com todos... Mas, se Tu estás dizendo, deve ser verdade...”

“Judas, não viste nem Sadoc?”

Judas inclina a cabeça, murmurando: “É um amigo... Como tal eu

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o vi. E não como um dos do Templo...”

17 Jesus não lhe dá resposta. Mas vira-se para Isaac e para João de Endor, 206.17 aos quais faz ainda recomendações sobre o trabalho deles.

Entretanto, as mulheres estão confortando Maria, que está chorando, e ao menino, que também chora, ao ver Maria chorar.

Até Lázaro e os apóstolos estão entristecidos. Mas Jesus vai até eles. Ele retomou o seu doce sorriso e, enquanto abraça a Mãe e acaricia o menino, diz: “E agora Eu vos saúdo, a vós que ficais. Porque amanhã cedo nós partiremos. Adeus, Lázaro. Adeus, Maximino. José, Eu te agradeço por toda cortesia feita a minha Mãe e as discípulas enquanto aguardavam por mim. Agradeço por tudo. Adeus, Lázaro, abençoa também à Marta em meu nome. Logo Eu voltarei. Vem, minha Mãe, vamos descansar. E tu também, Maria e Salomé, se é que vós também quereis ir.”

“Com certeza, nós iremos”, dizem as duas Marias.

“Então, para a cama. A paz esteja com todos. Deus esteja convosco! Jesus faz um gesto de bênção e sai, segurando pela mão o menino e abraçado com sua Mãe...

A permanência em Betânia terminou.

207. Na gruta de Belém

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a Mãe relembra o nascimento de Jesus.

3 de julho de 1945.

1 Deixada Betânia, ao primeiro riso da aurora, Jesus vai rumo a Belém com 207.1 sua Mãe, com Maria de Alfeu e com Salomé, acompanhado pelos apóstolos e tendo à sua frente o menino, que encontra motivo de alegria em tudo o que vê: as borboletas que despertam, os passarinhos que cantam ou vão dando bicadas pela estrada, as flores que resplendem com os diamantes das orvalhadas, o aparecimento de um rebanho no qual há muitos cordeirinhos berrando. Passada a torrente que fica ao sul de Betânia, toda uma espuma risonha por entre as pedras, a comitiva se dirige para Belém por entre duas séries de colinas, todas verdes com suas oliveiras e vinhedos, com pequenos campos dourados pelas messes, que já começaram a ser colhidas. O vale está fresco e o caminho bastante cômodo.

Simão de Jonas põe-se à frente, unindo-se ao grupo de Jesus e pergunta: “Vai-se por aqui a Belém? Diz João que na outra vez o fizera por outra estrada.”

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“É verdade”, diz Jesus. “Mas é porque estávamos vindo de Jerusalém. Indo-se por aqui o caminho é mais curto. No sepulcro de Raquel, que as mulheres querem ver, nós nos separaremos, como decidistes há tempo. Depois, nos reuniremos em Betsur, onde minha Mãe deseja permanecer.”

“É verdade, nós o dissemos... Mas seria muito bonito, se fôssemos todos juntos... especialmente com a Mãe... porque a Rainha de Belém e da Gruta é Ela e Ela sabe tudo muito bem... Ouvindo as palavras dela, seria outra coisa, aí está.”

Jesus sorri, olhando para Simão, que insinuou delicadamente o seu desejo.

“Que gruta, pai?”, pergunta Margziam.

“A gruta onde nasceu Jesus.”

“Oh! Que bonito! Eu também vou lá.”

“Seria bonito de fato!”, dizem Maria de Alfeu e Salomé.

“Muito bonito!... Seria voltar atrás... ao tempo em que o mundo não te conhecia, é verdade, mas também ainda não te odiava... Seria encontrar de novo o amor dos simples, que não souberam senão crer e amar, com humildade e fé... Seria depor este peso de amargura, que me oprime o coração, quando sei como és odiado e colocar esse peso lá no teu berço... Lá deve ter ficado ainda a doçura do teu olhar, da tua respiração, daquele teu sorriso incerto, lá... e fariam caricias ao meu coração... Ele está tão amargurado!...” Maria fala baixo, com saudade e tristeza.

“Então, iremos lá, minha Mãe. Guia-me, tu. Hoje és tu Mestra e eu a criança que aprende.”

“Oh! Filho! Não! Tu és sempre o Mestre!”.

“Não, minha Mãe. Simão de Jonas falou bem. Na terra de Belém, a Rainha és tu. É lá o teu primeiro castelo. Maria, da estirpe de Davi, guia este pequeno povo por entre tuas moradas.”

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Iscariotes ia falar, mas resolve calar-se. Jesus, que nota aquele ato e o interpreta, diz: “Se alguém, por cansaço ou por outro motivo, não quiser ir, prossiga por Betsur livremente.” Mas ninguém diz nada.

2 Prosseguem a estrada, através do fresco vale que vai na direção 207.2 leste-oeste. Depois se dirigem levemente para o norte, a fim de costearem uma colina, que vem aparecendo à frente e alcançam assim o caminho que de Jerusalém vai para Belém, justamente perto do cubo, encimado por uma pequena cúpula redonda, que é a da tumba de Raquel. Todos se aproximam dela para rezar com reverência.

“Foi aqui que paramos eu e José... Está tudo igual ao que era na-

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quele tempo. Só a estação é que era diferente. Era aquele um dos dias frios do mês de Casleu. Havia chovido e as estradas tinham ficado alagadas. Depois, veio um vento gelado, pois talvez de noite tivesse caído geada. As estradas estavam duras, mas todas com sulcos feitos pelos carros e pelas multidões, e eram como um mar cheio de buracos e o meu burrinho se fatigava muito...”

“E tu não, minha Mãe?”

“Oh! eu Te tinha comigo!...”, e olha para Ele com um rosto tão feliz, que comove. Depois toma de novo a palavra: “A tarde já vinha chegando e José estava muito preocupado... Vinha levantando-se um vento cada vez mais forte, um vento que cortava... As pessoas se apressavam a caminho de Belém, esbarrando umas nas outras, e muitos diziam palavras injuriosas ao meu burrinho, porque ele ia muito devagar, procurando os lugares onde podia pôr os cascos... Mas é que ele parecia que soubesse que havia Tu... e que estavas dormindo o teu último sono no berço do meu seio. Fazia frio... Mas o que eu sentia era um forte calor. Eu percebia que vinhas vindo. Que vinhas vindo? Poderias dizer: “Eu lá estava, minha Mãe, com nove meses.” Sim. Mas agora era como se estivesses vindo dos Céus. Os Céus se abaixavam, se abaixavam sobre mim e eu via os esplendores deles... Eu via incendiar-se a Divindade, em sua alegria pelo teu próximo nascimento e aqueles fogos me penetravam, me incendiavam também, me levavam para fora de mim mesma... de tudo... Frio... vento... pessoas... nada! Eu só via a Deus... De vez em quando, com esforço, eu conseguia fazer voltar o meu espirito por sobre a terra, e sorria para José, que tinha medo de que o frio e a fadiga me fizessem mal e ia guiando o burrinho com cuidado, para que ele não tropeçasse, e me envolvia de novo na coberta, para que não me resfriasse... Mas nada podia acontecer. As sacudidas, eu nem percebia. Parecia-me estar andando por um caminho estrelado, por entre nuvens cândidas e sendo sustentada por anjos... E eu sorria... Primeiro para Ti... Eu olhava para Ti, através da barreira da carne e estavas dormindo com os punhozinhos fechados em teu leitozinho de rosas vivas, meu botão de lírio... Depois, sorria para o esposo, que estava tão aflito, tão aflito, para encorajá-lo. De pois para as pessoas, que ainda não sabiam estarem já respirando na áura do Salvador...

Paramos junto à tumba de Raquel para dar um pouco de descanso ao burrinho e para comer um pouco de pão com azeitonas, que éram as nossas provisões de pobres. Mas Eu não tinha fome. Não podia ter fome. Era alimentada pela minha alegria. 3 Pusemo-nos de novo a ca- 207.3

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minho. Vinde. Vou mostrar-vos onde encontramos o pastor... Não tenhais medo de que eu me engane. Eu revivo aquela hora e encontro de novo cada lugar, porque vejo tudo através de uma

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grande luz angélica. Talvez a multidão angélica está de novo aqui, invisível aos olhos dos corpos, mas visível para as almas, com seu luminoso candor e tudo se revela, tudo é mostrado. Eles não podem enganar-se, e me vão conduzindo... para alegria minha e para alegria vossa. Aí está: daquele campo para este, veio Elias com as suas ovelhas e José foi pedir-lhe leite para mim. E ali, naquele prado, nós paramos, enquanto ele tirava o leite quente e restaurador, e dava seus conselhos a José.

Vinde, vinde... Ali está, ali está o caminho do último pequeno vale, antes de Belém. Fomos por este, porque a estrada principal, nas proximidades da cidade, estava numa grande confusão de pessoas e cavalgaduras...

4 Eis Belém! Oh! A querida! Querida terra de meus pais, que me deste o 207.4 primeiro beijo de meu Filho! Tu te abriste, boa e fragrante, como o pão do qual tens o nome, para dar o Pão Verdadeiro ao mundo que está morrendo de fome! Tu me abraçaste como uma mãe, tu, na qual ficou o amor materno de Raquel, Terra Santa da Belém davídica, primeiro Templo do Salvador, a Estrela da Manhã, nascida de Jacó, a fim de mostrar a rota dos Céus a toda a humanidade. Olhai para ela e vede como está bela nesta primavera! Mas, mesmo então, ainda que os campos e os vinhedos estivessem despojados, ela estava bela! Um leve véu de geada voltava a brilhar, a tremeluzir sobre os galhos nus, e eles se tornavam como que polvilhados com diamantes, como se estivessem enrolados em um impalpável véu do Paraíso. Cada casa soltava fumaça por sua chaminé, pois a hora da ceia estava próxima. E a fumaça, subindo pela encosta até o perímetro, mostrava a cidade, ela também coberta com um véu... Tudo era casto, recolhido à espera de... de Ti, de Ti, Filho. A terra percebia que estavas vindo. E até os belemitas Te teriam percebido, porque maus eles não são, por mais que não o acrediteis. Eles não podiam hospedar-nos... Nas casas de Belém se comprimiam, arrogantes como sempre, surdos e soberbos, aqueles que ainda hoje o são, e esses tais não poderiam perceber a tua presença... Quantos fariseus, saduceus, herodianos, escribas, essênios lá havia! Oh! O serem eles uns obcecados agora, é coisa que já vem de terem sido duros de coração então. Eles fecharam o coração ao amor para com a sua pobre irmã naquela tarde... e permaneceram, e permanecem nas trevas. Eles rejeitaram a Deus, desde então, rejeitando o amor ao próximo.

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5 Vinde. Vamos à gruta. Entrar na cidade, é inútil. Os maiores amigos do 207.5 meu Menino já não estão mais lá. Fica a natureza amiga, com suas pedras, com o seu rio e sua lenha para fazer fogo. A natureza, que percebeu a vinda do seu Senhor... Então, vinde sem temor. Vaise por aquí... Lá estão os escombros da Torre de Davi. Oh! querida por mim mais do que um palácio. Benditas ruínas! Bendito rio! Bendita planta que, como por milagre, foste despojada pelo vento de tantos ramos, para que pudéssemos achar lenha e fazer fogo!”

Maria desce, ligeira, para a gruta, atravessa o pequeno rio por uma pinguela que serve de ponte, corre pelo descampado que está diante dos escombros, cai de joelhos na entrada da gruta, inclina-se e beija o chão. Acompanham-na todos os outros. Estão comovidos... O menino, que não a deixa um instante, parece estar ouvindo uma maravilhosa história e os seus olhinhos negros bebem as palavras e os gestos de Mária, não perdendo um só deles.

Maria torna a levantar-se, e entra, dizendo: “Tudo, tudo como naquele tempo!... Só que naquele tempo era noite... José fez fogo quando entrei. Então, só então, descendo do burrinho é que eu senti como estava cansada e gelada... Um boi me saudou e eu fui até ele para sentir um pouco de calor e para descansar sobre o feno... Aqui, onde estou, José espalhou mais feno, para fazer-me uma cama e o enxugou para mim, como para Ti, meu Filho, diante das chamas do fogo aceso naquele canto... pois José era bom como um pai, em seu amor de esposo-anjo... E, segurando-nos pelas mãos, como dois irmãos perdidos no escuro da noite, comemos nosso pão e queijo. Depois, ele foi

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avivar o fogo, tirando o seu capote para tapar uma abertura... Na verdade, desceu um véu diante da glória de Deus, que descia dos Céus, e eras Tu, meu Jesus... e eu fiquei sobre o feno, ao calor dos dois animais, envolvida em meu manto e com a capa de lá... Ó meu querido esposo! Naquela hora de ânsia e de temor na qual eu estava sozinha, diante do mistério da primeira maternidade, que é plena do desconhecido para uma mulher, e para mim, naquela única maternidade, plena também de mistério, como teria sido o de ver o Filho de Deus saindo da carne mortal, ele, José, foi para mim como úma mãe, foi um anjo... foi o meu conforto... então e sempre...

6 Depois veio o silêncio e o sono que envolveram a José... para que ele não 207.6 visse aquilo que era para mim o beijo diário de Deus... E, para mim, depois de um intervalo para as necessidades humanas, sobrevêm-me as ondas desmesuradas de um êxtase, vindas do mar do Paraíso e que me elevavam de novo para cima das cristas luminosas,

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cada vez mais altas, levando-me para cima, mais para cima consigo, para um oceano de luz, de luz, de alegria, de paz, de amor, até que me encontrei perdida no mar de Deus, do seio de Deus... Uma voz veio ainda da terra: “Estás dormindo, Maria?” Oh! Ela vinha de tão longe! Parecia mais um eco, uma lembrança da terra! E tão fraca, que a alma não se agita, e nem sei com que palavras respondi enquanto subo, vou subindo ainda por este abismo de fogo, de felicidade infinita, de uma precognição de Deus... até Ele, Ele... Oh! Mas és Tu que nasceste, ou sou Eu que nasci dos Trinos fulgores, naquela noite? Fui eu que Te dei, ou foste Tu que me deste o sopro da vida? Eu não sei...

Depois a descida, de um coro a outro coro, de um astro a outro astro, de um estrato a outro estrato, doce, lenta, feliz, tão plácida como uma flor levada para o alto por uma águia e depois solta no ar e vai descendo lentamente nas asas do ar, tornando-se mais bela por uma gota de chuva que brilha como uma pedra preciosa, por um pedacinho do arco-íris arrebatado ao céu, esse reencontra no torrão natal... É o meu diadema: Tu! Tu sobre o meu coração...

Sentada aqui, depois de ter-te adorado de joelhos, eu te amei. Finalmente, Te pude amar sem as barreiras da carne, e daqui eu me movi para levar-te ao amor daquele que, como eu, era digno de estar entre os primeiros a amar-te. E aqui, entre duas rústicas colunas, eu te ofereci ao Pai. E foi aqui que descansaste, pela primeira vez, sobre o coração de José... Depois, eu te enfaixei e, juntos, nós te colocamos aqui... Eu te balançava, enquanto José enxugava o feno ao fogo e o conservava quente, para depois pô-lo sobre o teu peito e, em seguida, ficávamos te adorando nós dois, assim, inclinados sobre Ti como agora, bebendo a tua respiração, olhando até que aniquilamento do amor pode conduzir, chorando as lágrimas que certamente no Céu se choram, pela alegria inexaurível de ver sempre a Deus.”

7 Naquela sua revogação, Maria ia e vinha, mostrando os lugares, ardente 207.7 em seu amor, com um brilho de lágrimas em seus olhos azuis e um sorriso de alegria em sua boca, inclinando-se de verdade sobre o seu Jesus, que agora está ali sentado sobre uma pedra grande, enquanto Ela vai-se lembrando de tudo e o beija por entre os cabelos, chorando e adorando-o, como então...

“E depois, os pastores, que entravam aqui para adorar, com seu bom coração e com o grande suspiro da terra, que aqui com eles entrava, com aquele odor de humanidade, de rebanhos e de feno. Fora e por toda parte, os anjos para adorar-Te com seu amor, os cantos deles que a criatura humana é incapaz de repetir, e com o amor dos

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Céus, com aquele ar de Céu que entrava com eles, que eles traziam junto com os seus fulgores... Foi o teu nascimento bendito!...”

Maria ajoelhou-se lado do Filho, e está chorando de emoção, com a cabeça inclinada sobre os joelhos dele. Ninguém, por algum tempo, tem coragem de falar. Mais ou menos emocionados, os presentes olham ao redor, uns para os outros, como se, por entre as teias de aranha e as pedras escabrosas, eles esperassem ir vendo pintada a cena, que havia sido descrita...

Maria recobra a coragem e diz: “Eis. Eu falei do infinitamente simples e infinitamente grande nascimento do meu Filho. Com meu coração de mulher, mas não com a sabedoria de mestre. Outra coisa não há, porque foi a coisa maior da Terra, escondida por debaixo das mais comuns aparências.”

8 Mas, e o dia seguinte? E depois dele?”, perguntam muitos, entre os quais 207.8 as duas Marias.

“No dia seguinte? Oh! Muito simples! Fui a mãe que dá leite ao seu menino, que o lava e enfaixa, como fazem todas as outras mães. Eu esquentava a água buscada no rio, sobre o fogo que era aceso ali fora, a fim de que a fumaça não fizesse aqueles dois olhinhos azuis chorar e, depois, no canto mais abrigado da gruta, em uma velha gamela, eu lavava o meu Filho e o enrolava em panos frescos. Depois, eu ia ao rio lavar os paninhos e os estendia ao sol... Em seguida, alegria das alegrias, eu punha Jesus ao peito e Ele sugava, tornando-se mais corado e feliz. No primeiro dia, à hora do maior calor, fui sentar-me ali fora, para vê-lo bem. Aqui a luz não entra direta, mas se filtra, e a luz e as chamas dão às coisas uma aparência esquisita. Eu fui lá para fora, ao sol, e olhei para o Verbo Encarnado. Foi então que a Mãe conheceu o Filho, a Serva de Deus ao seu Senhor. Ai eu fui mulher e adoradora.... Depois, a casa de Ana... aqueles dias junto ao teu berço, os teus primeiros passos, a primeira palavra. Mas isso foi depois, a seu tempo... E nada, nada foi igual à hora do teu nascimento... Só ao retorno para Deus reencontrarei aquela plenitude...”

“Mas... deixar para partir assim, na última hora! Que imprudência! Por que não esperar? O decreto previa também uma data mais afastada, para os casos excepcionais, como os de nascimentos e doenças. Alfeu falou assim...”, disse Maria de Alfeu.

“Esperar? Oh! Não. Naquela tarde em que José trouxe a noticia, eu e Tu, meu Filho, saltamos de alegria. Era o chamado, porque aqui, somente aqui é que devias nascer, como os Profetas haviam dito. E aquele decreto de improviso foi como um céu piedoso para José, pois

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acabava até com a lembrança da suspeita dele. Era aquilo que eu esperava para Ti, para ele, para o mundo judaico e para o mundo futuro, até o fim dos séculos. Estava dito. E, como estava dito, aconteceu. Esperar! Pode a esposa aceitar uma espera para o sonho de suas núpcias? Por que esperar?”

“Mas... por tudo o que podia acontecer...”, diz ainda Maria de Alfeu.

“Eu não tinha medo nenhum. Eu descansava em Deus.”

“Mas, tu sabias que tudo teria sido assim?”

“Ninguém me havia dito isso, nem eu pensava nisso, tanto assim, que para encorajar José, eu deixei que ele ficasse duvidando, e a vós também, sobre se já era, ou não, o tempo do nascimento.

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Mas eu sabia, isto eu sabia, que na festa das Luzes nasceria a Luz do mundo..”

“E tu, então, minha mãe, por que não acompanhaste Maria? E o pai, por que não pensou nisso? Vós também devíeis ter vindo aqui. Hoje não viemos todos?', pergunta sério Judas Tadeu.

“Teu pai tinha decidido que viria depois das Encênias, e disse isto ao irmão dele. Mas José não quis esperar.”

“Mas tu, ao menos...” retruca ainda Tadeu.

“Não a censures, Judas. De comum acordo, achamos justo descer um véu sobre o mistério deste nascimento.”

“Mas José sabia que ele teria acontecido com aqueles sinais? Se nem tu sabias, como podia ele saber?”

“Nós não sabíamos de nada, a não ser que Ele devia nascer.”

“E então?”

“E então a Sabedoria divina nos guiou assim, como era justo. O nascimento de Jesus, sua presença no mundo, devia aparecer privada de tudo o que fosse extraordinário e provocasse a ira de Satanás... E vós estais vendo como o ódio atual de Belém para com o Messias é uma conseqüência da primeira manifestação de Cristo. O rancor do demônio usou da revelação para fazer derramar sangue e, pelo sangue derramado, fazer nascer o ódio. 9Estás contente, Simão de Jonas, tu que 207.9 não dizes nada e quase nem respiras mais?”

“Muito... e a tal ponto que me parece que estou fora do mundo, em um lugar ainda mais santo, do que se estivesse do outro lado do véu do Templo... A tal ponto, que agora que eu te vi neste lugar, e com a luz daquele tempo, eu fico temeroso por haver-te tratado com respeito, sim, mas como uma grande mulher, sempre mulher. Agora... agora eu não terei coragem de te chamar como antes: “Maria”. Antes, eras para mim a mamãe do meu Mestre. Agora, agora que eu te vi so-

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bre as alturas daquelas ondas celestes, que eu te vi como Rainha, eu miserável, faço assim, como um escravo que sou.”, e se joga no chão para beijar os pés de Maria.

Nesse momento, Jesus lhe fala: “Simão, levanta-te. Vem cá, bem perto de Mim.” Pedro vai, então, para a esquerda de Jesus, porque Maria está à direita. “Que é que somos agora nós?”, pergunta Jesus.

“Nós? Ora, somos Jesus, Maria e Simão.”

“Está bem. Mas, quantos somos?”

“Três, Mestre.”

“Portanto, é uma trindade. Um dia no Céu à Divina Trindade veio um pensamento: “Agora chegou o tempo de o Verbo ir à terra”, e, em uma palpitação de amor, o Verbo veio à terra. Separou-se, pois do Pai e do Espirito Santo. Veio trabalhar na terra. No Céu, os Dois que ficaram contemplaram as obras do Verbo e se conservaram mais unidos do que nunca, para assim unirem o

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Pensamento e o Amor, a fim de ajudar a Palavra que trabalha na terra. Um dia virá em que do Céu baixará esta ordem: “Já é tempo para que Tu voltes, porque tudo já se cumpriu”, e então, o Verbo voltará aos Céus, assim (e Jesus dá um passo para trás, deixando Maria e Pedro onde eles estavam) do alto dos Céus, contemplará as obras dos dois que ficaram na terra, os quais, por um movimento santo, se unirão mais do que nunca, para unirem o poder e o amor, e fazer deles um meio para que se cumpra o desejo do Verbo: “A redenção do mundo através do perpétuo ensinamento de sua Igreja”. E o Pai, Filho e Espirito Santo farão dos seus raios uma corrente para ajuntar cada vez mais os dois que ficaram na terra: minha Mãe, é o amor; e tu, o poder. Deverás, pois, tratar bem Maria como rainha, sim, mas não como um escravo. Que te parece?”

“A mim me parece o que Tu quiseres. Eu estou aniquilado. Eu, ficar com o poder? Oh! Se é que eu sou o poder, então sim é que eu me devo apoiar nela! Oh! Mãe do meu Senhor, não me abandones nunca, nunca, nunca...”

“Não tenhas medo. Eu te terei sempre pela mão, do mesmo modo como fazia com o meu Menino, até que Ele se tornou capaz de andar sozinho.”

“E depois?”

“E depois eu te socorrerei com a oração. Coragem, Simão. Nunca duvides do poder de Deus. Dele não duvidei eu nem José. E nem tu deves duvidar. Deus dá sua ajuda a cada hora, desde que permaneçamos humildes e fiéis. 10 Agora, 207.10 vinde aqui fora, à beira do rio, à sombra daquela árvore boa que, se o verão já tivesse chegado, vos estaria

348.

dando agora suas maçãs, além de sua boa sombra. Vinde. Vamos comer, antes de nos pormos a caminho... Para onde, meu Filho?”

“Para Jala. Fica perto. E amanhã iremos a Betsur.”

Assentam-se à sombra da macieira, e Maria se coloca justamente na frente do tronco robusto. Bartolomeu olha fixamente para Ela, tão jovem e animada pela evocação feita, recebendo do Filho o alimento que Ele abençoou, sorrindo para Ele com uns olhos cheios de amor, murmura; “A sombra dele eu me assentei, e seu alimento é doce ao meu paladar.”

Judas Tadeu é quem lhe responde: “É verdade. Ela está lánguida de amor. Mas não se há de dizer que sob uma macieira é que ela foi despertada.”

“E, por que não, meu irmão? Que sabemos nós dos segredos do Rei?”, responde Tiago de Alfeu.

E Jesus, sorrindo: “A nova Eva foi concebida pelo Pensamento, aos pés da árvore do Paraíso, para que com o seu sorriso e com o seu pranto, afugentasse a serpente e desintoxicasse a intoxicada fruta. Ela se fez assim a árvore do fruto redentor. Vinde, amigos e comei dele. Porque nutrir-se alguém de sua doçura é nutrir-se com o mel de Deus.”

“Mestre, responde a um meu antigo desejo de saber. O Cántico, que nós estamos citando tem a previsão dela?”, pergunta Bartolomeu, enquanto Maria está ocupada com o menino, e conversando com as mulheres.

“Desde o principio do Livro se fala dela, e dela se falará nos livros que vierem depois, até que

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a palavra do homem se mude no sempiterno hosana da eterna Cidade de Deus”, e Jesus se vira para as mulheres.

“Como se percebe que é de Davi! Que sabedoria, que poesia! “, diz Zelotes, falando com os companheiros.

11 “Aì está”, intervém Iscariotes que, estando ainda sob a impressão do 207.11 dia anterior, pouco está falando, mas procurando situarse naquela liberdade em que vivia antes: “Aí está. Eu quereria entender por que é mesmo que precisou haver a Encarnação. Somente Deus pode falar, de modo a derrotar Satanás. Só Deus pode ter o poder de redenção. E disto eu não duvido. Mas, eis que me parece que o Verbo podia aviltar-se menos do que tudo o que Ele fez, ao nascer como todos os homens, ao sujeitar-se às misérias da infância, e assim por diante. Não teria Ele podido aparecer em forma humana, já adulto, com a aparência de adulto? Ou, então, se Ele queria mesmo uma

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mãe, que a escolhesse, mas adotiva, como Ele fez para o pai? Parece que uma vez eu lhe fiz estas perguntas, mas Ele não me respondeu amplamente, se é que não me estou lembrando.”

“Faze-lhe a pergunta agora, uma vez que estamos no assunto”, diz Tomé.

“Eu, não. Eu o fiz ficar inquieto e ainda não me sinto perdoado. Perguntai-lho vós por mim.”

“Mas, perdão! Nós aceitamos tudo sem tantos esclarecimentos e logo nós é que devemos fazer-lhe perguntas? Isso não é justo!”, responde-lhe Tiago de Zebedeu.

“O que não é justo?”, pergunta Jesus.

Fazem silêncio, e depois Zelotes se faz intérprete de todos, e repete as perguntas de Judas de Keriot e as respostas dos outros.

“Eu não conservo rancor. É a primeira coisa que Eu digo. Faço as observações que devo, sofro e perdôo. Isto para quem está com medo, que é ainda o fruto de sua perturbação. E, quanto à Encarnação real por Mim feita, Eu digo: “É justo que assim tenha sido”. No futuro muitos e muitos cairão em erros sobre minha Encarnação, atribuindo-me justamente as formas errôneas que Judas quereria que Eu tivesse assumido. Um homem aparentemente robusto, quanto ao corpo, mas na realidade um fluído, como um jogo de luz, segundo o qual, eu poderia ser ou deixar de ser carne. E então seria ou não seria uma maternidade a de Maria. Na verdade, Eu sou carne e, em verdade, Maria é a Mãe do Verbo Encarnado. Se a hora do nascimento não foi mais que um êxtase, é porque Ela é a nova Eva, sem o peso da culpa e sem a herança do castigo. Mas não foi um aviltamento para Mim o repousar nela. Por ventura, estava aviltado o maná, por estar fechado no Tabernáculo? Não. Pelo contrário, ele estava sendo honrado por estar naquela morada. Outros dirão que Eu, não sendo Carne real, não sofri e não morri, durante o tempo em que estive na terra. Sim. Não podendo eles negar que Eu aqui estive, negarão a minha Encarnação real ou a minha Divindade verdadeira. Não, porque, em verdade, Eu sou um com o Pai eternamente e estou unido a Deus como carne, uma vez que o Amor tenha atingido o inatingível em sua Perfeição, revestindo-se de Carne para salvar a carne. A todos esses erros quem responde é a minha vida inteira, que se sujeitou a tudo o que é comum entre os homens, exceto ao pecado. Nascido, sim, Eu sou dela. E para o vosso bem. Vós não sabeis quanto fica temperada a Justiça, desde que Ela tenha a mulher como sua colaboradora. Eu te fiz contente, Judas?

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“Sim, Mestre.”

“Faze o mesmo comigo!”

Iscariotes inclina a cabeça confuso e talvez também comovido por tão grande bondade.

A permanência se prolonga, à sombra fresca da macieira. Uns estão dormindo, outros cochilando. Mas Maria volta à gruta e Jesus a acompanha...

208. Maria Ssma. revê o pastor Elias

e com Jesus vai à casa de Elisa em Betsur.

4 de julho de 1945.

1 Quase com certeza os encontraremos, se nos conservarmos andando por 208.1 algum tempo na estrada que vai para Hebron. Eu vos peço isto: Andai dois a dois, à procura deles, pelos caminhos das montanhas. Daqui até às piscinas de Salomão, depois de lá até Betsur. Nós vos acompanharemos. Esta é a zona de pastagem deles”, diz o Senhor aos doze, e eu compreendo que Ele está falando dos pastores.

Os apóstolos se apressam em andar, cada um com o companheiro de sua preferência e só a dupla quase inseparável de João e André é que não se une, porque os dois vão a Iscariotes e lhe dizem: “Eu vou contigo”, e Judas responde: “Sim, vem André. É melhor assim, João. Eu e tu seremos dois que já conhecemos os pastores. É melhor, então que vás com qualquer outro.”

“Que venha comigo o rapaz”, diz Pedro, deixando Tiago de Zebedeu que, sem protestar, vai com Tomé, enquanto Zelotes vai com Judas Tadeu, Tiago de Alfeu com Mateus e os inseparáveis Filipe e Bartolomeu, vão por conta deles. O menino fica com Jesus e com as Marias. A estrada é fresca e bela entre os montes todos verdes, por causa das diferentes culturas, dos bosques e dos prados. Encontram-se os rebanhos que, à luz dourada da aurora, vão ás pastagens.

A cada batida do cincerro, Jesus pára de falar e olha. Depois, pergunta aos pastores se Elias, o pastor belemita, está por aqueles lugares. Compreendo que Elias já está sendo chamado “o belemita”. Ainda que outros pastores também o sejam, ele é, por direito, ou por caçoada, “o belemita”. Mas ninguém sabe. Eles respondem, parando o rebanho, e cessando de tocar suas rústicas flautas. Os jovens, quase todos, tem estas flautas toscas feitas de caniço, e isso faz que Margziam fique extasiado, até que um pastor velho e bom resolve dar-lhe

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a de seu neto, dizendo: “Ele fará outra para si”, e Margziam sai dali feliz com o seu instrumento a tiracolo, ainda que, por enquanto não saiba tocar.

2Eu gostaria muito de encontrá-los!”, exclama Maria. 208.2

“Nós os encontraremos com certeza. Nesta estação, estão sempre perto de Hebron.”

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O menino se interessa por estes pastores, que viram Jesus Menino e faz mil perguntas a Maria, que lhe explica tudo, com muita paciência e bondade.

“Mas, por que foi que os castigaram? Eles só tinham feito o bem”, pergunta o menino, depois que lhe foram contadas as desventuras por que eles passaram.

“Porque muitas vezes o homem comete erros, acusando os inocentes de um mal que na realidade foi feito por outro. Mas, visto que eles eram bons, e souberam perdoar, Jesus os ama muito. É preciso saber perdoar sempre.”

“Mas, todos aqueles meninos que foram mortos, como fizeram para perdoar a Herodes?”

“Eles são pequenos mártires, Margziam, e os mártires são santos. Eles não somente perdoam ao seu carrasco, mas o amam, porque ele abre para eles o Céu.”

“Então, eles estão no Céu?”

“Não, por enquanto não. Mas estão no Limbo, para serem a alegria dos Patriarcas e dos Justos.”

“Por que?”

“Porque disseram, quando chegaram com suas almas tingidas de sangue: “Eis-nos aqui, nós somos os arautos do Cristo Salvador. Alegrai-vos, vós que estais esperando, porque Ele já está na terra.” E todos os amam porque eles são os portadores dessa boa nova.”

“Meu pai me disse que a boa nova é também a palavra de Jesus. Então, quando meu pai for para o Limbo, depois de a ter dito sobre a terra, e eu também irei para lá, seremos nós também amados?”

“Tu não irás para o Limbo, pequenino.”

“Por que?”

“Porque Jesus já terá voltado para os Céus, e os terá aberto, e todos os bons, na hora de sua morte, irão logo para o Céu.”.

“Eu vou ser bom, assim prometo. E Simão de Jonas? Ele também, não é? Por que eu não quero ficar órfão pela segunda vez.”

“Ele também, com certeza. Mas no Céu ninguém é órfão. Lá temos Deus. Deus é tudo. Nem aqui nós somos órfãos. Porque o Pai está

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sempre conosco.”

“Mas, Jesus, naquela bela oração que Tu me ensinaste de dia e minha mãe de noite, diz: “Pai nosso que estais nos Céus.” Nós ainda não estamos no Céu. Como, então podemos estar com Ele?”

“Porque Deus está em toda parte, meu filho. Ele vela sobre o menino que nasce e sobre o velho que morre. O menino que está nascendo neste momento, no ponto mais remoto da terra, tem

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consigo os olhares e o amor de Deus, e os terá até à morte.” .

“Ainda que ele seja mau, como Doras?”

“Sim. Ainda que o seja.”

“Mas Deus, que é bom, como pode amá-lo, se Doras é tão mau e faz chorar ao meu velho pai?”

“Deus olha para ele com desgosto e com dor. Mas, se ele se arrependesse. Ele lhe diria o que o pai da parábola disse ao filho arrependido. 3 Tu deverias rezar 208.3 para que ele se arrependa e...”

“Oh! Não, Mãe! Eu rezarei para que ele morra!”, diz impetuosamente o menino. Por mais que esta saída seja pouco... angélica, o ímpeto do menino é tão veemente e tão sincero, que os outros têm que fazer esforço para não rir.

Mas depois Maria assume de novo a sua doce seriedade de Mestra: “Não, meu querido. Isto não deves fazer a um pecador. Deus não te ouviria e até olharia para ti com severidade. Nós devemos desejar para o próximo, ainda que ele seja muito mau, o maior bem. A vida é um bem porque dá ao homem o modo de adquirir méritos aos olhos de Deus.”

“Mas, se alguém é mau, o que adquire são pecados.”

“Reza-se para que ele se torne bom.”

O menino fica pensando... mas não entende muito esta lição sublime e conclui: “Doras não se tornará bom, mesmo se eu rezar. Ele é mau demais. Ainda que comigo rezassem todos os meninos mártires de Belém, ele não se tornaria bom. Não sabes que... não sabes que... que um dia ele bateu com uma barra de ferro em meu velho pai, porque o encontrou sentado na hora do trabalho? Meu pai não podia levantar-se, porque se sentia mal, e ele... bateu nele até deixá-lo quase morto e depois lhe deu ainda um pontapé no rosto...Eu vi tudo, porque estava escondido atrás de uma sebe...Eu tinha ido até lá porque ninguém me tinha levado pão já havia dois dias, e eu estava com fome... Eu tive que fugir de lá, para não me perceberem, pois eu estava chorando, ao ver meu pai sendo tratado daquele modo, com a barba cheia de sangue, e como se estivesse morto... Eu sai de lá chorando e

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pedindo pão... mas aquele pão, eu o encontrei sempre foi aqui... aquele tinha sabor do sangue e das lágrimas de meu pai e também das minhas, e de todos os que são torturados, e não podem amar a quem os tortura. Eu, gostaria de bater em Doras, para que ele sentisse o que são as batidas, eu gostaria de deixá-lo sem pão, para que ele ficasse sabendo o que é a fome, e quereria fazê-lo trabalhar, ao ardor do sol, ou na lama, sob as ameaças dos vigilantes e sem comer, para que ele ficasse sabendo o que está dando aos pobres... Eu não lhe posso querer bem, porque... ele está matando a meu santo pai, e eu, se não vos encontrasse, de quem haveria de ser depois?” O menino, tomado por uma dor convulsiva, grita e chora, tremendo, agitado, com seus pequenos punhos fechados, dando socos no ar, já que não pode dá-los no carrasco.

As mulheres estão assombradas e comovidas, e procuram acalmá-lo. Mas ele está, de fato, numa crise de dor, e não ouve o que lhe falam. Ele grita: “Eu não posso, nao posso amá-lo e perdoá-lo. Eu o odeio, eu o odeio por todos, o odeio!...”

Causa dó e medo. 4 É a reação da criatura que sofreu demais. E Jesus diz: 208.4 “Este é o

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maior dos delitos de Doras: levar um inocente a odiar...”

Mas depois Ele toma nos braços o menino, e lhe diz: “Escuta, Margziam. Queres tu um dia ficar com a mamãe, o pai, os irmãozinhos e o velho pai?”

“Siiim...”

“Nesse caso não podes odiar ninguém. No Céu não entra quem odeia. Não podes rezar, por enquanto, pelo Doras? Está bem: não rezes, mas também não odeies. Sabes o que tens que fazer? Não deves nunca virar-te para trás, para ficar pensando no passado...”

“Mas meu pai, que está sofrendo, não está no passado...”

“É verdade. Mas olha, Margziamm experimenta rezar assim: “Pai nosso, que estais nos Céus, pensa Tu naquilo que é desejo meu...” Verás que o Pai te escuta do melhor dos modos. E, mesmo que matasses Doras, quefarias? Perderias o amor de Deus, o Céu, a união com teu pai e tua mãe, e não livrarias das penas o velho que amas. Dize-lhe: “Tu sabes como eu amo ao velho pai e como amo a todos aqueles que são infelizes. Pensa nisso, Tu que tudo podes”. Como? Então não queres pregar a Boa Nova? Mas ela fala de amor e de perdão! Como podes tu dizer a um outro: “Não odeies. Perdoa.”, se tu não sabes amar e perdoar? Deixa, deixa que o bom Deus aja, e verás como tudo Ele predispõe bem. Tu farias isso?”

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“Sim, porque te quero bem.”

Jesus beija o menino e o põe no chão. O episódio fica superado e a estrada também.

5 Os três grandes vales escavados na rocha do monte, obra 208.5 verdadeiramente grandiosa, brilham na superfície limpidíssima e na queda d’água que cai do primeiro vale para o segundo, e deste para o terceiro, que já é, na verdade um pequeno lago, que depois canaliza a água por vários tubos, que vão para cidades distantes. Mas, pela umidade do solo nesta área, desde a nascente até às piscinas, e destas até o solo, todo o monte é de uma fertilidade belíssima, e possuem flores mais compostas do que aquelas selvagens, rindo pelas encostas verdes, juntamente com ervas perfumadas e raras. Parecem até terem sido aqui semeadas pelo homem, como as flores dos jardins e as ervas perfumadas que, com o sol que as aquece, espargem pelo ar seus aromas de canela, cânfora, cravo, alfazema e outros odores sutis, fragrantes, fortes, suaves, numa fusão maravilhosa dos melhores odores da terra. Eu diria que é uma sinfonia de perfumes, porque realmente é o poema das ervas e das flores, em suas cores e fragrâncias.

Todos os apóstolos estão sentados à sombra de uma árvore carregada de grandes flores brancas e cujo nome eu não sei, com enormes campânulas de esmalte branco, penduradas, balançando ao menor sopro de vento e, a cada sopro, é uma onda de fragrância que se espalha. Não sei qual é o nome desta árvore. Pela flor, ela me faz lembrar daquele arbusto que há na Calábria e ao qual lá dão o nome de “bottaro”, mas certamente no fuste não, porque esta aqui é uma árvore alta, de tronco robusto, mas não um arbusto.

Jesus os chama, e eles acorrem.

“Encontramos quase de repente José, que estava voltando de uma feira. Esta tarde estarão todos em Betsur.

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Nós aqui nos reunimos, chamando-nos em altas vozes, e aqui ficamos nesta sombra fresca.”, explica Pedro.

“Que bonito lugar! Parece um jardim! Entre nós estávamos discutindo se é mesmo natural, ou não, e uns teimam em uma opinião e outros na outra”, diz Tomé.

“A terra da Judéia tem essas maravilhas”, diz Iscariotes, que em tudo se sente inevitavelmente levado a ensoberbecer-se, até com as flores e as ervas.

“Sim, mas...eu creio que se, por exemplo, o jardim de Joana de Tiberíades ficasse abandonado e se tornasse selvagem, a Galiléia também teria a maravilha de esplendidas rosas, por entre ruínas”, diz

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Tiago de Zebedeu.

“E não estás errado. Nesta zona é que ficavam os jardins de Salomão, tão célebres no mundo daquele tempo como os seus palácios. Talvez foi aqui que ele sonhou o Cântico dos Cânticos, aplicando à Cidade Santa todas as belezas que cresceram aqui por sua vontade”, diz Jesus.

“Então, eu tinha razão!”, diz Tadeu.

“Tinhas razão. Sabes, Mestre? Ele estava citando Eclesiastes, reunindo a idéia dos jardins à dos vales, e terminava dizendo: “Mas ele percebeu que tudo é vaidade, e nada dura sob o sol, a não ser a Palavra do meu Jesus”, diz o outro irmão Tiago.

“Eu te agradeço. Mas agradeçamos também a Salomão, sejam ou não dele as flores originais. Certamente são dele os tanques que fornecem água às ervas e aos homens. Seja ele bendito. Vamos agora até aquele grande roseiral desgrenhado, que já foi uma galeria florida, entre uma árvore e outra. Lá nós pararemos. Já estamos quase com meio caminho feito.”

6 ... E a viagem recomeça, por volta da hora nona, quando as sombras se 208.6 alongam, a partir de cada árvore desta zona tão bem cultivada por toda parte. Parece que o caminho vai passando por um imenso jardim botânico, porque todas as espécies de plantas, as que tem troncos ou frutas, ou as que são ornamentais estão aqui representadas. Os trabalhadores da terra estão por todos os lados, mas não se interessam pela comitiva, que vai passando. Aliás, não é uma só. Pois outros grupos de hebreus estão pela estrada, de volta das festas pascais.

A estrada é muito boa, apesar de ter sido aberta por entre os montes, e os panoramas, sempre variados, tiram a monotonia da viagem. Pequenos rios e torrentes são como virgulas de prata, que escorrem e vão escrevendo palavras, que depois eles cantam em seus mil meandros, que se entrecortam, que mergulham pelos bosques abaixo ou vão esconder-se em cavernas, para depois saírem delas ainda mais belos. Parece que estão brincando com as plantas e as pedras, como crianças alegres. Até Margziam, agora, já tendo ficado mais calmo, está brincando e tentando tocar o seu instrumento, para imitar os passarinhos. Mas, na verdade, os dele não são cantos, mas lamentos muito desafinados, que me parecem ser muito desagradáveis aos mais exigentes da comitiva, isto é, Bartolomeu, por sua idade e Judas de Keriot por muitos motivos. Mas nenhum deles fala claramente e o menino continua a emitir seus assobios, pulando para cá e para lá. Só

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duas vezes é que ele mostra ao longe, algum lugarejo aninhado entre os bosques, e diz: “Será o meu?”, tornando-se então muito pálido. Mas Simão, que o conserva perto de si, responde: “O teu está muito longe daqui. Vem, vamos tentar apanhar aquela flor e levá-la para Maria”, e assim o distrai.

7 O pôr do sol começa, quando Betsur já vem aparecendo sobre a colina e, 208.7 quase de repente, na estrada secundária, que tomaram para virem, eis que os rebanhos dos pastores vêm chegando com os pastores. Mas, quando Elias vê que Maria também está lá, levanta os braços com espanto e fica nessa posição, nem podendo crer no que está vendo.

“A paz esteja contigo, Elias. Sou eu mesma. Havia sido prometido a ti, mas em Jerusalém não foi possível ver-nos... Não pense mais nisso. Agora nos estamos vendo”, diz Maria com doçura.

“Oh! Mãe, Mãe!...” Elias nem acha o que dizer. Depois, finalmente encontra: “Agora! Minha Páscoa eu vou fazê-la agora... É o mesmo, e melhor ainda.”

“Mas, é verdade, Elias. Nós fizemos uma boa venda. E agora bem que podemos matar um cordeirinho. Oh! Sede bem-vindos à nossa pobre mesa...” Pede Levi, e também José.

“Nesta tarde estamos cansados. Deixai para amanhã. Escutai. Conheceis uma certa Elisa casada com Abraão de Samuel?”

“Sim. Ela está na casa dela em Betsur. Mas Abraão morreu e, no ano passado morreram os filhos dele. O primeiro morreu com uma doença que durou poucas horas, e ninguém, ficou sabendo de que foi que ele morreu. O outro foi-se indo lentamente e nada cortou a doença. Nós lhe dávamos o primeiro leite de uma cabra, porque os médicos diziam que isso era bom para o doente, e ele bebia muito leite que lhe era levado por todos os pastores, pois sua pobre mãe o tinha mandado procurar com todos os que tivessem no rebanho alguma cabra de primeiro leite. Mas não valeu nada. Quando voltamos à planície, o jovem já nem se alimentava mais. E, quando voltamos, no mês de Adar, já havia duas luas, que ele tinha morrido.”

“Pobre de minha amiga! No Templo ela me quería bem. Era-me parenta num antepassado. Era tão boa. Saiu para ir casar-se com Abraão, ao qual estava prometida desde pequena, dois anos antes de mim! E lembro quando ela veio fazer a oferta do seu primogênito ao Senhor. Ela me mandou chamar, não a mim sozinha, mas me quis depois sozinha, por mais tempo... E agora, ela é que está sozinha... Oh! Preciso apressar-me em ir consolá-la! Vós, ficai aquí. Eu vou com

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Elias, e entrarei sozinha. A dor exige respeito ao redor de si...”

“Nem Eu posso ir, Mãe?”

“Tu podes sempre. Mas os outros... Nem mesmo tu, pequenino. Seria uma dor. Vem, vem, Jesus!”

“Esperai-nos na praça do povoado. Procurai um abrigo para a noite. Adeus”, ordena Jesus a todos.

8 E, sozinhos com Elias, Jesus e a Mãe vão até uma espaçosa casa, toda 208.8 fechada e silenciosa, a cuja porta o pastor bate com o seu cajado. Uma serva mostra o rosto por uma janelinha, perguntando quem é. Maria vai à frente e diz: “Maria de Joaquim e seu Filho, de Nazaré. Vai dizer

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isto à tua patroa.”

“E inútil. Ela não quer ver ninguém. Quer chorar até morrer.”

“Experimenta.”

“Não. Eu sei como ela me repele, quando procuro distrai-la. Não quer saber de ninguém, nem ver a ninguém, não quer falar com ninguém. Ela fica falando com a lembrança dos filhos.”

“Vai, mulher, eu te ordeno. Dize a ela: “Ai está a pequena Maria de Nazaré, aquela que no Templo era como tua filha... Verás que ela me quer.”

A mulher lá se vai, sacudindo a cabeça. Maria explica ao Filho e ao pastor: “Elisa era muito mais velha do que eu. Ficava esperando no Templo a volta do seu esposo, que tinha ido ao Egito ver uns negócios de herança e por lá ficou até uma idade bem avançada. Ela tem quase dez anos mais do que eu. As mestras costumavam dar às pequeninas algumas discípulas mais adultas, que as guiassem... e ela foi a minha companheira-mestra. Era boa e... aí vem vindo a mulher.”

De fato, a criada vem correndo, adimirada, e abre um portão bem largo: “Entra, entra”, diz ela. E depois, em voz baixa: “Bendita sejas se a fizeres sair daquele quarto.”

Elias se despede, e entram Maria e o Filho.

“Mas este homem, na verdade... Por piedade! Tem a idade de Levi...”

“Deixa-o entrar. É meu Filho e a consolará mais do que eu.”

A mulher encolhe os ombros e vai na frente, pelo longo vestíbulo de uma bela, mas triste casa. Tudo aí está limpo, mas tudo parece morto...

9 Uma mulher alta, mas que vem vindo inclinada e com vestes escuras, 208.9 vem adiante, na penumbra.

“Elisa! Querida! Eu sou Maria!”, diz Maria, correndo ao seu encontro e abraçando-a.

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“Maria? Tu... Pensava que tu também tinhas morrido. Tinham-me contado... quando foi? Não me lembro mais... Eu estou com um vazio aqui na cabeça... Tinham-me dito que tu estavas morta, com muitas outras mães, depois da vinda dos Magos. Mas quem foi que me disse que eras a Mãe do Salvador?”

“Talvez os pastores...”

“Oh! Os pastores!” A mulher tem uma explosão de pranto cheio de aflição. “Não me fales naquele nome. Ele me faz lembrar a última esperança para a vida de Levi... E, no entanto... sim... um pastor me falou do Salvador e eu matei meu filho, levando-o ao lugar onde se dizia que estava o Messias, perto do Jordão. Mas lá não havia ninguém... e o meu filho voltou a tempo para morrer... O cansaço, o frio... eu o matei... Mas eu não quis ser uma assassina. Diziam-me que Ele, o Messias, curava as doenças... e eu lá fui para conseguir a cura. Agora meu filho me acusa de tê-lo matado...”

“Não, Elisa: És tu que pensas assim. Escuta. Eu creio que teu filho, ao contrário, foi quem me

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tomou pela mão e me disse: “Vai à casa de minha mãe. Leva-lhe o Salvador. Eu estou melhor aqui do que na terra. Mas ela só dá ouvidos aos seu pranto e não pode ouvir as palavras que eu lhe sussurro por entre beijos, a pobre da minha mãe, que está possuída por um demônio, que a tenta para levá-la ao desespero, porque nos quer ver separados. Enquanto que, se ela se resignar e crer que Deus tudo faz para um bom fim, estaremos unidos para sempre com o pai e com o irmão. Jesus pode fazer isso.” E eu vim.... com Ele... Não o queres ver?...” Maria assim falou, conservando sempre entre os seus braços a desventurada, beijando-a sobre os cabelos cinzentos e com uma doçura que só ela pode ter.

“Oh! Se fosse verdade! Mas, por que, por que, então, Daniel não foi a ti, para dizer-te que viesses antes?... Mas, quem foi que me disse, há tempo, que tu estavas morta? Não me lembro... não me lembro... também por isso eu fiquei esperando, para ir ao Messias. Mas me haviam dito que Ele tinha morrido, Ele, tu e todos em Belém...”

“Não fiques pensando em quem disse isto. 10 Vem, olha, aqui está o meu 208.10 Filho. Vem até Ele. Faze que fiquem contentes teus filhos e tua Maria. Sabes que estávamos sofrendo ao te vermos assim?” E a leva para Jesus que se tinha colocado num ângulo escuro e só agora vem adiante, iluminado agora por uma luz que a empregada pendurou em um alto escrínio.

A pobre mãe levanta a cabeça... e ali vejo que Elisa esteve também sobre o Calvário, entre as piedosas mulheres. Jesus lhe estende

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as mãos com um gesto de convite, todo cheio de amor. A desventurada reluta um pouco, depois lhe confia as suas mãos e, por fim, de repente, se abandona ao peito de Jesus, gemendo: “Dize-me, dize-me que eu não tenho culpa da morte de Levi” Dize-me que eles não estão perdidos para sempre! Dize-me que logo estarei com eles!...”

“Sim, sim. Escuta. Eles estão cheios de uma grande alegria, neste momento em que tu estás entre os meus braços. Dentro de pouco tempo, eu irei até eles e que devo dizer-lhes então: Que tu não te conformas com o Senhor? É isto que Eu devo dizer? As mulheres de Israel, as mulheres de Davi, tão fortes, tão sábias, será que vão ser desmentidas por ti? Não. Tu estás sofrendo, mas é porque ficaste sofrendo sozinha. A tua dor e tu. Tu e dor. Não podes suportar então. Não te lembras das palavras de esperança a respeito daqueles que a morte nos tomou? “Eu vos trarei de vossos sepulcros e vos conduzirei para a terra de Israel. E vós ficareis sabendo que Eu sou o Senhor, quando Eu tiver aberto as vossas tumbas e vos tiver tirado dos vossos sepulcros. Quando Eu tiver infundido em vós o meu espírito, vós tereis vida.” A terra de Israel, para os justos que dormiram no Senhor, é o Reino de Deus. Eu o abrirei e o darei aos que o estão esperando.”

“E ao meu Daniel também? E também ao meu Levi?... Ele tinha tanto medo da morte!... Não podia nem pensar em ficar longe de sua mamãe. Por isto eu queria morrer e ir ao lado dele para o sepulcro...”

“Mas no sepulcro eles não estavam com a sua parte viva. Lá estavam as coisas mortas, que não te podiam ouvir. Eles estão no lugar de espera...”

“Mas existe mesmo? Oh! Não fiques escandalizado comigo. A minha memória lá se foi com o pranto! Estou com a cabeça cheia pelo rumor do pranto e dos estertores dos filhos. Que estertores! Que estertores! Eles me dissolveram o cérebro. Não tenho nada mais do que aqueles estertores aqui dentro...”

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“Mas Eu vou colocar-te ai dentro as palavras da vida. Semearei a Vida, por que Eu sou a Vida, onde está o fragor da morte. Lembra-te do grande Judas Macabeu, que quis que se oferecesse um sacrifício pelos mortos, pensando corretamente que eles estão destinados a ressurgir, e que é preciso acelerar a chegada da paz para eles, por meio de oportunos sacrifícios. Se Judas Macabeu não tivesse tido a certeza da ressurreição, teria ele rezado, ou feito rezar pelos mortos? Mas, ao contrário, como está escrito, ele pensou como é grande a recompensa que está reservada àqueles que morrem piedosamente, como certamente aconteceu com os teus filhos... Vês, pois, como estás dizendo

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sim? Portanto, não desesperes. Mas santamente reza pelos teus mortos a fim de que os seus pecados sejam cancelados, antes da minha ida a eles. E, se assim for feito, irão comigo para o Céu. Porque Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, e conduzo, e digo a Verdade e dou a Vida a quem crê em minha Verdade, e me segue. Dize-me: Os teus filhos criam na vinda do Messias?”

“Com certeza, Senhor. Eles haviam aprendido de mim esta crença.”

“E Levi acreditava que era possível a cura por minha vontade?”

“Sim, Senhor. Nós esperávamos em Ti, mas... não adiantou. Ele morreu desconsolado, depois de ter esperado tanto...” O pranto da mãe recomeça, mais calmo, mas mais desolado em sua calma, do que estava, em sua fúria de antes.

“Não digas que não adiantou. Quem crê em Mim, ainda que tenha morrido, viverá para sempre... 11 A tarde vem caindo, mulher. Eu vou reunir-me aos 208.11 meus apóstolos. Eu te deixo a minha Mãe...”

“Oh! Fica Tu também!... Tenho medo que, indo-te embora, me assalte de novo aquele tormento.... Começando apenas a acalmar-se a tempestade, ao som das tuas palavras...”

“Não tenhas medo! Tens Maria contigo. Amanhã, Eu virei de novo. Eu tenho que ir dizer algumas coisas aos pastores. Posso dizer a eles que venham para a tua casa?.

“Oh! Sim. Eles vinham até aqui no ano passado, por causa do meu filho... Atrás da casa há um jardim e, depois dele, há um pátio rústico. Eles podem ir para lá, como faziam, para recolher os seus rebanhos...”

“Está bem. Eu virei. Sê boa. Lembra-te de que Maria no Templo estava confiada a ti. Eu também a confio, por esta noite.”

“Sim. Fica tranqüilo. Eu cuidarei dela,... Tenho que ir pensar na ceia dela, no seu descanso... Há quanto tempo, não penso nestas coisas! Maria, queres dormir no meu quarto, como fazia Levi em sua doença? Eu, no leito do filho e tu no meu. E, então, me parecerá estar ouvindo novamente a sua respiração... Ele ficava sempre segurando a minha mão...”

“Sim, Elisa. Mas antes vamos falar de muitas coisas.”

“Não. Tu estás cansada. Precisas dormir.”

“Tu também.”

Page 224: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Oh! eu! Há meses que não tenho dormido... Fico chorando... chorando... Já nem sei fazer outra coisa!”

“Mas nesta noite vamos rezar, depois vamos para a cama, e tu

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dormirás... Dormiremos de mãos dadas, nós duas também. Vai, pois, meu Filho, e reza por nós...”

“Eu vos abençôo. A paz esteja convosco e com esta casa!”

E Jesus vai com a empregada, que está assombrada e só fica repetindo: “Que milagre, Senhor! Que milagre! Depois de tantos meses, ela falou, ela pensou! Oh! Que coisa admirável!... Diziam que ela ia morrer louca... E eu ficava com pena dela, porque é muito boa.”

“Sim, é boa, e por isso Deus a ajudará. Adeus, mulher. A paz esteja contigo também.”

Jesus sai pela estrada semi-escura, e tudo termina.

209. A fecundidade da dor no sermão

de Jesus perto da casa de Elisa em Betsur.

5 de julho de 1945.

1A notícia de que Elisa sé decidiu sair de sua tristeza trágica deve ter se 209.1 espalhado pelo povoado e a tal ponto que, quando Jesus, acompanhado pelos apóstolos e discípulos, vai indo para a casa de Elisa, atravessando o povoado, muitas pessoas o estão observando atentamente e até perguntam a um e a outro dos pastores a respeito dele, e porque é que nunca veio a este lugar, e sobre quem são aqueles que estão na companhia dele, e quem é aquele menino, e aquelas mulheres, e que remédio foi que Ele deu à Elisa, para livra-la das trevas da loucura assim de repente, mal Ele apareceu e que fará lá e que dirá... E quem quer fazer mais perguntas, que as faça.

A última pergunta feita é esta: “Não poderíamos ir lá nós também?”, e à qual respondem os pastores: “Isto nós não sabemos. É preciso perguntar ao Mestre. Ide a Ele.”

“E se Ele nos tratar mal?”

“Ele não trata mal nem aos pecadores. Ide, ide. Ele ficará contente, se fordes.”

2E um grupo de pessoas, mulheres e homens, adultos na maior parte, da 209.2 idade de Elisa, que trocam idéias uns com os outros, depois andam para a frente e vão aproximando de Jesus, que está falando com Pedro e Bartolomeu, e o chamam, meio receosos: “Mestre...”

“Que queréis?”, pergunta Bartolomeu.

“Falar com o mestre para perguntar-lhe...”

“Venha a vós a paz. Que perguntas queréis fazer-me?”

Page 225: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

Eles criara coragem, diante do sorriso dele e dizem: “Nós todos so-

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mos amigos da Elisa e dos da casa dela. Ouvimos dizer que ela está curada. Quereríamos vê-la. E ouvir-te falar. Podemos ir lá?”

“Ouvir-me falar, sim, com certeza. Mas irdes vê-la, não, meus amigos. Fazei este sacrifício pela amizade que tendes a ela, fazei o sacrifício da vossa curiosidade. Pois é também isso que estais sentindo. Tende respeito por uma grande dor que não pode ser perturbada.”

“Mas ela não está curada?”

“Ela está voltando para a claridade...Mas, quando acaba uma noite, será que chega de repente o meio-dia? E, quando se acende um fogão que estava apagado, achais vós que as labaredas se levantarão fortes, num instante? Pois assim acontece com Elisa. Porque, se um vento inesperado se lança sobre a pequena chama, que começou a surgir, será que ele não a apaga? Portanto, tende prudência. A mulher está uma ferida só. Até a amizade pode exasperá-la, e ela tem necessidade de repouso, de silêncio, de uma solidão que não seja mais trágica, como a em que estava ontem, e sim uma solidão resignada, a fim de que ela se encontre a si mesma.”

“E, então, quando será que a poderemos ver?”

“Mais depressa do que pensais. Porque ela já está a caminho da saúde. Mas, se soubésseis como é difícil sair daquelas trevas! Elas são piores do que a morte. E, quem sai delas, dentro de si sente a vergonha de ter estado nelas e de que os outros o fiquem sabendo.”

“Es médico?”

“Sou o Mestre.”

Chegaram diante da casa. Jesus se dirige aos pastores: “Ide para o pátio. Quem quiser pode ir convosco. Mas ninguém faça barulho lá, e não vá além do pátio. Tomai cuidado, vós também,” diz Ele aos apóstolos, “a fim de que tudo assim se faça. E vós (fala à Salomé e à Maria do Alfeu), cuidai do menino para que não faça. Adeus.”

“Jesus bate à porta, enquanto os outros dobram à esquina, e entram por uma ruazinha, indo para onde deviam ir.

3 A serva abre a porta. Jesus entra, recebendo as repetidas inclinações dela. 209.3

“Onde está tua patroa?”

“Com tua Mãe... e, imagina! Já desceu até o jardim! É uma coisa! Uma coisa incrível! E, ontem de tarde, ela veio até à sala das refeições... Estava chorando, mas veio. Eu gostaria de vê-la tomar também alimentos, em vez de ficar tomando aqueles pingos de leite, como costuma fazer, mas ainda não consegui!”

“Ela os tomará. Não fiques insistindo. Sê paciente, até em teu

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Page 226: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

amor para com a patroa.”

“Sim, meu Salvador. Eu farei tudo o que mandares.”

Eu creio que, de fato, se Jesus mandasse àquela mulher fazer as coisas mais estranhas, ela as faria sem discutir, pois de tal modo é que ela se persuadiu de que Jesus é Jesus, e de que tudo o que Ele faz é bom. No momento, ela o está acompanhando através de uma vasta horta-jardim, cheia de fruteiras e de flores. Mas, se as fruteiras cuidaram de si mesmas, para se vestirem de folhas e de flores, para fazerem que suas frutinhas vinguem e aumentem em volume, as pobres plantas que dão flores e que não recebem cuidados há mais de uma ano, viraram um pequeno e emaranhado matagal, onde as plantas mais delicadas e de pouca altura ficaram sufocadas sob o peso das mais fortes. Canteiros, caminhos, tudo desapareceu em uma única e caótica maranha. Só lá no fundo, onde a necessidade da empregada a fez semear verduras e legumes, é que ainda há um pouco de ordem.

Maria está com Elisa, debaixo de uma trepadeira completamente despojada de folhas, e que deixa cair até o chão seus sarmentos e gavinhas. Jesus pára e fica olhando para sua jovem Mãe, que, com arte finíssima, desperta e dirigie a mente de Elisa para coisas bem diferentes das que eram até ontem os pensamentos da desolada mulher. A empregada vai até sua patroa, e lhe diz: “O Salvador chegou.”

As mulheres vão se dirigindo para Ele, uma com um doce sorriso e a outra com um rosto cheio de cansaço e perturbado.

“A paz esteja convosco. Que belo é este jardim...”

“Era belo...”, diz Elisa.

“E a terra fértil. Olha quantas frutas bonitas estão a caminho de amadurecer! E quantas flores nestas roseiras! E lá adiante? São lírios?”

“Sim, ao redor de um tanque, onde gostavam muito de brincar os meus filhinhos. Naquele tempo estava tudo em ordem... Agora tudo está arruinado. E já nem parece mais o jardim dos meus filhos.”

“Dentro de poucos dias, vai ficar como antes. Eu te ajudarei. Não é, Jesus? Tu me deixas por alguns dias aqui com Elisa. Temos muito que fazer...”

“Tudo o que queres, Eu quero.”

Elisa olha para Ele, e murmura: “Obrigada.”

Jesus a acaricia na cabeça encanecida e depois se despede, para ir aos pastores.

4 As mulheres ficam no jardim, mas, pouco depois, quando ouvem a voz 209.4 de Jesus, que se espalha pelo ar tranqüilo, saudando os presen-

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tes, Elisa, como se estivesse atraída por uma força irresistível, se aproxima lentamente de uma sebe muito alta, do outro lado da qual está o pátio. Jesus fala primeiro aos três pastores. Ele está

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bem perto da sebe, tendo a sua frente os apóstolos e aqueles cidadãos de Betsur, que o acompanharam. As Marias com o menino estão sentadas a um canto

Jesus diz: “Mas vós estais obrigados por contrato, ou podeis sair do serviço a qualquer tempo?”

“Eis. Verdadeiramente, somos trabalhadores livres. Mas, deixar o serviço de repente, logo agora que os rebanhos precisam de tantos cuidados, agora que é difícil encontrar pastores, não nos parece bonito.”

“Bonito não é. Mas não é necessário que seja já. Eu vo-lo estou dizendo com tempo, a fim de que tomeis as providências com justiça. Eu vos quero livres, para unir-vos aos discípulos e para que me ajudeis...”

“Oh! Mestre!...” E os três entram num êxtase de alegria. “Mas, seremos capazes?”, dizem eles depois.

“Disso não tenhais dúvida. Agora está entendido. Não só o podeis fazer, mas, logo que o puderdes, uni-vos a Isaac.”

“Sim, Mestre.”

“Ide agora para o meio dos outros. 5 Vou dizer duas palavras ao povo.” 209.5

E, tendo deixado os pastores, dirige-se à multidão: “A paz esteja convosco. Ontem Eu ouvi falar de dois infelizes. Um, ainda na aurora da vida e o outro, no fim: duas almas que choravam na desolação.

Eu chorei com elas em meu coração, vendo quanta dor existe nesta terra e como só Deus pode aliviá-la. Deus! Só o conhecimento exato de Deus, de sua grande e infinita bondade, da sua constante presença, das suas promessas. Eu vi como o homem pode ser torturado pelo homem e como pode ser atropelado pela morte com desolações, nas quais trabalha Satanás, para aumentar a dor e para produzir ruínas. Eu disse, então, a Mim mesmo: “Não devem os filhos de Deus sofrer com esta tortura das torturas. Demos o conhecimento de Deus a quem não o tem, demo-lo de novo a quem o esqueceu, envolvido nas tempestades da dor.” Mas Eu vi também que, por Mim só, Eu não basto mais para satisfazer às infinitas necessidades dos irmãos. E decidi chamar a muitos, em número cada vez maior, a fim de que todos os que têm necessidade do conforto do conhecimento de Deus o possam ter.

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Estes doze são os primeiros. Como meus seguidores, são capazes de conduzir até Mim e,-por isso, ao conforto, todos aqueles que estão encurvados sob os pesos de dores grandes demais. Em verdade, Eu vo-lo digo: “Vinde a Mim todos os que estais angustiados, desgostosos, com o coração ferido, cansados, e Eu compartilharei da vossa dor e vos darei paz. Vinde, por meio dos meus apóstolos, por meio dos meus discípulos e discípulas, que cada dia aumentam com novos voluntários. Encontrareis o consolo em vossas dores, companhia em vossas solidões, o amor dos irmãos para fazer-vos esquecer o ódio do mundo, encontrareis, como mais alto do que todos, como mais consolador do que todos, como o companheiro perfeito, o amor de Deus. Não duvidareis de mais nada. E nunca mais direis: “Para mim, tudo acabou!” Mas direis: “Tudo para mim está começando, num mundo sobrenatural, que abole as distâncias e acaba com as separações”, e pelo qual os filhos órfãos serão reunidos aos seus pais, levados ao seio de Abraão, e os pais e as mães, as

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esposas e os viúvos, reencontrarão os filhos perdidos, e o consorte perdido.

6 Nesta terra da Judéia, aqui perto de Belém de Noemi, Eu vos lembro que o 209.6 amor alivia a dor e traz alegria. Olhai, vós que estais chorando, para a desolação de Noemi, depois que sua casa ficou sem homens. Ouvi suas palavras de desconsoladas despedidas a Orfa e a Rute: “Voltai daqui para a casa de vossa mãe. Que o Senhor use de misericórdia convosco, como vós usastes para com aqueles que morreram e para comigo...” Ouvi as suas cansadas insistências. Já não esperava mais nada da vida aquela que, tempos atrás, era a bela Noemi, e que agora era a trágica Noemi, esmagada pela dor, só esperava voltar aos lugares em que tinha sido feliz no tempo de sua juventude, entre o amor do marido e os beijos dos filhos, para lá morrer. Ela dizia: “Ide, ide. É inútil ficar comigo... Eu estou como morta... Minha vida já não é mais aqui, e sim, lá na outra vida, onde eles estão. Não sacrifiqueis mais a vossa juventude, ao lado de uma coisa que está morrendo. Porque realmente eu sou “uma coisa”. Tudo me é indiferente. Deus me tomou tudo. Eu sou uma angústia. E faria a vossa angústia... e esta me pesaria no coração. E o Senhor me pediria contas. Ele, que tanto já me feriu, porque ter-vos vivas junto de mim já morta, seria um egoísmo meu. Portanto, ide para vossas mães...”

Mas Rute ficou para consolar aquela dolorosa velhice. Rute havia compreendido que há dores sempre maiores do que a nossa, e que sua dor de jovem viúva era menor do que a da mulher que havia perdido, além do marido, os dois filhos; assim como a dor do menino órfão,

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que se vê obrigado a viver pedindo esmola, sem receber nunca mais as carícias, e nunca mais os bons conselhos, é bem maior do que a da mãe privada dos filhos; assim como a dor de quem, por um complexo de motivos, chega a ter ódio do gênero humano, e vê em cada homem um inimigo, que ele deve temer e do qual se defender é ainda maior do que as outras dores, porque envolve, não somente a carne, o sangue e a mente, mas até o espírito com os seus deveres e direitos sobrenaturais, e o leva a perder-se. Quantas mães sem filhos, e filhos sem mãe há neste mundo! Quantas viúvas sem prole existem, para terem piedade das velhices solitárias! Quantos há, que ficaram privados de seus amores, para se dedicarem totalmente aos infelizes, segundo a necessidade que sentem de amor, combatendo assim o ódio, dando se si, dando sempre amor à Humanidade infeliz, que está, sempre mais, sofrendo, porque está sempre odiando.

7 A dor é cruz, mas também é asa. O luto despoja, mas é para revestir. 209.7 Levantai-vos, vós que estais chorando! Abri os olhos, saí de vossos pesadelos, saí das trevas, dos egoísmos! Olhai... O mundo é como uma terra árida e inculta, onde se chora e se morre. E ele grita: “Acudi-me!” O mundo grita pela boca dos órfãos, dos doentes, dos que estão sozinhos, dos que não sabem o que fazer, e pelas bocas daqueles que uma traição ou uma crueldade tornaram prisioneiros do rancor. Ide a estes que estão gritando. Esquecei-vos entre os esquecidos. Fazei a cura entre os doentes! Esperai entre os desesperados. O mundo está aberto às boas vontades de servir a Deus no próximo e de se conquistar o Céu: a união com Deus e a reunião com aqueles pelos quais choramos. Aqui é o campo das competições. Lá está o triunfo.

Vinde. Imitai Rute, estando ao lado de todas as dores. Dizei, vós também: “Eu estarei convosco até à morte.” E, se vos respondem, essas desventuras que se julgam incuráveis: “Não me chameis Noemi, mas chamai-me Mara, porque Deus me cumulou de amarguras”, persisti. E Eu, em verdade, vos digo que um dia, pela vossa persistência nessas desventuras ainda exclamarão: “Seja bendito o Senhor, que tirou minha amargura, minha desolação, minha solidão, por obra de uma criatura, que soube fazer sua dor produzir frutos bons. Deus a abençoe para sempre, porque ela foi a minha salvadora.”

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O ato bom de Rute para com Noemi, pensai nisso, deu ao xnundo o Messias, por que de Davi, filho de Isaí, de Isaí, filho de Obed veio o Messias, como Obed de Booz, Booz de Salmon, Salmon de Naasson, Naasson de Aminadab, Aminadab de Aram, Aram de Esron, Esron de Farés, e eles vieram para povoar os campos de Belém, preparando os

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antepassados do Senhor. Todo ato bom dá origem a grandes coisas nas quais vós nem pensais. O esforço de alguém contra o seu egoísmo pode provocar uma tal onda de amor, que é capaz de subir, subir, conservando em sua pureza aquele que a provocou, até o ponto de levá-lo ao pé do altar, ao coração de Deus.

Deus vos dé a paz.”

E Jesus, sem voltar ao jardim pelo portãozinho, aberto na sebe, toma cuidado para que ninguém se aproxime da sebe, do outro lado da qual se ouve um grande pranto... Só depois quando todos aqueles de Betsur foram-se embora, distancia-se com os seus sem perturbar aquele pranto salutar...

210. As inquietações de Judas Iscariotes,

durante a viagem para Hebron.

6 de julho de 1945.

1 “Mas eu não creio que queirais fazer uma peregrinação a todos os lugares 210.1 históricos de Israel”, diz, irônico, Iscariotes, que está discutindo em um grupo em que se encontram Maria de Alfeu e Salomé, além de André e Tomé.

“Por que, não? Quem o proíbe?”, pergunta Maria de Cléofas.

“Ora, eu. Minha mãe me está esperando há tanto tempo...”

“Ora, vai-te para tua mãe. Nós te apanharemos depois”, diz Salomé, e parece acrescentar mentalmente: “Ninguém ficará triste por tua ausência.”

“Isso não. Eu, por mim, vou com o Mestre. Já não mais está aqui a Mãe, como estava previsto. E isso em verdade não ia ser feito, porque havia sido prometido que ela estaria aqui.”

“Ela se deteve em Betsur para uma boa obra. Aquela mulher estava bem infeliz. “

“Jesus a podia ter curado de repente, sem precisar fazê-la recuperar-se pouco a pouco. Não sei porque agora Ele não está gostando mais de fazer seus retumbantes milagres.”

“Se Ele fez assim, deve ter suas santas razões”, diz calmamente André.

“Ora, essa! É assim que Ele perde os seus prosélitos. 2 A permanência em 210.2 Jerusalém! Que desilusão! Quanto mais há de coisas pomposas, mais Ele se esconde na sombra. Tanto que eu esperava poder ver e combater.”

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“Perdoa a pergunta...Mas, que querias ver e que querias combater?”, pergunta Tomé.

“O que? A quem? Queria ver suas obras milagrosas, e depois enfrentar quem diz que Ele é falso ou um endemoninhado. Porque isso se diz, compreendes?” dizem que se Belzebu não o sustém, Ele não passa de um pobre homem. E, visto que o humor caprichoso de Belzebu é conhecido e sabemos que ele se deleita em pegar e soltar, como faz o leopardo com a sua presa e, visto que os fatos justificam este pensamento, eu fico inquieto, ao pensar que Ele não faz nada. E, que bela figura nós fazemos! Os apóstolos de um Mestre... todo doutrina, isso é inegável, mas nada mais que isso.” A brusca parada de Judas depois da palavra “Mestre” nos faz pensar que, depois daquela palavra quisesse soltar alguma grosseira.

As mulheres estão estarrecidas, e Maria de Alfeu, como parenta de Jesus, lhe fala, então bem claro: “Eu não me admiro disso, mas, sim, de que Ele ainda te tolere, rapaz!”

Mas André, o sempre manso André, perde a paciência e, muito corado, encolerizado, muito semelhante às vezes ao seu irmão, grita: “Vai-te embora! E não digas mais de estar fazendo o papel de bobo por causa do Mestre. E quem te chamou? A nos, Ele nos quis. Mas a ti não. Tiveste que insistir muitas vezes para que te aceitasse. Tu te impuseste. Não se sei quem me segura para não relatar tudo aos outros...”

“Convosco não se pode falar nunca. Tem razão os que vos chamam de briguentos e ignorantes.”

“Eis que também eu não comreendo, de verdade, onde tu encontras o erro do Mestre. Eu não sabia a desses humores caprichosos do Demônio. Pobrezinho! Certamente deve ser um trôpego. Se fosse de uma inteligência equilibrada, não se rebelaria contra Deus... Mas, eu vou tomar nota disso”, caçoa dele Tomé, para afastar uma tempestade que vem se avizinhando.

“Não brinques, porque eu não estou brincando. Podes, acaso, dizer que em Jerusalém Ele se fez notar? Afinal, até Lázaro já disse isto.”

A risada de Tomé é riboinbante. Depois, ainda rindo, e com um riso que já desorientou Iscariotes, Tomé diz: “Ele não fez nada? Vai perguntar isso aos leprosos de Siloan e de Hinon. Isto é, em Hinon não se encontra mais nenhum, porque todos foram curados. Se tu não estavas lá, foi porque estavas com pressa de ir ficar com os teus... amigos, e por isso é que não sabes, mas isso não impede que, pelos vales de Jerusalém, e também por muito outros, ecoem os hosanas dos curados”, termina, falando sério, Tomé. 3 E acrescenta, com seve- 210.3

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ridade: “Tu estás doente da bílis, meu amigo. E ela te faz sentir gosto amargo, e ver a cor verde por toda parte. Deve ela ser em ti uma doença intermitente. E podes crer que é pouco agradável conviver com alguém como tu. Precisas mudar. Eu não irei dizer nada a ninguém e, se estas boas mulheres me quiserem escutar, ficarão caladas como eu, e assim também fará André. Mas tu, procura mudar. Não creias que estás desiludido, porque aqui não há desilusão. Não creias seres necessário porque o Mestre sabe fazer tudo sozinho. Não queiras tu ser o mestre do Mestre. Se Ele, até para aquela pobre mulher que é Elisa, agiu assim, é sinal de que estava bem fazer assim. Deixa que as serpentes cuspam a vontade. Não fiques querendo encarregar-te para servires de mediador entre eles e Ele, e muito menos fiques pensando que te rebaixas por estares com Ele. Ainda que Ele não curasse nem mesmo um simples resfriado, Ele seria sempre poderoso. Só sua palavra já é um

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continuo milagre. E conserva-te em paz. Nós não temos arqueiros atrás de nós. Chegaremos, Oh! se chegaremos, a convencer o mundo de que Jesus é Jesus. E fica tranqüilo também, porque, se Maria prometeu ir à casa de tua mãe, ela ira. E, nesse ínterim, nós vamos peregrinando por estas belas regiões, e isto é o nosso trabalho! E trabalho eficiente. Procuramos contentar também as discípulas, indo com elas ver o túmulo de Abraão, a árvore dele e, depois, o túmulo de Jessé e... que mais foi que dissestes?”

“Dizem que aqui é o lugar onde morreu Adão e onde Abel foi morto...”

“São as conhecidas lendas sem sentido!...”, resmunga Judas.

“Daqui a um século dirão que a Gruta de Belém é uma lenda, e dirão muitas outras coisas! 4 E depois, perdoa-me! Tu quiseste ir àquela caverna fedorenta lá 210.4 em Endor, a qual, deves estar de acordo comigo, não fazia parte de nenhuma série de lendas piedosas. Não te parece? E elas vêm aqui, onde se diz que estão o sangue e as cinzas dos santos. Endor nos deu João e talvez...

“Boa aquisição, João”, zomba Iscariotes.

“Pelo rosto, certamente não o é. Mas na alma pode ser melhor do que nós.”

“Mais esta! Com aquele passado que teve!”

“Cala-te! O Mestre disse que não devemos ficar recordando.”

“É mais cómodo. Eu queria ver, se eu fizesse alguma das coisas que ele fez, se vós não o ficaríeis recordando!”

“Adeus, Judas. É melhor que fiques sozinho. Estás muito inquieto. Pelo menos, se soubesses o que tens!”

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“E que tenho, Tomé? O que tenho é que estou vendo sermos nós preteridos pelos primeiros que vieram. O que tenho é que vejo preferir todos a mim. O que eu tenho é que eu noto como se fica esperando que eu não esteja aqui para se ensinar a rezar. E queres que coisas como estas me agradem?”

“Não agradam. Mas, eu te faço observar que, se tu tivesses vindo conosco para a Ceia da Páscoa, lá estarias tu também conosco no Monte das Oliveiras, quando o Mestre nos ensinou a oração. E não vejo também em que é que tenhamos sido preteridos pelos primeiros que vieram. Estás falando porque está conosco aquele inocente? Ou porque conosco está aquele infeliz que é João?”

“Por causa de um e do outro. Jesus quase nem nos fala mais. Olha para Ele justamente neste momento: Lá está Ele, que passa tanto tempo a falar, a falar com o menino. Deve-se esperar ainda um bom tempo, antes que se possa trazê-lo para o meio dos discípulos! E o outro, discípulo não será nunca. Muito orgulhoso, culto, endurecido e de más tendências...E, no entanto é “João para cá, João para lá...”

“Pai Abraão, conserva-me a paciência! E em que te parece estar o Mestre preferindo os outros a ti?”

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“Mas, não estás vendo nem agora? Quando chegou o tempo de deixarmos Betsur, depois de uma permanência para instruir três pastores, que podiam muito bem ser instruídos por Isaacc, eis ai quem é que Ele deixa com sua Mãe! Eu? Tu? Não. Deixa Simão. Um velho, que quase não fala!...”

“Mas o pouco que ele diz, ele o diz sempre bem”, retruca Tomé, que agora está sozinho, visto que as mulheres com André se afastaram, passaram para a frente, apressadas, como para evitar que tenham que fazer uma parte do caminho todo sozinhas.

5 Os dois apóstolos estão tão excitados, que nem percebem que Jesus se 210.5 aproxima, porque o barulho dos passos dele fica abafado pela grande quantidade de poeira que há na estrada. Mas, se Ele não fez barulho, os dois, ao contrário, estão urrando por dez e Jesus ouve. Atrás dele estão Pedro, Mateus, os dois primos do Senhor, Filipe e Bartolomeu e os dois filhos de Zebedeu, que vão levando, entre os dois, Margziam.

Jesus diz: “Disseste bem, Tomé. Simão fala pouco, mas o pouco que fala, ele o diz sempre bem. Ele tem uma mente pacata e um coração honesto. E, sobretudo, tem uma grande boa vontade. Por isso, Eu o deixei com minha Mãe. É um verdadeiro gentil-homem e, ao mesmo tempo, é alguém que sabe viver, que sofreu muito, e que está

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velho. Por isso, - falo porque suponho que haja aqui alguém a quem lhe pareça injusta a minha escolha - por isso ele era o mais apto para ficar. Eu não podia, Judas, permitir que minha Mãe ficasse sozinha ao lado de uma mulher ainda doente. E era justo que a deixasse. A Mãe completará a obra iniciada por Mim. Mas Eu não podia nem mesmo deixá-la com os meus irmãos, nem com André, Tiago e João e, menos ainda, contigo. Se não compreendes a razão disso, não sei o que dizer...”

“Porque é tua Mãe, é jovem, é bela, e o povo...”

“Não. As pessoas sempre terão a lama no pensamento, nos lábios e nas mãos, mas especialmente no coração. As pessoas desonestas, que vêem em todos, os sentimentos que elas tem em si. Mas, da lama delas, Eu não estou tratando. A lama cai por si mesma depois que seca. Mas Eu preferi Simão, porque já velho e não teria trazido de novo à lembrança da desolada mulher os seus filhos mortos. Vós jovens os tereis trazido de novo à lembrança dela com a vossa juventude... Simão sabe velar, sem fazer perceber sua presença, não exige nunca nada, sabe compadecer-se, sabe vigiar sobre si mesmo. Eu podia escolher Pedro. Quem melhor do que ele para ficar perto de minha Mãe? Mas ele ainda é muito impulsivo. Vede que Eu estou dizendo isso na cara dele e ele não se perturba com isso. Pedro é sincero e ama a sinceridade, mesmo quando fica prejudicado. Eu poderia escolher Natanael. Mas ele nunca esteve na Judéia. Simão, ao contrário, a conhece bem e será muito útil para guiar a Mãe até Keriot. Ele sabe também onde está a tua casa de campo e a da cidade, e não fará...”

6 “Mas... Mestre! Mas tua Mãe irá mesmo à casa da minha?” 210.6

“Mas Eu já o disse. E, quando urna coisa se diz, se faz. Nós iremos indo devagar, fazendo paradas para evangelizar estes povoados. Não queres que Eu evangelize a tua Judéia?”

“Oh! sim, Mestre... Mas eu acreditava... eu pensava...”

“Mas, mais do que tudo, tu mesmo buscavas teus sofrimentos nas quimeras com que vives sonhando. Na segunda fase da lua do mês de Ziv, estaremos todos na casa de tua mãe. Nós, quer

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dizer, também minha Mãe com Simão. Por enquanto, Ela está evangelizando Betsur, cidade da Judéia, assim como Joana está evangelizando Jerusalém e, com ela, fazem a mesma coisa uma menina e um sacerdote, que já foi leproso, assim como Lázaro com Marta e o velho Ismael estão evangelizando Betânia, assim como em Juta está evangelizando Sara e, em Keriot certamente está falando do Messias tua mãe. Não podes absolutamente dizer que Eu deixo a Judéia sem quem lhe leve as pa-

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lavras. Mas, ao contrário, eu dou a ela, fechada e petulante mais que as outras regiões, as palavras mais doces, que são as das mulheres, além das de Isaac, que é santo, e as de Lázaro, meu amigo. As mulheres, que às palavras unem aquela arte própria da mulher, que é mestra em levar as almas para o ponto que quer. Não dizes mais nada? Por que é que estás quase chorando, menino caprichoso? Que te adianta viveres te envenenando com as sombras? Tens ainda motivo para inquietações? Vamos! Fala...”

“Eu sou mau... e Tu és tão bom. Tua bondade sempre me impressiona, porque é sempre tão serena, tão nova... Eu... eu nada sei dizer, quando a encontro em meu caminho.”

“Disseste a verdade. Nem o podes saber. Mas é porque não é nem serena, nem nova. Ela é eterna, Judas. Ela é onipresente, Judas... 7 Oh! Estamos chegando ás vizinhanças 210.7 de Hebron, e Maria e Salomé, com André, nos estão fazendo grandes gestos. Vamos. Estão falando com uns homens. Devem ter-lhes perguntado onde é que ficam os lugares históricos. Tua mãe rejuvenesce, meu irmão, com esta reevocação!” Judas Tadeu sorri ao Primo, que por sua vez também sorri.

E Pedro: “Rejuvenescemos todos! Parece-me estar na escola. Mas é uma bela escola! Melhor do que a daquele resmungão do Eliseu. Lembras-te dele, Filipe? Mas também aprontávamos das nossas! Aquela história das tribos! “Dizei as cidades das tribos!”, “Não as dissestes em coro... Tornai a dizer...”, “Simão, pareces uma rã adormecida. Ficas sempre atrás dos outros. Começai de novo.” Aí de mim. Eu me havia transformado todo em nomes de cidades de tempos muito remotos e não sabia mais nada. Mas aqui! Aqui se aprende de verdade! Sabes, Margziam? Qualquer dia destes, o teu pai vai fazer o exame, pois agora ele sabe... “

Todos se riem, enquanto vão indo na direção de André e das mulheres.

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211. Volta a Hebron, terra do Batista.

7 de julho de 1945.

1 Todos estão sentados em círculo num pequeno bosque perto de Hebron e, 211.1 enquanto estão comendo, conversam uns com os outros. Judas, agora que tem certeza de que Maria irá à casa de sua mãe, voltou às suas melhores disposições de espírito, e está procurando cancelar a lembrança dos seus maus humores no trato com os seus com-

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panheiros e as mulheres, com mil cortesias. Deve ele ter andado pelo povoado para fazer compras e conta que encontrou o lugar muito diferente do que era, do ano passado para cá: “A noticia da pregação e dos milagres de Jesus chegou até aqui. E o povo começou a refletir sobre muitas coisas. Tu sabes, Mestre, que por estes lados há uma propriedade de Doras? Também a mulher de Cusa tem aqui nestes montes algumas terras e um castelo que é propriedade dela, um dote que recebeu. Vê-se que, um pouco ela e um pouco os camponeses de Doras, pois aqui devem estar alguns deles vindos de Esdrelon, prepararam o terreno. Ele, Doras, mandou que eles se calassem. Mas eles!... Eu acho que, nem diante dos tormentos, ficariam calados. Causou grande espanto a morte do velho fariseu, sabes? E também a ótima saúde de Joana, que veio até aqui antes da Páscoa. Ah! E depois, para servir a Ti, esteve também aqui o amante da Aglaé. Sabes que ela fugiu, pouco depois de termos passado por aqui? E que ele virou um demônio contra muitos inocentes, para vingar-se? E de tal modo, que os pobres começaram a pensar em Ti como em um libertador dos oprimidos e te desejam. Quero dizer os melhores...”

“Libertador dos oprimidos! De fato Eu sou. Mas num sentido sobrenatural. Ninguém tem uma visão justa de Mim entre aqueles que me vêem com o cetro e o machado na mão, como um rei ou um justiceiro, segundo o espírito da terra. Mas é certo que vim para libertar das opressões. Do pecado, a mais grave, das doenças, das desolações; das ignorâncias e do egoísmo. Muitos terão que aprender que não é justo oprimir porque a sorte os colocou no alto. Mas que, pelo contrário, se deve usar essa alta posição para elevar quem está em baixo.”

“Lázaro faz isso e também Joana. Mas são dois contra centenas...”, diz desoladamente Filipe.

“Os rios não são largos na nascente, como o são em sua desembocadura. Poucas gotas, um fio de água, mas depois... Há rios que parecem mares em sua foze.”

“Como o Nilo, não é? Tua Mãe me falava coisas de quando estiveste no Egito. Ela sempre me dizia: “É um mar, podes crer, um mar verde-azul. Vê-lo, no tempo das cheias, até parece um sonho!”, e ela me falava das plantas, que pareciam levantar-se da água, e também de todo aquele verdor, que parecia ter nascido da água, quando ela baixava...”, diz Maria de Alfeu.

“Pois bem, Eu vo-lo digo: Como acontece com a torrente do Nilo, que antes era um fio d’água, e depois se torna o gigante que é, assim também o que agora é um fiozinho na grossura, que se inclina com

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amor e por amor para os pequeninos, se tornará em seguida uma grande multidão. Joana, Lázaro, Marta, e depois, quantos, quantos!” Jesus ver esses que serão misericordiosos para com os

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irmãos, e sorri, absorto em sua visão.

2 Judas confidencia que o sinagogo queria vir com ele, mas que ele não se 211.2 atreveu a tomar uma decisão por si mesmo: “Tu te lembras, João, como ele nos expulsou no ano passado?”

“Sim, eu me lembro... Mas digamos isto ao Mestre.”

E Jesus, tendo sido interrogado, diz que eles entrarão em Hebron. Se os quiserem, se os chamarem, pararão lá. Senão, passarão adiante, sem parar.”

“Assim, nós veremos também a casa do Batista. De quem é ela agora?”

“De quem a quiser, penso eu. Shamai foi-se embora e não voltou mais. Ele levou seus empregados e móveis. Os moradores, para se vingarem de suas injustiças, derrubaram o muro e a casa agora é de todos. Pelo menos, o jardim. Lá se reúnem para venerarem o Batista. Dizem que Shamai tenha sido assassinado. Não sei porque... parece que por causa de mulheres...”

“Alguma trama podre da corte, certamente!...”, murmura Natanael por entre a barba.

3Levantam-se e vão indo para Hebron, rumo à casa do Batista. Quando 211.3 estão chegando a ela, vêm vindo alguns moradores num grupo compacto. Eles vêm vindo para a frente um pouco incertos, curiosos e meio desconfiados. Mas Jesus os saúda com um sorriso. Eles, então se animam, se dividem, e do grupo sai aquele sinagogo descortés do ano passado.

“A paz esteja contigo”, saúda-o logo Jesus. “Permites que permaneçamos na tua cidade? Estou com todos os meus discípulos prediletos e com as mães de alguns deles.”

“Mestre, mas Tu não guardas rancor de nós, nem de mim?”

“Rancor? Não sei o que é isso, nem sei porque o haveria de ter.”

“No ano passado eu Te ofendi.”

“Ofendeste a um Desconhecido e achavas que tinhas o direito de fazê-lo. Depois compreendeste e te arrependeste de tê-lo feito. Mas isso é coisa passada. E, assim como o arrependimento anula a culpa, assim o presente anula o passado. Agora para ti Eu não sou mais o Desconhecido. Que sentimentos tens agora para comigo?”

“De respeito, Senhor. De...desejo...”

“Desejo? Que queres de Mim?”

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“Conhecer-te mais do que eu te conheço.”

“Como? De que modo?”

“Através da tua palavra e das tuas obras. Chegou até aqui a noticia de Ti, da tua doutrina, do teu poder, e foi dito que Tu não és alheio a libertação do Batista. Tu não o odiavas, nem procuravas suplantá-lo, a nosso João!... Ele mesmo não negou que é por causa de Ti que ele voltou a ver o vale do Santo Jordão. Nós estivemos com ele, falando-lhe de Ti, e ele nos disse: “Vós não sabeis o que

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foi que rejeitastes. Eu devia amaldiçoar-vos, mas eu vos perdôo, porque Ele me ensinou a perdoar e a ser humilde. Mas, se não quereis ser amaldiçoados pelo Senhor e por mim, seu servo, amai ao Messias. E não tenhais dúvidas. O testemunho dele é este: espírito de paz, amor perfeito, sabedoria superior a qualquer outra, doutrina celeste, humildade absoluta, potência em cada coisa, humildade total, castidade angelical. Não podeis enganar-vos. Quando estiverdes respirando a paz ao lado de um homem que se chama Messias, quando beberdes amor, - amor que dele emana - quando passardes das vossas trevas para a luz e vir que os pecadores são perdoados, as carnes serem curadas, então dizei: “Este é realmente o Cordeiro de Deus!” Nós sabemos que as tuas obras são as de que fala nosso João. Por isso, perdoa-nos, ama-nos, dá-nos aquilo que o mundo espera de Ti.”

“Estou aqui para isto. Venho de muito longe para dar também à cidade de João o que Eu dou a todos os lugares que me acolhem. Dizei-me o que desejais de Mim.”

“Nós também temos doentes e somos ignorantes. Especialmente no que se refere ao amor e à bondade. João, no seu amor total a Deus, tem uma mão de ferro e uma palavra de fogo, e quer dobrar a todos, como um gigante que dobra uma haste de erva. Muitos ficam desanimados, porque o homem é mais pecador do que santo. É difícil sermos santos!... Tu... dizem que não dobras, mas que ajudas, que não cauterizas, mas que aplicas bálsamo, que Não esmigalhas, mas acaricias. Sabe-se que és paterno com os pecadores e és poderoso sobre as doenças, sejam quais forem, também e sobretudo as do coração. Os rabis não sabem mais fazer isso.”

4 Trazei-me os vossos doentes, e depois reuni-vos neste jardim abandonado 211.4 e profanado pelo pecado, depois de ter sido feito um templo pela Graça que nele habitou.”

Os hebronitas partem dali em todas as direções, como andorinhas, e fica só o sinagogo, que entra com Jesus e os discípulos até para lá do muro do jardim, indo à sombra de uma trepadeira misturada com

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roseiras e videiras, que ali cresceram, como bem lhes pareceu. Os hebronitas apressam-se em voltar. E com eles já vem sendo trazido um paralítico em uma padiola, uma jovem cega, um mudinho e dois doentes que eu não sei o que têm, e que vêm acompanhados pelos que os ajudam.

“A paz esteja contigo”, diz Jesus, saudando a cada um dos doentes, que vão se aproximando dele. E, depois, a doce pergunta: “Que quereis que Eu vos faça?” E aí vem o coro das lamentações desses infelizes e no qual cada um quer contar a sua própria história.

Jesus, que estava sentado, levanta-se, e vai ate o mudinho, cujos lábios Ele molha com sua saliva, e lhe diz a grande palavra: “Abrete.” E, enquanto a diz, molha também as pálpebras não separadas da cega com o dedo ainda molhado de saliva. Depois dá a mão ao paralítico, e lhe diz: “Levanta-te!”, e, por fim, impõe a mão aos dois doentes, dizendo: “Ficai sãos, em nome do Senhor!” E o mudinho, que antes só gemia, diz agora claramente: “Mamãe!”, enquanto que a jovem já bate as pálpebras, agora abertas para a luz, e faz com os dedos um abrigo contra o sol, que ela ainda não conhecia, e chora e ri, esfregando os olhos, porque não está acostumada com a luz, e olha de novo para as copas das árvores, para a terra, para as pessoas e para Jesus. O paralítico desce com facilidade da padiola, e os seus bondosos portadores a levantam agora vazia, para mostrar aos que estão longe que a graça fora concedida, enquanto os dois doentes estão choram de alegria, e se ajoelham para venerar ao seu Salvador.

A multidão está fazendo uma alvoroço frenético de hosanas. Tomé, que está perto de Judas, olha para ele de um modo tão intenso, e com uma expressão tão clara, que ele lhe responde: “Eu era

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um estulto, perdoa-me.”

5 Quando cessou a gritaria, Jesus começou a falar. “O Senhor falou a 211.5 Josué, dizendo: “Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes: Separai as cidades para os fugitivos e das quais Eu vos falei por meio de Moisés, para que nelas possa refugiar-se quem involuntariamente tiver matado alguém, para que ele possa escapar da ira de algum parente próximo, que queira vingar o sangue derramado.” E Hebron e uma daquelas cidades:

Sempre foi dito: “E os mais velhos da cidade não entregarão o inocente a quem o estiver procurando para matá-lo, mas o acolherão e lhe darão morada e aí ficará ele até o julgamento, e enquanto não morrer o Sumo Sacerdote que estiver em função. Depois disso, ele poderá entrar em sua cidade e em sua casa.” Nesta lei já estão levado

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em consideração e ordenando o amor misericordioso para com o próximo. Esta lei foi imposta por Deus, porque não é lícito condenar o acusado, sem ouvi-lo, nem é lícito matar em momento de ira.

Pode-se também dizer o mesmo a respeito dos delitos e acusações morais. Não é lícito acusar a quem não se conhece, nem julgar, sem ter ouvido o acusado. Mas hoje ás acusações e condenações pelas culpas de costume, ou pelas culpas possíveis, acrescenta-se a elas uma nova série: a que se refere e se põe contra os que vêm em nome de Deus. Durante séculos, ela se repetiu contra os Profetas, e agora volta a repetir-se contra o Precursor de Cristo e contra Cristo. Vós o vedes. Atraído com uma cilada para fora do território de Siquém, o Batista está esperando a morte nos cárceres de Herodes, porque ele jamais se dobrará diante da mentira ou do compromisso e poderá ser despedaçada a sua vida e cortada sua cabeça, mas não se poderá despedaçar a sua honestidade, nem separar sua alma da Verdade, à qual ele tem servido fielmente em todas as suas diversas formas, divinas, sobrenaturais ou morais que sejam. Igualmente se persegue Cristo, com dupla e décupla fúria, porque Ele não se limita a dizer: “Não te é permitido” a Herodes, mas lhe troveja o seguinte: “Não te é permitido”, e por toda parte onde, entrando, encontra pecado, ou sabe que existe o pecado, sem excluir nenhuma categoria, em nome de Deus e pela honra de Deus.

6 Como jamais pode acontecer isto? Não haverá mais servos de Deus em 211.6 Israel? Sim, os há. Mas são “ídolos”.

Na carta de Jeremias aos exilados estão ditas, por entre muitas outras coisas, também estas. É sobre estas chamo a vossa atenção, porque cada palavra do livro é um ensinamento que, desde o momento em que o Espírito a faz escrever, por causa de um fato presente, ela se refere a um fato que virá no futuro. Portanto, o que está escrito é isto: “Logo que entrardes em Babilônia, vereis deuses de ouro, de prata, de pedra, de madeira... Tomai cuidado para não imitardes o modo de agir dos estrangeiros, e para não terdes medo, não temêlos... Dizei em vosso coração: “É preciso adorar somente a Ti, ó Senhor.”

E a carta enumera as particularidades desses ídolos, que têm uma língua feita por algum artífice, e não se podem servir dela para reprovar os seus falsos sacerdotes, que os despojam, para revestir com o ouro do ídolo as meretrizes, quando não acontece que tirem aquele ouro, que foi profanado pelo suor da prostituição, para revestir o ídolo. Estes ídolos, que a ferrugem ou as traças podem roer e que ficam limpos e bem arrumados, só se o homem lhes lavar a cara e os

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tornar a vestir, já que eles não podem fazer nada por si mesmos apesar de ter cetro ou machado na mão. E termina o Profeta: “Por isso, não os temais.” E continua: “Inúteis, como vasos quebrados, são estes deuses. Seus olhos estão cheios da poeira levantada pelos pés dos que entram no templo e são conservados bem fechados: como se estivessem num sepulcro, ou como quem ofendeu o rei, porque qualquer um pode despojá-los de suas vestes preciosas. Eles não vêem a luz das lâmpadas e, por isso, estão no templo como vigas, e as candeias não lhes servem senão para enfumaçá-los, enquanto as corujas, as andorinhas e outros passarinhos voam por cima da cabeça deles e a cobrem de virgulas com os seus excrementos e os gatos nela fazem seus ninhos, com as vestes deles, e as rasgam. Por tudo isso não devem ser temidos, são coisas mortas. Nem mesmo o ouro lhes serve para nada. É uma amostra, e se não for polido, não brilha, assim como os deuses não sentiram nada, quando alguém os fabricou. Nem o fogo conseguiu despertá-los. Eles foram comprados por preços fabulosos. E são transportados para onde o homem quer, porque são vergonhosamente fracos... Por que, então, são chamados deuses? Por que são adorados com ofertas e com uma pantomima de cerimônias falsas, não sinceras da parte de quem as faz, nem acreditadas por quem as vê. Se um mal ou um bem lhes é feito, eles permanecem inertes, são incapazes de eleger ou destronar um rei, não podem dar riquezas nem fazer o mal, não podem salvar um homem da morte, nem salvar o fraco do prepotente. Eles não têm piedade das viúvas e dos órfáos. São semelhantes ás pedras da montanha...” A carta diz mais ou menos isso.”

7 Eis. Nós também temos ídolos, e não mais santos, nas fileiras do Senhor. E 211.7 por isto é que o Mal pode levantar-se contra o Bem. O mal que suja de esterco a inteligência e o coração dos que não são mais santos e se aninha em suas falsas vestes de bondade.

Não sabem mais falar as palavras de Deus. É natural! Eles têm uma língua feita pelo homem, e falam palavras de homem, quando não falam palavras de Satanás, e não sabem nada mais do que censurar os inocentes e os pobres, mas calam-se onde vêem corrupção nos poderosos. Porque todos são corruptos, e não podem acusar-se um ao outro das mesmas culpas. Ávidos são, não do Senhor, mas de Mamon, trabalham aceitando o ouro da luxúria e do delito, trocando-o, roubando-o, tomados por um frenesi, que passa por cima de todos os limites e de tudo. Toda a poeira se aninha sobre eles, fermenta sobre eles e, se eles mostram uma cara limpa, os olhos de Deus estão vendo como está sujo o seu coração. A ferrugem do ódio e o verme do peca-

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do os rói, e eles não sabem fazer nada para se salvarem. Desfecham suas maldições, como cetros e machados, mas não sabem que eles é que estão amaldiçoados. Fechados em seus pensamentos e em sua ira, como cadáveres em seus sepulcros, ou prisioneiros em seu cárcere, lá estão, agarrando-se às barras, por medo de que alguma mão os tire de lá, porque lá dentro esses mortos são ainda alguma coisa: são múmias, não mais do que múmias com aparência humana, mas com corpo reduzido a madeira seca, enquanto que lá fora seriam objetos ultrapassados para um mundo que procura a vida, que sente necessidade da vida, como o menino a sente da mãe e quer quem lhe dê vida, e não os fedores da morte.

Eles estão no Templo, sim, e a fumaça das lâmpadas, isto é, das honras, os enfumaça, mas a luz não desce até eles. E todas as paixões se aninham neles como passarinhos e gatos, enquanto que o fogo de sua missão não lhes dá o místico tormento de estarem sendo abrasados pelo fogo de Deus. Eles são refratários ao Amor. O fogo da caridade não os incendeia, assim como a caridade não os veste com seus áureos esplendores. A caridade para com o próximo é a forma; é a caridade que vem de Deus e do homem é a fonte. Por que Deus se afasta do homem que não ama e, por isso, essa primeira fonte pára de jorrar e se afasta o homem do homem malvado, e pára de jorrar também a segunda fonte. Tudo é tirado, pela Caridade, do homem sem amor. Deixam-se comprar por um preço maldito e se deixam levar para onde as vantagens e o poder querem.

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Não, Não é permitido! Não existe moeda para comprar a consciência, e especialmente a dos sacerdotes e dos mestres. Não é permitido ter condescendência com as coisas fortes da terra, quando elas querem levar-nos a praticar atos contrários ao que é ordenado por Deus. Isto seria uma impotência espiritual, mas está escrito: “O eunuco não entrará na assembléia do Senhor.” Se, pois, não pode fazer parte do povo de Deus quem é impotente por natureza, poderá ser ministro o que é impotente em seu espírito? Porque, em verdade Eu vos digo que muitos sacerdotes e mestres já estão atormentados por um culpável eunuquismo espiritual, já mutilados em sua virilidade espiritual. São muitos. E são demais!

8 Meditai. Observai. Confrontai. Vereis que temos muitos ídolos e poucos 211.8 ministros do Bem que é Deus. E aí está porque é que pode acontecer que as cidades refúgios já não sejam mais refúgio. Nada mais é respeitado em Israel, e os santos morrem, porque os não santos os consideram odiosos.

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Mas Eu vos convido: “Vinde.” Eu vos chamo em nome do vosso João, que está sofrendo, porque foi santo; que recebeu o golpe, porque vai à minha frente e porque procurou limpar as sujeiras dos caminhos por onde passa o Cordeiro. Vinde servir a Deus. O tempo está próximo. Não fiqueis despreparados para a Redenção. Fazei que a chuva caia sobre o terreno semeado. Senão, ele terá sido semeado em vão. Vós, vós de Hebron, deveis ir à frente! Aqui vós convivestes com Zacarias e Isabel: os santos que mereceram do Céu, João. Aqui João espalhou o perfume da graça com sua verdadeira inocência de pequenino e, do seu deserto, vos enviou os incensos anticorruptores de sua graça, que se tornou um prodígio de penitência. Não decepcioneis o vosso João. Ele elevou o amor ao próximo a um nível quase divino, em que ele ama o ultimo habitante do deserto, como ama a vós, seus conterráneos. Mas é certo que ele para vós suplica a Salvação. E a Salvação é seguir a Voz do Senhor e crer em sua Palavra. Desta cidade sacerdotal, vinde em massa para o serviço de Deus. Eu estou passando e vos chamando. Não sejais inferiores às meretrizes, às quais basta uma palavra de misericórdia, para deixarem o caminho que percorreram antes, e virem para o Caminho do Bem.

Foi-me perguntado, quando aqui cheguei: “Mas Tu, não conservas rancor de nós?” Rancor? Oh! Não. Eu conservo é amor a vós. E conservo a esperança de ver-vos nas fileiras do meu povo. Do povo que Eu conduzo para Deus, neste novo êxodo para a verdadeira Terra Prometida: para o Reino de Deus, do outro lado do Mar Vermelho das sensualidades e desertos do pecado, livres de toda espécie de escravidão, para a Terra eterna, cheia de delícias, repleta de paz...Vinde! Este é o Amor que passa. Qualquer um pode acompanhá-lo, porque, para ser acolhidos por Ele, não se precisa mais do que de boa vontade.”

9Jesus terminou em meio a um silêncio de estupefação. Parece que muitos 211.9 ficaram sopesando as palavras que ouviram e que ainda as estejam saboreando, percebendo melhor seu gosto profundo, e comparando suas vidas com elas.

Enquanto isso acontece, e Jesus, cansado e com calor, se assenta para falar com João e Judas, ouve-se um clamor do outro lado do muro do jardim. Uns gritos confusos, e que depois se tornam mais claros: “Está ai o Messias? Está?” E tendo recebido a resposta, ei-los já levando para Ele um estropiado, que até parece um S de tão contorcido que está.

“Oh! É Massala!”

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“Mas está muito estropiado! Que será que ele espera?”

“Ai vem vindo a mãe dele! Uma infeliz!”

“Mestre, o marido a rejeitou, por causa deste aborto de homem que é o filho, e ela vive aqui de caridade. Mas já está velha, e pouco mais viverá...”

O aborto de homem, como disseram bem, está agora na frente de Jesus. Este não pode vê-lo no rosto, de tão encurvado e contorcido que ele está. Parece a caricatura de um homem-chipanzé, ou de um camelo imitando o homem. A mãe, velha e infeliz, nem pode falar, mas somente geme, e solta estas palavras: “Senhor... Senhor... eu creio...” Jesus põe suas mãos sobre as costas encurvadas do homem, que lhe chega só até a cintura, levanta o rosto para o Céu, e troveja: “Levanta-te e caminha pelos caminhos do Senhor”, e o homem leva uma sacudidela, e depois se põe de pé, como o mais perfeito dos homens. Foi tão rápido o movimento, que parece terem sido quebradas algumas molas que o estivessem sujeitando àquela posição anômala. Agora ele chega até às costas de Jesus, olha para Ele, e depois cai de joelhos, junto com a mãe, beijando os pés do seu Salvador.

O que aconteceu por entre a multidão nem se pode dizer... E, não obstante toda a vontade em contrário, Jesus é constrangido a permanecer em Hebron, porque as pessoas estão dispostas a pôr barreiras nas saídas da cidade, para impedir que Ele se vá

Jesus entra na casa do velho sinagogo, que está completamente mudado desde o ano passado...

212. Uma onda de amor por Jesus,

quando Ele, em Juta, fala na casinha de Isaac.

8 de julho de 1945.

1 Juta inteira acorreu ao encontro de Jesus, com flores selvagens de suas 212.1 encostas e com as primícias de suas culturas, além dos sorrisos de suas crianças e as bênçãos de seus cidadãos. E, antes mesmo que Jesus chegasse a pôr o pé no povoado, viu-se rodeado por aquelas boas pessoas que, avisadas por Judas de Keriot e por João, que haviam sido mandados à frente, acorreram com tudo o que tinham encontrado de melhor, para prestar honras ao Salvador e sobretudo com seu amor.

Jesus não pára de abençoar, com gesto e com palavra, as pessoas adultas ou jovens, que o apertam de todos os lados e querem beijar-

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lhe as vestes ou as mãos e lhe põem nos braços as crianças de peito para que Ele as abençoe com um beijo. A primeira a fazê-lo é Sara, que lhe põe sobre o coração o seu pimpolho, que é Jesaí.

De tão impetuoso que é, o amor lhe estorva o andar e, no entanto, ele é como uma onda, que o vai levando. Eu creio que Jesus vai indo para a frente, mais levado por esta onda, do que por seus próprios pés e, certamente, também seu coração vai sendo levado bem alto, no céu azul, pela alegria que lhe dá este amor. Ele está com o rosto refulgente como nos momentos da mais viva alegria do Homem-Deus. Não é aquele rosto cheio de poder com aquele olhar magnetizador das horas dos

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milagres, nem o rosto majestoso, de quando manifesta a sua união continua com o Pai e nem mesmo aquele rosto severo, de quando repreende uma culpa. Todas essas vezes seu rosto refulgia com diferentes luzes, mas esta de agora é a luz das horas de distensão de todo o seu eu, que é atacado por todos os lados, obrigado a tomar cuidado sempre e com todos os gestos ou palavras suas ou dos outros, envolvido em todas as ciladas do mundo que, como uma maléfica teia de aranha, lançam os seus fios satânicos ao redor da Divina Borboleta, que é o Homem-Deus, esperando refrear-lhe o vôo e aprisionarlhe o espírito, a fim de que não salve o mundo; amordaçar-lhe a palavra, para que não ensine às bem grandes e culpáveis ignorâncias da terra; amarrar suas mãos, para que essas mãos de Sacerdote Eterno não santifiquem os homens, que o demônio e a carne tornaram depravados; vendar-lhe os olhos, para que, com a perfeição do seu olhar, que é como um imã, que é perdão, que é amor, que é um fascínio que vence todas as resistências, que não sejam a resistência de um perfeito Satanás, não atraiam para Ele os corações.

2 Oh! Não estão também agora e sempre assim contra Cristo, por obra dos 212.2 inimigos de Cristo? Assim não estão a Ciência e a Heresia, o Ódio e a Inveja, os inimigos da Humanidade, como ramos intoxicados de uma planta boa, não fazem tudo isso para que a Humanidade morra, esses que a odeiam mais ainda do que com todo o ódio que eles têm de Cristo, porque a odeiam ativamente, privando-a de sua alegria, procurando descristianizá-la, enquanto que a Jesus nada podem tirar, sendo Ele Deus, e eles pó?

Sim. Eles o fazem. Mas Cristo se refugia nos corações fieis e de lá olha, de lá fala, de lá abençoa a Humanidade, e depois... e depois se dá a esses corações e eles atingem o Céu com sua bem-aventurança, ainda que permaneçam aqui, mas incendiando-se, até terem com isto um delicioso tormento em todo o seu ser: nos sentidos e nos órgãos,

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nos sentimentos e no pensamento e, finalmente, no espírito... Lágrimas e sorrisos, gemidos e canto, o desfalecimento e até uma pressa de viver são os nossos companheiros, mais do que companheiros, são o nosso próprio ser, porque, como os ossos estão na carne, e as veias e os nervos por baixo da epiderme, e tudo faz um só homem, assim, igualmente, todas essas coisas incendiadas, nascidas por ter-se dado Jesus a nós, estão em nós, na nossa pobre humanidade. E, que somos nós, naqueles momentos que não poderiam durar para sempre, porque, se durassem mais do que aquele tanto, morreríamos queimados e despedaçados? Nós não somos mais homens. Não somos mais os animais dotados de razão, que vivem sobre a terra. Somos, somos, ó Senhor! Deixa que eu o diga uma vez, não por soberba, mas para cantar as tuas glórias, porque o teu olhar me queima, e me faz delirar... E, então, nos tornamos serafins. E porque de mim não saem chamas e ardores sensíveis para as pessoas e as materiais, assim como é nas aparições dos condenados? Porque, se é verdade que o fogo do inferno é tão forte, que, só um reflexo, saído de um condenado, pode queimar a madeira e derreter os metais, que não será o teu fogo, ó Deus, que tens tudo o que há de infinito e perfeito?

Não se morre de febre, não nos queimamos com ela, não nos consumimos de febre pelos males da carne. Tu é que és nossa febre, ó Amor. E com este nos queimamos, com este se morre, com este nos consumimos, com este e por este se dilaceram as fibras do coração, que não pode resistir a tudo isso. Mas, eu disse mal, porque o amor é um delirio, o amor é uma cascata que arrebenta os diques, e desce derrubando tudo o que não é ele, o amor é um apinhar-se de sensações, todas elas verdadeiras, na mente, todas presentes, mas nossa mão não pode transcrevê-las, de tão rápida que é a mente em traduzir o pensamento e os sentimentos que o coração experimenta. Não é verdade que morramos. Nós vivemos. E de uma vida decuplicada. De uma vida dupla, vivendo como homens e como bem-aventurados: a vida da terra e a vida do Céu. Alcança-se e se supera, Oh! disso estou certa, uma vida sem defeitos, sem diminuições nem limitações que Tu, Pai, Filho e

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Espírito Santo, Tu, Deus Criador, Uno e Trino, tinhas dado a Adão, como um prelúdio da vida depois da assunção a Ti, para gozar no Céu, depois de uma tranqüila passagem do Paraíso Terrestre para o Celeste, e uma passagem feita nos amorosos braços dos anjos, assim como foi o doce sono e o doce surgir de Maria ão Céu, para ir a Ti, a Ti, a Ti! Vivemos a verdadeira vida.

E depois nos encontramos aqui e nos envergonhamos de ter anda-

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do por tantos outros lugares, e dizemos: “Senhor, eu não sou digno de tudo isso. Perdoa, Senhor.”, e batemos no peito, porque aterrorizados pelo temor de termos tido soberba, e descemos um véu mais espesso sobre o esplendor que, se não continua a chamejar de novo, com um ardor poderoso, por ter dó do nosso ser limitado, recolhe-se, porém, ão centro do nosso coração, pronto a reinflamar-se poderoso para um novo momento de bem-aventurança querida por Deus. Desce-se o véu sobre o Sacrário, onde está Deus ardente em seus fogos, em suas luzes, em seus amores... e extenuados e também regenerados, recomeçamos a andar como... embriagados por um vinho forte e suave, que não torna obtusa a nossa razão, mas nos preserva de ter olhos e pensamentos para o que não seja o Senhor, Tu, meu Jesus, anelo de união entre a nossa miséria e a Divindade, meio de redenção para a nossa culpa, Criador de felicidade para a nossa alma, Tu, Filho que, com tuas mãos feridas, colocas as nossas mãos entre as mãos espirituais do Pai e do Espírito, para que estejamos em Vós, agora e sempre. Amém.

3 Mas, por onde eu andei, enquanto Jesus me queima, queimando os 212.3 habitantes de Juta com o seu olhar de amor? Vossa Rev.ma terá notado que não falo mais de mim ou muito raramente. Quantas coisas eu poderia dizer. Mas o cansaço e a fraqueza física que me oprimem logo depois dos ditados e o pudor espiritual sempre mais forte, quanto mais para a frente eu vou, me persuadem, me obrigam a calar-me. Mas hoje... eu subi alto demais e o ar da estratosfera faz que percamos o controle... Eu fui muito acima da estratosfera... e não pude mais controlar-me... Além disso, eu creio que, se nos calássemos sempre, nós que estamos dominados por este redemoinho de amor, acabaríamos por explodir como projéteis, ou melhor, como caldeiras superaquecidas e fechadas.

Perdoa-me padre. E agora, vamos para frente.

4 Jesus entra em Juta, e é conduzido à praça da feira, e desta à pobre 212.4 casinha em que Isaac foi perdendo suas forças, durante trinta anos... Explicam-lhe: “Aqui vimos todos para falar de Ti e para rezar como em uma sinagoga, a mais verdadeira. Porque foi aqui que começamos a conhecer-te e aqui as orações de um santo te chamaram ate nós. Entra. Vê como nós dispusemos as coisas.”

A casinha, composta no ano passado só de três pequenas aberturas, que eram os quartos, a primeira era aquele em que Isaac enfermo vivia de esmolas, a segunda era um esconderijo, e a terceira uma pequena cozinha, que dava para o pátio, tornaram-se um ambiente úni-

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co, e nele há bancos para os que aqui se reúnem. No pátio há uma pequena barraca em que foram colocados os poucos trastes de Isaac, como relíquias, e o respeito dos habitantes de Juta tornou menos desolado o pátió, colocando eles nele plantas trepadeiras que agora, com suas flores, cobrem a rusticidade do lugar e formam um começo de trepadeira, que vai subindo por cordas estendidas sobre o pátio, até a altura do teto baixo.

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Jesus os elogia, e diz: “Aqui podemos permanecer. Vos peço somente a hospedagem para as mulheres e o menino.”

“Oh! Mestre nosso! Isso não acontecerá nunca! Para aqui viremos contigo e Tu nos falarás, mas, Tu e os teus sede nossos hóspedes. Concede-nos esta bênção de podermos hospedar a Ti e aos servos de Deus. Só nos desagrada que eles não sejam no mesmo número das casas...”

Jesus concorda e sai da casinha, indo para a casa de Sara, que não cede a ninguém o seu direito de hospedar, para a refeição, a Jesus e ãos seus...

5 ... Jesus fala na casa de Isaac. As pessoas enchem a sala e o pátio, e se 212.5 comprimem também na praça, enquanto Jesus, para ser ouvido por todos, põe-se no meio da sala de tal forma, que sua voz se espalha tanto no pátio como na praça. Deve Ele estar tratando de algum assunto que lhe levaram por qualquer pergunta ou acontecimento. Ele diz:

“... Mas não tenhais duvida disso. Como diz Jeremias, eles reconhecerão, pelas provações, como é doloroso e amargo terem abandonado o Senhor. Por certos delitos, meus amigos, não há salitre nem potassa, que consigam tirar a nódoa que eles deixam, nem mesmo o fogo do inferno é capaz de tirar aquela nódoa. Ela é indelével.

Também aqui é necessário reconhecer a justiça das Palavras de Jeremias. Realmente, os nossos grandes de Israel parecem as jumentas selvagens das quais fala o Profeta. Acostumados com o deserto de seus corações, porque, podeis crer, enquanto alguém estiver com Deus, ainda que seja pobre como Jó, ainda que esteja sozinho, ainda que esteja nu, nunca está sozinho, nunca é pobre, nunca está despojado, nunca é um deserto. Mas, eles tiraram Deus dos seus corações, e, por isso, se acham num árido deserto. Como as jumentas selvagens, que farejam no vento o cheiro dos machos, que aqui, no caso, pela libidinagem deles, tem o nome de poder ou dinheiro, alem da luxúria verdadeira e propriamente dita, e acompanham aquele cheiro, ate chegarem ão delito. Sim. Eles o acompanham, e ainda mais o acompanharão. Eles não sabem que estão, não com os pés, mas com o co-

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ração exposto ás flechas de Deus, que vingará o seu delito. Como, então, não haverão de ficar confusos o rei e os príncipes, os sacerdotes e os escribas que, na verdade, disseram e dizem àquilo que nada é, ou, pior ainda, àquilo que é o pecado: “Tu és meu pai. Tu me geraste!”

Em verdade, em verdade, Eu vos digo que Moisés quebrou com ira as tábuas da Lei, ao ver o povo na idolatria e, depois de subir de novo ao monte, orou, adorou e conseguiu. E isto, há muitos séculos. Mas ainda não acabou, nem acabará. Ao contrário, cresce como fermento posto na farinha a idolatria no coração dos homens. Agora, quase cada um dos homens tem o seu próprio bezerro de ouro. A terra é um matagal de ídolos, porque cada coração virou um altar e dificilmente se encontra Deus sobre ele. Quem não tem uma paixão maligna tem outra, quem não tem uma concupiscência tem uma outra com outro nome. Quem não é todo pelo ouro é todo por alguma posição, quem não é todo pela carne é todo pelo egoísmo. Quantos “eus” transformados em bezerros de ouro, não são adorados nos corações! Virá, por isso, um dia em que eles, golpeados, clamarão ão Senhor e ouvirão dele esta resposta: “Vira-te para os teus deuses. Eu não te conheço.”

Eu não te conheço. Terrível é esta palavra, quando dita por Deus a um homem. Deus criou o homem como uma raça, e conhece cada homem em particular. Quando, pois, Ele diz: “Eu não te conheço”, isso é sinal de que Ele apagou, com a força de sua vontade, aquele homem de sua lembrança. Eu não te conheço! Será Deus severo demais por proferir este veredicto? Não. O homem

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gritou ão Céu: “Eu não te conheço!”, e o Céu respondeu ão homem: “Eu não te conheço”, com a fidelidade de um eco... 6 E, meditai: o homem é obrigado a conhecer a Deus por um dever de 212.6 gratidão e por respeito para com a sua própria inteligência.

Por gratidão: Deus criou o homem, dando-lhe o dom inefável da vida e provendo-o do dom superinefável da graça. Perdida esta por própria culpa, o homem ouve que lhe é feita uma grande promessa: “Eu te darei de novo a Graça”. É Deus que-foi ofendido, que fala assim ao seu ofensor, como se fosse ele, Deus, o culpado, obrigado a dar uma reparação. E Deus mantém a promessa. Eis que aqui estou para dar de novo a Graça ão homem. Deus não se limita a dar o sobrenatural, mas faz descer ate nós sua Essência Espiritual, a fim de prover às grosseiras necessidades da carne e do sangue do homem, dá-lhe o calor do sol, o refrigério da água, os grãos dos cereais, as videiras, as árvores de todas as espécies, os animais de todas as espécies. Assim o homem recebeu de Deus todos os meios para conservar a vida. Deus é

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o seu Benfeitor. É preciso que lhe sejamos reconhecidos e lhe mostremos isso, esforçando-nos por conhece-lo.

Por respeito para com nossa própria razão. O mentecapto e o idiota não são gratos para com quem cuida deles, porque não compreendem os cuidados em seu verdadeiro valor, e há quem os lava ou lhes põe a comida na boca, a quem os guia ou os põe na cama, a quem os vigia para que não se exponham aos perigos. Eles ainda lhes tem ódio, porque, bestiais como são por causa de sua doença, acham ainda que aqueles cuidados são torturas. O homem que está em falta contra Deus é alguém que se desonra a si mesmo, a um ser dotado de razão. Só os idiotas e os doidos é que não conseguem distinguir o seu pai de um estranho, o benfeitor de um inimigo. Mas o homem inteligente conhece o seu pai e o seu benfeitor e se compraz em conhece-lo sempre melhor, mesmo naquelas coisas que ele ignora, porque aconteceram antes que ele nascesse ou que recebesses os benefícios do pai ou do benfeitor. Assim deve-se fazer também com o Senhor, a fim de mostrar-lhe que somos inteligentes, e não brutos. Mas muitos em Israel são semelhantes a estes doidos que não reconhecem o seu pai e o seu benfeitor.

Jeremias pergunta a si mesmo: “Poderá, acaso, a virgem esquecerse de seus ornamentos e uma esposa do seu cinto?” Oh! Sim. Israel está constituído por estas virgens doidas, por essas esposas impudicas, que se esquecem dos seus ornamentos honestos e da cintura para usarem ouropéis, como as meretrizes. E isso se encontra em medida sempre maior, quanto mais se sobe até às classes que deveriam ser as mestras do povo. E a reprovação de Deus, - com sua irritação e o seu pranto, - lhes é dirigida: “Por que te esforças em mostrar tua boa conduta, e procurar amor, tu, que, ao contrário, ensinas as malícias e os teus modos de fazer, e fizeste que se encontrassem, nas abas das tuas vestes, o sangue dos pobres e dos inocentes?”

7 Amigos, a distância é um bem e é um mal. Estar muito longe dos lugares, 212.7 onde com facilidade Eu falo é um mal, porque vos impede de ouvir as palavras da Vida. E vós vos queixais disso. Pois é verdade. Mas é um bem, porque vos conserva afastados dos lugares em que fermenta o pecado, onde ferve a corrupção, onde as ciladas sibilam, tramando contra Mim, estorvando-me em minha obra e insinuando dúvidas e mentiras nos corações a respeito de Mim. Mas Eu prefiro que estejais longe a que estejais corrompidos. Eu proverei à vossa formação. Vós estais vendo que Deus proveu, antes que nós nos conhecêssemos e, por isso, nos amássemos. Eu já era conhecido, antes

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que nós nunca nos tivéssemos visto. Isáac foi o vosso anunciador. Eu vou mandar muitos

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Isaques para dizer-vos as minhas palavras. E fieai sabendo também que Deus pode falar em toda parte a sós com o espírito do homem e fazê-lo crescer em sua doutrina.

Não tenhais medo de que, por estardes sozinhos, isso vos possa fazer cair em erros. Não. Se não quiserdes, não sereis infiéis ao Senhor e ao seu Cristo. Afinal, quem de verdade não pode ficar longe do Messias, fique sabendo que o Messias lhe abre o coração e os braços, e lhe diz: “Vem.” Vinde, vós, que quereis vir. Permanecei, vós, que quereis ficar. Mas, pregai o Cristo, tanto uns como os outros, com uma vida honesta. Pregai contra a desonestidade, que se aninha em muitos corações. Pregai isto contra a leviandade dos muitíssimos que não sabem permanecer fieis e que se esquecem dos seus ornamentos e cintos das almas chamadas para as núpcias com Cristo. Vós me dissestes, felizes: “Desde quando Tu vieste, nós não tivemos mais doentes nem mortos. A tua bênção nos protegeu.” Sim grande coisa é a saúde. Mas, fazei que a minha vinda de agora vos faça a todos sãos de espírito, e sempre e em tudo. Para isso, Eu vos abençôo e vos dou a minha paz, a vós e aos vossos filhos, aos campos, às casas, às messes, aos rebanhos, às árvores frutíferas. Servi-vos de tudo isso com santidade, não vivendo para essas coisas, mas por meio delas, dando o supérfluo a quem não tem e adquirindo vós assim a medida calcada das bênçãos do Pai e um lugar no Céu. Ide. Eu fico para rezar...”

9 de julho.

8 Releio o que escrevi ontem, para colocar no lugar certas palavras 212.8 incompreensíveis, por piedade dos teus olhos Padre. Reler isto me deixa desolada... é tão inferior àquilo que experimentei enquanto descrevia o meu estado de ânimo! Porém agora eu, para ajudar-me a dizer o que o Senhor me fazia experimentar e pelo medo de dizer mal, e para ter um alívio - porque é também um sofrimento, sabes? - eu chamava o meu São João. Dizia-lhe: “Tu sabes bem estas coisas. Tu as experimentastes. Ajuda-me.” Nem me faltou a sua presença, o seu sorriso de eterno menino bom e a sua carícia. Mas agora sinto que a minha pobre palavra é tão inferior ao sentimento que experimentava... Tudo quanto é humano é palha, o ouro é somente o sobrenatural. Mas o humano não o pode nera mesmo descrever.

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213. Em Keriot Jesus faz uma profecia

e lá começa a pregação dos apóstolos.

9 de julho dé 1945.

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1 Vejo o interior da sinagoga de Keriot. No mesmo lugar em que Saul foi 213.1 estendido no chão, morto, depois de ter visto a futura gloria de Cristo. E neste lugar, num grupo compacto, do qual emergem Jesus e Judas - que são os mais altos, e ambos com os rostos cintilantes, um por causa do seu amor e o outro pela alegria de ver que a sua cidade é sempre fiel ao Mestre e que se honra com a pompa e as honrarias que lhe são prestadas, - aí estão os notáveis de Keriot e, depois, mais longe de Jesus, mas apinhados como sementes em uma sacola, os moradores estão enchendo tanto a sinagoga, que mesmo estando abertas as suas portas, nela mal se pode respirar. E, para lhe prestarem suas honras, para ouvirem o Mestre, acabam por fazerem todos uma grande confusão, e um barulho tal, que já não se pode ouvir nada.

Jesus suporta tudo aquilo, e se cala. Mas os outros se inquietam, dão gritos, e dizem: “Silêncio!” Contudo, o grito deles se perde no meio do grande barulho, como um grito lançado sobre uma praia, em hora de tempestade.

Judas, porém, não fica só em palavras. Ele sobe numa cadeira alta e começa a bater umas nas outras as lâmpadas que estão penduradas em feixes. O metal oco ressoa, as correntinhas retinem como instrumentos musicais, ao baterem também umas nas outras. Então as pessoas se acalmam e, finalmente, se pode ouvir Jesus falar.

Ele diz ão sinagogo: “Dá-me o décimo rolo daquela estante.” E, tendo-o recebido, o desenrola e o dá ao sinagogo, dizendo: “Lê o capítulo 4° do livro II dos Macabeus.”

Obediente, o sinagogo lé. E as vicissitudes de Onias, e os erros de Jasão, as traições e furtos de Menelau vão passando assim diante do pensamento dos presentes. O capitulo terminou. O sinagogo olha para Jesus, que o ficou escutando atentamente.

2 Jesus faz sinal de que basta, e depois, se dirige ao povo: “Na cidade do 213.2 meu caríssimo discípulo Eu não vou dizer minhas costumeiras palavras de ensinamento. Permaneceremos aqui alguns dias e Eu quero que seja ele quem vo-las diga. Porque daqui é que Eu quero que tenha começo o contato direto, o contato contínuo entre os apóstolos e o povo. Isso foi decidido lá na alta Galiléia, e lá já começou a brilhar. Mas a humildade dos meus discípulos fez que depois eles se

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retirassem para a sombra, porque eles têm medo de não saberem fazê-lo bem e de ficarem usurpando o meu lugar. Não. Eles devem fazê-lo, e o farão bem, e ajudarão ao seu Mestre. Aqui, pois, unindo em um único amor os confins da Galiléia e da Fenícia com as terras de Judá, que são as mais meridionais e se limitam com os países do sol e das areias, aqui é que deve ter começo a verdadeira pregação apostólica. Porque o Mestre já não basta para atender às necessidades das multidões. E porque é justo que as águiazinhas deixem o ninho e dêem os seus primeiros vôos, enquanto o sol está com elas, e as asas robustas dele as sustentam.

Por isso Eu, nestes dias, serei vosso amigo e vosso conforto. Eles serão a palavra, e irão espargindo as sementes que Eu lhes dei. Eu não direi por isso, palavras de ensinamento público, mas vos darei uma coisa privilegiada. Uma profecia. Eu vos peço que vos lembreis dela pelos tempos futuros, quando o acontecimento mais horrível da História tiver ofuscado o sol e, nas trevas, pode ser que os corações sejam arrastados a um julgamento errado. Não quero que vós sejais induzidos a erro, vós, que, desde os primeiros momentos, fostes bons para comigo. Não quero que o mundo possa dizer: “Keriot foi inimiga de Cristo.” Eu sou justo. Não posso permitir que a crítica, tanto a invejosa, como a enamorada de Mim, possa, cada uma delas incentivada por seus sentimentos, acusar-vos de culpas contra Mim. E, assim como não se pode, em uma família

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numerosa, pretender que os filhos sejam iguais em santidade, assim também não se pode pretender que o sejam os habitantes de uma cidade populosa. Mas seria uma grande falta de caridade, se alguém dissesse, por causa de um filho mau, ou por causa de um dos habitantes, que não era bom: “Toda a família, ou toda a cidade está amaldiçoada.”

Portanto, ouvi, e lembrai-vos disso, sede sempre fieis e, como Eu vos amo tanto, que quero defender-vos de qualquer acusação injusta, assim, vós, procurai saber amar aos que não têm culpa. Sempre. Sejam quem forem. Seja qual for o parentesco que eles tenham com os culpados.

3 Agora, escutai. Virá um tempo em que em Israel aparecerão delatores do 213.3 tesouro e da pátria, e eles, na esperança de se tornarem amigos dos estrangeiros, falarão mal do verdadeiro Sumo Sacerdote, acusando-o de aliança com os inimigos de Israel, e de atos maus contra os filhos de Deus. E, para conseguirem isso, serão capazes de cometer delitos e de atribuir a responsabilidade por eles ao Inocente. E tempo virá, sempre em Israel, no qual, mais ainda que nos tempos de

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Onias, um infame, conspirando para ser ele o Pontífice, irá procurar os poderosos de Israel e os corromperão com o ouro, ainda mais infame, de suas palavras mentirosas e, ao mesmo tempo, alterará a verdade dos fatos; não falará contra as culpas, mas, pelo contrário, irá atrás de suas indignas metas, pôr-se-á a corromper os costumes, para ter, como presas mais fáceis, os espíritos privados da amizade com Deus. Tudo para atingir a sua meta. E conseguirá. Oh! Com certeza! Porque, se na própria morada do monte Moriá não estão mais os ginásios do ímpio Jasão, eles estão nos corações dos habitantes do monte que, como garantia, estão dispostos a vender uma coisa que é bem mais do que um terreno, e que é a própria consciência deles. Os frutos do erro antigo são vistos agora e, quem tiver olhos para ver, verá isso acontecer no lugar onde deveria haver caridade, pureza, justiça, bondade, religião santa e profunda. Mas, se esses são os frutos que já fazem tremer, os frutos nascidos das sementes destes não só serão objeto de tremor, mas de maldição divina.

E eis-nos chegados à verdadeira profecia. Em verdade Eu vos digo que por aquele que se apoderou de um posto e da confiança, por meio de jogadas calculadas e astutas e que será entregue, por dinheiro, às mãos dos inimigos, o Sumo Sacerdote, o Verdadeiro Sacerdote. Arrastado para a cilada por meio de um gesto de afeto, será mostrado aos carrascos por meio de um gesto de amor, e Ele será morto sem preocupações com a justiça. Que acusações serão feitas a Cristo, pois é de Mim que estou falando, para justificarem o direito de matá-lo? E que sorte estará reservada para os que isso fizerem? Uma sorte, na mesma hora e de horrível justiça. Uma sorte não individual, mas coletiva, para os cúmplices do traidor. Uma sorte mais distante, e ainda mais horrível do que a do homem que o remorso levará a coroar o seu espírito de demônio com um último delito contra si mesmo. Porque aquilo em um momento terminará. Mas este último castigo será longo, terrível. Encontrai-o nesta frase: “e, aceso em ira, ordenou que Andrônico fosse despojado de sua púrpura e morto no lugar onde havia cometido a impiedade contra Onias.” Sim. A raça sacerdotal será punida em seus filhos e também nos executores. E o destino da massa de cúmplices, podeis lé-lo nestas palavras. “A voz deste sangue grita a Mim da terra. Agora, pois, tu serás maldito...” E ela será dita por Deus a todo um povo que não terá sabido guardar o dom do Céu. Porque, se é verdade que Eu vim para redimir, ai daqueles que forem assassinos, e não redimidos, no meio deste povo, que recebeu como primeira redenção a minha Palavra.

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Já o disse. Lembrai-vos disso. E, quando ouvirdes dizer que Eu sou um malfeitor, dizei: “Não. Ele já o disse. Isto é o que foi marcado e se está cumprindo. Ele e a Vítima morta pelos pecados do mundo...”

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4 A sinagoga se esvazia, e todos saem falando e gesticulando, e o seu 213.4 assunto é a profecia e a estima que Jesus tem por Judas. Os habitantes de Keriot estão exaltados pela honra que lhes deu o Messias, ao escolher a terra de um apóstolo, e logo do apóstolo de Keriot, para iniciar lá o ministério apostólico, e começando pelo dom da profecia. Ainda que seja triste, é uma grande honra té-la ouvido e, ainda mais, com as palavras de amor que a precederam...

Na sinagoga ficam Jesus e os grupo dos apóstolos. E passam para o pequeno jardim, que fica entre a sinagoga e a casa do sinagogo. Judas sentou-se e está chorando.

“Por que estás chorando? Não vejo motivo para isso...”, diz o outro Judas.

“Mas vede bem. Quase que eu faria também o que ele está fazendo. Vós ouvistes? Agora é preciso que falemos nós.”... diz Pedro.

“Mas nós já falamos um pouco lá no monte. Sempre o iremos fazendo melhor. Tu e João logo já fostes capazes”, diz Tiago de Zebedeu para encorajar.

“O pior é comigo... mas Deus me ajudará. Não é mesmo, Mestre?”, pergunta André.

Jesus estava enrolando os rolos, que ia levando consigo, vira-se e diz: “Que é que estáveis dizendo?”

“Que Deus me ajudará, quando eu tiver que falar. Eu procurarei repetir as tuas palavras do melhor modo que eu puder. Mas meu irmão está com medo e Judas está chorando.”

“Está chorando? Por que?”, pergunta Jesus,

“Porque verdadeiramente eu pequei. André e Tomé o podem dizer. Eu falei mal de Ti e Tu me fizestes bem, ao chamar-me de “caríssimo discípulo” e querendo que eu seja mestre aqui... Quanto amor!...”

“Não sabias que Eu te amavá?”

“Sim. Mas... Obrigado, Mestre. Não murmurarei nunca mais, porque realmente eu sou as trevas e Tu és a Luz.”

O sinagogo volta, convidando-os a entrar em casa e, enquanto vai, ele diz: “Estou pensando nas tuas palavras. Se eu compreendi bem, assim como encontraste em Keriot um predileto, nosso Judas de Simão, também profetizas que aqui encontrarás um indigno. Isso me aflige. Mas, menos mal, porque Judas compensará o outro...”

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“Com todo o meu ser”, diz Judas, que já recobrou o domínio de si mesmo.

Jesus nada diz, mas olha para os seus interlocutores, e faz um gesto, abrindo os braços, como para dizer: “Assim é.”

214. A mãe de Judas confidencia-se à Mãe de Jesus, que

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chegou a Keriot acompanhada por Simão Zelotes.

10 de julho de 1945.

1 Jesus está para ir colocar-se à mesa na bela casa de Judas, junto com 214.1 todos os seus. E diz à mãe de Judas, que acaba de chegar de sua casa de campo, para hospedar dignamente o Mestre: “Não mãe, tu também precisas estar conosco. Aqui estamos como uma família. Não será este um banquete frio e cerimonioso de hóspedes ocasionais. Eu te tomei um filho, assim como Eu te tomo como mãe, porque és muito digna disso. Não é verdade, amigos, que assim nos sentiremos todos mais contentes e mais à vontade?”

Os apóstolos e as duas Marias concordam com prazer. E a mãe de Judas, com um grande brilho em suas pupilas, deve ir sentar-se entre o seu filho e o Mestre, que tem à frente as duas Marias, com Margziam entre elas. O servente chega com as iguarias, que Jesus oferece e abençoa, depois distribui, pois neste ponto a mãe de Judas é inflexível. E Jesus distribui, sempre começando por ela, o que cada vez mais comove a mulher, enche de orgulho Judas e, ao mesmo tempo, o faz ficar pensativo.

A conversação é sobre diversos assuntos e Jesus procura fazer que se interesse por eles a mãe de Judas, e que ela se familiarize com as duas discípulas. 2 Para 214.2 isso muito ajuda Margziam, que declara já querer muito bem à mãe de Judas, “porque ela se chama Maria, como todas as mulheres que são boas.”

“E àquela, que nos está esperando lá no lago, não quererás bem, meu malvadinho?”, pergunta Pedro, meio sério.

“Oh! Muito bem, se ela for boa.”

“Disto podes estar certo. Todos o dizem, e eu também devo dizêlo, pois, se foi sempre mansa com sua mãe e comigo, é sinal de que é boa. Mas ela não se chama Maria, meu filho. Ela tem um nome esquisito, que foi o pai dela que lhe pôs e que é o nome da coisa que lhe havia dado riqueza e, por isso, a quis chamar de Púrpura. Porque a púrpura é bela e preciosa. Minha mulher não é bela, mas é preciosa

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por sua bondade. E eu lhe quis bem, porque ela era muito tranqüila, casta e silenciosa. Três virtudes... hein?!, que não se encontram facilmente! Eu tinha olhado para ela, desde quando ela era menina. Eu descia para Cafarnaum com o peixe e a via junto às redes, ou à beira da fonte e também na horta da casa. Trabalhando calada, ela não era como uma borboleta leviana, que voa para um lado e para outro, nem como uma franga, descontrolada e que vira os olhos para onde ouve cantar o galo. Ela nunca levantava a cabeça, quando ouvia vozes de homem, e, quando eu, apaixonado por sua bondade e pela beleza de suas tranças, que eram as suas únicas belezas, e também compadecido por sua condição de escrava em família, quando eu lhe dirigi as primeiras saudações, - ela estava então com dezesseis anos, - ela me respondeu com dificuldade, baixando ainda mais o seu véu e conservando-se ainda mais retirada em sua casa. Assim é. Levou tempo para compreender se não lhe parecia um bicho-papão e para lhe enviar o paraninfo!... Mas eu não preciso arrepender-me. Poderia eu dar uma volta por toda a terra, que outra como ela eu não encontraria. Não é verdade, Mestre, que ela é boa?”

“Muito boa. Estou certo de que Margziam vai gostar dela, ainda que ela não se chame Maria.

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Não é, Margziam?”

“Sim. Ela se chama “mamãe”. E as mamães são boas e são amadas.”

3 Depois, Judas conta o que fez durante o dia. Compreendi que ele foi 214.3 avisar à mãe da chegada deles e que depois, começou a falar pelas campinas de Keriot, tendo por companheiro André. Em seguida, ele diz: “Mas amanhã eu gostaria que viésseis todos: Eu não quero brilhar por mim mesmo. Iremos, quanto possível, um judeu e um galileu. Eu com João, por exemplo e Simão com Tomé. Se o outro Simão viesse! Mas vós dois, (e mostra os filhos de Alfeu), podeis ir juntos. Eu tenho dito, mesmo a quem não queria saber, que vós sois os irmãos do Mestre. E vós dois também (e mostra Filipe e Bartolomeu) podeis ir juntos. Eu tenho dito que Natanael é um rabi que se pôs a acompanhar o Mestre. É uma coisa que impressiona. E... vós três estais sobrando. Mas se Zelotes vier, pode-se fazer uma dupla a mais. Depois nos iremos revezando, porque quero que conheçam a todos vós...” Judas está entusiasmado. “Eu falei sobre o Decálogo, Mestre, procurando pôr em destaque especialmente aquelas partes nas quais esta região mais falta...”

“Não tenhas a mão pesada, Judas. Eu te peço isto. Tem sempre presente que mais consegue a doçura do que a intransígência, e que

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tu também és homem. Por isso, examina-te, e reflete como é fácil que tu também caias e como te irritas, ao fazeres censuras muito severas”, diz Jesus, enquanto a mãe de Judas inclina a cabeça, ficando muito corada.

“Não tenhas medo, Mestre. Eu me esforço por imitar-te em tudo. Mas no povoado, que daqui estamos vendo por aquela porta, (estão comendo com as portas abertas, e vê-se um belo horizonte daqui desta câmara sobrelevada) há um doente que quereria ficar são. Mas, não se pode transportá-lo. Poderias ir comigo?”

“Amanhã, Judas. Amanhã cedo, sem falta. E, se houver outros doentes, dizei-me ou trazei-os a Mim.”

“Queres mesmo fazer o bem à minha terra, Mestre?”

“Sim. Para que não se diga que Eu tenha sido injusto com quem não me fez mal. Eu faço o bem até aos maus! Por que, então, não o faria aos bons de Keriot? Quero deixar uma lembrança indelével de Mim...”

“Mas, como? Não voltaremos mais aqui?”

“Voltaremos ainda, mas...”

4 “Aí vem a Mãe, a Mãe com Simão!”, diz o menino, que vê Maria e 214.4 Simão subindo pela escada que vai para o terraço, no qual está o quarto.

Todos se põem de pé e vão ao encontro dos dois que estão chegando. Há um rumor de exclamações, de saudações, de cadeiras arrastadas. Mas nada desvia Maria de ir saudar primeiro a Jesus, depois à mãe de Judas, que se inclinou profundamente e que Maria procura fazer que se reerga e abraça como se fosse uma amiga reencontrada por ela depois de ausência.

Tornam a entrar no quarto e Maria de Judas manda mais alimentos para os que chegaram

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depois.

“Aqui está, meu Filho, a saudação de Elisa”, e dá um pequeno rolo a Jesus, que o abre e lê, dizendo depois. “Eu já sabia. Eu estava certo disso. Obrigado, Mamãe. Por Mim e por Elisa. Tu és verdadeiramente a saúde dos enfermos!”

“Eu? Tu, meu Filho. Não eu.”

“Tu. E és a minha maior ajuda.” Depois se vira para os apóstolos e as discípulas, e diz: “Elisa escreve: “Volta, minha Paz! Eu quero, não só amar-te, mas servir-te.” E foi assim que livramos da angústia e da melancolia uma criatura e ganhamos uma discípula. Nós lá voltaremos, sim.”

“Ela quer conhecer também as discípulas. Vai chegando pouco a

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pouco, mas sem paradas. Pobre querida! Tem ainda alguns momentos de um desmaio medonho. Não é, Simão? Um dia ela quis experimentar sair comigo, mas viu um amigo de seu Daniel... e tivemos muito trabalho para acalmar o seu pranto. Mas Simão é muito inteligente! E me sugeriu que chamasse Joana, visto que ela tem o desejo de voltar para o mundo, mas que o mundo de Betsur é cheio demais de lembranças para ela. E foi ele mesmo chamá-la. Ela tinha acabado de chegar, depois das festas, a Beter, voltando para perto de seus espléndidos roseirais da Judéia. Diz Simão que para ele foi um sonho poder atravessar aquelas colinas cheias de roseiras, e que isso o fazia pensar que estava no Paraíso. Ela veio logo. Ela pôde compreender e ter compaixão de uma mãe que chora por seus filhos. Elisa se lhe afeiçoou muito e eu vim. Joana quer persuadi-la a sair de Betsur e a ir para o seu castelo. E ela conseguirá, porque é doce como uma pomba, mas firme em seus propósitos como o granito.”

“Iremos a Betsur na volta, e depois nos separaremos. Vós, discípulas, ficareis com Elisa e Joana por algum tempo. Nós iremos pela Judéia e nos reencontraremos em Jerusalém, na Festa do Pentecostes”...

5 ... Maria, Mãe de Jesus e Maria, mãe de Judas estão juntas. Não na casa 214.5 da cidade, mas na do campo. Estão sozinhas. Os apóstolos com Jesus estão fora, as discípulas com o menino estão andando pelo pomar e se ouvem suas vozes, unidas ao rumor de panos batidos nos tanques de lavar roupa. Talvez elas estejam fazendo a lavação enquanto o menino está brincando.

A mãe de Judas está sentada num quarto meio escuro ao lado de Maria, e lhe está falando: “Estes dias de paz ficarão em mim como um doce sonho. Eles são tão breves! Tão breves! Eu compreendo que não devemos ser egoístas e que é justo que vades àquela pobre mulher e a tantos outros infelizes. Mas, se eu pudesse! Se eu pudesse fazer o tempo parar ou, então, ir convosco!... Mas eu não posso. Não tenho outros parentes a não ser meu filho, e devo tomar conta dos bens da casa...”

“Compreendo... Separar-te do teu filho é uma dor. Nós mães gostaríamos de estar sempre com os filhos. Mas nós os damos por alguma bem grande razão, e não os perdemos. Nem mesmo a morte nos tira os filhos, se eles estiverem e se nós estivermos, em graça aos olhos de Deus. Mas nós os temos ainda neste terra, mesmo quando a vontade de Deus no-los tira de nossos seios para dá-los ao mundo para o seu bem. Podemos sempre encontrar-nos com eles e até o eco de

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suas almas nos faz como que uma caricia ao coração, porque as obras deles são perfume de sua alma.”

6 “Que é o teu Filho para ti, Mulher?”, pergunta em voz baixa Maria de 214.6 Judas.

E Maria, Mãe de Jesus, segura responde: “É a minha alegria.”

“A tua alegria!...” , e depois vem uma explosão de pranto, enquanto a mãe de Judas se inclina sobre si mesma, como para esconder o pranto. Sua fronte se abaixa quase até os joelhos, de tanto que ela se inclinou.

“Por que estás chorando, minha pobre amiga? Por que? Dize-o a mim. Eu sou feliz em minha maternidade, mas sei também compreender as mães não felizes...”

“Sim. Não felizes! E eu sou uma delas. Teu Filho é a tua alegria... O meu é a minha dor: o tem sido, ao menos. Agora, desde quando está com o teu Filho, ele me aflige menos. Oh! Entre todas as que rezam pelo teu santo Filho, para que Ele se saia bem e triunfe, não existe nenhuma, depois de ti, ó bem-aventurada, que reze tanto como esta infeliz, que te está falando... Dize-me a verdade: que pensas tu do meu filho? Nós somos duas mães, uma na frente da outra: entre nós está Deus. E estamos falando de nossos filhos. Tu não podes deixar de achar fácil falar do teu. Eu... eu devo fazer força contra mim mesma para falar do meu. Mas, na verdade, quanto bem, ou quanta dor me pode provir de estar falando dele. Pois, ainda que seja doloroso, sempre será um consolo ter falado.

Aquela mulher de Betsur ficou quase doida, por causa da morte de seus filhos, não foi? Mas eu te juro que, às vezes, pensei e penso, quando olho para o meu Judas belo, sadio, inteligente, mas não bom, não virtuoso, não direito de espírito, não sadio em seus sentimentos, que eu preferiria chorá-lo morto, a sabê-lo... a sabe-lo muito desagradável a Deus. Tu, então, dize-me: Que pensas do meu filho? Se sincera. Há mais de um ano que esta pergunta me vem queimando o coração. Mas fazer eu esta pergunta a quem? Aos moradores da cidade? Eles não sabiam ainda que o Messias estava na terra e que Judas queria andar na companhia dele. Eu sabia disso. Ele o havia dito, quando veio aqui depois da Páscoa, exaltado, violento como sempre, quando se apodera dele algum capricho e, como sempre, desprezando os conselhos de sua mãe. Perguntar aos amigos dele de Jerusalém? Uma santa prudência e uma piedosa esperança me detinham de fazer isso. Eu não queria dizer a eles, aos quais não posso amar, porque tudo eles são, menos santos, o seguinte: “Judas está acompanhando o

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Messias.” E eu esperava que aquele capricho acabasse, como muitos outros, como todos os outros, custando talvez lágrimas e desolações como por mais de uma mocinha que, aqui e em outros lugares ele namorou, pensando em si só e depois jamais tomou por esposa.

Não sabes que há lugares aonde ele não vai mais, porque poderia encontrar lá um justo castigo? Também ser ele do Templo foi um capricho dele. Ele não sabe o que quer. Nunca. O pai dele, Deus lhe perdoe, o estragou. Eu nunca tive voz, diante dos dois homens da minha casa. Eu só tive que chorar, e viver com humilhações de toda sorte... Quando Joana morreu - e, ainda que ninguém o dissesse, eu sei que ela morreu de dor, quando, depois de ter esperado durante toda a sua juventude, Judas declarou que ele não queria mulher, ao passo que depois ficou sabido que ele tinha mandado, amigos a Jerusalém para perguntarem a uma mulher rica, e que possuía empórios até Chipre para sua filha - eu tive que chorar muito, muito, por causa das censuras da mãe da mocinha morta, como se eu fosse cúmplice do meu filho. Não. Eu não sou. Mas eu nem sou nada para ele.

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No ano passado, quando o Mestre esteve aqui, compreendi que Ele havia entendido... e quis falar com ele. Mas é doloroso e ainda mais para uma mãe, é doloroso ter que dizer: “Temei o meu filho: é um avarento, um duro de coração, um viciado, um soberbo, um inconstante.” E ele é isto. Eu... eu rezo para que teu Filho faça um milagre, Ele que faz tantos, faça um milagre sobre meu Judas... Mas tu, dize-me tu: que é que pensas dele?”

7 Maria, que, nesse meio tempo ficou calada e com uma expressão de dor e 214.7 piedade, diante deste lamento materno, ao qual seu espírito reto não pode desmentir, diz em voz baixa: “Pobre mãe!... Que é que eu penso? Sim, o teu filho não é aquela alma límpida de João, nem manso como André, nem firme como Mateus, que quis mudar, e mudou. É... instável, sim, é assim. Mas nós rezaremos muito por ele, eu e tu. Não chores. Talvez no teu amor de mãe, que gostaria de gloriar-se de seu filho, tu o estejas vendo mais deforme do que é...”

“Não! Não! Eu vejo o que é verdade e fico com muito medo.”

O quarto está cheio com os lamentos e o pranto da mãe de Judas e, naquela meia escuridão, o rosto branco de Maria fica parecendo mais pálido, depois dessa confissão materna, que faz que se tornem evidentes aquelas coisas de que já suspeitava a Mãe do Senhor. Mas Ela se domina. Atrai a si aquela mãe não feliz, e a acaricia, enquanto esta, tendo rompido os diques de toda reserva, vai narrando, de modo confuso e cansativo, todas as durezas, exigências e violências de Ju-

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das, e termina dizendo: “Eu fico envergonhada por causa dele, quando me vejo tratada, como se fosse merecedora dos atos de amor do teu Filho! Eu não os peço. Mas tenho a certeza de que, além de os fazer por sua bondade, Ele os faz, mais para dizer, com aqueles gestos, a Judas: “Lembra-te de que é assim que se trata a mãe.” Agora, neste momento, ele parece muito bom... Oh! Se fosse verdade! Ajuda-me, ajuda-me com a tua oração, tu, que és santa, para que o meu filho não seja indigno da grande graça que Deus lhe concedeu! Se ele não me quer amar, não sabe ser agradecido a mim que o dei à luz e o criei, não é nada. Mas que ele saiba amar realmente a Jesus, que saiba servi-lo com fidelidade e reconhecimento. Se assim não for... então, que Deus lhe tire a vida. Eu prefiro vê-lo no sepulcro... eu o teria para mim finalmente porque, desde que chegou ao uso da razão, muito pouco ele foi meu. Melhor morto do que um mau apóstolo. Posso rezar assim? Que achas?”

“Reza ao Senhor que faça o que for melhor. Não chores mais. Eu já vi meretrizes e pagãos aos pés do meu Filho, e com eles publicanos e pecadores. Tornaram todos cordeiros, pela sua Graça. Espera, Maria, espera. Os sofrimentos das mães salvam os filhos, não sabes disso?”.

E, com esta piedosa pergunta, tudo termina

215. O albergador de Betgina e a sua filha lunática.

11 de julho de 1945.

1 Não vejo nem a volta a Betsur, nem os roseirais de Beter, que eu tanto 215.1 desejava ver. Jesus está sozinho com os apóstolos. Não está aqui nem Margziam, que ficou certamente com Maria e as discípulas. Estamos em um lugar muito montanhoso mas também muito rico de vegetação, com bosques de coníferas, ou melhor, de pinhos, e o cheiro de suas resinas se espalha por toda parte, balsâmico e vitalizante. E, através destes montes verdes, Jesus vai caminhando, com

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as costas viradas para o oriente, junto com os seus.

Ouço que estão falando de Elisa, que apareceu muito mudada, e persuadida a acompanhar Joana em sua propriedade de Beter, pela bondade de Joana. Ouço também que estão falando da nova excursão que vão fazer, indo para as férteis planícies, que ficam perto da beira-mar. Os nomes das glórias passadas vêm à tona, relembram-se histórias, fazem-se perguntas, dão-se explicações e travam-se dis-

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cussões pacificas.

“Quando estivermos no cume deste monte, Eu vos mostrarei lá do alto todas as regiões que vos interessam. Delas podereis tirar pensamentos para as palavras que ireis dizer ao povo.”

“Mas, como haveremos de fazer isso, Senhor? Eu não sou bom para isso”, geme André, e a ele se associam Pedro e Tiago. “Nós somos os mais incapazes!”

“Oh! Para isso eu também não sou melhor. Se fosse de ouro e prata, eu poderia falar, mas destas coisas...”, diz Tomé.

“E eu? quem era eu?”, pergunta Mateus.

“Mas tu não tens medo do publico, tu sabes discutir”, replica André.

“Mas é sobre outros assuntos”, responde Mateus.

“Ah! Isso é!... Mas... Afinal tu já sabes o que eu quero dizer, e faze de conta que eu já tenha dito. A verdade é que tu vales mais do que nós.”, diz Pedro.

“Mas, meus caros, não há necessidade de tratar do coisas muito altas. Dizei simplesmente aquilo que pensais, mas com a vossa convicção. Podeis crer que, quando alguém fala com convicção, persuade sempre.”, diz Jesus.

E Judas de Keriot suplica: “Dá-nos, Tu, muitas deixas. Pois uma idéia bem sugerida pode servir para muitas coisas. Estes lugares ficaram sem nenhuma palavra a respeito de Ti, penso eu. Porque niñguém aqui dá sinais de conhecer-te.”

“É porque por aqui passa muito aquele vento que vem do monte Moriá... Ele produz esterilidade”, responde Pedro.

“É porque aqui ainda não se semeou nada. Mas nós semearemos”, retruca Iscariotes, seguro, sentindo-se feliz com seus primeiros bons êxitos.

2 Chegaram ao alto do monte. Um amplo panorama se abre lá em cima e 215.2 mais bonito ainda é vê-lo, estando-se à sombra das árvores bem copadas, que coroam o cume, tão cheio de cores e tão luminoso, e que é como um sobrepor-se de cadeias de montanhas, que vão para todos os rumos, como se fossem vagalhões petrificados de um oceano batido por ventos contrários, que depois se transforma em um golfo de águas tranqüilas, ao ter-se acalmado, e se torna um mar de uma luminosidade sem limites, que está à frente de uma vasta planície, na qual se ergue, solitário como um farol na entrada de um porto, um outro pequeno monte.

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Eis aí. Esta região que se estende por todo o cume, como se qui-

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sesse aproveitar sozinha todo o sol, este lugar, onde vamos fazer uma permanência; é como o centro de um grande círculo, no qual há muitos lugares históricos. Vinde aquí. Lá está (ao norte) Gerimot. Estais lembrados de Josué? A derrota dos reis que queriam atacar o acampamento de Israel, que se havia tornado forte por sua aliança com os Gabaonitas. E, perto de Betsames, a cidade sacerdotal de Judá, na qual foi restituída a Arca pelos filisteus, com ex-votos de ouro, exigidos do povo pelos adivinhos e sacerdotes para obterem a libertação dos flagelos que atormentavam os culpados filisteus. E lá está, toda cheia de sol, Saraá, a terra de Sansão e, um pouco mais a leste, Tamna, onde ele se casou e fez tantas proezas e tantas loucuras. E lá Azeca e Socot outrora território filisteu.

Mais abaixo ainda, esta Zanoé, uma das cidades de Judá. E aqui, voltai-vos, eis o Vale do Terebinto, onde Davi se bateu com Golias. E, mais para lá está Maceda, onde Josué derrotou os Amorreus. Olhai ainda. Estais vendo aquele monte solitário, no meio da planície que, tempos antes, havia sido dos filisteus? Lá fica Gat, terra de Golias e lugar de refúgio para Davi, perto de Áquis, quando ele fugiu da louca ira de Saul, e onde o sábio rei se fingiu de louco, porque o mundo preserva os loucos contra os sábios. Aquele horizonte aberto são as planícies da fertilíssima terra dos filisteus. Nós passaremos por ela ate Ramlá. E agora estamos entrando em Betgina. Tu, tu mesmo, Filipe, que estás olhando para Mim com esses olhos suplicantes, tu irás com André pelo povoado. Enquanto vós ides, nós permanecemos junto a fonte ou na praça do povoado.”

“Oh! Senhor! Não nos mandes sozinhos. Vem, Tu, conosco!”, pedem-lhe os dois.

“Ide, Eu mandei. A obediência vos ajudará mais do que a minha presença.”

3 ...E então, Filipe e André lá se vão, ao acaso, pelo povoado, até 215.3 encontrarem um pequeno albergue, mais uma estrebaria do que um albergue, e lá dentro estão intermediários, fazendo negócios de cordeiros com alguns pastores. Eles entram e param desorientados no meio do pátio rodeado de pórticos muito rústicos.

Aproxima-se deles o albergador: “Que desejais? Alojamento?”

Os dois se consultam com um olhar, um olhar muito desconfiado. Muito provavelmente deve ter acontecido que, de tudo o que haviam combinado dizer, não encontram mais nenhuma palavra. Mas é o próprio André quem se lembra primeiro, e responde: “Sim, alojamento para nós e para o Rabi de Israel.”

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“Qual rabi? Há tantos rabis. Mas são muito senhores. Eles não vêm aos povoados dos pobres, para trazerem sua sabedoria aos pobres. São os pobres que devem ir a eles, e ainda é um favor, quando nos suportam perto deles!”

“O Rabi de Israel é um só. Ele vem justamente para trazer a Boa Nova aos pobres e, quanto mais pobres e pecadores forem, tanto mais Ele os procura e se aproxima deles”, responde docemente André.

“Mas então não vai amealhar dinheiro.”

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“Não vai a procura de riquezas. É pobre e bom. Considera cheio o dia em que consegue salvar uma alma”, responde ainda André.

“Hum! É a primeira vez que eu ouço dizer que um rabí é bom e pobre. O Batista é pobre, mas é severo. Todos os outros são severos e ricos, ávidos como umas sanguessugas. Vós ouvistes? Vinde aqui vos que andais pelo mundo. Estes homens estão dizendo que há um Mestre pobre e bom, que vem à procura dos pobres e dos pecadores.”

“Ah! Deve ser aquele que se veste de branco como um essênio. Eu já o vi, faz algum tempo, em Jericó”, diz um dos intermediários.

“Não. Aquele é sozinho. Deve ser aquele de quem falava Tomé, porque, por acaso, ouviu falar dele com os pastores do Líbano”, responde um pastor alto e musculoso.

“Sim! Com certeza! E ainda vem até aquí, ele que estava no Líbano! Por estes teus olhos de gato!”, exclama outro.

Enquanto o albergador fala com os seus clientes e os escuta, os dois apóstolos ficaram lá, no meio do pátio, como duas estacas.

4 Mas, afinal, um homem diz: 215.4

“Ei! Vós, Vinde aquí. Quem é? De onde vem esse que vós dizeis?”

“É Jesus de José, de Nazaré”, diz sério, Filipe, e fica como quem espera ser escarnecido. Mas André acrescenta: “É o Messias prometido. E eu vos conjuro, para o vosso bem: ouvi-o! Vós falastes no Batista. Pois bem, eu fui um discípulo dele, e foi ele quem nos mostrou Jesus, quando ia passando, e nos disse: “Ali está o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo.” E, quando Jesus desceu para ser batizado no Jordão, abriram-se os céus e uma Voz gritou: “Este é o meu Filho amado, no qual ponho as minhas complacências”, e o Amor de Deus desceu sobre a cabeça dele, brilhando, sob a forma de uma pomba.”

“Estás vendo? É o Nazareno mesmo! Mas, dizei-me uma coisa, vós que vos dizeis amigos dele...”

“Amigos, não: apóstolos, discípulos é o que somos, e mandados por Ele para anunciar sua chegada a fim de que, quem precisa de sal-

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vação vá a Ele”, corrige André.

“Está bem. Mas, dizei-me uma coisa. Ele é mesmo como alguns dizem, um santo, e mais santo que o Batista, ou é um demônio, como dizem uns outros? Vós, que aqui estais juntos, se sois discípulos dele, não deveríeis estar todos juntos? Dizei porque e com sinceridade. É verdade que Ele é um dissoluto e um beberrão? Que ama as meretrizes e os publicanos? Que Ele é um nigromante e que, durante a noite, evoca os espíritos para saber os segredos corações?”

“Mas, por que perguntas isto a estes homens? Pergunta se é verdade que Ele é bom. Estes dois poderão levar a mal e, quando forem embora, irão dizer ao Rabi os nossos maus juízos e seremos amaldiçoados por Ele. Nunca se sabe!... Seja Deus ou o diabo que Ele seja, é melhor tratá-lo bem.”

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Agora é Filipe que fala: “Nós vos podemos responder com sinceridade, porque não há nada de feio a esconder. Ele é o nosso Mestre, é o Santo dos santos. O seu dia é passado nos trabalhos do ensinamento. Incansável, Ele vai de lugar em lugar, procurando os corações. Ele passa a noite rezando por vós. Não despreza a mesa e a amizade, mas não para a sua própria vantagem e sim, para fazer que se aproximem os que de outro modo não o fariam. Ele não rejeita os publicanos nem as meretrizes. Mas somente para redimi-los. Ele marca o seu caminho com milagres de redenção e milagres sobre as doenças. A Ele obedecem os ventos e o mar. Mas não precisa de ninguém para operar prodígios, nem de evocar espíritos para conhecer os corações.”

“E como pode? Tu disseste que os ventos e o mar lhe obedecem? Mas eles são coisas sem entendimento. Como pode dar ordens a eles?”, pergunta o albergador.

“Responde-me, homem: no teu parecer, é mais difícil dar ordens ao vento e ao mar ou à morte?”

“Por Javé! Mas à morte não se dão ordens! No mar se pode jogar azeite,

pode-se usar contra ele as velas, pode-se, se tiver juízo, não querer andar sobre ele. Ao vento se podem opor as fechaduras das portas. Mas à morte não se dão ordens. Não há azeite que a acalme. Não há vela que, colocada em nosso barquinho, faça que ele fique tão rápido, que possa escapar da morte. E para ela não existem fechaduras. Quando ela quer vir passa, mesmo se usarmos ferrolhos. E ninguém dá ordens a esta rainha!”

“E, no entanto, o Mestre lhe dá ordens. Não somente quando ela já está perto. Mas até também quando ela já pegou alguém. Um moço de Naim já estava para ser entregue à boca horrível do sepulcro e Ele

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disse: “Eu te digo: levanta-te!”, e o jovem voltou à vida. Naim não fica nos confins do mundo. Vós podeis ir lá e ver.”

“Mas assim, na presença de todos?”

“Sobre a estrada, na presença de toda Naim.”

5 O albergador e seus clientes olham um para o outro, em silêncio. Depois o 215.5 albergador diz: “Não será só para os amigos que Ele faz aquelas coisas?”

“Não, homem. Para todos os que crêem nele, e não só para eles. Ele é a Piedade sobre a terra. Ninguém se dirige a Ele sem receber nada. Ouvi, todos vós. Não há entre vós alguém que esteja sofrendo e chorando por doenças na família, por problemas, por remorsos, tentações, ignorâncias? Ide a Ele, o Messias da Boa Nova. Ele está aquí hoje. Amanhã estará noutro lugar. Não deixeis passar, sem vos aproveitar-vos dela, a Graça do Senhor que passa”, diz Filipe, que foi ficando cada vez mais convincente.

O albergador desgrenha os cabelos, abre e fecha a boca, aperta as franjas da cintura... e, finalmente, diz: “Eu vou experimentar!... Eu tenho uma filha. Até o verão passado, ela estava bem. Depois, tornouse lunática. Vive como uma fera muda em um canto, fica sempre lá e com dificuldade é que a mãe a pode vestir ou pôr-lhe comida na boca. Os médicos dizem que o cérebro dela se queimou por ter tomado sol demais, e outros dizem que foi por algum amor contrariado. O povo acha que ela está endemoninhada. Mas como, se ela é uma jovenzinha que quase não saiu

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daqui? Onde foi que esse demônio a pegou? Que diz sobre isso o teu Mestre? Que o demônio pode pegar até um inocente?”

Filipe lhe responde com segurança: “Sim, para atormentar os parentes e levá-los ao desespero.”

“E... Ele cura os lunáticos? Poderei esperar isso?”

“Deves crer”, diz prontamente André. E conta o milagre dos gerasenos, depois termina: “Se os que eram uma legião nos corações dos pecadores, tiveram que fugir assim, como não haverá de fugir o que penetrou à força no coração de uma jovenzinha? Eu te digo, homem: para quem espera nele, o impossível se torna fácil como o respirar. Eu vi as obras do meu Senhor e dou testemunho do seu poder.”

“Oh! Então, quem de vós pode ir chamá-lo?”

“Eu mesmo, homem. Espera-me daqui a pouco.” E André vai sem demora, enquanto Filipe fica falando.

6 Quando André vê Jesus, parado debaixo de um alpendre para proteger-se 215.6 do sol implacável, que enche a pequena praça do povoado, corre ao encontro dele, e lhe diz: “Vem, vem, Mestre. A filha do

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albergador é lunática. O pai te pede que a cures.”

“Mas ele me conhecia?”

“Não, Mestre. Nós procuramos fazer que te conhecesse...”

“E o conseguistes. Quando alguém chega a crer que Eu possa curar um mal sem precisar de remédio, já está adiantado na fé. E vós tendes medo de não saber fazer. Que foi que dissestes?”

“Eu nem saberia te dizer. Nós dissemos o que pensamos de Ti e de tuas obras. Sobretudo, dissemos que Tu és o Amor e a Piedade. O mundo te conhece tão mal!”

“Mas vós me conheceis bem. É o que basta.”

7 Chegaram ao pequeno albergue. Todos os clientes estào à porta, cheios 215.7 de curiosidade, e no meio, com Filipe, está o albergador, que continua a falar consigo mesmo.

Quando ele vê Jesus, corre ao encontro dele, dizendo: “Mestre, Senhor, Jesus... eu...eu creio, eu creio tanto que Tu és Tu, que sabes tudo, que tudo vês, que tudo conheces, que tudo podes e tanto eu creio, que te digo: “Tem piedade da minha filha, ainda que eu tenha muitas culpas no meu coração. Que não caia sobre a minha filha o castigo por ter sido eu desonesto na minha profissão. Mas juro que não serei mais avarento. Tu estás vendo o meu coração com o seu passado e com o pensamento que agora tem. Perdão e piedade, Mestre, e eu falarei de Ti a todos os que vierem até à minha casa.” O homem está de joelhos.

Jesus lhe diz: “Levanta-te, e persevera nos sentimentos de agora. Leva-me à tua filha.”

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“É uma estrebaria, Senhor. O mormaço faz que ela fique ainda mais doente. E ela não quer sair.”

“Não importa. Eu irei até onde ela está. Não é o mormaço. É que o demônio percebe que Eu estou chegando.”

Entram no pátio e dele passam para uma estrebaria escura e todos vão atrás. A moça, despenteada, muito magra, está se agitando no canto mais escuro e, logo que vê Jesus, grita: “Para trás, para trás! Não me venhas perturbar. Tu és o Cristo do Senhor e eu um dos golpeados por Ti. Deixa-me sossegado. Por que sempre vens atrás de meus passos?”

“Sai dela. Vai-te embora. Eu o quero. Entrega a Deus a tua presa e cala-te!”

Um urro dilacerante, um pulo e o relaxar-se de um corpo sobre a palha... e depois se ouvem, calmas, tristes, admiradas, as perguntas: “Onde é que estou? Por que é que estou aqui? Quem são estas pesso-

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as?” e depois esta invocação “Mamãe” da jovem que se sente envergonhada por estar sem véu e com uma veste rasgada, diante da vista de muitos olhos estranhos.

“Oh! Senhor Eterno! Mas ela está curada!...” e, coisa estranha de ver-se no rubicundo e corado albergador, um pranto de menino... Ele está feliz, e chora sem saber de nada mais, a não ser beijar as mãos de Jesus, enquanto a mãe chora, no meio de uma coroa de filhos assombrados, e beija a sua primogênita, que ficou livre do demônio.

Os presentes estão todos num vozear e outros estão chegando para ver o prodígio. O curral está cheio.

“Fica conosco, Senhor. A tarde está chegando. Permanece debaixo do meu teto.”

“Homem, nós somos treze.”

“Ainda que fôsseis trezentos, não faria mal. Eu sei o que queres dizer. Mas o Samuel, avarento e desonesto, morreu, Senhor. Foi-se embora também o meu demônio. Agora, aqui está um novo Samuel. Continuará a ser o albergador. Mas como um santo. Vem, vem comigo, para que eu te honre como a um rei, como a um deus. Pois Tu o és. Oh! Bendito seja o sol de hoje que te trouxe a mim.”

216. A infidelidade dos discípulos

na parábola do assoprador.

12 de julho de 1945.

1 Uma planície batida pelo sol, que abrasa os grãos maduros e extrai deles 216.1 um odor que já lembra o do pão. É o odor do sol, das barrelas, das messes; é o odor do verão.

Porque cada estação, eu poderia dizer cada mês, e até cada hora do dia, tem o seu odor, assim

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como cada localidade tem o seu para alguém que tiver os sentidos muito apurados e muito agudo o sentido de observação. É muito diferente o odor de um dia de inverno, com un vento cortante, do odor pastoso de um dia nublado de inverno, ou do odor que a neve espalha. E, como são diferentes desses o odor da primavera que está para chegar e que se prenuncia assim, com um perfume que não é perfume, mas que é bem diferente do odor do inverno. Levantamo-nos certa manhã, e sentimos que paira no ar um odor que antes não havia: é o primeiro suspiro da primavera. E acima, mais acima, vamos subindo e passando pelo odor das árvores frutíferas, que estão com flores, depois pelos dos jardins, das colhei-

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tas, até o odor quente das vindimas e, entre eles, como para um intervalo, o odor da terra depois de um temporal...

E as horas? Seria tolice dizer que o odor da aurora é como o do meio-dia e que este é como o da tarde, ou da noite. O primeiro é fresco e virginal, o outro é risonho e alegre, e o outro, ainda cansado é também saturado de tudo o que, durante o dia, exalou seus odores. O último, o da noite, é pacato, recolhido, como se a terra fosse um enorme berço, recolhendo seus pequeninos para o repouso.

E os lugares? Oh! o odor da beira-mar, tão diferente das manhã e das tarde, dos meio-dias e das noites, das borrascas e do tempo sereno, das regiões pedregosas e daquelas do litoral plano! E o odor das algas, que ficam descobertas depois das marés, quando fica parecendo que o mar tenha aberto as suas vísceras, para fazer-nos aspirar o odor do seu fundo. Como é diferente este odor daquele das planícies do interior, e este daqueles das colinas, e este daquele dos altos montes.

É tão grande a imensidão do Criador, que só Ele foi capaz de imprimir um sinal ou de luz, ou de cor, ou de perfume, ou de som, ou de forma, ou de altura sobre cada uma das inumeráveis criaturas que criou. Ó Beleza Infinita do Universo, eu não te vejo mais do que assim, através das visões e da lembrança de tudo o que vi, amando a Deus e rezando a Ele, passando pelo meio de suas obras, e pela alegria, que só de vê-las os davam, como és imensa, poderosa, inexaurível e livre de cansaços! Disso não tens, e isso não dás. Pelo contrário, o homem até se renova, ao olhar para ti, ó Universo do meu Senhor, e se torna melhor, mais puro, e se eleva, e se esquece. Oh! Poder ficar sempre olhando para Ti e esquecer-nos dos homens em sua parte inferior e amá-los na e pela sua alma, e para conduzi-los a Deus !

E eis que, acompanhando Jesus, que vai com os apóstolos por esta planície cheia de messes, eu fico divagando de novo, deixando-me levar pela alegria de falar do meu Deus em suas esplêndidas obras. É amor também isto, porque a criatura louva nas criaturas o que nelas ama, ou louva, simplesmente à criatura que ela ama. E assim é também entre a criatura e o Criador. Quem o ama, o louva, e quanto mais o ama, tanto mais o louva em Si mesmo e por suas obras. Mas agora imponho silêncio ao meu coração, e vou atrás de Jesus, não como adoradora, mas como cronista fiel.

2Jesus vai, pois, pelo meio das messes. O dia está quente. A região deserta. 216.2 Não se vê um homem pelos campos. Só espigas maduras e árvores aqui e ali. Sol, grãos, passarinhos, lagartixas, moitas verdes, com as folhas imóveis no ar tranqüilo: isto é o que eu vejo ao redor de

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Jesus. Para os lados das duas extremidades da estrada mestra, que Jesus vai percorrendo, e que é como uma fita poeirenta e deslumbrante, por entre o ondular dos trigais, há de um lado um pequeno

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povoado e do outro uma fazenda. Nada mais.

Todos vão andando em silêncio, sob o intenso calor. Eles tiraram seus mantos, mas certamente ainda estão sentindo calor como antes, pois estão com roupas de lã, ainda que leves. Só Jesus, os dois primos e Judas Iscariotes é que estão vestidos de linho branco ou cânhamo. Com certeza, a veste de Jesus e a de Iscariotes são de linho branco. As outras, dos filhos de Alfeu, pela sua espessura me parecem mais pesadas do que as de linho e são tingidas com uma cor de marfim carregada, justamente como a que tem o cânhamo, quando não alvejado. Os outros vão como de costume, enxugando o suor com o pano de linho, que lhes serve de véu para a cabeça.

Chegam a um pequeno grupo de árvores, em uma encruzilhada. Param debaixo daquela sombra e, com avidez, bebem de seus odres.

“Está quente, como se tivesse sido tirada do fogo”, resmunga Pedro.

“Se aqui houvesse pelo menos um riacho. Mas nada, nada!”, suspira Bartolomeu. “Daqui a pouco, não tenho mais nada.”

“Estou quase dizendo que é melhor a montanha”, geme Tiago de Zebedeu, congestionado pelo calor.

“Melhor do que tudo é a barca. Fresca, cômoda, limpa ah!” O coração de Pedro se lembra do seu lago e de sua barca.

“Todos vós tendes razão. Mas os pecadores estão tanto na montanha, como na planície. Se não nos tivessem expulsado de Águas Belas, e nos perseguido, vindo atrás de nós, Eu teria vindo aqui, entre os meses de Tebet e Shebat. Mas, logo estaremos andando ao longo da beira-mar. Lá o ar é temperado pelo vento do lago.”, anima-os Jesus.

“Eh! Precisamos disso. Aqui estamos parecendo uns peixes que estão morrendo. Mas, como fazem os trigais para estarem tão bonitos, se não há água?”, pergunta Pedro.

“Por aqui há águas subterrâneas. Elas conservam úmido o terreno”, explica Jesus.

“Melhor seria que estivessem do lado de cima, do que no de baixo. Que vou fazer com elas, se estão debaixo da terra? Eu não sou uma raiz”, diz o impetuoso Pedro, enquanto todos se riem.

Mas depois Judas Tadeu fica sério, e diz: “É egoísta o solo, como o são os ânimos e é árido também. Se nos tivessem deixado parar naquele lugar e passar lá o sábado, teríamos sombra, água e repouso.

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Mas eles nos expulsaram...”

“Até alimento teríamos tido. Mas nem isto. Eu estou com fome. Se aqui houvesse frutas. Mas as árvores frutíferas estão perto das casas. E quem é que vai até elas? Se todos forem do mesmo humor que aqueles de lá...”, diz Tomé, acenando para o povoado que deixaram atrás, a leste.

“Toma o meu alimento. Eu nunca tenho muita fome”, diz Zelotes.

“Tomai também o meu”, diz Jesus. “Quem estiver com mais fome, coma.”

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Mas, tendo sido postos juntos os alimentos de Jesus, de Zelotes e de Natanael, vê-se que dão uma pequena quantidade e os olhos assustados de Tomé e também os dos jovens, estão dizendo isso. Mas eles se calam, e vão pondo na boca os pequeninos pedaços.

Zelotes, com paciência, vai até um ponto, onde uma parte verde sobre o terreno queimado faz pensar que lá haja umidade. E, de fato, no fundo do leito seco de um rio, há ainda um fio d’água, que em breve está para desaparecer. Zelotes dá um grito para os que estão longe, a fim de que eles vão àquele refrigério, e lá se vão todos, correndo, passando pela sombra descontinua das árvores crescidas à margem do fio d’água, que já está quase enxuto, e lá eles podem refrescar os pés poeirentos, lavar o rosto suado e, mesmo antes de encher seus odres já vazios e deixá-los depois dentro d’água, na parte em que está sombreada, para conservar a água fresca. Assentam-se depois aos pés de uma árvore e, cansados, põem-se a cochilar.

3Jesus lha para eles com amor e compaixão e meneia a cabeça. 216.3

Surpreende-o nessa atitude, Zelotes, o qual tinha ido beber mais uma vez e pergunta-lhe “Que tens, Mestre?”

Jesus se levanta, vai até Zelotes e, passando o braço ao redor dele, o vai levando consigo até debaixo de uma outra árvore, e lhe diz: “Que Eu tenho? Estou aflito por causa do vosso cansaço. Se Eu não soubesse o que estou fazendo de vós, não teria mais paz, por vos estar dando tantos incômodos.”

“Incômodos? Não, Mestre! É a nossa alegria! Tudo perde o valor, quando viemos contigo. Estamos todos felizes, podes crer. Ninguém está com saudades, ninguém...”

“Cala-te, Simão. A humanidade até nos bons reclama. E, humanamente falando, não deixais de ter razão de reclamar. Eu vos tirei de vossas casas, de vossas famílias, dos vossos negócios, e vós viestes, pensando que acompanhar-me seria uma coisa bem diferente... Mas a vossa reclamação de agora, a vossa reclamação interior, se acalmará

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um dia e só então compreendereis que terá sido bom ter andado no meio das neblinas e do barro, no meio da poeira e ao calor do sol, perseguidos, cheios de sede, cansados, sem alimento, atrás de um Mestre perseguido, desamado, caluniado... e mais coisas ainda. Tudo, então vos irá parecer belo! Porque, então, pensareis de um outro modo e vereis tudo esclarecido por outra luz. E me bendireis por vos ter conduzido pelo meu caminho difícil...”

“Estás triste, Mestre. E o mundo pode justificar a tua tristeza. Mas, nós não. Nós estamos todos contentes...”

“Todos? Tens certeza disso?”

“Pensas tu em outra coisa?”

“Sim, Simão. Em outra coisa. Tu estás sempre contente. Tu compreendeste. Muitos outros, não. Estás vendo aqueles que estão dormindo? Sabes quantos pensamentos eles estão esgaravatando, até durante o sono? E também todos aqueles que estão entre os discípulos? Crês tu que eles são fiéis, até que tudo se consume?

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Olha: vamos jogar aquela velha brincadeira, que certamente já brincaste, tu também, quando eras menino (e Jesus apanha uma flor seca de dente-de-leão, bem redonda, de um pé que se ergue por entre as pedras, e que ficou já completamente maduro. Leva-a delicadamente até perto da boca, sopra-a, e a flor se desmancha em minúsculos pára-quedas, que ficam voando pelo ar, vagueando, cada um com o seu guarda-sol para cima, e a prumo, preso por um pequenino cabo.) Estás vendo? Olha... Quantos são os que tornaram a cair em meus braços, como se estivessem enamorados de Mim? Podes contálos... São vinte e três. Eles eram pelo menos três vezes mais. E os outros? Olha. Uns ainda estão vagueando, outros já caíram por serem mais pesados, outros sobem, porque são orgulhosos com seus penachos de prata, outros caem na lama, que nós fizemos com os nossos odres. Somente... Olha, olha... Até dos vinte e três, que estavam sobre os meus joelhos, sete lá se foram. Bastou aquele zangão chegar até aqui com o seu vôo, para fazê-los sair voando também!... De que eles temiam? Ou por quem é que foram seduzidos? Talvez pelo ferrão, ou pelas belas cores pretas e amarelas, ou pela garbosa aparência, pelas asas iridescentes... Eles lá se foram... Lá se foram, atrás de alguma beleza mentirosa... Simão, assim vai acontecer com os meus discípulos. Uns, por serem irrequietos, outros, por inconstância, outros por pesadume, outros por orgulho, outros por leviandade, outros porque gostam da lama, outros por medo ou por ingenuidade ir-se-ão embora. Crês tu que todos aqueles que agora me dizem “Eu vou con-

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tigo”, que Eu os encontrarei a meu lado, na hora decisiva da minha missão? Eram certamente mais de setenta os penachinhos da flor seca de dente-de-leão, que o Pai criou para Mim... e agora em meus braços há só sete, porque os outros lá se foram, levados por esta onda de vento, que fez dizer sim aos pedúnculos mais leves. Assim vai ser. E fico pensando nas lutas que há em vós para que me sejais fieis. 4Vem aqui, Simão. Vamos ali olhar aquelas libélulas, que estão dançando a 216.4 flor d’água. A não ser que prefiras ir descansar.”

“Não, Mestre. As tuas palavras me entristecem. Mas eu espero que o leproso curado, o homem perseguido, ao qual Tu deste a reabilitação, o solitário ao qual tu deste uma companhia, o necessitado de afeto ao qual abriste o Céu e o mundo, a fim de que ele encontrasse e desse amor, não te abandonarão... Mestre... que pensas de Judas? No ano passado Tu choraste comigo por causa dele. Depois... não sei, não... Mestre, deixa lá aquelas duas libélulas, olha para mim, escutame. Eu não direi nada a ninguém. Nem aos companheiros. Nem aos amigos. Mas a ti, sim. Eu não consigo amar Judas. E me confesso disso. É ele mesmo quem rejeita o meu desejo de amá-lo. Não é que ele me despreze, não. Pelo contrário, ele até que trata com cortesia o velho Zelotes, que ele percebe ser mais experiente do que os outros no conhecimento dos homens. Mas é o modo como ele faz as coisas. Éle te parece sincero? Dize-o a mim.”

Jesus fica em silêncio por um momento, como se estivesse fascinado pelas duas libélulas que, pousadas à flor d’água, fazem um pequeno arco-íris, com suas asas membranosas e iridescentes, um arco-íris muito útil, que serve para atrair algum mosquito curioso, que logo é pego por um dos dois animaizinhos que, por sua vez, logo também é pego no vôo por um sapo achatado, ou uma rã, que a pega no vôo e a devora junto com o mosquito que havia sido agarrado antes. Jesus se move, levantando-se de novo, porque tinha ficado quase deitado para poder ver os dramas da natureza, e diz: “Assim é. A libélula tem suas robustas maxilas para poder nutrir-se com as ervas, e suas asas robustas para derrubar os mosquitos. E a rã tem a garganta larga, para engolir as libélulas. Cada um tem o seu, e faz uso do que tem. Vamos, Simão. Os outros despertam.”

“Senhor, não me respondeste. Não o quiseste fazer.”

“Mas, sim que te respondi. Meu velho sábio, medita que encontrarás...”

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Jesus sobe do leito do rio e vai procurar os discípulos, que estão despertando e que já o estão procurando.

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217. As espigas apanhadas no dia de sábado.

13 de julho de 1945.

1 Ainda estão no mesmo lugar, mas o sol está menos implacável, porque o 217.1 fim do dia se aproxima.

“Precisamos andar para chegarmos àquela casa”, diz Jesus.

E lá se vão. Afinal, chegam à casa. Pedem pão e alguma coisa para restaurarem as forças. Mas o feitor os rechaça duramente.

“Raça de filisteus! Víboras! São sempre os mesmos! Nasceram daquele tronco e dão frutos venenosos”, resmungam os discípulos, ésfomeados e cansados. “Que vos seja dado o que nos dais.”

“Mas, porque faltais com a caridade? Não estamos mais no tempo do talião. Vinde para a frente. Ainda não é noite e não estais morrendo de fome. Um pouco de sacrifício, para que estas almas cheguem a ter fome de Mim”, anima-os Jesus.

Os discípulos, porém, e eu acho que mais por despeito, do que por uma fome insuportável, entram por um campo adentro e põem-se a colher espigas e as debulharem com as palmas das mãos, e começam a come-las.

“São boas, Mestre”, grita Pedro. “Não vais apanhar delas? Além disso, elas têm um duplo sabor... Eu quereria comer um campo inteiro cheio delas.”

“Tens razão. Assim eles se arrependeriam de não nos terem dado pão”, dizem os outros, e vão caminhando pelo meio das espigas e comendo à vontade. Jesus vai caminhando sozinho pela estrada poeirenta. Uns cinco ou seis metros atrás, estão Zelotes com Bartolomeu, e vão falando um com o outro.

2 Em uma outra encruzilhada, onde uma estrada secundária atravessa a 217.2 estrada mestra, lá está, parado naquele ponto, um grupo de carrancudos fariseus, que certamente estão de volta das funções do sábado, das quais eles participam no lugarejo que se vê lá no fundo desta estrada secundária, um lugar largo e plano, como se fosse um grande animal escondido em sua toca.

Jesus os vê, olha para eles, manso e sorridente, e os saúda: “A paz esteja convosco!”

Em vez de responder à saudação, um dos fariseus lhe pergunta, com arrogância: “Quem és?”

“Jesus de Nazaré.”

“Estais vendo que é Ele?”, diz um dos outros. Nesse meio tempo, Natanael e Simão se aproximaram do Mestre, enquanto os outros,

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caminhando por entre os sulcos, vêm vindo para o caminho. Estão ainda mastigando e com as conchas das mãos cheias de grãos de trigo.

O fariseu que falou primeiro, talvez o mais poderoso, volta a falar com Jesus, que parou na expectativa, de ouvir o resto: “Ah! Então és o famoso Jesus de Nazaré? Como foi que chegaste até aqui?”

“Porque aqui também há almas para salvar.”

“Para isso bastamos nós. Nós sabemos salvar as nossas e sabemos salvar as dos que dependem de nós.”

“Se é assim, fazeis bem. Mas Eu fui enviado para evangelizar e salvar.”

“Enviado! Enviado! E quem é que prova isso? Certamente que não o provam as tuas obras.”

“Por que é que dizes isto? Não te importas com a tua Vida?”

“Ah! Agora, sim. Tu és aquele que dá a morte àqueles que não te adoram. Queres, então, matar toda a classe sacerdotal, a dos fariseus, a dos escribas e muitas outras, porque elas não te adoram e não te adorarão nunca. Nunca, compreendes? Nunca nós, os eleitos de Israel, haveremos de adorar-te. E também não te amaremos.”

“Eu não vos forço a me amar, e vos digo: “Adorai a Deus” porque...”

“Isto é, a Ti, porque tu és Deus, não é? Mas nós não somos os piolhentos populares galileus, nem os tolos da Judéia, que andam atrás de Ti, esquecendo-se dos nossos rabis...”

“Não te preocupes, homem. Eu não peço nada. Eu cumpro a minha missão, ensino a amar a Deus, e torno sempre a repetir o Decálogo, porque ele está por demais esquecido e, pior ainda, está sendo mal aplicado. Eu quero dar a Vida. A Vida Eterna. Eu não desejo para ninguém a morte corporal nem muito menos, a morte espiritual. A Vida que Eu te perguntava se não te importavas em perder, era a da tua alma, porque Eu amo a tua alma, mesmo quando ela não me ama. E fico angustiado, ao ver que tu a matas, quando ofendes o Senhor, desprezando o seu Messias.”

O fariseu parece ter sido invadido por uma convulsão, pelo tanto que está agitado: ele descompõe suas vestes, desfia as franjas, tira o turbante, desgrenha os cabelos, e grita: “Ouvi! Ouvi! A mim, a Jônatas de Uziel, descendente direto de Simão, o Justo, a mim é que se vem dizer uma coisa destas! Eu, ofender ao Senhor! Não sei quem me segura, que eu não te amaldiçoe, mas...”

“É o medo quem te segura. Mas, faze o que queres. Por isso não é

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que irás ser reduzido a cinzas. A seu tempo o serás e me invocarás então. Mas, entre Mim e ti, haverá, então, um pequeno rio vermelho: o meu Sangue.”

“Está bem. 3 Mas, enquanto isso, Tu, que te dizes santo, por que é que 217.3 permites certas coisas? Tu, que te dizes Mestre, por que é que não instruis os teus apóstolos antes dos outros? Olha para eles ali atrás de Ti!... Olha para eles, que estão ainda com o instrumento do pecado nas

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mãos! Não os estás vendo? Eles apanharam espigas e hoje é sábado. Apanharam espigas que não eram deles. Violaram o sábado e ainda roubaram.”

“Nos estávamos com fome. Nós pedimos ao lugar aonde chegamos ontem à tarde, que nos dèssem alojamento e comida. Mas eles nos rechaçaram. Somente uma velhinha nos deu do seu pão e um punhado de azeitonas. Que Deus lhe dê cem vezes mais, porque ela nos deu tudo o que tinha, pedindo somente uma benção. Caminhamos uma milha, depois paramos, como é de lei, e bebemos a água de um rio. Em seguida, quando chegou o pôr do sol, fomos àquela casa... Fomos expulsos de lá. Estás vendo que em nós havia vontade de obedecer à Lei” reponde Pedro.

“Mas não o fizestes. No sábado não é lícito fazer trabalho manual e nunca é permitido apanhar o que é dos outros. Eu e os meus amigos ficamos escandalizados com isso.”

“Mas Eu, não. Não lestes como Davi, em Nob, apanhou os pães sagrados da Proposição, para alimentar-se a si e aos seus? Os pães estavam consagrados a Deus em sua casa, reservados, por uma ordem eterna, aos sacerdotes. Está dito: “Pertèncerão a Aarão e a seus filhos, que os comerão no lugar santo, porque são uma coisa santíssima.” No entanto, Davi os apanhou para si e para os seus companheiros, porque estava com fome. Agora, pois, se o santo rei entrou na casa de Deus e comeu os pães da Proposição num sábado, ele a quem não era permitido comer deles e contudo isso não lhe foi imputado como pecado, porque Deus continuou, mesmo depois disso, a tratá-lo como seu querido, como podes tu dizer que nós somos pecadores, se colhemos no terreno de Deus as espigas que cresceram e amadureceram por vontade dele, as espigas que pertencem também aos passarinhos, e tu negas que delas se possam alimentar os homens, filhos do Pai?”, pergunta Jesus.

“Eles haviam pedido aqueles pães. Não os apanharam sem pedir. E isso muda o aspecto da coisa. Além disso, não é verdade que Deus não imputou aquilo a Davi como pecado. Deus o golpeou duramente.”

“Mas não foi por isso. Pela luxúria, pelo recenseamento, e não

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por...”, responde Tadeu.

“Oh! Basta. Não é permitido, e não é permitido! Não tendes direito de faze-lo e o não fareis.

4 “Ide-vos embora! Não vos queremos em nossas terras. Não precisamos 217.4 de vós. Não sabemos o que fazer de vós.”

“Nós iremos embora”, diz Jesus, não permitindo aos seus discípulos de retrucar.

“E para sempre recordai-o! Que nunca mais Jonatas de Uziel te encontre em sua frente. Fora!”

“Sim. Fora. Contudo, ainda nos encontraremos. E, então, será Jonatas quem me quererá ver, para repetir a condenação e para livrar para sempre de Mim o mundo. Mas, então, será o Céu que te dirá: “Não te é permitido fazer isso” e aquele “não te é permitido” te soará no coração como o ressoar de uma buzina durante toda a vida, e além da vida. Assim como, nos dias de sábado, os sacerdotes no Templo violam o repouso sabático e não cometem pecado, assim nós, servos do Senhor, podemos, uma vez que o homem nos nega amor, buscar amor e socorro no Pai Santíssimo, sem com isto cometer faltas. Aqui está alguém que é muito maior do que o Templo, e pode apanhar o que quiser de tudo o que houver na natureza, porque Deus tudo fez para servir de escabelo para sua Palavra. E Eu, não só apanho, como dou. Assim, as espigas do Pai, colocadas nesta imensa

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mesa que é a Terra, como a Palavra, Eu apanho e dou. Aos bons, como aos maus. Porque Eu sou a Misericórdia. Mas vós não sabeis o que é Misericórdia. Se soubésseis o que quer dizer esse meu “ser Misericórdia”, compreenderíeis também que Eu não quero mais do que ela. Se vós soubésseis o que é a Misericórdia, não teríeis condenado os inocentes. Mas vós não sabeis. Vós não sabeis nem mesmo que Eu não vos condeno, vós não sabeis que Eu vos perdoarei, e que até pedirei perdão ao Pai por vós. Porque Eu quero a Misericórdia e não o castigo. Mas vós não sabeis. Não quereis saber. É este um pecado maior do que aquele que me atribuís e que dizeis que estes inocentes cometeram. Afinal ficai sabendo que o sábado foi feito para o homem e não o homera para o sábado, e que o Filho do homem é dono até do sábado. Adeus...”

E Jesus se vira para os discípulos: “Vinde. Vamos procurar uma cama entre as areias, que já estão perto. Sempre teremos como companheiras as estrelas, e nos dará sustento o orvalho. Deus proverá, Ele que mandou o maná para Israel, alimentara a nós também, a nós pobres, mas fiéis a Ele.” E Jesus deixa assim no ar o grupo odiento, e

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lá se vai com os seus discípulos, enquanto a tarde vai chegando com as suas primeiras sombras violáceas...

Encontram finalmente uma sebe de figueiras da Índia, em cuja copa, arrepiada com suas pazinhas agressivas, estão figos, começando a ficar maduros. Mas tudo é bom para quem está com fome. E, ferindo-se, os discípulos vão colhendo os mais maduros, e vão andando, até que os campos terminam em umas dunas arenosas. Ouve-se lá ao longe um rumor de mar.

“Permaneçamos aqui. A areia está fofa e quente. Amanhã, entraremos em Ascalon”, diz Jesus e todos caem cansados aos pés de uma alta duna.

218. Chegada a Ascalon, cidade dos filisteus.

14 de julho de 1945.

l A aurora vem chegando, com o seu hálito fresco, para despertar os 218.1 adormecidos. Eles se levantam de suas camas de areia, sobre as quais dormiram, ao abrigo de uma duna coberta por umas poucas ervas secas, e sobem para a parte mais alta dela. Uma profunda costa arenosa está à frente deles, enquanto, um pouco para um lado e um pouco para outro, há terrenos cultivados e bonitos. O leito de um rio sem água põe em realce, com suas pedras brancas, o louro da areia e, com sua brancura de ossos dessecados, ele vai até o mar, que daqui se vê reluzir lá longe, com seus vagalhões avolumados pela maré alta da manhã e tornados ainda mais altos por um pouco do vento mistral, que está soprando e penteando o oceano.

Caminham à beira da duna até chegarem à torrente seca e a atravessam, e começam de novo a andar, em diagonal, por sobre as dunas, que vão afundando debaixo dos seus pés, e que assim, todas onduladas, mais parecem uma continuação do mar, agora com matérias sólidas e enxutas, em vez de com suas águas movediças. Chegam depois à praia úmida, e podem já andar mais depressa, enquanto João se deixa hipnotizar, ao olhar o mar sem confins, que começa a luzir com os primeiros lampejos do sol e fica parecendo estar bebendo aquela beleza, vai ficando com os olhos ainda mais azuis e Pedro, mais prático, tira as sandálias, sunga a veste, e vai patinando nas pequenas ondas da margem, procurando achar algum carangueijinho, ou algum molusco para chupar. Uma bela cidade marítima, a uns dois bons quilômetros de distância, se estende à beira-mar por sobre

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o rochedo em forma de meia lua e para além do qual o vento e as borrascas transportaram as areias. E o rochedo, agora que a água, depois da maré, se retirou, fica descoberto também aqui, obrigando os passantes a voltar a andar sobre as areias enxutas, para não machucarem nas pedras os seus pés nus.

“Por onde vamos entrar, Senhor? Daqui se vê uma muralha bem compacta. Pelo mar não podemos entrar. A cidade está no ponto mais fundo do arco”, diz Filipe.

“Vinde. Eu sei por onde se entra.”

“Já estiveste aqui?”

“Uma vez, quando Eu era pequenino e Eu nem me lembraria mais. Mas Eu sei por onde se passa.”

“É estranho! Eu já notei isso muitas vezes... Tu não erras nunca de caminho. Algumas vezes somos nós que te fazemos errar. Mas Tu! Sempre parece que Tu tenhas estado no lugar onde te moves”, observa Tiago de Zebedeu.

2 Jesus sorri, mas não responde. Ele vai sem hesitações até um pequeno 218.2 subúrbio rural, onde os hortelãos cultivam verduras para a cidade. As chácaras e as hortas estão bem distribuídas e bem cuidadas, e as mulheres e os homens as cultivam, e estão agora despejando água nos sulcos, água que tiram dos poços com um grande trabalho para os braços, ou, então, com o velho e chiador sistema dos baldes, elevados por um pobre burrinho que, com um tapa-olhos, fica andando ao redor do poço. Mas eles não dizem nada. Jesus os saúda: “Paz a vós”. E as pessoas permanecem, se não hostis, indiferentes.

“Senhor, aqui vamos correr o perigo de morrer de fome. Eles nem entendem a tua saudação. Agora, quem vai experimentar sou eu”, diz Tomé. E fala ao primeiro hortelão que vê, dizendo-lhe: “Custa caro a tua verdura?”

“Não mais do que as das outras hortas. Cara ou não, conforme estiver mais ou menos gorda a bolsa.”

“Disseste bem. Mas, como estás vendo, eu não morro por deixar de comer. Sou gordo e corado, mesmo sem as tuas verduras. Sinal de que a minha bolsa é uma boa teta. Em poucas palavras: nós somos treze, e podemos comprar. Que é que tens para vender?”

“Ovos, verduras, amêndoas temporás e maçãs já murchas, porque apanhadas há tempo, azeitonas... o que quiseres.”

“Dá-me ovos, maçãs e pão para todos.”

“Pão, eu não tenho. Tu o achas na cidade.”

“Eu estou com fome agora, e não com fome daqui a uma hora.

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Não creio que não tenhas pão.”

“Não tenho. A mulher o está fazendo. Mas, estás vendo lá aquele velho? Ele sempre tem bastante, porque, como mora perto da estrada, muitos peregrinos lhe pedem. Vai a Ananias, e pede-lhe. Agora, vou buscar os ovos. Mas, olha que custam um denário cada dois.”

“Ladrão. Será que as tuas galinhas põem ovos de ouro?”

“Não. Mas não é bonito ficar no meio do fedor da galinhada e, de graça não se fica lá. Alem disso, vós não sois judeus? Então, pagai.”

“Fica com eles para ti. Está bem pago”, e Tomé lhe vira as costas.

“Eh! Ó homem, vem aqui. Eu tos dou por menos. Três por um denário.”

“Nem quatro. Bebe-os tu, e que te dêem um nó na garganta.”

“Vem cá. Escuta. Quanto queres dar?” O hortelão vai atrás do Tomé.

“Nada. Não os quero mais. Eu queria fazer uma ligeira refeição, antes de ir para a cidade. Mas é melhor assim. Não perderei a voz nem o apetite para poder cantar as histórias dos reis e para tomar uma boa refeição no albergue.”

“Eu lhes dou a uma didracma cada dois.”

“Puxa! És pior do que uma mutuca. Dá-me os teus ovos. E que sejam frescos. Se não, eu volto aqui e faço teu nariz ficar mais amarelo do que já está”, e Tomé já vai levando pelo menos duas dúzias de ovos na dobra da capa. “Vistes? As despesas sou eu que as farei daqui em diante, nesta terra de ladrões. Eu sei como lidar com eles. Eles vêm cheios de dinheiro para comprar de nós para as suas mulheres, e os braceletes que compram nunca são grossos demais, e nos preços pechincham dias inteiros. Mas eu me vingo. 3 Agora, vamos àquele outro 218.3 escorpião. Vem, Pedro. E tu, João, segura os ovos.”

Vão indo até o velho, que tem uma horta comprida, ao lado da estrada mestra, que, vindo do norte, passando rente às casas do subúrbio, conduz à cidade. É uma estrada bonita, bem calçada, certamente obra dos romanos. A porta da cidade, do lado oriental, já está perto e, para além dela, se vê que a estrada continua reta. É realmente artística, transformada em uma dupla série de pórticos sombreados, sustentados por colunas de mármore, a cuja sombra fresca o povo caminha, deixando o centro da estrada para os jumentos, os camelos, os carros e os cavalos.

“Bom dia! Aqui vendes pão?”, pergunta Tomé.

O velho, ou não ouve, ou não quer ouvir. Na verdade, a chiadeira que a nora faz é tão forte, que chega a criar confusão.

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Pedro perde a paciência, e grita: “Segura o teu Sansão! Pelo menos ele poderá tomar fôlego, para que não acabe morrendo aqui, diante de meus olhos. E escuta-nos!”

O homem faz o burrinho parar, e fica olhando de lado para o seu interlocutor, mas Pedro o desarma, dizendo: “E, então? Não será justo pôr o nome de Sansão em um burrinho? Se és filisteu,

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bem que te deves alegrar, porque é uma ofensa a Sansão. E, se és de Israel, te deves alegrar, porque nos faz lembrar uma das derrotas dos filisteus. Logo, como estás vendo...”

“Eu sou filisteu, e me orgulho disto.”

“Fazes bem. Eu também te louvarei, se nos deres pão.”

“Mas, não és tu judeu?”

“Eu sou cristão.”

“Que lugar e esse?”

“Não é um lugar. E uma pessoa. Eu sou dessa pessoa.”

“És escravo dela?”

“Eu sou livre mais do que qualquer outro homem, porque quem é daquela pessoa não depende senão de Deus.”

“Dizes a verdade? Não depende nem de César?”

“Que César! Que é o César em comparação com Aquele que eu acompanho e ao qual pertenço, e em nome do qual eu te peço um pão?”

“Mas, onde está esse poderoso?”

“É aquele homem lá, que está olhando para cá e sorrindo. É Cristo, o Messias. Nunca ouviste falar dele?

“Sim, o rei de Israel. Vencerá Roma?”

“Roma só? Ele vencerá o mundo todo, e até o Inferno.”

“E vós sois os generais dele? Vestidos assim? Talvez para fugirdes ás perseguiçôes dos pérfidos judeus.”

“Sim e não. Mas, dá-me um pão, que, enquanto vamos comendo, eu te explicarei.”

“Pão só? Eu te darei também água, vinho, cadeiras à sombra, a ti, ao teu companheiro e ao teu Messias. Chama-o.”

E Pedro sai, movendo rapidamente as pernas, até Jesus: “Vem, vem. O velho filisteu nos dá o que queremos. Mas eu creio que ele nos acutilará com perguntas... Eu lhe disse quem es... mais ou menos, eu lho disse. Mas ele está bem disposto.”

4 Vão todos para a horta, onde o homem já colocou uns bancos ao redor de 218.4 uma mesa tosca, debaixo de uma viçosa trepadeira de videira.

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“A paz a ti, Ananias. Que a terra produza flores por tua caridade, e te dê abundantes frutos.”

Page 271: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Obrigado. A paz a Ti. Senta-te, sentai-vos. Anibe! Nubi! Pão, vinho, água. Depressa”, ordena o velho a duas mulheres, certamente africanas, pois uma é totalmente negra, dos lábios grossos e cabelos encarapinhados, e a outra é bem escura, mas já de um tipo mais europeu. E o velho explica: “São as filhas das escravas de minha mulher. Ela morreu e morreram as que tinham vindo com ela. Mas as filhas ficaram. É o alto e o baixo Nilo. Minha mulher era de lá. Proibido, não? Mas eu não ligo para isso. Eu não sou de Israel, e as mulheres de raça inferior são mansas.”

“Não és de Israel?”

“Eu o sou, mas forçado, porque Israel está sobre o nosso pescoço, como um jugo. Mas... tu és israelita, e ficarás ofendido com isto que te estou dizendo?...”

“Não. Eu não me ofendo. Gostaria somente que tu escutasses a voz de Deus.”

“Ele não nos fala.”

“Tu é que dizes isto. Eu te falo, e é a voz dele.”

“Mas Tu és o rei de Israel.”

As mulheres, que já vêm chegando com pão, água e vinho, e que ouvem falar de “rei”, param, surpresas, olhando para aquele jovem louro, sorridente, cheio de dignidade, que o patrão chamou de “rei”, e depois procuram retirar-se, mas quase que rastejando, por causa do respeito.

“Obrigado, mulheres. E a paz também para vós.” Depois, dirigindo-se de novo ao velho: “Elas são jovens... Podes, pois, continuar o teu trabalho.”

“Não. A terra está molhada, e pode esperar. Fala um pouco. Anibe, pára o asno, e leva-o para a sombra. E tu, Nubi, vai despejar os últimos baldes, e depois... Tu ficas conosco, Senhor?”

“Não te incomodes com outras coisas. Pois para Mim, basta-me tomar um pouco de alimento, e depois vou entrar em Ascalon.”

“Eu não fico incomodado. Vai, pois, Tu à cidade. Mas de tarde, volta, que vamos partir o pão e compartilhar do sal. E vós, ide depressa: tu a fazer o pão, e tu, vai chamar o Geteu e dizer-lhe que mate um cabrito, e o prepare para a tarde. Ide.” E as-duas mulheres lá se vão, sem dizerem nada.

5 “De forma que, então, és rei? Mas, e as tuas armas? Herodes é cruel em 218.5 tudo o que faz. Ele nos reconstruiu Ascalon. Mas foi para

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glória dele. E agora... Mas as vergonhas de Israel, Tu as conheces melhor do que Eu. Como farás?”

“Eu não tenho outra arma, senão a que vem de Deus.”

“Será a espada de Davi?”

“A espada da minha palavra.”

Page 272: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Oh! Pobre ingênuo! Ela perderá a ponta e perderá o fio, ao encontro do bronze dos corações.”

“Assim achas? Eu não tenho em vista um reino deste mundo. Para vós todos Eu tenho em vista o Reino dos Céus.”

“Para nós todos? Até para mim, um filisteu? Até para as minhas escravas?”

“Para todos. Para ti e para elas. E até para o selvagem, que está no centro das florestas da África.”

“Queres formar um reino desse tamanho? E por que é que o chamas dos Céus? Poderias chamá-lo Reino da Terra.”

“Não. Não erres em compreender. O meu é o Reino do Verdadeiro Deus. Deus esta no Céu. Por isso é o Reino do Céu. Cada homem é uma alma vestida de corpo, mas a alma só pode viver nos Céus. Eu quero cuidar da alma, livrá-la dos erros e dos ódios, e conduzi-la para Deus pelo caminho da bondade e do amor.”

“Isto me agrada muito. Os outros, eu a Jerusalém não vou, mas sei que os outros de Israel, há muitos séculos não falam assim. Queres dizer que Tu não nos odeias?”

“Eu não odeio a ninguém.”

O velho fica pensando... depois pergunta: “E as duas escravas, terão elas também uma alma como vós de Israel?”

“Com toda a certeza. Elas não são feras que tenham sido capturadas. São criaturas infelizes. Devem ser amadas. Tu as amas?”

“Não as trato mal. Quero obediência, mas não faço uso do açoite, e as alimento bem. Animal não bem nutrido não pode trabalhar, costuma-se dizer. Mas também o homem mal alimentado não é um bom negócio. Além disso, são nascidas aqui em casa. Eu as vi pequeninas. Agora ficam só elas, porque eu sou muito velho, sabes? Quase oitenta. Elas e Geteu são o resto de minha casa de tempos passados. Eu me afeiçoei a elas como a móveis de minha propriedade. Elas é que me fecharão os olhos...”

“E depois?”

“Depois... Ora! Eu não sei. Irão trabalhar como criadas, e nossa casa se desfará. Isso me desagrada. Eu a fiz abastada, com o meu trabalho. Esta terra se tornará arenosa, estéril... Esta vinha... Nós a

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plantamos, eu e a mulher. Aquele roseiral... é egípcio, Senhor. Sinto nele o odor da minha esposa... Parece-me um filho... o único filho que está sepultado aos pés dele, já transformado em pó... Dores... Melhor morrer jovem e não ficar vendo isto, e a morte que vem chegando...”

“O teu filho não está morto, nem a tua mulher. Continua vivo o espírito deles. O que deles morreu foi a carne. A morte não deve espantar. É vida a morte para quem espera em Deus, e vive como justo. Pensa nisto. Eu vou à cidade. Voltarei esta tarde, e vou pedir-te aquele pórtico para

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dormir com os meus.”

“Não, Senhor. Eu tenho muitos quartos vazios. E os ofereço.”

Judas põe sobre a mesa algumas moedas.

“Não. Não as quero. Eu sou desta terra mal vista por vós. Mas talvez sejam melhor do que aqueles que nos dominam. Adeus, Senhor.”

“A paz a ti, Ananias.”

As duas escravas, junto com Geteu, um musculoso camponês já ancião, vieram para vê-lo partir. “A paz também a vós. Sede bons. Adeus.” E Jesus toca de leve nos cabelos encarapinhados de Nubi e nos claros e estendidos da Anibe, sorri para o homem, e lá se vai.

6 Pouco depois, entram em Ascalon, passando pelo dúplice pórtico, que vai 218.6 diretamente para o centro da cidade, uma imitação de Roma, com tanques e fontes, com praças como a do Foro, com torres ao longo dos muros, e sobretudo com o nome de Herodes lá colocado por ele mesmo, para aplaudir-se, visto que os ascalonitas não o aplaudem. Há muito movimento e cresce muito, a cada hora que passa, e vai ficando perto a parte central da cidade, uma cidade aberta, bem arejada, com fundos iluminados e virados para o mar, que fica parecendo fechado como uma turquesa em uma tenaz de coral cor-de-rosa, pelo meio das casas espalhadas no arco profundo, que faz parte da costa, sem chegar a ser um golfo, mas um verdadeiro arco, uma porção do círculo que o sol ilumina toda, dando-lhe um tom róseo muito suave.

“Vamos dividir-nos em quatro grupos. Eu vou, ou melhor, deixo que vades. Depois, Eu escolherei. Ide. Depois da hora nona, Eu vos encontrarei, junto à Porta, pela qual tivermos entrado. Sede prudentes, e tende paciência.”

E Jesus fica olhando como eles vão andando, e Ele permanece sozinho com Judas Iscariotes, que já declarou que a esses não vai dizer nada, porque são piores do que os pagãos. Mas; quando percebe que Jesus quer ficar andando para lá e para cá, sem falar, então ele muda de pensamento, e diz: “Desagrada-te ficar sozinho? Eu iria com Ma-

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teus, Tiago e André, que são os menos capazes...”

“Então, vai. Adeus.”

E Jesus vai andando pela cidade, percorrendo-a no sentido do comprimento e da largura, como um desconhecido, por entre as pessoas atarefadas, que nem prestam atenção nele. Somente dois ou três meninos levantam a cabeça, curiosos, e uma mulher desonestamente vestida, que vai decididamente ao encontro dele, com um sorriso cheio de subentendidos. Mas Jesus olha para ela de um modo tão sério, que ela fica corada, e abaixa os olhos, indo-se embora dali. Tendo ela chegado a um canto, vira-se ainda, e, visto que um homem do povo, que observou a cena, lhe lança uma palavra mordaz de zombaria por sua derrota, ela se enrola em seu proprio manto, e foge.

Os meninos, ao contrário, andam ao redor de Jesus, olham para Ele, sorriem ao seu sorriso. Um mais corajoso pergunta: “Quem és?”

“Jesus”, responde Ele, acariciando-o.

Page 274: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“Que fazes?”

“Estou esperando uns amigos.”

“São de Ascalon?”

“Não. Da minha terra e da Judéia.”

“És rico? Eu, sim. Meu pai tem uma bela casa e dentro está fazendo tapetes. Vem ver. É aqui perto.”

E Jesus vai sozinho com o menino, entrando por um longo corredor, que mais parece uma estrada coberta. No fundo, tornado mais vivo por causa da penumbra do corredor, está brilhando um escorço de mar, muito iluminado pela luz do Sol.

7 Aí encontram uma menina muito magra, que está chorando. “É Dina. É 218.7 pobre, sabes? Minha mãe lhe dá comida. A mãe dela não pode mais trabalhar. O pai já morreu, no mar. Foi numa tempestade, quando de Gaza ele ia para o porto do Grande Rio, a fim de levar umas mercadorias e apanhar outras. Mas, como as mercadorias eram do meu pai, e o pai da Dina era um marinheiro nosso, minha mãe agora cuida delas. Mas, há tanta gente que ficou assim sem pai... Que dizes Tu? Deve ser triste ficar órfãos e pobres. Aqui está a minha casa. Não digas a eles que eu estava na rua. Eu devia agora estar na escola. Mas eu fui mandado para fora, porque eu estava fazendo os companheiros rir, com isto aqui...”, e ele puxa para fora de sua veste um boneco entalhado em madeira em uma tabuinha fina e, na verdade, muito engraçado, apresentado com uma barba e um nariz muito caricaturados.

Jesus tem um sorriso, que lhe tremula sobre os lábios, mas se re-

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freia, e diz: “Não será o professor, não? Nem algum parente, não estaria bem.”

“Não. É o sinagogo dos judeus. Ele é velho e feio, e nós sempre zombamos dele.”

“Isso também não está direito. Certamente ele é muito mais velho do que tu e...”

“Oh! É um velho corcunda e quase cego, mas é tão feio!... Eu não tenho culpa se ele é feio!”

“Não. Mas tens culpa por zombares de um velho. Também tu, quando fores velho, serás feio, porque ficarás encurvado, terás poucos cabelos, serás meio cego, caminharás com uma bengala e terás uma cara como aquela. E, então? Terás prazer, se zombar de ti algum menino sem respeito? E, depois, para que perturbar o mestre e os companheiros? Não fica bem. Se teu pai soubesse disso, te castigaria, e tua mãe ficaria aborrecida. Eu não direi nada a eles, contanto que me dês logo duas coisas: a promessa de não cometer mais essas faltas e que me dês esse boneco. Quem foi que o fez?”

“Eu mesmo, Senhor...”, diz, envergonhado, o menino, já agora consciente da gravidade de suas travessuras... E acrescenta: “Eu gosto muito de entalhar a madeira! Algumas vezes eu reproduzo as flores dos tapetes, ou os animais que neles estão representados. Sabes?... Aqueles dragões, as esfinges, e outros animais ainda...”

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“Estas coisas tu podes reproduzi-las. Há tantas coisas bonitas neste mundo! E, então, prometes que me dás este boneco? Se não, não somos mais amigos. Eu o conservarei como lembrança de ti, e rezarei por ti. Como te chamas?”

“Alexandre. E Tu, o que me dás?”

Jesus fica embaraçado. Ele tem sempre muito pouco! Mas depois se lembra de ter uma fivela muito bonita, na gola de uma de suas túnicas, e a procura no saco, encontra e tira, e a dá ao menino. “E agora vamos. Mas, presta atenção: mesmo que Eu me vá embora, Eu sei de tudo do mesmo modo. E, se Eu ficar sabendo que estás fazendo o mal, Eu volto aqui, e conto tudo à mamãe.” E o pacto ficou feito.

8 Eles entram na casa. Depois do vestíbulo, há um amplo pátio, e este e cercado 218.8 de três lados por umas salas grandes, onde estão os teares.

A criada foi abrir, surpresa por ver o menino chegar acompanhado por um desconhecido, e vai avisar à patroa. E esta, uma mulher de aparência gentil, chega correndo, e pergunta: “Mas será que o meu filho se sentiu mal?”

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“Não, mulher. Ele me trouxe para ver os teus teares. Eu sou um forasteiro.”

“Queres fazer compras?”

“Não. Eu não tenho dinheiro. Mas tenho amigos, que gostam de coisas bonitas, e que têm dinheiro.”

A mulher olha curiosamente para este homem que confessa, assim sem rodeios, que é pobre, e lhe diz: “Eu pensava que fosses um senhor. Tens os modos e os ares de um grão senhor.”

“Mas, em vez disso, Eu sou simplesmente um rabi galileu: Jesus, o Nazareno.”

“Nós fazemos negócios, e não temos prevenções. Vem e olha!”

E o leva a olhar os seus teares, onde umas moças trabalham, sob a direção de patroa. Os tapetes são realmente dignos de ser apreciados, seja pelos desenhos, seja pelas cores. São de uma boa espessura, macios. Parecem canteiros em flor, ou um caleidoscópio de pedras preciosas. Outros misturaram às flores figuras alegóricas como hipogrifos, sereias, dragões, e até mesmo grifos heráldicos semelhantes aos nossos.

Jesus se mostra admirado: “És muito inteligente. Fiquei contente por ter visto tudo isso. E fiquei contente porque tu és boa.”

“Como sabes disso?”

“Está à vista, e o menino me falou de Dina. Deus te recompense por isso. Ainda que tu não creias, estás já muito perto da Verdade, já que tens em ti a caridade.”

“Qual verdade?”

“A do Senhor Altíssimo. Quem ama ao próximo, e para com a família e os dependentes

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exercita a caridade, e a estende até aos miseráveis, já tem em si a Religião. 9 Aquela ali é a Dina, não é mesmo?” 218.9

“Sim. A mãe dela está para morrer. Depois, eu ficarei com ela, mas não para trabalhar nos teares. Ela é ainda muito pequena e frágil. Vem aqui, Dina, a este senhor.”

A menina, com o rostinho triste das crianças infelizes, aproximase dele timidamente. Jesus a acaricia, e lhe diz: “Tu me levas à tua mãe? Gostarias que ela ficasse sã, não é verdade? Então, leva-me a ela. Adeus, mulher. E, adeus, Alexandre. E sê bom.”

E Jesus sai com a menina pela mão. “És tu só?”, Ele pergunta.

“Tenho três irmãozinhos. O último não conheceu o pai.”

“Não chores. És capaz de crer que Deus pode curar tua mãe? Tu sabes, não é mesmo, que há um só Deus, que ama os homens que Ele criou, e especialmente as crianças boas? E que Ele tudo pode?”

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“Eu sei, Senhor. Antes, o meu irmão Tolmé ia à escola, e na escola, nós nos misturamos com os judeus. E assim ficamos sabendo muitas coisas. Sei que Ele existe, e que se chama Javé, e que nos puniu, porque os filisteus foram maus para com Ele. Disso nos acusam sempre as crianças hebréias. Mas, eu não existia ainda, nem minha mãe, nem meu pai. Porque então?...” e o pranto lhe embarga a palavra.

“Não chores. Deus te ama e me trouxe aqui por causa de ti e da tua mamãe. Sabes que os israelitas esperam o Messias, que deve vir para fundar o Reino dos Céus? O Reino de Jesus Redentor e Salvador do mundo?”

“Eu o sei, Senhor. E nos ameaçam, dizendo: “Ai de vós!”

“E sabes que é que o Messias fará?”

“Fará grande a Israel, e nos tratará muito mal.”

“Não. Ele fará redimido o mundo, tirará o pecado, ensinará a não pecar, amara aos pobres, os doentes, os aflitos, irá a eles, ensinará aos ricos, aos sãos e aos felizes a amá-los, recomendará que sejam bons, para terem a vida eterna e feliz no Céu. Isto Ele fará. E não oprimirá a ninguém.”

“E, como se ficará sabendo que é Ele?”

“Porque Ele amará a todos, curará os doentes que crêem nele, redimirá os pecadores, e ensinará o amor.”

“Oh! Se Ele estivesse aqui, antes que minha mãe morra! Como eu haveria de crer! Como eu o pediria! Eu iria procurá-lo, até que o encontrasse, e lhe diria: “Eu sou uma pobre menina sem pai, minha mãe está para morrer, e eu espero em Ti.”, e tenho a certeza de que, ainda que eu seja uma filistéia, Ele me atenderia.”

É uma fé simples e forte a que vibra na voz da menina. Jesus sorri, olhando para a pobrezinha, que vai andando a seu lado. Ela não está vendo este sorriso luminoso, porque está olhando para a

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frente, para a casa que já está perto...

10 Chegam a um casebre muito pobre, no fundo de um beco sem saída. “É 218.10 aqui, Senhor. Entra...” Um quartinho miserável, um colchão de palha, tendo sobre ele um corpo mirrado, três pequeninos com idades entre dez e três anos, sentados perto do colchão. A miséria e a fome transparecem em cada canto.

“A paz a ti, mulher. Não te movas. Não queremos te incomodar. Encontrei a tua filha, e fiquei sabendo que estás doente. E Eu vim. Gostarias de ficar sã?”

A mulher, com um fio de voz, responde: “Oh! Senhor!... mas, para mim tudo se acabou!...”, e chora.

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“Tua filha chegou a crer que o Messias poderia curar-te. E tu?”

“Oh! Eu também creria. Mas, onde está o Messias?”

“Sou Eu, que estou falando contigo.” E Jesus, que estava inclinado sobre o colchão, murmurando suas palavras perto do rosto da pobre prostrada, ergue o busto, e diz em voz alta: “Eu quero. Fica curada.”

Os meninos quase que ficam amedrontados com a imponência dele e estão, os três rostinhos espantados, fazendo uma coroa ao redor da enxerga da mãe. Dina junta e aperta as mãos sobre seu pequeno peito. Uma luz de esperança, de felicidade, brilha em seu rostinho. Ela está arquejante, de tão grande que é a sua emoção. Está de boca aberta, querendo dizer uma palavra, que seu coração está murmurando, e, quando vê que sua mãe, que antes estava da cor da cera e abandonada, agora, como se uma força a puxasse para si e se transfundisse nela, quando vê a mãe que ergue o busto para sentar-se depois, sempre com os olhos fixos no Salvador, e se põe de pé, então Dina é que dá um grande grito de alegria. “Mamãe!” Afinal, ela disse a palavra que lhe estava enchendo o coração!... E, depois, outra: “Jesus!” E, abraçando a mãe, a obriga a ajoelhar-se, dizendo: “Adora, adora! É Ele aquele que o mestre de Tolmé dizia ser o Salvador profetizado.”

“Adorai o verdadeiro Deus, sede bons, lembrai-vos de Mim. Adeus.” E rapidamente Ele sai, enquanto as duas, muito felizes, ainda estão prostradas no chão...

219 Diversos frutos da pregação

dos apóstolos na cidade de Ascalon.

15 de julho de 1945.

1 Obedientes à ordem recebida, os pequenos grupos dos apóstolos vão 219.1 chegando, um depois do outro, para perto da porta da cidade. Jesus ainda não está lá. Mas logo Ele também vem chegando por uma ruazinha, que fica à beira do muro.

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“O Mestre deve ter tido boa sorte”, diz Mateus. “Olhai como Ele vem sorrindo.”

Eles vão ao encontro dele, e saem todos juntos pela porta, para pegarem de novo a estrada mestra, que tem aos seus lados as hortas do subúrbio.

Jesus lhes pergunta: “E então? Como foi a vossa ida? Que foi que fizestes?”

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“Foi muito mal”, respondem juntos Iscariotes e Bartolomeu.

“Por qué? Que vos aconteceu?”

“Aconteceu que pouco faltou para nos apedrejarem. E nós tivemos que escapar deles. Vamos embora desta terra de bárbaros. Vamos voltar para onde gostam de nos. Eu aqui não falo mais. Eu já não queria falar. Mas, depois, eu me deixei convencer, e Tu não me detiveste. E, no entanto, Tu sabes as coisas...” Iscariotes está inquieto.

2 “Mas, que foi que sucedeu contigo?” 219.2

“Eu tinha ido com Mateus, Tiago e André. Nós nos tínhamos dirigido para a praça dos Julgamentos, porque lá há gente fina e que tem tempo a perder, ouvindo a quem fala. Mas nós decidimos que Mateus é que iria falar, por ser o mais apto para falar aos publicanos e aos clientes deles. E ele começou a falar, dizendo a dois, que estavam discutindo por disputarem um campo, em uma herança muito complicada: “Não vos odieis por uma coisa que perece, por uma coisa que não podeis levar convosco para a outra vida. Mas amais-vos, a fim de poderdes gozar dos bens eternos, conseguidos sem outra luta, a não ser contra as más paixões, que por nós devem ser vencidas, e assim nos tornarmos vencedores e possuidores do Bem.” Tu dizias assim, não é verdade? E depois ele continuou, enquanto dois ou três se aproximaram para escutar: “Escutai a Verdade, que ensina estas coisas ao mundo para que o mundo tenha paz. Vós estais vendo quanto se sofre por isso. Por esse excessivo interesse pelas coisas que morrem. Mas não é a terra que é tudo. Existe também o Céu, e no Céu está Deus, assim como na terra agora já está o Messias, o qual nos manda vir anunciar-vos que o tempo da Misericórdia chegou, e que não há pecador que possa dizer: “Eu não serei atendido”, porque, se alguém tem um verdadeiro arrependimento, recebe perdão, e atendido, e amado e convidado para o Reino de Deus.”

Muitas pessoas já se haviam ajuntado, e havia os que escutavam com respeito, havia os que faziam perguntas, e perturbavam Mateus. Eu já não dou respostas, para não estragar o discurso. Eu falo, e respondo a cada um no fim. Que eles guardem na memória o que querem dizer, e se calem. Mas Mateus queria responder logo!... E até nós éramos interrogados. Mas havia também os que zombavam dele, dizendo: “Eis aí mais um doido! Certamente ele vem daquela toca que é Israel. Os judeus são uma praga, que se alastra por toda parte! Eis aí, aí estão as suas eternas lorotas. Eles têm a Deus por compadre. Escuta o que estão dizendo. Deus está no fio da espada deles e na acidez de sua linguagem. Ei-los aí! Aí estão eles! Agora estão tirando

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para o baile o seu Messias. E mais algum outro frenético, que nos vai atormentar, como sempre foi nos séculos passados. Que a peste acabe com Ele e com sua raça!”

Então, eu perdi a paciência. Puxei para trás Mateus, que estava ainda falando e sorrindo como se lhe estivessem prestando honras, e comecei a falar eu, tomando Jeremias como base para o meu

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discurso: “Eis que as águas vem subindo do norte, e se tornarão uma torrente que inunda tudo...” “Ao rumor delas”, eu disse, “- porque a punição de Deus sobre vós, raça malfazeja, terá o rumor de muitas águas e serão forças armadas e celestes fundibulários do Céu, todos mobilizados por ordem dos chefes do Povo de Deus, para punir-vos por vossa obstinação - ao rumor delas, vós perdereis o vigor, cairão as vossas soberbas, vossos corações, vossos braços, afetos, tudo. Sereis exterminados como uns restos da ilha do pecado, porta do Inferno! Vós vos ensoberbecestes, porque vossa cidade foi reconstruída por Herodes? Mas sereis ainda mais arrasados, até o ponto de vos tornardes calvos sem remédio, assim ficareis; feridos por todos os castigos em vossas cidades e vilas, nos vales e nas planícies. A profecia não morreu ainda...” e, eu queria continuar, mas eles se arrojaram contra nós, e, somente porque uma providencial caravana ia passando por uma estrada é que pudemos salvar-nos, pois as pedras já estavam começando a voar. Acertaram os camelos e os cameleiros, e se formou uma confusão, e pudemos escapar dela por um fio. Depois ficamos parados em um patiozinho do subúrbio. Ah! Eu não venho mais aqui...”

3 “Mas, desculpa, tu os ofendeste! A culpa é tua! Agora se compreende 219.3 porque vieram tão hostis para nos expulsarem!”, exclama Natanael. E continua: “Escuta, Mestre. Nós, isto é, Simão de Jonas, Eu e Filipe tínhamos ido para o lado da torre voltada para o mar. Lá havia marinheiros e capitães, que estavam carregando mercadorias para Chipre, para a Grécia e até para mais longe. Eles estavam maldizendo o sol, a poeira, o cansaço. Blasfemavam contra sua sorte de filisteus, escravos dos prepotentes, como eles diziam, quando podiam ser reis. Eles blasfemavam contra os Profetas, o Templo e todos nós. Eu queria ir-me embora de lá, mas Simão não quis, e disse: “Não, pelo contrário. Pois são justamente estes pecadores os de quem nos havemos de aproximar. O Mestre faria assim e também nós devemos fazê-lo.” “Então, fala tu a eles”, dissemos eu e Filipe.” “E, se eu não o sei fazer?”, disse Simão. “Então nós te ajudaremos”, respondemos nós.

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E então, Simão foi, sorridente, para o lado de dois, que estavam suados, e se haviam sentado sobre um grande fardo, que eles não conseguiam içar para o navio, e lhes disse: “Está pesado, não é?” “Mais do que pesado é o nosso cansaço. E precisamos terminar a carga, porque o capitão assim o quer. Ele não quer zarpar na hora da calmaria, porque nesta tarde o mar vai ficar muito agitado, e precisamos já ter ultrapassado os escolhos, para que não haja mais perigos.” “Escolhos no mar?” “Sim. Lá naquele ponto em que a água está fervendo. São lugares perigosos.” “São as correntes, não? É isso. O vento do sul lá vira a ponta, e bate contra aquela corrente...” “Es marinheiro?” “Sou pescador, De água doce. Mas a água é sempre água. E o vento e sempre vento. Bebi água mais de uma vez, e minha carga foi para o fundo mais de uma vez. Bonito, mas perigoso é o nosso trabalho: mas em todas as coisas existe o belo e o perigoso, o bom e o mau. Nenhum lugar e só de maus, e nenhuma raça e só de cruéis. Com um pouco de boa vontade, sempre todos se põem de acordo, e sempre se encontra gente boa por toda parte. Vamos! Eu vos quero ajudar”, e Simão chama Filipe, dizendo: “Força! Pega de lá, que eu pego de cá, e essa boa gente nos guia até lá, por dentro do navio, até à estiva.” Os filisteus não queriam. Mas, depois deixaram fazer. Tendo levado para o lugar o fardo e mais alguns que estavam sobre a ponte, Simão começou a elogiar o navio, a falar bem do mar, da cidade tão bonita, vista do mar, a interessar-se pela navegação marítima e por cidades de outras nações. E todos ao redor se puseram a agradecer-lhe e a elogiá-lo... até que um deles lhe perguntou: “Mas de onde és tu? Serás nilótico?” “Não, sou do Mar da Galiléia. Mas, como estais vendo, não sou um tigre.” “É verdade. Estás procurando trabalho?” “Sim.” “Eu te aceito, se quiseres. Vejo que és um marinheiro muito capaz”, diz o capitão. “Mas, em vez disso, eu te aceito.” “A mim? Mas, não disseste que estás procurando trabalho?” “É verdade. O meu trabalho é levar os homens ao Messias de Deus. Tu és um homem. És, pois, para mim um trabalho.” “Mas, eu sou filisteu!” “E, que quer dizer isso?” “Quer dizer que vós nos odiais, nos perseguis, desde o tempo dos tempos. Os vossos chefes sempre o disseram...” “Os Profetas, não é? Mas agora os Profetas são vozes que não urram mais. Agora o único e grande santo é Jesus. Ele não urra, mas

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chama com voz amiga. Ele não amaldiçoa, mas abençoa. Ele não traz doenças, mas as tira. Ele não odeia, e não quer que se odeie. Mas, pelo contrário, ele ama a todos, e quer que amemos ate aos inimigos. No seu reino não haverá mais vencedores è vencidos, não mais escra-

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vos e livres, não mais amigos e inimigos. Não haverá mais essas distinções que fazem mal e que vieram da maldade humana; mas só existirão os seguidores dele, isto e, pessoas que vivem no amor, na liberdade, vitoriosas sobre tudo o que é peso e dor. Eu vos peço que queirais crer em minhas palavras, e sentir desejo dele. As profecias foram escritas. Mas Ele é ainda maior do que os Profetas; e, para quem o ama, as profecias terminaram. Estais vendo esta vossa bela cidade? Mais bela ainda a reencontraríeis no Céu, se chegásseis a amar a Nosso Senhor Jesus, o Cristo de Deus.”

Assim dizia Simão, bondoso e inspirado ao mesmo tempo, e todos o estavam escutando com atenção e respeito. Sim, respeito. Depois, por uma rua, se desentocaram, e saíram gritando uns moradores armados com paus e pedras, e nos viram, e pela veste conheceram que éramos forasteiros, agora compreendo, forasteiros da tua raça, Judas, e ficaram pensando que éramos da tua sociedade. Se não nos protegessem aqueles que eram do navio, estaríamos mal arranjados. Eles desceram até o mar uma chalupa e nos levaram, fazendo-nos desembarcar na praia que fica perto dos jardins do sul, e nós estamos voltando de lá junto com os que lá cultivam flores para os ricos daqui. 4 Mas tu, Judas, estragas tudo! Que modo é 219.4 aquele teu de insultar?”

“Mas é verdade.”

“É preciso saber usar dela. Pedro também não disse mentiras, mas soube falar”, rebate Natanael.

“Oh! eu! Eu procurei pôr-me no lugar do Mestre, e pensei: “Ele seria delicado assim. Então, eu também...”, diz simplesmente o Pedro.

“Eu gosto do estilo forte. É mais próprio de um rei.”

“É a tua idéia de sempre! Tu não tens razão, Judas. Já faz um ano que o Mestre te vem corrigindo esta idéia. Mas não aceitas as correções. Tu também estás obstinado no erro, como estes filisteus, aos quais te queres impor”, acusa-o Simão Zelotes.

“Quando foi que Ele me corrigiu por isso? Além disso, cada um faz uso do modo que tem.”

Simão Zelotes sente até um sobressalto, ao ouvir estas palavras e olha para Jesus, que está calado, e que, diante daquele olhar que traz lembranças, responde a ele com um leve e compreensivo sorriso.

“Isto não é razão”, diz calmamente Tiago de Alfeu, e continua: “Nós estamos aqui para corrigir-nos, antes de corrigir os outros. O Mestre foi antes o mestre de nós. E não o teria sido, se não tivesse querido que nós mudássemos os nosso hábitos e idéias.”

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“Ele era Mestre por sua sabedoria...”

“Era, ou é?”, diz sério Tadeu.

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“Quantas cavilações! É, sim, é.”

“Ele é Mestre por tudo o mais. E não somente por sua sabedoria. O seu ensinamento se dirige a tudo que há em nós. Ele é perfeito e nós imperfeitos. Esforcemo-nos, pois, para o sermos também”, aconselha mansamente Tiago de Alfeu.

“Não acho que eu tenha tido culpa. É porque são de uma raça maldita. Todos são uns perversos.”

“Não. Não podes dizer isso”, prorrompe Tomé. 5 “João foi aos mais baixos 219.5 de todos os pescadores, que levavam os peixes para as feiras. E, olha aqui este saco úmido. É peixe do mais saboroso. Eles dispensaram o que podiam ganhar, para no-lo dar. E, por temor de que o peixe pescado pela manhã, à tarde já não estivesse mais fresco, eles voltaram ao mar, e quiseram que nós fôssemos com eles. Parecia que estávamos no Mar da Galiléia, e eu te garanto que, se o lugar nos fazia lembrar dele, também o faziam as barcas cheias de rostos atentos, e o que mais fazia lembrar dele era João. Ele parecia um outro Jesus. As palavras saíam dele doces como o mel, de sua boca risonha, e seu rosto cintilava como um outro sol. Como elé estava semelhante a Ti, Mestre! Eu fiquei comovido. Nós ficamos durante três horas no mar, na expectativa de que as redes, estendidas por sobre as bóias, estivessem cheias de peixes, e foram três horas de felicidade. Depois, eles queriam Te ver. Mas João disse: “Eu vos prometo um novo encontro em Cafarnaum”, como se lhes tivesse dito: “Eu vos prometo um novo encontro na praça de vossa cidade”. E eles também prometeram: “Nós iremos”, e tomaram nota. E nós tivemos que lutar para não sermos carregados com peixe demais. E eles nos deram do peixe mais fino. Vamos cozinhã-lo. Hoje de tarde teremos um grande banquete, para refazer-nos do jejum de ontem.”

“Mas, que foi que falaste ainda?”, pergunta Iscariotes, dolorosamente surpreso.

“Nada de especial. Eu falei de Jesus”, responde João.

“Mas, como tu falas dele! João também citou os profetas. Mas os virou de cabeça para baixo”, explica Tomé.

“De cabeça para baixo?”, pergunta, espantado, Iscariotes.

“Sim. Tu dos profetas extraíste a aspereza, e João a doçura. Porque, afinal, até o rigor deles é amor, um amor exclusivo, violento, se assim o queres dizer, mas é sempre um amor para com as almas, que quereriam ser todas fieis ao Senhor. Não sei se já refletiste nisto, tu,

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que foste educado entre os escribas. Eu, sim, ainda por ser um ourives. Também o ouro há de ser martelado e acrisolado, mas é para torná-lo mais bonito. Não é por ódio mas por amor. Assim os profetas são para com as almas. Eu compreendo isso, talvez justamente porque sou ourives. Ele citou Zacarias, em sua profecia contra Hadraque e Damasco, e chegou àquele ponto: “À vista disso, Ascalon será tomada pelo espanto, Gaza ficará coberta de grande tristeza, e também Acaron, porque desvaneceu-se sua esperança. Gaza não terá mais rei”, e se pôs a explicar como tudo isso aconteceu, porque o homem se afastou de Deus, e, falando da vinda do Messias, que é um perdão por amor, prometeu que, de uma pobre realeza, como os filhos da terra desejam para a sua nação, os homens, que seguirem o Messias em sua doutrina, chegarão a ter uma realeza eterna e infinita no Céu. Dizer isso, não é nada. Mas, ouvir isso! Parecia estar ouvindo uma música e subir, levado pelos anjos. E eis que os Profetas, que a ti te deram pauladas, a nós nos deram peixes de fino sabor.”

Page 282: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

Judas se cala, desorientado.

6 “E vós?”, pergunta Jesus aos primos e ao Zelotes. 219.6

“Nós fomos ate os estaleiros, onde os calafates trabalham. Nós também preferimos ir aos pobres. Mas também havia ricos filisteus, que exerciam a supervisão da construção de seus navios. Não sabíamos quem é que deveria falar, e então fizemos o jogo dos pontos, como fazem os meninos. Judas estendeu sete dedos, eu quatro, e Simão dois. Então tocou a Judas. E ele falou”, explica Tiago de Alfeu.

“E que foi que disseste?”, perguntam todos.

“Eu me fiz conhecer francamente pelo que eu sou, dizendo-lhes que à hospitalidade deles eu pedia a bondade de acolher a palavra do peregrino, que via neles seus irmãos, pois tinham uma origem e um fim comuns, e a esperança não comum, mas cheia de amor, de poder levá-los comigo à casa do Pai e dar-lhes o nome de “irmãos” para sempre, na grande alegria do Céu. Eu disse depois: “Está dito em Sofonias, o nosso Profeta: “A região do mar será lugar de pastores... e aí eles terão suas pastagens e, de tarde, irão repousar nas casas de Ascalon”, e eu desenvolvi o pensamento, dizendo: “O Pastor Supremo já chegou ao meio de vós. Não veio armado de flechas, mas de amor. E Ele vos estende os braços, e vos mostra as suas pastagens santas. Não se lembra do passado, señão para ter compaixão dos homens pelo grande mal que fazem a si mesmos e que já se fizeram, como uns meninos loucos, com o ódio, enquanto podiam estar livres de tão grande dor se eles o amassem uns aos outros, pois eles são irmãos:

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Esta terra”, eu disse, “será lugar de pastores santos, os servos do Pastor Supremo, que já sabem que aqui terão os seus pastos mais viçosos e os melhores rebanhos, e os corações; deles, na tarde de suas vidas, poderão repousar, pensando nos vossos corações e nos dos vossos filhos, mais familiares do que as casas amigas, porque terão como patrão a Jesus, nosso Senhor.” Eles me compreenderam. Fizeram-me perguntas, ou melhor, fizeram-nos perguntas. E Simão narrou a sua cura e, meu irmão, a tua bondade para com os pobres. E a prova, eila aqui: Esta bolsa gorda para os pobres, que iremos encontrando pelo caminho. Também a nós, os Profetas não nos fizeram mal.”

Iscariotes nem toma mais fôlego.

7 “Pois bem”, Jesus o conforta, “na outra vez, Judas já fará melhor. Ele 219.7 achou que fazia o bem, fazendo assim. E, tendo assim agido para um fim honesto, não pecou de nenhum modo. E eu estou contente também com ele. Agir como apóstolo não é fácil. Mas depois vai-se aprendendo. Uma coisa me desagrada. Não ter tido esse dinheiro antes, e não vos ter encontrado. Ter-me-ia ele servido para socorrer uma família infeliz.”

“Podemos voltar atrás. Ainda é cedo... Mas, desculpa, Mestre. Como encontraste a família? Que lhe fizeste Tu? Será que não a evangelizaste?”

“Eu? Eu fiquei passeando. Com o silêncio, Eu disse a uma meretriz: “Deixa o teu pecado”: Encontrei um menino, um tanto levado, e o evangelizei, trocando presentes com ele. Eu dei a fivela que Maria Salomé me havia pregado na veste, em Betânia, e ele me deu este trabalho feito por ele”, e Jesus tira das dobras da veste o boneco caricatural. Todos o observam e se riem. “Depois, eu fui ver uns esplêndidos tapetes que um homem de Escalon faz para vender no Egito e em outras partes... depois fui consolar uma menina sem pai, e curar a mãe dela... E basta.”

Page 283: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

“E te parece pouco?”

“Sim. Porque havia necessidade também de dinheiro, e Eu não o tinha.”

“Mas, voltemos lá dentro, nós que... não demos aborrecimento a ninguém”

“E o teu peixe”, diz, caçoando, Tiago de Zebedeu.

“O peixe? Está aqui. Vós que tendes... o anátema em cima! Ide ao velho que nos hospeda, começai a prepará-lo. E nós vamos a cidade.”

“Sim”, diz Jesus. “Mas Eu vos mostrarei de longe a casa. Nela haverá pessoas. Eu não irei. Eles me entreteriam. Não quero ofender o

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hospedeiro que nos atende, faltando ao seu convite. A descortesia é sempre uma falta de caridade.”

Iscariotes abaixa ainda mais a cabeça, e fica arroxeado, de tanto que muda de cor, lembrando-se de quantas vezes ele caiu naquela falta.

Jesus continua: “Vós, ide à casa, e perguntai pela menina, não há outra menina, senão ela, e não podeis errar. Dareis a ela esta bolsa, e lhe direis: “Esta é Deus que te manda, porque soubeste crer. É para ti, a mamãe e os irmãozinhos.” Não digais nada mais. E voltai logo para trás. Vamos.”

E o grupo se divide, indo Jesus com João, Tomé e os primos para a cidade, enquanto os outros vão para a casa do hortelão filisteu.

220. Os idolatras de Magdalgad

e o milagre sobre a parturiente.

16 de julho de 1945.

1Ascalon e suas hortas já são apenas uma recordação. Nas horas frescas de 220.1 uma esplêndida manhã, virando as costas para o mar, Jesus se dirige com os seus para umas colinas muito verdes, de pouca altura mas muito aprazíveis, que se elevam da planicie fértil. Seus apóstolos, descansados e satisfeitos, estão muito alegres e falando de Ananias, das suas escravas, de Ascalon, do vozerio que havia na cidade, quando eles voltaram para levar o dinheiro para Dina. “Estava escrito que eu haveria de passar pelo pega-pega dos filisteus. O ódio e o amor têm as mesmas manifestações, se quiserdes. E eu, que não havia sofrido pelo ódio filisteu, por pouco não sou ferido pelo amor. Por pouco não nos prendem aqueles exaltados por causa do milagre, para fazer-nos dizer onde estava o Mestre. E que gritaria! Não foi, João? A cidade fervia como um caldeirão. Os que estavam inquietos não queriam ouvir razões, e queriam ir à procura dos judeus para espancá-los, enquanto os que tinham recebido benefícios, ou os amigos deles, queriam persuadir os primeiros que era um deus que tinha passado. Que confusão! Vão discutir durante dois meses. O pior é que eles discutem mais com um pau na mão, do que com a língua. Mas... que fazer? Eles se entendem. Façam o que quiserem”, diz Tomé.

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“Mas... eles não são maus...”, observa João.

“Não. Eles são apenas obcecados por muitas coisas”, responde Zelotes.

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Jesus não fala durante um bom tempo da viagem. Depois, Ele diz: “Agora Eu vou àquele lugarejo, lá no alto do monte, e vós continuareis até Azoto. Prestai atenção. Sede corteses, afáveis, pacientes. Mesmo que escarneçam de vós, suportai-o em paz, como ontem fazia Mateus, e Deus vos ajudará. Ao pôr do sol, saí e ide para perto do brejo, que fica nas cercanias de Azoto. Lá nos encontraremos.”

“Mas, Senhor, eu não te deixo sozinho”, exclama Iscariotes. “São uns violentos estes!... É uma imprudência.”

“Não precisais temer nada por Mim.. Vai, vai, Judas, e sê prudente tu. Adeus. A paz esteja convosco.”

Os doze lá se vão, não muito entusiasmados. Jesus olha como eles vão indo, depois toma o caminho da colina, fresco, sombreado, coberto de bosques de nogueiras, de oliveiras, de figueiras, de vinhedos bem cultivados e já com promessas de uma boa colheita. Nos lugares em que o terreno se inclina para a planície, há pequenos sítios com cereais e, pelas encostas, pastam as cabras louras sobre a erva verde.

2 Jesus alcança ás primeiras casas da região. Está para entrar, quando se 220.2 encontra com um estranho cortejo. São mulheres que gritam em altas vozes, homens a vozear, cantando um canto triste e alternado, em altas vozes, e todos executando uma espécie de dança, ao redor de um bode que vai à frente, com os olhos vendados, já ferido, vertendo sangue nos joelhos, por ter tropeçado e caído nas pedras do caminho. Um outro grupo, igualmente vociferando e gritando alto, agita-se ao redor de um simulacro esculpido, que na verdade é muito feio, e conserva levantadas umas frigideiras com brasas acesas, que eles alimentam jogando em cima resina e sal, pelo menos é o que parece, porque as primeiras soltam um cheiro de terebentina, e o segundo dá estalos, como faz o sal. Um último grupo rodeia um santarrão diante do qual se inclinam continuamente, gritando: “Pela tua força!” (os homens) “Só tu podes!” (mulheres) “Suplica ao deus!” (homens) “Tira o feitiço!” (mulheres) “Comanda a mãe!” “Salva a mulher!”, depois todos juntos, com um uivo de bruxos: “Morte à maga!” E, em seguida, de novo, com uma variante: “Pela tua força!” “Só tu podes!” “Ordena ao deus!” “Que ele faça ver!” “Comanda o bode!” “Que mostre a feiticeira!” E, com um uivo de condenados “Que odeia a casa de Fará!”

3 Jesus faz parar um dos do último grupo, e pergunta com doçura: “Que 220.3 acontece? Eu sou um forasteiro...”

O homem, enquanto a procissão parou um pouco para bater no bode, para jogar resina sobre as brasas, e para tomarem fôlego, explica: “A esposa de Fará, o grande de Magdalgad, está morrendo de parto.

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Uma que a odeia, pôs nela um feitiço. Suas vísceras deram um nó e o filho não pode nascer Procuramos a feiticeira para matá-la. Só assim a esposa de Fará será salva e, se não encontramos a feiticeira, sacrificaremos o bode para impetrar misericórdia da deusa Mãe” (Pode-se então compreender que aquela garatuja de boneco é um deusa...)

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“Parai. Eu sou capaz de curar a mulher e de salvar o filho. Dizei isso ao sacerdote”, diz Jesus ao homem e a outros dois que se aproximam dele.

“És médico?”

“Mais ainda.”

Os três abrem a multidão, e vão ao sacerdote idólatra. E lhe falam. A notícia corre. A procissão, que tinha recomeçado a andar, pára. O sacerdote, imponente em seus farrapos multicores, faz um sinal a Jesus e lhe diz: “Jovem, vem cá!” E, quando Jesus já está perto, lhe diz: “É verdade o que dizes? Olha bem que, se o que dizes não acontece, nós pensaremos que o espirito da feiticeira se incorporou em Ti e te mataremos no lugar dela.”

“É verdade. Levai-me logo à mulher e, enquanto isso, dai-me o bode. Preciso dele. Tirai-lhe as vendas e trazei-o aqui.”

Eles assim fazem. O pobre animal, espantado, cambaleando, sangrando, é levado a Jesus, que o acaricia, passando-lhe a mão sobre o espesso pelo negro.

“Mas agora é preciso que me obedeçais, sem exceção. Vós o fareis?”

“Sim!”, grita a multidão.

“Vamos. Não griteis mais, não queimeis resinas. Eu o ordeno.”

4Vão indo, entram no povoado e, por um caminho que é o melhor, chegam 220.4 a uma casa que fica no meio de um pomar. Uivos e choros saem pelas portas escancaradas e, acima de tudo, ouve-se o lamento triste e atroz da mulher, que não pode dar à luz o filho.

Correm para ir avisar Fará, que vem na frente, lívido, ladeado por mulheres que choram e por uns inúteis santarrões, que vêm queimando incenso e folhas em duas frigideiras. “Salva minha mulher!” “Salva minha filha!” “Salva-a, salva-a!”, gritam, um por um, o homem, a velha e a multidão.

“Eu a salvarei, e com ela, o teu filho, pois vai ser um menino e muito viçoso, com dois olhos cor de azeitona que está amadurecendo, e a cabeça coberta de cabelos pretos como esta lá.”

“Como é que sabes disso? Será que vês? Até nas vísceras?”

“Em tudo Eu vejo e penetro. Tudo Eu conheço e posso. Eu sou Deus.”

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Se tivesse mandado um raio, teria produzido menos efeito. Todos se jogam no chão como mortos.

“Levantai-vos. Escutai. Eu sou o Deus poderoso, e não suporto outros deuses diante de Mim. Acendei um fogo e jogai nele aquela estátua.”

A multidão se revolta. Começam a duvidar do “deus” misterioso que ordena a queima da deusa. Os mais irados são os sacerdotes.

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Mas Fará e a mãe da esposa, aos quais interessa muito a vida da mulher, opõem-se à multidão hostil. E como Fará é o grande do povoado, a multidão refreia a sua ira. Mas o homem pergunta: “Como posso crer que Tu és um deus? Dá-me um sinal, e eu mandarei que se faça tudo o que quiseres.”

“Olha. Estás vendo as feridas deste bode? Estão abertas, não estão? Estão sangrando, não é? O animal está quase morrendo, não está? Pois bem. Eu quero que não seja mais assim... Aí está. Olha, agora. O homem se inclina e olha... e grita: “Está sem as feridas!”, e se joga no chão gritando: “A minha mulher, a minha mulher!”

Então o sacerdote da procissão diz: “Teme Fará. Não conhecemos quem é este. Teme a vingança dos deuses!”

O homem fica tomado por dois medos: dos deuses, da mulher... e pergunta: “Quem és Tu?”

“Eu sou aquele que sou, no Céu e na Terra. Toda força me está sujeita, todo pensamento é por Mim conhecido. Os habitantes do Céu me adoram, os habitantes do Inferno me temem. E os que crêem em Mim verão realizar-se todo prodígio.”

“Eu creio! Eu creio... O teu nome!”

“Jesus Cristo, o Senhor Encarnado. Ponde aquele ídolo no fogo! Não suporto deuses na minha frente. Que se apaguem aqueles turíbulos. Não tendes mais do que o meu Fogo, que pode e quer. Obedecei, ou Eu porei fogo em vosso ídolo vazio e me irei embora, sem salvar ninguém.”

É terrificante o aspecto de Jesus, vestido com sua veste de linho, e de cujos ombros pende o manto azul, cuja cauda se arrasta atrás dele, enquanto seu braço está elevado, num gesto de comando, e seu rosto está fulgurante. Ficam com medo dele, ninguém diz mais nada... No meio daquele silêncio, só se ouve o uivo, cada vez mais fraco e dilacerante, da sofredora. Mas eles demoram em obedecer. O rosto de Jesus se torna ainda mais insuportável ao ser olhado. É realmente um fogo que queima matérias e espíritos. E as frigideiras de cobre são as primeiras a sofrer por vontade dele. Os que as estão segurando precisam

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jogá-las fora, porque não resistem mais ao calor delas. E, no entanto, os carvôes parecem estar apagados... Depois, são os portadores do ídolo que precisam pôr no chão a cadeirinha que eles estavam sustentando nos ombros por meio de varais, porque a madeira deles vai sendo reduzida a carvão, como se alguma misteriosa chama os estivesse lambendo e, logo que a padiola foi posta no chão, pega fogo.

O povo foge, aterrorizado...

5 Jesus se vira para Fará: “Podes agora crer de fato no meu poder?” 220.5

“Eu creio, eu creio. Tu és Deus. És o Deus Jesus.”

“Não. Eu sou o Verbo do Pai, de Javé de Israel, que vim em Carne, Sangue, Alma e Divindade, para remir o mundo e dar-lhe a fé no verdadeiro Deus, Uno, Trino, que está nos Céus Altíssimos. Eu venho dar ajuda e misericórdia aos homens, a fim de que deixem o Erro, e venham para a Verdade, que e o único Deus de Moisés e dos Profetas. Podes crer ainda?”

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“Eu creio, creio. Tu és o deus Jesus.”

“Não eu sou o Verbo do Pai, de Javé de Israel, vindo em Carne e Sangue, Alma e Divindade para redimir o mundo e para dar-lhe a fé no Deus verdadeiro, uno, trino, que está nos céus altíssimos. Venho dar ajuda e misericórdia aos homens para que deixem o Erro e cheguem à Verdade, que é o único Deus de Moisés e dos profetas. Podes crer ainda?”

“Creio, creio!”

“Eu vim trazer o Caminho, a Verdade e a Vida aos homens, vim abater os ídolos, ensinar a sabedoria. Por Mim o mundo terá redenção, porque Eu morrerei por amor do mundo e pela salvação eterna dos homens. Podes crer ainda?”

“Creio, eu creio!”

“Eu vim para dizer aos homens que eles, se crêem no Deus Verdadeiro, terão a vida eterna no Céu, junto ao Altíssimo, que é o Criador de todos os homens, animais, plantas e astros. Podes crer ainda?”

“Creio! Creio!”

Jésus nem entra na casa. Somente ergue os braços para o lado do quarto da sofredora, com as mãos estendidas, como fez na ressurreição de Lázaro, e grita: “Sai à Luz, a fim de que conheças a Luz Divina e, por ordem da Luz, que é Deus!” E uma ordem trovejante, à qual, um momento depois, faz eco um grito de triunfo, que em seu som é como um gemido de alegria e depois se ouve o queixoso choro de um recém-nascido, um queixume que sempre vai crescendo, como pela força que vai aumentando.

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“Teu filho já está chorando e saudando à terra. Vai a ele, e dize-lhe agora e depois, que a pátria não é esta terra, mas é o Céu. Educa-o, e tu cresce com ele, para o Céu. Esta é a Verdade, que está falando contigo, e estas (e mostra as frigideiras de cobre, enroladas como folhas secas, inúteis para qualquer uso, jogadas no chão, e as cinzas que mostram o lugar, onde estava a padiola do ídolo) são a Mentira, que não ajuda nem salva. Adeus.”

E faz sinal de quem vai embora.

6 Mas uma mulher vem correndo com um recém-nascido cheio de vida, 220.6 enrolado em um pano, e gritando: “É um menino, Fará. É belo, robusto, tem os olhos cor de amora, como as azeitonas quando amadurecem, e os cachinhos mais pretos do que os de um cabrito sagrado. E a mulher, feliz, está descansando. Não está mais sofrendo, como se nada tivesse acontecido. Foi uma coisa repentina, quando já estava quase morrendo... e depois daquelas palavras...”

Jesus sorri e, visto que o homem lhe apresenta o recém-nascido, Ele lhe toca na cabeça com as pontas dos dedos. As pessoas, menos os sacerdotes que foram embora, indignados ao verem a defecção de Fará, todas se aproximam curiosas para verem o recém-nascido e olharem para Jesus.

Fará gostaria de dar-lhe objetos e dinheiro pelo milagre. Mas Jesus diz com doçura e firmeza: “Nada. O milagre não se paga, a não ser com a fidelidade a Deus, que o concedeu. Eu fico somente com este bode, como lembrança da tua cidade.” E vai-se com o bode, que sai trotando perto dele,

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como se Jesus fosse o seu dono, curado, feliz, berrando, como para dizer a sua alegria por estar com alguém que não bate nele... Descem assim os barrancos da colina, para pegarem de novo a estrada mestra, que vai para Azoto....

7 Quando à tarde, ao lado do brejo sombreado, Jesus vê que os discípulos 220.7 vêm vindo, a admiração é dos dois lados, deles por verem Jesus com aquele bode, e dele, por vê-los com aqueles rostos humilhados de quem não conseguiu fazer o que queria.

“Foi um desastre, Mestre! Eles não nos bateram. Mas nos expulsaram para fora da cidade. Andamos vagando pela campina e pagando bem caro é que conseguimos achar comida. E, no entanto, procuramos agir com doçura...”, dizem eles, desolados.

“Não tem importância. Também em Hebron, no ano passado, nos expulsaram, e desta vez até que nos prestaram honras. Não deveis desanimar.”

“E Tu, Mestre? E este animal?”, perguntam eles.

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“Eu fui à Magdaldad. Queimei um ídolo e os turíbulos dele, fiz nascer um menino, preguei o Verdadeiro Deus por meio de milagres e apanhei para Mim o bode, que estava destinado ao rito idolátrico, como pagamento. Pobre animal. Ele estava todo ferido!”

“Mas agora está bem! É um animal muito bonito.”

“E um animal sagrado, oferecido ao ídolo... Um animal são. Sim. O primeiro milagre para convencê-los de que Eu era o poderoso e não o pedaço de madeira deles.”

“E que vais fazer dele?”

“Vou levá-lo para Margziam. Ontem um boneco, hoje um bode. Eu o farei feliz.”

“Mas queres que ele vá atrás de Ti até Beter?”

“Certamente. Nada vejo de horroroso nisso. Se Eu sou o Pastor, poderei ter um bode. Depois o daremos às mulheres. E irão assim para a Galiléia. Encontraremos uma cabrita. Simão, tu te tornarás pastor de cabritas. Melhor seria que fossem ovelhas... Mas o mundo é mais de bodes, que de cordeiros... Isto é um símbolo, meu Pedro. Lembra-te disso. Com o teu sacrifício, farás dos bodes, cordeiros. Vinde. Cheguemos até aquela vila, por entre os pomares. Encontraremos alojamento ou nas casas ou nos feixes de palha que estão amarrados nos campos. E amanhã iremos a Jábnia.

Os apóstolos estão admirados, entristecidos, desanimados. Admirados dos milagres, entristecidos por não terem estado lá e desanimados por sua incapacidade, enquanto que Jesus é capaz de tudo. Mas Ele, pelo contrário, está muito contente!... E chega a persuadi-los de que “nada é inútil. Nem mesmo a derrota. Porque ela serve para formar-vos na humildade, enquanto que falar serve para fazer ressoar um nome, que é o meu e para deixar uma lembrança nos corações.” E está tão convincente e luminoso em sua alegria, que eles também se tranqüilizam.

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221. As prevenções dos apóstolos contra os pagaos

e a parábola do filho disforme.

17 de julho de 1945.

1 “De Jábnia iremos a Acron?”, perguntam, quando vão indo por uma 221.1 campina muito fértil, onde os trigais estão dormindo o seu último sono ao sol, ao grande sol que os fez amadurecer, estendidos em feixes pelos campos roçados, e tristes como imensos leitos fúnebres,

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agora que não estão mais vestidos de espigas, mas de toneladas de trigo, esperando ser transportadas para outro lugar.

Mas, se os campos estão despojados, os pomares estão com veste de festa, com os frutos apressando-se para amadurecer, passando do verde ainda duro das frutinhas, para o mais tenro, amarelado ou rosado, tornado lustroso como por uma cera do fruto quando fica maduro, ou então os figos, abrindo os escrínios, arrebentando, em sua pele elástica, o muito doce escrínio do fruto-flor, e mostrando, para lá da fenda verde-branca, ou roxa e branca, a gelatina transparente e coberta de sementinhas mais escuras do que a polpa. As oliveiras, a qualquer ventinho leve, sacodem as suas gotas ovais de jade, presas a um pecíolo fino, por entre o verde prateado de suas ramagens, e as nogueiras solenes, conservam firmes os seus pedúnculos, os seus frutos, que incham por entre a casca felpuda, enquanto os amendoais acabam de amadurecê-los dentro do invólucro, que enruga o seu veludo e muda a cor dele, e as videiras entumecem seus bagos, ou já há até algum cacho, situado em posição favorável, que já se atreve até a acenar para o topázio transparente e para o rubi futuro do cacho maduro, enquanto as cactáceas da planície ou das encostas próximas se alegram com suas decorações, de dia para dia mais vivas, com seus óvulos de coral, que foram artisticamente colocados por algum alegre decorador no vértice das espátulas polpudas, que parecem mãos, fechadas em pequenas bainhas pungentes que estendem para o céu os frutos que elas criaram e amadureceram.

Palmeiras isoladas e alfarrobeiras viçosas fazem que nos lembremos muito da vizinha África e, enquanto as primeiras fazem ressoar as castanholas de suas folhas duras como um pente redondo, as outras já se vestiram de um esmalte verde escuro e ficam empertigadas, em sua compostura, trajadas com uma veste muito bela. Cabras louras e cabras negras, altas, ágeis, com longos chifres recurvos, de olhos mansos e atentos, estão pastando cactáceas, assaltando as piteiras carnosas e estes enormes pincéis de folhas duras e grossas que, como alcachofras abertas a partir do centro do coração, irrompem do candelabro da catedral, do caule gigante com sete braços, sobre o qual está em chamas a flor amarela e vermelha de agradável perfume.

A África e a Europa se dão as mãos, ao cobrirem o solo de belezas vegetais 2 e, mal o grupo dos apóstolos deixa a planície para tomar um caminho que vai 221.2 subindo por uma colina literalmente coberta de vinhedos, nesta sua encosta virada para o mar, - costa pedregosa, calcária, sobre a qual a uva vai tornar-se uma coisa preciosa, provinda

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da transformação de seu suco em xarope - eis que o mar, o meu mar, o mar de João, o mar de Deus, se mostra em sua vestimenta de seda rugosa e azul, e fala das lonjuras, do infinito, do poder,

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enquanto canta com o céu e com o sol o trio das glórias criadoras. E a planície se ostenta toda, em toda a sua ondulada beleza, como imitações de colinas com poucos metros de altura, misturadas com áreas planas, com dunas de ouro, até ás cidades e povoados da beira-mar, brancas em contraposição ao azul.

“Como é belo! Como é belo!”, murmura, extático, João.

“Mas, meu Senhor! Este rapaz vive de azul. Deves destiná-lo a ele. Parece estar vendo a esposa, quando vê o mar!”, diz Pedro, que não faz muita diferença entre a água do mar e a do lago. E ri, bondosamente

“Ele já está destinado, Simão. Todos vós tendes o vosso destino.”

“Oh! Que bom! E a mim, para onde me mandas?”

“Oh! tu!...”

“Dize-o a mim, sê bom!”

“Para um lugar maior do que a tua e a minha cidade juntas, do que Magdala e Tiberíades juntas.

“Lá, então, eu me perderei.”

“Não tenhas medo. Ficarás parecendo uma formiga sobre um grande esqueleto. Mas, indo e vindo, incansavelmente, ressuscitarás o esqueleto.”

“Não estou entendendo nada. Fala mais claro.”

“Entenderás, entenderás!...”, e Jesus sorri.

“E eu?” “E eu?”, todos querem saber.

“Eu farei assim.” Jesus se inclina - estão ao longo da beira saibrosa de uma torrente, ainda muito cheia d’água no seu centro - e apanha um punhado de saibro muito fino. Depois o joga para o ar e ele cai, esparramando-se em todas as direções. “Vede aqui. Só este grãozinho de areia me ficou por entre os cabelos. Vós também assim sereis espalhados.”

“E Tu, meu irmão, representas a Palestina, não e?”, pergunta sério, Tiago de Alfeu.

“Sim.”

“Eu queria saber quém será o que vai ficar na Palestina”, pergunta ainda Tiago.

“Toma este grãozinho de lembrança”, e Jesus dá o grãozinho, que ficou entre os seus cabelos, ao seu primo Tiago, e sorri.

“Não poderias deixar-me na Palestina? Eu sou o mais apto, por-

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que sou o mais grosseiro e, em nossa casa, eu ainda me viro. Mas fora!...”, diz Pedro.

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“Tu és o menos apto, pelo contrário, para ficares aqui.

3Em vós existe uma prevenção contra o resto do mundo, e achais que é mais 221.3 fácil evangelizar em terras de fiéis, do que nas dos idólatras e pagãos. Mas é justamente o contrário. Se refletísseis sobre o que nos oferece a verdadeira Palestina, em suas classes altas e também, ainda que menos, em seu povo, e se pensásseis que aqui, nos lugares em que o nome da Palestina é odiado, também o é o de Deus, desconhecido em sua verdadeira expressão, e aqui fomos recebidos, certamente não pior do que na Judéia, na Galiléia, na Decápole, as vossas prevenções cessariam, e vós veríeis que é bem verdade o que Eu digo, ao dizer que é mais fácil convencer aos que nao conhecem ao Deus Verdadeiro, do que aos do Povo de Deus, com sua idolatria cheia de sofismas, culpados mas que, orgulhosamente, ainda se julgam perfeitos, e que o que são querem continuar a ser. Quantas pedras preciosas, quantas pérolas os meus olhos estão vendo, onde vós só vedes terra e mar!

A terra das multidões que não são Palestina. O mar da Humanidade, que não é Palestina, e que, como mar, não pede mais que acolher os que procuram, para que lhes sejam dadas essas pérolas e que, como terra, só pede para ser rebuscada, para que ela deixe que suas pedras preciosas sejam apanhadas. Os tesouros estão por toda parte. Mas é preciso procurá-los. Cada torrão pode estar escondendo um tesouro, e estar nutrindo uma semente, todas as profundidades podem estar escondendo uma pérola. E então? Pretendereis talvez que o mar entrasse em uma grande perturbação em seu fundo, com grandes borrascas, até ao ponto de arrancar aos barrancos submarinos as ostras perolíferas, para abri-las depois sob o peso da batida de seus vagalhões, e oferecê-las assim, na praia, aos preguiçosos e aos medrosos que não querem correr perigos? Pretenderíeis que a terra fizesse uma planta de um grão de areia, e vos desse frutos, sem que désseis a ela uma semente? Não, meus queridos! É preciso esforço, trabalho, ousadia. Mas, sobre tudo, não devem existir prevenções.

4 Vós, Eu o sei, desaprovais, uns mais, outros menos, esta viagem por entre 221.4 os filisteus. Nem mesmo as glórias, que estas terras nos recordam, as glórias de Israel de que nos falam estes campos, fecundados pelo sangue hebreu derramado pela grandeza de Israel, daquelas cidades que foram arrebatadas uma por uma das mãos dos que as dominavam, para coroar com elas a Judá, e fazer com elas uma nação

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poderosa, são capazes de fazer-vos amar esta peregrinação E não vos digo que não vale para isso nem a idéia de estar preparando o terreno para que seja acolhido o Evangelho e a esperança de salvar espíritos. Nem vos quero dizer, entre as razões que apresento às vossas mentes, o quanto foi conforme a justiça esta viagem.

Está ainda por demais acima de vós este pensamento. A ele chegareis um dia. E, então, direis: “Nós pensávamos que fosse um capricho, pensávamos que fosse uma pretensão, pensávamos que fosse pouco amor do Mestre para conosco aquilo de ficar fazendo-nos andar por tão longe, por caminhos longos e difíceis, até correndo o risco de passar por situações perigosas. Mas, ao contrário, era amor, era previsão, era um aplainar de caminho para agora, que não o temos mais e que nos sentimos ainda mais desnorteados. Porque naquele tempo éramos como uns sarmentos, que vão para todas as direções, mas sabem que quem os está alimentando é a videira, e que ali perto está sempre a estaca robusta que a pode amparar, e agora somos sarmentos que devem criar trepadeira por si mesmos, tirando alimento, sim, da cepa da videira, mas sem terem mais a estaca a que se apoiarem.” Isto é o que vós direis e, então Me agradecereis.

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E, além disso!... Não é bonito irmos assim, deixando cair centelhas de luz, notas de música, corolas celestes, perfumes da verdade, a serviço e em louvor de Deus, sobre regiões envoltas nas trevas, em corações mudos, sobre espíritos áridos como desertos, para vencermos os fedores da Mentira, e fazermos isso juntos, assim, Eu e vós, o Mestre e os Apóstolos, todos um só coração, um só desejo, uma só vontade? Que Deus seja conhecido e amado. Que Deus recolha todos os povos debaixo do seu pavilhão. Que onde Ele estiver, todos estejam. Está é a esperança, o desejo, a fome de Deus e esta é a esperança, o desejo, a fome dos espíritos, pois não são eles de raças diversas, mas são de uma única raça: a raça que Deus cria. E que, sendo todos filhos de um único Deus, têm os mesmos desejos, as mesmas esperanças, a mesma fome do Céu, da Verdade, do Amor real...

5 Parece que séculos de erro mudaram o instinto dos espíritos. Mas não é 221.5 assim. O erro envolve as mentes. Porque as mentes estão unidas à carne, e se ressentem do veneno que foi inoculado por Satanás na parte animal do homem. E assim o erro pode envolver o coração, porque também ele está inserido na carne, e se ressente dos tóxicos que estão nela. A tríplice concupiscência morde os sentidos, os sentimentos e o pensamento. Mas o espírito não está inserido na carne. E ficará atordoado pelos socos que Satanás e a concupiscência lhe dão. Ele

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ficará quase cegado pelos baluartes da carne e pelos borrifos de sangue fervente do animal-homem, no qual ele está entranhado. Mas não mudou o seu desejo do Céu, de Deus. Não pode mudar.

Estais vendo a água pura desta torrente? Ela desceu do céu, e ao céu voltará, por meio das evaporações das águas, sob a ação do vento e do sol. Desce e torna a subir. O elemento não se consome, mas volta ás suas origens.

O espírito volta ás origens. Esta água que está aqui entre estas pedras, se soubesse falar, vos diria que deseja voltar ao alto, para ser impelida pelos ventos, através dos belos campos do firmamento, leve, branca ou também cor de rosa, nas auroras, ou cor de cobre pálido, ao pôr do sol, ou arroxeada como uma flor nos crepúsculos, quando as estrelas já estão présentes; e ela vos diria que gostaria de servir de crivo para as estrelas, que ficam olhando através das clareiras dos cirros, a fim de fazer que os homens se lembrem do Céu ou, então, de véu para que a Lua não veja as maldades da noite, em vez de ficar aqui encerrada em diques, ameaçada de ser transformada em lama, constrangida a ficar vendo conúbios de cobras e de rãs, quando ela ama tanto a liberdade solitária, na atmosfera. Também os espíritos, se ousassem falar, diriam todos a mesma coisa: “Dai-nos Deus! Dai-nos a Verdade!” Mas não o dizem porque sabem que o homem não lhes presta atenção, não os compreende, ou zomba da súplica dos “grandes mendicantes”, dos espíritos que procuram a Deus, por causa de sua tremenda fome. A fome da Verdade.

6 Estes idólatras, estes romanos, estes ateus, estes infelizes que, ao andar 221.6 encontramos e que sempre encontrareis, estes desprezados em seus desejos de Deus, ou por política, ou por um egoísmo familiar, ou por uma heresia nascida de um coração podre, e proliferada numa nação, eles tem fome. Eles estão com fome! Eu tenho piedade deles. E, não teria Eu piedade, sendo Este que sou? Se Eu provejo o alimento para o homem e para o pássaro, tendo piedade deles, porque não iria Eu ter piedade dos espíritos, para os quais se colocaram obstáculos para não serem do Verdadeiro Deus, e que estendem os braços de seus espíritos, dizendo: “Estamos com fome!”? Achais que eles são maus? Que sejam uns selvagens? Incapazes de chegarem a amar a Religião de Deus e a Deus? Estais enganados. São espíritos à espera de amor e de luz.

Esta manhá fomos despertados pelos berros ameaçadores do bode, que quería afugentar aquele canzarrão, que veio me farejar. E vós ficastes rindo, olhando como o bode fazia movimentos

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ameaçadores

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com os seus chifres, depois de ter arrebentado a cordinha com que estava amarrado na árvore, debaixo da qual nós dormíamos, vindo colocar-se entre Mim e o cão, com apenas um salto, sem pensar que podia ser atacado e degolado por aquele molosso, numa luta desigual, em defesa de Mim. Igualmente os povos, que a vossos olhos parecem bodes selvagens, saberão lançar-se corajosamente na defesa da fé em Cristo, quando ficarem sabendo que Cristo é Amor, que os convida a acompanhá-lo. Convida-os. Sim. E vós deveis ajudá-los a vir.

7 Ouvi uma parábola. 221.7

Um homem se casou, tendo tido muitos filhos de sua mulher. Mas um deles nasceu defeituoso no corpo e, pelas aparências, era de raça diferente. O homem achou aquilo uma desonra e não teve amor para com ele, ainda que o filho fosse inocente. O menino cresceu sem ser cuidado, entre os mais desclassificados dos servos e por isso até os irmãos o consideravam inferior a eles. A mãe, tendo morrido ao dá-lo à luz, não podia controlar a dureza do pai, nem impedir o desprezo dos irmãos, corrigir as idéias erradas, nascidas do pensamento selvagem do menino. Ele era uma pequena fera, mal suportada naquela casa pelos filhos que eram estimados.

O menino tornou-se homem assim. E, tendo chegado ao uso da razão com algum atraso, foi atingindo finalmente a maturidade e compreendeu que não era ser filho viver daquele modo nos currais, receber um pedaço de pão e uma veste rasgada e nunca um beijo, nunca uma palavra, nunca um convite para entrar na casa paterna. E ele sofria, sofria, gemendo em sua toca: “Pai! Pai!” E mordia o seu pão, mas ficava com uma grande fome em seu coração. Cobria-se com a veste, mas um grande frio lhe ficava no coração. Tinha por amigos os animais e alguns piedosos da região. Mas tinha a solidão em seu coração.

“Pai! Pai!”... Ouviam-no os servos, os irmãos, os concidadãos, gemendo sempre daquele modo, como louco. É “louco”, diziam.

Enfim um servo ousou ir até ele, que se tinha já tornado como uma fera, e lhe disse: “Por que não te vais jogar aos pés do pai?” “Eu o faria, mas não tenho coragem.” “Por que não vais para casa?” “Eu tenho medo.” “Mas, tu gostarias de ir?” “Oh! Sim! Porque é disso que eu tenho fome, e por isso que eu tenho frio e me sinto sozinho como num deserto. Mas eu nem sei como se vive na casa de meu pai.”

Aquele servo bom começou, então, a instruí-lo, a torná-lo melhor de aparência, a tirar-lhe aquele horror ser mal visto pelo pai, dizendo-lhe: “Teu pai te quereria, mas não sabe se gostas dele. Tu o evitas

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sempre... Tira de teu pai o remorso por ter agido de um modo severo demais e o pesar dele por saber que vives fora de casa. Vem. Os irmãos também não querem mais zombar de ti, porque eu narrei-lhes a tua dor.”

E certa tarde o filho foi, guiado por aquele servo bom, à casa do pai, e gritou: “Meu pai, eu te amo! Deixa-me entrar!...”

O pai, que, já velho e triste, estava pensando em seu passado e em seu futuro eterno, soluçou,

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ao ouvir aquela voz, e disse: “A minha dor se atenua, afinal, porque na voz do filho deficiente eu ouvi a minha, e o amor dele é prova de que ele é sangue do meu sangue, e carne da minha carne. Que ele venha, pois, tomar o seu lugar junto aos seus irmãos, e bendito seja o servo bom que fez ficar completa a minha família, pondo o filho rejeitado no meio de todos os filhos do pai.”

8 Esta é a parábola. Mas na aplicação dela vós deveis pensar que o Pai dos 221.8 deficientes espirituais é Deus - porque deficientes espirituais são os cismáticos, os hereges, os separados, - e Deus foi constrangido a usar de rigor pelas deficiências voluntárias, que eles mesmos quiseram. Mas o amor dele nunca falha no que promete. Ele os espera. Levai-os a Ele. É o vosso dever.

Eu já vos ensinei a dizer: “Dai-nos hoje o nosso pão, ó Pai nosso.” Mas, sabeis vós o que quer dizer “nosso”?

Não quer dizer vosso, de vós doze. Não é vosso, como discípulos de Cristo. Mas é vosso como homens. Para os presentes e para os futuros. Para os que conhecem a Deus e para os que não o conhecem. Para os que amam a Deus e ao seu Cristo, e para os que nao o amam ou o amam mal. Eu pus sobre os vossos lábios a oração por todos. Eu vos disse que a minha oração é universal e que durará, enquanto durar a terra. Mas vós deveis rezar universalmente, unindo as vossas vozes e os vosso corações de apóstolos e discípulos da Igreja de Jesus àquelas e àqueles que pertencem a outras Igreja, que serão cristás mas não apostólicas. E deveis insistir, porque sois irmãos, vós na casa do Pai, eles fora da casa do Pai comum, com a sua fome, sua saudade, até que seja dado a eles, como a vós o “pão” verdadeiro, que é o Cristo do Senhor, servido nas mesas apostólicas, e não em outras mesas em que é servido misturado com alimentos impuros. Perseverai, até que o Pai tenha dito a estes irmãos “deficientes”: “A minha dor se atenua em vós, em vossa voz Eu ouvi a voz e as palavras do meu Unigênito e Primogênito. Sejam benditos os servos, que vos trouxeram à Casa do vosso Pai, para que a minha Família fique completa.” Servos de um Deus infinito, deveis pôr a infinidade em todas as vos-

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sas intenções.

Entendestes? 9 Eis Jábnia. Certa vez, daqui foi levada a Arca para Acron, 221.9 que não pôde guardá-la, e a remeteu para Betsames. A Arca torna a ir a Acron. João, vem comigo. Vós permanecerei em Jábnia e saibais refletir e falar. A paz esteja convosco.

E Jesus lá se vai com João e com o bode que, berrando, vai também atrás deles, como um cão.

222. Um segredo do apóstolo João.

18 de julho de 1945.

1 As colinas, depois de Jábnia, em direção de oeste para leste com respeito 222.1 à a Estrela Polar, vão aumentando em suas altitudes e atrás vêem-se surgindo sempre outras mais altas, cada vez mais altas. Lá ao longe, à derradeira luz da tarde, vão perfilando as lombadas verdes e arroxeadas das montanhas da Judéia. O dia já declinou rapidamente, como acontece nos lugares meridionais. Da exibição do vermelho do pôr do sol, passou o dia, em menos de uma hora, ao primeiro cintilar das estrelas, e parece impossível que aquele incêndio do sol se tenha apagado tão depressa, cobrindo a cor de sangue do céu com uma veladura que, a cada momento vai-se tornando

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mais espessa e da cor de uma ametista sangüínea e, pouco depois, da de um malva desbotado, que vai-se tornando transparente, a ponto de fazer que apareça um céu irreal, já não mais azul e sim verde, um verde pálido, que vai-se fazendo fosco, da cor verde-azulada das aveias novas, preludio do anil, que perdurará durante a noite, com seu manto real bordado e recoberto de diamantes.

As primeiras estrelas já estão sorrindo, do lado do oriente, para a foicinha da lua, que está em seu primeiro quarto. A terra fica embelezada, exposta sempre mais à luz dos astros, e no silêncio dos homens. Agora cantam os seres que não pecam: os rouxinóis, as águas harpejantes, as copas que sussurram, os grilos com os seus violinos, os sapos que fazem a marcação com os seus oboés, cantando ao sereno. Talvez estejam cantando também às estrelas, que estão lá em cima... A elas que estão mais perto dos anjos do que nos.

O incêndio do calor se apaga sempre mais no ar da noite, que é úmida de orvalho tão doce às ervas, aos homens e aos animais!

2 Jesus, que ficou esperando ao pé de uma colina pelos apóstolos que 222.2 saiam de Jábnia, para onde João tinha ido chamá-los, está falan-

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do agora bem de frente com Iscariotes, entregando-lhe umas sacolas com moedas e dando-lhe instruções sobre o modo de reparti-las. Atrás dele está João, que segura o bode e fica calado, entre Zelotes e Bartolomeu. Estes estão falando de Jábnia, onde fizeram proezas André e Filipe. Atrás ainda, vão todos os outros, num grupo barulhento, que vai fazendo comentários sobre as aventuras na terra dos filisteus, e mostrando claramente a sua alegria pela volta para a Judéia, para o Pentecostes.

“Mas, será que iremos logo mesmo?”, pergunta Filipe, muito cansado de correr por cima de areias quentes como fogo.

“Assim disse o Mestre. E tu o ouviste”, responde Tiago de Alfeu.

“Meu irmão certamente o sabe. Mas parece estar desvairado. O que terão andado fazendo nestes últimos cinco dias é um mistério”, disse Tiago de Zebedeu.

“É verdade. E eu não suporto mais o desejo de saber. Pelo menos, como por recompensa por aquele... purgante lá em Jábnia. Cinco dias, atentos a cada palavra, a cada olhar ou a cada passo, para não ter que enfrentar adversidades imprevistas”, diz Pedro.

“Mas, afinal, nos saímos bem. Começamos a saber agir”, diz contente Mateus.

“Na verdade... eu tremi duas ou três vezes. Aquele bendito rapaz, que é Judas do Simão!... Será que não aprenderá nunca a controlar-se?”, diz Filipe.

“Só quando ele ficar velho. Contudo, se o quisermos entender, ele faz suas coisas com boa intenção. Tu o ouviste? Até o Mestre já disse isto. Ele o faz por zelo...”, diz, desculpando-o André.

“Vá, que seja! Mas o Mestre falou assim, porque Ele é a Bondade e a Prudência. Mas eu acho que Ele não o aprova”, diz Pedro.

“O Mestre não mente”, rebate Tadeu.

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“Mentir, não. Mas sabe colocar em suas respostas toda a prudência que nós não sabemos colocar nas nossas, e diz a verdade, sem fazer sangrar o coração de ninguém, sem excitar irritações, sem suscitar reprovações. Ah! Ele é Ele!”, suspira Pedro.

3 Faz-se silêncio, enquanto vão caminhando sob a claridade, sempre mais 222.3 notável, da lua. Pedro diz a Tiago de Zebedeu: “Procura chamar João. Não sei porque nos evita.”

“Eu o direi logo: porque ele sabe que nós vamos atormentá-lo, por querermos saber”, responde Tomé.

“Sim! E ele está com os dois mais prudentes e sábios”, confirma Filipe.

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“Pois bem, experimenta assim mesmo, Tiago, tu que és bom”, insiste Pedro.

E Tiago, condescendendo, chama por três vezes João, que não ouve ou faz sinal de que não está ouvindo. Vira-se, ao invés, Bartolomeu, ao qual Tiago diz: “Fala ao meu irmão que venha aqui” e, em seguida, a Pedro: “Mas eu não sei se ficaremos sabendo!” João, obediente, vai logo, e pergunta: “Que quereis?”

“Saber se daqui vamos diretamente para a Judéia”, diz o seu irmão.

“Assim o disse o Mestre. Quase que não queria voltar atrás, a partir de Acron, mas queria que eu vos fosse chamar. Depois, porém, achou melhor ir até às ultimas encostas... Afinal, daqui também se pode ir à Judéia.”

“Por Modin?”

“Por Modin.”

“É uma estrada sem segurança. Lá os malfeitores ficam esperando caravanas e dão golpes de mão”, objeta Tomé.

“Ah! Mas com Ele!... Nada resiste a Ele!... João levanta para o rosto arrebatado em possíveis recordações, e sorri.

“Todos observam isso, e Pedro diz: “Dize-me uma coisa: estarás lendo alguma bonita história no céu estrelado, quando ficas com essa cara?”

“Eu? Não...”

“Vá, que assim seja. Até as pedras estão vendo que ficas fora deste mundo. Dize-me: o que foi que aconteceu contigo em Acron?”

“Ora, nada, Simão. Eu te garanto. Eu não estaria feliz se tivesse acontecido alguma coisa dolorosa.”

“Dolorosa, não. Pelo contrário!... Vamos, fala!”

“Mas eu não sei nada para dizer, além do que o que Ele disse. Foram bons como pessoas assombradas pelos milagres. Aí está tudo, tal como Ele disse”

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4 “Não”, e Pedro sacode a cabeça. “Náó, Tu não sabes mentir. Es límpido 222.4 como a água da fonte. Não. Estás mudando de cor. Eu te conheço desde quando eras menino. Nunca poderás mentir. Seja pela incapacidade do coração, do pensamento, da tua língua e até da pele, que muda de cor. Por isso é que eu te quero muito bem, e sempre te quis. Eia, vem cá, ao teu velho Simão de Jonas, ao teu amigo. Lembras-te de quando eras um rapazinho e eu já era homem? De como eu te acariciava? Querias as histórias e os barquinhos de sobreiro “que nunca vão para o fundo”, como tu dizias, e que te serviam para ires

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longe... Também agora vais longe, e deixas na margem o pobre Simão. E a tua barquinha nunca irá para o fundo. Ela lá se vai, cheia de flores, como aquelas que lançavas ao mar, quando menino, em Betsaida, no rio, para que o rio as levasse para o lago e elas lá se fossem, se fossem... Lembras-te disso? Eu te quero bem, João. Todos te queremos bem. Tu és a nossa vela. Tu és a nossa barca que não vai ao fundo. Tu nos levas no teu rasto. Por que não nos contas o prodígio de Acron?”

Pedro falou, segurando, com seu braço, João apertado pela cintura, mas ele procura evitar a pergunta, dizendo: “E tu, que és o chefe, por que não falas às multidões com esta intensidade persuasiva de que fazes uso ao falares comigo? Elas é que precisam ficar convencidas. Eu, não.”

“Porque contigo eu me sinto à vontade. Eu te amo. A elas eu não conheço”, desculpa-se Pedro.

“E não as amas. Aí está o teu erro. Ama-as, ainda que não as conheças. Dize a ti mesmo: “Elas são do nosso Pai.” Verás que te parecerá conhecê-las e as amarás. Vê nelas outros tantos Joões...”

“É fácil dizér. Como se as cobras e os ouriços pudessem ser trocados por ti, ó eterno menino.”

“Oh! Não! Eu sou como os outros.”

“Não, irmão. Não como os outros. Nós, se tirarmos talvez Bartolomeu, André e Zelotes, já teríamos contado até ás ervas o que nos aconteceu e que nos faz felizes. Tu estás calado. Mas a mim, ao teu irmão mais velho o deves dizer. Eu sou para ti como um pai”, diz Tiago de Zebedeu.

“O Pai é Deus, o Irmão é Jesus, e a Mãe é Maria...”

“De modo que o sangue para ti não vale mais nada?”, grita inquieto Tiago.

“Não te inquietes. Eu bendigo o sangue e o seio que me formaram: o pai e a màe. E bendigo a ti, meu irmão, igual no sangue. Mas, visto que os primeiros me geraram e me educaram para que eu pudesse seguir o Mestre, e a ti, porque o segues. A mãe, desde quando se tornou discípula, eu a amo de dois modos: com a carne e o sangue, como filho; e com o espírito, como condiscípulo dela. Oh! Que alegria por estarmos unidos no amor dele!”

5 Jesus voltou atrás ao ouvir a voz alterada de Tiago, e as últimas palavras 222.5 o esclareceram sobre o assunto “Deixem em paz João. Inutilmente o atormentais. Ele tem muita semelhança com a minha Mãe.

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E não vai falar”.

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“Dize-o Tu, então Mestre”, suplicam-lhe todos.

“Está bem, é isto. Eu trouxe João comigo, porque é o mais apto para tudo o que Eu queria fazer. Por ele Eu tenho sido ajudado, e ele aperfeiçoado. É isto.”

Pedro, Tiago, irmão de João, Tomé e Iscariotes, se olham, torcendo um pouco a boca, desiludidos. E Judas Iscariotes não se limita a ficar desiludido. Ele diz: “Para que aperfeiçoá-lo, se ele já é o melhor?”

Jesus lhe responde: “Tu disseste: “Cada um tem o seu modo e faz uso dele.” Eu tenho o meu. João tem o dele, muito semelhante ao meu. O meu não pode aperfeiçoar-se. Mas o dele, sim. E isto Eu quero que aconteça, pois é bom que assim seja. E por isso Eu o tomei comigo. Porque Eu tinha necessidade de alguém que tivesse aquele modo e aquele espírito. Por isso, não fiqueis de mau humor nem com curiosidade. Vamos a Modin. A noite está serena, fresca e clara. Vamos caminhar, enquanto houver luar, e depois dormiremos até a aurora. E levarei os dois Judas para venerar a tumba dos Macabeus, dos quais eles têm o nome glorioso.”

“Nós sozinhos contigo!”, diz, feliz, Isacriotes.

“Não. Com todos. Pois a visita à tumba dos Macabeus será feita por vós. Para que os saibais imitar sobrenaturalmente, lutando e vencendo em um campo todo espiritual.”

223. Uma caravana nupcial evita o assalto

dos salteadores, depois de um sermão de Jesus.

19 de julho de 1945.

1 “No lugar, ao qual estamos indo, falarei Eu”, diz o Senhor, enquanto a 223.1 comitiva cada vez mais vai penetrando pelos vales, que agridem o monte com os seus caminhos difíceis, pedregosos, estreitos, subindo e descendo, perdendo aqui de vista os horizontes, para torná-los a ver mais adiante, chegando a um vale mais profundo, por uma descida muito íngreme, na qual somente o bode se sente à vontade, como disse Pedro. A comitiva toma um descanso para tomar a sua refeição, perto de uma fonte muito rica de águas.

Outras pessoas estão espalhadas pelos prados e pelos pequenos bosques, tomando também suas refeições, como Jesus e os seus. Deve ser este um lugar preferido para permanências, por estar ele ao abri-

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go dos ventos, com prados macios e águas. São peregrinos, que vão para Jerusalém, viajantes que talvez se dirijam ao Jordão, mercadores de cordeiros destinados ao Templo, pastores com os seus rebanhos. Alguns fazem a viagem em suas cavalgaduras, mas a maior parte a pé.

2 Chega também uma caravana nupcial, toda enfeitada festivamente. Os 223.2 ouros transluzem por debaixo do véu que envolve a noiva, que pouco mais é do que uma menina, e vem acompanhada por duas matronas, que estão cintilantes por seus braceletes e colares, e por um

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homem, talvez o paraninfo, além de dois outros servos. Eles chegaram em jumentos cheios de franjas e de guizos, e se afastam para um canto onde vão comer, como se tivessem medo de que os olhos dos presentes violassem a pequena noiva. O paraninfo, ou parente que seja, monta guarda, ameaçador, enquanto as mulheres comem.

Na verdade, há uma grande curiosidade e, com a desculpa de ir pedir um pouco de sal, ou uma faca, um pouquinho de vinagre, sempre há alguém que vá a este ou àquele para perguntar se a noiva é conhecida, e para onde está indo, e tantas outras coisas bonitas desse género...

E há um que, de fato, sabe de onde ela vem e para onde vai, e se sente muito feliz em contar tudo o que sabe, estimulado por um outro, que lhe refresca sempre a garganta, derramando dentro dela um vinho generoso. Em alguns minutos, chegam a ser contados até os mais secretos particulares das duas famílias, do enxoval, que a noiva traz naqueles caixotes, das riquezas que a esperam na casa do noivo, e assim por diante. Chega-se também a saber que a noiva é filha de um rico mercador de Jope, e que vai ser esposa do filho de um rico mercador de Jerusalém, e que o esposo já foi na frente dela, para ornar a casa das núpcias, na iminência de sua chegada, e que aquele que a acompanha é o amigo do noivo, sendo ele também filho de um mercador, chamado Abraão, que é quem lapida os diamantes e as pedras preciosas, enquanto que o noivo é ourives, o pai da noiva é mercador de lã, telas, tapetes, tendas...

3 E, como o falador está perto do grupo dos apóstolos, Tomé escuta, e 223.3 pergunta: “Será talvez Natanael de Levi o noivo?”

“É ele mesmo. Tu o conheces?”

“Conheço bem o pai assuntos de negócios, Natanael conheço um pouco menos. É um matrimônio rico!”

“Feliz noiva! Está coberta de ouro. Abraão, parente da mãe da noiva e pai do amigo do noivo, foi generoso, assim como o noivo e o

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pai dele. Dizem que naquelas caixas há um valor de muitos talentos de ouro.”

“Saúde!”, exclama Pedro, e dá um curto assobio. Depois, acrescenta: “Vou ver de perto se a mercadoria principal corresponde ao resto”, e se levanta, junto com Tomé, e vão dar uma volta ao redor do grupo nupcial, olhando bem para as três mulheres, um montão de tecidos e de véus, do meio dos quais emergem as mãos e os pulsos cheio de jóias e escapam umas cintilações das orelhas e dos pescoços, olham para o fanfarrão do paraninfo, que parece querer repelir algum assalto de corsários contra a virgenzinha, de tanto que ele está bancando o valentão. Ele olha com maus olhos até para os dois apóstolos. Mas Tomé lhe pede que saúde, em nome de Tomé, chamado Dídimo, a Natanael de Levi. E assim se fez a paz, e tanto se fez, que, enquanto ele está falando, a noivinha encontra um modo de fazer-se admirar, levantando-se para que o seu manto e o seu véu caiam, e ela possa aparecer em toda a sua beleza de corpo e de vestes, e na sua riqueza de ídolo. Terá ela uns quinze anos, quando muito, e um par de olhos muito sabidos.

Ela se move, muito afetada, apesar da recomendação das matronas, corta as pontas das tranças, e as arruma de novo, com a ajuda de grampos de alto preço, aperta a cintura embelezada com pedras preciosas, se desata, se desfia, desata e coloca de novo as sandálias cuja forma é de sapatinhos, bem fechados no peito do pé com fivelas de ouro e, nesse ínterim, procura mostrar sua magnífica cabeleira cor de amora, suas belas mãos e delicados braços, a cintura gentil, o peito e os

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quadris bem feitos, o pezinho sem defeitos, e todas as jóias, que tilintam, e mostram suas facetas às ultimas horas do dia e às chamas das primeiras fogueiras.

4 Pedro e Tomé voltam para trás. E Tomé diz: “É uma bela moça.” 223.4

“É uma perfeita namoradeira. Será... mas o teu amigo Natanael logo ficará sabendo que há alguém esquentando-lhe acama, enquanto ele esquenta o ouro para trabalhá-lo. E o amigo dele é um grande bobo. E ele lhe confiou bem a sua noivinha!”, termina Pedro, indo sentar-se entre os companheiros.

“A mim não me agradou aquele homem, que fazia falar àquele outro bobo. Quando ele chegou a saber tudo o que queria saber, foi-se embora pelo morro acima... Estes lugares são maus. E este é o tempo bom para os golpes dos malandros. As noites agora são de luar. O calor cansa. As árvores estão copadas. Hum! Este lugar não me agrada”, resmunga Bartolomeu. “Seria melhor prosseguir.”

“E aquele imbecil que falou de tantas riquezas! E aquele outro

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que se faz de herói, é o guardião das sombras, e não vê os verdadeiros corpos!... Pois bem, eu vou cuidar da fogueira. Quem vem comigo?”, diz Pedro.

“Eu, Simão”, responde Zelotes. “Eu resisto bem ao sono.”

Muitos do campo, especialmente os viajantes que andam sozinhos, já se levantaram e foram-se indo embora, pouco a pouco. Ficaram os pastores de rebanhos, a comitiva dos noivos, o grupo dos apóstolos e três mercadores de cordeiros, que já estão dormindo. Também a noivinha está dormindo, com as matronas, debaixo de uma tenda que os servos montaram. Os apóstolos estão procurando um lugar, Jesus fica sozinho em oração, os pastores fazem um grande fogo no centro do descampado onde estão. Pedro e Simão fazem um outro perto do caminho que vai para um despenhadeiro, onde foi-se encafuar aquele homem que fez Bartolomeu suspeitar.

5 Passam as horas e, quem não está roncando, está cabeceando. Jesus está 223.5 reza. O silêncio é total. Parece que está calada até a fonte, que brilha ao luar, estando a Lua já alta no céu e iluminando muito bem o descampado, enquanto os declives ficam na sombra da ramagem espessa.

Um cão dos pastores começa a rosnar. Um dos guardas do rebanho levanta a cabeça. O cão se põe de pé e levanta o pelo sobre o dorso, colocando-se em posição de defesa e de escuta. Ele está até tremendo, enquanto seu rosnar surdo, que está fervendo dentro dele, vai-se tornando sempre mais forte. Simão também levanta a cabeça e sacode Pedro, que está cochilando. Um sussurro cauteloso vem vindo do lado do bosque.

“Vamos ao Mestre. Vamos trazê-lo para a nossa companhia”, dizem os dois.

Nesse ínterim, o guarda desperta os companheiros. Todos estão à escuta, e sem fazer barulho. Jesus também se levantou, antes mesmo de ser chamado, e vai de encontro aos dois apóstolos. Reúnem-se eles com os companheiros e, por isto, perto dos pastores, cujo cão dá sinais cada vez mais claros de agitação.

“Chamai os que estão dormindo. Todos. Dizei-lhes que venham, sem fazerem barulho, e especialmente as mulheres e os servos com os cofres. Dizei-lhes que talvez sejam os malandros. Mas, não o digais ás mulheres. Dizei-o a todos os homens.”

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Os apóstolos se espalham, obedecendo ao Mestre, que diz aos pastores: “Alimentai o fogo, que ele fique bem forte e faça uma chama bem viva.”

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Os pastores obedecem e, como parecem estar agitados, Jesus lhes diz: “Não temais. Não vos será tirado nem um floco de lã.”

Sobrevêm os mercadores, e sussurram: “Lá se foram os nossos ganhos!”, e acrescentam um rol de impropérios contra os governadores romanos e judeus que não limpam o mundo dos ladrões.

“Não temais. Não perdereis nem um centavo”, conforta-os Jesus.

Chegam as mulheres chorando, espavoridas, porque o corajoso paraninfo, por entre os tremores de um medo fenomenal, as aterroriza, dizendo: “É a morte. A morte pela mão dos salteadores!”

“Não temais. Não sereis atingidas nem mesmo com um olhar”, encoraja-as Jesus, levando as mulheres para o centro do pequeno conjunto de homens e animais espantados.

Os asnos zurram, o cão uiva, as ovelhas balem, as mulheres soluçam, os homens dizem imprecações ou desmaiam pior do que as mulheres, em uma cacofonia causada pelo espanto. Jesus está calmo, como se nada houvesse acontecido. O sussurro no bosque nem se pode mais ouvir, no meio desta vozeria. Mas, que no bosque estão os malfeitores, que vêm se aproximando, é o que estão denunciando os galhos, que vão sendo quebrados e as pedras que descem rolando.

“Silêncio!”, manda Jesus. E o manda de um modo tal, que logo se faz silêncio,

6 Jesus deixa o seu lugar, e vai na direção do bosque, no fim do descampado. 223.7 Depois Ele se vira para o bosque, e começa a falar.

“A malvada fome do ouro arrasta os homens a sentimentos muito baixos. Por causa do ouro, o homem se desvela mais do que por outras coisas. Vede quanto mal semeia, com o seu fascinante e inútil resplendor, este metal. Eu creio que da cor dele seja o ar do Inferno, pois ele é de natureza infernal, desde quando o homem se tornou pecador.

O Criador o tinha deixado nas vísceras deste enorme lápis-lazuli que é a terra, criada por sua vontade, a fim de que fosse útil ao homem com os seus sais, e servisse para embelezar os seus templos. Mas Satanás, tendo beijado os olhos de Eva e mordendo o eu do homem, pôs um sabor de malefício no metal inocente. E desde então pelo ouro se mata e se peca. Por ele a mulher se torna namoradeira e facilmente cai no pecado carnal. Por ele o homem se torna ladrão, usurpador, homicida, duro para com o próximo e para com sua alma, que ele despoja de sua verdadeira herança, para dar a si mesmo uma coisa efêmera, a alma por ele depredada em seu tesouro eterno, para dar a si mesmo umas poucas escamas brilhantes que, quando chegar a

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morte, vão ser abandonadas.

7 Ó vós, que por causa do ouro pecais mais ou menos levemente, mais ou 223.7 menos gravemente, e tanto mais pecais e tanto mais vos rides de tudo o que vos foi ensinado por vossa mãe

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e por vossos mestres, isto é, que existe um prêmio e um castigo para as obras praticadas durante esta vida, e assim não refletis que por este pecado perdereis a proteção de Deus, a vida eterna, a alegria, e tereis remorso, maldição no coração, o medo por companheiro, o medo das punições humanas, que são sempre um nada, em comparação com o medo que deveríeis ter, e não tendes, o santo medo dos castigos de Deu? Não refletis que poderíeis ter um fim terrível para os vossos crimes, se eles chegarem ao delito; e um fim ainda pior, porque eterno, se os vossos crimes por amor do ouro, não chegaram ao derramamento do sangue, mas desprezaram a lei do amor e do respeito ao próximo, negando, por avareza, o socorro a quem tem fome, roubando postos, ou pesos, ou dinheiro, por cobiça? Não. Não pensais nisso. Dizeis “Tudo é loucura! Eu esmaguei estas loucuras sob o peso do meu ouro. E elas não vivem mais.” Não são loucuras. São verdades.

Não digais: “Pois bem, uma vez que eu morra, tudo se acabou.” Não. Aí é que tudo começa. A outra vida não vai ser um abismo sem pensamento e sem recordação do passado vivido e sem aspirações a Deus, que vós credes: será uma pausa para esperar a libertação pelo Redentor. A outra vida é uma espera feliz para os justos, espera paciente para os que estão sofrendo e espera horrível para os condenados. Para os primeiros, no Limbo; para os segundos, no Purgatório e para os últimos, no Inferno. E, enquanto para os primeiros a espera cessará com a entrada nos Céus atrás do Redentor, para os segundos, depois daquela hora, se tornará uma espera confortada pela esperança, enquanto que para os terceiros o que os entristecerá será a terrível certeza de uma condenação eterna. Pensai nisso, vós que pecais. Nunca é tarde para arrepender-vos. Mudai o veredicto, que está sendo escrito no Céu, com um verdadeiro arrependimento. A região dos mortos seja para vos não um inferno, mas uma penitente espera, pelo menos esta, seja por vós desejada. Não escuridão, mas crepúsculo de luz. Não tortura, mas saudade. Não um desespero, mas esperança.

8 Ide. Não procureis lutar contra Deus. Ele é o Forte e o Bom. Não 223.8 desonreis o nome dos vossos pais. Ouvi como aquela fonte gemeu, um gemido parecido com aquele que despedaça o coração de vossa mãe, quando ela fica sabendo que sois assassinos. Ouvi como o vento está

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uivando no desfiladeiro. Parece vos estar ameaçando e amaldiçoando. É assim que vos amaldiçoa o vosso pai pela vida que levais. Ouvi como o remorso uiva em vossos corações. Por que quereis sofrer, se poderíeis ser serenamente pagos com um pouco sobre a terra, e com tudo no Céu? Dai paz aos vossos espíritos. Dai paz aos homens que temem, que devem ter medo de vós, como de feras! Dai a paz a vos mesmos, ó verdadeiros infelizes! Levantai vossos olhares para o Céu, afastai de vossa boca o alimento venenoso, purificai vossas mãos, que estão deixando pingar o sangue de irmãos, purificai os vossos corações.

Eu tenho fé em vós. Por isso é que vos falo. Porque, se todo o mundo vos odeia e vos teme, Eu não vos odeio, nem vos temo. Eu somente vos estendo a mão, para dizer-vos: “Levantai-vos. Vinde. Voltai cheios de mansidão para o meio dos homens, homens entre homens. Tão pouco Eu vos temo, que agora vou dizer também a todos estes: “Voltai para o vosso descanso. Sem rancor para com os pobres irmãos. Rezai por eles. Eu fico aqui a fim de olhar por eles com olhos de amor, e vos juro que nada mais acontecerá. Porque o amor desarma os violentos, e sacia os ávidos. Seja bendito o Amor, a força verdadeira do mundo. Força desconhecida e poderosa. Força que é Deus.”

E, dirigindo-se a todos: “Ide, ide. Não temais. Lá não há mais malfeitores, mas homens assustados e homens que choram. Quem chora não faz mal. Provera a Deus que, como estão agora, eles permanecessem. Seria a redenção deles.”

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224. No apóstolo João atua o amor.

Chegada a Beter.

20 de julho de 1945.

1 A comitiva apostólica passou por uma mudança em seu acompanhamento 224.1 animal. Aqui não está mais o bode e , em lugar dele, estão uma ovelha e dois cordeirinhos. A ovelha, gorda e com os úberes cheios, e com dois cordeirinhos alegres como dois meninos. É um pequenino rebanho que, por ter um aspecto menos cabalístico do que o do bode, que era muito preto, agrada mais a todos.

“Eu vos havia dito que viria uma cabra, para fazer de Margziam um pequeno pastor feliz. Mas, em vez da cabra, já que de cabras não quereis saber, eis que vieram as ovelhas. E são brancas. Justamente como Pedro sonhava.”

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“Mas é certo! Parecia-me estar trazendo comigo Belzebu”, diz Pedro.

“De fato, desde quando ele esteve conosco, sucederam-nos coisas bem desagradáveis. Era o feitiço que nos acompanhava”, confirma irritado Iscariotes.

“Era, então, um bom feitiço, porque, o que foi que aconteceu mesmo de mal?”, diz calmamente João.

Todos se dirigem a ele, como para censurá-lo por sua cegueira. “Mas não viste em Modin como fomos escarnecidos?” “E a ti parece nada aquela queda que o meu irmão levou? Podia ele ter ficado arruinado: Como poderíamos fazer para levá-lo para fora de lá, se ele tivesse quebrado as pernas ou a espinha?” “E ontem de noite, achaste bonito aquele interlúdio?”

“Eu vi tudo, considerei tudo, e bendisse ao Senhor, porque não nos aconteceu nada de mal. O mal veio em direção a nós, mas depois fugiu, como sempre, e certamente aquele encontro serviu para deixar sementes de bem, tanto em Modin, como perto dos vinhateiros, que acorreram com a certeza de encontrar pelo menos um ferido, e com o pesar de terem sido sem caridade, tanto assim, que quiseram fazer uma reparação. O mesmo se diga perto dos ladrões de ontem à noite. Eles não fizeram nada de mal, e nós, isto é, Pedro, ganhou as ovelhas em troca do bode e, como presente por terem todos sido salvos, os pobres têm agora muito dinheiro pelas bolsas a nós dadas pelos mercadores e pelas ofertas das mulheres. E todos, e isto é o que vale mais, todos receberam bem as palavras de Jesus.”

“João está com a razão”, dizem Zelotes e Judas Tadeu. E este último assim termina: “Parece mesmo que cada coisa aconteça por uma claro conhecimento do que está para acontecer. Encontrarmo-nos justamente lá, e com atraso por causa da minha queda, junto com aquelas mulheres cheias de jóias, junto com aqueles pastores com um rebanho gordo, junto àqueles mercadores carregados de dinheiro, magníficas presas para os ladrões! 2 Meu irmão, dize-me a verdade: Sabias que 224.2 tudo isso iria acontecer?”, pergunta Tadeu a Jesus.

“Eu já vos disse muitas vezes que Eu leio nos corações e que, quando o Pai não dispõe de modo diferente, Eu não deixo de saber o que deve acontecer.”

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“Mas, ás vezes, por que fazes erros, como aquele de ir ao encontro dos fariseus hostis, ou a cidades completamente hostis?”, pergunta Judas Iscariotes.

Jesus olha para ele com fixamente, e depois lhe diz calmamente e

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devagar: Não são erros, são necessidades de minha missão. Do médico precisam os doentes, e do Mestre os ignorantes. Tanto estes, como aqueles, ás vezes repelem o médico e o mestre. Mas estes, se forem um bom médico e um bom mestre, continuam a ir a quem os repele, porque o dever deles é ir. E Eu vou. Quereríeis vós que onde Eu me apresento caíssem todas as resistências. Eu o poderia fazer. Mas Eu não violento ninguém. Eu persuado. A coerção só é usada em casos muito excepcionais, e só quando os espíritos, iluminados por Deus, chegam a compreender que ela pode servir para persuadir de que Deus existe e que Ele é mais forte, ou então em caso de uma salvação coletiva.”

“Será como o caso de ontem à noite?”, pergunta Pedro.

“Ontem à noite, aqueles ladrões ficaram com medo, vendo que estávamos bem acordados para recebê-los”, diz, com evidente desprezo, Isacriotes.

“Não. Eles ficaram persuadidos pelas palavras”, diz Tomé.

“Sim! Assim te parece! São, na verdade, as almas ternas que se persuadem com duas palavras, ainda que sejam de Jesus. Eu sei daquela vez que fomos assaltados, eu com toda a família e muitos de Betsaida, no desfiladeiro de Adonim!“, responde Filipe.

“Mestre, dize-me uma coisa. Desde ontem estou querendo te perguntar. Mas, afinal, foram as tuas palavras, ou a tua vontade que não deixaram acontecer nada?”, pergunta Tiago de Zebedeu.

Jesus sorri e se cala.

Responde Mateus: “Eu creio que tenha sido a sua vontade, que superou a dureza daqueles corações, e chegou a paralisá-la, a fim de poder falar e salvar.”

“Eu também acho que é assim. É por isso que Ele quis ficar lá sozinho, olhando para o bosque. Ele os tinha subjugados pelo seu olhar, com sua confiança neles, e com sua calma, estando desarmado. Ele não tinha nem um pau!...”, diz André.

“Está bem. Tudo isso somos nós que dizemos. São idéias nossas. Eu quero saber o que o Mestre diz”, diz Pedro.

Começa, então, entre eles uma discussão calorosa, que Jesus os deixa entabular, entre os que dizem que, tendo Jesus declarado que não força a ninguém, logo ele não terá usado de violência, nem mesmo com aqueles ladrões. E quem diz isso é Bartolomeu, enquanto Iscariotes, apoiado, ainda que levemente por Tomé, diz que ele não pode crer que o olhar de um homem possa fazer tudo aquilo. Mateus o rebate, dizendo: “Pode tudo aquilo, e mais ainda. Eu fui convertido pelo seu olhar, antes mesmo do que por suas palavras.” Os sim e os não entram em

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contraste, com violência, ficando cada qual obstinado em sua tese. João se cala, como Jesus, e

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fica sorrindo, com a cabeça inclinada, para esconder o seu sorriso. Pedro volta ao assalto, porque nenhuma das razões dos companheiros o persuade. Ele pensa e diz que o olhar de Jesus é diferente do de qualquer outro homem, e quer saber se é porque Jesus é o Messias, ou se é porque Ele é sempre Deus.

3 Jesus, então, fala: “Em verdade, Eu vos digo que não somente Eu, mas 224.3 quem quer que seja que esteja un ido a Deus com uma santidade, uma pureza, uma fé sem rachaduras, poderá fazer o que Eu fiz e mais ainda. O olhar de um menino, se o seu espírito estiver unido ao de Deus, pode fazer desabar os templos vãos, sem fazer uso da sacudida de Sansão, pode instilar a mansidão às feras e aos homens-feras, pode repelir a morte, vencer as doenças do espírito, como a palavra de um menino unido ao Senhor, e feito instrumento do Senhor, pode também curar as doenças, tirar o veneno das serpentes e operar qualquer milagre. Porque Deus opera nele.”

“Ah! Agora entendi”, diz Pedro. E olha, olha, olha para João. E depois ele termina todo um raciocínio que tinha consigo, dizendo em alta voz: “Eis! Tu, Mestre, pudeste, porque és Deus, e porque és Homem unido a Deus. E assim sucede com quem sabe chegar, ou já conseguiu chegar a estar unido a Deus. Eu compreendi.

“Mas, não perguntas a ti mesmo qual a chave desta união, qual o segredo deste poder. Nera todos dentre os homens chegam a isso, e, no entanto, todos eles tem os mesmos requisitos para o conseguirem.”

“É isto! Mas onde está a chave dessa força para unir-se a Deus e para dominar as coisas? Uma oração, ou palavras secretas...”

“Há pouco, Judas de Simão acusava o bode de ser o culpado de todas as coisas más que nos aconteceram. Não há feitiços que dependam dos animais. Acabai com as superstições, que ainda são idolatrias, e que podem causar desventuras. E, visto que não há fórmulas para fazer feitiços, não há também palavras cabalísticas para operar milagres. O que existe é só o amor. Como Eu disse ontem de tarde, o amor acalma os violentos e sacia os ávidos. O Amor é Deus. Com Deus em vós, plenamente possuído, pelo merecimento de um amor perfeito, o olho se transforma em fogo que queima todos os ídolos, e derruba os simulacros, a palavra se torna Poder. E ainda: o olho torna-se arma que desarma. Não se resiste a Deus, ao Amor. Somente o demônio resiste, porque é ódio perfeito, e com ele resistem também os seus filhos. Os outros, os débeis possuídos por alguma paixão, mas que não se venderam voluntariamente ao demônio, não resistem a

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ele. Seja qual for a religião deles, o absenteísmo deles quanto a qualquer fé, seja qual for o seu nível de baixeza espiritual, são golpeados pelo Amor, que é o grande Vitorioso. Procura chegar a isto logo, e farás, então, o que fazem os filhos de Deus, os portadores de Deus.”

4 Pedro não tira os olhos de João: Tomé, Zelotes, os filhos de Alfeu, Tiago 224.4 e André, estão com a inteligência desperta e indagadora.

“Mas, então, Senhor”, diz Tiago de Zebedeu, “que aconteceu com o meu irmão? Tu falas dele. É ele o menino que faz milagres? É isto? É assim?”

“Que ele fez? Ele virou uma página do livro da vida, leu e conheceu novos mistérios. Nada mais. Ele foi vos precedeu, porque ele não fica parado, a pensar em todos os obstáculos, a medir todas as dificuldades, a calcular todas as vantagens. Mas não vê mais a terra. Vê a Luz e se dirige para ela. Sem fazer paradas. Mas, deixai-o como está. As almas, que consomem mais chamas, não

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se perturbam em seu ardor, que alegra e consome. Precisa deixá-las arder. É suma alegria e sumo cansaço. Deus lhes concede instantes de noite, porque sabe que o ardor mata as almas-flores, como o faz com as flores dos campos. Deixai sossegado o atleta do amor, quando Deus assim o deixa.

Imitai os mestres de educação física, que concedem aos seus alunos os necessários descansos... Quando tiverdes chegado, vós também, ao ponto a que ele já chegou, e até além, porque além ireis tanto vós como ele, então compreendereis a necessidade do respeito, do silêncio, da penumbra, que experimentam aquelas almas de que o Amor fez suas presas e seus instrumentos. Não fiqueis agora pensando: “Então, eu terei prazer em ser assim conhecido, e João é um tolo, pois as almas do próximo, como as dos meninos, querem deixar-se seduzir pelo maravilhoso.” Não. Quando tiverdes chegado a esse ponto, tereis o mesmo desejo de silêncio e de penumbra que João tem agora. E, quando Eu não estiver mais no meio de vós, lembrai-vos de que, quando precisardes julgar a respeito de uma conversão ou de uma atitude de santidade, devereis sempre usar como medida a humildade. Se em alguém continua a haver orgulho, não vos enganeis, pensando que ele esteja convertido. E, se em alguém, ainda que seja chamado de “santo”, reinar a soberba, ficai certos de que santo ele não é. Poderá ele, como um charlatão e um hipócrita, viver bancando o santo, e até simular milagres. Mas ele não é. A aparência é hipocrisia, e os prodígios dele são satanismo. Compreendéstes?”

“Sim, Mestre.”... Todos se calam, muito pensativos. Mas, se as bocas estão fechadas, podem adivinhar-se os pensamentos claros, pelos

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seus olhares e por suas expressôes. Uma grande vontade de saber tremula, como uma aragem, ao redor deles...

5 Zelotes se esforça para entreter os companheiros, a fim de ter tempo para 224.5 falar-lhes em particular, e certamente para aconselhá-los a se calarem. Eu tenho a impressão de que Zelotes exerce muito este ministério no grupo dos apóstolos. Ele é o moderador, o conciliador, o conselheiro dos companheiros, além de ser o que compreende muito bem o Mestre. Agora, ele diz: “Estamos já nas terras de Joana. Aquele lugar em forma de berço é Beter. Aquele palácio sobre aquele cume é o seu castelo natal. Estais sentindo no ar este perfume? São os roseirais que, com o sol da manhã, começam a exalar seu perfume. A tarde, então, é que se espalha fortemente a fragrância. Mas agora é tão belo vê-los, nesta frescura da manhã, ainda recobertos pelo orvalho, como de milhões de diamantes, jogados sobre milhões de botões, que se abrem. Quando o sol está para se pôr, colhem-se todas ás flores chegadas a um completo desabrochar. Vinde. Quero mostrar-vos, de uma pequena elevação, a vista dos roseirais que transbordam do cume, como de uma cascata para baixo, pelos barrancos da outra vertente. É uma cascata de flores que depois, torna a subir, como uma onda, por sobre duas outras colinas. É um anfiteatro, um lago de flores. É esplêndido. O caminho é mais íngreme. Mas vale a pena ir por ele, porque daquela beira se domina todo este paraíso. E chegaremos logo também ao castelo. Lá Joana vive livre, no meio dos seus camponeses, a única guarda para tanta riqueza. Mas eles amam tanto à sua patroa que faz destes vales um éden de beleza e de paz, que eles valem muito mais do que os guardas de Herodes. Eis, olha, Mestre. Olhai amigos.” e, com um gesto, mostra um semicírculo de colinas invadidas pelos roseirais.

De todos os lados, por onde os olhares pararem verão roseiras e mais roseiras debaixo das árvores plantadas para formarem um abrigo contra o vento, contra os raios muito ardentes do sol e as chuvas de pedra. O sol bate e o ar passa de um lado para outro, até por debaixo desta coberta ligeira que mais parece um véu, mas que não abafa, conservando-se dentro das regras seguidas pelos jardineiros, e por baixo vivem felizes os mais belos roseirais do mundo. São milhares e milhares de plantas de todas as espécies de rosas. Roseiras anãs, roseiras baixas, altas, altíssimas.

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Colocadas em tufos, como almofadas bordadas com flores aos pés das árvores, sobre prados de ervas muito verdes, ou em sebes, ao longo dos caminhos, ao lado dos rios, em círculos, ao redor dos tanques de irrigação, espalhadas por este parque em parte formado por colinas, ou, então, enroladas aos fustes

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das árvores, com suas cabeleiras floridas, que se lançam de um tronco a outro, formando festões e grinaldas. Uma coisa verdadeiramente de sonho. Todos os tamanhos, bem como as matizes, aí estão presentes, e se trançam, pondo as cores do marfim perto do ardor cor de sangue de outras corolas, e reinando soberanas pelo número, as verdadeiras rosas da cor das maçãs do rosto das crianças, que se esfumam nos contornos, passando para o branco matizado de rosa.

Todos ficam impressionados com tão grande beleza.

“Mas, que se faz com tudo isso?” , pergunta Filipe.

“Goza-se disso”, responde Tomé.

“Não. Daí também se tirara essências, dando trabalho a centenas de servos, jardineiros e de empregados nas prensas das essências... Os romanos as procuram com avidez.”

Jônatas já me dizia isso, quando me mostrou as contas da última colheita. 4 Mas lá vem Maria de Alfeu com o menino. Eles nos viram e estão chamando as outras...”

De fato, eis que Joana e as duas Marias vêm vindo, precedidas por Margziam, que desce correndo, com os braços já em posição de abraço, em direção de Jesus e de Pedro. As mulheres, ligeiras, se prostram diante de Jesus.

“A paz esteja com todas vós. E minha Mãe, onde está?”

“Entre os roseirais, Mestre. Com Elisa. Oh! Elisa está bem curada! Ela já pode enfrentar o mundo e seguir-te. Obrigada por me teres usado para isso.”

“Obrigado Eu a ti, Joana. Estás vendo como era útil vir para a Judéia? Margziam, eis dois presentes para ti. Este belo boneco e estas belas ovelhinhas. Eles te agradam?”

O menino perdeu até o fôlego de alegria. Ele se inclina para Jesus, que se inclinou para dar-lhe o boneco, e ficou assim curvado para poder olhá-lo no rosto e o aperta ao pescoço, beijándo-o com toda a veemência possível.

“Assim te faças humilde como as ovelhinhas e te tornes depois um bom pastor para os que crerem em Jesus. Não é verdade?”

Margziam diz sim, sim, sim, com o fôlego entrecortado e com os olhos lúcidos de júbilo.

“Agora, vai a Pedro, que Eu vou para minha Mãe. Eu estou vendo lá longe orla do véu dela, que lá vai correndo ao longo de uma sebe de roseiras.”

E corre para ir a Maria, recebendo-a sobre o coração, numa das curvas do caminho. Depois do primeiro beijo, Maria explica, ainda

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ansiosa: “Aí atrás vem Elisa... Eu corri para te beijar, porque deixar de abraçar-te, meu Filho, eu não podia... e beijar-te diante dela eu não queria... Ela está muito mudada. Mas o coração sempre dói, diante das alegrias dos outros, que para sempre a ela são negadas. Ei-la chegando aí.”

Elisa dá rapidamente os últimos passos, e se ajoelha para beijar a veste de Jesus. Não é mais aquela triste mulher de Betsur. Mas uma velha austera, marcada pela dor e, contudo, imponente pelos sinais que a dor lhe deixou no rosto e no olhar.

“Que sejas Tu bendito, meu Mestre, agora e sempre, por me teres devolvido aquilo que tinha perdido.”

“Sempre mais paz a ti, Elisa. Estou contente por encontrar-te aqui. Levanta-te.”

“Eu também estou contente. Tenho muitas coisas para te dizer, para te pedir, Senhor.”

“Para isso teremos o tempo todo, porque Eu permanecerei aqui alguns dias. Vem, que Eu te vou fazer conhecer os condiscípulos.”

“Oh! Então, já compreendeste o que eu queria dizer? Isto é, que eu quero renascer para uma vida nova: a tua. Quero refazer minha família: a tua. Quero ter filhos: os teus. Como Tu disseste, quando falavas em Noemi, lá em minha casa, em Betsur. Uma nova Noemi sou eu, em tua graça, meu Senhor. Que Tu sejas bendito por isso. Não estou mais na amargura, nem infecunda. Ainda vou ser mãe. E, se Maria o permitir, um pouco tua mãe também, além de o ser dos filhos de tua doutrina.”

“Sim. Tu o serás. Maria não ficará ciumenta por isso e Eu te amarei, de tal modo que não fiques chorando por teres vindo. Vamos agora àqueles que querem dizer-te que te amam como irmãos.” E Jesus a toma pela mão, levando-a para perto de sua nova família.

A viagem para a espera do Pentecostes chegou ao fim.

225. O paralítico da piscina de Betsaida

e a discussão sobre as obras do Filho de Deus.

21 de julho de 1945.

1 Jesus está em Jerusalém, e se encontra precisamente nas adjacências da 225.1 fortaleza Antônia. Com Ele estão todos os apóstolos, menos Iscariotes. Uma grande multidão se dirige, apressada, para o Templo. Todos estão com vestes de festa, tanto os apóstolos, como os outros

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peregrinos, e, por isso, eu acho que eram os dias do Pentecostes. Muitos pedintes de esmola se misturam ao povo, queixando-se de suas misérias, com cantos tristes e monótonos que comovem os corações, e procuram os melhores pontos, aos lados das portas do Templo, ou nas encruzilhadas, das quais o povo se dirige para ele. Jesus passa, fazendo o bem a estes miseráveis, que só pensam em fazer uma exposição completa de suas misérias, além da narração de cada uma delas.

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Tenho a impressão de que Jesus já tinha estado no Templo, porque ouço que os apóstolos estão falando de Gamaliel, que teria feito como se não os visse, ainda que Estêvão, um dos seus ouvintes, lhe tivesse dado notícia da passagem de Jesus por ali.

Estou ouvindo Bartolomeu, que pergunta aos seus companheiros: “Que terá querido dizer aquele escriba com aquelas palavras: “Um grupo de carneiros não bons nem para o corte”?

“Deverá ter falado de qualquer negócio dele”, responde Tomé.

“Não. Ele se referia a nós. Eu vi logo. E, além disso, a segunda frase dele vinha confirmar a primeira. Ele disse com sarcasmo: “Daqui a pouco, o Cordeiro vai ser Ele, primeiro tosado, e depois morto.”

“Sim, eu também ouvi isto”, confirma André.

“É verdade. E eu me estou queimando de vontade de voltar lá atrás e perguntar ao companheiro do escriba que ele sabe de Judas de Simão”, diz Pedro.

“Ora, ele não sabe nada! Desta vez Judas não está áqui porque está realmente doente. Nós sabemos disso. Talvez ele tenha até sofrido muito com a viagem que fez. Nós somos mais fortes do que ele. Aqui foi que ele viveu comodamente. Ele facilmente se cansa”, responde Tiago de Alfeu.

“Sim, nós sabemos disso. Mas aquele escriba disse: “Está faltando o camaleão do grupo.” O camaleão não é aquele que muda de cor todas as vezes que quer?”, pergunta Pedro.

“Sim, Simão. Mas certamente quiseram assim falar por causa das roupas dele, sempre novas. Pensa nisto. Ele é jovem. Tenhamos pena dele”, diz, conciliador, Zelotes.

“Isso também é verdade. Mas!... que frases curiosas essas”, conclui Pedro.

“Sempre fica parecendo que nos estão ameaçando”, diz Tiago de Zebedeu.

“É que nós sabemos que nos estamos ameaçados, e passamos a ver ameaças até onde não há...”, observa Judas Tadeu.

“E vemos culpas ate onde elas não existem”, termina Tomé.

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“É certo. A suspeita é feia... Quem sabe como estará hoje Judas. Neste meio tempo ele estará se aproveitando daquele paraíso, com aqueles anjos... Também eu continuaría aquí, até ficar doente, para depois ter todas aquelas delícias!”, diz Pedro, e Bartolomeu lhe responde: “Nós esperamos que ele fique bom logo. Precisamos terminar a viagem, porque o calor nos persegue.”

“Oh! Cuidados não lhe faltam, e, além disso... o Mestre providencia”, garante André.

“Ele estava com muita febre, quando o deixamos. Não sei como é que ela veio assim...”, diz Tiago de Zebedeu, e Mateus lhe responde: “Como é que veio a febre! Porque ela tem que vir. Mas, não há de ser nada. O Mestre não está preocupado. Se tivesse visto alguma coisa grave, não teria deixado o castelo da Joana.”

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2 De fato, não está preocupado. Ele conversa com Margziam e João, 225.2 enquanto vai à frente distribuindo esmolas. Com certeza vai explicando ao menino muitas coisas, pois eu estou vendo que Ele lhe mostra uma ou outra coisa. Ele se dirigiu para o fim dos muros do Templo, no canto noroeste. Lá está uma grande multidão, que vai indo para um lugar cheio de pórticos, situado à frente de uma porta, que eu ouço ser chamada “Porta do Rebanho”.

“Esta aquí é a Probática, a piscina de Betsaida. Agora, olha bem a água. Estás vendo como está parada? Daqui a pouco, verás como ela se põe em movimento e sobe, chegando ate àquela marca úmida. Tu a estás vendo? Aí, então, desce o Anjo do Senhor, e a água o percebe e o venera como pode. Ele dá uma ordem à água, para que ela cure o homem que estiver pronto para mergúlhar nela. Estás vendo quantas pessoas? Mas são muitos os que ficam distraídos, e não notam o primeiro movimento da água. Ou, então são os mais fortes que, sem caridade, afastam os mais fracos. Não se deve nunca estar distraído diante dos sinais de Deus. É preciso estar com a alma sempre vigilante, porque nunca se sabe quando Deus vai-se mostrar, ou vai mandar o seu anjo. E nunca devemos ser egoístas, nem mesmo por causa da saúde. Muitas vezes, por estarem discutindo de quem é a vez, ou quem é que precisa mais, esses pobres infelizes perdem o beneficio da vinda do anjo.”

Jesus explica pacientemente a Margziam, que fica olhando para ele com uns olhos bem arregalados, atentos e, enquanto isso, os tem voltados também para a água.

“Pode-se ver o anjo? Eu gostaria de vê-lo.”

“Levi, que era um pastor da tua idade, o viu. Olha bem, tu tam-

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bém e fica preparado para louvá-lo.”

O menino não se distrai mais. Seus olhares estão dirigidos para a água e para acima da água, alternativamente, e não ouve nada, não vê nada mais. Enquanto isso, Jesus está olhando aquele pequeno grupo de enfermos, cegos, estropiados, paralíticos, que estão esperando. Também os apóstolos estão observando atentamente. O sol faz jogos de luz na superfície da água e invade, como um rei, as cinco ordens de pórticos, que estão ao redor das piscinas.

“Ei-lo aí!”, grita Margziam. “A água vem subindo e se move e brilha. Que luz! Eis o Anjo!”... e o menino se ajoelha.

De fato, com o movimento do líquido na piscina que parece crescer por um fluxo, que se torna repentinamente grande elevando a água até às bordas, ela está brilhando como um espelho exposto ao sol. Por um instante, se manifesta um clarão ofuscante.

Um coxo está preparado para mergulhar na água e para dela sair, pouco depois, com uma perna que estava encolhida por uma grande cicatriz e agora perfeitamente curada. Os outros se lamentam, e discutem com o recém curado, dizendo que afinal ele não estava agora mais impedido de trabalhar, mas eles sim. E a balbúrdia continua.

3 Jesus olha ao redor, e vê um paralítico em seu pequeno leito, que está 225.3 chorando baixinho. Vai para perto dele, inclina-se e o acaricia, perguntando-lhe: “Estás chorando?”

“Sim. Ninguém pensa jamais em mim. Aqui estou sempre, aqui estou. Todos ficam curados, e eu não. Há trinta e oito anos que estou deitado de costas, gastei tudo o que tinha, meus parentes morreram e agora eu sou um peso para um meu parente de longe e que me traz para cá todas as

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manhãs, e me vem apanhar pela tarde... Mas, como lhe deve ser pesado fazer isso! Oh! Eu antes quereria morrer!”

“Não fiques triste! Já tiveste tanta paciência e tanta fé! Deus te atenderá.”

“Assim espero... Mas sempre há momentos de desânimo. Tu és bom. Mas os outros... Quem já foi curado, poderia, como um agradecimento a Deus, ficar aqui para socorrer os pobres irmãos...!”

“De fato, deveria fazer isso. Mas, não fiques com raiva deles. Eles nem pensam nisso. Não é má vontade deles. É a alegria por terem ficado curados que os torna egoístas. Perdoa-os...”

“Tu és bom. Tu não farias como eles fazem. Eu me esforço com as mãos para ir-me arrastando até lá, quando a água da piscina se põe em movimento. Mas vai sempre alguém na minha frente e na beira eu não posso ficar, pois lá eu seria pisoteado. E, mesmo que eu estivesse

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lá, quem me desceria? Se eu te tivesse visto antes, eu te teria pedido...”

“Queres mesmo ficar bom? Então, levanta-te! Pega o teu pequeno leito e anda!” Jesus se levantou de novo para dar esta ordem e até parece que Ele, ao levantar-se, com isso levantou o paralítico, porque este se põe de pé e depois dá uns dois ou três passos, quase sem acreditar no que está fazendo, e vai atrás de Jesus, que já se vai afastando dali, e, uma vez que vê que está andando de verdade, dá um grito, que faz que todos se virem para ele.

“Mas, quem és tu? Em nome de Deus, dize-o a mim. És talvez o Anjo do Senhor?”

“Eu sou mais do que um anjo. O meu nome é Piedade. Vai em paz.”

Todos se aglomeram. Todos querem ver. Querem falar. Querem ficar sãos. Mas chegam os guardas do Templo, que eu creio que vigiam também a piscina, e desfazem aquela aglomeração barulhenta, ameaçando a todos com punições.

O paralítico apanha o seu pequeno leito: são dois varais sobre dois pares de pequenas rodas e um pano rasgado pregado nos varais, e ele lá se vai todo feliz, gritando para Jesus: “Eu ainda te encontrarei de novo. Não me esquecerei do teu nome e do teu rosto.”

4 Jesus, misturando-se com a multidão, vai saindo em outra direção, para o 225.4 rumo dos muros.

Ele ainda não chegou a passar pelo ultimo pórtico, quando chegam uns como se estivessem impelidos por algum vento furioso. São os componentes de um grupo de judeus das piores castas, todos mancomunados no desejo de dizer uns desaforos a Jesus. Eles procuram, olham, perscrutam. Mas não conseguem ficar sabendo bem de que se trata, e Jesus lá se vai, enquanto ficam decepcionados pelas informações dos guardas, assaltam o pobre, mas feliz curado, e o repreendem: “Por que vais levando esta cama? Hoje é sábado. Isso não te é permitido.”

O homem olha para eles e diz: “Eu não sei de nada. Só sei que aquele que me curou me disse: “Pega a tua cama e anda”. Disto eu sei.”

“Só pode ser um demônio, porque te mandou violar o sábado. Como era ele? Quem era? É judeu? É galileu? É um prosélito?”

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“Eu não sei. Ele estava aqui. Viu-me chorando, e veio para perto de mim. Ele me curou. Depois, foi-se embora, levando um menino pela mão. Acho que era filho dele, porque pela idade Ele pode ter um

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filho daquele tamanho.”

“Um menino? Então, não é Ele!... Como é que Ele disse que se chamava? Não lhe perguntaste? Não mintas!”

“Ele me disse que se chama Piedade.”

“Tu és bobo. Isso não é nome de gente!”

O homem encolhe os ombros e vai-se embora.

Os outros dizem: “Era Ele com certeza. Os escribas Anias e Zaqueu o viram no Templo.”

“Mas Ele não tem filhos!”

“Mas é Ele. Ele estava com os discípulos.”

“Mas Judas não estava com Ele que conhecemos bem. Os outros... podem ser uns quaisquer.”

“Não. Eram eles.”

E a discussão continua, enquanto os pórticos vão-se enchendo de enfermos.

5 Jesus torna a entrar no Templo, por outro lado, o lado do oeste, que é 225.5 aquele que está mais defronte da cidade. Os apóstolos o acompanham. Jesus olha ao redor de Si e finalmente vê o que estava procurando: Jônatas que, por sua vez, também o estava procurando.

“Está melhor, Mestre. A febre baixou. Tua mãe diz que espera poder vir até o próximo sábado.”

“Obrigado, Jônatas. Tu foste pontual.”

“Nem tanto. Maximino de Lázaro me deteve. Ele Te está procurando. Foi ao pórtico de Salomão.”

“Eu vou encontrar-me com ele. A paz esteja contigo. Leva a minha paz à minha Mãe e ás discípulas e também a Judas.”

E Jesus se dirige logo ao pórtico de Salomão, onde, de fato, encontra Maximino.

“Lázaro soube que estás aquí. Ele Te quer ver, para dizer-te uma grande coisa. Virás?”

“Sem dúvida. E logo. Podes dizer-lhe que me espere dentro da semana.”

Também Maximino vai-se embora, depois de poucas outras palavras.

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“Vamos rezar ainda, já que pudemos voltar até aqui”, diz Jesus, e vai para o átrio dos hebreus.

Mas, perto do átrio, Ele se encontra com o paralítico que foi curado e que foi dar graças ao Senhor. O miraculado o avista no meio da multidão e o saúda com alegria, e lhe conta tudo o que aconteceu junto à piscina, depois de sua saída de lá. E termina, dizendo: “De-

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pois, perguntou-me um, que estava espantado por me ver são, quem és Tu. Tu és o Messias, não é verdade?”

“Eu o sou. Mas, ainda que tivesses ficado curado pela água, ou por outro poder, terias sempre o mesmo dever para com Deus. O dever de usar a saúde para fazer boas obras. Tu estás curado. Vai, vai, então com boas intenções, empenhar-te de novo nas atividades da vida. E não peques nunca mais. Que Deus não tenha que te punir mais ainda. Adeus. Vai em paz.”

“Eu já estou velho... não sei nada... Mas gostaria de acompanhar-te para te servir, e para saber. Tu me queres?”

“Eu não rejeito ninguém. Pensa nisso, antes de vires. E, se estiveres decidido mesmo, vem.”

“Ir aonde? Não sei aonde vais...”

“Pelo mundo. Em qualquer lugar encontrarás discípulos que te guiem a Mim. O Senhor te ilumine para o que for melhor.”

6 Jesus vai para o seu lugar, e se põe a rezar... Eu não sei se o curado vai 225.6 por si mesmo aos judeus ou se são eles que o fazem parar, a fim de lhe perguntarem se aquele que estava falando com ele é o que o curou. Só sei que o homem está falando com os judeus, e depois sai dali, e eles vão para perto da escada por onde deve descer Jesus a fim de passar para os outros pátios, e sair do Templo. Sem dirigir-lhe nenhuma saudação, quando Jesus chega, eles lhe dizem: “Tu, então, continuas a violar o sábado, apesar de todas as repreensões que te tem sido feitas? E ainda queres que te respeitem como a um enviado de Deus?”

“Enviado? Mais ainda: como Filho. Porque Deus é meu Pai. Se não me quereis respeitar, deixai de fazê-lo. Mas nem por isso Eu vou deixar de cumprir a minha missão. Não existe um só momento em que Deus pare de agir. Nesta mesma hora o meu Pai está agindo e Eu também ajo, porque um bom filho faz o que o seu pai está fazendo, e porque para agir aqui nesta terra é que Eu vim.”

Algumas pessoas se aproximam para ouvirem a discussão. Entre elas há pessoas que conhecem a Jesus, outras que foram beneficiadas, outras que o estão vendo pela primeira vez; alguns o amam, outros o odeiam, muitos estão incertos. Os apóstolos formam um núcleo com o Mestre. Margziam está ficando com medo, e já está fazendo uma carinha de choro.

Os judeus, uma mescla de escribas, fariseus e saduceus, proclamam o seu escândalo: “Até a isso te atreves! Oh! Ele se diz Filho de Deus! Um sacrilégio! Deus é Aquele que é e não tem filhos! Chamai Gama-

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liel! Chamai Sadoc! Reuni os rabis, para que ouçam e o refutem.”

“Não vos agiteis. Chamai-os, e eles vos dirão, se é que sabem, que Deus é Uno e Trino: Pai, Filho e Espírito Santo, e que o Verbo, ou seja, o Filho do Pensamento, veio, como havia sido profetizado, para salvar Israel e o mundo do Pecado. O Verbo sou Eu. Sou o Messias prometido. Portanto, não há nenhum sacrilégio em dar Eu ao Pai o nome de meu Pai. 7Vós vos inquietais, porque Eu faço milagres, porque 225.7 com isso atraio para Mim as multidões, e as convenço. Vós me acusais de ser um demônio, porque opero prodígios. Mas Belzebu está, há séculos, no mundo e, na verdade, não lhe faltam devotos adoradores... Por que então, ele não faz o que Eu faço?”

O povo murmura: “É verdade. É verdade. Ninguém faz o que Ele faz.”

Jesus continua:

“Eu vo-lo digo: é porque Eu sei o que ele não sabe, e posso o que ele não pode. Se Eu faço obras de Deus, e porque Eu sou seu Filho. Por si mesmo, ninguém pode chegar a fazer senão o que viu fazer. Eu, o Filho, não posso fazer senão o que vi ser feito pelo Pai, pois Eu sou Um com Ele, desde os séculos dos séculos, não diferente dele nem na natureza, nem no poder. Todas as coisas que o Pai faz, Eu, que sou seu Filho, também as faço. Nem Belzebu nem outros podem fazer aquilo que Eu faço. Porque Belzebu e os outros não sabem aquilo que Eu sei. O Pai Me ama, a Mim seu Filho, e Me ama sem medida, como Eu O amo. Por isso, Ele me mostrou e Me mostra tudo o que Ele faz, para que Eu faça o que Ele faz, Eu nesta terra, neste tempo de Graça, e Ele no Céu, desde antes que existisse o Tempo na terra. E Ele me mostrará obras cada vez maiores, a fim de que Eu as faça, e vós fiqueis maravilhados. O Pensamento dele é inesgotável em pensar. E Eu o imito sendo indefectível em cumprir o que o Pai pensa e quer com o seu pensamento.

8 Vós ainda não sabeis quantas coisas o Amor cria inesgotavelmente. Nós 225.8 somos o Amor. E não há limitação para Nós, nem existe coisa que não possa ser aplicada sobre os três graus do homem: o inferior, o superior, o espiritual. De fato, assim como Pai ressuscita os mortos, e lhes dá a vida, igualmente Eu, o Filho, posso dar a vida a quem Eu quiser e antes, pelo amor infinito que o Pai tem para com o Filho, me é concedido não só dar a vida à parte inferior, mas também à superior, livrando o pensamento do homem e o seu coração dos erros mentais e das más paixões, e à parte espiritual, dando ao espírito ficar livre do pecado, porque o Paì não julga a ninguém, mas deu todo

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o julgamento ao Filho, sendo o Filho quem, com o seu próprio sacrifício, comprou a humanidade para redimi-la. E isso o Pai faz por justiça, porque a quem paga com sua moeda, é justo que seja dado, e para que todos honrem ao Filho, como honram ao Pai.

Ficai sabendo que, se separais o Pai do Filho, ou o Filho do Pai, e não vos lembrais do Amor, vós não amais a Deus, como deve ser amado com verdade e sabedoria, mas praticais uma heresia, dando culto a só um, quando os três são uma admirável Trindade. Por isso, quem não honra o Filho é como se deixasse de honrar o Pai, porque o Pai, Deus, não aceita que só uma parte de Si seja adorada, mas quer que o seu Todo seja adorado. Quem não honra o Filho, não honra o Pai, que O enviou, por pensamento perfeito de amor. E, portanto, nega que Deus saiba fazer obras justas. Em verdade, Eu vos digo que quem escuta a minha palavra, e crê naquele que Me enviou, tem a vida eterna, e não e fulminado pela condenação, mas passa da morte para a vida, porque crê em Deus e aceita a minha palavra, quer dizer, infunde em si a vida que não morre.

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Está chegando a hora, e até para muitos já chegou, na qual os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e quem a tiver ouvido ressoar vivificadora no fundo de seu coração, esse viverá. 9 Que dizes tu, escriba?” 225.9

“Eu digo que os mortos não ouvem mais nada, e que Tu estás louco.”

“O Céu te irá persuadir de que assim não é, e que o teu saber e um nada, em comparação com o de Deus. Vós tendes a tal ponto humanizado as coisas sobrenaturais, que não sabeis mais dar às palavras nada além de um significado imediato e terreno. Vós ensinastes o Hagadá, em fórmulas fixas, vossas, sem vos esforçardes para compreender as alegorias em suas verdades, e agora, em vosso espírito, cansado de ser oprimido por uma humanidade que quer triunfar sobre o espírito, não credes mais nem naquilo que ensinais. E esta é a razão pela qual não podeis mais lutar contra as forças ocultas.

A morte, de que Eu estou falando, não é a morte da carne, mas da do espírito. Hão de vir aqueles que ouvirão com seus ouvidos a minha palavra e a acolherão em seus corações, e a porão em prática. Esses, ainda que mortos no espírito, reaverão a vida, porque a minha Palavra e Vida que se infunde neles. E Eu a posso dar a quem Eu quero, porque ela em Mim é perfeição de Vida visto que o Pai tem em Si a Vida Perfeita, e assim também o Filho teve do Pai a Vida em Si mesmo, perfeita, completa, eterna, inesgotável e transmissível. E, com a

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Vida, o Pai me deu o poder de julgar, pois o Verbo do Pai e o Filho do homem, e pode e deve julgar o homem. E não fiqueis maravilhados por esta primeira ressurreição, a espiritual, que Eu opero com a minha Palavra. Vereis outras mais fortes, mais fortes do que os vossos sentidos pesados, porque em verdade Eu vos digo que não há coisa maior do que a invisível, mas real ressurreição de um espírito. Bem depressa virá a hora, na qual os sepulcros serào penetrados pela voz do Filho de Deus, e todos os que estão neles a ouvirão. E os que fizeram o bem de lá sairão a fim de irem para a ressurreição da Vida Eterna, enquanto que os que fizeram o mal irão para a ressurreição da eterna condenação.

Isto Eu não digo que faço e não o farei por Mim mesmo, só por minha vontade, mas pela vontade do Pai unida à minha. Eu falo e julgo conforme o que ouço e o meu juízo é reto porque Eu não procuro a minha vontade mas a vontade daquele que me enviou. Eu não estou separado do Pai. Eu estou nele e Ele está em Mim. E Eu conheço o seu Pensamento, e o traduzo em palavras e ação.

10 Tudo que Eu digo para dar testemunho de Mim mesmo não pode ser 225.10 aceito pelo vosso espírito incrédulo, que não quer ver em Mim outra coisa que um homem semelhante a vós todos. Também há um outro que testemunha por Mim, e que vós dizeis que venerais como grande profeta. Eu sei que seu testemunho é verdadeiro, Mas vós, que dizeis venerá-lo, não aceitais o seu testemunho porque é contrária ão vosso pensamento é meu inimigo. Mim. Vós não aceitais o testemunho do homem justo, do último profeta de Israel porque, naquilo que vos agrada, dizeis que ele não é mais do que um homem e que pode errar. Vós mandastes interrogar João, esperando que Ele dissesse de Mim o que vós desejáveis, isto é, o que de Mim pensáveis, aquilo que vós de Mim quereis pensar. Mas João deu testemunho da verdade e vós não a pudestes aceitar. Porque o profeta diz que Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, vós, no segredo de vossos corações, porque tendes medo da multidão, dizeis que o profeta é um doido, como o é Cristo. Eu, porém, não recebo testemunho de homem, seja mesmo o mais santo de Israel. Eu vos digo: ele era a lâmpada ardente e luminosa, mas vós quisestes, por pouco tempo, gozar de sua luz. Quando aquela luz se projetou sobre Mim, para fazer-vos conhecer o Cristo por aquilo que Ele é, deixastes que a lâmpada fosse colocada debaixo de um alqueire e, antes ainda levantastes entre ela e vós um muro, para não verdes, à luz

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dela, o Cristo do Senhor.

Eu sou grato a João pelo seu testemunho, e grato lhe é o Pai. E

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João terá um grande prêmio por esse seu testemunho, ardendo também por isso no Céu, o primeiro sol que brilhará entre todos os homens lá em cima, brilhando como brilharão todos os que tiverem sido fieis à Verdade e tiverem fome de Justiça. Mas Eu tenho um testemunho maior do que o de João. E esse testemunho são as minhas obras. Porque as obras que o Pai me deu para fazer, tais obras Eu faço, e elas dão testemunho de que o Pai me mandou, dando-me todo o poder. E assim é o próprio Pai que me mandou, Aquele que dá testemunho em meu favor. Vós nunca ouviste-lhe voz nem visto a Face. Mas Eu o vi e O vejo, a ouvi e a ouço. Vós não tendes morando em vós a sua palavra, porque não credes naquele que Ele mandou.

Vós investigais as Escrituras, porque credes obter, pelo conhecimento delas, a Vida Eterna. E não percebeis agora que são justamente as Escrituras que falam de Mim? E como, então, continuais a não querer vir a Mim, para terdes a Vida? Eu vo-lo digo: é porque quando qualquer coisa e contrária ás vossas idéias inveteradas, vós as rejeitais. Falta-vos a humildade. Não podei chegar a dizer: “Eu errei. Aquele ou este livro diz o que é certo e eu estou errado.” Foi assim que fizestes com João, assim com as Escrituras, assim com o Verbo que vos está falando. Não podeis mais ver e compreender porque estais enfaixados com a soberba e atordoados com as vossas vozes.

11 Pensais que Eu assim vos fale, porque Eu quero ser por vós glorificado? 225.11 Não, sabei-o, Eu não procuro nem quero glória que venha dos homens. Aquilo que Eu procuro e quero é a vossa salvação eterna. Esta é a glória que Eu procuro. A minha glória de Salvador, que não pode existir se Eu não tiver salvados, que aumenta quanto mais salvados Eu tiver, que me há de ser prestada pelos espíritos salvados e pelo Pai, Espírito Puríssimo.

Mas vós não sereis salvos. Eu vos conheci por aquilo que sois. Vós não tendes em vós o amor de Deus. Sois sem amor. E por isso não vindes ao Amor que vos fala e não entrareis no Reino do Amor. Lá vós sois desconhecidos. O Pai não vos conhece, porque vós não me conheceis, a Mim que estou no Pai. Não me quereis conhecer. Eu vim em nome do meu Pai, e vós não me recebeis, enquanto estais prontos a receber a qualquer um que venha em seu proprio nome, contanto que vos diga o que vos agrada. Dizeis que sois almas de fé? Não. Não o sois. Como podeis crer, vós que mendigais a glória uns dos outros, e não procurais a glória dos Céus, que só de Deus procede? A glória que é a Verdade, não jogo de interesses que param sobre a terra e que acariciam somente a humanidade viciosa dos degradados filhos de Adão.

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Eu não vos acusarei ao Pai. Não penseis nisto. Já há vos acusa. Aquele Moisés em que vós esperais. Ele vos repreenderá por não crerdes nele, porque não credes em Mim, pois ele escreveu sobre Mim e vós não me reconheceis segundo o que sobre Mim ele deixou escrito. Vós não acreditais nas palavras de Moisés, que é o grande sobre o qual jurais. Como podeis, então, crer nas minhas, nas do Filho do homem no qual não tendes fé? Humanamente falando, isso é lógico. Mas aqui estamos no campo do espírito e estão em confronto as vossas almas. Deus as observa à luz das minhas obras e confronta as ações que fazeis com o que vim ensinar. E Deus vos julga.

Eu me vou. Por muito tempo não me encontrareis. E acrediteis que isto não é um triunfo. Mas é um castigo. Vamos.”

Page 318: O Evangelho como foi revelado a Valtorta

E Jesus abre a multidão, em parte muda, em parte sussurrando aprovações, que o medo dos fariseus reduz a uns simples sussurros, e se vai.

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O EVANGELHO COMO ME FOI REVELADO

VOLUME QUARTO Capítulos 226-295

CENTRO EDITORIALE VALTORTIANO

Todos os direitos reservadosTitulo original.~ L'Evangelo come mi è stato rivelato Volume Quarto, capitoli 226-295Tradução do italiano de Aristides Taciano Rodrigues Revisão aos cuidados do Centro Editoriale Valtortiano srl.Copyright 2000 by Centro Editoriale Valtortiano srl. Viale Piscicelli 89-91 03036 Isola dei Liri - ItaliaISBN 88-7987-079-3ISBN 88-7987-075-0bra completa de 10 volumesDigitação e impressão: Centro Editoriale Valtortiano srlPrinted in Italy, 2000

Indice do volume quarto

Segundo ano da Vida pública de Jesus. (continuação)

226. Um bom sinal de Maria de Magdala. Morte do velho Ismael. 9

227. Um episódio incompleto. 11

223. Marziam é confiado a Porfíria. 12

229. Discurso aos cidadãos de Betsaida sobre o gesto de caridade de Simão Pedro. 16

230. Cura da hemorroíssa e ressurreição da filha de Jairo. [Mt 9,18-26; Mc 5,21-43; Lc 8,40-56] 18

231. Em Cafarnaum, Jesus e Marta falam da crise que atormenta Maria de Magdala. 23

232. Cura de dois cegos e de um mudo endemoninhado. [Mt 9, 27-34] 29

233. Parábola da ovelhinha tresmalhada ouvida também por Maria de Magdala.

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[Mt 18, 11-14; LC 15, 1-7] 35

234. Comentário de três episódios sobre a conversão de Maria de Magdala. 38

235. Marta tem a certeza da conversão de sua irmã Maria. 46

236. A ceia na casa de Simão, o fariseu, e o perdão a Maria de Magdala. [Lc 7, 36-50] 49

237. O pedido de operarias para a messe e a parábola do tesouro escondido no campo. Marta teme ainda pela irmã Maria. [Mt 9,35-38; 13,44] 49

238. A chegada a Cafarnaum, sob um temporal, de Maria Santíssima com Maria Madalena. 64

239. A parábola dos peixes, a parábola da pérola e o tesouro dos ensinamentos antigos e novos. [Mt 13,45-52] 70

240. Em Betsaida, com Porfiria e Marziam, que ensinam a Madalena a oração de Jesus. 77

241. Vocação da filha de Filipe. Chegada a Magdala e parábola da dracma perdida. [Lc 15,8-10] 79

5

242. Discurso sobre a Verdade ao romano Crispo, único ouvinte de Jesus em Tiberiades. 86

243. Em Cana, na casa de Suzana. As expressões, os gestos e a voz de Jesus. Disputa entre os apóstolos sobre possessões. 95

244. João repete o discurso de Jesus sobre a criação e sobre os povos que esperam a Luz. 104

245. Uma acusação dos nazarenos a Jesus, afastada com a parábola do leproso curado. [Mó 13, 53-8; Mc 6, 1-6] 111

246. Um apologo para os cidadãos de Nazaré, que permanecem incrédulos. [Mt 13, 53-58; Mc 6, 1-6] 117

247. Maria Santíssima ensina a Madalena sobre a oração mental. 127

248. Em Belém da Galiléia. Juízo sobre um homicído e parábola das florestas putrificadas.132

249. Maria Santíssima ensina Judas Iscariotes sobre o valor proeminente da fidelidade a Deus. 144

250. Aos discípulos vindos com Isaque, a parábola do lodo que se torna chama. João de Endor é alma vitima. 149

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251. Aos pescadores sírio fenícios, a parábola do mineiro perseverante. Ermasteu de Ascalon. 159

252. O retorno de Tiro. Milagres e parábola da videira e do o olmo. 164

253. Maria Santíssima revela a Maria de Alfeo o sentido da maternidade espiritualizada. Maria Madalena deve se corrigir sofrendo. 173

254. O encontro com Síntique, escrava greca, e a chegada a Cesaréia Marítima.180

255. Partida das irmãs Marta e Maria com Síntique. Uma lição a Judas Iscariotes.188

256. Parábola sobre a virtude da esperança que sistenta a fé e a caridade.195

257. Jesus e Tiago de Alfeu, em retiro sobre o monte Carmelo. 201

258. Jesus revela a Tiago de Alfeu qual sera a sua missão de apóstolo. 204

259. Lição sobre a Igreja e os Sacramentos a Tiago de Alfeu, que realiza um milagre. 213

6

260. Duas parábolas de Pedro para os camponese da planície de Esdrelon.223

261. Exortação aos camponeses de Doras, passados à dependência de Jocanã. 231

262. Uma filha indesejada e a missão da mulher redimida. Iscariotes pede a ajuda de Maria. 234

263. Cura do homem de braço atrofiado. [Mt 12, 0-14; Me 3, 1-6; Lc 6, 6- 11] 245

264. Um dia de Judas em Nazaré. 249

265. Instruções aos doze apóstolos que iniciam o seu ministério. [Mt 10, 1-42; Me 6, 7-13; Le 9, 1-6] 259

266. Os discípulos de Batista querem certificar-se que Jesus é o Messias. Testemunho do Precursor e invectiva contra as cidades impenitentes. [Mt 11, 1-27; Lc 7, 17-35; 10, 13-15.21-22] 270

267. Jesus carpinteiro em Corozaim. 279

268. Lição sobre a caridade com a parábola das nozes. O jugo de Jesus é leve. [Mt 11, 28-30]283

269. A disputa com escribas e fariseus em Cafarnaum. A chegada de Mãe e dos irmãos. [Mt 12, 22-50; Me 3, 20-35; Le 6,

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43-45; 8, 19-21; 11, 14-20.24-26] 292

270. A notícia da morte de João Batista. [Mt 14, 1-12; Mc 6, 14-29] 303

271. Partida em direção de Tariquéia com os apóstolos que voltaram a Cafarnaum. [Me 6, 30-31; Le 9, 10] 310

272. Reencarnação e vida eterna no dialogo com um escriba. [Mt 14, 13-14; Me 6, 32- 34; Le 9, 11] 315

273. A primeira multiplicação dos paes. [Mt 14, 15-23; Me 6, 35-46; I,e 9, 12-17] 319

274. Jesus caminha sobre as águas. Sua prontidão em socorrer quem o invoca. [Mt 14, 24-33; Me 6, 47-52; Jo 6, 16-21] 325

275. Quatro novos discípulos. Discurso sobre as obras de misericórdia espirituais e corporais. 331

276. O homen avarento e a parábola do rico estulto. As inquietudes e a vigilância nos servos de Deus. [Le 12, 13-53] 347

277- En Magdala, nos jardins de Maria. O amor e a correção entre irmãos. [Mt 18, 15-17; Lc 12, 58-59] 357

7

278. O perdão e a parábola de servo iníquo. O mandato aos setenta e dois discípulos. [Mt 18,18-35; Lc 10,1-12.16] 362

279. Encontro com Lazaro no campo dos Galileus. 367

280. O retorno dos setenta e dois. Profecia sobre futuros místicos. [Lc 10,17-20.23-24] 370

281. No Templo para a festa dos Tabernáculos. As condições para seguir Jesus. A parábola dos talentos e a parábola do bom samaritano. [Mt 25,14-30; Lc 10,25-37; 13, 1-5; 14,25-33; 19, 11-2,] 374

282. A acusação ao Sinédrio com relação a Ermasteo, João de Andor e Síntique. 391.

283. Sintique fala de seu encontro com a Verdade. 397

284. A casa doada por Salomão. Quatro apóstolos permanecerao na Judéia. 402

285. Lazaro oferece um refúgio para João de Endor e Síntique. Vialgem alegre para Jericó sem Iscariotes. 405

286. Em Ramot, com o mercador Alexandre Misaque. Lição a Síntique sobre a recordação das almas. 413

287. Em Ramot a Gerasa com a caravana do mercador. 422

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288. Discurso aos cidadãos de Gerasa e louvor de uma mulher à Mãe de Jesus. [Lc 11,21-23.27-28] 427

289. O sábado em Gerasa. O divertimento de Marziam e a pregunta de Síntique sobre a salvação dos pagãos. 433

290. O homem dos olhos ulcerados. A permanencia na "fonte dos cameleiros". Ainda sobre a recordação das almas. 440

291. Marziam descobre porque Jesus reza todos os dia à hora nona. 449

292. Em Bozra, a insídia dos escribas e fariseus. 453

293. O discurso e os milagres em Bozra depois da irrupção de dois fariseus. O dom da fé de Alexandre Misaque. 458

294. O rico óbolo deixado pelo mercador. Despedida da Mãe e das discípulas. 467

295. O discurso e os milagres em Arbela, já evangelizada por Filipe de Jacó. 471

8Segundo ano da Vida pública de Jesus.

(continuaçào)

226. Um bom sinal de Maria de Magdala. Morte do velho Ismael.22 de julho de 1945

'Jesus, acompanhado pelo Zelote chega ao jardim de Lázaro numa 226.1 manhã belíssima de verão. Ainda não terminou a aurora, por isso tudo é fresco e alegre.O servo-jardineiro, que acorre para receber o Mestre, mostra ao mesmo a fímbria de uma veste branca, que lá vai desaparecendo atrás de uma sebe, e lhe diz: "Lázaro está indo para o suporte dos jasmins com rolos para ler. Eu vou chamá-lo."" Não. Eu vou. Sozinho. "E Jesus caminha desenvolto, ao longo de uma senda bordadas de sebes em flor. A erva rasteira, que está na extremidade da sebe, amortece o barulho dos passas de Jesus. Ele procura ir pondo os pés bem em cima dela, para chegar de repente á frente de Lázaro.E assim Ele o surpreende de pé, erguido, com os rolos colocados sobre uma mesa de mármore, orando em voz alta. "Não me decepciones, Senhor. Este fio de esperança, que nasceu em meu coração, faze tu crescer. Dá-me o que com lágrimas eu te pedi dez e cem mil vezes. O que eu te pedi com as ações, com o perdão, com todo o meu ser. Dá-me em troca de minha vida. Dá-me em nome de teu Jesus, que me prometeu esta paz. Será possível que Ele minta? Deverei pensar que a promessa dele foi só palavras? Que o seu poder é inferior ao abismo de pecado, que é a minha irmã? Dize-o a mim, Senhor, que eu me resignarei por teu amor. . . ""Sim, Eu te digo! ", diz Jesus.Lázaro se vira, com um salto, e grita: "Oh! Meu Senhor! quando foi que vieste?", e se inclina para beijar a veste de Jesus."Faz alguns minutos.""Vieste sozinho?""Com Simão Zelotes". Mas, até aqui onde estás, Eu vim sozinho. Eu sei que me deves dizer uma

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grande coisa. Então, dize-a.""Não. Responde primeiro ás perguntas, que eu faço a Deus. Con9

forme for a tua resposta, então eu te direi. "Dize-a a Mim, dize, esta tua grande coisa. Tu a podes dizer...", e Jesus sorri, abrindo os braços, num gesto de convite."O Deus Altíssimo! Mas será verdade? Então, tu sabes que é verdade?", e Lázaro vai pôr-se entre os braços de Jesus, para confidenciar-lhe a sua grande coisa.226.2 2 Maria chamou Marta, à Magdala. E Marta partiu aflita, temendo alguma desventura... E eu aqui, com o mesmo temor, acabei ficando sozinho. Mas Marta, pelo servo que a acompanhou mandou-me uma carta que me encheu de esperança. Olha, ela está aqui, sobre o meu coração. Conservo-a aqui, porque é mais preciosa do que um tesouro. São um as poucas palavras, mas eu as leio a toda hora, para ficar certo de que de falo foram escritas. Olha...", e Lázaro tira de sua veste um pequeno rolo, amarrado com uma fitinha roxa, e o desenrola. "Estás vendo? Lê, lê. Em voz alta. Lida por ti a coisa me parecerá mais certa.""Lázaro, meu irmão. A ti, paz e bênção. Cheguei logo, e bem. O meu coração não palpitou mais pelo temor de novas desgraças, porque eu vi Maria, a nossa Maria, com saúde e... será que te devo dizer? Está menos frenética em sua aparência do que antes. Veio. chorar sobre o meu coração. Um grande pranto... Depois, de noite, no quarto para onde me tinha levado, perguntou-me tantas e tantas coisas sobre o Mestre. Não mais do que isto, por enquanto. Mas eu, que estou vendo o rosto de Maria, além de estar ouvindo suas palavras, posso dizer que em meu coração nasceu a esperança. Reza, irmão. Espera. Oh! Se fosse verdade! Eu vou ficar por aqui ainda, porque percebo que ela me quer perto dela, como para ser uma defesa contra a tentação. E para aprender... O que? O que nós já sabemos. A bondade infinita de Jesus. Eu lhe falei daquela mulher que veio a Betania. Vejo que pensa, pensa, pensa... Precisaríamos de Jesus. Reza. Espera. O Senhor esteja contigo." Jesus torna a enrolar o rolo e o entrega."Mestre... ""Eu irei. Tens meios para avisar Marta que vá ao meu encontro em Cafarnaum, dentro de, no máximo, quinze dias?"· "Eu tenho meios, Senhor. E eu?""Tu ficarás aqui. Também Marta, Eu a enviarei para cá.""Por que?""Porque as redenções têm um pudor profundo. E nada causa mais vergonha do que os olhares de um pai ou de um irmão... Eu, porém, te digo: Reza, reza."Lázaro chora sobre o peito de Jesus... Depois, quando retoma o10

fio da conversação, conta qual foi a sua aflição, os seus esmorecimentos... "Há quase um ano que espero... que desespero... Como é longo o tempo da ressurreição!", exclama.Jesus o deixa falar, falar, falar..., até que Lázaro percebe que es- 226 fá faltando aos seus deveres de hospitalidade, e se levanta para conduzir Jesus para casa. Para fazerem isso, passam ao lado de uma vicejante sebe de jasmins em flor, sobre cujas corolas estreladas zumbem abelhas douradas."Ah! Ia-me esquecendo de dizer-te... O velho patriarca que Tu me mandaste voltou ao seio de Abraão. Maximíno o encontrou sentado aqui, com a cabeça apoiada nesta sebe, como se tivesse adormecido ao lado das colmeias de que ele cuidava, como se fossem casas cheias de meninos dourados. Ele chamava as abelhas assim. Parecia que ele as compreendia e que era compreendido por elas. E, por cima do velho patriarca adormecido na paz da boa consciência, quando Maximino o encontrou,havia um véu precioso, formado de pequeninos corpos de ouro. Todas as abelhas estavam pousadas sobre o seu amigo. Os servos tiveram grande trabalho para conseguirem afastá-las dele. Ele era tão bom, que talvez tivesse gosto de mel.... Era tão honesto, que talvez para as abelhas ele fosse como uma carola não contaminada... Eu sofri com sua morte. Eu teria querido tê-lo por mais

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tempo em minha casa. Ele era um justo...""Não fiques com saudades dele. Ele está em paz e em sua paz está rezando por ti, que lhe tornaste agradáveis os seus últimos dias. Onde o sepultaste?""Lá no fundo do jardim. Para ficar perto ainda das suas colmeias. Vem comigo, eu te levo até lá..E lá se vão, atravessando um pequeno bosque de toureiros cerosos, e indo para as colméias, de onde está vindo um rumor operoso...

227. Um episódio incompleto.23 de julho, as 8 horas da manhã.

'É um Judas muito pálido que está descendo do carro junto com a ·227 Mãe de Jesus e as discípulas, isto é, com as Marias, Joana e Elisa......e, por causa da confusão que tive em casa nesta manhã, não pude escrever, enquanto estava vendo e, por isso, agora que já são 18 horas, não posso dizer mais do que eu compreendi, e percebi que Judas, convalescente, está indo de volta para Jesus, que está no Getsê-11

mani, junto com Maria, que cuidou dele, e com Joana, que está insistindo para que as mulheres e o convalescente voltem com o carro para a Galiléia. E Jesus concorda, fazendo subir também o menino com elas. Mas Joana e Elisa ficam em Jerusalém por alguns dias, para depois voltarem, Elisa para Betsur e Joana para Beter. Lembro-me de que Elisa diz: "Agora eu tenho coragem de voltar para lá, porque a minha vida não está mais sem rumo. Eu farei que sejas amado pelos meus amigos." E me lembro de que Joana acrescenta: "E eu o farei nas minhas terras, enquanto Cusa me deixar aqui. Isso será um serviço a Ti, ainda que eu bem preferiria acompanhar-te." Recordo também de que Judas diz que não desejou sua mãe nem nas piores horas da doença, porque "tua Mãe foi uma verdadeira mãe para mim, terna e amorosa, e nunca mais me esquecerei disso". O resto está confuso (nas palavras), e por isso não o digo, porque estaria sendo dito por mim, e não pelas pessoas da visão.

228. Marziam é confiado a Porfíria.24 de julho de 1945.

228.1 1 Jesus está no lago da Galiléia, junto com os seus apóstolos. A manhã está começando. Todos os apóstolos se acham presentes, porque até Judas, agora em perfeita saúde e com um rosto mais sereno, um pouco por causa da doença e também pelos cuidados que recebeu, e pela companhia que teve. Lá está também Marziam, um pouco impressionado por estar em cima d'água pela primeira vez. Ele não quer dar nas vistas, mas, a cada balanço mais forte da barca, ele se agarra com um braço no pescoço da ovelha, que participa do medo dele, balindo lamentosamente. Com o outro braço ele se segurano que pode, ou em um mastro, ou a assento, em algum remo, ou até na perna de Pedro ou de André, ou dos empregados da barca, que passam para um lado e para

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outro, fazendo suas manobras, e ele fecha os olhos, talvez tendo a certeza de que já chegou sua última hora. Pedro, de vez em quando lhe diz, dando-lhe uma palmadinha nas faces: "Não estás com medo, não é? Um discípulo não deve ter medo." E o menino diz que não, balançando a cabeça, mas, como o vento está aumentando, e a água se vai tornando mais movimentada, a medida que se aproxima da desembocadura do Jordão no lago, ele aperta com força e fecha muitas vezes os olhos, até que um repentino sacolejo da barca, por causa de uma onda que a pegou de lado, faz 12

que ele dê um grito de medo.Uns se riem, outros brincam, zombando de Pedro, pelo fato de terse tornado pai de alguém que nem sabe viajar de barca. Outros zombam de Marziam, que vive dizendo querer viajar por terras e por mares para pregar Jesus Cristo, e depois fica com medo de viajar uns poucos estádios sobre as águas do lago. Mas Marziam se defende, dizendo: "Cada um tem medo de alguma coisa. Eu da água. E Judas da morte... "Compreendo, então que Judas deve ter tido um grande medo de 228 2 morrer, e fico assombrada por não reagir ele àquela observação do menino, mas, pelo contrário, ele até ainda diz: "Disseste bem. Tem-se medo daquilo que não se conhece. Mas já estamos para chegar. Betsaida está a poucos estádios. E tu estás certo de que lá encontrarás amor. Assim é que eu quereria estar: a pouca distancia da Casa do Pai, e estar certo de lá encontrar amor." Ele diz isso com cansaço e tristeza."Desconfias de Deus?", pergunta, espantado, André."Não. Eu desconfio de mim mesmo. Naqueles dias da doença, rodeado por muitas mulheres puras, eu me senti muito pequeno no espírito! Quanto eu fiquei pensando! Eu dizia: "Se estas mulheres ainda trabalham para se tornarem melhores e conquistar o Céu, que é que eu não haverei de fazer?" Porque elas, e a mim todas pareciam santas, ainda se julgam pecadoras. E eu?...Será que algum dia chegarei até lá, Mestre?""Com boa vontade tudo se pode.""Mas a minha vontade é muito imperfeito.""A ajuda de Deus põe nela o que lhe falta para ficar completa. A tua humildade de agora nasceu na doença. Vê, pois, como o bom Deus proveu, por meio de um incidente que te fez sofrer, para dar-te uma coisa que não tinhas."É verdade, Mestre. Mas, aquelas mulheres! Que discípulas perfeitas! Não falo de tua Mãe. Ela já se sabe. Eu falo das outras. Oh! Realmente, elas nos superaram! Eu fui uma das primeiras experiências do seu futuro ministério. Mas, podes crer, Mestre, podes descansar sossegado sobre elas. Eu e Elisa estávamos sob os cuidados delas, e Elisa voltou para Betsur com sua alma refeita, enquanto eu... eu espero ver refeita a minha, agora que nela elas trabalharam... " Judas, ainda enfraquecido, chora. Jesus, que está sentado perto dele, coloca-lhe uma mão sobre a cabeça, fazendo sinal aos outros para que fiquem calados.Mas Pedro e André estão muito ocupados nas últimas manobras de atracação, e não falam. Zelotes, Mateus, Filipe e Marziam, com certeza não estão pensando em fazê-lo, uns porque estão absortos só13

pelo desejo de chegar, e os outros porque é prudente agir assim. 228.3 :3 A barca entra pelas águas do Jordão e, pouco depois, pára perto da praia. E, enquanto os empregados descem para prendê-la, amarrando-a com uma corda em uma grande pedra, e para colocarem uma tábua a fim de servir de prancha, Pedro se está revestindo com sua veste longa, e André está fazendo o mesmo. A outra barca também já está fazendo a manobra, e dela vão descendo os outros apóstolos. Também Jesus e Judas estão descendo, enquanto Pedro está pondo no menino a sua vestezinha, e o está penteando, para apresentá-lo todo alinhado á sua mulher. Já estão todos em terra, inclusive as ovelhinhas. "E agora vamos", diz Pedro. Ele está muito emocionado. Dá a mão ao menino, que também está emocionado, a tal ponto, que chega a esquecer-se das ovelhinhas, das quais agora está cuidando João, e pergunta, num ataque repentino

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de medo: "Mas, ela me quererá de pois? E gostará mesmo de mim?" Pedro lhe garante que sim. Mas parece que o medo toma conta dele também, e ele diz a Jesus: "Dize, Tu, isto á Porfíria, Mestre. Eu creio que não vou saber dizê-lo bem." Jesus sorri, mas promete que irá tratar disso. 228. 4 Logo chegam á casa, indo pela areia da margem. Pela porta aberta, percebe-se que Porfíria está fazendo seus trabalhos caseiros. "A paz esteja contigo",diz Jesus, chegando perto da porta da cozinha, onde a mulher está pondo em ordem sua louca. "Mestre! Simão! " A mulher corre a prostrar-se aos pés de Jesus, e depois aos do marido. Em seguida, ela se ergue e, com seu rosto bom, ainda que não bonito, ela diz, corando-se: "Há tanto tempo que eu vos esperava! Passastes bem, todos vós? Vinde! Vinde! Deveis estar cansados! . . . " "Não. Nós estamos vindo de Nazaré, onde paramos alguns dias, e fomos até Caná para outra permanência lá. As barcas estavam em Tiberíades. Podes ver que não estamos cansados!..." Tínhamos um menino conosco, e Judas de Simão, enfraquecido por doença.""Um menino? Um discípulo tão pequenino?""Um órfão, que nós recolhemos pelo caminho.""Oh! Querido! Vem tesouro, quero te beijar! "O menino, que até aí tinha estado com medo e meio escondido atrás de Jesus, deixa-se agora pegar pela mulher, que se ajoelhou para ficar á altura dele, e se deixa beijar sem resistência."E agora 0 quereis levar atrás de vós, sempre vos acompanhando, tão pequenino como ele é? Ele vai se cansar..." A mulher está com dó14

do menino. Ela o conserva apertado em seus braços, e tem sua face apoiada à do menino."Na verdade, Eu estava com outro pensamento. Que era o de confiá-lo a alguma discípula, quando estivéssemos viajando por longe da Galiléia e do lago. .. ""A mim não, Senhor? Eu nunca tive filhos. Mas sobrinhos, sim, e eu sei tratar dos meninos. Eu sou uma discípula que não sabe falar, que não tem bastante saúde para acompanhar-te, como fazem as outras, que... Oh! Tu o sabes. Não, eu estou entre duas cordas, que me puxam em direções apostas, e eu não tenho coragem de arrebentar uma. Deixa pelo menos que eu te sirva um pouco, sendo a mãe-discípula deste menino. Eu ensinarei a ele tudo o que as outras ensinam a tantos... a Te amar.. . "5 Jesus põe a mão sobre a cabeça dela, sorri, e diz: "O menino foi 228 5 trazido para cá, porque aqui iria encontrar uma mãe e um pai. Aí está. Formemos a família." E Jesus põe a mão de Marziam na de Pedro, que está com os olhos brilhando, e na de Porfíria. "E educai santamente este inocente."Pedro já sabe e por isso não faz nada mais do que enxugar uma lágrima com as costas da mão. Mas sua mulher, o que não se esperava, fica por um instante muda e assombrada. Depois, torna a ajoelhar-se, e diz: "Oh! Meu Senhor. Tu me tiraste meu esposo, fazendo de mim quase uma viúva. E agora me dás um filho... Tu, pois, agora me restituis todas as rosas à minha vida, não só as que me tiraste, mas também as que eu nunca tive. Que Tu sejas bendito! Mais do que se tivesse nascido de minhas vísceras, vai ser por mim amado este menino. Pois ele me vem de Ti." E a mulher beija a veste de Jesus, beija o menino e faz que ele se assente em seu colo... Está feliz..."Deixemo-la entregue às suas expansões", diz Jesus"Fica aí tu também Simão. Nós vamos pregar na cidade. Viremos li tarde para te pedirmos comida e lugar para descansarmos." E Jesus vai com os apóstolos, deixando os três em paz... João diz: "Meu Senhor, Simão hoje está feliz!""Queres tu também um menino?""Não. Eu gostaria somente de ter um par de asas para elevar-me até as portas dos Céus e aprender a linguagem da Luz, para repeti-la aos homens", e sorri.Fazem entrar as ovelhinhas para o fundo da horta, perto do quarto grande das redes, dão-lhes folhas, ervas e água do poço, e partem Pois para o centro da cidade.15

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229. Discurso aos cidadãos de Betsaida sobre o gesto de caridade de Simão Pedro.25 de julho de 1945.

229.1 1 Jesus fala da casa de Filipe. Muitas pessoas lá se reuniram, diante de Jesus, e Ele está de pé na soleira, que fica acima de dois altos degraus.A notícia do filho adotivo de Pedro, que chegou com a sua pequena riqueza de três ovelhinhas, e veio para encontrar a grande riqueza que é uma família, foi uma notícia que se espalhou como uma gota de óleo em um pano. Todos estão falando desse assunto, e cochichando com comentários correspondentes com os diversos modos de pensar. Uns, que são amigos sinceros de Simão e de Porfíria, estão contentes pela alegria deles. Outros, malévolos, dizem: "Para fazê-lo aceitar, teve que provê-lo com um bom dote." Os que são bons dizem: "Todos quereremos bem a este pequeno a quem Jesus ama." Os maus dizem: "Será a generosidade do Simão? Nem pensar nisso. Nisso ele está levando algum lucro, se não!..."Os cobiçosos dizem: "Até eu o teria feito, se tivesse tido diante de mim um menino com ovelhas. Três ovelhas, entendestes? É um pequeno rebanho. E belas! Lã e leite assegurados, e depois os cordeirinhos para serem vendidos ou conservados. São riquezas! E o menino pode servir, trabalhar..." Outros dão seu parecer: "Oh! Que vergonha! Querer pagamento por uma boa ação? Simão, com certeza, não pensou direito neste ponto. Em sua modesta riqueza de pescador, sempre o temos conhecido como generoso para com os pobres, especialmente crianças. E justo, agora que ele não ganha mais com a pesca, que ele tenha um pouco de ganho de algum outro modo." 229 2 Enquanto cada um faz o seu comentário, tirando do seu coração o que tem nele de bom ou de mau, e vestindo-o com palavras, Jesus escuta e fala com um de Cafarnaum, que veio ao seu encontro para dizer-lhe que vá, o mais depressa possível, porque a filha do sinagoga está morrendo, e também porque, há alguns dias, tem vindo uma dama com uma criada procurá-lo. Jesus promete ir na manhã seguinte. Isto entristece os de Betsaida, que quereriam tê-lo consigo por mais dias. "Vós sois menos necessitados de Mim do que os outros. Deixai-me ir. Afinal agora, até o fim do verão, Eu estarei na Galiléia, e muitas vezes em Cafarnaum. Lá nos veremos com facilidade. Lá há um pai ou uma mãe angustiados. É caridade socorrê-los. Vós aprovais a bon-16

ade de Simao para com o órfão. Os que são bons entre vós. Mas somente o julgamento dos bons é que tem valor. Os que não são bons não são ouvidos em seus julgamentos sempre impregnados de veneno e de mentiras. Então vós, que sois bons, deveis aprovar também a minha bondade para ir aliviar um pai e uma mãe. E não façais que a vossa aprovação fique estéril, mas antes, vos leve a imitá-la.2 Quanto bem pode vir de um ato bom, é o que dizem as páginas da 229.2Escritura. Lembremo-nos de Tobias. Ele mereceu que o arcanjo protegesse o seu Tobiazinho, e que lhe ensinasse com que devolver a visão ao pai. Mas quanta caridade, e sem pensamento de utilidade, havia cumprido o justo Tobias, não obstante as desaprovações da mulher e os perigos para sua vida. E lembrai-vos das palavras do Arcanjo: "Boa coisa é a oração com o jejum, e a esmola vale mais do que montes de tesouros em ouro, porque a esmola livra da morte, purifica dos pecados, faz achar a misericórdia e a vida eterna... Quando tu oravas, por entre lágrimas, e ias sepultar os mortos... eu apresentei as tuas orações ao Senhor."O meu Simão, em verdade Eu vos digo, superará de muito as virtudes do velho Tobias. Ele ficará para vós como um tutor das vossas almas na minha Vida, quando Eu me tiver ido embora. E agora ele inicia a sua paternidade de alma, para ser amanhã um pai santo de todas as almas fiéis a Mim.

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Portanto, não fiqueis murmurando. E, se um dia, como um passarinho caído do ninho, encontrardes em vosso caminho um órfão, recolhei-o. Não é o bocado, que se reparte com o órfão, que vai empobrecer a mesa dos verdadeiros filhos. Pelo contrário, ele traz para a casa as bênçõos de Deus.Fazei isso, porque Deus é o Pai dos filhos órfãos, e vo-los apresenta Ele mesmo, para que os ajudeis, refazendo para eles o ninho que foi desfeito pela morte. E fazei-o, porque assim ensina Lei dada por Deus a Moisés, que é o nosso próprio legislador, visto que, numa terra inimiga e idólatra, encontrou, em sua fraqueza de criança, um coração compassivo, que se inclinou para ele e o salvou da morte, arrebatando-o dela para fora das águas, para fora das perseguições, porque Deus havia determinado que Israel tivesse um dia o seu libertador. Um ato de piedade obteve para Israel o seu chefe.As repercussões de um aio bom são como as ondas do som, que se espalham até muito longe do ponto de onde foram emitidas, ou, se vos agrada, como ondas de vento, que consigo levam para muito longe as sementes raptadas ás glebas férteis.Ide, agora. A paz esteja convosco."17

229.4 4 Jesus diz depois:"Aqui colocareis a visão da ressurreição da filha de Jairo, recebida no dia 11 de maio de 1944.

230. Cura da hemorroíssa e ressurreição da filha de Jairo.11 de março de 1944.

230.1 1 Apareceu-me, enquanto eu estava rezando, muito cansada e atormentada, e por isso estava mesmo nas piores condições para pensar por mim mesma em tais coisas. Mas meu cansaço físico e mental e meu tormento desapareceram logo que me apareceu o meu Jesus, e escrevo.Jesus vai indo por uma estrada ensolarada e poeirento, que se estende pela beira do lago. Ele toma o rumo do povoado, para onde acorreram muitas pessoas, que o estavam esperando com certeza, e que vão-se aglomerando ao redor dele, por mais que os apóstolos se esforcem, com os braços e os ombros, para abrir-lhe caminho, e levantem a voz para induzi a multidão para deixar um pouco de espaço.Mas Jesus não fica inquieto no meio de tanta confusão. Mais alto do que todas as cabeças dos que o rodeiam, Ele olha, com um doce sorriso, a multidão que se aperta junto a Ele, responde ás saudações, acaricia algumas crianças, que conseguem penetrar através daquele muro compacto de adultos e vão até perto dele, põe a mão sobre as cabeças dos pequeninos, que as mães levantam acima das cabeças dos presentes, para que Ele os toque. E, enquanto isso, Jesus vai caminhando. Vai devagar, cheio de paciência, no meio daquela vozearia, e recebendo de todos os lados os esbarros que aborreceriam a qualquer um. 230.2 2 Uma voz de homem grita: "Abri caminho, abri caminho." É uma voz cansada e que deve ser conhecida por muitos, e respeitada como de uma pessoa influente, porque o povo logo abriu caminho, com muito trabalho, porque vão pisando uns nos outros, e deixa passar um homem que está na casa dos seus cinquenta, coberto com uma veste longa e caída, com uma espécie de lenço branco ao redor da cabeça e que, pelos lados, desce ao longo do rosto e do pescoço.Tendo chegado á frente de Jesus, ele se prostra aos pés dele, e diz: "Oh! Mestre, por que estiveste longe tanto tempo? A minha filha está18

muito doente. Ninguém pode curá-la. Tu és a minha esperança e a da mãe dela. Vem, Mestre. Eu te estava esperando com uma grande angústia. Vem, vem logo. A minha filha única está morrendo...",

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e ele chora.Jesus põe a mão sobre a cabeça do homem que está chorando, sobre aquela cabeça inclinada e sacudida pelos soluças, e lhe responde: "Não chores. Tem fé. A tua filha viverá. Vamos a ela. Levanta-te! Vamos!" Estas duas últimas palavras foram ditas como uma ordem. Antes, falou o Consolador. Agora é o Dominador que fala. E eles se põem a caminho. Jesus tem a seu lado o pai que chora, e o segura pela mão. Quando algum soluço mais forte sacode o pobre homem, vejo que Jesus olha para ele, e lhe aperta a mão. Jesus não faz outra coisa, mas quanta força torna a fluir em uma alma, quando ela se sente tratada assim por Jesus! Antes, no lugar onde está o pai, estava Tiago. Mas Jesus o fez ceder seu lugar ao pobre pai. Pedro está do outro lado. João vai ao lado de Pedro e com ele está procurando formar uma barreira á frente da multidão, como estão fazendo Tiago e Iscariotes do outro lado, atrás do pai que vai chorando. Os outros apóstolos vão, uns na frente e outros atrás de Jesus. Mas precisa-se de outro! Especialmente os três de atrás, entre os quais vejo Mateus, não estão conseguindo deter aquela muralha viva. Quando, porém, eles começam a resmungar um pouco demais, e se põe a dirigir algum pequeno insulto á multidão indiscreta, Jesus vira a cabeça e diz com doçura: "Deixai que o façam, estes meus pequeninos!..." 3Em certo momento porém, Ele se vira de repente, até soltando a 230.3 mão do pai, e pára. Aí Ele se vira, não somente com a cabeça, mas com todo o corpo. Fica, então parecendo mais alto, porque tomou a atitude de um rei. Com um rosto e um olhar severos, inquiridores, Ele perscruta a multidão. Seus olhos lampejam, não por dureza. mas cheios de majestade: "Quem foi que tocou em Mim?", pergunta Ele.Ninguém lhe responde."Quem foi que me tocou? Repito.", insiste Jesus."Mestre", respondem-lhe os discípulos, "não estás vendo como a multidão esbarra em Ti por todos os lados? Todos estão tocando em Ti, apesar de todos os nossos esforços.""Eu pergunto quem foi que me tocou para conseguir um milagre. Eu percebi o poder de um milagre saindo de Mim, porque um coração o estava invocando com fé. Onde está esse coração?"Os olhos de Jesus se inclinam duas ou três vezes, enquanto Ele fala, para o lado de uma mulherzinha, já na casa dos seus quarenta19

anos, muito pobremente vestida e muito emagrecida no rosto, a qual está fazendo esforço para sumir no meio do povo e para ser engolida pela multidão. Aqueles olhares devem estar incidindo sobre ela, e queimando-a. Mas, afinal, ela compreende que não pode escapar, e vem para a frente, joga-se-lhe aos pés, quase com o rosto por terra, com as mãos estendidas, mas sem ousar tocar em Jesus."Perdão! Sou eu. Eu estava doente. Há doze anos que eu estava doente. Evitada por todos. Meu marido me abandonou. Gastei todos os meus haveres para não ser considerada uma vergonha, e para poder viver como todos vivem. Mas ninguém foi capaz de curar-me. Estás vendo, Mestre? Eu estou velha, antes do tempo. A forca saiu de mim com aquele meu fluxo incurável, e com ela lá se foi também a minha paz. Disseram-me que Tu és bom. Quem o disse foi um que foi curado por Ti da sua lepra e que, por ter sido durante muitos anos evitado por todos, não teve nojo de mim. Eu não tive coragem de dizer isso antes. Perdão! Pensei que, logo que tivesse tocado em Ti, ficaria curada. Mas eu não te fiz ficar impuro. Eu apenas rocei pela aba de tua veste, no ponto em que ela ia se arrastando pelo chão, sobre as sujeiras do chão... Eu também sou uma sujeira... Mas estou curada, e que Tu sejas bendito! No momento em que toquei na tua veste, o meu mal cessou. Agora tornei-me como todas. Já não serei evitada por todos. Meu marido, os meus filhos, os parentes poderão ficar perto de mim, e eu poderei acariciá-los. Vou poder ser útil a minha casa. Obrigada, Jesus, bom Mestre. Que tu sejas bendito para sempre! "Jesus olha para ela com uma grande bondade. E lhe sorri. E lhe diz: "Vai em paz, minha filha. A tua fé te salvou. Fica curada para sempre. Se boa e feliz. Vai!..." 230.4 4 Enquanto fala ainda, chega um homem, eu diria que é um criado, o qual se dirige ao pai que, durante todo aquele tempo, se manteve em sua respeitosa e atormentada espera, como se estivesse em cima de brasas. "Tua filha morreu. Inútil importunar mais o Mestre. O espírito dela a

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deixou, e as mulheres já se estão lamentando. A mãe é que te mandou dizer isso, e te pede que vás logo." O pobre pai solta um grande gemido. Ele leva as mãos à fronte e a aperta, comprimindo os olhos e inclinando-se, como se fosse golpeado. Jesus, que parece não dever ver nem ouvir nada, atento como Ele está em ouvir e responder à mulher, pelo contrário, o que Ele faz é virar-se para o pobre pai e pôr as mãos sobre suas costas arqueadas.20

"Homem! Te repito: tem fé. Não temas. A tua menina viverá. Vamos a ela." E se encaminha, segurando apertado contra a si o homem aniquilado.A multidão, diante daquela dor e da graça pouco antes concebida, pára e fica aterrorizada. Depois, se reparte em grupos, e deixa que caminhem livremente Jesus e os seus, e se põe a acompanhar, como uma sombra, a graça que passa.Andam assim cerca de cem metros, talvez mais―eu não sou calculadora―, depois vão entrando cada vez mais para o centro do povoado.5 Uma aglomeração de pessoas está na frente de uma casa de con- 230.5 dição civil, comentando todos em voz alta e estridente o que aconteceu, ao responderem aos gritos, ainda mais estridentes, que estão saindo da porta escancarada. São gritos finos, agudos, em uma nota monocórdica, e que parecem dirigidos por uma voz ainda mais aguda, que faz o solo, e à qual respondem, primeiro um grupo de vozes mais finas, e depois um outro de vozes mais cheias. É um barulhão capaz de matar até a quem está bem de saúde.Jesus ordena aos seus que se detenham diante da porta de saída, e chama consigo Pedro, João e Tiago. Entra com eles em casa, levando sempre seguro por um braço, o pai, que está chorando. Parece estar querendo infundir-lhe a certeza de que Ele ali está para fazê-lo feliz, com aquele aperto. As... carpideiras (eu as chamaria urradoras), ao verem o chefe da casa e o Mestre, aumentam a intensidade da gritaria, batem as mãos, percutem os tamborins e os triângulos, e, ao som desta... música, emitem suas lamentações."Calai-vos", diz Jesus. "Não é preciso chorar. A menina não está morta, mas dorme."As mulheres soltam gritos ainda mais fortes, e algumas rolam por terra, arrancam os cabelos (ou melhor, fazem como se os arrancassem), para mostrarem que a menina está morta mesmo. Os locadores de flautas e os amigos tocam no braço do dono da casa, diante daquela ilusão na qual está Jesus. Mas o Senhor repete um "Calai-vos", em um tom tão enérgico, que a gritaria, se não cessa, se transforma em murmúrio. E Ele passa além.6 Entra em um quartinho. Sobre uma cama está estendida a meni- 230.6 na morta. Magra, muito pálida, ela está vestida e com os cabelos negros ajeitados com cuidado. A mãe está chorando perto do pequeno leito, do lado direito, e beijando a mãozinha cor de cera da morta. Jesus... como Ele está bonito agora! Poucas vezes o terei visto assim.21

Jesus se aproxima solícito. Parece deslizar sobre o pavimento, em vôo, tanto se apressa àquele pequeno leito. Os três apóstolos ficam junto à porta, que eles fecharam aos olhares dos curiosos. O pai fica parado aos pés do leito. Jesus vai para o lado esquerdo do pequeno leito, estende a mão esquerda e, com ela, pega a mãozinha, já abandonada, da morta. Ele pegou a mão esquerda. Eu vi bem. Assim é a esquerda, tanto a de Jesus, como a da menina. Jesus levanta o braço direito, levando a mão aberta ate á altura dos ombros, e depois a abaixa, com um gesto de quem jura ou comanda. E diz: "Menina. Eu te ordeno. Levanta-te!" É um instante em que todos, menos Jesus e a morta, ficam suspensos. Os apóstolos espicham os pescoços para verem melhor. O pai e a mãe olham, com olhos cheios de aflição, para sua filha. É apenas um instante. Depois, um suspiro começa a levantar o peito da morta. Uma leve cor vem subindo pelo rostinho cor de cera, e tirando dele a lividez da morte. Um sorriso já se vem esboçando nos labiozinhos pá lidos, antes mesmo que os olhos se abram, como se a menina estivesse tendo um bonito sonho. Jesus continua a segurar a mão dela com sua mão. A menina já vai abrindo docemente os olhos, gira-os ao redor de si, como se estivesse despertando. Vê por primeiro o rosto de Jesus, que a está fitando com seus esplêndidos olhos, e lhe

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sorri, com uma bondade encorajadora, e continua a lhe sorrir. "Levanta-te", repete-lhe Jesus. E afasta com a mão os aparatos fúnebres, que estavam espalhados sobre o pequeno leito e dos lados (flores, velas etc., etc.) e a ajuda a descer e a dar os primeiros passes, segurando-a sempre pela mão. "Dai-lhe de comer agora", ordena Ele. "Ela está curada. Deus vola restitui. Agradecei-lhe. E não canteis a ninguém isto que aconteceu. Vós sabeis o que havia acontecido com ela. Vós acreditastes e merecestes 0 milagre. Os outros não tiveram fé. É inútil procurar persuadi-los. A quem não crê no milagre, Deus não se mostra. E tu, menina, sê boa. Adeus. A paz esteja nesta casa." E Jesus sai, tornando a fechar a porta atrás de Si. E cessa a visão. 230.7 7 Eu lhe direi que os dois pontos em que ela mais me trouxe alegria foram aqueles em que Jesus procura na multidão quem foi que tocou nele e, sobretudo, quando Ele, de pé junto à morta, a pega pela mão e lhe ordena que se levante. A paz, a segurança penetraram em mim. Não é possível que um Compassivo igual a Ele, e um Poderoso como Ele, não possa ter compaixão de nós e vencer o mal que nos faz morrer. Jesus, por enquanto, não comenta, e nada diz sobre outras coisas. 22

Ele me vê quase morta, e não julga oportuno que eu esteja melhor esta tarde. Que se faça como Ele quer. Estou já bastante feliz por ter em mim a sua visão.

231. Em Cafarnaum, Jesus e Marta falam da crise que atormenta Maria de Magdala.27 de julho de 1945.

1 Cheio de calor e coberto de poeira, Jesus, com Pedro e João, tor-231.1 nam a entrar na casa de Cafarnaum.Ele, mal pôs o pé na horta, indo para a cozinha, quando o dono da casa o chama familiarmente, para dizer-lhe: "Jesus, voltou aquela dama de que eu te falei em Betsaida, voltou para Te procurar. Eu disse a ela que Te esperasse, e a levei lá para cima, para o quarto alto.""Obrigado, Tomé, Eu vou logo. Se os outros vierem, procura entretê-los aqui." E Jesus sobe rapidamente pela escada, mesmo sem ter tirado a capa.No terraço ao qual está apoiada a escada, ali permanece Marcela, criada de Marta. "Oh! nosso Mestre! Minha patroa está lá dentro. Há muitos dias que Te está esperando, diz a mulher, ajoelhando-se para venerar a Jesus."Eu já estava pensando nisso. Vou logo estar com ela. Deus te abençoe, Marcela."Jesus levanta o toldo, colocado como abrigo contra a luz, e que ainda está forte, por mais que o pôr do Sol se tenha adiantado hoje em suas cores, transformando o ar em um fogo, que parece estar incendiando as casas brancas de Cafarnaum, com a reverberação vermelha de um enorme braseiro. No quarto, toda velada e envolta em uma capa, sentada perto de uma janela, está Marta. Talvez esteja olhando uma parte do lago, no ponto em que mergulha o focinho de uma colina cheia de bosques. Talvez ela não esteja olhando senão para os seus pensamentos. Com certeza ela está muito absorta, a tal Pronto que nem ouviu o leve rumor dos passos de Jesus que se aproxima. E leva um susto, quando Ele a chama."Oh! Mestre!", grita ela. E cai de joelhos, com os braços estendidos, como quem está pedindo ajuda, e depois se inclina, até tocarom a fronte no pavimento, e chora.2 "Mas, por que isso? Vamos, levanta-te! Por que este grande pran- 231 2 to? Tens alguma desventura para contar-me? Sim? Então, qual é? Eu

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estive em Betania, sabes? E lá fiquei sabendo que havia boas notícias. Agora, tu estás chorando... Que terá acontecido?", e a obriga a levantar-se, faz que ela se assente na cadeira colocada perto da parede, sentando-se Ele á frente dela."Vamos, tira o véu e a capa, como Eu estou fazendo. Debaixo disso, deves ficar sufocada. E depois, Eu quero ver o rosto desta Marta perturbada, para expulsar todas as nuvens que o escurecem."Marta obedece, chorando sempre, e aparece o seu rosto avermelhado, e com olhos inchados."E, então? Eu vou te ajudar. Maria mandou-te chamar. Ela chorou muito, quis saber muitas coisas de Mim, e tu pensaste que isso fosse um bom sinal, tanto assim que para completar o milagre, desejaste que Eu viesse. E Eu vim. E agora?... ""Agora, nada mais, Mestre! Eu me enganei. É a esperança muito viva que nos faz ver o que não existe. Eu te fiz vir á toa.... Maria está pior do que antes... Não! Que direi? Eu estou caluniando, mentindo. Não está pior, porque não está querendo mais homens ao seu redor. Está diferente, mas continua muito má. Parece-me que está doida... Eu não a entendo mais. Antes, pelo menos a entendia. Mas, agora! Agora, quem é que a compreende mais?", e Marta chora desconsoladamente."Eia, põe-te mais calma, e dize-me o que ela está fazendo. Por que é má? Portanto, homens ela não quer mais ao seu redor. Suponho, pois, que ela viva retirada em casa. É isso? Sim? Isso é muito bom. Ter-te ela desejado perto de si, para ser defendida da tentação―são as tuas palavras―e fugir da tentação para evitar as relações culposas, ou até simplesmente o que poderia levá-la a relações culposas, já é sinal de boa vontade.""Dizes que sim, Mestre? Achas mesmo que é assim?"231.3 3 Mas, com certeza. Então em que ela te parece má? 'Conta-me o que ela está fazendo...""Vamos ao assunto." Marta, um pouco mais encorajada pela certeza de Jesus, fala agora de modo mais ordenado. "Vamos ao assunto. Maria, desde que eu vim me embora, não saiu mais de casa e do jardim, nem mesmo para ir pelo lago com a barca. Sua ama de leite me disse que antes quase já não saía. Parece que essa mudança tenha tido começo desde a Páscoa. Mas, antes da minha vinda, ainda vinham pessoas procurá-la, e ela nem sempre as repetia. Algumas vezes dava ordem para que não se deixasse passar ninguém. E parecia uma ordem para sempre. Depois chegava a bater nos criados, tomada por24

uma ira injusta, se, ao ir até o vestíbulo, por ter ouvido as vozes dos visitantes, via que já se haviam ido embora. Desde quando eu vim, ela não fez mais isso. Ela me disse na primeira noite, e por isso eu fiquei com muita esperança: "Segura-me, amarra-me, se for o caso. Mas não me deixes mais sair, não deixes mais que eu veja ninguém, senão a ti e á ama de leite. Porque eu estou doente e quero curar-me. Mas aqueles que vem a mim, ou querem que eu vá a eles, são uns brejos de febre. Eles me fazem ficar cada vez mais doente. Mas, são tão bonitos na aparência, tão cheios de flores e canções, trazendo frutas de aspecto agradável, às quais eu não sei resistir, porque sou uma infeliz, uma infeliz eu sou. A tua irmã é fraca, Marta. E há quem se aproveite de sua fraqueza para fazê-la praticar coisas infames, coisas que alguma coisa que ainda há em mim não consente. É a única coisa que eu ainda tenho da mamãe, da minha pobre mamão...", e chorava, chorava. E eu lhe fiz isso. Com doçura, nas horas em que ela estava mais razoável; com firmeza, nas horas em que ela me parecia uma fera engaiolada. Mas ela, nos momentos de pior tentação, ela vinha chorar a meus pés, com a cabeça em meu colo, e dizer-me: "Perdoame, perdoa-me!" E, quando eu lhe perguntava: "Mas de que, minha irmã? Tu não me causaste nenhuma dor", ela me respondia: "Porque, há pouco, ou ontem à tarde, quando tu me disseste: "Tu não vais sair daqui", eu, no meu coração, te odiei, te amaldiçoei, e te desejei a morte. "Não dá pena, Senhor? Está louca, talvez? O seu vício a enlouqueceu? Acho que algum dos seus amantes lhe tenha dado um filtro para ela tornar-se sua escrava nas práticas luxuriosas, e que aquilo lhe tenha atingido o cérebro..."" Não. Nada de filtro. Nada de loucura. É uma outra coisa. 4 Mas, 231.4

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continua.""Comigo ela está ainda respeitosa e obediente. Até aos criados ela não maltratou mais. Contudo, depois da primeira tarde, ela não perguntou mais nada sobre Ti. Ao contrário, se eu falava de Ti, ela mudava de assunto. A não ser nos dias em que ficava horas e horas sobre o penhasco, onde está o mirante, olhando para o lago, e me perguntava, ao ver cada barca que passava: "Aquela será a dos pescadores galileus?" Ela não fala nunca em teu Nome, nem dos apóstolos. Mas eu sei que ela está pensando neles, e em Ti na barca de Pedro. E também compreendo que ela está pensando em Ti, porque algumas vezes á tarde enquanto passeamos pelo jardim ou esperamos a hora do descanso, eu cosendo, e ela sem fazer nada, ela me diz: "Então, é preciso25

viver de acordo com a doutrina que segues?" E ás vezes chora, outras vezes ri, com umas risadas sarcásticos de louca, ou de demónio. Outras vezes solta os cabelos, sempre caprichosamente arrumados, faz com eles duas tranças pelas costas abaixo, ou levadas para a frente, com a roupa toda fechada, toda pudica, transformada pela roupa em uma jovenzinha, como também pelas tranças, pelas expressões do rosto, e aí ela diz: "É assim, então, que deve ficar Maria?", e, mesmo assim, por vezes ela chora, beijando as suas próprias e esplêndidas tranças, da grossura de baraços, compridas até os joelhos, todo aquele ouro vivo, que era a glória de minha mãe e, de vez em quando, solta aquela horrível risada, ou então me diz: "Mas é melhor, olha: que eu faça assim, e me mate", e dá um nó com as tranças na garganta, e aperta até ficar roxa, como se quisesse estrangular-se. Outras vezes, compreende-se que é quando mais forte ela sente a sua... a sua carne, ela se compadece de si mesma, ou então se maltrata. Eu a encontrei, quando ela estava batendo ferozmente em seu próprio seio, no peito, e arranhava o próprio rosto, batia a cabeça contra a parede e, se eu lhe perguntava: "Mas por que fazes isso?", ela se virava para mim, feroz, e me dizia: "Para despedaçar-me a mim, as minhas vísceras e minha cabeça. As coisas nocivas, malditas, devem ser destruidas. E eu me destruo."E, se eu lhe falo da misericórdia divina, de Ti,―porque eu lhe falo igual mente de Ti, como se ela fosse a mais fiel de tuas discípulas, e eu Te juro que algumas vezes eu sinto um arrepio para falar disso diante dela,―pois ela me responde: "Para mim não pode haver misericórdia. Eu passei da medida." E aí toma conta dela uma fúria de desespero, e ela grita, ferindo-se até derramar sangue: "Mas, por que? Por que a mim é que este monstro dilacera? Ele não me dá paz. Ele me leva ao mal com vozes de canções, depois me une ás vozes de maldições ao pai, á mãe, a vós, porque tu e Lázaro me maldizeis, e Israel me maldiz, mes traz, para fazer-me enlouquecer..."E então, quando ela diz isso, eu lhe respondo: "Por que é que pensas em Israel, que não passa de um povo, e não pensas em Deus? Mas visto que não pensaste antes em pisar em cima de tudo, pensa agora em superar tudo, e a não te preocupares senão com aquilo que não é o mundo, isto é, com Deus, com o pai, com a mãe. Eles não te maldizem, se mudares de vida, mas te abrem os braços..." E ela me fica escutando, pensativa, espantada, como se eu lhe estivesse contando uma história impossível, e depois põe-se a chorar... Mas não responde nada. Por vezes, ao contrário, manda aos seus criados que lhe sir-26

vam vinho e especiarias aromáticas, e bebe e come esses alimentos artificiosos, e explica: "É para não ficar pensando."Agora, desde que ficou sabendo que Tu estás no lago, ela me diz, todas as vezes que fica sabendo que vou vir a Ti: "Qualquer hora, eu também vou", e se ri com aquele riso, que é um insulto a ela mesma, e termina: "Pelo menos, assim os olhos de Deus se baixarão também sobre o estrume." Mas eu não quero que ela venha. E agora eu espero poder vir, quando ela, cansada da ira, de vinhos, de chorar e de tudo, estiver dormindo, esgotada. Hoje mesmo, eu tive que escapar assim, para poder voltar á noite, antes que ela desperte. Esta é a minha vida... e eu não espero mais..." E o pranto, não mais refreado pelo pensamento de dizer tudo em ordem, recomeça mais forte do que antes.

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5 "Tu te lembras, Marta, do que Eu te disse uma vez? "Maria é uma 231 5 doente." Tu não querias crer. Agora estás vendo. Tu a chamas louca. Ela mesma se diz doente de febres pecaminosas. Eu digo: enferma de possessão do demónio. E sempre uma doença. E essas incoerências, essas fúrias, esses choras, e desconsolações e desejos de Mim são as fases do seu mal que, quando chega o momento da cura, tem suas crises mais violentas. Tu fazes bem em ser boa com ela. Fazes bem em ter paciência com ela. Fazes bem em falar-lhe de Mim. Não sintas arrepios por falar o meu Nome na presença dela. Pobre alma a da minha Maria. Ela também saiu do Pai Criador, não é diferente das outras, nem da tua, nem da de Lázaro, nem da dos apóstolos e discípulos. Ela também foi incluída e contemplada entre as almas pelas quais Eu me fiz carne para ser Redentor. Antes, mais para ela do que para ti, para Lázaro, para os apóstolos e discípulos, é que Eu vim. Pobre, querida alma que sofre, a da minha Maria. Da minha Maria, envenenada com sete venenos, além de com o veneno primogénito e universal! Da minha Maria prisioneira! Mas, deixa que ela venha a Mim! Deixa que ela respire o meu respiro, que ouça a minha voz, que encontre 0 meu olhar!... Ela se diz: "Um estrume.." Oh! Pobre querida que dos sete demónios o que ela tem de menos forte é o da soberba! Mas só por isso ela se salvará! "6 "Mas, se depois, ao sair, ela encontra algum que a desvia de novo 231.6 para o vício? Ela mesma tem medo disso... ""E sempre terá esse medo, agora que ela chegou a sentir náusea do vício. Mas não tenhas medo. Quando uma alma já tem este desejo de ir para o Bem, e só é detida pelo Inimigo diabólico, que sabe que vai perder sua presa, e pelo inimigo pessoal do eu, que ainda raciocina humanamente, aplicando a Deus o seu modo de julgar para impe-27

dir ao espírito que domine o eu humano, então aquela alma já está forte contra os assaltos do vício e dos viciados. Ela encontrou a Estrela Polar, e não se desvia mais.E igualmente não lhe digas mais: "Não pensaste em Deus e, em vez disso, pensas em Israel?" E uma reprovação implícita. Não a faças. É uma saída das chamas. É uma chaga completa. Não lhe apliques senão os bálsamos da doçura, do perdão, da esperança... Deixaa livre para vir. Deves até perguntar-lhe quando espera vir, mas não dizer-lhe: "Vem comigo". Pelo contrário, se consegues ficar sabendo que ela vem, tu não venhas. Volta para trás. Vai ficar esperando em casa. Ela irá a ti, quando esmagada pela Misericórdia. Porque Eu devo tirar dela a força maligna que a detém, e por algumas horas ela ficará como uma que se esvaiu em sangue, uma a quem o médico tirou os ossos. Mas depois ficará melhor. Ficará atordoada. Terá uma grande necessidade de carícias e de silêncio. Assiste-a, como se fosses o seu segundo anjo da guarda, sem te fazeres perceber. E, se a vires chorar, deixa-a chorar. E, se a ouvires fazer pedidos, deixa que os faça. E, se a vires sorrir, e sorrir depois com um sorriso diferente, não lhe faças perguntas, não a coloques em dependência. Ela sofre mais agora, que está subindo, do que quando desceu. E ela deve agir por si mesma, como por si mesma, como por si mesma agiu quando desceu. Não suportou, então, os vossos olhares sobre sua descida, porque nos vossos olhares estava a reprovação. Mas agora ela não pode, em sua vergonha que finalmente despertou de novo, suportar o vosso olhar. Como ela estava, sentia-se forte, porque tinha em si Satanás, que era seu dono, e uma força maligna que a dominava, e podia desafiar o mundo e, no entanto, não pôde ser vista por vós em sua vida de pecado. Agora ela não tem mais Satanás como seu dono. Ele ainda é hóspede nela, mas já está preso pela garganta, sob a vontade de Maria. Mas ela ainda não Me tem. Por isso está ainda muito fraca. Não pode suportar nem mesmo a carícia dos teus olhares de irmã, na sua confissão ao seu Salvador. Toda a sua energia está voltada e está empregada em segurar pela garganta o demónio de sete cabeças. Para tudo 231.7 mais ela está indefesa, nua. Eu a revestirei e fortalecerei. 7 Vai em paz, Marta. E amanhã, com muito jeito, dize a ela que Eu irei pregar perto da torrente da Fonte, aqui em Cafarnaum, no fim da tarde. Vai em paz! Vai em paz! Te abençôo."Marta ainda está perplexa."Não caias na incredulidade, Marta", diz Jesus, que a está observando.28

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"Não, Senhor. Mas eu fico pensando...Oh! dá-me alguma coisa que eu possa dar á Maria, para dar-lhe um pouco de força... Ela está sofrendo muito... e eu estou com muito medo de que ela não consiga triunfar sobre o demónio!""Tu és uma menina! Tem Mim e a Ti, a Maria. Poderia deixar de conseguir resultados? Mas, vem cá, e toma. Dá-me esta mão, que nunca pecou, que soube ser doce, misericordiosa, ativa, piedosa, que sempre fez gostos de amor e de oração, que não se tornou preguiçosa na ociosidade. Que não se deixou corromper nunca. Eis, tenhoa entre as minhas para fazê-la mais santa ainda. Levanta-a contra o demónio, e ele não a suportará. Toma esta minha cinta. Não te separes mais dela. E, todas as vezes que a vires, dize a ti mesma: "Mais forte do que esta cinta de Jesus é o poder de Jesus, e com ele tudo se vence: os demónios e os monstros. Eu não devo temer." Estás contente agora? A minha paz esteja contigo. Vai tranquila."Marta faz uma reverência e sai.Jesus sorri, enquanto vê retomar lugar no carro, que Marcela fez chegar até á porta, e ir em direção a Magdala.

232. Cura de dois cegos e de um mudo endemoninhado.28 de julho se 1945.

1 Depois Jesus desce à cozinha e, vendo que João está para ir à fon- 232.1 te, em vez de ficar na cozinha quente e enfumaça, prefere ir com João, deixando Pedro com os peixes, que agora mesmo foram trazidos pelos empregados de Zebedeu para a ceia do Mestre e dos apóstolos.Não vão à fonte da nascente, que fica lá no fim da cidade, mas à outra que está na praça e para onde certamente vem aquela água que é transportada do abundante manancial que jorra na encosta do monte, perto do lago. Na praça, como de costume, está a multidão dos palestinos, que lá se ajuntam à tarde. Mulheres com suas ânforas, meninos que estão brincando, homens que falam dos seus negócios ou dos mexericos do lugar. Passam também, acompanhados por seus servos e clientes, os fariseus, que vão indo para suas ricas casas. Todos se desviam para deixá-los passar, cumprimentando-os, mas para depois, logo que eles vão ficando para trás, amaldiçoá-los de todo o coração, contando os últimos abusos e usuras deles. 2 Mateus está em um canto da praça, falando com os seus antigos 232.229

amigos, e isso faz que o fariseu Urias esteja dizendo, com desprezo e em alta voz: "As famosas conversões! O afeto ao pecado ainda continua, e isso se vê pelas amizades que ainda existem. Ah, Ah!..."Ao que Mateus, ressentido, se vira e responde: "Elas ainda existem para convertê-los. ""Não há necessidade disso! Basta o teu Mestre. Tu, fica longe de nós, e que a tua doença não volte, se é que estás mesmo curado."Mateus fica roxo, pelo esforço que faz para não dizer-lhe algumas boas, mas se limita a responder-lhe: "Não tenhas medo, e não fiques esperando. ""O que?""Não tenhas medo de que eu volte a ser Levi, o publicado, e não fiques esperando que eu te imite em perder estas almas. As separações e os desprezos eu os deixo para ti e para os teus amigos. Eu imito o meu Mestre, e me aproximo dos pecadores, para levá-los á Graça. "

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Urias teria vontade de rebater, mas intervém outro fariseu, o velho Eli, e diz: "Não sujes a tua pureza, e não contamines a tua boca, meu amigo. Vem comigo", e segura Urias por debaixo do braço, levando-o para a sua casa. 232.3 3 Enquanto isso, a multidão, principalmente de crianças, está ainda unida a Jesus. Entre as crianças está a dupla de irmãozinhos, Joana e Tobiazinho, aqueles dois que um dia, no passado, estavam brigando por causa de figos, e dizem a Jesus, apalpando com suas mãozinhas o corpo alto do Senhor, para chamar sua atenção: "Escuta, escuta. Também hoje fomos bons, sabes? Não choramos mais, não ficamos mais nos maltratando, por amor de Ti. Não nos dás um beijo?""Então, tendes sido bons, e por amor a Mim! Que alegria me dais. Aqui está o vosso beijo. E amanhã sede melhores ainda."E aqui está Tiago, o pequeno que levava todos os sábados a bolsa de Mateus a Jesus. Ele diz: "Levi não me dá mais nada para os pobres do Senhor, mas eu fui pondo de lado todos os trocados que me davam, quando eu procuro ser bom, e agora eu te dou. Tu os dás aos pobres pelo meu avô?""Com certeza. Que tem o teu avô?"Ele não anda mais. Está tão velho, que suas pernas já não o sustentam. ""Ficas aborrecido com isso?""Sim, porque ele era o meu mestre, quando íamos pelas campinas. Ele me ensinava muitas coisas. Fazia-me amar ao Senhor. Ele ainda30

me fala de Jó, e me faz olhar para as estrelas do céu, mas faz isso sentado em sua cadeira... Antes, ele era mais bonito.""Amanhã irei visitar o teu avô. Estás contente?'E Tiago é substituido agora por Benjamim, não aquele de Magdala, mas Benjamim de Cafarnaum, aquele de uma visão distante. Tendo chegado á praça junto com a mãe, e tendo visto Jesus, deixa a mão da mãe e, com um grito, que parece um pio de andorinha, ele se joga por entre a pequena multidão e, tendo chegado diante de Jesus, o abraça, á altura dos joelhos, dizendo: "Também para mim, também para mim, uma carícia."4 Passa naquele momento o fariseu Simão, e faz uma pomposa in- 232 4 clinação para Jesus, que lhe retribui. O fariseu pára e, enquanto a multidão o evita, como se estivesse com medo dele, o fariseu diz: "E a mim, não farias uma carícia?", e fica sorrindo levemente."A todos os que me pedem. Congratulo-me contigo, Simão, pela tua ótima saúde. Disseram-me em Jerusalém que tinhas estado um pouco doente.""Sim. Muito. Eu Te desejei para ficar são.""Acreditavas que Eu o pudesse?""Nunca duvidei disso. Mas eu tive que tentar curar-me por mim mesmo, porque Tu tens estado muito ausente. Onde estiveste?""Nos confins de Israel. Assim foi que ocupei os dias entre a Páscoa e Pentecostes. ""Tiveste bons resultados? Eu fiquei sabendo do caso dos leprosos de Hinon e de Siloan. Grandioso. Foi aquele caso só? Certamente que não. Mas isso só se sabe pelo sacerdote João. Quem não tem prevenção, crê em Ti e é feliz.""E quem não crê, por que têm prevenção? Que será dele, sábio Simão?"O fariseu se perturba um pouco... ele está dividido entre o desejo fie não condenar os seus muitos amigos, que têm prevenção contra Jesus, e o desejo de poder merecer os elogios de Jesus. Mas este desejo ti que vence, e ele diz: "E quem não quiser crer em Ti, mesmo depois Las provas que dás, é condenado.""Eu quereria que ninguém o fosse...""Tu, sim. Nós não te retribuimos com a mesma medida de bondade que tens para conosco. Muitos não te merecemos... Jesus, eu gostaria que fosses o meu hóspede amanhã. .. ""Amanhã, Eu não posso. Combinemos para daqui a dois dias. Aí citas?"31

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"Sempre. Vou ter comigo... uns amigos... e precisarás ter paciência com eles se..." "Sim, sim. Eu irei com João." "Só com João?" "Os outros estão em outras missões. Aí vem vindo eles das campinas, A paz esteja contigo, Simão." "Deus esteja contigo, Jesus." O fariseu vai-se embora, e Jesus se reune com os apóstolos. 232.5 5 Voltam para casa para a ceia. Mas, enquanto estão comendo o peixe assado, são alcançados por cegos que já haviam implorado a Jesus pelo caminho. Eles voltam a repetir o seu pedido: "Jesus, Filho de Davi, tem piedade de nós! " "Ora, ide-vos embora! Ele já vos disse: "amanhã", e amanhã há de ser. Deixa que Ele coma", censura-os Simão Pedro. "Não, Simão. Não os mandes embora. Esta grande constância deles merece um prémio. Vinde para a frente, vós dois", diz depois aos cegos, e eles entram tateando, com os seus bastões, o chão e as pare- des. Credes vós que Eu vos possa dar de novo a vista?" "Oh! Sim, Senhor. Nós viemos porque temos certeza disso." Jesus se levanta da mesa, aproxima-se deles, põe as pontas de seus dedos sobre as pálpebras dos cegos, levanta o rosto, ora, e depois diz: "Que vos seja feito conforme a fé que tendes " · Ele retira as maos, e as pálpebras, que estavam imóveis, Começam a mover-se, porque a luz já fere de novo as pupilas que, em um dos dois renasceram, enquanto se descolam as pálpebras do outro e, onde antes havia uma sutura devida talvez a úlceras mal curadas eis que ai se reforma a orla das pálpebras, agora já sem defeitos, e elas se erguem e se abaixam, movendo-se como asas. Os dois caem de joelhos. "Levantai-vos e ide. E tomai cuidado para que ninguém fique sabendo do que Eu vos fiz. Levai ás recebida, aos vossos parentes « nem é favorável para a vossa alma. Conservai-a longe das lesões em vossa fé, assim como agora estais sabendo o quanto valem os olhos, e os preservareis de todas as lesões, para não ficardes cegos outra vez. 232.6 6 A ceia termina . Sobem para o terraço, onde o ar está mais fresco. O lago brilha de um lado ao outro sob a luz de um quarto da Luna e Jesus se assenta á beira de um muro baixo e se entretém a olhar para aquele lago, que parece prata fundida. Os SUL entre si, a meia voz, para não o perturbarem.32

Mas olham para Ele, como que fascinados.E de falo! Como Ele está agradável á vista! Todo aureolado pelo luar, que ilumina o seu rosto, severo e sereno ao mesmo tempo, permitindo que se estudem dele os mais leves traços. Ele está com a cabeça levemente inclinada para trás, apoiada na vara áspera da videira, que sobe por ali, para ir estender-se sobre o terraço. Seus grandes olhos, de um azul que, de noite, parecem quase da cor do ónix, como se estivessem derramando ondas de paz sobre todas as coisas. Algumas vezes eles se elevam para o céu sereno, pontilhado de astros, outras vezes se abaixam por sobre as colinas, e até mais para baixo, sobre o lago. Outras vezes ainda, eles fitam um ponto indeterminado, e parecem sorrir á sua própria vista daquilo que estão vendo! Seus cabelos mostram leves ondulações, ao soprar de um vento brando. Com rima perna suspensa, a pouca distancia do chão, Ele está assim sentado, meio enviesado, com as mãos abandonadas no colo, e seu hábito branco faz realçar o seu candor, parecendo tornar-se de prata, pela luz do luar, enquanto suas longas mãos, de uma brancura de marfim, parecem por em destaque sua cor de marfim velho e sua beleza viril, mas delicada. Também o seu rosto de fronte alta, nariz reto, com as teces de um ovalado sutil, que a barba louro-cobre disfarça, parece, a esta luz do luar, tornar-se também de marfim velho, perdendo aquela esfumatura rósea, que de dia se lhe nota, no alto das faces."Estás cansado, Mestre", pergunta-lhe Pedro."Não. ""Pareces pálido e pensativo...""Eu estava pensando. Mas acho que não estou mais pálido que de costume. 7 Vinde cá...A luz da Lua vos faz ficar polidos também. 232 Amanhã ireis a Corozaim. Talvez lá encontrareis alguns discípulos. Falai-lhes. E prestai atenção para estardes aqui amanhã á tarde. Eu vou pregar perto da torrente.""Que beleza! Nós diremos isto aos de Corozaim. Hoje, quando velamos, encontramos Marta e

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Marcela. Elas tinham estado aqui?", pergunta André."Sim.. ""Em Magdala havia um grande falatório sobre Maria, que ela não sufi mais que não dá mais festas. Nós descansamos perto daquela mulher da outra vez. Benjamim me disse que, quando sente vontade de fazer alguma coisa má, pensa em Ti e...""... e em mim, dize-o logo, Tiago", diz Iscariotes."Ele não disse isso."33

"Mas o subentendeu, quando disse: "Não quero eu ser bonito, mas mau", e me olhou de soslaio. Ele não me tolera.""São antipatias sem importância, Judas. Não penses nisso", diz Jesus."Sim. Mestre. Mas é desagradável que..." 232.8 8 "0 Mestre está aí?", grita uma voz que vem da estrada."Está. Mas, que desejais mesmo? Não vos basta o comprimento do dia? É esta a hora de ficar importunando a uns pobres peregrines? Voltai amanhã", lhes diz Pedro."É que temos conosco um endemoninhado mudo. E, pela estrada, ele escapuliu de nossas mãos três vezes. Se não fosse isso, teríamos chegado antes. Sede bons. Daqui a pouco, quando a Lua estiver alta, ele vai gritar fortemente e espantar o povoado todo. Estais vendo como ele já começa a agitar-se?!"Jesus se debruça sobre o pequeno muro, depois de ter atravessado todo o terraço. Os apóstolos fazem o mesmo. Forma-se um colar de rostos inclinados, acima de uma multidão de pessoas que levantam as cabeças no rumo daqueles que estão inclinados. No meio, com movimentos e uivas de um urso, ou de um lobo acorrentado, está um homem com os pulsos bem amarrados, para que não fuja. Ele uiva, fazendo movimentos como os de um animal, e procurando no chão, saiba-se lá o que. Mas, quando ele levanta o olhar, que se encontra com o olhar de Jesus, então dá um urro monstruoso, inarticulado, um horrível ulular, e procura fugir. A multidão, quase todos adultos de Calam amedrontada. "Vem por caridade. O demónio o está atacando como antes... ""Vou logo." E Jesus desce, rápido, indo bem virado para o infeliz, que esta mais do que nunca, agitado. "Sai deste homem. Eu assim quero." "O uivo explode, então, numa palavra : "Paz. "Sim paz.Tem paz, agora que estás libertado,' A multidão urra, maravilhada, vendo aquela repentina passagem da fúria para o sossego, da possessão para a libertação do mutismo para a fala. 232.9 9 "Como ficastes sabendo que Eu estava aqui?" "Em Nazaré nos disseram: "Ele está em Cafarnaum no-lo confirmaram dois que disseram terem sido curados por Ti nos olhos, nesta casa."34

"É verdade! É verdade! Também a nós eles disseram...", gritam muitos. E comentam: "Nunca foram vistas coisas semelhantes em Israel! ""Se Ele não tivesse a ajuda de Belzebu, não as faria", escarnecem os fariseus de Cafarnaum, entre os quais está faltando Simão."Ajudado, ou não ajudado, eu estou aqui curado, e os cegos também. Vós não o poderíeis fazer, ainda que fizésseis vossas longas orações", responde-lhes o mudo endemoninhado, que foi curado, e que está beijando a veste de Jesus, o qual não responde nada aos fariseus, se limita a despedir-se da multidão, com sua saudação de costume: "A paz esteja connosco", enquanto se entretém com o miraculado e com os que o acompanham, oferecendo-lhes abrigo na sala alta, a fim de que nela possam descansar, até o ralar do dia.

"'Diz Jesus: "Aqui colocareis a parábola da ovelhinha tresmalha- 232 10da, contada a 14-08-1944.

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233. Parábola da ovelhinha tresmalhada ouvida também por Maria de Magdala.12 de aposto de 1944.

1 Jesus fala às multidões. Tendo subido à margem arborizada de 233.1 uma pequena torrente, Ele está falando a muitas pessoas, espalhadas lá, pelo campo, onde o trigo acabou de ser ceifado, e mostra ainda o aspecto triste dos restolhos queimados.Já chegou a tarde. O crepúsculo vem descendo, mas a Lua também já vem subindo. É uma bela e clara tarde de um começo de verão. Alguns rebanhos estão voltando para o redil, e o din-don das campainhas já se mistura com o forte cantar dos grilos ou das cigarras, em um contínuo cri,cri,cri...Jesus busca o assunto nas manadas que vão passando. Ele diz: "O vosso Pai é como um pastor cuidadoso. Como faz o bom pastor? Ele procura pastas bons para as suas ovelhinhas, e as pastoreia onde não há cicutas nem tóxicos, mas trevos de bom sabor, poejos aromáticos e amargos e saudáveis agriões. Procura os lugares onde, junto com o alimento, haja também algum pequeno regato de águas frescas e limpas, haja sombra de árvores, e onde não encontre cobras pelo meio do verdor das ervas. Ele não procura de preferência as pastagens mais viçosas, porque sabe que nelas é fácil encontrar a cilada das serpen-35

tes e das ervas nocivas, mas prefere as pastagens da montanha, onde as orvalhadas conservam sempre limpas e frescas as pequenas ervas, enquanto o Sol as mantém sempre limpas de répteis, lá onde o ar está sempre em movimento e é bom, e não pesado e insalubre como o ar da planície. O bom pastor observa uma por uma as suas ovelhas. Trata delas, quando estão doentes e nelas faz curativos, quando estão feridas. A que ficaria doente, por estar comendo demais, ele grita com ela, e a outras que pegariam alguma doença por ficarem muito tempo em lugares encharcados ou muito insolados, ele as chama para irem para outro lugar. E, se uma está sem apetite e não come, ele procura para ela ervas ligeiramente ácidas e aromáticas, capazes de despertar-lhes o apetite e lhes dá com sua mão, conversando com ela, como com pessoa amiga.Assim é que faz o bom Pai, que está nos Céus, com os seus filhos errantes sobre a terra. Seu amor é a vara que os reúne e a voz que os guia, e as pastagens são a sua Lei, e seu redil é o Céu.233. 2 Mas acontece que uma ovelhinha se afastou dele. Quanto Ele a amava! Ela era nova, pura, cândida, como uma nuvem em céu de abril. O pastor olhava para ela com muito amor, pensando em quanto bem Ele podia fazer a ela e quanto amor dela podia receber.Mas ela o abandona.Havia passado por ali um tentador, ao longo da estrada que vai margeando a pastagem. Ele não vinha vestido de um modo austero, mas com uma veste de mil cores. Não vinha com cinturão de couro, com um machado e uma faca pendurados, mas, sim, com um cinturão de ouro, tendo pendurados nele guizos de prata, de sons melodiosos como a voz do rouxinol e ampolas de perfumes que inebriam...Não trazia um bordão, como os bons pastares, para reunir e defender as ovelhas e que, quando não basta o bordão, estão prontos a defendê-las com o machado e a faca e a até com sua vida. Mas aquele tentador, que havia passado, tinha nas mãos um turíbulo brilhante por suas pedras preciosas, das quais subia fumaça, que é de mau cheiro e perfume ao mesmo tempo, mas que atordoa tanto como as jóias, que são lapidadas, sim, mas totalmente falsas! Ele estava deslumbrante. E ia cantando e deixando cair punhados de um sal que brilhava sobre a terra escura.Noventa e nove ovelhas olharam, e pararam. A centésima, a mais nova e querida, dá um pulo, e desaparece, indo atrás do tentador. O pastor bem que a chama. Mas ela não volta. E lá vai, mais rápida do que 0 vento, para alcançar aquele que passou e, para ter forças para correr, ela

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experimentou daquele sal. E, quando ele ia descendo por36

dentro dela, a queimou. Então, um delírio estranho fez que ela procurasse água profundas e verdes em matas escuras. E, nas matas, indo atrás do tentador, ela vai-se entranhando, sobe e desce, e cai... uma, duas, três vezes. E uma duas três vezes. ela sente, ao redor do seu pescoço, o abraço viscoso dos répteis, e, querendo beber, bebe daquelas águas impuras. E querendo alimentar-se, morde ervas que têm o brilho de uma baba repugnante. 3 Que faz, entretanto, o bom pastor? Ele fecha em lugar seguro as 233.3outras noventa e nove, e depois põe-se a caminho, e não pára de andar, enquanto não encontra os rastros da que se perdeu. E, como não volta ela a ele, que está confiando aos ventos as palavras com que a chama, ele continua a ir em busca da perdida. E chega a vê-la lá ao longe, estonteada por entre as espirais dos répteis, e já tão tonta, que nem sente mais saudade do rosto que a ama. Até ainda zomba dele. E ele a torna a olhar, culpada por haver penetrado, como uma ladra, em casa alheia, tão culpada, que nem tem mais coragem de olhar para ele... Contudo, o pastor não se cansa. .e vai. Procura-a, procura-a, e a acompanha, seguindo os seus rastros. Vai chorando sobre os sinais deixados por ela: são flocos de lã: traços de alma; traços de sangue: delitos diversos; sinais bem diferentes, sujeiras, provas de sua luxúria. Ele vai indo até que a alcança.Ah! Eu te encontrei, querida, eu te alcancei. Que caminhada eu fiz por causa de ti! Para tornar a levar-te para o redil. Não inclines tua fronte aviltada. O teu pecado está sepultado em meu coração. Ninguém, a não ser eu, que te amo, ficará sabendo disso. Eu te defenderei das críticas dos outros, eu te cobrirei com a minha pessoa, para servir-te de escudo contra as pedras dos acusadores. Vem. Estás ferida? Oh! Mostra-me as tuas feridas. Eu as conheço. Mas eu quero que tu as mostres, com a confiança que tinhas quando eras pura, e olhavas para mim, teu pastor e deus, com olhos inocentes. Aqui estão elas. Todas elas têm um nome. Como são profundas! Como te foram feitas estas tão profundas, que chegam ao fundo do coração? Foi o Tentador, eu sei. E ele, que não usa bordão nem machado, mas que fere ainda mais fundo com a sua mordida envenenada, e, atrás dela, continuam ferindo as jóias falsas do seu turíbulo: aquelas que te seduziram por seu brilho... e que eram os enxofres do inferno, trazidos à luz, para queimar-te o coração. Olha, quantas feridas! Quanta lã rasgada, quanto sangue, quanta sarça.4 O pobre, pequena alma iludida! Mas, dize-me: Se eu te perdôo, me 233 4 amarás ainda? Mas, dize-me: Se eu te estendo os braços, tu virás para 37

cá? Mas, dize-me: Tens sede de amor bom? E, então! Vem, e nasce de novo. Volta para as pastagens santas. Chora. O teu com o meu pranto lavam as manchas deixadas pelo teu pecado, e eu, para alimentar-te, visto que tu estás consumida pelo mal, que te queimou, abro o meu peito, abro minhas veias, e te digo: Alimenta-te, mas vive! " Vem, que eu te tomo nos braços: Iremos mais bem dispostos ás pastagens santas e seguras. Tudo haverás de esquecer desta hora de desespero. E as tuas noventa e nove irmãs se alegrarão pela tua volta, porque, eu te digo, a minha ovelhinha tresmalhada, que eu fui procurar, tendo que andar até tão longe, e que eu afinal alcancei, que eu salvei, pois maior festa se faz entre os bons por um tresmalhado que volta, do que por noventa e nove justos que jamais se afastaram do redil. 223 5 Jesus nenhuma vez se virou para olhar para o caminho, que está atrás dele, e pelo qual acaba de chegar, por entre as penumbras da tarde, Maria de Magdala, ainda elegantíssima, mas vestida muito mais simplesmente, coberta com um véu escuro, que uniformiza os seus Restos e suas formas. Mas, quando Jesus fala: "Eu te encontrei, querida", Maria põe as mãos debaixo do véu, e chora baixo, mas continuamente. As pessoas não a vêem, porque ela está para além do barranco, que fica á beira da estrada. Quem a vê é somente a Lua, que já vai alta, e o espírito de Jesus...o qual me diz: "O comentário está na visão. Mas Eu te falarei dele ainda. Agora repousa, porque é tarde. Eu te abençôo, Maria fiel."

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234. Comentário de tres episodios sobre a conversão de Maria de Magdala.13 de agasto de 1944

Diz Jesus: 234 1 1 "Desde laneiro, desde quando Eu te fiz ver a ceia na casa de Simão, o leproso, tu, e quem te guia, desejastes conhecer mais sobre Maria de Magdala e que palavras Eu tive para ela. Sete meses depois, Eu vos descubro estas páginas do passado, para contentar-vos e para dar uma norma aqueles que devem saber inclinar-se sobre estas leprosas da alma, e uma palavra que conceda a essas infelizes, que se sufocam em seu sepulcro de vícios, ao tentarem sair dele. 234 2 2 Deus é bom. Ele é bom com todos. Ele não mede com medidas humanas. Não faz diferença entre pecado e pecado mortal. O pecado o38

entristece, seja ele qual for. O arrependimento o faz ficar alegre e pronto para perdoar. A resistência a graça o torna inexoravelmente severo, porque a Justiça não pode perdoar ao impenitente, que morre assim mesmo com todos os auxílios que tiver recebido para que se convertesse.Mas, nas conversões que falharam, se não a metade, pelo menos quatro décimos têm como causa primeira o descuido dos que estão á frente do trabalho de conversão, por um zelo mal entendido e mentiroso que, como um toldo descido sobre um real egoísmo e orgulho, pelos quais ficam eles tranquilos em seu próprio abrigo, sem descerem para o meio da lama, a fim de arrancar dela um coração. "Eu sou puro. Eu sou digno de respeito. Não vou aos lugares onde há corrupção moral, nem onde me podem faltar com a reverencia." Mas quem fala assim não leu o Evangelho naquele ponto onde está dito que o Filho de Deus veio para converter os publicanos e as meretrizes, além das pessoas honestas que assim o eram, ainda que somente segundo a Lei Antiga? Não pensará esse tal que o orgulho é uma impureza da mente, e que a falta de caridade é uma impureza do coração? Ficarás vilipendiado? Eu já o fui antes, e mais do que tu, e Eu era o Filho de Deus. Deverás andar com tuas vestes sobre as imundícies? E Eu, não toquei com as minhas mãos esta imundície, para pôla de pé e dizer-lhe: "Caminha por este novo caminho"?Não vos lembrais do que foi que Eu disse aos vossos primeiros predecessores? "Em qualquer cidade ou vila em que entrardes, informai-vos sobre quem há nela que o mereça, e ficai na casa dele." Isto para que o mundo não fique murmurando. O mundo que é fácil demais para ver o mal em todas as coisas. Mas Eu acrescentei: "Ao entrardes nas casas,―"casas", Eu disse, e não "casa"―saudai-as dizendo: "Paz a esta casa". Se a casa for digna, a paz virá sobre ela e, se não for digna, voltará para vós." Isto é para ensinar-vos que, enquanto não houver uma prova certa de impenitência, deveis ter para com todos um mesmo coração. E Eu completei o ensinamento, dizendo: "E, se algum não vos recebe e não escuta as vossas palavras, ao sairdes daquelas casas e daquelas cidades, sacudi a poeira que ficou legada á sola de vossos pés." A fornicação nos bons, pelos quais a Bondade é constantemente amada, faz que eles sejam como um dado de vidro liso, e ela não é mais do que pó. Um pó que, basta que o sacudamos, ou que sopremos sobre ele, para que ele voe, sem deixar nenhuma lesão.Sede verdadeiramente bons. Formal um só bloco, com a Bondade 39

eterna no centro. E nenhuma corrupção será capaz de subir para vos sujar, a não ser nas solas de vossos pés, pois estão apoiados no chão. A alma fica muito ao alto. A alma de quem é bom e de quem faz uma coisa só com Deus. A alma está no Céu. Até lá não chegam nem a poeira nem a

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lama, nem mesmo quando esta é jogada com ódio contra o espírito do apóstolo. A carne pode ferir-vos. Ferir-vos, quer dizer, materialmente, moralmente, perseguindo-vos, porque o Mal odeia o Bem, ou ofendendo-vos. E que tem isso? Também Eu não fui ofendido? Não fui ferido? Mas será que aqueles golpes ou aquelas palavras obscenas ficaram gravadas em meu Espirito? Será que o perturbaram? Não. Será como um cuspo lançado contra um espelho, ou como uma pedra jogada contra a polpa suculento de uma fruta: deslizam sem conseguirem penetrar, ou penetram, mas somente na superfície, sem ferirem o germe que está dentro do caroço, e, pelo contrário, até o ajudam a nascer, porque é mais fácil sair para fora de uma massa já meio aberta, do que de uma completamente fechada. É morrendo que o grão germina e que o apóstolo produz. Morrendo materialmente ás vezes, morrendo quase diariamente, num sentido metafórico, porque com isso fica mais do que machucado o eu do homem. E isso não é morte: é Vida. Triunfa o espírito sobre a morte da humanidade. 234.3 3 Vinda a Mim por um capricho de ociosa, que não sabe como encher suas horas de ócio, os seus ouvidos atordoados pelas mentirosas gentilezas de quem a acarinhava com hinos á sensualidade, para poder tê-la como escrava, aos seus ouvidos ressoou a voz límpida e severa da Verdade. Da Verdade que não tem medo de ser escarnecida e incompreendida e que fala suas palavras olhando para Deus. E, como um coro de sinos em festa, todas as vozes se fundiram na Palavra. São as vozes usadas para ressoarem nos Céus, no azul livre do ar, propagando-se por vales e colinas, planícies e lagos, para fazer lembradas as glórias do Senhor e suas festividades.Não vos lembrais do repicar festivo dos sinos em festa, que nos tempos de paz tornava tão alegre o dia dedicado ao Senhor? O sino maior dava com seu badalo que suscitava o som, o primeiro toque em nome da Lei divina. Ele dizia: "Eu estou falando em nome de Deus, Juiz e Rei." E depois os sinos menores arpejavam: "que é bom, misericordioso e paciente", até que chegou a vez do sino mais sonoro, com sua voz de anjo, dizer: "cujo amor o leva a perdoar e a compadecerse, para vos ensinar que o perdão é mais útil do que o rancor, e que é melhor ter compaixão do que ser inexorável. Vinde a quem perdoa. Tende fé em quem se compadece".40

Eu também, depois de ter feito que seja lembrada a Lei, que foi pisada pela pecadora, fiz cantar a esperança do perdão. Como uma faixa verde e azul de seda, eu a sacudi por entre as tintas pretas, para que aí ela colocasse as suas reconfortantes palavras. O perdão! Ele é uma orvalhada sobre o ardor em que está o culpado. A orvalhada não é o granizo que fere, como uma flecha, que golpeia, ricocheteia e depois vai-se, sem penetrar, matando a flor. O orvalho desce de um modo tão leve, que a flor, ainda que seja muito delicada, não o sente pousar-se sobre suas pétalas de seda. Mas depois ela bebe o frescor dele e se restaura. O orvalho vai pousar também junto ás raízes, sobre a gleba esturricada, e vai até além... E uma umidade de lágrimas, e um pranto das estrelas, amoroso pranto das nutrizes sobre os filhos que têm sede e que desce, esse mesmo, restaurador, junto com o leite gostoso e fecundo. Oh! Os mistérios dos elementos que trabalham par a ele, mesmo quando o homem toma o seu descanso, ou quando peca!O perdão é como este orvalho. Ele traz consigo, não somente a limpeza, mas os sucos vitais, arrebatados, não dos outros elementos, mas das lareiras divinas.Depois, após a promessa de perdão, eis a Sabedoria que fala, e diz o que é ou não é lícito, e nos chama e sacode. Não o faz por dureza. Mas pela solicitude materna de salvar. Quantas vezes a vossa pederneira se faz ainda mais impenetrável e agressiva para com a Caridade que sobre vós se inclina!... Quantas vezes a evitais, quando Ela vos quer falar!... Quantas vezes não zombais dela! Quantas vezes a odiais!... Se a Caridade usasse para convosco dos modos de que usais para com Ela, o que seria de vossas almas?! Mas, vede como é o contrário. Ela é a Incansável Caminhante, que vem á procura de vós. Ela vem procurar-vos, mesmo quando vos entocais em vossas nojentas tocas.4 Por que Eu quis ir àquela casa? Por que não operei nela o mila- 234.4 gre? Para ensinar aos apóstolos como agir, desafiando os preconceitos e as críticas para cumprir um dever tão alto, que esta acima dessas coisinhas do mundo

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Por que Eu disse a Judas aquelas palavras? Os apóstolos eram muito homens. todos os cristãos são muito homens, até os santos da terra o são, ainda que de maneira menor. Alguma coisa de humano persiste até nos perfeitos. Mas os apóstolos ainda não eram perfeitos. Os pensamentos deles estavam cheios do que é humano. Eu os levava para o alto. Mas o peso da humanidade deles os puxava para baixo. Para fazer que eles descessem sempre menos. Eu devia colocar no caminho da 41

subida algumas coisas próprias para parar a descida, de modo tal, que, indo de encontro a elas, eles parassem, meditassem e repousas sem, para depois subirem mais, até além do limite de antes. Coisas que fossem de primeira qualidade, a fim de persuadi-los de que Eu era Deus. Por exemplo, a introspeção das almas, a vitoria sobre os elementos, os milagres, a transfiguração, a ressurreição e a ubiqüidade. Eu estive na estrada de Emaús, enquanto estava no Cenáculo e, a hora daquelas duas presenças, verificadas pelos apóstolos e discípulos, foi uma das razões que mais os impressionou, soltando-os de seus laços e dirigindo-os para os caminhos de Cristo. Mais do que para Judas, que já incubava em si o plano da morte, Eu falei para os outros onze. Que Eu era Deus, era o que Eu necessariamente devia fazer brilhar diante dos olhos deles, não por orgulho, mas por necessidade de sua formacão. Eu era Deus e Mestre. Aquelas minhas palavras diziam que Eu era isto. Eu me revelo com uma faculdade extra-humana, e ensino uma perfeição: não ter discursos maus, nem mesmo com o nosso interior. Pois que Deus está vendo e Deus deve ver um interior puro, para poder nele descer e aí fazer sua morada. Por que não operei o milagre naquela casa? Para fazer que todos compreendessem que a presença de Deus exige um ambiente puro. Pelo respeito à sua excelsa majestade. Para falar sem a palavra nos lábios, mas com uma palavra ainda mais profunda, ao espírito da pecadora, e dizer-lhe: "Estás vendo, infeliz? Estás tão suja, que tudo ao redor de ti fica sujo. Tão sujo, que aí Deus não pode operar. Tu estás suja mais do que estes. Porque tu repetes a culpa de Eva e ofereces o fruto aos Adãos, tentando-os, afastando-os do Dever. Tu, ministra de Satanás". Por que não quero que seja chamada "Satanás" pela mãe angustiada? Por que nenhuma razão justifica o insulto e o ódio. A primeira necessidade, a primeira condição para termos Deus conosco é não termos rancor e sabermos perdoar. A segunda necessidade é saber mos reconhecer que também nós, ou quem é nosso, é culpado. Não vejamos somente a culpa dos outros. A terceira necessidade é saber mos conservar-nos gratos e fiéis, depois de termos recebido graças, e fazendo o que é justo para com o Eterno. Infelizes daqueles que, de pois de receberem a graça, ficam piores do que cães, pois já não se lembram do seu Benfeitor, enquanto que o animal se lembra dele! 234.5 5 Eu não disse uma palavra á Madalena. Como se ela fosse uma es-tátua, Eu a olhei por um instante, e depois a deixei. Voltei para os "vivos", que Eu queria salvar. A ela, uma matéria morta como e mais42

do que um mármore esculpido, Eu a envolvi com uma indiferença aparente. Mas Eu não disse nem uma palavra, nem fiz ato algum que não tivesse como alvo principal a sua pobre alma, que Eu queria redimir. E a última palavra: "Eu não insulto. Não insultes. Reza pelos Secadores. E Nada mais", é como uma grinalda de flores que se terminou, e tal palavra vai juntar-se com a primeira palavra, que foi dita lá sobre o monte: "O perdão é mais útil do que o rancor, e a compaixão do que a inexorabilidade." E a fecharam, á pobre infeliz, em um círculo aveludado, fresco, perfumado pela bondade, fazendo-a perceber como servir a Deus é diferente daquela feroz escravidão a Satanás, e como é suave o perfume celeste, em comparação com o fedor da culpa, e como é repousante ser amados santamente, em comparação com ser possuidos satanicamente.Vede como o Senhor usa de medidas em seu querer. Ele não exige conversões fulminantes. Não pretende ter de um coração o absoluto. Sabe esperar. E sabe contentar-se. E, enquanto espera que a perdida encontre de novo o caminho, que a louca encontre a razão, Ele se contenta com tudo o que lhe puder dar a mãe transtornada pela dor.Eu não lhe pergunto mais do que isto: "Podes perdoar?" Quantas outras coisas Eu teria tido que perguntar-lhe, para torná-la digna do milagre, se Eu tivesse que julgar conforme as medidas

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humanas. Mas Eu meço divinamente as vossas forças. Aquela pobre mãe transtornada já estaria fazendo muito, se conseguisse perdoar. E Eu lhe pergunto somente isto, naquela hora. Depois, entregando-lhe o filho, lhe digo: "Sê santa, e faze santa a tua casa". Mas, enquanto o espasmo a transtorna, não lhe peço senão o perdão para a culpada. Não se pode exigir tudo de quem, pouco antes, estava no nada das trevas. Aquela mãe viria depois á luz total, e com ela a esposa e os meninos. No momento, aos seus olhos, cegos de tanto chorar, era preciso que se fizesse chegar o primeiro crepúsculo da luz: o perdão, que é a aurora do dia de Deus.6 Nos presentes, só um―não estou contando Judas, pois falo dos 234.6cidadãos lá acolhidos e não dos meus discípulos―só um não teria vindo à Luz. Estes malogros estão juntos com as vitórias do apostolado. Há sempre alguém por quem o apóstolo se afadiga em vão. Mas essas derrotas não o devem fazer perder o alento. O apóstolo não deve pretender conseguir tudo. Contra ele há forças adversas, que têm muitos nomes, e que, como tentáculos de polvos, pegam de novo a presa, que ele lhes havia arrebatado. O merecimento do apóstolo permanece igual. Infeliz do apóstolo que diz: "Eu sei que lá não poderei 43

converter, e por isso, não vou. Esse é um apóstolo de bem pouco valor. E preciso ir, mesmo que entre mil só um se salve. Sua jornada apostólica será frutuosa com aquele homem, como se fossem mil. Porque ele terá feito tudo o que podia, e Deus lhe dá o prémio por isso. E preciso também pensar que onde o apóstolo não pode conseguir conversões, por que os que precisam da conversão estão por demais seguros pelas garras do demónio e, quando as forças do apóstolo são inferiores ao esforço que delas se requer, nesse caso Deus pode intervir. E, então? Quem é mais do que Deus? 234.7 7 Outra coisa que deve absolutamente praticar o apóstolo é o amor. Amor manifesto. Não somente o amor secreto, que existe no coração dos irmãos. Aquele basta para os bons irmãos. Mas o apóstolo é operário de Deus, e não deve limitar-se a rezar: deve agir. Aja com amor. Com grande amor. O rigor paralisa o trabalho do apóstolo e o movimento das almas para a Luz. Não rigor, mas amor. O amor é a veste de amianto, que torna uma pessoa inatacável pe las labaredas das paixões. O amor é a saturação de essências preservadoras, que impedem que a podridão humano-satanica penetre em nós. Para se conquistar uma alma, é preciso saber amá-la. Para se conquistar uma alma é preciso levá-la a amar. Amar o Bem, repudiando os seus próprios pobres amores de pecado. Eu queria a alma de Maria. E, como para ti, pequeno João, Eu não me limitei a falar de minha cátedra de Mestre. Eu desci a procurá-la pelos caminhos do pecado. Eu a acompanhei e persegui com o meu amor. Doce perseguição! Entrei, Eu-Pureza onde estava ela-impureza. Não tive medo de escândalo, nem para Mim, nem para os outros. Escandalo em Mim não podia entrar, porque Eu era Misericórdia. E esta chora, sim, sobre as culpas, mas não fica escandalizada por elas. Infeliz do pastor que se escandaliza, e atrás deste pára-vento, se en trincheira para abandonar uma alma! Não sabeis que as almas são mais dispostas do que os corpos a ressurgir e que a palavra piedosa e amorosa, que diz: "Minha irmã, levanta-te para o teu bem", opera muitas vezes o milagre? Eu não tinha medo do escândalo dos outros. Diante dos olhos de Deus, o que Eu fazia estava justificado. Diante dos olhos dos bons estava compreendido. O olho mau no qual fermenta malícia, evaporando-se de um interior corrompido, não tem valor. Ele acha culpa até em Deus. Não vê ninguém perfeito, a não ser ele mesmo. Por isso, Eu não o curava. 734.4 4 As três fases da salvação de uma alma são: Ser tanto mais íntegros, quanto possível, para poder falar sem o 44 temor de ficar obrigados ao silêncio. Falar a toda uma multidão, de tal modo que a nossa palavra apostólica, dita ás turbas que se aglomeram ao redor da barca apostólica, dita ás turbas que se aglomeram ao redor da barca mística, vá fazendo círculos como a onda, atingindo sempre pontos mais distantes, até chegar á beira lamacenta, onde estão estendidos aqueles que se estancaram na lama, e não se preocupam com o conhecimento da Verdade. Este é o primeiro trabalho, para romper a crosta da gleba dura e prepará-la para receber a semente. Isto é o mais difícil para quem o faz e

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para quem o recebe, porque a palavra deve, como um vômer cortante, ferir para abrir. E na verdade Eu vos digo que o coração do apóstolo bom se fere e derrama seu sangue, pela dor de ter que ferir para abrir. Mas também esta dor é fecunda. Com o sangue e o pranto do apóstolo, torna-se fértil a gleba inculta.Segunda qualidade: Operar também naquele lugar em que alguém, menos compenetrado de sua missão, dela teria fugido. Sacrificar-se no esforço de arrancar a cizânia, a tiririca e os espinheiros para por a nu o terreno arado a fim de fazer brilhar sobre eles, como o Sol, o poder de Deus e sua bondade e, ao mesmo tempo, trabalhando como juiz e como médico, ser severo, sem deixar de ser compassivo, saber parar numa pausa de espera para dar tempo às almas de superar a crise, meditar, decidir.Terceiro ponto: Não só com a alma que no silêncio se arrependeu, chorando e pensando nos seus erros, ousa vir timidamente, temerosa de ser expulsa, até chegar ao apóstolo, que o apóstolo tenha um coração maior do que o mar, um coração mais doce de que um coração de mãe, mais enamorado que um coração de esposo, e o abra todo, para fazer que fluam dele ondas de ternura. Se tivésseis Deus em vós, Deus que é Caridade, encontraríeis facilmente as palavras de caridade a serem ditas ás almas. Deus falará em vós e por vós e, como o mel que escorre de um favo e bálsamo que flui de uma ampola, o amor chegará até os lábios ressequidos e enfastiados, chegará aos espíritos feridos, e será alívio e remédio.9 Fazei que os pecadores vos amem, ó vós, doutores das almas. Fa- 234 9 zei que sintam o sabor da Caridade celeste e se rendam a Ela, cheios do desejo de não procurarem nunca mais outro alimento. Fazei que sintam na vossa doçura um tal alívio, que o procurem para todas as suas feridas. E preciso que a vossa caridade expulse para longe deles todo o temor, porque, como diz a epístola que leste hoje: "O temor supre o castigo, e quem teme, não está perfeito na caridade." Mas45

não o está também aquele que faz temer. Não digais: "Que foi que eu fiz?" Não digais: "Vai-te embora" Não digais: "Tu não podes gostar do amor bom." Mas, dizei assim, dizei-o em meu nome: "Ama, e eu te perdôo." Dizei "Vem, os braços de Jesus estão abertos." Dizei: "Prova deste Pão angélico e desta Palavra, e esquece-te do piche do inferno e das zombarias de Satanás." Fazei-vos como animais de carga para suportar as fraquezas dos outros. O apóstolo há de suportar as suas e as dos outros. E, enquanto estiverdes vindo a Mim, trazendo nos ombros as ovelhas feridas, tranqüilizai a estas errantes, e dizei lhes: "Tudo está esquecido, a partir deste instante." Dizei: "Não tenhas medo do Salvador. Ele veio do Céu para ti, precisamente para ti. Eu não sou mais do que uma ponte para levar-te a Ele, que te está esperando, do outro lado do rio da absolvição penitenciar, para conduzir-te ás suas pastagens santas, cujos princípios estão aqui nesta terra, mas continuam depois, com uma beleza eterna que nutre e faz feliz nos Céus. 234.10 "Eis o comentário. A vós pouco interessa, a vós, ó ovelhas fiéis ao Bom Pastor. Mas, se a ti, ó pequena esposa, trouxe um aumento de confiança, para o Padre haverá ainda mais luz, na sua luz de juiz, e para muitos será um estímulo para irem ao Bem. Mas será uma orvalhada que penetra e que nutre, da qual Eu falei, e que faz reviverem as flores que estavam murchas. Levantai vossas cabeças. O Céu está acima. Vai em paz, Maria. O Senhor está contigo."

235. Marta tem a certeza da conversão de sua irmã Maria.29 de julho de 1945.

235.1 1 Jesus já está para subir á barca, nesta clara aurora de verão, que está despetalando rosas

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sobre a seda encrespada do lago, quando che ga Marta com sua criada: "Oh! Mestre! Escuta-me, por amor de Deus." Jesus desce de novo para a beira, e diz aos apóstolos: "Ide esperar-me perto da torrente. E, nesse ínterim, ide preparando tudo para a missão em Magedan. A Decápole também está esperando minha palavra. Ide." E, enquanto a barca vai-se afastando, e chega ao alto-mar, Jesus vai caminhando ao lado de Marta, respeitosamente acompanhada por Marcela.46

Afastam-se assim do povoado, indo pela margem que, de repente, depois de uma faixa de areia coberta de ervas selvagens e ralas, cobre-se de vegetação e deixa a linha horizontal para se aproximar da vertical, dando um assalto sobre as costas que se estão espelhando no lago.2 Quando chegam a um lugar solitário, Jesus diz, sorrindo: "Que 235 2 me queres dizer?""Oh! Mestre... esta noite, mal havia terminado a segunda vigília, Maria voltou para casa. Ah! Mas eu me ia esquecendo de dizer-te que ela me havia dito, enquanto estávamos comendo, á hora sexta: "Não gostarias de emprestar-me uma das tuas vestes e uma capa? Ficarão para mim um pouco curtas. Mas eu deixarei a veste solta, e farei que o manto desça até em baixo..." Eu lhe disse: "Apanha o que quiseres, minha irmã", e o coração me batia forte, porque antes, no jardim, eu havia dito, ao falar com Marcela: "A tarde, precisamos estar em Cafarnaum, porque hoje o Mestre vai falar á multidão", e eu tinha visto Maria soluçando, mudando de cor, sem saber mais ficar quieta, mas indo e voltando sozinha, como alguém que está sofrendo, aflita, na hora de decidir-se... mas sem saber ainda o que vai aceitar ou o que vai rejeitar.Depois da refeição, ela foi ao meu quarto e tomou a veste mais escura que eu tinha, a mais modesta, experimentou-a, e pediu á nutriz que abaixasse toda a orla, porque ela estava muito curta. Ela a havia experimentado, mas havia confessado, chorando: "Não sou mais capaz de costurar. Eu me esqueci de tudo o que é útil e bom..." E me jogou os braços ao pescoço, dizendo: "Reza por mim." Ela só saiu á hora do pôr do sol... Quanto eu rezei, para que ela não se encontrasse com ninguém, que a impedisse de vir aqui, para que a tua palavra fosse compreendida por ela, e para que ela conseguisse estrangular definitivamente o monstro que a está escravizando... Olha: eu pus na minha cintura a tua cinta, bem apertada por baixo das outras e, quando eu sentia o aperto do couro duro em minha cintura, que não estava acostumada com cintas duras como aquela, eu dizia: "Ele é mais forte do que tudo".Depois, com o carro se vai depressa, e assim viemos eu e Marcela. Não sei se nos viste no meio da multidão... Mas, que dor, que espinho no coração por não estar vendo Maria. Eu pensei- "Ela se arrependeu. Deve ter voltado para casa. Ou então... ou então ela fugiu, não podendo resistir mais ao meu domínio sobre ela, como ela mesma me havia pedido." Eu Te estava ouvindo, e chorando por debaixo do meu 47

véu. Aquelas palavras pareciam próprias para ela... e ela não as estava ouvindo! Assim pensava eu, que não a estava vendo. Voltei para casa desconsolada. É verdade. Eu te desobedeci, porque me havias dito: "Se ela vier, espera-a em tua casa." Mas, considera o meu coração Mestre! Era a minha irmã que vinha a Ti. Podia eu deixar de vê-la, se eu estava perto de Ti? E depois!... Tu me havias dito; "Será despedaçada". Eu queria estar perto dela logo, para ampará-la...Eu estava ajoelhada, em lágrimas e oração, no meu quarto, e já havia passado muito da segunda vigília, quando ela entrou. Entrou de modo tão silencioso, que dela não ouvi nada mais, a não ser quando ela se lançou sobre mim, sobre minhas costas, dando-me um apertado abraço, e dizendo: "É verdade tudo o que tu dizes, minha bendita irmã. E até muito mais do que tudo o que dizes. Sua misericórdia é muito maior Oh! Marta minha! Não tens mais necessidade de conter-me. Já não me verás mais cínica e desesperada! Não me ouvirás mais dizer: "E para não ficar pensando!" Agora, eu quero pensar. Eu sei em que pensai Na Bondade que se fez carne. Tu rezavas, minha irmã, certamente rezavas por mim. Mas tu já estás com tua vitória na mão. A tua Maria não quer mais pecar, mas renasce agora. Ela está aqui. Olha-a bem no rosto. Porque agora é uma Maria nova, com

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um rosto lavado pelo pranto, pela esperança e pelo arrependimento. Podes agora beijar-me, minha pura irmã. Não há mais em meu rosto sinais de vergonhosos amores. Ele disse que ama a minha alma. Porque a ela é que Ele falava, e dela. A ovelhinha tresmalhada era eu. Ele disse, escuta se eu digo bem. Tu o conheces, e sabes como é aquele modo de falar do Salvador. ", e me repetiu, de um modo perfeito, a tua parábola!É tão inteligente Maria! Muito mais do que eu. E tem boa memória Foi assim que eu te ouvi duas vezes. E, se sobre os teus lábios aquelas palavras eram santas e adoráveis, sobre os lábios dela eram para mim santas, adoráveis e amáveis, porque vinham dos lábios de urna irmã, da minha irmã, que foi reencontrada, que voltou ao redil familiar, como me dizia. Estávamos abraçadas uma com a outra, sentadas sobre uma esteira no chão, como quando éramos meninas e estávamos assim no quarto de mamãe, ou junto ao tear em que ela tecia e onde bordava os seus esplêndidos tecidos. Estávamos assim, não separadas pelo pecado, e me parecia que mamãe também estava lá presente com o seu espírito. Chorávamos sem sentir dor, mas, ao contrário, com muita paz! Beijávamo-nos felizes... E depois Maria, cansada pela viagem feita a pé, com emoção por tantas coisas juntas, acabou adormecendo entre os meus braços e com a ajuda da nutriz, a pus a48

dormir em minha cama... e lá a deixei, e corri para cá...", e Marta, feliz, beija as mãos de Jesus.3 E Eu também te digo o que te disse Maria: "Tens a tua vitória na 235.3 mão", vai e sê feliz. Vai em paz. Continua com um tratamento cheio de doçura e prudência para com a renascida. Adeus, Marta. Faze que fique sabendo disso Lázaro, que lá em baixo está angustiado.""Sim, Mestre. Mas Maria, quando virá para o meio de nós discípulas?"Jesus sorri, e diz: "O Criador fez o mundo em seis dias, e no sétimo descansou.""Compreendo. É preciso ter paciência...""Paciência, sim. Não fiques suspirando. Isto também é uma virtude. A paz esteja convosco, mulheres. Ver-nos-emos em breve", e Jesus as deixa, indo para o lugar onde a barca o está esperando perto da margem.

4 Diz Jesus: "Aqui colocareis a visão da ceia na casa do Fariseu 235.4 Simão, recebida a 21 de janeiro de 1944

236. A ceia na casa de Simão, o fariseu, e o perdão a Maria de Magdala.21 de laneiro de 1944.1 Para conforto do meu complexo sofrimento e para fazer-me es- 236.1quecer das maldades dos homens, meu Jesus me concede esta suave contemplação.Vejo uma sala muito rica. Um rico lampadário de muitos bicos pende no centro, e esta todo aceso. Nas paredes há tapetes muito bonitos, vêem-se na sala cadeiras entalhadas e incrustadas com marfim, há laminações preciosas e também móveis muito____ belos.No centro está uma grande mesa quadrada, formada por quatro mesas unidas assin. |___| A mesa certamente foi assim preparada por causa dos muitos convidados (todos homens), e está coberta com toalhas muito finas e tendo sobre si uma rica baixela. Há também anforas e taças preciosas, e muitos são os criados que se movem ao redor dela, levando as iguarias e escanceando os vinhos. No centro do quadrado não há ninguém. Estou vendo o pavimento no qual se reflete a luz do lampadário a óleo. Do lado externo, ao contrário, há muitos sofás-camas, todos ocupados pelos comensais. 49

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Parece-me estar no canto semi-escuro, colocado no fundo da sala, perto de uma porta que está escancarada _ _ _para fora, mas, ao mesmo tempo, fechada por um pesado tapete ou arras, que está pendente de sua arquitrave. No lado mais distante da porta, a isto é aqui |___| está o dono da casa com os convivas mais importantes. Ele é um homem já de idade, vestido com uma ampla túnica branca, apertada na cintura por um cinturão bordado. Sua veste tem ainda no pescoço e no fundo das mangas e da própria veste orlas de bordado aplicado, como se fossem fitas ou galões, se assim quiserdes chamá-los. Mas rosto deste senhor de idade não me agrada. É um rosto mau, frio, soberbo e cobiçoso. No lado oposto, em frente dele, está o meu Jesus. Eu o estou vendo de lado, e quase diria que por detrás, pelas costas. Ele está com sua veste branca, com sandálias, longas como sempre. Noto que, tanto Ele, como todos os comensais, não estão sentados, como eu pensava que iam ficar naqueles sofás-camas, isto é, perpendicularmente á mesa. Mas eles estão colocados paralelamente. Na visão das núpcias de Caná eu não tinha dado muita importância a este particular. Eu tinha visto que comiam estando apoiados sobre o cotovelo esquerdo, mas me parecia que estivessem menos deitados, tal vez porque os leitos eram menos luxuosas, e muito mais curtas. Estes são verdadeiros leitos, e se parecem com os modernos divãs dos turcos. Jesus está perto de João e, visto que Jesus está apoiado no cotovelo esquerdo, (como todos), resulta que a posição dos dois é assin: |_ _ _| Entre a mesa e o corpo do Senhor, João tem o seu cotovelo |_ _ _| virado para a virilha do Mestre, de modo a não estorvá lo para comer, mas que lhe permite, se ele quiser, apoiar-se em seu peito. Não está presente mulher nenhuma. Todos estão conversando, e o dono da casa, de vez em quando, se vira, com afetada condescendência e com evidente clignação, para Jesus. Está claro que ele quer de monstrar a todos os presentes que ele está prestando a Jesus uma grande honra, ao tê-lo convidado a vir á sua rica casa, convidando a Ele, que é um pobre profeta, julgado até por alguns um pouco exaltado Vejo que Jesus lhe responde com cortesia, pacatamente. Ele sorri, com aquele seu leve sorriso, a quem o interroga, sorri com um sorriso luminoso a quem lhe fala, ou que somente fica olhando para Ele, como João. 236.2 2 Vejo que se levanta o rico toldo, que cobre o vão da porta, e que entra uma mulher ainda jovem, muito bonita, ricamente vestida e50

cuidadosamente penteada. Sua cabeleira, louca e abundante, faz-lhe na cabeça um fino ornato de cachos entrelaçados com arte. Parece trazer na cabeça um elmo de ouro todo em relevos, pois a cabeleira brilha, e é farta. Tem uma veste que, se eu a comparasse com a que sempre vemos na Virgem Maria, diria que é muito excêntrica e complicada. Fivelas nos ombros, jóias para segurar os frisados no alto do peito, pequenas correntes de ouro para contornar 0 próprio peito, cintura com broches de ouro e pedras preciosas. Uma veste procaz, que põe em relevo as linhas de um corpo muito bem feito. Na cabeça, ela tem um véu tão fino, que não cobre nada. Tudo para pôr em destaque a sua afetação, e basta. Nos pés tem umas sandálias muito ricas, com fivelas de ouro, feitas com pele vermelha e com laços trançados nos tornozelos.Todos, menos Jesus, se viram, olhando para ela. João a observa por um instante, depois se volta para Jesus. Os outros fixam nela os olhos, com aparentes e malignos desejos. Mas a mulher não olha para eles, por nenhum motivo, nem se incomoda com o murmúrio que ela despertou com sua entrada, nem pelo piscar de olhos de todos os presentes, menos de Jesus e de seu discípulo. Jesus aparenta não estar percebendo nada. E continua a falar, terminando a conversação que havia começado com o dono da casa.A mulher vai para o lado de Jesus, e se ajoelha perto dos pés do Mestre. Ela põe no chão um pequeno vaso, em forma de ânfora muito bojuda, tira o véu da cabeça, corta a ponta do alfinete precioso que o conservava preso aos cabelos, tira dos dedos os anéis, e coloca tudo sobre o sofá-cama, perto dos pés de Jesus, depois toma entre as suas duas mãos os pés, primeiro o direito, depois o esquerdo, tira deles as sandálias e as coloca no chão, em seguida beija, no meio de uma grande explosão de pranto, aqueles pés, e os apoia contra a sua fronte e os acaricia, enquanto suas lágrimas caem como uma chuva, que brilha á luz do lampadário e rega a pele daqueles pés adoráveis.

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3 Jesus volta lentamente a cabeça, e seu olhar azul escuro vai pou- 236.3saí, por um instante, naquela cabeça inclinada. É um olhar que absolve. Depois, torna a olhar para o centro. Deixa-a livre em seu desabafo.Mas os outros, não. Eles estão zombando dela, piscando os olhos e ridicularizando-a. E o fariseu põe-se, então, sentado, por um momento, para poder ver melhor, e está com um olhar cheio de desejos e, ao mesmo tempo, aborrecido, irónico. Cheio de desejos da mulher. Esse sentimento dele é evidente. E aborrecido ele está, porque ela entrou51

lá, tomando tanta liberdade, que até poderia fazer os outros pensarem que aquela mulher é... alguma hóspede que frequenta sempre a sua casa. E é um olhar irónico, quando dirigido a Jesus Mas a mulher não percebe nada. Ela continua a chorar muito, mas sem gritar. São grandes lágrimas, e um ou outro soluço. Depois, ela se despenteia, tirando os grampos de ouro, que prendiam o complica do penteado, vai pôr também esses grampos perto dos anéis e do alfinete. As madeixas de ouro rolam pelas costas abaixo. Ela as segura com as duas mãos, leva-as para cima de seu peito, e as passa sobre os pés molhados de Jesus, até vê-los enxutos. Em seguida, mergulha os dedos no pequeno vaso, tira dele uma pomada amarelo escura e mui to cheirosa. É um perfume entre o do lírio e o da angélica, e que se espalha por toda a sala. A mulher continua a mergulhar os dedos no pequeno vaso e, sem ter mãos a medir, vai passando e espalmando a pomada, beijando os pés e acariciando-os. Jesus, de vez em quando olha para ela com grande e amorosa piedade. João que se virou, espantado, quando ouviu aquele pranto, não sabe mais apartar seus olhares do grupo, de Jesus e da mulher. Olha, alternativamente, para um e para a outra. O rosto do fariseu se torna cada vez mais carrancudo. 236.4 4 0uço aqui as conhecidas palavras do Evangelho e as ouço acompanhadas por um tom e um olhar, que fazem ao velho irado abaixar a cabeça. Ouço as palavras de absolvição à mulher, que lá se vai, deixando aos pés de Jesus as suas jóias. Ela enrolou o véu ao redor da cabeça, colocando nele do melhor modo que pôde, sua cabeleira despenteada. Jesus, ao dizer-lhe: "Vai em paz", põe-lhe a mão sobre a cabeça inclinada, por um instante. Mas com um gesto de grande bondade.

236.5 5 - Agora Jesus me diz:"O que fez inclinar a cabeça ao fariseu e aos seus companheiros, e que não está relatado no Evangelho, são as palavras que o meu espírito, através do meu olhar, clardejaram e cravaram naquela alma árida e cobiçosa. Eu respondi muito mais do que tudo o que foi dito, porque nada para Mim estava escondido dos pensamentos dos homens. E ele me compreendeu na linguagem do que Eu não disse, que era ainda mais carregada de reprovação, do que pudessem ter sido as minhas palavras.Eu lhe disse: "Não. Não fiques fazendo insinuações más para justificares a ti mesmo, diante de ti mesmo. Eu não tenho a tua libidina-52

gem. Esta mulher não veio a mim por uma atração de sensualidade. Eu não sou como tu, nem como os teus semelhantes. Ela vem a Mim, porque o meu olhar e a minha palavra, que por acaso ela ouviu, iluminaram sua alma, na qual a luxúria havia criado a treva. E vem, porque quer vencer a sensualidade, compreende, pobre criatura, que sozinha nunca o conseguirá. Em Mim ela ama o espírito, nada mais do que o espírito, que ela percebe ser sobrenaturalmente bom. Depois de tantos males, que recebeu de vós todos, que desfrutastes de suas fraquezas com os vossos vícios, dando-lhe em troca, depois, as chicotadas do vosso desprezo, ela vem a Mim, porque percebe que encontrou o Bem, a Alegria, a Paz, inutilmente procuradas em meio as Rompas do mundo. Cura-te desta tua lepra da alma, ó fariseu hipócrita, saiba olhar as coisas com justiça. Depõe a soberba da mente e a luxúria da carne. Estas são lepras bem mais fétidas do que as de vossa pessoa. Desta última o meu toque vos pode curar, porque para isso me invocais, mas da lepra do espírito não, porque desta vós não quer eis ficar curado porque vos agrada. Esta mulher o quer. E eis que eu a

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purifico, eis que Eu a livro das correntes da sua escravidão. A pecadora morreu. Ela está lá, naqueles ornatos que ela tem vergonha de me oferecer, para que eu os santifique usando-os para as minhas necessidades e as dos meus discípulos, para os pobres, que Eu socorro com o que sobra dos outros, porque Eu, o Senhor do Universo, não possuo nada, agora que Eu sou o Salvador do homem. Ela está lá, naquele perfume derramado a meus pés, aviltado como os seus cabelos, colocados sobre aquela parte do meu corpo, que tu descuidou de refrescar com a água do teu poço, depois de Eu ter feito uma grande caminhada para vir trazer luz também a ti. A pecadora morreu. E renasceu Maria, tornada bela como menina pudica pela sua viva dor e pelo seu reto amor. Se lavou em seu pranto. Em verdade Eu te digo, ó fariseu, que, entre este que me ama em sua juventude pura e esta que me ama em sua sincera conversão, com um coração que renasceu para a Graça, Eu não faço diferença, e ao Puro como á arrependida Eu os encarrego de compreenderem o meu pensamento, como nenhuma outra pessoa, e de prestarem ao meu corpo as últimas honras e a primeira saudação (não conto aquela particular de minha Mãe), quando Eu tiver ressuscitado"Eis o que Eu queria dizer com o meu olhar ao fariseu. 6 Mas a ti Eu 236 6 faço observar uma outra coisa: para tua alegria e para alegria de muitos.Também em Betania Maria repete aquele gesto que assinalou a 53

aurora de sua redenção. Há gestos pessoais que se repetem, e denunciam uma pessoa como sendo parte de seu estilo próprio. Gestos inconfundíveis. Mas, como era justo, em Betania seu gesto foi menos aviltado e mais confidencial, em sua respeitosa adoração. Muito caminhou Maria desde aquela aurora de sua redenção. Muito. O amor a arrebatou como vento rápido para o alto e para a frente. O amor a fez arder como um incêndio destruindo nela a carne impura e fazendo que dominasse nela um espirito purificado. E Maria, diferente em sua renovada dignidade de mulher como diferente em suas vestes, agora simples com as de minha Mãe, em sua maneira de arranjar-se, no olhar, em sua compostura, na palavra agora nova, com tem um novo modo de honrar-me com o mesmo gesto. Ela pega o último de seus vasos de perfume, conservado para Mim, e o espalha em meus pés, sem pranto, mas com um olhar que o amor e a segurança de estar perdoada e libertada faz feliz, e sobre minha cabeça. Maria agora pode bem ungir-me e tocar em minha cabeça. O arrependimento e o amor a purificaram com o fogo dos serafins, e ela é um serafim.236.7 7 Dize isto a ti mesma, minha pequena "voz". dize-o às almas. Vai, dize-o ás almas que não ousam vir a Mim, porque se sentem culpadas. Muito, muito, muito é perdoado a quem muito ama. A quem muito me ama. Vos não sabeis, ó pobres almas, como o Salvador vos ama! Não tenhais medo de Mim. Vinde Com confiança. Com coragem. Eu vos abro o coração e os braços.Recordai-o sempre: "Eu não faço diferença entre aquele que me ama com sua pureza íntegra e aquele que me ama na sincera contrição de um coração renascido pela Graça." Eu sou o Salvador. Recordai-o sempre.Vai em paz. Eu te abençoo."

22 de laneiro de 1944 236.8 8 "Hoje passei o dia todo pensando no ditado de Jesus de ontem à tarde, e em tudo o que eu via, e compreendia, mesmo se não dito. No entanto, por digressão, lhe digo que os discursos dos comensais, por aquelas que eu entendia, isto é, aquelas particularmente referentes a Jesus, tratavam de fatos do dia: os romanos, a Lei transgredida por eles, e depois, da missão de Jesus como Mestre de uma nova escola. Mas, sob aquela aparente benevolência, compreende-se que eram perguntas viciosas e capciosas, feitos para arrastá-lo e faze-lo cair em alguma cilada. Coisa não fácil, porque Jesus, com poucas palavras, dava-lhes sempre uma resposta justa e conclusiva54

para cada discurso.A pergunta, por exemplo, em qual escola ou seita particular fez-se Mestre novo, respondeu

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simplesmente: "Na escola de Deus. É a Ele que Eu sigo na sua santa Lei e é dele que eu cuido, fazendo assim que a estes pequenas (e olhava para João, e em João olhava para todos os fetos de coração) ela seja renovada em toda a sua essência assim como foi no dia em que o Senhor a promulgou no Sinai. Eu levo de novo os homens para a Luz de Deus."A uma outra, sobre o que é que Ele pensava do abuso de César, que se fizera dominador da Palestina, Ele havia respondido: "César é o que é, porque Deus o quer assim. Recorda o profeta Isaías. Não chama ele, por inspiração divina, Assur de "bastão" de sua cólera? A vara que pune povo de Deus, que muito se afastou de Deus, e tem a mentira como sua veste e seu espírito? E não diz que, depois de te-lo usado como punição, o despedaçará, porque ele abusou no cumprimento de sua tarefa, tornando-se soberbo e feroz demais?"Estas foram as duas respostas que mais me impressionaram.9 Esta tarde, depois, meu Jesus me diz, sorrindo: 236.9"Eu te deverei chamar como Daniel. És a dos desejos e a que me és cara, porque desejas tanto o teu Deus. E poderei continuar a dizerte o que foi dito a Daniel pelo meu anjo: "Não tenhas medo porque, desde o primeiro dia em que aplicaste o teu coração a compreender e a afligir-te na presença de Deus, foram ouvidas as tuas preces e Eu vim por causa delas." Mas aqui não é o Anjo que fala. Sou Eu que te falo: Jesus.Sempre, ó Maria, Eu venho quando alguém "aplica seu coração a compreender." Eu não sou um Deus duro e severo. Eu sou a Misericórdia Viva. E, mais rápido do que o pensamento, Eu vou a quem se dirige a Mim. 10 "'Também à pobre Maria de Magdala, tão mergulhada 236 10 em seu pecar, Eu fui veloz, com o meu espírito, logo que senti surgir nela o desejo de compreender o seu estado de trevas. E Me fiz Luz para ela.Falava a muitos naquele dia, mas, na verdade, eu falava somente para ela. Eu não via senão ela, que se havia aproximado trazida por um impulso da alma que se revoltava contra a carne, que a tinha subjugada. Eu não via nada mais que ela, com seu pobre rosto em tempestade com seu sorriso forçado que escondia debaixo de uma veste de esperança e de um a alegria mentirosa, e era um desafio ao mundo e a ela mesma todo aquele pranto interior. Eu não via senão ela, bem mais envolvida nas sarças da ovelhinha tresmalhada da pa-55

rábola, ela que se afogava no desgosto de sua vida, vindo à tona d'água como aquelas ondas imensas, que trazem consigo as águas lá do fundo.Eu não disse grandes palavras, nem toquei num assunto indicado por ela, pecadora bem conhecida, para não mortificá-la e não constrangi-la a fugir, a se envergonhar ou a vir. Eu a deixei em paz. Eu deixei que a minha palavra e o meu olhar descessem sobre ela e lá fermentassem para fazerem daquele impulso de um instante o seu glorioso futuro de santa. Eu lhe falei com uma das mais doces pará236.11 bolas: um raio de luz e de bondade emitido mesmo para ela. 11 E, naquela tarde, enquanto colocava os pés na casa do rico soberbo, na qual a minha palavra não podia fermentar em futura glória porque morta pela soberba farisaica, já sabia que ela haveria de vir, depois de ter chorado tanto em seu quarto de vício, e já haver decidido o seu futuro, à luz daquele pranto.Os homens, incendiados pela luxúria, ao vê-la entrar, estremeceram em suas carnes e insinuado com o pensamento. Todos a desejaram, menos os dois "puros" do banquete: Eu e João. Todos achavam que ela tivesse vindo por um daqueles caprichos fáceis que, verdadeira possessão diabólica, a lançavam em imprevistas aventuras. Mas Satanás estava então vencido. E todos, então, com inveja, pensaram, vendo que ela não olhava para eles, que ela tivesse vindo por causa de Mim. O homem suja sempre também as coisas mais puras quando ele é somente homem de carne e sangue. Somente os puros vêem de modo carreto porque neles não há pecado que lhes perturbe o pensamento. 236.12 12 Mas que o homem não compreenda, não te deve assustar, Maria. Deus compreende. E isso basta para o Céu. A glória que vem dos homens não aumenta nem um grama a glória que é a sorte dos eleitos no Paraíso. Lembra-te disso sempre.A pobre Maria de Magdala foi sempre mal julgada em seus atos bons. Não o tinha sido em suas

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ações más porque estas eram iscas da luxúria, que se ofereciam à fome insaciável dos libidinosos. Criticada e mal julgada em Naim, na casa do fariseu, criticada e censurada em Betania, na casa dela. Mas João, que diz uma grande palavra, dá a razão desta última crítica: "Judas... porque era ladrão. "Eu digo: "O fariseu e os seus amigos, porque eram luxuriosos." Aí está, vês? A cobiça da sensualidade, a cobiça do dinheiro levantam a voz para criticar uma ato bom. Os bons não criticam. Nunca. Eles compreendem.Mas, Eu repito, a crítica do mundo não importa. O que importa é o julgamento de Deus."56

237. 0 pedido de operarias para a messe e a parábola do tesouro escondido no campo. Marta teme ainda pela irmã Maria.29 de julho de 1945.

1 Jesus está no caminho que, do lago Meron vai para o lago da Ga- 237-1 liléia. Estão Ele, Zelotes e Bartolomeu perto de uma torrente, reduzida agora a um fio d'água, e parece que está esperando, à sombra de árvores copadas, aos que vão chegando dos dois lados contrários.O dia está muito quente e, no entanto, muitas pessoas foram acompanhando os três grupos dos que devem ter pregado pelas campinas e guiado os doentes para o grupo de Jesus, reservando-se eles o direito de pregar sobre Ele aos que estão sãos. Muitos miraculados estão formando juntos um grupo feliz, sentados por entre as árvores, e neles a alegria é tão grande, que nem sentem o cansaço produzido pelo calor, pela poeira e pela luz deslumbrante, coisas essas que molestam bastante todas os outros.Quando o grupo, chefiado por Judas Tadeu, chega em primeiro lugar perto de Jesus, pode-se ver bem o cansaço de todos os que formam o grupo e o acompanham. Em último lugar, vem o grupo chefiado por Pedro e no qual há muitas pessoas de Corozaim e de Betsaida."Conseguimos, Mestre. Mas seria necessário que houvesse muitos grupos ..Tu estás vendo. Fazer longas caminhadas, já não se pode mais, por causa do calor. E, então, como iremos fazer? Parece que o mundo vai-se alargando, e nós precisamos ser em maior número para podermos percorrer os povoados e atingir maiores distancias. Eu nunca pude fazer idéia de que a Galiléia fosse tão grande. Nós estamos num canto dela, num canto mesmo, e não conseguimos evangelizá-la, de tão vasta que ela é e de tão grandes que são as necessidades e os desejos de Ti", suspira Pedro."Não é que o mundo cresceu, Simão. O que cresce é o conhecimento do nosso Mestre", responde Tadeu."Sim, é verdade. Olha, quanta gente. Alguns deles nos acompanham desde a manhã. Nas horas quentes fomos abrigar-nos em um bosque. Mas, mesmo agora que já vem chegando a tarde, é penoso caminhar. E estes pobrezinhos estão muito mais longe de casa do que nós. Se tudo cresce sempre assim, nem sei o que vamos fazer...", diz Tiago de Zebedeu."Em Outubro, virão também os pastares", comenta André."Ah! Sim. Pastores, discípulos, belas coisas! Mas eles só sabem di-57

zer: Jesus é o Salvador. Ele está lá. Nada mais do que isso", responde Pedro."Mas, pelo menos, o povo ficará sabendo onde encontrá-lo. Agora, ao contrário. Nós vamos para um lugar, e eles correm para lá. E, quando eles vão vindo para cá, nós vamos para outro lugar, e eles tem que ir correndo atrás de nós. E fazer isso, levando crianças e doentes, não é nada cómodo." 237.2 2 Jesus fala: "Tens razão, Simão Pedro. Eu também tenho compaixão destas almas, dessas multidões. Para muitos, o não poderem eles achar-me em um certo momento pode ser até causa de alguma irreparável desventura. Olhai como eles estão cansados e desnorteados, os que ainda não

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têm certeza da minha verdade, e como estão esfaimados os que já saborearam a minha palavra, e não sabem mais ficar sem ela, pois nenhuma outra palavra é capaz de os satisfazer. Parecem ovelhas sem pastor, que vagam, não encontrado quem as guie e as apascente. Mas eu providenciarei. Contudo, vós haveis de ajudar-me com todas as vossas forças espirituais, morais e físicas. Não mais em grupos numerosos, mas dois a dois é que devereis andar. E mandaremos dois a dois os discípulos melhores. Porque a messe é realmente grande. Ah! Neste verão Eu vos prepararei para essa grande missão. Lá pelo mês de Tamus, estaremos juntos com Isaque e com todos os melhores discípulos. E Eu vos prepararei. Não Gastareis ainda. Porque, se a messe é realmente grande, os operários, por sua vez, são poucos. Rogai, pois, ao Dono da terra que mande muitos operários para a sua messe.""Sim, meu Senhor. Mas não mudará muito a situação destes que te procuram", diz Tiago de Alfeu."Por que, meu irmão?""Porque esses, que te estão procurando, procuram não somente doutrina e a palavra da Vida, mas também a cura de suas doenças, de suas enfermidades, para toda fraqueza, que a vida ou Satanás trazem para sua parte inferior ou superior. E isto, só Tu podes fazer, porque em Ti está o poder.""Aqueles que estão unidos a Mim chegarão a fazer o que Eu faço, e os pobres serão socorridos em todas as suas misérias. Mas ainda não tendes em vós o que é necessário para fazer isso. Esforçai-vos para vos superardes a vós mesmos, a conculcar a vossa humanidade, para que triunfe o vosso espírito. Assimilai, não, somente a minha palavra, mas o espírito dela, isto é, santificai-vos por ela, e depois, tudo podereis. E agora vamos dizer a eles a minha palavra, visto que não querem ir-se 58

embora, se Eu não lhes tiver dado a palavra de Deus. Depois, voltareis a Cafarnaum. Lá também estarão os que nos esperam... "3 "Senhor, mas é verdade que Maria Madalena pediu perdão a Ti 237.3 na casa do fariseu?""E verdade, Tomé.""E Tu o deste?""Eu o dei.""Mas fizeste mal!", exclama Bartolomeu."Por que? Era um arrependimento sincero, e merecia perdão.""Mas não devias dá-lo naquela casa, publicamente...", censura Iscariotes."Mas Eu não vejo em que é que errei.""Erraste nisto: Tu sabes quem são os fariseus e quantas cavilações eles têm na cabeça, como eles te vigiam, como te caluniam, como te odeiam. Um deles Tu tinhas como teu amigo em Cafarnaum, era Simão. E Tu chamas para ir à casa dele uma prostituta, para profanar a casa do amigo Simão e dar-lhe um escândalo.""Eu não a chamei. Ela é que foi lá. Não era uma prostituta. Era uma arrependida. Isso muda muito. Se não se tinha nojo de aproximar-se dela antes, nem de desejá-la sempre, e até em minha presença, também agora que ela não é mais uma carne, mas uma alma, não se deve ter nojo de vê-la entrar para ajoelhar-se aos meus pés, e para chorar acusando-se, aviltando-se naquela humilde confissão pública, que era o que significava aquele pranto. Simão fariseu teve sua casa santificada por um grande milagre: a ressurreição de uma alma". Na praça de Cafarnaum, há cinco dias, ele me perguntava: "De milagre, só fizeste aquele?", e ele mesmo respondia: "Certamente que não", e tinha ele muito desejo de ver um deles. E Eu lhe dei. Eu o escolhi para ser a testemunha, o paraninfo daqueles esponsais da alma com a Graça. Ele deve estar orgulhoso."Pelo contrário, com isso ele ficou escandalizado. Talvez tenhas perdido um amigo.""Eu achei uma alma. Vale a pena perder um homem e a sua pobre amizade de homem, para pôr uma alma na amizade com Deus.""É inútil. Contigo não se pode conseguir uma reflexão humana. Estamos na terra, Mestre! Lembra-te disso. Ainda estão vigentes as leis as idéias da terra. Tu queres agir com o método do Céu, e te moves no teu Céu, que tens no coração, e tudo queres ver através das luzes do Ceu. Pobre Mestre

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meu! Como és divinamente inepto para viveres entre nós perversos!", e Judas Iscariotes o abraça, admirado e desolado, 59

e termina dizendo: "E eu sinto, porque Tu estás criando, indo atrás de uma exagerada perfeição, uma grande quantidade de inimigos.""Não te compadeças Judas. Está escrito que assim seja. Mas, como é que sabes que Simão ficou ofendido?""Eu não disse que ficou ofendido. Mas a mim e a Tomé ele deu a entender que aquilo não estava bem. Não devias convidá-la a ir à casa dele, pois lá só entram pessoas honestas.""Bom. Quanto à honestidade dos que vão à casa do Simão, deixemo-la de lado", diz Pedro. E Mateus acrescenta; "Eu poderia dizer que o suor das prostitutas escorreu muitas vezes por sobre os pavimentos de Simão, o fariseu, por sobre as mesas e por outros lugares.""Mas não publicamente", rebate Iscariotes."Não. Com a hipocrisia encarregada de o esconder.""Olha que, então tudo muda.""O que também muda é a entrada de uma prostituta, que entra para dizer: "Eu deixo o meu pecado infame". É bem diferente de outra que entra para dizer: "Eis-me aqui para ti, a fim de praticarmos o pecado juntos.""Mateus está com a razão", dizem todos."Sim. Ele tem razão. Mas eles não pensam como nós. É preciso que façamos tratos com eles, e nos adaptemos a eles, para podermos te-los como amigos.""Isso, nunca, Judas. Na verdade, na honestidade, na conduta moral não existem adaptações nem tratos", troveja Jesus. E termina:237.4 Afinal, Eu sei que agi bem e para o bem. E basta. 4 Vamos despedirnos daqueles pobres cansados."E Ele vai até aqueles que estão espalhados por baixo das árvores, e que estão olhando na direção dele, cheios do desejo de ouvi-lo."A paz esteja com todos vós, que atravessastes muitos estádios, debaixo de um sol ardente, para virdes ouvir a Boa Nova. Em verdade, Eu vos digo que vós estais começando a compreender realmente o que é o Reino de Deus e quão preciosa é a posse dele, a felicidade de a ele pertencer. Assim é que todo cansaço para nós perde a importancia, quando para os outros ele a conserva, porque o espírito é que dá ordens em nós, e ele diz à carne: "Alegra-te porque eu te oprimo. É para a tua felicidade que eu o faço. Quando estiveres reunida a mim, depois da ressurreição final, tu me amarás por eu te ter calcado aos pés, e verás tu em mim o teu segundo salvador." Não é assim que fala o vosso espirito? Mas, sim, que ele o diz! Vós agora apoiais as vossas ações no ensinamento das minhas parábolas antigas. Mas agora vou60

dar-vos outras luzes, para fazer que vos tomeis cada vez mais enamorados por este Reino, que vos espera e cujo valor é incomensurável.Ouvi: Um homem, tendo ido a um campo apanhar terriço para a sua pequena horta, ao escavar com muito esforço a terra dura, encontrou, por baixo de algumas camadas da terra, um filão de metal precioso. Que faz então aquele homem? Recobre com a terra a descoberta feita, não lhe importa trabalhar mais ainda, porque a descoberta merece bem a fadiga. Depois, ele vai para casa, conta as riquezas que tem em dinheiro e em outras coisas, e estas últimas ele vende, para ter em mãos muito dinheiro. Em seguida, ele vai ao dono do campo e lhe diz: "O teu campo me agrada. Quanto queres para vender-me?" "Mas eu não o estou vendendo", diz o outro. Então o homem oferece-lhe somas cada vez maiores e completamente fora de qualquer proporção com o valor do campo, e termina seduzindo o dono dele, o qual fica pensando: "Este homem é um louco! Mas, desde que ele o é, eu vou tirar vantagem disso. Eu vou pegar a soma que ele me está oferecendo. Não estou praticando usura, porque é ele quem a quer dar. Com ela, eu comprarei, pelo menos, outros três campos, e mais

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bonitos", e faz a venda, convencido de ter feito um esplêndido negócio. Mas, ao contrário, o outro é que faz um esplêndido negócio, porque ele se priva de bens que podem ser levados pelo ladrão, ou ser perdidos, ou gastos, e procura obter um tesouro que, além de ser verdadeiro e natural, é inesgotável. Vale, pois, a pena, sacrificar tudo o que ele tem, para fazer essa aquisição, ficando ele, por enquanto, só com a posse do campo, mas na realidade passando a possuir para sempre aquele tesouro encerrado nele.Vós Já entendestes o negócio. Fazei, então como o homem da parábola. Deixai as riquezas efémeras, para possuirdes o Reino dos Céus, vendei-as aos estultos do mundo, cedei-as a eles, aceitai até que se riam de vós por isso que, aos olhos do mundo, pode parecer um modo tolo de negociar. Fazei assim, sempre assim, e o vosso Pai, que está nos Céus, com muita alegria vos dará um dia o vosso lugar no Reino.Voltai para as vossas casas, antes que chegue o sábado e, durante o dia do Senhor, pensai na parábola do tesouro, que é o Reino dos Céus. A paz esteja connosco."5 0 povo vai-se espalhando lentamente pelas estradas e caminhos da 237.5campina, enquanto Jesus vai indo para Cafarnaum, ao cair da tarde.Ele chega lá, já de noite. Atravessam em silêncio a cidade, à luz do luar, a única luz que ainda clareia as vielas escuras e mal calçadas. Entram assim, em silêncio, na pequena horta ao lado da casa, julgando que todos já estão na cama. Mas, não é assim, porque uma luz está61

ainda acesa na cozinha, e lá se vem três sombras, que se tornam movediças por causa do movimento da chamazinha, e se projetam sobre a pequena parede branca do forno, que lhe fica perto."Aí há gente que te espera, Mestre. Mas desse modo não podemos continuar. Eu vou dizer-lhes que estás muito cansado. Enquanto isso, vai, Tu, para o terraço.""Não, Simão. Eu vou à cozinha. Se Tomé deteve essas pessoas, é sinal de que houve um motivo sério."Enquanto isso, os de dentro ouviram a conversa, e Tomé, dono da casa, vai até a soleira."Mestre, aqui está aquela dama. Ela já está esperando desde ontem, ao pôr do sol. Ela está com um criado", e depois ele diz a meia voz: "Ela está muito agitada. E chora sem parar...""Está bem. Dize-lhe que vá lá para cima. Onde foi que ela dormiu?""Ela não queria dormir. Mas, finalmente, se retirou por algum tempo, já de madrugada, para o meu quarto. E o criado eu fiz que fosse dormir em uma dos vossos leitos.""Tudo bem. Que durma nesta noite também. E tu dormirás na minha. ""Não, Mestre. Eu irei para o terraço e dormirei nas esteiras. E dormirei um bom sono, do mesmo jeito.237.6 6 Jesus sobe para o terraço. E a Marta também sobe."A paz esteja contigo, Marta."Um soluço foi a resposta."Estás chorando ainda? Não estás bem?"A cabeça de Marta faz sinal que não."Mas, que há, então?"Uma longa pausa se faz, cheia de soluços. Enfim, depois de um gemido, ela diz: "Já faz muitas noites, que Maria não voltou. E não se sabe onde está. Nem eu, nem Marcela, nem a nutriz a encontramos... Ela tinha saído conduzindo o carro. Estava toda pomposa em suas vestes... Oh! Ela não tinha querido pôr de novo as minhas!... Não estava seminua, nem antes daquelas, mas era muito provocante nestas... Ouros e perfumes ela levou consigo...e não voltou mais. Mandou embora o criado, logo que chegou perto das primeiras casas de Cafarnaum, dizendo-lhe: "Eu voltarei com outra companhia." Mas não voltou mais. Ela nos enganou. Ou, então, ela se sentiu sozinha, talvez tentada... ou lhe aconteceu algum mal... Ela não voltou mais..." E Marta cai de joelhos chorando, com a cabeça inclinada sobre o antebraço, colocado sobre um monte de sacos vazios. 62

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Jesus olha para ela, e diz, devagar e com firmeza, como um dominador: "Não chores. Maria veio a Mim, há três dias. Ela me ungiu os lés com bálsamo, e pôs aos meus pés todas as suas jóias. Consagrou-se assim, e para sempre, tomando lugar entre as minhas discípulas. Não a fiques denegrindo em teu coração. Ela te superou.""Mas onde, onde está, então, a minha irmã?", grita Marta, erguendo um rosto transtornado. "Por que é que ela não voltou para casa? 'I'cria sido assaltada? Terá talvez tomado uma barca para ir se afogar? Ou, talvez, algum amante rejeitado a raptou? Oh! Maria! A minha Maria! Eu a havia reencontrado, e logo a perdi?" Marta está mesmo fora de si. Ela nem pensa mais que os que estão lá em baixo a possam estar ouvindo. Nem pensa mais que Jesus pode dizer-lhe onde é que está a sua irmã. Ela se desespera, sem refletir em nada mais.7 Jesus a segura pelos pulsos e a obriga a ficar quieta e a ouvi-lo, 237 7 dominando-a com sua alta estatura e com seu olhar magnético. "Basta. Eu quero que tenhas fé em minhas palavras. Quero de ti generosidade. Entendeste?" E não a deixa andar, senão quando ela se tranqüiliza um pouco."Tua irmã foi saborear sua alegria, envolvendo-se em uma solidão santa, porque nela há o supersensível pudor dos redimidos. Eu já te lixívia dito antes. Ela não pode suportar o olhar doce, mas indagador, dos parentes, a respeito de sua veste nova de esposa da Graça. E isto que Eu digo é sempre verdade. Tu deves crer em Mim.""Sim, Senhor, sim. Mas minha Maria foi demais, foi demais escrava do dernônio. Ele, de repente a pegou de novo, ele. .. ""Ele se está vingando em ti por ter perdido para sempre a sua presa. Eu devo, então, ficar vendo como tu, a forte, te tornas presa dele por essa ansiedade louca, sem razão de ser? Devo crer que, por causa dela, que agora crê em Mim, tu tenhas que perder a tua bela fé, que leu sempre conheci que tinhas? Marta, olha bem para Mim. Escuta-me. Não escutes Satanás. Não sabes que, quando é obrigado a soltar urna presa, por causa de uma vitória de Deus contra ele, começa logo u agir, este incansável torturador dos seres, este incansável ladrão (los direitos de Deus, para encontrar outras presas? Não sabes que são as torturas de um terceiro, que resiste aos assaltos porque é bom e fiel, que são elas que consolidam a cura de um outro espírito? Não salões que nada está desligado de tudo o que acontece e existe na criação, mas que tudo segue uma lei eterna de dependências e de conseqüências, pelas quais o ato de um tem repercussões naturais e sobrenaturais vastíssimas? 8 Tu choras aqui, tu que conheces a dúvida 237.863

atroz, e permaneces fiel ao teu Cristo, mesmo nesta hora tenebrosa. Lá, em um lugar vizinho e desconhecido por ti, Maria sente desfazer-se a última dúvida que ela tinha sobre a totalidade do perdão recebido, e o seu pranto se muda em sorriso, e as suas sombras em luz. Foi o teu tormento que a guiou para lá, onde ela está em paz, lá onde se regeneram as almas, junto da Genitriz sem mancha, junto daquela que é tanto Vida, que obteve a graça de ter dado ao mundo o Cristo, que é a Vida. Tua irmã está na casa de minha Mãe. Ah! Não é ela a primeira que vai recolher as velas naquele porto de paz, depois que o raio suave da viva Estrela Maria a chamou àquele seio de amor por amor, mudo mas ativo, do seu Filho! Tua irmã está em Nazaré.""Mas, como é que ela foi parar lá, se não conhece a tua Mãe, nem a tua casa?... Sozinha... E de noite!... Assim... Sem meios... Com aquelas roupas...Com um longo caminho a fazer...Como?""Como? Como vai a andorinha cansada até o ninho nativo, atravessando mares e montes, enfrentando tempestades, nevoeiros e ventos contrários? Como vão as andorinhas aos lugares de invernagem? Elas vão por um instinto que as guia, pelo calor que as atrai, pelo sol que as chama. Ela também foi correndo para o raio de Sol que a chamava... para a Mãe universal. E a veremos chegar no fim da madrugada, feliz, tendo saído para sempre das trevas, com uma Mãe a seu lado, a minha, e para que nunca mais fique órfã. Podes tu crer nisto?""Sim, meu Senhor."Marta está como que fascinada. De falo, Jesus foi realmente um dominador. Alto, ereto e levemente inclinado sobre Marta, que está ajoelhada, Ele falou devagar, mas de um modo incisivo, como se o

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fizesse para infundir-se a si mesmo na discípula transtornada. Poucas vezes eu o vi tão poderoso assim para persuadir com a palavra um dos seus ouvintes. Mas no fim, que luz, que sorriso em seu rosto."E agora, vai descansar. Em paz."E Marta lhe beija as mãos, e desce, tranquilizada.

238. A chegada a Cafarnaum, sob um temporal, de Maria Santíssima com Maria Madalena.30 de julho de 1945. 238.l 1 "Talvez haja tempestade hoje, Mestre. Vês aquelas listras cor de chumbo, que vem avançando de trás do monte Hermon? E vês como já se encrespa a superfície do lago? Escuta agora como está soprando 64

vento norte, alternando seu sopro com as grandes lufadas quentes do siroco. Olha o redemoinho do vento: sinal certo de tempestade."Daqui a quanto tempo, Simão?"Antes que termine a hora de prima. Olha como os pescadores já se apressam em voltar. Perceberam que o lago está rosnando. Daqui ~~ louco ele estará também cor de chumbo, depois estará cor de piche, e, então, virá a fúria.""Mas ele parece estar tão calmo!", diz, incrédulo, Tomé."Tu entendes de ouro, e eu de água. Será como eu te digo. Esta fluo é nenhuma tempestade imprevista. Ela se prepara com sinais muito claros. A água está calma na superfície, com apenas aquela encrespadura, que mais parece uma brincadeira. Mas, se estivéssemos na barca! Ouviríeis, como se estivessem batendo na quilha, milhares fie juntas de dedos, e sacudindo, de um modo estranho, a barca. A água já está fervendo por debaixo. Espera o sinal do céu, e depois verás o resto!... Deixa que o vento norte faça um nó com o siroco! E de~is!... Olá, mulheres! Retirai as roupas que havíeis estendido nos varais, e procurai abrigar os vossos animais. Daqui a pouco, vão cair Ladras e baldes de água."De falo, o céu vai-se tornando cada vez mais esverdeado, com uns veios de ardósia, pela invasão contínua de laminas de nuvens, que parecem arrotadas pelo velho Hermon. Elas repetem a aurora, onde esta já tiver chegado, como se as horas caminhassem para trás, voltando a trazer a noite, em vez de andarem para a frente, para o meio-dia. Somente um feixe de raios de sol persiste ainda em querer escapar obliquamente de detrás da barricada das nuvens de piche, e lança uma irreal pincelada de um amarelo esverdeado sobre o cume de uma colina. a sudoeste de Cafarnaum. O lago já se mudou de azul para um preto azulado, e as primeiras espumas, por entre pequenas ondas, fracas, esmiuçadas, parecem de um branco imaginário sobre aquela água escura. Sobre o lago não há mais nenhuma barca. Os homens se apressaram em levar para cima da areia das praia suas barcas, em guardar ás redes, ou então, se são camponeses, em tirar dali os mantimentos, em firmar as estacas e amarras, em fechar os animais nos estábulos e c urrais, e as mulheres vão às pressas até as fontes, antes da chuva, ou tratam de reunir seus meninos, que se levantaram muito cedo, e os levam para suas casas, fecham as portas, solícitas como galinhas chocas, quando percebem que o granizo vem vindo perto.2 'Simão, vem comigo. Chama também o criado da Marta e Tiago, 238.2meti irmão. Apanha um pano largo. Largo e espesso. Duas mulheres 65

vêm vindo pelo caminho. e precisamos ir ao encontro delas."

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Pedro olha, curioso, para Jesus, mas obedece, sem perda de tempo. Ele está na estrada, quando elas, correndo, atravessam o povoado, indo para o sul, e o Pedro pergunta: "Mas, quem são elas?""Minha Mãe e Maria de Magdala."A surpresa é tão grande, que Pedro fica parado, como se estivesse pregado no chão, e diz: "Tua Mãe e Maria de Magdala?! E as duas juntas?!" Depois ele se põe a correr, porque Jesus não parou, nem pararam o criado nem Tiago. Mas Pedro torna a dizer: "Tua Mãe e Maria de Magdala?! Juntas!... Mas, desde quando?""Desde quando outra coisa ela não é, senão Maria de Jesus Anda depressa, Simão. Estão caindo os primeiros pingos..."E Pedro se esforça para ir ao lado desses seus companheiros, todos mais altos e ligeiros do que ele. Na estrada estorricada a poeira já se levanta em nuvens, por causa de um vento que se vai tornando a cada instante mais forte, um vento que rasga a superfície do lago, e o que deixa ver é uma enorme caldeira, no furor da ebulição. Ondas da altura de pelo menos um metro, que vão para todos os rumos, e se chocam umas com as outras, crescem e se confundem, separam-se depois, correndo em direções opostas, à procura de alguma outra onda, contra a qual se possam chocar, com um perfeito duelo entre as espumas, entre as cristas, entre as corcovas bojudas, entre as fervuras, os mugidos, entre as bofetadas que dão até contra as mais próximas da beira. Quando as casas impedem a vista do lago, ele faz notar sua presença com o seu fragor, que supera o assobio do vento, que já está dobrando as árvores, arrancando-lhes as folhas e fazendo cair seus frutos, e o grande estrondo das longas trovoadas, ameaçadoras, precedidas por relâmpagos cada vez mais frequentes e mais fortes."Quem sabe quanto medo terão aquelas mulheres", diz Pedro, respirando com dificuldade."Minha Mãe, não. A outra, não sei. Mas, com certeza, se não andarmos depressa, elas vão molhar-se muito". 238.3 3 Já passaram algumas centenas de metros de Cafarnaum, quando, por entre nuvens de poeira, no meio do primeiro barulho de um aguaceiro, que vem descendo oblíquo e violento, regando o ar escuro e tornando-se em seguida uma verdadeira catarata, que se reparte em gotas, que nos tiram a visão, que nos cortam o fôlego, e aí se vêem duas mulheres correndo, procurando abrigo debaixo de alguma árvore coçada."Lá estão elas! Vamos correr!" 66

Mas, por mais que seu amor por Maria dê asas a Pedro, ele, com suas pernas curtas, e certamente não de bom corredor, chega até per~o, quando Jesus e Tiago já abrigaram as mulheres debaixo de um pesado pedaço de vela."Aqui não se pode ficar. Há perigos de raios, e daqui a pouco a estrada vai virar um rio. Vamos, Mestre. Pelo menos até a primeira casa", diz Pedro, ofegante.Vão eles, com as mulheres no meio, segurando o pano sobre as cabeças e as costas delas.4 A primeira palavra que Jesus diz a Madalena, que ainda está com 238.4 a roupa daquela tarde no banquete de Simão, com um manto da Mãe de Jesus sobre os ombros, é esta: "Estás com medo, Maria?"Ela, que sempre esteve de cabeça inclinada, por baixo do véu, que é a sua cabeleira, desalinhada por causa da corrida, inclina ainda mais a cabeça, e murmura: "Não, Senhor."Também a Mãe de Jesus perdeu os grampos, e parece uma menina, com as tranças caindo pelas costas abaixo. Mas sorri para o seu Filho, que está a seu lado, e lhe fala com aquele sorriso."Estás muito molhada, Maria", lhe diz Tiago de Alfeu, tocando no véu e na capa da Senhora."Não faz mal. Agora não nos estamos molhando mais. Não é verdade, Maria? Ele nos salvou até da chuva", diz docemente Maria a Madalena, percebendo a dificuldade em que ela está. E esta faz com a cabeça sinal de que sim."Tua irmã vai ficar contente por tornar a ver-te. Ela está em Cafarnaum. E estava te procurando", diz Jesus.Maria levanta por um momento a cabeça, e fixa seus belos olhos no rosto de Jesus, que lhe vai falando no mesmo modo natural com que fala às outras discípulas. Mas ela não diz nada. Está

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arrasada com tantas emoções.Jesus termina: "Estou contente por tê-la entretido. Eu vos deixarei ir, depois de ter-vos abençoado."5 A palavra se perdeu no estampido seco de um raio, que caiu ali 238 5 perto. Madalena fica espantada. Leva as mãos ao rosto e se inclina, numa explosão de choro."Não tenhas medo!", conforta-a Pedro. "Agora já passou. E, com Jesus, nunca é preciso ter medo."Também Tiago, que vai indo ao lado direito de Madalena, diz: "Não chores. As casas já estão perto.""Não estou chorando por medo... Estou chorando, porque Ele dis-67

se que me vai abençoar... Eu...eu... ", e não pode dizer mais nada. A Mãe de Jesus intervém para acalmá-la, dizendo: "Tu, Maria, já superaste o teu temporal. Não penses mais nele. Agora tudo é serenidade e paz. Não é verdade, meu Filho?" "Sim, minha Mãe. É tudo verdade. Daqui a pouco voltará o sol, e tudo ficará bonito, limpo, fresco como ontem. Também para ti, Ma ria." A Mãe continua, segurando a mão de Madalena: "Direi a Marta as tuas palavras. Estou contente por poder vê-la logo, e dizer-lhe como a sua Maria está cheia de boa vontade." Pedro, patinando na lama, e suportando o dilúvio com paciência, sai de debaixo do refúgio, para ir até uma casa, a fim de pedir um abrigo. "Não, Simão. Nós todos preferimos voltar para a nossa casa. Não é verdade?", diz Jesus. Todos estão de acordo, e Pedro volta para debaixo do pano. 238 6 6 Cafarnaum está deserta. Quem reina aí agora, como donos, são 0 vento, a chuva, os trovões, os relâmpagos, e agora o granizo, que bate e salta sobre os terraços e as rachadas. O lago está terrível c ameaça dor. As casas perto dele estão sendo batidas pelas ondas, porque a prainha desapareceu, e as barcas, amarradas perto das casas, pare cem ter naufragado, de tão cheias que estão de água, que cada novo vagalhão ainda aumenta, fazendo que delas transborde o que já lá estava. Entram, correndo, na horta que se transformou em um enorme charco, no qual estão boiando detritos sobre a água barrenta, e de lá passam para a cozinha, onde estão todos reunidos. O grito de Marta, quando vê sua irmã segura pela mão por Maria, é um grito agudo. Ela vai se abraçar ao pescoço da irmã, sem nem perceber como fica molhada ao fazer isso, e ao beijá-la, e a chama: "Mirí, Mirí, alegria minha!', talvez fosse esse o apelido carinhoso que davam a Madalena, quando era pequena. Maria chora, se inclina, com a cabeça sobre o ombro da irmã, cobrindo a veste escura de Marta com um pesado véu de ouro, a única coisa brilhante naquela cozinha escura, onde está apenas um peque no fogo de gravetos, para quebrar o escuro da treva, que a lampadazinha acesa não é capaz de vencer. Os apóstolos estão indiferentes, e assim também estão o dono e a dona da casa, que apareceram por terem ouvido o grito da Marta, mas que, depois de um momento de curiosidade, dali se afastam discretamente.68

8 Depois, quando a fúria dos abraços se acalmou um pouco, Marta 238.7 se lembra de Jesus, de Maria, da estranheza por virem assim todos juntos e pergunta à irmã, à Mãe de Jesus, e eu não saberia dizer a quem ela o fazia com mais insistência: "Mas, como? Por que todos juntos?""Por causa do temporal, Marta, que nos fez ficar perto uns dos outros. Eu fui com Simão, Tiago e teu criado, ao encontro das duas peregrinas. "Marta está tão espantada, que nem reflete no falo de Jesus ir com tanta segurança ao encontro delas e não faz esta pergunta: "Mas Tu estavas sabendo?" É Tomé quem pergunta isso a Jesus. Mas não recebe resposta, porque Marta diz à sua irmã: "Mas como estavas com Maria?"Madalena inclina a cabeça. A Mãe de Jesus a socorre, segurando-a pela mão, e dizendo: "Ela veio até minha casa como uma peregrina, que vai até um lugar, onde lhe pode ser ensinado o caminho para chegar à meta. E ela me disse: "Ensina-me o que devo fazer para ser de Jesus." Oh! Como nela há uma vontade verdadeira e total, logo ela compreendeu e entendeu essa sabedoria.E eu a achei logo pronta para poder ser tomada pela mão, assim, e trazê-la até a Ti, meu Filho, a ti, boa Marta, a vós, irmãos discípulos, e dizer-vos: "Aqui está a discípula e a irmã, que não dará senão

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alegrias sobrenaturais ao Senhor e aos seus irmãos". Procurai acreditar em mim, e amá-la todos, como Jesus e eu a amamos. "8 Então, os apóstolos se aproximam, saudando a nova irmã. Não se 238.8 exclui também alguma curiosidade... Mas, que fazer? São ainda homens...Mas o bom senso de Pedro toma então a palavra: "Tudo vai bem, Vós garanti a ela ajuda e uma amizade santa. Primeiro seria necessário pensar que a Mãe e a irmã estão muito molhadas. Nós também, na verdade, o estamos... Mas o caso delas é pior. Seus cabelos estão pingando água, como os salgueiros depois do furacão, suas vestes estão sujas de barro e molhadas. Vamos acender um fogo, vamos arranjar umas vestes e preparar uma comida quente.""Todos se põem a trabalhar, e Marta leva para o quarto as duas ensopadas viandantes, enquanto, já estando aceso o fogo, estenderam diante dele as capas, os véus e as vestes encharcadas. Não sei como se arranjam para prover a tudo. Só sei que Marta, tendo-se lembrado de novo de sua energia de ótima dona de casa, vai e vem, cuidando de tudo, com bacias e água quente, com tigelas de leite quente, com vestes emprestadas pela patroa, para socorrer as duas Marias...69

239. A parábola dos peixes, a parábola da pérola e o tesouro dos ensinamentos antigos e novos.31 de julho de 1945. 239.1 Estão todos reunidos na ampla sala superior. O temporal violento se dissolveu em uma chuva persistente, que já vai ficando mais fina, até quase parar, e dali a pouco engrossa de novo, com uma fúria renovada. O lago certamente não está azul hoje, mas amarelento, com listras de espuma branca, quando vem vindo um vento com aguaceiro. As colinas, todas escorrendo água, umas com suas folhagens ainda inclinadas para baixo, ainda cobertas de água, com alguns ramos quebrados pelo vento e muitas folhas arrancadas pelo granizo, mostrando pequenos regatos por todos os lados, com águas amarelentas, que vão transportando para o lago as folhas e as pedras arrancadas dos declives. A própria luz do sol está meio of-uscada, esverdeada. Na sala, sentadas perto de uma Janela virada para as colinas, estão Maria com Marta e Madalena, com mais duas mulheres que eu não sei exatamente quem são. Mas eu tenho a impressão de que já se riam conhecidas de Jesus, de Maria e dos apóstolos, porque elas se sentem muito à vontade com todos. E certamente assim estão, mais do que Madalena, que está quieta, com a cabeça inclinada, sentada entre a Virgem e Marta. As roupas, enxugadas ao fogo, e agora limpas do barro, já foram vestidos de novo. Mas digo mal. Foi vestida pela Virgem a dela, de lã azul escura. Madalena está com uma veste emprestada, curta e estreita para ela, que é alta e de belas formas. Ela procura compensar os defeitos da veste, usando por cima dela a capa de sua irmã. Maria Madalena recolheu o cabelo em duas tranças, dando com elas um nó sobre a nuca, feito de qualquer modo, porque para segurar aquele peso seriam necessários bem mais do que aqueles poucos grampos, enfiados um aqui, outro ali. De lato, depois disso, eu sempre vi que Maria Madalena ajuda os grampos com uma fitinha, que fica parecendo um leve diadema, desaparecendo, por causa de sua cor de palha, no ouro dos cabelos dela. No outro lado da sala, sentados, uns em escabelos, outros nos peitoris das janelas, estão Jesus com os apóstolos e o dono da casa. Está faltando o criado de Marta. Pedro e os outros pescadores estão estudando o tempo, fazendo prognósticos sobre o dia seguinte. Jesus escuta, ou responde a uma ou outra pergunta. "Se eu tivesse sabido disso, eu teria dito à minha mãe que viesse. E bom que a mulher logo esteja à vontade com as companheiras", diz70

Tiago de Zebedeu, olhando para o lado das mulheres."Como, se tivesses sabido? 2 Pois, então, a mãe não veio com Ma- 239 2 ria?", pergunta Tadeu ao irmão Tiago.

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"Eu não sei. Também eu estou fazendo essa pergunta.""Não estará ela sentindo-se mal?"Maria teria dito.""Eu vou perguntar-lhe isso", e Tadeu vai falar com as mulheres.Ouve-se a voz clara de Maria, que responde: "Ela está bem. Fui eu que lhe evitei alguma falta de cuidado com este calor. Nós saímos por aí, como duas meninas, não foi, Maria? Maria veio à tarde, já escuro, e, na manhã seguinte, partimos. Eu apenas disse a Alfeu: "Toma a chave. Voltarei logo. Dize isto à Maria." E vim para cá."3 "Nós voltaremos juntos, Mãe. Logo que o tempo ficar bom, e Ma- 239. 3ria já tiver uma veste, nós iremos, todos juntos, através da Galiléia, acompanhando as irmãs até o caminho mais seguro. Assim ficarão conhecidas também por Porfíria, por Susana, por vossas mulheres e ~ilhas, por Filipe e Bartolomeu."É muito bom esse modo de dizer "serão conhecidas", para não dizer "Maria será conhecida." E também é uma saída magistral, que vem derrubar todas as prevenções e restrições mentais a respeito da redimida. O Senhor a impõe, vencendo as relutâncias deles, a vergonha dela, tudo. Marta tem agora um ar sereno em seu rosto. Maria Madalena fica corada e tem um olhar suplicante, reconhecido, mas perturbado. Que sei eu? Maria, Mãe de Jesus, está com o seu habitual sorriso suave."Aonde iremos em primeiro lugar, Mestre?""A Betsaida. Depois iremos por Magdala, Tiberíades, Caná e Nazaré. De lá, passando por Jáfia e Semeron, iremos a Belém da Galiléia, depois a Sicaminon e a Cesaréia..." Jesus interrompeu suas palavras, diante da explosão de pranto de Madalena. Ele levanta a cabeça, olha para ela, e continua, como se nada houvesse acontecido: "Em Cesaréia encontrareis o vosso carro. Eu dei ordem assim ao servo, e de lá ireis para Betania. E ver-nos-emos depois, na Festa dos 'Tabernáculos. "Madalena se recompre logo, e não responde às perguntas de sua irmã, mas sai da sala e se retira, talvez para a cozinha, por um pouco ele tempo"Maria está sofrendo, Jesus, ao ouvir que deve ir a certas cidades. E' preciso entendê-la... Eu o estou dizendo mais por causa dos discípulos e por Ti, Mestre", diz humildemente, e preocupada, Marta. 71

"É verdade, Marta. Mas assim deve acontecer. Se ela não enfrentar logo o mundo, e não acabar de uma vez com aquele horrível tira no, que é o respeito humano, ela ficará paralisada em sua conversão. E isso acontecerá logo e também conosco." 239 4 4 "De dentre nós, ninguém dirá nada a ela. Eu te garanto, Marta, por mim e por todos os meus companheiros", promete Pedro. "Com toda certeza! Nós a rodearemos como a uma irmã. Assim nos disse Maria que ela é, e assim o será para nós", confirma Tadeu."E, além disso... Todos somos pecadores, e o mundo não nos poupou também. Por isso, já compreendemos as lutas dela", diz Zelotes."Eu, mais do que todos, a compreendo. Nos lugares onde pecamos é muito martírio vivermos. As pessoas sabem quem somos!... É um tormento. Mas é também uma justiça e uma glória resistir ali. Justa mente porque é evidente em nós o poder de Deus, nós somos objeto de conversões, até mesmo sem fazermos uso de palavras", diz Ma teus. "Estás vendo, Marta, como tua irmã é compreendida por todos, amada por todos. E o será cada vez mais. Ela se tornará um sinal indicador para muitas almas culpadas e assustadas. É uma grande força até para os bons. Porque Maria, quando tiver arrebentado as últimas correntes de sua natureza humana, será um foco de amor. E não terá feito nada mais do que ter dado uma nova direção à exu- berancia dos seus sentimentos. Terá elevado essa sua poderosa faculdade de amar a um plano sobrenatural. E, nesse plano, ela operará prodígios. Eu vo-lo garanto. Por enquanto, ela ainda está perturba da. Mas vereis como cada dia irá ficando mais tranquila e forte, em sua nova vida. Na casa de Simão, Eu disse: "Muito lhe é perdoado porque ela muito ama." E agora Eu vos digo que, em verdade, tudo lhe é perdoado, porque ela amará com todas as suas forças, com suá alma, seu pensamento, seu sangue, sua carne, até o holocausto, o se^t Deus. "Feliz dela, que merece tais palavras! Eu quereria merece-las, eu também", suspira André.

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239.5 5 "Tu? Tu as mereces já. Vem cá, meu pescador! Eu te quero contaruma parábola, que parece que foi feita pensando em ti.""Mestre, espera um pouco. Eu vou buscar Maria. Ela deseja tanto saber a tua doutrina.! ..."Enquanto Marta sai, os outros dispõem em ordem as cadeiras, formando com elas um semicírculo ao redor de Jesus.Voltam as duas irmãs e tomam um lugar perto da Mãe Santíssima.72

Jesus começa a falar: "Uns pescadores saíram para o lago e jogaram sua rede ao mar. Depois do tempo necessário, puxaram a rede Içara bordo. Com muito trabalho eles iam assim fazendo a sua pesca, por ordem do patrão, que os havia encarregado de abastecer sua cidade de peixes de boa qualidade, dizendo-lhes assim: "Mas os peixes que fazem mal e os de qualidade inferior, não deveis nem levá-los para terra. Jogai-os de novo no mar. Outros pescadores os pescarão e, c orno eles são pescadores de um outro patrão, levarão os peixes para a cidade dele, para que lá se coma o que faz mal e o que faz ficar sempre mais feia a cidade do meu inimigo. Na minha cidade, que é bela, ilustre e santa, não há de entrar nada de mal sãoPuxada, pois, para bordo a rede, os pescadores começaram o trabalho da separação. Os peixes eram muitos, de aspecto, tamanho e core diversos. Havia alguns muitos bonitos, mas cuja carne era cheia de espinhas, ou de sabor desagradável, ou que tinham o bucho cheio de lodo, de vermes ou de ervas podres, que aumentavam o mau gosto de suas carnes. Outros eram de aparência feia, com um focinho que mais parecia a carranca de um delinquente ou de um monstro visto em um pesadelo. Mas os pescadores sabiam que a carne deles era especial. Outros, porque eram sem importância, passaram despercebidos. Os pescadores trabalhavam, trabalhavam. As cestas já estavam cheias de peixes especiais então, e na rede estavam os peixes insignificantes. "Já basta. As cestas estão cheias. Vamos jogar todo o resto no mar", disseram muitos pescadores.Mas um pescador, que até aí pouco tinha falado, enquanto os outros falavam bem ou mal de cada peixe que lhes chegava às mãos, ficou a rebuscar na rede e, por entre a miuçalha sem importância, descobriu ainda dois ou três peixes, que ele foi colocar por cima de todos os outros, nas cestas. "Mas, que é que estás fazendo", perguntaram-lhe os outros. "As cestas já estão cheias e bonitas. Tu as queres estragar, pondo por cima delas, e atravessado, esse pobre peixe aí! Parece até que tu o queiras premiar como mais bonito!". "Deixai-me agir. Eu conheço esta raça de peixes e sei o seu rendimento e que prazer dão."Esta é a parábola, que termina com a bênção do patrão ao pescador paciente, esperto e silencioso, que soube separar, no grande montão, quais eram os melhores peixes.6 Agora escutai a aplicação da parábola. 239.6O patrão da cidade bonita, ilustre e santa é o Senhor. A cidade é o Reino dos Céus. Os pescadores são os meus apóstolos. Os peixes do mar são a humanidade, na qual estão presentes todas as categorias 73

de pessoas. Os peixes bons são os santos.O patrão da cidade feia é Satanás. A cidade feia é o Inferno. Os pescadores dele são o mundo, a carne, as paixões más, encarnados nos servos de Satanás, sejam espirituais, isto é, demónios, sejam os homens que corrompem aos seus semelhantes. Os peixes maus são a humanidade que não é digna do Reino dos Céus: são os condenados.Entre os pescadores de almas para a Cidade de Deus, sempre haverá os que imitarão aquela capacidade cheia de paciência do pescador que sabe perseverar na procura, precisamente nas diversas camadas da humanidade, onde os outros seus companheiros, mais impacientes, apanharam somente as coisas boas que apareceram à primeira vista. E infelizmente haverá também pescadores que, enquanto aquele trabalho de separação exigia atenção e silêncio, para ouvir as vozes das almas e as indicações sobrenaturais, não verão os peixes bons e os perderão. E haverá também os que por

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demasiada intransigência, repetem as almas que não são perfeitas em suas aparências exteriores, mas que são ótimas em tudo mais.Que vos importa, se um dos peixes que pegardes para Mim, mostrar sinais de lutas passadas, apresentando mutilações resultantes de tantas causas, se depois elas não prejudicam ao seu espírito? Que vos importa, se um desses, para livrar-se do Inimigo, feriu-se, e se apresenta com essas feridas, se o seu interior mostra a sua clara vontade de ser de Deus? Almas provadas, almas garantidas. Mais do que aquelas, que são como crianças salvaguardadas por meio de faixas, do berço ou da mãe, e que dormem saciadas e boas, ou que sorriem tranquilas, mas podendo mais tarde, com o uso da razão, com a idade e com as vicissitudes da vida que vão aumentando, dar até dolorosas surpresas de desvios morais.239.7 7 Eu vos recordo a palavra do filho pródigo. Outras delas ouvireis ainda, porque Eu sempre estudarei para difundir em vos um discernimento reto: quanto ao modo de avaliar as consciências e de escolher a maneira como guiá-las, que são singulares, e cada uma delas tem o seu modo especial de sentir e de reagir às tentações e aos ensinamentos. Não penseis que seja fácil o discernimento dos espíritos. É tudo o contrário. Precisa-se ter um olho espiritual, completamente iluminado pela luz divina, precisa-se ter uma inteligência que tenha infusa em si a Sabedoria divina, precisa-se possuir as virtudes em grau heróico e, como primeira entre todas, a caridade. Precisa-se ter a capacidade para concentrar-se na meditação, porque a alma é como um texto obscuro, que há de ser lido e meditado. Precisa-se ter74

união contínua com Deus, esquecendo-nos de todos os interesses egoístas. Viver pelas almas e por Deus. Superar as prevenções, os ressentimentos, as antipatias. Ser doces como pais, térreos como guerreiros. Doces para aconselhar e encorajar. E térreos para dizer: "Isto não é permitido, não o faças. Ou, então: Isto é bom que se faça, e tu o farás" Porque, pensai bem nisto, muitas almas serão jogadas nos tanques infernais. Mas não serão somente almas de pecadores. Também almas de pescadores evangélicos lá haverá: são as daqueles que faltaram com o seu ministério, contribuindo para a perdição de muitos espíritos.Chegará o dia, o último dia da terra e o primeiro da Jerusalém perfeita e eterna, no qual os anjos, como os pescadores da parábola, separarão os justos dos maus, para que à ordem inexorável do Juiz, os bons vão para o Céu e os maus para o fogo eterno. Então é que se tornará conhecida a verdade a respeito dos pescadores e dos pescados, cairão por terra as hipocrisias, e aparecerá o povo de Deus como é, com os seus chefes e os salvos pelos seus chefes. Veremos, então, que muitos entre os mais sem importância pelo seu exterior, ou os maltratados em seu exterior, estarão nos esplendores do Céu e que os pescadores calmos e pacientes serão os que mais terão feito, brilhando agora com suas pedras preciosas, que serão tantas, quantos forem os seus salvos.A parábola foi contada e explicada."8 "E meu irmão?! Oh! Mas...", Pedro olha para ele... depois olha 239.8para Madalena..."Não, Simão, por ela eu não tenho merecimento. Foi o Mestre sozinho que o fez", diz, sincero, André."Mas os outros pescadores. os de Satanás, ficam eles, então, com as sobras?", pergunta Filipe."Eles tentam pegar os melhores, os espíritos capazes de maior prodígio de Graça e usam desses mesmos homens para consegui-lo, além das suas tentações. Ainda há muitos neste mundo que, por um prato de lentilhas, renunciam à primogenitura.! ""Mestre, outro dia Tu nos dizias que muitos são os que se deixam seduzir pelas coisas do mundo. Seriam também eles dos que pescam para Satanás?" pergunta Tiago de Alfeu."Sim, meu irmão. Naquela parábola o homem se deixou seduzir pelo muito dinheiro, que lhe podia dar muitos prazeres, perdendo o direito ao Tesouro do Reino. Mas, na verdade, Eu vos digo que sobre cem homens só um terço sabe resistir à tentação do ouro, ou a outras75

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seduções e desse terço só a metade é que sabe fazê-lo de uma maneira heróica. O mundo morre asfixiado pelo agravamento voluntariamente aceito dos laços do pecado. Vale mais estar despojado de tudo, do que ter riquezas irrisórias e ilusórias. Procurai saber fazer como fazem os sábios joalheiros, os quais, tendo ficado sabendo que em certo lugar foi pescada uma pérola raríssima, não se preocupam mais em ter ou não ter tantas pequeninas alegrias em seus cofres, mas se despojam de tudo, para conseguirem aquela pérola maravilhosa.""E, então, por que Tu mesmo pões diferenças nas missões que dás aos que te acompanham e dizes que nós temos que considerar as missões como dons de Deus? Então, seria necessário renunciar também a elas, porque elas são como migalhas, em comparação com o Reino dos Céus.", diz Bartolomeu."Migalhas, não. Elas são meios. Migalhas elas seriam, ou melhor ainda, seriam ciscos de palha suja, se tornassem-se uma meta humana na vida. Aqueles que trabalham para terem uma posição, ainda que santa, com a finalidade de conseguirem vantagens humanas, fazem de sua posição um cisão, uma palha suja. Mas fazei de vossa missão uma obediente aceitação, um dever cumprido com alegria, um holocausto total e, então, a transformareis em uma pérola caríssima. A missão é um holocausto, se for cumprida sem reservas, é um martirio e uma glória. A missão pinga lágrimas, suor, sangue, mas forma uma coisa de eterna realeza..239.9 9 'Tu sabes de lato responder a tudo!""Mas, me tereis compreendido? Compreendeis o que Eu digo, mas com comparações que Eu vou buscar nas coisas de cada dia, iluminadas, porém, por uma luz sobrenatural, que delas tira explicações para coisas eternas?""Sim, Mestre.""Lembrai-vos, então do método para instruir as turbas. Porque este é um dos segredos dos escribas e dos rabis. Lembrarem-se. Em verdade Eu vos digo que qualquer um de vós, instruído na Sabedoria de possuir o Reino dos Céus, é semelhante a um pai de família, que tira para fora do seu tesouro o que serve para a família, usando coisas antigas ou coisas novas, mas todas com o único fito de procurar o bem-estar de seus próprios filhos. A chuva cessou. Deixemos em paz as mulheres, e vamos ao velho Tobias, que está para abrir os seus olhos espirituais para as auroras do além. A paz esteja connosco, mulheres.76

240. Em Betsaida, com Porfiria e Marziam, que ensinam a Madalena a oração de Jesus.l" de aposto de 1945.1 Voltou o tempo sereno sobre o Mar da Galiléia. Tudo agora está 240.1 até mais bonito do que antes da tempestade, porque tudo está de novo limpo da poeira. A atmosfera está de uma claridade perfeita, e o olho, observando o firmamento, tem a impressão de que ele ficou mais alto e mais leve... um velório quase transparente, estendido entre a terra e os fulgores do Paraíso. O lago espelha este azul perfeito e se ri, tranquilo, com suas águas cor de turquesa.E um início de aurora. Jesus, com Maria, Marta e Madalena, sobe para a barca de Pedro. Com Ele estão, além de Pedro e de André, também Zelotes, Filipe e Bartolomeu. Mateus, Tomé, os primos de .Jesus e Iscariotes estão na outra barca de Tiago e João. Rumam direto para Betsaida. E um trajeto breve, e o vento está a favor. Por isso, o percurso se faz em poucos minutos.Quando já estão para chegar, Jesus diz a Bartolomeu e a Filipe, este inseparável daquele: "Ireis avisar as vossas mulheres. Hoje Eu irei à vossa casa." E fita os dois de um modo significativo."Assim será, Senhor. Não concedes nem a mim, nem a Filipe que Te tenhamos por hóspede?"Não pararemos aqui, senão até o pôr do sol, pois Eu não quero privar Simão Pedro da alegria de estar com Marziam."A barca já está passando rente pela beira, e pára. Descem, e Filipe e Bartolomeu e se afastam dos

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companheiros, para irem ao povoado."Aonde irão eles dois?", pergunta Simão ao Mestre, que desceu por primeiro e está ao lado dele."Foram avisar as mulheres deles.""Eu vou, então, também avisar à Porfíria.""Não é preciso. Porfíria é tão boa, que não é necessário prepará-la para nada. Seu coração só tem doçura para dar."Simão Pedro fica contente, por ouvir aquele louvor a sua esposa, e não diz mais nada.Nesse ínterim, já desceram as mulheres, para as quais foi colocada uma tábua, a fim de servir de prancha, e agora estão indo para a casa de Simão. 1 Quem as vê por primeiro é Marziam, que está saindo com as suas 240.2 ovelhinhas para levá-las a pastar a erva fresca, sobre as primeiras encostas de Betsaida e, com um grito de alegria, dá a notícia, corren-77

do para ir refugiar-se no peito de Jesus, que se inclina para beijá-lo. Pois, ele vai a Pedro. Sai correndo para lá também Porfíria, com Mãos enfarinhadas, e se inclina para saudar. "A paz esteja contigo, Porfíria. Tu não nos esperavas tão cedo. Mas Eu quis trazer-te minha Mãe e duas discípulas, além de minha bênção. Minha Mãe estava desejando ver o menino. E ele já está nos Preços dela. As discípulas desejavam conhecer-te. Esta é a mulher Simão. A discípula boa e silenciosa, ativa mais do que muitas outras, em sua obediência. Estas são Maria e Marta de Betania. Duas irmas. Querei-vos bem." ."Aqueles que me apresentas são para mim mais queridos do que fossem meus parentes, Mestre. Vem. A minha casa fica mais bonicada vez que nela pões os pés. " Maria se aproxima sorrindo, e abraça Porfíria, dizendo-lhe: "Eu e c que em ti está verdadeiramente viva a mãe. O menino cresceu e està feliz. Obrigada." . "Oh! Mulher abençoada mais que qualquer outra! Eu sei que por ti é que eu tive a alegria de ser chamada mamão. E tu, fica sabendo que não te darei o desgosto de deixar de sê-lo, com tudo o que de melhor houver em mim. Entra, entra com as irmãs" 240.3 3 Marziam fica olhando curiosamente para Madalena. Por sua cala passam muitos pensamentos, e, enfim, ele diz: "Mas em Betania tu não estavas" "Não estava lá. Mas agora lá estarei sempre", diz Madalena, enrubescida, e esboçando um sorriso. E acaricia o menino. dizendo: "Ainda que nos conheçamos só agora, tu me queres bem?" . 'Sim, porque és boa. Tu choraste, não é mesmo? É por isso que és má. E te chamas Maria, não é verdade? Minha mãe também se chamava assim e era boa. E todas as mulheres que se chamam Maria são h às" e assim termina, para não entristecer Porfíria e Marta; "mas m boas também entre aquelas que têm outro nome. Tua mamãe, como se chamava?" "'Euquériae era muito boa", e duas grandes lágrimas caem dos ás de Maria de Magdala. . 'Estás chorando porque ele morreu?", pergunta o menino e a acaricia, tocando em suas bonitas mãos, cruzadas sobre a veste escura, certamente uma veste de Marta, adaptada para ela, pois pode-se ver que a aba foi abaixada. E ele acrescenta: "Mas não precisas chorar. pe Tal, não estamos sozinhos, sabes? As nossas mamões estão sempre lo de nós: Jesus assim diz. E são como anjos da guarda. Jesus diz 78

isso também. E, se formos bons, elas vêm ao nosso encontro, quando morremos e então, subimos para Deus nos braços da mamãe. Mas isso é verdade, sabes? Foi Ele que disse."Maria de Magdala dá um abraço apertado no seu pequeno consolador dizendo. "Reza, então, para que eu me torne boa assim.""Mas tu não o és? Com Jesus só andam os que são bons...E, quando ainda não o somos bem, aprendemos a sê-lo, para aprendermos a ser os discípulos de Jesus, porque não se pode ensinar o que não se sabe. Não se pode dizer: "Deves amar ao teu próximo", se antes mão o amamos. 4 Tu já sabes a oração de Jesus?" 240.4"Não.""Ah! É verdade. Estás há pouco tempo com Ele. É uma oração muito bonita, sabes? Diz todas estas

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coisas. Escuta como é bonita." E Marziam vai dizendo, devagar, o "Pai-nosso", com sentimento e fé."Como tu a sabes bem!", diz, admirada, Maria de Magdala."Ela me foi ensinada por minha mãe de noite e pela Mamãe de Jesus de dia. E, se quiseres, eu te ensinarei. Queres vir comigo? As ovelhinhas estão balindo. Estão com fome. Agora eu vou levá-las ao pasto. Vem comigo. Eu te ensinarei a rezar e te tornarás boa", e a segura pela mão."Mas, eu não sei se o Mestre quer...""Vai, vai, Maria. Tens por amigo um inocente e cordeirinhos. Então, vai. Tranquilamente..."Maria de Magdala sai com o menino e é vista, quando vai-se afastando dali, precedida pelas três ovelhinhas. Jesus fica olhando... e brios os outros ficam olhando."Pobre de minha irmã'". diz Marta."Não tenhas dó dela. E uma flor que reergue o pedúnculo, depois do tempestade. Estás ouvindo?... Ela ri... A inocência conforta sem

241. Vocacão da filha de Filipe.Chegada a Magdala e parábola da dracma perdida.2 de agosto de 1945.

1 A barca vai bordejando, de Cafarnaum até Magdala.241.1Maria de Magdala está, pela primeira vez, em sua postura de convertida: está sentada no fundo da barca, aos pés de Jesus que, por sua está modestamente sentado em um dos bancos da própria barca.79

O rosto de Maria está hoje muito diferente do de ontem. Ainda não é aquele rosto radiante da Madalena, quando vai correndo ao encontro de Jesus, todas as vezes que Ele vai a Betania, mas é já um rosto livre de temeres e de tormentos e seus olhos, que antes estavam aviltados por tudo o que antes havia de desavergonhado, agora estão sérios, mas seguros e, nessa sua honrada seriedade, brilha de vez em quando uma centelha de alegria, ao ouvir Jesus, quando fala com os seus apóstolos, ou com sua Mãe, ou com Marta.Eles estão falando da bondade de Porfíria, tão simples e tão amorosa, referindo-se também à acolhida afetuosa de Salomé e das mulheres de Bartolomeu e de Filipe, e este mesmo diz: "Se não fossem elas ainda tão jovens e a mãe que não quer saber delas pelas estradas, elas também te acompanhariam, Mestre.""As almas delas me acompanham. Isso é também um amor santo.241.2 2 Filipe, escuta-me: A tua filha maior está para casar-se, não é verdade?""Sim, Mestre. Bons esponsais e um bom esposo. Não é mesmo, Bartolomeu?""É verdade. Eu o garanto, porque conhece a família. Não pude aceitar que fosse eu que houvesse de cuidar desse negócio, mas eu teria aceitado, se não tivesse sido chamado pelo Mestre e com toda a tranqüilidade, para formar uma família santa.""Mas a moça me pediu para não fazer nada disso.""O noivo não lhe agrada? Ela está enganada. Mas a juventude está louca. Espero que ela mude de idéia. Não há motivo para rejeitar um noivo tão bom. A não ser que... Não, não pode ser", diz Filipe."A não ser o que? Acaba de falar, Filipe", provoca-o Jesus."A não ser que esteja amando a outro. Mas isso não é possível! Ela não sai de casa e, mesmo em casa, ela vive muito retirada. Não é possível! ""Filipe, há amantes que penetram até nas casas mais fechadas; há os que sabem falar àquelas que eles amam, apesar de todas as barreiras e vigias; há os que derrubam todos os obstáculos de viuvez, de meninice, de estarem bem guardadas, ou... de outra coisa ainda e que pegam aquelas que eles

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querem. E há amantes que não podem ser recusados. Porque eles são prepotentes no que querem. Porque são sedutores, para vencerem todas as resistências, ainda que fosse a do demônio. E tua filha está amando um desses. E é o mais poderoso.""Mas, quem é? Será um da corte de Herodes?""Aquilo não é poder!"80