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O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA NO BRASIL: POSSIBILIDADES E EXPERIÊNCIAS MARCELA MORAES GOMES 1 RESUMO: A partir da trajetória enquanto discente da especialização em ensino de História da África no Programa de Pós Graduação do Colégio Pedro II pretende-se no presente trabalho discorrer sobre propostas de atividades curriculares para disciplina de História na educação básica a fim de incluir as demandas da lei 10.639/03. Tendo em vista os debates curriculares que permearam o curso e as possibilidades de atividades para articular a conexão entre Brasil e África, sobretudo no combate ao racismo e estereótipos, pretende-se compartilhar de que forma as atividades planejadas foram aplicadas na prática da sala de aula. Ao percorrer por temas como a presença das mulheres negras no processo abolicionista, a resistência escrava pela capoeira, o debate acerca das ações afirmativas, os processos de libertação na África e a atuação da Frente Negra Brasileira durante a era Vargas, pretende-se expor como a partir de tais temáticas é possível não só atender a lei 10.639/03, mas também articular as dinâmicas culturais entre Brasil e África e o campo da História com a Educação. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História, História, Educação. 1 Discente do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de História da África no Colégio Pedro II. Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV. Tutora de História na Fundação CEDERJ. E-mail: [email protected]

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O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA NO BRASIL: POSSIBILIDADES E

EXPERIÊNCIAS

MARCELA MORAES GOMES1

RESUMO: A partir da trajetória enquanto discente da especialização em ensino de

História da África no Programa de Pós Graduação do Colégio Pedro II pretende-se no

presente trabalho discorrer sobre propostas de atividades curriculares para disciplina de

História na educação básica a fim de incluir as demandas da lei 10.639/03. Tendo em

vista os debates curriculares que permearam o curso e as possibilidades de atividades

para articular a conexão entre Brasil e África, sobretudo no combate ao racismo e

estereótipos, pretende-se compartilhar de que forma as atividades planejadas foram

aplicadas na prática da sala de aula. Ao percorrer por temas como a presença das

mulheres negras no processo abolicionista, a resistência escrava pela capoeira, o debate

acerca das ações afirmativas, os processos de libertação na África e a atuação da Frente

Negra Brasileira durante a era Vargas, pretende-se expor como a partir de tais temáticas

é possível não só atender a lei 10.639/03, mas também articular as dinâmicas culturais

entre Brasil e África e o campo da História com a Educação.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História, História, Educação.

1 Discente do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Ensino de História da África no Colégio Pedro

II. Graduada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em História, Política e

Bens Culturais pelo CPDOC/FGV. Tutora de História na Fundação CEDERJ. E-mail:

[email protected]

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Desde a década de 1950, a partir do movimento pan-africanista e dos

movimentos de libertação percebe-se a desconstrução do olhar estereotipado ocidental

sobre a África presente ao longo do século XIX. A partir dos anos 1970/1980 com a

ampliação dos estudos africanos e da metodologia das fontes orais, foi possível perceber

a palavra falada (dos griots) como registro histórico, pois como salientou Ki-Zerbo: “a

África tem história”. Outros pesquisadores como Walter Rodney e Terence Ranger

identificaram as lutas contra a expansão europeia – desde o fim do século XIX – como

primeiro estágio do processo que levaria aos movimentos de libertação no século XX. A

presença de Ki-Zerbo na Europa e de Jan Vansina nos EUA reforçaram a ideia de uma

África grandiosa no contexto de defesa pelos direitos civis nos EUA nos anos de

1960/1970. A publicação da coleção UNESCO sobre a História da África, nos anos

1980, reforçou a análise endógena e afrocêntrica do continente, descontruindo a versão

tradicional eurocêntrica.

A partir daí, os estudos sobre a África no Brasil também apresentaram

mudanças, sobretudo com os reflexos do projeto UNESCO na defesa do “mito da

democracia racial”, descontruindo a visão preconceituosa sobre a África e os africanos e

denunciando o racismo presente no Brasil. Os estudos de Nina Rodrigues (século XIX),

Gilberto Freyre e Guerreiro Ramos (século XX) buscaram na África elementos para a

compreensão dos africanos transportados para o Brasil na condição de escravizados. Os

autores construíram uma imagem da África como um continente congelado no tempo,

marcado por tradições imutáveis e costumes ancestrais. Através de estudos como os de

Pierre Verger (anos 1950), Manuela Carneiro da Cunha e Alberto da Costa e Silva (anos

1980), percebe-se não só a historicidade do continente, mas também os africanos como

agentes históricos.

Através de tais revisões historiográficas e de demandas sociais, sobretudo a

partir do movimento negro foi possível caminhar para a implementação de políticas

públicas não só para introduzir o estudo sobre a África no Brasil, mas para introduzir

políticas de reparação e ações afirmativas, sobretudo através de iniciativas como a lei

10.639/03 e as Diretrizes Curriculares. A partir da proposta de construção da alteridade

em sala de aula torna-se possível pensar a diversidade da sociedade brasileira e pensar a

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escola como múltipla. Para além dos “essencialismos culturais” como destacou Stuart

Hall, percebendo a heterogeneidade da África e dos africanos trazidos para o Brasil é

possível estudar as diferentes sociedades africanas e seus “impérios”. Além disso, torna-

se fundamental problematizar os termos como: partilha/expansão europeia,

descolonização/movimentos de libertação e perceber a diáspora através da concepção

africana, problematizando outros olhares sobre a África para além do europeu. Dessa

forma, elaborou-se durante o curso de especialização em Ensino de História da África

diversas aulas e atividades que utilizassem tal bibliográfica revisionista e com olhar não

eurocêntrico sobre a história do continente africana e também sobre a dinâmica social

dos africanos na América, especificamente, no Brasil.

A partir da bibliografia sobre o tema e dos debates realizados foi elaborado uma

proposta pedagógica para a educação básica sobre os movimentos de libertação na

África pós-1945 abordando a temática a partir das dinâmicas internas dos movimentos

de libertação. Tais lutas de independência aconteceram de diferentes formas. E tão

importante quanto descolonizar foi conquistar e proclamar a independência dos

territórios africanos. Ao considerar que tal processo não foi concedido pelas potências

europeias, mas desencadeados pela agência dos africanos, pode-se utilizar o termo

“lutas de libertação nacional”. Tendo em vista o contexto internacional dos finais dos

anos de 1950, sobretudo com a radicalização da Guerra Fria, torna-se importante

destacar que os apoios internacionais surgiram a posteriori, tendo o movimento sido

iniciado por africanos, sobretudo com as ideologias supranacionais como: o pan-

africanismo, a negritude e o pan-arabismo.

O pan-africanismo foi o termo cunhado por intelectuais negros nas Américas que

lutavam por direitos civis na 2ª metade do século XIX chegando à África através de

estudantes africanos que tiveram contato com tais ideias como, por exemplo: Kwanae N

‘Krumah e DuBois. O termo negritude teve maior impacto nas colônias francesas cujo

objetivo era construir uma identidade capaz de alimentar uma coesão cultural necessária

à luta política. Ainda que não tenha proposto projetos de independência o movimento de

negritude se concentrou na valorização do negro e contou com nomes como o de

Léopold Sédar Senghor. Por fim, o pan-arabismo envolveu regiões do Oriente Médio e

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do norte da África em torno da identidade árabe e da defesa do Islã contra os

considerados inimigos ocidentais.

Desta forma, as ideologias supranacionais serviram como impulso às lutas de

independência. Ao analisar as categorias de resistência nos movimentos de libertação na

África, Ali Mazrui destaca que a busca pelo reino político era condição necessária para

a África, porém não suficiente, pois a unidade só viria após a descolonização de todo o

continente. Ao apresentar a cronologia dos movimentos de independência, o autor

ressalta o renascimento do nacionalismo como fator importante para tais movimentos.

Mazrui destaca também o dilema existente na África durante a 2ª Guerra Mundial, isto

é, o dilema de escolher entre o projeto do imperialismo liberal e burguês ou a ameaça do

nazismo/fascismo.

O título que nomeia o artigo de Mazrui na coleção de História Geral da África:

“Procurai primeiramente o reino político e todo o restante vos será dado em

suplemento”, foi dito por Kwane N’Krumah e baseava-se na ideia de que a

independência de Gana precisava da independência da África como um todo. Mazrui

segue em seu artigo discorrendo sobre as categorias de resistência dos movimentos de

libertação, classificando-as como: a tradição guerreira (espiritualidade presente), a

tradição jihad (laços entre o Islã e o nacionalismo) sendo as que mais cresceram e

estiveram ligadas às forças internacionais. Além da tradição do “radicalismo cristão”

(paradoxo), da mobilização política não violenta (ideias de Ganghi) e da luta armada de

libertação (tradição marxista) como no caso das colônias portuguesas, da Argélia e da

África Austral. No caso das minorias brancas na África do Sul a independência ocorreu

de forma diplomática ainda que com a presença de guerra civil e também na Rodésia.

O autor apresenta a releitura do jihad nos casos do Egito e da Líbia e destaca as

aproximações diplomáticas de tais regiões com a URSS durante os anos da Guerra Fria.

No caso das colônias inglesas e francesas, as independências ocorreram de forma

diplomática no geral (a exceção do caso da Argélia) através da criação de uma

burguesia africana ocidentalizada, como por exemplo, o uso do idioma como forma de

amenizar as diferenças culturais, gerando uma identidade nacional e sendo utilizado

para evitar a guerra civil.

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Tendo em vista as diferentes experiências de independências é preciso destacar

os problemas enfrentados pelas ex-colônias após os processos de libertação. Em alguns

casos como na Rodésia e na África do Sul não houve ruptura imediata com os laços

coloniais. Nos anos de 1970/1980 acreditava-se que com o fim do colonialismo as

novas nações iriam crescer economicamente, porém tais períodos que sucederam os

processos de independência foram marcados por golpes de Estado e conflitos civis. Os

interesses do regime do apartheid na África do Sul e as consequências sociais em torno

da desigualdade racial fruto da manutenção dos laços coloniais, os casos do genocídio

em Ruanda e a Guerra do Biafra na Nigéria ilustram alguns destes conflitos. Desta

forma, é preciso considerar os desgastes gerados pelos processos de colonização, os

insucessos dos projetos de desenvolvimento, as intervenções e interesses internacionais,

questões regionais e religiosas como fatores intervenientes nas crises africanas no

período pós-independência.

O planejamento da aula acerca da temática apresentada foi elaborado partindo do

pressuposto de que em aulas anteriores foram trabalhados temas como a Guerra Fria

(1947-1991), os processos de libertação na Ásia e o Imperialismo na África –

importante como ponto de partida para a aula de movimentos de libertação. O objetivo

geral da aula foi analisar os movimentos de libertação na África a partir dos fatores

internos do continente relacionando com o contexto internacional, o imperialismo na

África e o papel das ideologias supranacionais e as diferentes resistências no processo

de independência. Dentre os objetivos específicos buscou-se: relacionar os fatores

internos dos movimentos de libertação na África com o contexto internacional;

relacionar o imperialismo na África com os processos de independência no continente;

problematizar o uso do termo “descolonização” e “movimentos de libertação”

percebendo a agência dos africanos no processo de independência; explicar o papel das

ideologias supranacionais como o pan-africanismo, a negritude e o pan-arabismo nos

movimentos de libertação no continente africano; identificar a participação de diferentes

atores nos processos de luta pela independência; analisar as diferentes categorias de

resistência que foram realizadas nos processos de independências através de estudos de

caso e identificar os problemas pós-independência e a não ruptura com os laços

coloniais.

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No final da aula os alunos foram orientados a se dividirem em grupos e

pesquisarem sobre as lideranças africanas que tiveram papel relevante nas lutas de

libertação no continente (Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Patrice

Lumumba e Nelson Mandela). Após a pesquisa, os alunos prepararam uma apresentação

em cartazes para apresentar a participação dos africanos nas lutas pela independência no

continente. A proposta consistiu na criação de esquemas visuais para mostrar a agência

dos africanos nos processos de libertação da África. Os alunos organizados em grupos

fizeram uma breve apresentação da produção dos cartazes, além de terem sido

orientados a expor o material produzido para toda a comunidade escolar.

Ao pretender analisar as relações entre os continentes africano e americano,

sobretudo nas dinâmicas sociais no caso brasileiro, buscou-se pensar propostas que

buscassem estimular o olhar crítico dos alunos para a diversidade na formação social

brasileira, sobretudo descontruindo estereótipos e percebendo a agência histórica dos

africanos e seus descendentes no país.

O planejamento da aula sobre “O movimento abolicionista e a agência da

negritude” foi elaborado partindo do pressuposto de que em aulas anteriores foram

trabalhados temas como a Independência do Brasil, o Primeiro Reinado (1822-1831), o

Período Regencial (1831-1840) e o Segundo Reinado (1840 -1889). Ao falarmos da

escravidão no Brasil fazemos referência a uma organização política, econômica e social

baseada no princípio da violência e propriedade privada. Pensando na duração de três

séculos da escravidão no Brasil, é necessário refletirmos como a mesma permaneceu

por tanto tempo. O negro escravizado resistiu ao longo deste processo de várias

maneiras e participou como sujeito histórico do movimento abolicionista. Sendo assim,

é preciso refletir sobre a versão benevolente de concessão das elites para a liberdade dos

negros. Como os negros participaram do processo abolicionista e de que forma

resistiram à lógica escravista? De que forma as mulheres negras também participaram

da resistência à escravidão? A abolição à escravatura foi seguida da integração dos

negros na sociedade brasileira? Como o racismo ainda está presente no nosso cotidiano?

A proposta de aula buscou ampliar as análises históricas para além das que

privilegiam os personagens brancos e a agência das elites sobre os processos históricos

no Brasil. Além disso, pretendeu-se que ao longo da aula fossem apresentados

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elementos da identidade afro-brasileira, pensando a diversidade cultural no país. Ao

propor trabalhar a agência da negritude no processo abolicionista, buscou-se apresentar

a resistência negra ao longo do sistema escravista e de como a História tradicional

pouco reconheceu e valorizou o papel das mulheres e de intelectuais negros – rompendo

com a ligação dos negros apenas à condição de escravizado. Ao pensar a escola

enquanto espaço de diferentes vivências é preciso tornar tal espaço um lugar de combate

ao racismo. Na temática sobre o movimento abolicionista torna-se importante identificar

os agentes históricos negros para que se reflita não só sobre o racismo presente ainda

hoje na sociedade brasileira, mas também sobre os privilégios da branquitude na

transição para a experiência republicana e que persistem até hoje, fruto não só do

preconceito, mas das restrições impostas por diferentes espaços em trabalhar a

representatividade da negritude na sociedade brasileira. Sendo assim, o objetivo geral da

aula pretendeu analisar a agência da negritude, inclusive das mulheres negras, na

resistência ao sistema escravista, percebendo o privilégio da branquitude na sociedade

brasileira e a presença do racismo na experiência republicana. Dentre os objetivos

específicos buscou-se: caracterizar a participação da sociedade, sobretudo da população

negra no movimento abolicionista no Brasil; explicar as resistências dos negros ao

sistema escravista; identificar a presença das mulheres negras na resistência à

escravidão e na luta pela liberdade; explicar a não integração dos negros no período pós-

abolição e a presença do racismo na sociedade brasileira e problematizar as datas

comemorativas dos dias 13 de maio e 20 de novembro, pensando a agência dos negros

em ambas. Portanto, a aula consistiu em apresentar tanto a identidade e resistência

escrava como a crise da escravidão para analisar a campanha abolicionista destacando

que a mesma não era homogênea e que contou com a participação de intelectuais negros

como Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Joaquim Nabuco; e também

com a atuação de mulheres negras na resistência à escravidão como Luisa Mahin (mãe

de Luis Gama) e Mãe Aninha. Além disso, pretendeu-se afirmar a importância da

imprensa negra nesse período, com a presença do jornal “O Homem de Cor”, por

exemplo, e a ideia de que as leis - do Ventre Livre (1871), dos Sexagenários (1885) e a

Lei Áurea (1888), foram fruto das demandas sociais dos negros na luta pela abolição e

pela integração do negro na cidadania e no combate ao racismo.

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No final da aula os alunos também prepararam uma apresentação em cartazes

para problematizar a participação dos negros no movimento abolicionista e na luta pela

integração dos negros na sociedade. A proposta consistiu na criação de esquemas

visuais para mostrar os agentes negros – homens e mulheres – que participaram da

resistência à escravidão e na luta pela liberdade.

Na continuidade sobre a discussão sobre a discussão da agência histórica dos

negros no Brasil, a intervenção didática intitulada: “A resistência escrava e as

manifestações culturais: a capoeira” pretendeu ampliar a reflexão sobre tal temática. Ao

estudarmos a formação colonial da América Portuguesa percebemos que a escravidão

africana foi fruto da demanda por mão de obra e relacionada ao tráfico negreiro.

Também vimos que tal processo de transformação do africano em mercadoria esteve

associado ao contexto econômico e político da época. Porém, no âmbito social, ao

falarmos das redes de sociabilidade firmadas na colônia portuguesa é preciso que

tenhamos em mente a vida dos escravos neste sistema colonial assim como a luta dos

mesmos resistindo contra a condição de escravizado. Algumas formas de resistência já

foram estudadas em sala de aula, como a formação dos quilombos e as fugas, porém é

preciso refletir sobre as diversas formas de manifestações culturais como sinônimo da

resistência africana no Brasil, como a capoeira. Tal palavra é constantemente associada

a uma forma de luta corporal musicalizada, mas a formação da capoeira no Brasil está

associada a uma forma de resistência à escravidão. Os capoeiras faziam parte da

sociedade desde os tempos da Corte sendo perseguidos pelo aparato policial, porém a

capoeira escrava teve um papel relevante na resistência e na cultura dos escravizados

através da formação das maltas e da configuração de conflito e festa presente na mesma.

Sendo assim, o objetivo geral da aula pretendeu analisar o papel da capoeira enquanto

manifestação cultural dos africanos escravizados na resistência ao sistema colonial

escravista e dentre os objetivos específicos buscou-se: caracterizar os aspectos da

capoeira escrava do período colonial; explicar os aspectos da identidade africana

presentes na configuração das maltas de capoeira; explicar a capoeira como patrimônio

imaterial do Brasil e relacionar a capoeira com as manifestações culturais de resistência

à escravidão.

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Na primeira etapa da atividade pedagógica os alunos fizeram a leitura de

documentos históricos para ampliar a análise sobre as formas de resistência escrava no

período colonial, tendo em vista as manifestações culturais. Como parte da reflexão os

alunos foram orientados a relacionar a capoeira como patrimônio imaterial da UNESCO

com a representação desta durante o período escravista e com a identidade africana

presente em tal manifestação. Após a interpretação e debate os alunos se dividiram em

grupos para a realização da segunda etapa. Nesta etapa os alunos formularam perguntas

que gostariam de fazer para o mestre/grupo de capoeira que iria visita-los na terceira

etapa. Neste momento, os alunos também se organizaram para dividir as tarefas a serem

realizadas, como por exemplo: quais alunos irão fazer as perguntas, quais alunos irão

registrar as respostas (no caderno ou no quadro) e quais serão os responsáveis pelo

registro fotográfico do evento. Por fim, na terceira parte da atividade os alunos

receberam a visita de um mestre e grupo de capoeira para colocarem em prática o que

foi organizado na etapa anterior. Após a visita e conversa com o grupo de capoeira os

alunos foram convidados a assistirem e participarem da roda de capoeira.

Ao analisar a agência dos negros libertos durante os primeiros anos da República

no Brasil, pretendeu-se propor em sala de aula a análise de documentos relacionados à

FNB através o acervo sobre a imprensa negra organizado em plataforma online pela

USP, especificamente o jornal “A voz da raça”, para pensar a atuação da mesma na Era

Vargas. Desta forma, pôde-se ampliar a análise sobre o período pensando a atuação dos

negros e suas demandas sociais. O objetivo do trabalho consistiu em apresentar a

trajetória da Frente Negra Brasileira e relacioná-la com o contexto histórico da Era

Vargas, refletindo sobre o lugar da memória e da agência dos negros em diferentes

esferas, tanto política como educacionais. Desta forma, torna-se possível aplicar a lei:

10639/03, ampliando o currículo de História, incluindo a temática da memória e a

reflexão sobre o esquecimento de agentes e grupos ligados às políticas raciais e de

integração do negro no projeto varguista. Através de tais reflexões aplicadas na prática

escolar pode-se não só estudar a trajetória dos negros no Brasil e suas reinvindicações

em prol da cidadania, mas também combater o racismo ainda presente nas relações

étnico-raciais, pensando o papel da representatividade na esfera escolar.

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Por fim, a temática sobre: “As ações afirmativas no Brasil: o combate ao

racismo e a desigualdade (1978-2016)”, pretendeu apresentar aos alunos o percurso das

ações afirmativas no Brasil, sobretudo através das políticas públicas e do combate ao

racismo na sociedade brasileira, como forma de reparo às desigualdades raciais

presentes ao longo da experiência republicana. O objetivo geral consistiu em analisar o

percurso das ações afirmativas no Brasil e como o avanço das políticas públicas visa

combater o racismo e a desigualdade racial no país. Dentre os objetivos específicos

buscou-se: caracterizar o mito da democracia racial e o aumento das denúncias do

racismo no país; explicar o papel do movimento negro no debate sobre ampliação das

políticas públicas voltadas para reparar a desigualdade racial; explicar o percurso

histórico das ações afirmativas e os debates favoráveis e contrários à implantação das

mesmas; relacionar as ações afirmativas com o combate ao racismo e à desigualdade e

justificar as continuidades das demandas por políticas públicas tendo em vista a

persistência do racismo na sociedade. A partir dos tópicos abordados ao longo da aula a

turma foi organizada em grupos para efetuarem a leitura das fontes, em seguida, expor o

ponto de vista dos grupos para realizar o debate.

CONCLUSÃO

Tendo em vista a relação entre história nacional, local e global e o diálogo entre

a História e Educação, as pesquisas acerca do ensino de história da África no Brasil

contribuem para o alargamento de tal análise e a ampliação da perspectiva dos

processos históricos, sobretudo nas dinâmicas sociais no Brasil. A partir de

procedimentos e estratégias didáticas como: a exposição dialogada com esquematização

no quadro e powerpoint; orientação para análise de fontes históricas; mediação e

direcionamento do debate foi possível trabalhar tal temática rompendo com estereótipos

e com o eurocentrismo. Além disso, pretendeu-se desenvolver competências e

habilidades por parte dos alunos como: estimular a curiosidade intelectual e senso

crítico; analisar e interpretar fontes de natureza diversa, reconhecendo o papel das

diferentes linguagens, agentes sociais e contextos envolvidos em sua produção e

reconhecer-se como sujeito e como produto dos processos históricos.

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http://www.palmares.gov.br