DIALOGISMO E INTERTEXTUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO
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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
O DIALOGISMO COMO EIXO NORTEADOR DO ENSINO DA
LEITURA E ESCRITA: GÊNERO DISCURSIVO FÁBULA
SOUZA, Ramísio Vieira de [email protected]
Universidade Federal da Paraíba - UFPB GOMES, Almir Anacleto de Araujo
[email protected] Universidade Federal de Campina Grande - UFCG
SILVA, Mikaylson Rocha da [email protected]
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
RESUMO
Este estudo é uma reflexão do projeto de leitura e escrita desenvolvido numa turma do 6º ano do ensino fundamental de uma escola do município de João Pessoa-PB. O projeto teve como objetivo ler e escrever fábulas no 6º ano do ensino fundamental, pautada, principalmente, na perspectiva dialógica de Mikhail Bakthin (1895-1975) que aborda os enunciados como situações reais de uso da língua, materializado nos “tipos relativamente estáveis de enunciados”, ou seja, nos gêneros discursivos, e na construção do sentido a partir da interação entre o eu e o outro e as diferentes vozes presente no texto, como também nas ideias linguísticas do círculo e pesquisa realizada por Maria de Fátima Almeida (2011), além dos PCN (1998). Com base nessa proposta, analisamos duas aulas de leitura e escrita do projeto ler e escrever fábulas no 6º ano do ensino fundamental, desenvolvido pelo professor numa turma do referido ano, como também algumas produções textuais. As análises revelaram a importância da interação entre leitor, autor e texto, mediados pelo professor, para a construção do sentido da fábula. Além disso, os movimentos da aula, notados na construção de alguns enunciados dos alunos, durante o processo de construção de sentidos, mostram a formação de um leitor ativo, dinâmico, participativo e que se apropriou de algumas características do gênero fábula, como: narrativa curta, presença de narrador, ambiente, tempo, personagens inanimados e lição de moral. Nesse sentido, a proposta dialógica do ensino da leitura e escrita é fundamental no ensino de língua portuguesa, por tornar o aluno participante da construção do sentido do texto, como também conhecer diferentes autores, gêneros decursivos, locais de circulação e produzir textos com base na sua prática social e na construção coletiva do conhecimento.
Palavras - chave: Dialogismo. Leitura. Escrita. Fábula.
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Introdução
Os estudos sobre a leitura e escrita, atualmente, trazem contribuições para a
prática do professor, por dinamizar as aulas, tornando- a significativa para o aluno.
Nesse sentido, a proposta do dialogismo de Mikhail Bakhtin (1981) e o círculo vê a
língua enquanto interação e a construção do sentido acontece através da relação entre
o eu e o outro, isto é, pelos sujeitos produtores de enunciados concretos que são
históricos, sociais, ideológicos, portanto, dialógicos.
Por outro lado, ainda há uma visão distorcida do ensino de língua, na sala de
aula, entendendo- a em sua singularidade, ou seja, como conjunto de regras usado
durante a comunicação face- a- face. No entanto, o PCN (1998) corrobora com um
ensino que priorize a interação e a construção do sentido como prática sociohistórica
da linguagem. Na proposta do dialogismo, a leitura e escrita passam a ser significativa
para o aluno, porque são vistas como construção de sentido entre os envolvidos. O
ensino da escrita parte dos gêneros discursivos, isto é, dos “tipos relativamente
estáveis de enunciados”, como coloca Bakhtin (2011).
Diante desse contexto sobre o ensino da leitura e escrita, situa- se o projeto de
pesquisa que tem como objetivo refletir sobre a prática do ler e escrever em sala de
aula a partir da concepção dialógica da linguagem. O projeto se caracteriza como de
pesquisa, porque procura refletir sobre o ensino da leitura e escrita na educação
básica, mais especificamente no ensino fundamental, com a finalidade de apresentar
estratégias dialógicas do ler e escrever na escola.
Como aporte teórico, tomamos as contribuições de autores que abordam o
dialogismo e pesquisas concluídas que ressaltam a leitura enquanto interação e a
escrita como prática social. Assim, selecionamos as obras de Bakhtin e o círculo; Adail
Sobral (2009); José Luiz Fiorin (2006); Irandé Antunes (2003); Maria de Fátima Almeida
(2008); e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Em seguida, descrevemos os
aspectos que consideramos relevantes para realização desse estudo. A pesquisa é de
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natureza qualitativa e tem como Corpus manuscrito das observações realizadas pelos
pesquisadores durantes duas aulas do projeto objetivo ler e escrever fábulas no 6º ano
do ensino fundamental, sendo uma de leitura e outra de produção textual, como
também um total de 21 fábulas produzidas pelos alunos. No entanto, refletiremos
sobre duas delas, que serão apresentadas na íntegra, e retomaremos alguns trechos
das demais no decorrer do trabalho.
Na reflexão do Corpus, observaremos os movimentos dialógicos da aula,
orientando- se a partir dos movimentos da aula proposto por Almeida (2013), que são:
movimento de interação; movimento de interpretação; movimento de produção
textual; movimento de análise linguística; movimento de avaliação e sugestão de
leitura. Então, o estudo apresenta a seguinte organização: Discussão sobre o
dialogismo e a interação; Experiências de leitura e escrita do gênero fábula em sala de
aula; considerações finais e referências.
Discussão sobre o dialogismo e a interação
O dialogismo surgiu na década de 1920, na Rússia, no contexto político e
intelectual que passou a ter interesse pelo diálogo/dialogia para estudos de caráter
científico. Adail Sobral (2009) diz que esse interesse partiu não somente das obras do
círculo, mas de outros estudiosos também. Esse estudo teve início pelo diálogo face-a-
face e pela interação entendida dessa maneira. Em 1923 o formalista Lev Jakunbinski,
que era membro da OPOJAZ (Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética), publicou
um artigo sobre “a palavra dialógica” que para ele tinha um sentido que era diferente
do apontado pelo círculo. Então, foi com Voloshinov, colega de Jakubnski, o
responsável por retomar o artigo e ampliar as ideias lá contidas.
Segundo Sobral (2009), Bakhtin e o círculo postula a linguagem numa
concepção dialógica, porque apresenta os seus sentidos por meio de uma
subjetividade que vai muito mais além do puramente linguístico, entendendo- a em
interação com os interlocutores nas situações concretas de produção de enunciados.
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Nesse sentido, compreende- se por subjetividade o que não é somente psicológica,
mas também sociohistórica e psíquica, porque nela o sujeito é agente de uma ação
verbal que é materializada na linguagem. Dessa forma, o círculo de Bakhtin entende a
concepção de linguagem e de discurso como ativa, sendo o ato verbal responsável pela
produção de enunciados concretos e reais que carregam marcas de uma subjetividade
e não de um sentido literal das palavras. Logo, “[...] merece destaque, naturalmente, a
idéia de dialogismo, a idéia-mestra segundo a qual toda “voz” (todo ato) humano
envolve a relação com várias vozes (atos)” (SOBRAL, 2009, p.33).
Nesse sentido, o dialogismo é constituído por vozes que são produzidas durante
a interação verbal entre o eu e o outro que são ativos no processo de construção de
sentidos, “[...] porque toda enunciação é uma “resposta”, uma réplica, a enunciações
passadas e a possíveis enunciados futuros, e ao mesmo tempo uma “pergunta”, uma
“interpelação” a outros enunciados” (SOBRAL, 2009, p.33).
Para Sobral (2009), o círculo defini a linguagem como uma cadeia ou corrente
de enunciados concretos, constituída por material linguístico (frases) que são
constitutivas das “formas da língua, mas não são sua “essência”, porque na construção
do sentido estão envolvidos outros fatores que são da natureza da subjetividade dos
indivíduos na sociedade.
Como já apontamos, no início dessa discussão, o dialogismo não pode ser
confundido como um diálogo face- a- face, apesar de seu surgimento se dar dessa
forma. Os estudiosos do círculo Bakhtiniano, mostram que o dialógico vai muito além
do que se entendi por diálogo, sendo esse um dos níveis mais claro da materialidade
discursiva.
Por outro lado, o enunciado e o discurso, por mais “fechado” por mais “subjetivos” que sejam, continuam a ser dialógicos, porque (1) não pode haver enunciado sem sujeito enunciador, (2) o sujeito não pode agir fora de uma interação, mesmo que o outro não esteja fisicamente presente; (3) não há interação sem diálogo, que é uma relação entre mais de um sujeito, mesmo no caso do chamado “discurso interior”, discurso do sujeito dirigido a si mesmo, o “falar com os botões”, como vai ficar mais claro adiante (SOBRAL, 2009,
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p.35).
Portanto, todo enunciado é dialógico, porque carrega marcas sóciohistórica, ou
seja, um coro de vozes que é acionado durante a interação entre os sujeitos do
discurso. Sobral (2009) acrescenta que o conceito de dialogismo é amplo, porque ele
tem um caráter filosófico, discursivo e textual. Para melhor compreender esse
conceito, ele apresenta três planos diferentes que partem do geral para o particular: O
primeiro diz respeito à condição do próprio ser e agir dos sujeitos, pois eles só existem
em relação ao outro, isto é, na troca mútua do agir um em relação ao outro e nunca
fora dela. O segundo está relacionado à possibilidade de produção dos
enunciados/discursivos, dos sentidos por eles permitidos no contexto de interação.
Para o círculo, adquirimos linguagem nas situações que interagimos com o outro, ou
seja, surge por meio de diálogos (sentido amplo) entre enunciados que foram
produzidos no passado e formas futuras de enunciados. Assim sendo, há uma
preocupação do conceito sobre o dialógico no plano do discurso que engloba um dizer
que é pensado antes, até mesmo, do sujeito produzir uma palavra diante do outro,
questionando- se a si mesmo ou procurando uma maneira de dizer aquilo que deseja.
O terceiro e último plano, refere- se ao dialogismo como uma forma de composição de
enunciados/discursos, isto é, o diálogo. No entanto, ele não é entendido no senso
comum, mas numa amplitude sociohistórica que vai além do sentido literal das
palavras ou de uma interação que está na superfície textual.
Com relação às vozes de que fala o círculo, Sobral (2009) ressalta que elas são
compreendidas como única, como também que o sujeito apresenta uma posição em
relação ao mundo. Portanto, a palavra, no discurso, “é arena, lugar de enfrentamento,
de presença do outro, não podendo pois conceber um discurso monológico no sentido
de discurso que neutralize todas as vozes que não daquele que enuncia, mesmo que
seja a impressão causada pela materialidade do texto” (SOBRAL, 2009, p.37).
Outro conceito discutido pelo círculo é o da interação, entendendo- a, também,
além de uma relação face- a- face. No capítulo “A interação verbal”, presente no livro
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Marxismo e Filosofia da Linguagem de Bakhtin (2014) e o círculo, a enunciação é
apresentada como produto da interação entre dois indivíduos organizados, porque é a
através dela que os interlocutores interagem no meio social. Aqui, também,
compreende- se a palavra como arena, pois ela representa uma relação entre um e
outro. “Através da palavra, defino- me em relação ao outro, isto é, em última análise,
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os
outros (Bakhtin, 2014, p.117).
Então, a interação verbal é um fenômeno social que é realizado pela enunciação
ou as enunciações entre os indivíduos. Ela não constitui um ato abstrato de formas
linguísticas nem enunciação monológica, mas um ato concreto e real do uso da língua.
Na perspectiva enunciativa da linguagem a leitura é interação e, portanto, a construção
de sentido do texto acontece por meio da relação entre o leitor, o autor e o texto,
afirma Almeida (2004). Essa é a proposta dialógica, que postula a linguagem enquanto
interação e consequentemente, ler é um processo que envolve várias vozes, que vai
além do contexto histórico e social. Essa é a contribuição bakhtiniana que é sugerida
para a escola do século XXI, a qual necessita de profissionais bem formados e de
material específico para um público também exigente e cercado por variadas
tecnologias de comunicação rápida. Assim, o ensino de língua precisa acompanhar o
desenvolvimento científico e tecnológico e levar à sala de aula as teorias e os
conhecimentos produzidos pelas pesquisas recentes.
A língua é uma destas formas de compreensão, do modo de dar-se para cada um de nós os sentidos das coisas, das gentes e de suas relações. Por isso, a aquisição da linguagem, como salienta Bakhtin (1974), dando-se pela internalização da palavra alheia (a palavra do adulto, especialmente da mãe) é também a internalização de uma compreensão de mundo. As palavras alheias vão perdendo suas origens (ser do outro), tornando-se palavras próprias (internas) que utilizamos para construir a compreensão de cada nova palavra, e assim ininterruptamente. É neste sentido que a linguagem: é pelo processo de internalização do que nos era exterior que nos constituímos como os sujeitos que somos, e, com a palavra de que dispomos, trabalhamos na construção de novas palavras (GERALDI, 2006, p.67).
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Notamos que a língua por ser social já ocasiona um processo de interação entre
a criança e o adulto, durante o processo de aquisição da linguagem, que proporciona a
internalização da palavra alheia e também da compreensão do mundo, para
posteriormente se apropriar dela e torná-la própria, utilizando-a na compreensão das
palavras novas e assim sucessivamente. Nesse processo, tornamos- nos sujeitos
construtores de novas palavras e enunciados. Desse modo, a sociedade e constituída
pelos sujeitos que são constitutivamente ideológicos e movem os enunciados que são
produzidos sócio historicamente.
Apesar de sabermos que os sujeitos são ideológicos, portanto produtores de
enunciados que são construídos sócio-historicamente, continuamos a reproduzir um
ensino arcaico que não se apropria do conhecimento linguístico e social que o aluno
traz, para acrescentá-los e ensiná-los a adequar nas situações sócio- comunicativa da
linguagem, mas procuramos esquecê-los e impor um conjunto de regras gramaticais,
como se elas constituíssem a língua que usamos nas situações sociais.
Também afirma Antunes (2003), que a escola ainda privilegia a prática da
memorização das regras ortográficas, em detrimento de uma leitura prazerosa. A aula
de leitura só terá sentido quando ela deixar de ser uma simples decodificação ou
aquela sem finalidade alguma e partir para a leitura compartilhada, reflexiva e
construtora de sentido. Assim sendo, a leitura é um processo de construção de
sentidos em que estão em jogo diferentes vozes, compreendidas pela interação
leitor/autor/texto. No ato da leitura, são acionadas vozes do texto que são
confrontadas com o conhecimento de mundo do leitor, analisadas e incorporadas ou
não por ele. “A leitura depende não apenas do contexto linguístico do texto, mas
também do contexto extralinguístico de sua produção e circulação” (ANTUNES, 2003,
p.77). O texto é social, assim são considerados outros fatores, durante a leitura, e não
somente o contexto linguístico, porque esse não é suficiente para construção do
sentido pelos leitores envolvidos no processo de ler.
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Uma leitura não só das palavras expressas no texto- Qualquer texto comporta interpretações que requerem mais que as palavras que lá estão expressas. Ou seja, a totalidade do sentido do texto tem que ser encontrada também em níveis que transcendem a materialidade do texto. Todo leitor traz para o texto seu repertório de saber prévio e vai, com isso, realizando inferências ou interpretando os elementos não explicitados no texto; e vai, assim, compreendendo-o (ANTUNES, 2003, p.84)
Depreende- se que durante a leitura estão envolvidos o leitor, o texto e o autor,
formando uma tríade para produção de sentido do texto. Nessa relação, o texto tem
sentido e não é compreendido apenas como um amontoado de palavras. A leitura,
vista nessa concepção, não tem uma única forma e nem deve ser compreendida como
algo acabado ou sem sentido.
Pode-se prever a existência de uma leitura não uniforme, diferente, portanto, em cada circunstância, dependendo do tema, do nível de formalidade e do gênero lido ou, ainda, dos objetivos e motivos implicados no ato de ler. Assim, conforme variam os gêneros do texto (editoriais, artigos, ensaios, notícias, anúncios, avisos, relatórios, instruções de uso, editais, contos, poemas), conforme variam os objetivos pretendidos para a leitura (leitura informativa, leitura recreativa, leitura instrumental etc.), variam também as estratégias a serem usadas (ANTUNES, 2003, p.77).
A leitura não é uniforme, primeiro porque o texto é polissêmico, ou seja,
proporciona vários sentidos e não somente um único. Além disso, depende da
intenção que se pretende alcançar, por isso que seus objetivos e estratégias tem que
ser bem definidos. Almeida (2008) ressalta que a leitura é um processo de interação e
construção de sentidos.
Desse ângulo, o processo de leitura na escola não pode se configurar como uma formação de hábitos, como algo mecânico, uma rotina, mas deve levar o aluno a assimilar valores e comportamentos, caracterizando-se como ato livre e autônomo e servindo para estimular a criatividade, a imaginação e as emoções dos sujeitos leitores. Assim, a escola exerce um papel de situar a leitura de acordo com sua importância para a formação humana. O ensino de língua
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materna não pode servir apenas para tratar temas de formação geral, mas prestar-se ao estudo da linguagem ou ao uso da língua nas diversas situações comunicativas (ALMEIDA, 2008, p.23).
Nesse sentido, a escola tem o papel de levar o aluno a enxergar a leitura como
prática social que vai além do que é dito nas entrelinhas do texto, mas como
manifestação sociohistórica do conhecimento nas variadas situações de comunicação.
Almeida (2008) diz que o ato de ler é um processo de interação que atinge níveis que
se modificam de acordo com a época, lugar, circunstancias e conforme o olhar e o
papel que o sujeito assume durante os movimentos de leitura. Ainda sobre o processo
de ler e escrever, a autora ressalta que ambos são contínuos e que devem ser
ensinados na sala de aula pelo professor, de maneira a contemplar os diferentes
gêneros discursivos.
Leitura e produção textual carecem e prescindem à construção do conhecimento partilhado e construído na escola da modernidade. As estratégias de ler desenvolvem, além da leitura silenciosa, oral e compartilhada e exigem do professor a formação para aprofundarem os aspectos da macro e da microestrutura do texto que variam conforme a esfera de comunicação, o propósito comunicativo do leitor e a composição do gênero e o estilo do autor (ALMEIDA, 2008, p.46).
Então, a leitura e produção são movimentos da aula que são compartilhados e
construídos de maneia coletiva e envolvente, sendo o professor responsável por levar o
aluno a construir o sentido do texto a partir das estratégias de ler. Então, ele necessita
de uma formação adequada para que possa trabalhar com os variados gêneros
discursivos, contemplando seus aspectos estruturais, como também considerando,
durante a comunicação, a intenção comunicativa do leitor, composição do gênero e o
estilo do autor. Almeida (2008) apresenta os movimentos da aula, que são: movimento
de interação; movimento de interpretação; movimento de produção textual;
movimento de análise linguística; movimento de avaliação e sugestão de leitura. Esses
movimentos são responsáveis por dinamizar a aula e levar o aluno a ser participante
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ativo da construção do sentido.
Experiências de leitura e escrita do gênero fábula em sala de aula
A pesquisa foi desenvolvida numa Escola Municipal de João Pessoa que fica
localizada no bairro de Mangabeira. A estrutura da escola é ampla, composta por salas
de aula, refeitório, secretária, biblioteca, sala de informática e quadra de esporte. A
biblioteca da escola é bem estruturada e possui um acervo de livro razoável, com
vários autores da literatura e, também, de outras disciplinas que compõe o currículo
escolar. De um modo geral, a escola dispõe de uma estrutura adequada ao alunado.
O projeto desenvolvido pelo professor teve como objetivo ler e escrever fábulas
no 6º ano do ensino fundamental. Na primeira aula de leitura, movimento de
interação, o professor apresentou o autor Monteiro Lobato instigando os alunos a
dizerem o que eles sabiam sobre esse escritor e as obras que eles conheciam. Em
seguida, relatou que eles iriam ler uma fábula do autor (movimento de interpretação).
Na sequência da aula, ele fez a leitura da fábula “O galo que Logrou a raposa”, após a
leitura do texto o professor começou a interagir com a turma, questionando-a: Quem
são os personagens da fábula? Que intenção a raposa tinha em relação ao galo? O que
a raposa inventou para enganar o galo? Ele acreditou na raposa? Esses foram alguns
dos questionamentos durante a interação e construção coletiva do sentido do texto. O
último caso estudado foi o levantamento das características do gênero fábula (narrativa
curta, poucos personagens, ambiente ao ar livre, presença de uma moral e outros),
como também discussão a respeito do nível de linguagem presente no texto.
A outra aula investigada foi a de produção textual (movimento de produção). O
professor propôs a elaboração de uma fábula a partir da leitura realizada e das
características apontadas a respeito do gênero no decorrer das aulas. Também
acrescentou que os textos seriam reunidos e organizados numa coletânea de fábulas
para ser disponibilizada na biblioteca da escola para futuras leituras. Diante dessa
exposição, os alunos realizaram a primeira escrita. Então, finalizando as atividades do
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projeto, escrita, reescrita e avaliação, o professor fez a culminância na biblioteca da
escola com a exposição da coletânea de fábulas e fez a indicação de outras leituras
(movimento de sugestão de leituras).
Então, percebe- se os movimentos da aula, leitura, interação e construção de
sentidos, por meio de vozes que são sociais, históricas e ideológicas e que ajudam na
construção do sentido do aluno. Então, a produção textual elaborada pelos alunos são
reflexos dessa construção coletiva do sentido, proporcionado pelas aulas de leitura,
escrita e rescrita, tornando- as mais prazerosas e significativas na vida do aluno que
participa de forma ativa do próprio aprendizado. A apropriação do gênero discursivo
(estilo, conteúdo temático e composição) também é resultado dessa interação entre os
participantes da construção do sentido na sala de aula.
Fábula 1
O leão que queria enganar a raposa
Um leão muito velho que morava em uma caverna não tinha
condições de participar das caças. Então ele decidiu enganar os
animais. Um certo dia, uma jovem raposa apareceu na caverna
do senhor leão. Então o leão viu a raposa fora da caverna e a
chamou para entrar, mas a disse:
- Não. A raposa muito esperta percebeu que ele queria devorá-
la. O leão disse:
- Entre, jovem raposa, para nós conversarmos. A raposa disse:
- Não, senhor leão, eu não tenho tempo para conversar hoje,
porque o meu irmão vai nascer.
Quando terminar a festa eu volto para nós conversarmos, vou
embora por que estou atrasada, até logo, senhor leão!
Mas vale uma desculpa bem dita, do que cair nas garras do
inimigo.
A fábula 1 apresenta pistas que mostram a construção do sentido por parte do
aluno, tanto com relação à leitura quanto à escrita . Percebemos que ambas, quanto
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vista como prática social e como interação entre os sujeitos na sociedade, tornam- se
significativa para o aluno. A materialização dos enunciados que compõe o conteúdo
temático, o estilo e composição, isto é, o gênero discursivo fábula, apresentam vozes,
ou seja, leituras realizadas que foram recuperadas durante a produção textual do
aluno. Notamos, também, pelo título do texto “O leão que quer enganar a raposa” que
remete a “O galo que logrou a raposa” de Monteiro Lobato, texto lido e discutido em
sala de aula. No entanto, a organização das ideias do texto, o sentido apresentado no
decorrer da produção, que levam a uma reflexão a respeito da moral da fábula,
apontam para a presença de relações dialógicas que foram proporcionada pela
interação entre os membros envolvidos na construção do projeto. Também, lavamo-
nos a refletir o quão é importante o trabalho com projetos que contemplem o gênero
discursivo como uma unidade de sentido. O aluno participa de seu aprendizado de
maneira prazerosa e reflexiva, fazendo – o perceber que a língua vai muito mais além
da que aprendemos na escola, que ela nos constrói enquanto seres sociais, marcados
na história por diferentes vozes. Portanto, é pela linguagem que concordamos,
discordamos e produzimos sentido nas situações comunicativas.
Fábula 2
O gato e o rato
O gato e o rato. O rato sempre ficava perturbando o gato toda
vez que o gato via o rato corria atrás dele, no entanto ele não
conseguia pegar. Esse fato se repetia todos os dias e o gato
disse.
-Eu ainda te pego rato
Certo dia, o gato estava tomando leite e de repente o rato
chegou e ficou no seu lado.
O gato ele então disse:
Agora eu te pego!
O gato correu até conseguir pegar o rato, mas o gato saltou o
rato disse:
-Eu não quero te comer. O rato perguntou:
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-Por quê? O gato disse:
-É meio complicado, mas é porque agora sou vegetariano. O
rato começou a rir dele. Então fizeram as pazes e viveram
amigos.
Nem sempre a caça é o que queremos.
A segunda fábula “O gato e o rato” apresenta as características do gênero
discursivo solicitado na atividade de produção, como também notamos a presença de
vozes que partem de uma interação entre o eu e o outro, isto é, um sentido que foi
construído pelo aluno no decorrer das aulas de leitura e que, a partir das ideias
organizadas, produziu seu texto que diálogo com as fábulas lidas nas aulas. Então,
percebemos o dialogismo como eixo de diálogos (vozes) que são recuperados na
interação entre os envolvidos no processo de construção de sentido. Nesse sentido, a
leitura vai além de uma interação face- a face, porque ela apresenta marcas
sociohistórica que são recuperadas no ato de ler. A produção textual, também,
significativa para o aluno, por partir de um gênero discursivo e ter uma finalidade
social na vida dos alunos que participam de todo o processo de construção do
conhecimento.
Outro ponto que percebemos, nessa investigação, é que o texto não é escrito
para não ser lido, mas há uma preocupação, porque o aluno sabe que seu texto terá
um leitor. As ideias organizadas levam a uma moral que é característica do gênero
estudado que, nesse caso, é “Nem sempre a caça é o que queremos”. Essa moral
dialoga com a voz dos ditados populares, como, por exemplo, “Quem não tem cão
caça com gato”, que podem ser acionados a partir da leitura do texto.
Considerações Finais
A concepção dialógica da linguagem como eixo norteador das aulas de leitura e
escrita, proporciona uma construção do sentido dos alunos, por desenvolver
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habilidades de leitura, interação, produção e análise linguística nas aulas de leitura e
escrita. Nesses estudos, o ensino de língua parti de uma prática social, isto é, do uso
concreto de enunciados que são materializados nos gêneros discursivo. Os movimentos
da aula (interpretação, produção, análise linguística e sugestões de leitura) levam a
uma interação e construção coletiva do conhecimento, porque o professor estará
interagindo com os alunos e com o texto numa relação leitor, autor e texto.
Além disso, o conhecimento prévio dos envolvidos no processo de
aprendizagem é considerado, com também contempla o caráter social, histórico e
ideológico da linguagem. Nesse sentido, o projeto, desenvolvido pelo professor, mostra
como o trabalho com os gêneros discursivos são significativos para os alunos, pois se
compreende que a língua ensinada na escola não é diferente da que faz uso no seu dia-
a-dia.
A leitura é vista como uma construção de sentidos e a produção textual, que é
planejada pelo professor (movimento de produção), tem uma finalidade, isto é, é
criada toda uma situação que envolve a valorização do texto do aluno, pois ele é
organizado e disponibilizado na biblioteca da escola, lavando- o a perceber que
escrevemos para alguém, que o texto terá um meio de circulação, leitor e, portanto,
uma função comunicativa.
Referências ALMEIDA, Maria de Fátima. As múltifaces da leitura: a construção dos modos de ler. Graphos (João Pessoa), 2008. ________. Os desafios de ler e escrever na escola: experiência em formação docente [recurso eletrônico] João Pessoa: Ideia Editora, 2013. Disponível: http://www.insite ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. _____. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRASIL. SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília, MEC/SEF, 1997. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/ Semtec, 2002.
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Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 15
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