o Copiar e Colar Letramento Acadêmico

Rado, Dourados, MS, v.8 , n.16, jul./dez. 2014

Universidade Federal da Grande Dourados

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LETRAMENTO NA ERA DIGITAL: O COPIAR-COLAR DOS ESTUDANTES1

LITTRATIE A LRE DU NUMRIQUE: LE COPIER-COLLER CHEZ LES TUDIANTS

Fanny Rinck*Leda Mansour**

RESUMO: O copiar-colar dos estudantes considerado como plgio e proibido por razes de honestidade acadmica. No entanto, esta prtica questiona os novos estudos de letramento e a questo da leitura e da escrita na era do digital, e isso que este artigo explora na perspectiva do ensino da escrita na universidade. Propomos analisar a prtica do copiar-colar em termos de aculturao: trata-se de uma prtica espontnea das geraes jovens que no reconhecida como uma prtica legtima, no que tange a questes ligadas noo de autor e s fontes de nossos escritos e de nossos conhecimentos. Interrogamos, de um lado, a cultura dos nativos digitais; de outro lado, as expectativas acadmicas e as dificuldades dos estudantes. O copiar-colar aparece, assim, como uma entrada interessante para melhor compreender a escrita a partir de fontes antes do que centrar-se unicamente na exigncia de citar.

Palavras-chave: Escrita dos estudantes; Plgio; Letramento Acadmico.

RSUM: Le copier-coller des tudiants est considr comme du plagiat et interdit pour des raisons dhonntet acadmique. Cependant, il interroge les new litteracy studies et la question de la lecture et de lcriture lre du numrique et cest ce que cet article explore dans la perspective de lenseignement de lcrit luniversit. Nous proposons danalyser la pratique du copier-coller en termes dacculturation: il sagit dune pratique spontane des jeunes gnrations qui nest pas reconnue comme une pratique lgitime, en regard de questions lies la notion dauteur et aux sources de nos crits et de nos connaissances. Nous interrogeons dune part la culture des digital natives, dautre part les attentes acadmiques et les difficults des tudiants. Le copier-coller apparat ainsi comme une entre intressante pour mieux comprendre lcriture partir de sources plutt que de se centrer uniquement sur lexigence de citer.Mots-cls: criture des tudiants; Plagiat; Littratie acadmique.1 Traduo de Milenne Biasotto (PNPD/CAPES/UFGD) Nota do tradutor: o texto original em lngua francesa, Littratie a lre du numrique: le copier-coller chez les tudiants, foi publicado na revista Linguagem em (Dis)curso, peridico do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), no ano de 2013. (Linguagem em Dis(curso), Tubaro, SC, v. 13, n. 3, p. 613-637, set./dez. 2013). * Professora em Cincias da Linguagem, ESPE de Grenoble e Laboratrio Lidilem, Universidade Grenoble Alpes. Email: [email protected] ** Pesquisadora convidada no Centro Marc Bloch em Cincias Escolares, Berlin. Email: [email protected]



INTRODUO

O objetivo deste artigo abordar elementos de compreenso da prtica do copiar-colar dos estudantes: como podemos passar da lamentao a uma reflexo pedaggica sobre o copiar-colar?

Tomamos como contexto os letramentos universitrios e os trabalhos realizados sobre os gneros em uso na esfera acadmica, sobre as dificuldades dos estudantes e sobre a maneira de melhor form-los. Em um contexto de interrogaes renovadas sobre a cultura da escrita na era digital, a prtica do copiar-colar parece-nos ser uma entrada interessante para tratar das prticas de letramento como fundamento do domnio da informao e da construo das chamadas sociedades do conhecimento, segundo a definio de letramento4 dada pela UNESCO dito de outro modo, em referncia a uma antropologia dos saberes.

A noo de letramento diz respeito, em primeiro lugar, diversidade das prticas de leitura e de escrita e s competncias que elas mobilizam, mas tambm quilo que se pe em jogo, por meio do ler-escrever, em termos de uso da informao e de construo de saberes. Ela permite visualizar, para alm da alfabetizao, uma aprendizagem que repousa sobre continuidades e rupturas entre esfera escolar e domstica (LE DEUFF, 2011, p.69), se perseguida ao longo de toda vida e representa um meio de formar os espritos (LE DEUFF, 2011, p.72). Os Novos Estudos de Letramento (STREET, 1993; FRAENKEL e MBODJ, 2010) colocam nfase, em particular, na competncia digital e na necessidade no somente de dar acesso a todas essas ferramentas, mas tambm desenvolver seu uso crtico.

A hiptese de trabalho que serve de ponto de partida reflexo que propomos aqui que o copiar-colar permite interrogar sobre o desenvolvimento das competncias de letramento em termos de aculturao. Ele representa uma prtica espontnea das geraes jovens, mas que no admitida como uma prtica de letramento legtima em relao a questes ligadas noo de autor e de trabalho pessoal bem como s fontes de nossos escritos e de nossos saberes.

Em uma primeira parte, mostramos como o copiar-colar percebido e o definimos como prtica de letramento no contexto dos letramentos universitrios. Questionamos ento, face a face, de um lado, a cultura dos nativos digitais e as implicaes das tecnologias digitais no tratamento da informao, o acesso ao conhecimento e a relao ao saber dos estudantes; de outro lado, as expectativas acadmicas e as dificuldades dos estudantes confrontadas exigncia de dever remeter-se s fontes e de produzir uma reflexo pessoal seno original.

4 chave para comunicao e aprendizado de todos os tipos e uma condio fundamental de acesso s sociedades de conhecimento atuais, Unesco (2008). The global literacy challenge, Disponvel em: .



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O COPIAR-COLAR COMO PRTICA DE LETRAMENTO NA UNIVERSIDADE

UM OBJETO ESTIGMATIZADO

Nesses ltimos anos vimos multiplicarem-se os discursos, na universidade e na imprensa, sobre a prtica do copiar-colar dos estudantes. Designando, inicialmente, uma funo informtica, o termo generalizou-se e seu uso alega a facilidade do procedimento. O termo copiar-colar intervm de maneira recorrente na expresso um simples copiar-colar. questo de simples clique, simples como um jogo de criana, ou, em um mnimo de esforo, basta... (contentar-se de...). Partindo da, o copiar-colar na universidade considerado por alguns como prova manifesta da preguia intelectual e da falta de limite das geraes jovens. Copiar-colar seria ceder tentao, e at mesmo sem escrpulo e sem vergonha, trapacear, saquear, furtar e violar o direito do autor. Prtica selvagem, novo pesadelo, verdadeiro flagelo, o copiar-colar pede por ser detectado, perseguido, denunciado. Trata-se de quebrar o tabu e de se engajar numa luta contra esse fenmeno5.

O copiar-colar liga-se a numerosos fenmenos da trapaa na escola ou em situaes de concurso: do mesmo modo que copiar do seu vizinho ou utilizar colas, ele seria signo de uma incapacidade ou de uma desonestidade. Mas ele aparece como um fenmeno novo, j que fundado nas possibilidades oferecidas na era digital6. A amplido do fenmeno faz com que ele seja mesmo questo da indstria da trapaa, para designar ora as prticas dos estudantes, ora aquelas, lucrativas, dos sites fornecedores de trabalhos prontos, que s vezes (em nome talvez de uma responsabilidade tica dos empreendimentos) vo at recomendar aos seus compradores que os utilizem apenas como fonte e, em nenhum caso, a ttulo de trabalho pessoal.

A resposta institucional nos estabelecimentos de ensino superior contribui com a no menos lucrativa indstria da antitrapaa, com o recurso aos programas (softwares) de deteco do plgio. Estes programas baseiam-se no procedimento espontaneamente utilizado pelos professores que se dedicam a uma pesquisa no Google para determinar se uma ou outra passagem um feito do estudante ou de um copiar-colar: do mesmo modo, os programas comparam o texto com uma base de dados e indicam uma porcentagem de emprstimos. Ao professor cabe verificar, em seguida, se os emprstimos so assinalados como tais no texto ou se, na falta de s-lo, eles so considerados como plgio (HARRIS, 2001).

A deteco da fraude est de acordo com o desenvolvimento de sanes e de um arsenal regulamentrio, em particular atestados de no plgio que os estudantes devem fornecer no incio de seus documentos. Estas prticas suscitam debates de ordem tica sobre a questo de saber se legtimo suspeitar a priori dos estudantes,

5 Referimo-nos, neste pargrafo, a diversos artigos on-line, especialmente artigos da imprensa e de blogs como aquele de J.-N. Darde, Arqueologia do copiar-colar, disponvel em: < http://archeologie-copier-coller.com>. 6 Com o uso, por exemplo, de smartphones em situao de exame.



at mesmo de presumi-los culpados antes do momento em que forneam a prova do contrrio7. Como na literatura, a indstria cultural ou as marcas, a propriedade intelectual tornam-se, pois, um problema julgado central, seno tabu, no ensino secundrio e superior. O problema no tem nada de simples, contrariamente ideia que se faz espontaneamente de que uma criao pertence ao seu autor. Podemos citar como exemplo os debates sobre as descobertas cientficas e a complexidade da questo do autor cientfico (uma equipe de pesquisa, um ou dois redatores, uma assinatura que inclui aqueles que participaram da pesquisa sem ter necessariamente redigido) (ver por ex. PONTILLE, 2004).

UM OBJETO A SE REPENSAR NO CONTEXTO DO LETRAMENTO

O copiar-colar entre os estudantes, como mostra Aron (2009), chancelou o proibido; ele assimilado trapaa e ao plgio a ponto de o proibido ser prioritrio sobre qualquer outra considerao. Esta proibio, sustentada juridicamente, amplamente fundamentada no argumento segundo o qual um mal copiar (ARON, 2009). Podemos ver a uma concepo romntica do autor-criador aplicada ao mundo acadmico, o que impe uma outra exigncia: preciso citar suas fontes e referir-se a fontes legtimas. Podemos citar, a esse respeito, a aluso, ao mesmo tempo literria e cientfica, desse pesquisador que explica em prembulo a sua histria do plgio universitrio, que ele construiu inteiramente seu texto a partir de colagens de trabalho existentes os quais ele toma o cuidado de indicar precisamente as fontes (COUSTILLE, 2011).

O plgio e o copiar-colar tm em comum a cpia. No entanto, se concordamos que o primeiro designa no a cpia, mas a inteno de dissimular (WEISSBERG, 2002) e se reservamos, ento, os debates jurdicos e morais questo do plgio, como considerar a prtica do copiar-colar fora do paradigma do proibido? O copiar-colar no implica, ao menos a priori, a inteno de ludibriar o leitor8 e est na base de competncias centrais nos letramentos universitrios, em particular, a citao e a tomada de notas. Seu uso entre as geraes jovens tanto pode ser compreendido como uma estratgia de escrita como o sinal das dificuldades frente exigncia de escrever a partir de fontes.

A histria da escrita nos ensina que resultado muito recente que ajamos como se copiar tivesse que ser proibido, pois os autores foram, primeiramente, copistas, e os textos, retomadas e montagens de traos existentes seno cpias conformes. Como explica L. Canfora (2009), que pe luz o trabalho dos copistas na histria, a cpia uma prtica de letramento fundamental e representa uma forma de apropriao

7 Ver, por exemplo, a relao da Comisso de tica da cincia e da tecnologia do governo de Qubec sobre o plgio (2005).8 Sobre a questo da intencionalidade nos descumprimentos a respeito das indicaes da fonte, poderamos nos referir tipologia de emprstimos propostos por Maurel-Indart, 2011, ou tipologia dos gravadores estabelecida em funo dos graus de fraude, por Bergadaa, 2006. Destacamos que a assimilao entre o copiar-colar e o plgio ignora, de fato, essa diversidade dos modos de emprstimo.



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efetiva de um texto: pela cpia projeta-se a entrada do leitor no texto e seu desejo de intervir. Ela est, portanto, no centro do desenvolvimento do letramento na escala filogentica e na escala ontogentica, como, por exemplo, em estudantes que, entre as prticas extraescolares da escrita, recolhem pedaos escolhidos em um poema ou cano qualquer (PENLOUP, 1999).

no domnio das obras literrias, das pesquisas em literatura e dos ateliers de escrita criativa que encontramos vozes a considerar e a reabilitar a cpia como sendo um trabalho central da produo escrita (por exemplo, HENNIG, 1997). No se trata, que fique bem claro, de limit-la a uma reduplicao ao infinito, mas de entender a cpia em relao com as noes de emprstimo e de intertexto. Nesse contexto, so questionadas como no sendo lineares criao verbal (GOLDSMITH, 2011) e a autoria (JEANDILLOU, 2001) e encontra-se estabelecida a constatao segundo a qual escrever reescrever.

Esta frmula serve, atualmente, de adgio no campo da didtica da escrita (ver BORE e DOQUET, 2004). Em sala, trata-se de propor atividades consistindo em reescrever a partir de seus prprios textos (questes de rascunho e de tomada de notas), em escrever a partir de extratos de texto tomados aqui e ali, ou ainda, de associar a prtica da cpia a uma prtica de imitao, escrevendo maneira de, como treinamos a pintura ou a escultura, copiando, inicialmente, os grandes mestres. Estes dois procedimentos, da cpia e da imitao, mobilizam e favorecem uma impregnao com os textos e no h razo de reserv-los s escritas literrias. Assim, no caso da escrita acadmica, dizemos que esse domnio repousa, em particular, no uso ritualizado e at mesmo rotineiro de moldes retricos e fraseolgicos caractersticos, e a esse ttulo, a cpia e a imitao podem tornar-se ferramentas de formao (por exemplo, EISNER et. al., 2008; PENNINGTON, 2010).

Por outro lado, o copiar-colar representa uma entrada interessante no campo dos letramentos universitrios tendo em vista, particularmente, os saberes herdados e a relao ao saber; ele permite abord-los em sua dimenso cultural, em termos de geraes e de um letramento renovado pelo digital.

Se as questes de autor e de fontes existem de longa data, elas se colocam de maneira central nos usos da informao na Internet e nos modelos de cooperao e colaborao que se desenvolvem, por exemplo, em torno de um projeto enciclopdico como a Wikipdia, ou de um ou outro web site dedicado a questes mdicas.

Uma formao nessas questes importante para o xito universitrio, pois reconhecido, atualmente, que o ler-escrever e o domnio informacional so como molas. Esta formao igualmente importante em vista dos letramentos profissionais, campo no qual o autor e as fontes so igualmente identificados como questes centrais (ver PENE, 1993); o caso, por exemplo, para os aprendizes-pesquisadores (RINCK e BOCH, 2012) ou os web jornalistas e redatores, mas tambm para todo domnio exigente da viglia informacional e/ou da produo de contedos.

O copiar-colar poderia, ento, servir de ponto de partida no somente para que os estudantes tenham conscincia dos cdigos de propriedade intelectual, mas como



uma maneira de se interrogar sobre o ler-escrever no momento digital e de explorar as possibilidades em termos de uso da informao e da escrita a partir de fontes. Essa proposta une-se quelas em favor de formaes documentares que no se limitam ao acesso informao, mas visam ferramentas adaptadas aos usos espontneos e uma abordagem crtica da informao (SERRES, 2007), em uma perspectiva de formao universitria, profissional e cidad 9.

Definimos, pois, o copiar-colar dos estudantes no cruzamento do campo dos letramentos universitrios (academic literacy), do letramento informacional (information literacy) e do letramento crtico (critical literacy). Para alm do simples clique, o copiar-colar representa uma prtica de letramento na interface entre leitura e escrita, e que solicita competncias diversificadas, ainda que em seus dois termos (copiar no sentido material para recolher uma citao, fabricar um texto patchwork feito de colagens de outros textos). O copiar-colar pode encontrar seu lugar no contexto da formao universitria, ao mesmo tempo para a formao na escrita e para a formao na informao na era digital. Isso supe tentar compreender melhor o copiar-colar, muito mais do que proibi-lo. No que se segue, mostraremos de que modo o copiar-colar est ligado cultura da internet e representa uma prtica espontnea que no tem lugar reservado no mundo extraescolar.

PRTICA DO COPIAR-COLAR E CULTURA DE INTERNET

Esta segunda parte quer explorar os eventuais laos que podem ligar a prtica do copiar-colar com aquilo que os pesquisadores chamam, entre outras expresses, cultura da internet. Assim, falamos aqui de um copiar-colar generalizado sob o efeito do digital, em referncia aos novos usos do letramento da gerao Y e das comunidades de internautas que Dagnaud estuda:

[...] para pesquisar a informao, eles [da gerao Y] recorrem mais internet do que a imprensa escrita, manifestando mais confiana nos sites de informao online do que nas categorias mais antigas (DAGNAUD, 2011, p.119).

Nossa hiptese repousa na ideia de que o sentido dado no copiar-colar sofre um deslizamento em direo a novas consideraes sob o efeito da cultura da internet. Em particular, as noes de abertura e partilha impem uma distino entre o copiar-colar e o plgio e uma concepo da cpia que no tem nada de roubo. Esse deslocamento do sentido do plgio e do copiar-colar sugerido pela fala dos prprios estudantes, que a esse respeito, declaram:

O proprietrio da informao a publicou na Internet, portanto, uma maneira de autorizar seu uso por todo mundo, seno, ele teria guardado para si (Falas de estudantes citados por ABOUFIRRASS; ABOUFIRRASS; BENNAMARA; TALBI, 2006).

9 Quer seja questo de sociedade do conhecimento, de democracia participativa ou de emancipao, como nos programas educativos inspirados, em especial, o de J. Dewey (1966 [1916]).



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Partindo, assim, desse deslizamento de sentido, descrevemos aquilo que entendemos por cultura da internet antes de nos determos nos modos de funcionamento da internet, para, ento, revelar o seu impacto nas prticas redacionais e nas pesquisas de informao dos estudantes.

CULTURA DE INTERNET: TENTATIVA DE DEFINIO

No fcil definir essa cultura da internet, cultura digital ou cultura da web, chamada tambm web colaborativa, tanto verdade que as definies variam segundo as abordagens e as disciplinas. Estudar a evoluo tcnica e as ferramentas da Web enquadra-se melhor do lado da engenharia, enquanto observar o impacto e a influncia da internet sobre os utilizadores provm de uma problemtica frequentemente tratada pelos socilogos da informao e da comunicao. Apesar dessa dificuldade de definio sublinhada por H. Guillaud em seu artigo o que a web 2.0? (2005), a nfase colocada nos usos, dito de outro modo, uma variedade de utilizadores que entre si fazem a internet (GUICHARD, 2009).

Tecnologicamente, nada de essencial mudou na internet desde 10 anos. A essncia da nova web reside naquilo que fazem as pessoas atualmente. [...] A web 2.0 a partilha da informao, fundamentada em bases de dados abertas que permitem aos outros utilizadores empreg-las (PORTER, 2005).

Destinada aos utilizadores, a Internet caracteriza-se pela partilha da informao e pela abertura. Precisamente, sob o ttulo A abertura. Partilhar no roubar, em seus 10 mandamentos da era digital, RushKoff desenvolve estas duas caractersticas:

Quer seja a cpia segura de um arquivo que enviamos ao servidor que gerencia nossos e-mails ou a criao de um web site, sempre terminamos por utilizar fontes informticas que no possumos por ns mesmos. E, como consequncia, algum ou alguma coisa sempre acabar por utilizar as nossas. a inclinao natural da tecnologia digital em direo quilo que bem poderia ser sua principal caracterstica: a partilha (RUSHKOFF, 2012, p.136).

Partindo dessa constatao, as mesmas normas sociais no se aplicam sobre a Net, onde partilhar, emprestar, roubar e recondicionar ampliam-se (2012, p.143). O autor desenvolve o sentido de partilha, no sem mencionar os usos distorcidos desta partilha:

As passagens de livros so copiadas em extenso ou em pedaos tirados de seu contexto para serem integrados na prosa de um terceiro, e canes inteiras so reutilizadas como fundo sonoro de novas canes. E quase nenhum dos criadores originais da obra se isso ainda tem sentido creditado por seu trabalho (2012, p. 141, grifo nosso).

A partilha da informao e as ideias dos outros fariam, assim, parte de um processo de aprendizagem baseado em uma liberdade digital, repousando em cdigos prprios em que partilhar no roubar. A questo da propriedade intelectual



coloca-se novamente, o que se traduz, em especial, pelo desenvolvimento, em nvel jurdico, de licenas baseadas nos direitos de partilha10. No mesmo sentido, a cultura da Internet convida a repensar diferentes clivagens que podem ajudar a compreender a prtica do copiar-colar e o sentido que lhe dado pelos estudantes.

ALGUNS MODOS DE FUNCIONAMENTO DA INTERNET

Os trabalhos dos socilogos da informao e da comunicao, assim como dos pedagogos, analisam os modos de apropriao da internet e explicam porque se pe em jogo uma nova viso de mundo, rompendo as clivagens entre espao pblico/privado, intimidade/extimidade, legalidade/ilegalidade e convidando a repens-las.

Uma das temticas estudadas na literatura consagrada cultura digital aquela da exposio da personalidade dos internautas: o limiar entre espao privado e espao pblico parece ultrapassado, o que instaurado pela lgica racional da web 2.0. Denoul indica esta lgica racional falando da noo de identidade (2011, p. 75-82). Efetivamente, como analisa Cardon em seu design da visibilidade, os usurios correm cada vez mais o risco de expor sua identidade (2008, p. 93-134). Em outro aspecto, essa clivagem rompida entre pblico/privado permitiu a Tisseron forjar a noo de extimidade (termo emprestado de Lacan) em contraste com a intimidade, uma extimidade que no sinnimo de exibicionismo, mas de fragmentos da personalidade ntima apresentados ao olhar do outro a fim de serem validados (2011, p.84). Desse modo, essa exposio da personalidade est em interao com os outros, que a validam e a reconhecem.

No o caso, aqui, de refletir sobre a noo de identidade digital e suas fronteiras entre visibilidade e invisibilidade, mas importante observar que a cultura da internet tende a dar um novo sentido ao privado e ao pblico, por meio de fruns, blogs, redes sociais e wikis. A fronteira entre produo pessoal e coletiva apaga-se nos espaos colaborativos.

Alm disso, o binrio legal/ilegal tambm repensado, em especial, sob o efeito do tudo gratuito caracterstico da web, hoje em dia (RUSHKOFF, 2012, p.144): funciona como um hbito que governa a internet e que difcil de erradicar (DAGNAUD, 2011, p.140).

Milhares de pessoas utilizam Wikipdia quotidianamente para seu trabalho e suas pesquisas, em virtude de um privilgio que lhes foi oferecido por milhares de autores e editores que contribuem com isso de maneira benvola. O trfego do site considervel, mas poucas pessoas estimam dever pagar por isso (RUSHKOFF, 2012, p.148).

Assim, essas fontes so assimiladas aos bens pblicos, e tanto sua cpia como sua utilizao pessoal resultam do fato de sua simples existncia on-line. Afinal, se est l, por que isso pertence a todo mundo (RUSHKOFF, 2012, p.141). Esta constatao faz eco s falas dos estudantes, citados anteriormente, que justificam 10 Citamos as licenas creative commons que se aplicam s condies de reutilizao e de distribuio das obras.



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seu copiar-colar pela simples existncia on-line das fontes. No se pode, entretanto, confundir a gratuidade presumida e a cultura do livre (SOUFRON, 2009), e se os dois no so claramente distinguidos nos espritos, fundamentalmente a segunda, com a noo de fontes abertas ou obras abertas, que tende a enfraquecer o sentido da propriedade, de acordo com Dagnaud (2011, p.85), e traduz-se pela inveno de pistas alternativas ao regime da propriedade e de formas de trocas culturais que se caracterizam pela cooperao (por exemplo, PROUX & GOLDENBERG, 2010; ROCHELANDET, 2011).

Os usos da internet confundem, pois, a viso que podemos ter das produes culturais e de sua circulao no espao pblico. Qual o estatuto do prprio internauta, nos blogs, fruns e outros wikis, um destinatrio e/ou um emissor?

Organizando a permutabilidade entre produtores e consumidores, ela [a internet] abole a sacralidade da obra e sua imutabilidade. Fazendo isso, ela canoniza o heri desta revoluo cultural: o amador11 (DAGNAUD, 2011, p. 44).

Estamos, pois, em relao a uma cultura dita da partilha (seno da pirataria), em que so redefinidos os laos entre privado e pblico, legal e ilegal, amador e profissional, e em que cada um convidado a tornar-se autor ou informante. Visualizada nesse contexto, a prtica do copiar-colar no representa tanto um roubo, do ponto de vista daquele que copia bem como do ponto de vista daquele que copiado, mas um elo na cadeia de circulao da informao e uma reorientao dos trabalhos do outro (RUSHKOFF, 2012). K. Goldsmith (2011) fala, no mesmo sentido, de reutilizao: estamos diante de um novo ato de enunciao, pela definio singular e nica, baseada no emprstimo e tendo seu prprio objetivo.

LETRAMENTO DIGITAL E FORMAO UNIVERSITRIA

O copiar-colar na era digital assimilado ao uso desviado da informao, especialmente, o chamado cyberplgio, a indiferena s fontes e os problemas de avaliao da informao. Ater-se a esse lamentao , no entanto, sintomtico das dificuldades em pensar as evolues do letramento (STREET, 1993), concebido como conjunto de prticas do ler-escrever e universo cultural e cognitivo. Em uma perspectiva pedaggica, a formao na informao torna-se um desafio central12.

Agora que os alunos podem encontrar tudo on-line, o papel do professor deve evoluir na direo de um guia ou de um treinador, isto , um parceiro da aprendizagem, que ajuda os alunos a avaliarem e a sintetizarem os dados que eles encontram (RUSHKOFF, 2012, p.139).

A universidade, semelhante escola, no pode continuar a colocar de lado os usos efetivos da internet entre as jovens geraes, com o risco que um fosso se cave

11 Para saber mais sobre o papel do amador, ver Allard (1999)12 No insignificante saber que uma das competncias exigidas pelo quadro de referncias sobre as competncias chave para a aprendizagem ao longo de toda a vida , entre outras, a competncia digital (GERBAULT, 2012). Grifos das autoras.



na utilizao da internet, entre a esfera privada e o mundo escolar, e que os jovens sejam, assim, deixados, de certa maneira, ss face Internet (SERRES, 2007). O copiar- colar, como prtica espontnea de tratamento da informao, pode integrar-se, desse modo, a uma formao universitria em letramentos informacionais, levando em conta os novos ambientes digitais como os motores de busca, os blogs, os wikis, os fruns e as redes sociais, enquanto ferramentas, para um uso controlado, e enquanto objetos de questionamento, para favorecer uma reflexo crtica.

Apesar de o desenvolvimento crtico dos conhecimentos ser um trao central da formao na universidade, o copiar-colar faz-se, a, o objeto de uma abordagem dogmtica e a proposio de integr-lo formao est longe de ser natural. Esta abordagem apresenta-se em desalinhamento com as expectativas universitrias em termos de letramento e de relao ao saber, tanto que conveniente interrog-la novamente em relao ao letramento digital, informacional e crtico.

EXPECTATIVAS NA UNIVERSIDADE

A prtica do copiar-colar e a maneira pela qual esta prtica percebida, se julgamos o discurso que circula a seu propsito, torna vazia a questo das expectativas do ensino superior em relao aos estudantes. Para alm da proibio da cpia e da exigncia de citar suas fontes, de quais regras do mundo acadmico os estudantes devem apropriar-se, no que diz respeito aos tipos de escritas, s fontes e ao estatuto do autor, relao ao saber? Apoiamo-nos, aqui, em trabalhos anteriores conduzidos sobre as escritas dos pesquisadores, sobre as escritas dos estudantes e sobre enquetes realizadas junto a eles, somando, assim, vrios ngulos de viso que permitem melhor compreender as expectativas acadmicas em matria de letramento e as dificuldades que se colocam aos estudantes.

DE UM PONTO DE VISTA EPISTMICO

As expectativas acadmicas so tomadas entre dois modelos: de um lado, aquele que consiste em situar o indivduo no centro do processo educativo, quer seja em termos de desenvolvimento ou de emancipao; de outro lado, aquele que coloca nfase nos saberes e na tradio recebida por herana e sua transmisso13. O ensino da escrita, , a esse respeito, revelador: tanto uma questo de favorecer a expresso dos indivduos quanto uma construo dos saberes via escrita14. Assim, as produes escritas esperadas em contexto acadmico tm que se posicionar em relao a esses dois modelos, aquele de uma criao singular e de um pensamento original do aluno ou estudante e aquele que impe documentar e remeter-se aos saberes existentes. 13 Essa bipartio une-se proposio feita por Latour e Fabbri (1977, p.82) a respeito da cincia: eles destacam que, con-siderada enquanto prtica, ela recobre dois aspectos, aquele dos indivduos e aquele dos saberes produzidos. 14 Observaremos, a esse respeito, a existncia de diferenas culturais: a corrente expressivista (DONAHUE, 2007) muito persistente nos Centros de Escrita americanos, enquanto no espao europeu francfono, o campo de didtica da escrita no ensino superior constitudo em referncia quilo que entra em jogo por meio da leitura e da escrita em termos de saberes. Outro fato notrio, na Frana, o desenvolvimento de ateliers de escrita nos anos 1970-1980 vem preencher um nicho deixado vazio pela escrita escolar e acadmica, aquele da criatividade dos indivduos.



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Convm, a esse respeito, sublinhar que as expectativas no ensino superior caracterizam-se por um salto qualitativo. Os estudos existentes sobre o letramento universitrio mostram que se se trata de restituir os saberes, nas provas de exame, especialmente, as dificuldades dos estudantes que entram na universidade esto relacionadas ao fato de que isso no suficiente e que esperado que eles sejam capazes de pensar via escrita ou de pensar criticamente por meio da escrita (BIZZELL, 1992). As prticas acadmicas instituem, assim, a leitura e a escrita como instrumentos cognitivos compensadores em suas dimenses epistmica e heurstica: ler e escrever permitem apropriar-se dos saberes e fazer avanar a reflexo.

A reflexo pessoal supostamente esperada apresenta, entretanto, um estatuto ambivalente em contexto escolar e universitrio, j que se trata de desenvolver uma reflexo pessoal, certamente, mas que seja, em primeiro lugar, uma reflexo fundamentada. Se a nfase colocada na importncia de pensar via escrita, ao leitor-avaliador que caber dizer, no final, se o texto faz sentido e se v emergir ali um pensamento digno deste nome. Ainda necessrio que o texto responda s convenes que constroem a considerao do leitor, dito de outro modo, que satisfaa s expectativas da comunidade acadmica. A escrita acadmica caracteriza-se fundamentalmente pelo uso de uma terminologia especializada e por modos de raciocnio disciplinares; ela combina restituio de saberes (dimenso expositiva) e construo de um ponto de vista (dimenso argumentativa), e os tipos de escritas distinguem-se entre eles segundo estejam mais para o lado do saber como produto ou do lado da pesquisa como modo de produo do saber.

Uma prova escrita pode exigir apenas exposio de saberes adquiridos, e, nesse caso, convenhamos que a prtica esperada do estudante assimila-se sensivelmente da cpia: pede-se a ele que rediga, seno com as mesmas palavras e frases, pelo menos com os mesmos conceitos e os mesmos meios lingusticos (aqueles da esfera acadmica), aquilo que o professor disse em seu curso ou aquilo que determinado autor escreveu sobre uma determinada questo. Por meio da tomada de notas, ou, para os mais jovens, do ditado dos contedos do curso, a cpia funciona como modelo de transmisso dos conhecimentos no mundo escolar e remete ao papel da imitao no aprendizado (ARON, 2009). Ela , portanto, ao mesmo tempo solicitada e recriminada, central, mas insuficiente, at mesmo desprezvel se a expectativa situa-se do lado da originalidade e de uma postura de autor.

De um ponto de vista epistmico, a questo prioritria para a formao universitria, sem dvida, no tanto a necessidade de citar suas fontes, mas de referir-se a fontes legtimas: o que est em jogo para os estudantes apropriarem-se dos saberes disciplinares na escrita e serem capazes de uma distncia crtica em relao aos saberes. Isso explica o fato de que, nas representaes associadas ao copiar-colar, as fontes consultadas pelos alunos do ensino mdio e pelos universitrios sejam objeto de suspeitas, em primeiro lugar, a enciclopdia Wikipdia.

O ensino superior deve contentar-se em rejeitar tais fontes, ao pretexto de que elas so do pblico em geral? Sabemos que no h ruptura, mas uma continuidade



entre vulgarizao e pesquisa (JACOBI, 1999) e poderamos, portanto, considerar a sensibilizao dos alunos do ensino mdio e universitrios a essas questes ligadas s fontes do saber e aos seus modos de construo e de validao15. A prtica espontnea que eles tm do copiar-colar pode, ento, evoluir em direo a uma prtica mais controlada: quais extratos selecionar em uma massa de informao? O que faz com que uma afirmao seja trivial ou forte, pertinente ou infundada? Como construir um propsito coerente, articulando fontes diversas?

DE UM PONTO DE VISTA LINGUAGEIRO

A proibio do copiar-colar e a obrigao de indicar suas fontes impem-se pela fora das evidncias, mas se chocam com a complexidade daquilo que entra em jogo na interface entre leitura e escrita: a atividade de documentao, a tomada de notas, o ato de enunciao ou a srie de reescritas que caracterizam a produo de todo texto, a heterogeneidade enunciativa do texto e seu intertexto.

Os trabalhos sobre os letramentos universitrios so, a esse respeito, preciosos. Eles permitem descrever as prticas de escrita efetivas, muito mais do que levar em conta a norma prescritiva, valorizada, tal como podemos encontr-la em uma injuno como preciso citar suas fontes e no discurso que apela tradio cientfica e ao rigor. Os textos produzidos pelos pesquisadores atestam, certamente, uma gesto rigorosa das fontes como parodia U. Eco16, ao multiplicar os parnteses preenchidos com nomes de autores e datas das obras mas tambm procedimentos que permitem fazer economia (GROSSMAN & RINCK, 2004; RINCK & BOCH, 2012). A rastreabilidade das fontes e seu esgotamento so um erro: como, finalmente, determinar tudo aquilo que inspira um pesquisador, de onde vem a terminologia que ele emprega, e onde podemos encontrar ideias prximas ou similares em relao quelas que ele enuncia?

Para os estudantes, as expectativas so confusas, pois ao mesmo tempo, solicitamos a eles citar as fontes, no sentido de que preciso relacionar os saberes aos textos e a seus autores, mas tambm no mais citar, no sentido de que no preciso se contentar em fazer citaes. A reformulao valorizada (em relao citao), pois ela permite indicar as fontes em seu prprio nome, sem se contentar, portanto, em copiar. No entanto, como nos mostrou uma investigao sobre suas representaes (RINCK, 2004), os estudantes destacam que aquilo que est dito est bem dito, e muito melhor dito. Estes sentimentos enfatizam a dificuldade em se posicionar como autor face aos autores lidos e sugerem o interesse pedaggico em trabalhar com a escrita acadmica, dissociando diferentes competncias, como a seleo de fontes pertinentes e a reformulao. 15 As suspeitas em relao Wikipdia dizem respeito, em particular, a fiabilidade dos contedos, porque o projeto enciclo-pdico coloca em questo um modelo mais tradicional de autoria, mas tambm o fato de que, enquanto enciclopdia, ela apresenta, pelas definies, saberes enrijecidos e no pesquisas. Notemos que isso no a distingue quase nada dos discursos didticos com tendncia dogmtica, em que os saberes so apresentados de maneira informativa e factual. Uma epistemologia social, fundamentada na ideia de que a legitimidade dos saberes depende das estruturas sociais que os produzem chamada a intervir em uma anlise das relaes entre saberes escolares, universitrios, cientfico e do pblico geral.16 In: Comment voyager avec un saumon , 1997, p. 117-118.



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Escrever a partir de fontes est longe de ser bvio; como mostram numerosos trabalhos sobre essas questes. As dificuldades dos estudantes dizem respeito, indissociavelmente, ao controle do domnio de conhecimentos e o controle do ler-escrever. Inserir uma citao, coment-la, reformul-la de maneira pertinente, e, nos memoriais, em especial, discutir os autores lidos e se posicionar em um campo so competncias complexas (por exemplo, BOCH & GROSSMAN, 2001, HYLAND, 2002; KARA, 2004; RINCK & BOCH, 2012).

Se a cpia de um website sob a forma de um simples clique no permite, nela mesma, apropriar-se de conhecimentos, isso no exclui considerar, no quadro da formao na escrita, uma prtica do copiar-colar fundamentada na exigncia de ler, de confrontar textos, de selecionar excertos, de agenci-los, introduzi-los, coment-los maneira como se faz na esfera literria, em que tais atividades de escrita so julgadas criativas.

EXPECTATIVAS EMBARALHADAS

As dificuldades dos estudantes frente s fontes esto em compreend-las em ligao com suas representaes confusas das expectativas universitrias, quanto aos aspectos j evocados de restituio de saberes, de distncia crtica, de reflexo pessoal. Citaremos aqui uma estudante que intervm em um frum de discusso a propsito de uma questo que fez algum barulho nas mdias, em torno da presena de passagens inteiras de Wikipdia em uma obra recente de M. Houellebecq (2010). Como veremos, esta estudante exprime, de maneira talvez desajeitada, como o foco na exigncia de citar suas fontes pode conduzir a um impasse.

De minha parte, fiz meus estudos na Inglaterra. Durante meus estudos, e meu memorial, era proibido utilizar a menor fonte sem citar em referncia, sob pena de plgio e de sanes ainda muito mais pesadas. E muito pior, era simplesmente proibido pensar por si mesmo. Toda ideia que pudssemos ter por ns prprios, se era boa, necessariamente j tinha sido utilizada por um autor. Era preciso, ento, procurar um autor que tivesse pensado uma ideia similar, ou abrir um bom livro aleatoriamente e tomar uma citao que se parecesse com a ideia que tnhamos por ns mesmos. Penso que Houelbecq jamais sairia ileso na Inglaterra [...]17

A dimenso supostamente formadora do trabalho de escrita a partir de fontes encontra-se, assim, comprometida pelas injunes consideradas uma a uma. As expectativas universitrias, em torno especialmente da questo do copiar-colar, chamam a ateno para a exigncia de citar suas fontes e escondem o conjunto de questes que isso coloca, e principalmente, as prioridades: a importncia de se referir a 17 Fonte: blog Florent Gallaire. Pour ma part qui est fait mes tudes en Angleterre. Lors de mes tudes et de mon mmoire, il tait interdit dutiliser la moindre source sans la citer en rfrence, sous peine de plagiat et de sanctions bien plus lourdes encore. Et mme pire il tait tout simplement interdit de penser par soi-mme. Tout ide quon pouvait avoir soit mme, si elle tait bonne tait ncessairement dj utilis par un auteur. Il fallait alors chercher un auteur qui avait pens une ide similaire, ou ouvrir un bouquin au pif et prendre une citation qui ressemble lide quon avait soi mme. Je pense que Houelbecq ne sen serait jamais sorti indemne en Angleterre. [] Disponvel em: Acesso em: 20/02/2014.



fontes de qualidade e aos saberes existentes para desenvolver uma reflexo aprofundada. A observao da estudante aponta, alm disso, a complexidade da questo das fontes, que no so tanto fontes, mas ideias disponveis no intertexto: toda ideia que pudssemos ter por ns prprios [...] j foi necessariamente utilizada.

Os estudantes encontram-se, assim, confrontados com uma expectativa paradoxal da instituio, tomada entre a importncia do saber disciplinar e aquela da reflexo pessoal e da construo de uma postura de autor. Finalmente, como resume um deles: solicitam-nos nosso ponto de vista, mas nosso ponto de vista no importa.

CONCLUSO: QUAIS IMPLICAES PARA A FORMAO UNIVERSITRIA?

O copiar-colar permite questionar a maneira pela qual uma gerao se desenvolve, herdando ferramentas materiais e intelectuais criadas por geraes anteriores, segundo uma abordagem ao mesmo tempo cultural e cognitiva (TOMASELLO, 1999) e sobre a apropriao dessa herana por meio de prticas de letramento errantes, na inveno do quotidiano, para retomar os termos de M. de Certeau (1990) em sua abordagem antropolgica.

A universidade, como esfera de referncia do campo dos letramentos ditos universitrios, renegocia permanentemente as prticas de letramento que ela institui e constri como ferramenta de formao intelectual e de formao profissional, atualmente. Ultrapassando a exigncia de esclarecer as expectativas do lado dos estudantes, podemos supor que as expectativas no so predefinidas e evoluem sob o efeito, em especial, de objetos tal qual o copiar-colar, que emblemtico dos fenmenos de aculturao no contexto do letramento avanado na era digital.

Se o fato de levantar o tabu do plgio, de denunci-lo, detect-lo, de sancion-lo, de atribu-lo ao progresso tecnolgico, julgado s vezes nefasto, est no centro das preocupaes, o copiar-colar merece ser considerado pelo que , uma prtica de letramento das jovens geraes, na interface da leitura e da escrita. Seu interesse est em fixar questes culturais ligadas autoria e s fontes, em um contexto de profuso da informao, sua circulao de um site para outro sob forma de cpias mltiplas, o desenvolvimento de prticas de escrita colaborativas, interrogaes sobre a fiabilidade do saber e sobre os riscos do relativismo. Nesse contexto, propor ultrapassar a lamentao para ir em direo a uma reflexo pedaggica sobre o copiar-colar tambm interrogar sobre o papel da universidade na sociedade do conhecimento.

No quadro de uma formao em letramento na universidade, o copiar-colar pode permitir considerar, em suas relaes, a formao na escrita e a formao na informao, assim como um trabalho sobre objetos ligados cultura digital, por exemplo, os gneros em uso na Web (o que escrever em uma pgina pessoal ou em um wiki, ou formular uma opinio sobre um site de consumo, sob que forma se apresentam os debates em fruns de discusso, etc.?).



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Concretamente, nossas proposies pedaggicas so, de um lado, mobilizar o copiar-colar como uma atividade que permite trabalhar sobre a leitura, a seleo de fontes e a escrita a partir de fontes e favorecer a apropriao dos saberes. De outro, o copiar colar no representa apenas um exerccio de escrita; ele tambm um bom ponto de partida para favorecer o questionamento dos estudantes sobre aquilo que entra em jogo por meio do ler-escrever e sobre os modos de produo e validao dos saberes a mesma questo chave para o estudante, o futuro profissional e o cidado na era do digital.

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