O Cooperativismo Popular No Brasil - Importância e Representatividade

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1 O COOPERATIVISMO POPULAR NO BRASIL: Importância e Representatividade* Maria Nezilda Culti 1 RESUMO O Cooperativismo como parte da Economia Solidária é um sistema de cooperação que apesar de inserido no capitalismo, é reconhecido como um sistema mais adequado, participativo, democrático e mais justo para atender às necessidades e os interesses específicos dos trabalhadores. O crescimento desses empreendimentos tem sido significativo e vêm chamando a atenção das Universidades e dos poderes públicos municipais e estaduais, que passam a apóia-los. Pretende-se neste trabalho demonstrar o crescimento e visibilidade das Cooperativas de Trabalho no Brasil, a partir da década de 1980. Palavras-chave: Cooperativismo Popular, Economia Solidária, Cooperativas de Trabalho, Desemprego. INTRODUÇÃO O Brasil entra no século XXI vivendo um processo de grandes transformações impulsionadas por novas demandas da sociedade e pela transformação acelerada da economia mundial no curso de políticas neoliberais. São mudanças desafiadoras que, ainda não conhecemos inteiramente os seus efeitos sobre as relações econômicas e sociais, especialmente em economias como a brasileira, onde o desafio é maior, pois ao mesmo tempo em que acompanhamos e sofremos os reflexos das tendências mundiais, precisamos eliminar distorções acumuladas no passado e consolidar a estabilidade econômica. Em nosso País temos visto perversos reflexos no mercado de trabalho, onde o resultado visível é a significativa taxa de desemprego e subemprego. Além do desemprego observa-se um importante movimento de precarização nas relações de trabalho, que pouco difere dos sintomas existentes nos países mais desenvolvidos, embora aqui amplie significativamente o número dos socialmente excluídos e deteriore ainda mais as condições de vida que já estavam muito distantes das economias centrais, onde a distribuição de riqueza é melhor equacionada. O trabalho em tempo integral por prazo indeterminado vem sendo substituído pelo trabalho temporário, jornada em tempo parcial (part-time), trabalho a domicílio, aprendizes e estagiários. Também a prática de subcontratação/terceirização tem-se tornado parte integrante desse processo. A taxa de desemprego no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, saltou de 4,28% em 1990, mantendo-se próxima a este 1 Professora Mestre do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá-UEM e Membro do Núcleo Local UNITRABALHO – Paraná. E-mail: [email protected] * Trabalho apresentado no Tercer Congreso Europeo de Latinoamericanistas, em Amsterdam-Holanda, 3-6 de julho de 2002.

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O COOPERATIVISMO POPULAR NO BRASIL: Importância e

Representatividade*

Maria Nezilda Culti 1 RESUMO

O Cooperativismo como parte da Economia Solidária é um sistema de cooperação que apesar de inserido no capitalismo, é reconhecido como um sistema mais adequado, participativo, democrático e mais justo para atender às necessidades e os interesses específicos dos trabalhadores. O crescimento desses empreendimentos tem sido significativo e vêm chamando a atenção das Universidades e dos poderes públicos municipais e estaduais, que passam a apóia-los. Pretende-se neste trabalho demonstrar o crescimento e visibilidade das Cooperativas de Trabalho no Brasil, a partir da década de 1980. Palavras-chave: Cooperativismo Popular, Economia Solidária, Cooperativas de Trabalho, Desemprego.

INTRODUÇÃO

O Brasil entra no século XXI vivendo um processo de grandes transformações impulsionadas por novas demandas da sociedade e pela transformação acelerada da economia mundial no curso de políticas neoliberais. São mudanças desafiadoras que, ainda não conhecemos inteiramente os seus efeitos sobre as relações econômicas e sociais, especialmente em economias como a brasileira, onde o desafio é maior, pois ao mesmo tempo em que acompanhamos e sofremos os reflexos das tendências mundiais, precisamos eliminar distorções acumuladas no passado e consolidar a estabilidade econômica. Em nosso País temos visto perversos reflexos no mercado de trabalho, onde o resultado visível é a significativa taxa de desemprego e subemprego. Além do desemprego observa-se um importante movimento de precarização nas relações de trabalho, que pouco difere dos sintomas existentes nos países mais desenvolvidos, embora aqui amplie significativamente o número dos socialmente excluídos e deteriore ainda mais as condições de vida que já estavam muito distantes das economias centrais, onde a distribuição de riqueza é melhor equacionada. O trabalho em tempo integral por prazo indeterminado vem sendo substituído pelo trabalho temporário, jornada em tempo parcial (part-time), trabalho a domicílio, aprendizes e estagiários. Também a prática de subcontratação/terceirização tem-se tornado parte integrante desse processo. A taxa de desemprego no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, saltou de 4,28% em 1990, mantendo-se próxima a este

1 Professora Mestre do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá-UEM e Membro do Núcleo Local UNITRABALHO – Paraná. E-mail: [email protected] * Trabalho apresentado no Tercer Congreso Europeo de Latinoamericanistas, em Amsterdam-Holanda, 3-6 de julho de 2002.

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patamar em 1995 (4,64%), atingindo 7,10% em 2000. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico-DIEESE, estas taxas seriam, respectivamente, 7,20%, 9,00% e 11,00%2 quando, segundo os dados levantados por NETO (2001: 56-63), a “taxa média de desemprego na União Européia(UE) permaneceu praticamente estabilizada em torno de 10% em 1998 (OIT, 1998) e 9,6% em 1999 (Eurostat, La Comissión Européenne, 2000)”. A informalização já atinge 50% da população economicamente ativa com tendência a aumentar. A quantidade dos trabalhadores temporários e subcontratados já é maior que o número de empregados das grandes empresas, com jornadas de tempo integral, com salários e condições de trabalho melhores. O desemprego de longa duração (mais de seis meses) no Brasil tem acompanhado a tendência internacional. Os salários, comparados com muitos outros países, são para a grande maioria dos trabalhadores especializados ou não, baixíssimos. Segundo o DIEESE(1996-1997), o custo da mão-de-obra na industria brasileira (2,68 US$/hora) é cerca de seis a oito vezes mais baixo que nos países mais desenvolvidos (16,40 nos EUA; 19,26 na Áustria; 24,87 na Alemanha), cerca da metade do valor pago na Coréia do Sul (4,93) e em Portugal (4,63), sendo similar ao México (2,41). Para flexibilizar ainda mais o já desregulado mercado de trabalho brasileiro, em 1998 entrou em vigor lei que autoriza as empresas manterem até 20% da força de trabalho durante dois anos com encargos sociais bastante reduzidos. Medida Provisória editada no mesmo ano criou o “desempregado temporário”, onde o trabalhador que seria demitido, passa a receber pela empresa um salário mínimo e, durante cinco meses, fica fazendo cursos de qualificação com a possibilidade de não ser demitido ao final deste período.

Portanto, o que temos visto de maneira geral, é o aumento da instabilidade para os trabalhadores, pois as transformações tecnológicas próprias do processo de acumulação de capital, mudam também o significado social do trabalho à medida que imprimem um caráter provisório a muitos postos de trabalho e ocupações no processo produtivo e organizacional e, conseqüentemente, nas posições delas decorrentes, denotando ausência de perspectiva e lugar seguro na sociedade. O processo de desenvolvimento globalizado do capitalismo que vem gerando crescente desemprego e aumentando a concentração de renda, desigualdade e exclusão social, é inerente ao modelo de desenvolvimento capitalista, que vem apenas tomando novas formas em períodos históricos diferentes. Hoje se fala de riqueza e pobreza em toda parte do sistema capitalista, crescendo mais a última.

No Brasil em particular, o que se vê através da distribuição de renda é um alto grau de concentração e crescimento do desemprego e pobreza. Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2001 da Organização das Nações Unidas(ONU), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Penud), que apresenta dados de 162 países, publicado em 10 de junho de 2001, o Brasil fica em má colocação no mais novo índice criado, o chamado Índice de Conquistas Tecnológicas-TAI, 43º colocado entre 72 países. Este índice enquanto parte do Relatório sobre Desenvolvimento Humano, visa “capturar como um país está criando e difundindo tecnologia e construindo uma base de capital humano – refletindo sua capacidade para participar nas inovações tecnológicas”. Nele, o Brasil figura no penúltimo bloco, chamado “adotadores dinâmicos”de tecnologia, só à frente não por acaso, dos chamados “marginalizados”. E, também não por acaso, o índice mostra que o País perde no item capacidade humana (anos significativos de

2 O DIEESE inclui em suas pesquisas que medem o desemprego, mais duas categorias como desempregados, além do desemprego aberto que é o “oculto por trabalho precário” e o “oculto por desalento”.

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escolarização e matrícula universitária em áreas como ciência, matemática e engenharia). Em anos de escolaridade empata com nações muito pobres da América Latina como Honduras e República Dominicana. O relatório aponta que a tecnologia poderia ser um instrumento valioso para o desenvolvimento humano e diminuir a pobreza, entretanto, não existe uma receita única que evite o aprofundamento da diferença entre ricos e pobres, alegando inclusive, que o mercado “é uma poderosa máquina de progresso tecnológico, mas não é poderoso o suficiente para criar e difundir as tecnologias necessárias para erradicar a pobreza”. Apesar de um pequeno avanço no IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, que passou de 0,746 para 0,750, a desigualdade de renda continua alta. Os 10% mais ricos consomem 46,7% enquanto os 10% mais pobres ficam com o equivalente a apenas 1% do total.

De fato, o desenvolvimento tecnológico não é para o benefício de todos, mas apenas para uma minoria. Não gera emprego na mesma proporção e tempo que o destrói, mas faz aumentar uma massa cada vez maior de desempregados e subempregados, excluídos totalmente ou parcialmente da riqueza produzida. Na melhor hipótese, permitem condições de trabalho em tempo parcial, tempo determinado, atividades no mercado informal e autogeridas. (CULTI, 2001).

Nesse sentido, nos parece improdutivo apenas lutar para conservar e fazer crescer o número de empregos. Nossa condição histórica atual é de procurar criar e apoiar oportunidades ou formas de trabalho sociais reinventadas para propiciar trabalho e renda à população excluída, que estamos vendo despontar nas últimas décadas, através da chamada economia solidária.

ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

A economia solidária no Brasil ganha espaço nas publicações acadêmicas a partir da segunda metade da década de 90. Segundo SINGER (2000:25), “A economia solidária começou a ressurgir, de forma esparsa na década de 1980 e tomou impulso crescente a partir da segunda metade dos anos 1990. Ela resulta de movimentos sociais que reagem à crise de desemprego em massa, que tem seu inicio em 1981 e se agrava com a abertura do mercado interno às importações, a partir de 1990”. A economia no sistema capitalista é bastante eficiente na geração de riqueza, que por sua vez, gera também eficientemente, a pobreza. Enquanto parte das necessidades das pessoas são satisfeitas, a de outras ficam insatisfeitas, levando a uma precária qualidade de vida. Nesse processo, as pessoas mesmo empobrecidas e excluídas do mercado de trabalho, pela necessidade de sobrevivência, buscam a sua valorização, a sua capacidade para trabalhar e empreender. Apesar de serem necessidades individuais e isoladas, elas ganham força e expressividade e constituem-se na mais poderosa das forças com a solidariedade, criando vínculos de organização e de comunidade. É o povo excluído que tem tomado iniciativas com expectativas de satisfazer suas necessidades e abrir novos caminhos na vida, através do uso de suas próprias forças e recursos, associando-se a outros e organizando-se em grupos, associações e cooperativas. São, portanto, organizações coletivas ou comunitárias em defesa dos indivíduos enquanto cidadãos, moradores,

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consumidores e trabalhadores. Enquanto trabalhadores se organizam em associações, cooperativas ou empresas de autogestão. As experiências de organizações econômicas populares que surgem dos excluídos ou mais pobres constituem uma iniciativa real em desenvolvimento. São formas econômicas solidárias nas quais o trabalho assume posição central.

A economia solidária é, portanto, uma economia que surge do povo, de maneira espontânea ou por indução de agentes externos que o apóiam, fazendo emergir o poder público, a iniciativa privada e uma gama variada de ONGs-Organizações não-governamentais sem fins lucrativos, que não correspondem às formas de comportamento tratadas pelas teorias econômicas convencionais. Na perspectiva de SINGER (2000:7-28), a economia solidária é formada por uma constelação de formas democráticas e coletivas de produzir, distribuir, poupar e investir. Suas formas clássicas formadas por unidades produtivas autogestionárias datam do século passado. São as cooperativas de consumo, crédito e de produção. A origem do pensamento cooperativo está nos grandes autores socialistas chamados “utópicos” da primeira metade do séc. XIX (Owen, Fourier, Buchez, entre outros). Segundo o citado autor, a economia solidária não poderia preceder o capitalismo industrial, mas o acompanha como uma sombra em toda a sua evolução, visto que ela é uma “criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo” (p.13). Diz ainda que,

O modo solidário de produção e distribuição parece à primeira vista um híbrido entre o capitalismo e a pequena produção de mercadoria. Mas, na realidade, ele constitui uma síntese que supera ambos. A unidade típica da economia solidária é a cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperadores não é demasiado) ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores por critério aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os cooperadores. A cota básica do capital de cada cooperador não é remunerada, somas adicionais emprestadas à cooperativa proporcionam a menor taxa de juros do mercado (p.13). Na busca de um melhor entendimento do que seja a economia solidária,

encontramos outras abordagens. Para GAIGER (1999:25-6), nos empreendimentos de economia solidária se desenvolvem o sentido empresarial e o solidário. As iniciativas procuram obter níveis de acumulação e crescimento com estabilidade e viabilidade, através de planificação de investimentos baseadas em uma racionalidade econômica, apoiada no mundo cooperativo. A força dos empreendimentos solidários consiste nas combinações dos espíritos empresarial e solidário. Empresarial no sentido da busca de resultados por meio de uma ação planejada e pela otimização dos fatores produtivos, humanos e materiais. Solidário de maneira que a cooperação direcione uma racionalização econômica com efeitos e vantagens comparáveis às relações de trabalho assalariadas. O que diferencia estes empreendimentos é a busca de uma organização mais eficiente, através da cooperação e exploração do trabalho consorciado em benefício dos próprios produtores, distinguindo-se da racionalidade capitalista que não é solidária nem inclusiva e da solidariedade comunitária, à qual faltam instrumentos adequados para o desempenho econômico na sociedade contemporânea. Já ARRUDA (1998:13), alega existirem várias iniciativas para a construção de práticas e intercâmbios solidários ou formas alternativas e autogestionárias de organização, onde os trabalhadores são administradores coletivos ou empreendedores,

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sem deixar de serem trabalhadores. A importância do sistema reside no fato de não ter por base a exploração do trabalho de outros trabalhadores e que, “uma dupla estratégia de mercado é necessária: uma orientada para o mercado capitalista, onde a regra é a competição feroz e agressiva; a outra, com respeito ao mercado intercooperativo, que também chamamos de mercado solidário, no qual o desafio é criar sistemas e práticas comerciais baseadas na cooperação e na complementaridade, em vez da competição, e estabelecer sistemas de preço que eliminem a exploração do comprador/consumidor”.

Não há ainda no Brasil, um recenseamento sistemático e abrangente sobre o total e os tipos de empreendimentos solidários existentes3. Entretanto, estudos e estimativas setoriais indicam um notável desenvolvimento de novos segmentos no cooperativismo, além do agropecuário e de consumo, como o de trabalho e serviços, com uma grande diversificação de iniciativas em regiões rurais e urbanas. Além das cooperativas identificadas mais facilmente por já existir um recenseamento sistemático nacional através da OCB-Organização das Cooperativas Brasileiras, há hoje outras iniciativas econômicas solidárias ao longo de todo o País e abrangem inúmeras associações informais e formais, os negócios de caráter familiar, pequenas industrias artesanais e microempresas não formalizadas legalmente. Existem também os chamados “Clubes de Trocas”, que combinam reciprocidade e formas não monetárias de organização social. Todos compondo a chamada economia popular e solidária.

Como já indicado, apesar de não se dispor de dados abrangentes já publicados que possibilite dimensionar a economia solidária no Brasil, podemos inferir que ela é representativa quando observamos o surgimento de espaços ou organizações agregadoras das atividades econômicas coletivas como a ANTEAG-Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias, o MST-Movimento dos Trabalhadores sem Terra, as ITCPs-Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, a ADS-Agencia de Desenvolvimento Solidário, a FETRABALHO-Federação das Cooperativas de Trabalho entre outras, que aparecem diferenciando-se por Estados da Federação. Estas entidades surgem da demanda crescente de trabalhadores que buscam formar empreendimentos solidários, os quais estão se multiplicando em todo o País. Elas, por outro lado, desempenham um papel importante, à medida que se torna um espaço de troca de experiências em autogestão e autodeterminação na consolidação desses empreendimentos. Elas ajudam a consolidar estratégias para conectar empreendimentos solidários de produção, serviços, comercialização, financiamento, consumidores e outras organizações populares que possibilitam um movimento de realimentação e crescimento conjunto auto-sustentável. Também desempenham um importante trabalho de educação e qualificação dos trabalhadores por meio dos cursos e seminários que propiciam ou oferecem, voltados à autogestão, solidariedade, trabalho coletivo, entre outros temas, que orientam suas ações, tanto no nível individual, coletivo como no social.

3 Um levantamento amplo e inédito da economia solidária no Brasil foi realizado pela UNITRABALHO-Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho em seis Estados (SP, MG, DF, RS, CE e PA) com resultados ainda não publicados. Para as cooperativas, já existe em separado, o levantamento realizado pela OCB-Organização das Cooperativas Brasileiras.

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BREVE RESGATE HISTÓRICO SOBRE O PENSAMENTO COOPERATIVISTA E O COOPERATIVISMO NO BRASIL O pensamento cooperativo moderno surgiu na Europa Ocidental com o advento da

Revolução industrial no inicio do século XIX. Com os pensadores da época, foi se formando a filosofia que fundamenta o cooperativismo em todo o mundo. Destaca-se entre eles: Robert Owen (1771-1858), Willian King (1786-1865), Charles Fourier (1772-1837), Philippe Buchez (1796-1865 e Louis Blanc (1812-1882). É, substancialmente, uma filosofia do homem na sociedade em que vive, onde procura construir uma outra maneira de processar a economia, tendo base no trabalho e na distribuição eqüitativa do excedente adquirido e não na acumulação individual do dinheiro a partir da exploração do trabalho do outro.

O cooperativismo preocupa-se com o aprimoramento do ser humano nas suas dimensões econômicas, sociais e culturais. É um sistema de cooperação que aparece historicamente junto com o capitalismo, mas é reconhecido como um sistema mais adequado, participativo, democrático e mais justo para atender às necessidades e os interesses específicos dos trabalhadores, além do que, propicia o desenvolvimento integral do indivíduo por meio coletivo.

Portanto, o cooperativismo funciona como um sistema e as cooperativas como a unidade econômica e espaço de convívio e transformações. A origem das cooperativas remonta 1760 na Inglaterra com os trabalhadores que fundaram moinhos de cereais em base cooperativa. Em 1769 vê-se a cooperativa de consumo dos tecelões de Fenwick e em 1795, a Oldham Co-operative Supply Company. Na França em 1823 já existiam 160 associações que darão origem depois as cooperativas operárias de produção. Entretanto, a primeira cooperativa moderna foi a de consumo, formada na Inglaterra em 1844 pelos 28 tecelões em Rochdale-Manchester, que nasce num contexto de capitalismo concorrencial e em defesa econômica dos trabalhadores. Com ela nascem os fundamentos da doutrina cooperativista vigentes ainda hoje, pautados nos princípios morais e de conduta, que orientaram a estrutura e as regras gerais que regulamentaram seu funcionamento, conhecido como o Estatuto da Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale. De forma quase simultânea, surgiram também outros dois ramos de cooperação além do de consumo na Inglaterra, que foram os de crédito na Alemanha e o de Produção na França. As primeiras cooperativas de trabalho também surgiram na França e foi ali que apresentaram maior grau de desenvolvimento. Mais tarde elas aparecem na Itália e na Inglaterra. Na América elas começaram a surgir somente a partir de 1932.(CULTI: 2000, p.118-21).

No Brasil foram fundadas as primeiras cooperativas por volta de 1887, como a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Companhia Paulista, em Campinas (SP) e a Sociedade Econômica Cooperativa dos Funcionários Públicos de Minas Gerais. Em Limeira (SP), em 1899, foi criada a Associação Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica e, no Rio de Janeiro (RJ) em 1894, a Cooperativa Militar de Consumo e também em 1895, a de Camaragibe (PE). Em 1902, em Nova Petrópolis (RS), surge a primeira cooperativa de crédito fundada por produtores de vinho e, no mesmo estado em 1906, a primeira cooperativa agropecuária. De 1913 a 1929, outras cooperativas continuaram a aparecer, dentre elas, em 1913 surgiu no Rio de Janeiro, a Cooperativa dos Empregados e Operários da Fábrica de Tecidos da Gávea e, em Santa Maria (RS) foi

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fundada a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Viação Férrea (Coopfer). Em 1917, os ferroviários fundaram cooperativas de consumo.

Até 1930 o cooperativismo no Brasil caminhava muito lentamente. A crise econômica mundial estimulou a emergência de cooperativas, especialmente no sul do país. A depressão de 1929 fez o governo se interessar pelo cooperativismo, especialmente como instrumento de política agrícola. Foi a partir de 1932, com a implantação do Decreto nº 22.239, do governo Getulio Vargas, que se regulamentou a organização e funcionamento das cooperativas, verificando-se nesta época, um surto relativamente apreciável do cooperativismo brasileiro. A partir de 1945, o governo passa a oferecer vários incentivos materiais e fiscais às cooperativas e, em 1951, foi criado o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), extinto recentemente no governo Collor. A partir de 1966, o cooperativismo perde muitos incentivos fiscais e liberdades já conquistadas, levando ao fechamento de muitas cooperativas.(SCHNEIDER:1982, p.31-2)

Apesar das dificuldades encontradas, o sistema cooperativo brasileiro apresentou um fortalecimento como setor relevante dentro da sociedade no governo Médici, com o Decreto-Lei 5.764 de dezembro de 1971, que regulou o funcionamento das cooperativas até hoje e criou a OCB-Organização das Cooperativas Brasileiras, órgão nacional de representação das cooperativas existentes no Brasil. A partir do governo Collor, além do cooperativismo ligado a iniciativas de grande e médio porte, que na prática agem como empresas capitalistas, desponta um outro cooperativismo, que já começa a ser mencionado como instrumento de geração de emprego e renda, passando a incorporar-se como preocupação no FAT-Fundo de Amparo ao Trabalhador. Surgem também os PROGER-Programa de Geração de Emprego e Renda, urbano e rural e emergem as cooperativas de trabalho. Hoje são inúmeras as iniciativas voltadas para a construção de cooperativas autogestionárias, chamadas de cooperativismo popular, onde se engajam grande parte dos trabalhadores excluídos do mercado de trabalho através da formação de cooperativas de trabalho, onde se busca intercâmbios solidários para propiciar, por esta via, a construção de redes de economia solidária.

COOPERATIVAS DE TRABALHO NO BRASIL

As primeiras cooperativas de trabalho surgiram na Europa, mais precisamente na França, como frutos da Revolução Industrial no século XIX, e foi em seu país de origem onde apresentaram maior grau de desenvolvimento. Nelas só poderiam ingressar determinada classe de operários braçais. Os serviços especializados ou a comercialização eram atribuídos a terceiros, o que entre outras, foi uma das causas do fracasso de algumas dessas cooperativas (OLIVEIRA, 1982:135). Mais tarde, elas apareceram na Itália e na Inglaterra. As que surgiram na Itália em 1919, foram na sua maioria no ramo da construção e somavam 2.351 cooperativas. Eram cooperativas de trabalhadores braçais como pedreiros, britadores, carregadores e outros que empreitavam obras diretamente. Segundo Zardo, citado por Oliveira (1982:135) “merecem ser citadas algumas industrias cooperativas italianas: a fábrica de vitrais artísticos de Altare, fundada em 1850; fábrica de locomotivas, caldeiras, barcos a vapor, etc., fundada em 1883 pelos grevistas do Estabelecimento Ansaldo; a cooperativa dos pedreiros de Milão, fundada em 1887, que

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contava com 715 sócios, ficando logo famosa por muitos trabalhos executados, entre estes o cemitério de Musocco”.

No Brasil as cooperativas de trabalho começaram a surgir a partir de 1932, e sofreram grande influência das características das cooperativas operárias de produção européias, visto que lá já eram bem desenvolvidas. A partir de 1965 começaram a surgir novos tipos de cooperativas de trabalho, principalmente no sudeste e sul brasileiro. Até então, os cooperados eram freqüentemente de mão-de-obra semi-qualificada, trabalhadores braçais como transportadores de carga, motoristas de caminhão, artesão, pescadores, trabalhadores em edifícios. Outros profissionais como médicos, dentistas, professores universitários, cientistas sociais, jornalistas, escritores, músicos, cineastas, radialistas, artistas, etc, também começaram a se reunir em cooperativas, a fim de solucionar os principais problemas do mercado de trabalho (PINHO, 1982:146). Desse período em diante, as cooperativas de trabalho passaram a prosperar e a expandir-se para fazer frente às necessidades da população urbana brasileira que, segundo Scheneider (1982:33), já era em 1960, 67,57% do total da população.

Esse tipo de cooperativa é até hoje, uma realidade acessível a todos os trabalhadores qualificados ou não que, mediante a associação, desejam encontrar uma forma de trabalho para gerar renda e fonte de subsistência ou também se emancipar do sistema de salários. É uma forma de produzir atraente visto que nela, o lucro que o empresário obtém do trabalho contratado desaparece e o trabalhador associado traz para o grupo uma fonte de renda que passa a ser investida nela e distribuída entre os membros, visando melhoramento das suas condições de vida e seu futuro profissional. Os princípios de funcionamento são democráticos e de solidariedade. Elegem seus dirigentes entre os associados trabalhadores formando assim, um grupo aceito e não imposto. Buscam a satisfação de seus membros não só nos aspectos econômicos, mas também no social, educativo e humano, investindo em educação básica e formação profissional.

Semisa, citado por Oliveira (1982:139), faz uma compilação de algumas definições e características das cooperativas de trabalho. Segundo ele,

a) uma cooperativa de trabalho é uma associação de pessoas que reúnem para trabalhar em comum,

com o esforço conjugado de todos, com o fim de melhorar sua situação social e econômica, deixando de ser assalariadas para transforma-se em donas de seu próprio destino, pondo o capital e o trabalho ao serviço do homem, revertendo a modalidade de outros tipos de empresa;

b) uma cooperativa de trabalho é uma fonte de produção ou de prestação de serviços, governada,

administrada e desenvolvida unicamente por seus associados trabalhadores, operários técnicos, administrativos ou profissionais, todos com os mesmos direitos e obrigações;

c) uma cooperativa de trabalho é a união de vontades postas ao serviço de uma causa comum que

respira a liberdade humana e objetiva conseguir condições de trabalho justas, participação e responsabilidade integral na marcha de sua empresa e de seus resultados econômicos e sociais, dentro da prática da mais pura democracia, que assegura o respeito individual, a ação conjunta, a justiça e a liberdade.

A Organização das Cooperativas Brasileiras define as cooperativas de trabalho

como sendo aquelas cooperativas de profissionais que prestam serviços a terceiros. Explicando melhor: “são cooperativas de trabalho tanto as que produzem determinado bem (industrial ou artesanal) como aquelas onde a cooperativa desempenha um papel de

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“administradora” dos serviços fornecidos pelos seus cooperados”(SCHEIDER e VICENTE, 1996:40). Enfim, as cooperativas de trabalho se apresentam como uma alternativa que possibilita a inserção, especialmente para aqueles excluídos do mercado de trabalho e sem renda e que, ao mesmo tempo, criam espaços de autonomia e de protagonistas no processo produtivo e empresarial.

Atualmente as cooperativas de trabalho são impulsionadas predominantemente, por duas situações. Uma, para evitar a perda de mais postos de trabalho diante da situação em que as empresas empregadoras entram em processo de falência ou extinção, os trabalhadores se organizam e sob orientação dos sindicatos que os representam, pleiteiam junto aos patrões ou ministério público específico, o controle do patrimônio da empresa para mantê-la produzindo evitando assim, o desemprego iminente, tornando-se um empreendimento autogestionado pelos trabalhadores. Nestes casos, o empenho dos trabalhadores é grande. Entretanto, podem contar hoje com uma instituição bastante conhecida que oferece apoio e orientação aos grupos interessados, chamada ANTEAG-Associação de Trabalhadores de Empresas Autogeridas ou de Participação Acionária, além de alguns sindicatos que também apóiam essas iniciativas.

A outra situação, é a que visa possibilitar a reinserção na produção, pessoas que já foram dela excluídas. Como já mencionamos, com a reestruturação e reorganização do setor produtivo, predominantemente industrial, e a não absorção pelos setores comercial e de serviços de todo ou grande parte do contingente desempregado, assim como daqueles que chegam pela primeira vez ao mercado de trabalho, desenvolvem-se as alternativas econômicas solidárias, como os projetos comunitários alternativos que são associações de produtores, em geral pequenas demais para registrar como cooperativas e as cooperativas populares ou de trabalho. Estas iniciativas produtivas também contam com apoio para sua formação e desenvolvimento, das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, criadas em importantes Universidades públicas, hoje em torno de 14 incubadoras. Também a UNITRABALHO-Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho, assistem estes empreendimentos através dos Núcleos Locais distribuídos hoje em 17 Universidades em todo o país. A Rede Unitrabalho como um todo, interliga atualmente 86 universidades e instituições de ensino superior, que se agrupam em sete regionais e seus respectivos Núcleos Locais multidisciplinares. Nesta situação estão incluídas também as cooperativas formadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) nos assentamentos de reforma agrária.

Como já indicamos, estas cooperativas se diferenciam pelo caráter operário e democrático e vem em resposta a crise do trabalho. Crise esta que leva, não só os trabalhadores menos qualificados ou despreparados como também os de mais elevada qualificação, como os profissionais liberais, unirem-se em cooperativas pela dificuldade de manterem suas estruturas de funcionamento de forma individual.

O crescimento desses empreendimentos vêm chamando a atenção também dos poderes públicos municipais e estaduais, que passam a apóia-los e às entidades que assistem as associações e cooperativas. Todos estes esforços se multiplicam à medida que cada vez mais, excluídos descobrem na autogestão e na solidariedade, formas coletivas de reinserção produtiva.

Avaliando o desenvolvimento das cooperativas de trabalho mais recentemente, vê-se que elas vêm crescendo gradativamente em número. No período de 1975 a 1980 elas

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cresceram 72%, passando de 181 para 313. Crescimento significativo para um período tão curto. Veja na tabela 1 a seguir como se deu o desenvolvimento por região e no total.

Tabela 1: NÚMERO DE COOPERATIVAS DE TRABALHO NO BRASIL SEGUNDO REGIÕES - 1975, 1978 e 1980.

REGIÃO Número de Cooperativas 1975 1978 1980 Região Norte 0 4 9 Região Nordeste 29 47 58 Região Sudeste 104 126 156 Região Sul 41 52 75

Brasil 181 239 313

Fonte: Dados básicos do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Apud: Perspectiva Econômica, 1982, p.150.

A região sudeste concentra o maior número destas cooperativas desde 1975, destacando os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro com maior participação na região. A região sul é a segunda na classificação, com concentração significativa no Estado do Rio Grande do Sul. Em seguida vem a região nordeste, centro-oeste e norte, com distribuição entre os estados sem apresentar concentração importante em nenhum deles. Entretanto, as maiores taxas de crescimento no número de cooperativas neste período, foram observadas na região norte (125%), nordeste e centro-oeste (100%) e sul (82%). A região sudeste, apesar da maior concentração, apresentou o menor crescimento, 50%, que mesmo assim, é significativo.

A partir de 1990, o país da inicio a um processo de abertura de seus mercados às importações e a implantação do Plano Real, que resultou no controle efetivo da inflação devido à concorrência externa. Entretanto, resultaram na eliminação de uma grande proporção de postos de trabalho industriais em função da reestruturação, inclusive as generalizadas inovações tecnológicas e conseqüente automação do processo de produção, como também, da reorganização técnica de gestão racionalizadora de trabalho em todo o setor produtivo. Intensificou também o processo de privatização de inúmeras empresas estatais provocando a demissão de outro tanto de trabalhadores, que em alguma medida, alocariam-se em empresas contratadas, onde é visível a precarização das relações de trabalho. Este movimento que pôs fim a um modelo econômico baseado no investimento publico e no protecionismo, vem mobilizando cada vez mais os trabalhadores excluídos do

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mercado de trabalho, a encontrar uma saída em relação aos seus problemas de emprego, trabalho e geração de renda, formando associações e cooperativas.

É importante assinalar, que também na década de 90 se observa o surgimento e desenvolvimento das organizações e instituições que apóiam, agregam e articulam todo tipo de empreendimento associativo e cooperativo, como as já citadas: ANTEAG, MST, Incubadoras de Cooperativas Populares, as Federações das Cooperativas de Trabalho (FETRABALHO), Cáritas, além das oficiais já existentes ligadas a esfera governamental, como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Organizações de Cooperativas Estaduais (OCES). Os sindicatos até a década de 90 adotavam uma postura de resistência a este tipo de atividade, por entender que ficariam enfraquecidos, mas esta resistência vem sendo gradativamente quebrada e alguns deles já apóiam abertamente esses empreendimentos econômicos. Segundo Schneider & Vicente (1996:46), “Hoje vários sindicatos se empenham na formação e articulação de grupos, visando à criação de cooperativas habitacionais, de trabalho ou de serviços”.

O processo de crescimento das cooperativas de trabalho na década de 90 pode ser visualizado com os dados da Organização das Cooperativas Brasileiras que apresentamos a seguir.

Tabela II: EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE COOPERATIVAS

Ramo/Anos 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Agropecuário 1.400 1.438 1.402 1.393 1.334 1.378 1.403 1.449 1.408 1.437 1.448

Consumo 344 335 327 311 261 256 241 233 193 191 184

Infraestrutura 204 202 206 196 191 194 209 206 187 184 188

Educacional 112 103 112 101 105 106 176 187 193 210 225

Trabalho 528 566 598 629 825 986 699 1.025 1.334 1.661 1.949

Habitacional 136 161 177 190 176 174 190 231 202 216 222

Crédito 716 724 726 788 809 834 859 882 890 920 966

Saúde 468 530 585 698 757 Especial/Mineral/Produção/Turism 71 108 110 135 145

Total 3.440 3.529 3.548 3.608 3.701 3.928 4.316 4.851 5.102 5.652 6.084

Obs.: de 1990 a 1995 as cooperativas médicas faziam parte do ramo de trabalho. A partir de 1996, elas foram excluídas daquele ramo.

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Evolução do Número de Cooperativas registradas na O CB, desde 1990

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500

1.000

1.500

2.000

2.500

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Agropecuário ConsumoInfraestrutura EducacionalTrabalho HabitacionalCrédito SaúdeEspecial/Mineral/Produção/Turismo

Dentre os 12 ramos de cooperativas existentes, conforme gráfico e tabela 2, a partir

de 1999 as cooperativas de trabalho superam numericamente todos os ramos, deixando em segundo, terceiro e quarto lugar, respectivamente, as cooperativas agropecuárias, de créditos e de saúde. De todos os ramos, apenas três apresentaram crescimento durante a década. As cooperativas de trabalho foram as que mais cresceram, seguidas pelas de saúde e de crédito, apresentando uma taxa de crescimento de 1990 a 2000 de 269%, 61,7% e 35% respectivamente. Mesmo considerando apenas a partir de 1996, quando se separou as cooperativas de saúde das de trabalho, mantém-se a tendência, com uma taxa de crescimento no período de quatro anos de 178,8%. Em síntese, se depreende que as cooperativas de trabalho estão crescendo e ganhando espaço e importância no sistema cooperativista.

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Taxa de Desemprego e nº de Cooperativas de Trabalho

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500

1.000

1.500

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1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Nu

me

ro d

e C

oop

era

tivas

-

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

Ta

xa d

e D

ese

mp

reg

o N.º Cooperativas de Trabalho

Taxa (%) Dieese SP

Linha de tendência (No. de Cooperativas detrabalho)

Linha de tendência (Taxa Dieese SP)

Analisando no mesmo período, o comportamento das taxas de desemprego do

DIEESE-Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos e o número de cooperativas de trabalho (Gráfico acima), é visível a tendência ascendente das duas informações, ou seja, à medida que cresceu a taxa de desemprego, cresceu também o número de cooperativas de trabalho. Esta constatação sedimenta a argumentação já apresentada de que as cooperativas populares se apresentam como forma alternativa de organização dos trabalhadores para propiciar, principalmente, a geração de trabalho e renda.

Dentre a totalidade dos ramos agregados pela OCB, as cooperativas de trabalho figuram como o sexto ramo que mais tem cooperados. Em junho de 2001, o total de cooperados do sistema como um todo era de 4.639.255 e, destes, 297.865 são das cooperativas de trabalho, muito próximo, inclusive, das cooperativas de saúde que apresentaram 300.855 cooperados. Ainda segundo os dados da OCB no mesmo período, as cooperativas de trabalho são o quinto ramo que mais oferece emprego, com um total de 6.993 empregados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O sistema capitalista à medida que se desenvolve, gera cada vez mais modernização

tecnológica, aumenta e concentra riqueza ao mesmo tempo em que dissemina a pobreza. Os vitimados por este processo, precisam de alguma forma, ganhar a vida e reintegrar-se a

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divisão social do trabalho. Atualmente, os meios encontrados com freqüência pelos trabalhadores apontam para as atividades econômicas informais e aquelas associativas e coletivas, que se transformam em empreendimentos onde são proprietários e trabalhadores e que vão competir no mercado com as empresas capitalistas tradicionais. As linhas determinantes da economia popular solidária ainda estão em processo, mas se apresentam como caminhos possíveis. Segundo SINGER (2000:14-5), no processo de construção da economia solidária, os assalariados também se associam entre si e com pequenos produtores, com fins de consumo, poupança, fundos, empréstimos, etc., objetivando melhorar sua qualidade de vida. São também iniciativas de não-capitalistas ou pessoas possuidoras de meios individuais de produção e distribuição, que apenas ganham a vida com a venda de seus produtos e aqueles que vendem sua força de trabalho e dela dependem para a sua manutenção e sobrevivência. O ponto em comum entre as duas categorias de trabalhadores, é que eles dependem das suas atividades produtivas para sobreviverem. Vale lembrar, como disse o citado autor, que a solidariedade é maior entre os pobres que entre os ricos. Portanto, há uma perspectiva positiva nesse processo, que pode explicar inclusive, a expansão recente das atividades econômicas associativas em vários campos e que poderá se estender a todos os campos do sistema econômico.

Pelas investigações e atividades já realizadas, indica-se que o trabalho associado proporciona uma situação de estabilidade aos envolvidos, há muito não sentido nem mesmo pelos trabalhadores empregados, que vêm passando por situações de insegurança pela ameaça sempre presente do desemprego iminente. Também sentida, e ainda mais, por aqueles que estão em postos flexíveis de trabalho, onde se sabe que é temporário e, ora estão integrados ora não, no mercado de trabalho. Para os que já estão na informalidade, tudo passa a depender de seu único esforço, sentindo-se sozinho e à própria sorte, com o peso inclusive da culpa por se encontrar nesta situação, como já apontou Viviane Forrester em seu bestseller O Horror Econômico.

A convivência coletiva permite a que os trabalhadores, ao mesmo tempo em que produzem meio de vida e geram renda, proporciona alguma segurança, visto que deles depende, em grande medida, o seu futuro e o sucesso de seu empreendimento, não mais de um patrão ou empregador ao qual deve obediência. Obviamente, há também riscos e inseguranças, principalmente por tratar-se de situações muitas vezes não vividas ainda, e por estes empreendimentos estarem conectados com o mercado capitalista. Entretanto, penso que propiciam a sensação de, minimamente, não serem surpreendidos com decisões das quais não participam e tampouco tenham acesso e controle. Podem ganhar autoconfiança, até porque, investem tudo de si em si mesmos, além de compartilhar da troca de experiência e conhecimentos acumulados, como também o convívio social, a educação básica e profissionalizante em processo permanente, como é desejável que ocorra.

Outro dado importante a ser considerado neste processo é o fato de outros atores passarem também a atuar nesse cenário em apoio às alternativas econômicas populares. As Universidades, neste caso, através das Incubadoras e da Rede UNITRABALHO, põe seu saber a serviço dos trabalhadores e não do capital, ao menos não diretamente, mas que de toda forma, o sujeito principal é o trabalhador. Cumpre seu papel social, que é de colocar seus conhecimentos buscando soluções para os problemas reais das comunidades nas quais estão inseridas e num plano mais amplo, para os problemas nacionais. Outras instituições nascidas do próprio sistema coletivo, como a ANTEAG, ADS e Federações de Cooperativas populares, desempenham um papel agregador e de fortalecimento das iniciativas econômicas que representam.

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A política neoliberal provocou o efeito desejável ao capital ao exacerbar a acumulação de riqueza e concentração de renda, mas, por outro lado, também exacerbou a precariedade das condições de trabalho e de vida para a grande maioria da população. E, nesse sentido, para que ela mesma tenha um desenvolvimento sustentável, deve deixar de ter um Estado mínimo, como se apregoou, ou seja, nesta situação, exige-se cada vez mais a ação do Estado em termos de políticas públicas que atenda a grande massa de excluídos e de apoio aos empreendimentos produtivos populares. Não se propôs neste texto discutir a efetividade destas políticas, mas vale assinalar, que avaliações já realizadas apontaram serem, no geral, mínimas. De qualquer forma, e o que é pior, são recursos públicos efetivamente gastos, sem o retorno esperado junto à população que dele necessita. Esta contradição lembra a discussão apresentada por ANTUNES (2001:22-8), referenciada na síntese realizada por István Mészáros, sobre o sistema de metabolismo social e seu núcleo constitutivo formado pelo tripé capital, trabalho e Estado4, onde diz que,

é inconcebível emancipar o trabalho sem simultaneamente superar o capital e também o Estado. Isso porque, paradoxalmente, o material fundamental que sustenta o pilar do capital não é o Estado, mas o trabalho, em sua contínua dependência estrutural do capital (...). Enquanto as funções controladoras vitais do metabolismo social não forem efetivamente tomadas e autonomamente exercidas pelos produtores associados, mas permanecerem sob a autoridade de um controle pessoal separado (isto é, o novo tipo de personificação do capital), o trabalho como tal continuará reproduzindo o poder do capital sobre si mesmo, mantendo e ampliando materialmente a regência da riqueza alienada sobre a sociedade. Em síntese, o processo de cooperação produtiva é um dos caminhos que deve ser

trilhado. Ele pode transformar o meio social, queiramos ou não, embora seja um processo de conquista gradativa. Pode fortalecer a democracia e a solidariedade ou apenas estagnar dentro dos limites das relações mercantis e capitalistas dominantes. Mas, o trabalho não perde a centralidade, ao contrário, será disputado dentro dos interesses do capital, e estas atividades econômicas coletivas podem permanecer na periferia ou franjas do sistema, onde o trabalhador nela inserido pode ser ainda mais explorado pela via das subcontratações, ou mesmo pela intensificação do trabalho para os que permanecem formalmente empregados. De qualquer forma, salvo exceção, o imenso número de desempregados, nunca ou dificilmente será transformado em exército ativo enquanto trabalho assalariado no capitalismo neoliberal. Entendemos, portanto, que o desejável e a melhor alternativa seria efetivamente, uma melhor distribuição da riqueza e da renda gerada em escala mundial, visto que, a globalização tem o efeito de concentra-la mundialmente. Entretanto, ainda é preferível ao ser humano dentro deste sistema, o trabalho e o viver coletivo e solidário.

4 Segundo Antunes, “O desafio formulado por István Mészáros é superar o tripé em sua totalidade, nele incluído o seu pilar fundamental, dado pelo sistema hierarquizado de trabalho, com sua alienante divisão social que subordina o trabalho ao capital, tendo como elo de complementação o Estado político”.

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