O contributo do Ensino a Distância na aquisição e ... - revisao de 27... · O mesmo autor refere...

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O contributo do Ensino a Distância na aquisição e aprendizagem do léxico no Português como Língua Estrangeira Liliete Nunes dos Santos Dissertação de Mestrado em Ensino do Português Língua Segunda e Língua Estrangeira Setembro, 2012

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  • O contributo do Ensino a Distncia

    na aquisio e aprendizagem do lxico

    no Portugus como Lngua Estrangeira

    Liliete Nunes dos Santos

    Dissertao de Mestrado em

    Ensino do Portugus Lngua Segunda

    e Lngua Estrangeira

    Setembro, 2012

  • Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de

    Mestre em Ensino do Portugus Lngua Segunda e Lngua Estrangeira,

    realizada sob a orientao cientfica de Ana Maria Martinho Carver Gale

  • Dedicatria Pessoal

    Aos meus pais, por terem feito de mim o que hoje sou e por terem abdicado de tantas

    coisas para me fazerem chegar onde cheguei, ensinando-me que com trabalho e

    persistncia alcanamos os nossos objetivos.

    Ao meu marido, companheiro inquestionvel de todas as horas, pelos seus conselhos,

    pela sua fora e incentivo, e por nunca me deixar desistir.

    minha av, pelo seu carinho de uma vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo Professora Doutora Ana Maria Martinho Carver Gale pela sua orientao,

    apoio, tranquilidade e preciosos e sbios conselhos ao longo da realizao desta

    dissertao.

    Aos meus pais por todo o apoio e incentivo que me tm dado, ensinando-me o valor do

    estudo e do trabalho.

    Ao meu marido, sempre incansvel e disponvel para me apoiar com as suas palavras

    tranquilizantes.

    s minhas companheiras de estudo Liliana Medalha e Cludia Lima pelo apoio,

    amizade e horas de desabafo ao longo da realizao da dissertao.

    Aos meus familiares e amigos pelo apoio que sempre me deram e pela desculpa da

    minha ausncia.

  • O contributo do EAD na aquisio e aprendizagem do lxico

    no Portugus como Lngua Estrangeira

    Liliete Nunes dos Santos

    RESUMO

    A presente dissertao, no mbito do Mestrado em Ensino do Portugus como

    Lngua Segunda e Estrangeira, pretende ser um contributo para a investigao acerca do

    papel do Ensino a Distncia (EaD) no Ensino do Portugus como Lngua Estrangeira

    (PLE), particularmente no que respeita aprendizagem e aquisio do lxico por

    camadas mais jovens da populao em idade escolar, recorrendo modalidade b-

    learning.

    Depois de uma reflexo acerca do lxico, da sua importncia no processo de

    ensino-aprendizagem de LE e de algumas estratgias de reteno lexical, com especial

    enfoque numa abordagem lexical, proceder-se- explanao do conceito de EaD,

    apresentao da evoluo diacrnica e modelos tericos, bem como das modalidades

    deste tipo de ensino. Ainda se apresentar uma reflexo sobre o construtivismo, o

    conexionismo e a aprendizagem colaborativa na modalidade de b-learning, ponderando,

    seguidamente, de que forma que este tipo de modalidade adaptvel ao ensino-

    aprendizagem do lxico de PLE. Para tal proceder-se- anlise de algumas das

    ferramentas das TIC com a finalidade de comprovar a sua aplicabilidade no EA de LE,

    recorrendo s funcionalidades da plataforma Moodle e do software Hotpotatoes.

    PALAVRAS-CHAVE: Lxico, Ensino a Distncia, B-Learning, Moodle, Ferramentas

    TIC, Hotpotatoes.

    ABSTRACT

    The following dissertation within the Master in Teaching Portuguese as a Second

    and Foreign Language, aims at being a contribution to research on the role of Distance

    Education (DE) in the teaching of the Portuguese Language as a foreign language

    (TPLFL), particularly when it comes to the learning and acquisition of the lexicon by

    the youngest members of the population in school, through b-learning.

    After reflecting about the lexicon and its importance in the teaching and learning

    process of a foreign language and some of the strategies of lexical learning, we shall

    proceed to the explanation of the concept of DE, to the presentation of the diachronic

    evolution and theoretical models, as well as the modalities of this teaching method. We

    will also present a reflexion on constructivism, and collaborative learning in the b-

    learning modality, also discussing how this kind of modality is adaptable to the

    teaching and learning of the lexicon. For that purpose, we shall analyze some tools used

    in ICT, by using the Moodle platform and the Hotpotatoes softwares functionalities.

    KEY-WORDS: Lexicon, Distance Education, B-Learning, Moodle, ICT, Hotpotatoes.

  • NDICE

    Introduo 1

    Captulo I 5

    O lxico no ensino-aprendizagem de lnguas estrangeiras 5

    1. Perspetiva diacrnica 5

    2. Lxico, vocabulrio e gramtica 8

    3. Importncia do lxico no ensino L2 17

    4. Unidades lexicais 18

    4.1 O que uma palavra? 18

    4.2 Lexical Chunks 22

    5. Instruo e estratgias de aprendizagem - transformao do Input em Intake 25

    5.1 Aquisio ou aprendizagem? A importncia do input. 25

    5.2 A consciencializao lingustica 27

    5.3 Reviso/reciclagem a importncia do bloco-notas lexical 32

    6. O ensino de lnguas baseado em tarefas 35

    6.1 O que so tarefas? 35

    6.2. Tipos de tarefas 36

    6.3 Organizao e sequncia das tarefas 38

    6.4 Planeamento das tarefas 39

    Captulo II 41

    O Ensino a Distncia na aquisio e aprendizagem do PLE 41

    1. O que a educao/ensino a distncia (EaD)? 41

    1.1 Modalidades de EaD: e-learning e b-learning 45

    2. As teorias de aprendizagem e o b-learning 51

    2.1 O construtivismo 51

    2.2 O conetivismo 52

    3. A aprendizagem colaborativa 54

    4. O papel do professor no EaD 55

    5. Contextos de aprendizagem 58

    6. A Moodle e a aprendizagem do PLE 61

    6.1 Atividades e Ferramentas 62

    6.1.1 WebQuest 62

    6.1.2 Wikis e Blogues 65

    6.1.3 Glossrio 69

  • 6.1.4 Hotpotatoes 70

    Consideraes finais 73

    BIBLIOGRAFIA i

    ANEXOS xiii

    Anexo 1 xiv

    Anexo 2 xxi

    Anexo 3 xxii

    Anexo 4 xxiii

    Anexo 5 xxiv

    Anexo 6 xxvi

    Anexo 7 xxvii

    Anexo 8 xxviii

    Anexo 9 xxxi

    Anexo 10 xxxiii

    Anexo 11 xxxiv

    Anexo 12 xxxv

    Anexo 13 xxxvi

    Anexo 14 xxxvii

    Anexo 15 xxxviii

    Anexo 16 xli

    Anexo 17 xlii

    Anexo 18 xlvi

    Anexo 19 li

    Anexo 20 lvi

    Anexo 21 lviii

    Anexo 22 lix

    Anexo 23 lxiv

    file:///I:/mestrado/dissertao/capitulos/juno_tudo/27Setembro/Liliete%20-%20revisao%20de%2027.09.2012.docx%23_Toc336564804

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ASL: AQUISIO DE SEGUNDA LNGUA

    EA: ENSINO-APRENDIZAGEM

    EaD: ENSINO/EDUCAO A DISTNCIA

    L1: LNGUA MATERNA

    L2: LNGUA SEGUNDA

    LE: LNGUA ESTRANGEIRA

    LM: LNGUA MATERNA

    LMS: LEARNING MANAGEMENT SYSTEM

    PLE PORTUGUS LNGUA ESTRANGEIRA

    PLNM: PORTUGUS LNGUA NO MATERNA

    QECR: QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERNCIA

    S/P.: SEM PGINA

    SEGS.: SEGUINTES

    TIC: TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO

    WQ: WEBQUEST

    WWW: WORLD WIDE WEB

  • Diz-me, eu esquecerei.

    Mostra-me, eu lembrar-me-ei.

    Envolve-me, eu compreenderei.

    (Provrbio chins)

  • 1

    INTRODUO

    Desde a segunda Guerra Mundial que o Mundo conheceu mudanas

    avassaladoras, tendo-se tornado mais aberto e permitindo uma maior circulao de bens

    e pessoas. Esta abertura tornou-o um espao onde as vrias lnguas e culturas

    contactam, interagem, se misturam. Portugal desde sempre foi um pas que se pautou

    pelo contacto intercultural, assistindo sada de muitos nacionais em busca de outras

    condies de vida e tambm entrada de muitos imigrantes. Toda esta movimentao

    de bens e pessoas reflete-se tambm no panorama lingustico portugus, conduzindo a

    uma nova forma de encarar a Lngua Portuguesa. Neste panorama surgem as

    designaes de Lngua Materna (LM/L1) e Lngua no Materna (LNM), conceito que

    por sua vez se divide em Lngua Segunda (L2) e Lngua Estrangeira (LE).

    Para Saussure (1992:34-35) a lngua um conjunto social da faculdade da

    linguagem e de concees necessrias adotadas pelo corpo social para permitir aos

    indivduos o exerccio dessa faculdade. Este sistema homogneo estrutura a fala e, por

    isso, est sujeito a constante modificao encetada pelos prprios falantes que desde o

    nascimento a adquirem e aprendem. A LM a lngua de referncia a partir da qual os

    indivduos constroem as estruturas lingusticas. Segundo Stern (1983) a definio de

    LM supe vrios fatores. Em primeiro lugar a lngua adquirida pelo indivduo na

    infncia, no seio familiar, com a qual existe maior proximidade e afetividade; depois,

    para esta definio contribui a questo da proficincia lingustica, j que se supe que o

    indivduo domine de forma bastante aceitvel a sua lngua. Mas estes fatores no so

    determinantes para a definio de LM, existindo associados a eles outros de alguma

    complexidade. O mesmo autor refere que, embora L2 e LE sejam aprendidas em

    contexto formal, depois de os falantes j dominarem L1, o que as distingue o facto de

    L2 ser uma lngua no nativa que aprendida (em contexto de imerso) e utilizada em

    determinado pas, desempenhando funes sociais, polticas e econmicas, sendo, por

    isso, lngua oficial. Por sua vez, LE refere-se lngua no nativa que ensinada

    formalmente, frequentemente por professores no nativos, mas apenas utilizada fora do

    territrio nacional. Para Crispim (1990, citada por Carvalho e Delgado, 2010:6), embora

    no estdio de aprendizagem inicial os mtodos e estratgias de ensino coincidam em L2

    e LE, ao longo do tempo a utilizao mostra diferenas, sendo possvel afirmar que em

    relao a uma lngua estrangeira, existe apenas uma aprendizagem, enquanto no que se

    refere a uma L2, existe apropriao. Estas definies parecem claras e inequvocas,

  • 2

    mas a literatura acerca do tema (cf. Leiria, 1999) no as trata dessa forma,

    problematizando a questo no sentido de esclarecer que as definies no podem ser

    encaradas de forma linear, uma vez que a sua caracterizao influi no ensino-

    aprendizagem (EA). Esta questo conduziria a muitas outras abordagens que, de

    momento, no se prendem com o teor do nosso trabalho. Assim, adotamos a distino

    mais comum, partindo do princpio de que ensinar portugus LE ensinar a non-native

    language taught in school that has no status as a routine medium of communication in

    that country (Crystal, 1995:368), com as reservas que isso impe. A aprendizagem de

    LE depara-se com algumas fragilidades em relao a L2, nomeadamente o facto de os

    alunos no se encontrarem em situao de imerso, o que requer no s a adoo de

    estratgias pedaggicas diferentes das eventualmente adotadas no ensino de L2, mas

    tambm o recurso a instrumentos motivadores da aprendizagem. Neste mbito, as

    tecnologias de informao e comunicao (TIC) podem dar um enorme contributo para

    o envolvimento do aprendente no seu processo de EA, fazendo dele uma pea

    fundamental do seu sucesso.

    Com o advento da World Wide Web alterou-se a forma como se acede

    informao e como se comunica com os outros. A rede passou a ser encarada como um

    espao de partilha, um contributo para o desenvolvimento coletivo e para a

    democratizao da informao. O seu avano reveste-a de uma nova roupagem: as

    pginas montonas deram lugar associao de imagens, som e vdeo; depois, o

    cidado foi puxado para dentro da rede e com a inovao dos recursos passou a poder

    publicar as suas ideias e investigaes, e interagir com os outros cibernautas a Web

    2.0 surgia. As redes sociais foram as principais responsveis pela nova fisionomia da

    rede e escrever online passou a ser prtica comum e estimulante. O ensino no ficou

    imune a essa revoluo que, de certa forma, tambm o transformou. A evoluo do

    sistema meditico e das TIC, e a forma como os digital natives (Prensky, 2001) ou n-

    gen (net generation) (Tapscott, 2008) interagem com estes sistemas, impulsionou o

    sistema educativo a mudar tambm, pois este no pode conformar-se em ter as aulas

    contidas em quatro paredes, fechadas para o mundo tem de se abrir ao exterior. Os

    novos alunos, pertencentes gerao da rede, das tecnologias mveis, do social

    networking e do social bookmarking, tm exigncias diferentes, encaram o trabalho, a

    aprendizagem e a diverso de outra forma e absorvem rapidamente a informao, em

    vdeo, imagens, texto, de muitas fontes em simultneo, esperando uma resposta

    instantnea. Naturalmente esto sempre em contacto com uma comunidade de amigos

  • 3

    que tanto podem estar na porta ao lado como do outro lado do mundo (Downes, 2005).

    A net generation vida de informao, de interao e de novidade, e necessita de

    motivao constante. No admira, portanto, que o ensino deva estar cada vez mais

    centrado nestes aprendentes e nas suas necessidades, o que contribui para o acentuar da

    mudana de paradigma educacional. A aprendizagem de LE no apresenta um

    panorama diferente e o Ensino a Distncia (EaD), pode ser o fator decisivo para o

    estmulo dos aprendentes e um contributo para a sua evoluo. Quando decide aprender

    uma lngua estrangeira, o aluno impelido pela necessidade de comunicar que

    colmatada atravs do domnio da competncia comunicativa, a qual congrega um

    conjunto de competncias lingusticas, sociolingusticas, pragmticas e estratgicas.

    Para que estas competncias sejam desenvolvidas cabe ao professor de LE encontrar

    formas apelativas e motivadoras de proporcionar o contacto com a lngua alvo, porque

    s assim o aluno se disponibilizar para aprender. Por outro lado, os papis do aluno e

    do professor sofreram alteraes, assim como o prprio ensino, que abandonou a

    postura tradicional do ensinar a fazer debitando conceitos e regras que os alunos

    ouviam e esqueciam para abraar a ideia de ensinar a saber-fazer. A mudana de

    paradigma centra a aprendizagem no aprendente, na sua capacidade de ao e

    construo do seu prprio conhecimento, o que implica uma interatividade latente na

    aula de LE. Essa interatividade pode encontrar o seu lugar tambm atravs do EaD, das

    TIC e das suas ferramentas, cabendo ao professor instaurar essa mudana. Se verdade

    que as novas tecnologias contriburam para uma alterao radical na teoria educacional,

    no menos certo que tambm a mudana de paradigmas na educao influenciou

    bastante o uso da tecnologia do EaD. Deste ecletismo nasce o seu contributo para a

    aprendizagem das lnguas estrangeiras, nas quais se inclui o PLNM.

    A conjuntura apresentada motivou-nos a traar como objetivo desta dissertao

    contribuir para a investigao acerca do papel desempenhado pelo EAD no Ensino do

    Portugus como Lngua Estrangeira (PLE), particularmente no que respeita

    aprendizagem e aquisio do lxico. Este elemento a pedra basilar de qualquer lngua

    que permite ao indivduo entender e fazer-se entendido, que o integra e o torna

    permevel a um meio e uma cultura que no so seus, mas dos quais se pode apropriar

    atravs do conhecimento lingustico e para os quais contribui com o seu saber. A opo

    de abordar o ensino de PLE prende-se com o facto de a posio em que se encontra o

    aprendente face aquisio e aprendizagem da lngua ser desafiadora no que se refere

    adoo de estratgias mais eficazes para o ensino da lngua, uma vez que no se

  • 4

    encontrando em contexto de imerso o contato com a lngua-alvo ter de ser mais

    permanente, incisivo e eficaz, e, por isso, mais motivador. Atravs da fundamentao

    terica esperamos contribuir para mostrar que o EaD, na sua modalidade de b-learning,

    um aliado poderoso no ensino do PLE, particularmente nas camadas jovens da

    populao em idade escolar. Se, por um lado, a adoo desta modalidade, que combina

    o ensino presencial com o ensino a distncia, contribui para a motivao e autonomia do

    aluno, por outro permite regular o processo de EA de um pblico-alvo cujo grau de

    independncia ainda no elevado. Neste mbito, o contributo das vrias ferramentas

    das TIC permite criar uma multiplicidade de cenrios de aprendizagem que vo de

    encontro s necessidades dos aprendentes. A disseminao das plataformas de

    aprendizagem das quais a Moodle uma das principais representantes possibilita

    uma gesto eficaz do ensino e a utilizao de um conjunto de ferramentas que apelam

    construo do saber, criao de uma rede de conhecimentos e colaborao e

    interao entre professores e alunos, e entre pares. As Webquest, as wikis, os blogues,

    os glossrios e softwares como o Hotpotatoes comeam a assumir um papel importante

    no EA das lnguas, sendo imperioso refletir sobre a sua utilizao neste mbito.

    De forma a atingir os objetivos a que nos propusemos, a presente dissertao

    encontra-se organizada em dois momentos. Numa primeira parte apresentaremos uma

    perspetiva diacrnica acerca do papel que o lxico tem desempenhado no EA de lnguas

    estrangeiras, concentrando-nos de seguida nas noes de lxico, lxico mental,

    gramtica e vocabulrio para posteriormente refletirmos sobre a importncia da

    aquisio e aprendizagem lexical em LE. Ainda nesta primeira parte cederemos

    particular importncia s unidades lexicais, nomeadamente do ponto de vista da

    abordagem lexical, para de seguida nos debruarmos sobre algumas estratgias de

    transformao do input em intake. Por ltimo, deter-nos-emos sobre o ensino de LE

    baseado em tarefas, adotando as perpetivas de Ellis (2003) e Nunan (2004).

    A segunda parte desta dissertao dedicada ao EaD, nomeadamente sua

    definio, evoluo diacrnica e modelos tericos de ensino, e modalidades. Ainda

    nesta fase discerniremos acerca de duas das teorias de aprendizagem mais relevantes na

    rea do EaD (o construtivismo e o conexionismo), bem como sobre a importncia da

    aprendizagem colaborativa. Neste contexto no olvidamos o papel do professor nem a

    relevncia dos contextos de aprendizagem. Por ltimo, analisaremos a importncia e

    eficcia da utilizao de algumas ferramentas das TIC na aquisio e aprendizagem do

    lxico em LE.

  • 5

    CAPTULO I

    O lxico no ensino-aprendizagem de lnguas estrangeiras

    1. Perspetiva diacrnica

    Ao aprender uma lngua, o que os indivduos procuram a capacidade para

    comunicar com o outro, para entenderem e serem entendidos. Para que isso acontea

    existe um conjunto de elementos que os aprendentes precisam de conhecer e que fazem

    de uma lngua o que ela . Assim, necessitam de adquirir competncias mais gerais

    conhecimento declarativo e capacidades e competncias de realizao (QECR:147 e

    segs.) e competncias lingusticas (ao nvel lexical, gramatical, semntico, fonolgico,

    ortogrfico e ortopico), sociolingusticas e pragmticas. Todas elas so importantes

    para o domnio da lngua, mas nem sempre ao longo da histria do EA de lnguas

    estrangeiras foram abordadas da mesma forma.

    A tendncia tem sido, at h relativamente pouco tempo, relegar a competncia

    lexical para um plano mais distante, considerando o vocabulrio como um aspeto

    secundrio na aprendizagem de uma LE, sendo dada a primazia gramtica e fontica.

    Nos ltimos anos tem-se assistido a uma mudana de paradigma, que transformou o

    lxico na prioridade do EA de lnguas estrangeiras. Leiria (2001a:158) afirma que as

    investigaes na Aquisio de Lngua Segunda1 (ASL), apoiadas pelo desenvolvimento

    da Psicologia, da Neurolingustica e da Psicolingustica, apontam para uma pedagogia

    baseada numa abordagem comunicativa com o ensino centrado no lxico, o que

    demonstra a importncia que este tem adquirido. Para compreender melhor esta

    mudana, torna-se necessrio recuar no tempo2 para verificar o papel que o EA do

    lxico tem tido at ao presente. Segundo Vallejo (2005) podero distinguir-se trs fases

    que configuram a histria do EA do lxico: uma primeira fase (sculo XVIII at

    dcada de 70)3, em que se assistia ao domnio das estruturas lingusticas e listas de

    palavras; uma segunda fase (dcada de 70 at meados dos anos 80), em que ocorre a

    valorizao do lxico, e a ltima fase (desde meados dos anos 80 at aos nossos dias),

    em que se aprofundam as investigaes sobre a aquisio e aprendizagem lexical, as

    unidades lexicais e as estratgias de aprendizagem. De cada uma das etapas fazem parte

    1 Os estudos efetuados na rea no efetuam a oposio entre LE e LS, utilizando o ltimo termo para as

    duas realidades. 2 Para um conhecimento mais aprofundado sobre a histria do ensino das lnguas estrangeiras, poder-se-

    o consultar os seguintes autores: Germain (1993); Larsen-Freeman (2000); Richards e Rodgers (2001);

    Stern (1983). 3 Stern (1983) efetua uma diviso temporal diferente, assumindo que o primeiro perodo abrange os anos

    entre 1880 e1920; o segundo entre 1920 e 1940; o terceiro situa-se entre 1940 e 1970 e um quarto perodo

    chega aos anos 80. Optmos por seguir a diviso de Vallejo (2005).

  • 6

    vrios mtodos e abordagens (Anexo1) que sucintamente passaremos a expor. Na

    primeira etapa encontram-se includos o Mtodo da Gramtica-Traduo, o Movimento

    da Reforma, o Mtodo Direto, os Mtodos da Leitura e do Ensino Situacional e o

    Mtodo udio-Oral (tambm referenciado como mtodo aural-oral e audiolingual

    (Leiria, 2001a; Richards e Rodgers, 1986; Stern, 1983). De uma forma geral estes

    mtodos caracterizam-se por considerar prioritrio o ensino das estruturas lingusticas e

    o treino da pronncia. Este efetuava-se recorrendo repetio de expresses ou frases

    proferidas por falantes nativos ou pelo prprio professor. O lxico era considerado um

    aspeto secundrio da lngua, porque no apresentava quaisquer regras de utilizao e,

    por isso, o seu estudo era feito atravs listas de palavras, organizadas de acordo com

    princpios estruturais, que os alunos aprendiam memorizando. A seleo recaa sobre os

    termos mais frequentes e mais simples, pois se fossem demasiado complexos os

    aprendentes poderiam desviar a sua ateno da estrutura. Para alm disso, os termos

    surgiam descontextualizados, considerando-se que o seu significado seria adquirido no

    contexto em que fossem utilizadas. Os aprendentes, como falantes experientes de L1,

    apenas teriam de fazer a transferncia das formas e dos contedos para LE, pois

    acreditava-se que estruturalmente as lnguas eram semelhantes (anlise contrastiva).

    Assim, verifica-se que o lxico surgia subordinado gramtica, sendo a expanso

    lexical uma fase posterior apreenso das estruturas lingusticas.

    A partir de finais de 1960 vrios linguistas apontaram crticas aos mtodos

    utilizados at ento no ensino das LE, nomeadamente sua base estruturalista de

    descrio da lngua, teoria comportamental de aprendizagem (behaviorismo) e

    desarticulao entre ambas. Esses linguistas defendiam que a finalidade da

    aprendizagem de uma lngua dever ser, em primeiro lugar, a comunicao. Para o

    declnio do modelo contriburam tambm as mudanas ocorridas na lingustica

    americana com a teoria de Noam Chomsky, embora esta no esteja diretamente

    relacionada com a mudana de paradigma no ensino das lnguas. Segundo os defensores

    da gramtica generativa transformacional, o processo de aprendizagem de uma lngua

    no pode ser originado por imitao de um comportamento, pois o ser humano consegue

    produzir enunciados nunca antes ouvidos, mas criados a partir de conhecimentos

    anteriores e regras abstratas (cognitivismo). Nos anos setenta, a questo do ensino do

    vocabulrio comea a intensificar-se e em 1976, Richards coloca a questo O que

    saber uma palavra? e Meara (1980) nota que at poca havia alguns estudos acerca

    da aquisio do vocabulrio, que eram pouco claros e se apresentavam largely

  • 7

    atheoretical and unsystematic (Meara, 1980:1). Assim, iniciava-se uma fase urea na

    valorizao do EA do lxico, em que a preocupao era gerir a sua aprendizagem,

    estabelecendo-se os seus limites e extenso, e tendo em conta os mtodos de ensino.

    Krashen e Terrel (1983) valorizam a comunicao e nela o papel do vocabulrio;

    introduzem a ideia de que a aquisio do vocabulrio ocorre naturalmente, atravs da

    exposio a um input rico e compreensvel, adquirido essencialmente atravs da leitura

    (Reading Hypothesis). Esta viso desencadeou vrios estudos que conduziram ideia de

    que o lxico j no um conjunto de palavras isoladas, mas um recurso rico e

    complexo. Esta fase preparava j a seguinte, que se estende at aos nossos dias, cuja

    preocupao reside no conhecimento da estrutura dos elementos lexicais, no processo de

    aprendizagem e na sua qualidade, bem como na compreenso dos contextos em que

    surgem as palavras. De entre as propostas que tentaram explicar a estrutura dos itens

    lexicais, destaca-se a Abordagem Lexical, que se baseia no princpio da existncia de

    palavras que se combinam com outras para originar sentidos, como se fossem um s

    elemento. Termos como chunk4, multipalavras e colocaes passaram a ser

    frequentes na literatura. Nattinger e DeCarrico (1992) introduziram o conceito de frase

    lexical, no qual se deveria basear o ensino das LE. Lewis (1993) refere que a lngua

    constituda por chunks e que saber colocaes5 imprescindvel para o conhecimento

    lexical. A produo lingustica mais do que a subjugao s regras gramaticais, mas

    passa pela recuperao na memria de unidades maiores que a palavra. Lxico e

    gramtica ganham afinidades e deixam de ser considerados termos opostos, mas antes

    aliados na aprendizagem da lngua. A partir da, outras vertentes comearam a ser

    exploradas, ganhando destaque nos nossos dias a abordagem comunicativa, com pendor

    lexical, sobre a qual nos debruaremos mais adiante, assim como o ensino baseado em

    tarefas.

    A forma diferente como o lxico comeou a ser encarado no processo de EA das

    LE colocou vrias questes sobre algo at ento pouco explorado qual a verdadeira

    natureza do lxico. Por isso, antes de entender como se processa a sua aprendizagem

    imperioso entender a amplitude do termo.

    4 Literalmente o termo significa bocados e neste contexto refere-se a uma sequncia contnua ou

    descontinua de palavras ou outros elementos com significado que surgem combinados. Utilizaremos o

    termo em ingls, pois consideramos que em portugus no h uma traduo que expresse esta ideia. 5 De uma forma simplificada, a noo de colocao pode ser explicada como a coocorrncia frequente

    de determinados itens lexicais que ao nvel sintagmtico se influenciam.

  • 8

    2. Lxico, vocabulrio e gramtica

    Numa primeira abordagem, quando pensamos em lxico associamos o conceito a

    dicionrio, ou seja, a um conjunto de palavras que uma determinada lngua possui e

    que os falantes tm sua disposio para se expressarem oralmente ou por escrito

    (Willis, 1990). Ao consultarmos o dicionrio online da lngua portuguesa (Priberam.pt),

    deparamo-nos com as seguintes informaes acerca da palavra lxico: Conjunto

    virtual das unidades lexicais de uma lngua; compilao de palavras de uma lngua; =

    vocabulrio. Nestas definies, so atribudas trs caractersticas do lxico que podem

    ser analisadas atravs da reviso de alguma literatura acerca deste tema e que nos

    permitem discuti-las, a saber: virtual; composto por unidades lexicais; sinnimo de

    vocabulrio. Atravs da perspetiva diacrnica abordada anteriormente, verifica-se que o

    conceito de lxico foi tratado de forma vaga, sendo encarado pela Lingustica como

    uma entidade vasta e imprecisa, estruturado segundo leis mal conhecidas e diferentes

    segundo o ponto de vista (Leiria, 2001a:31). Com o desenvolvimento da gramtica

    generativa, o lxico passou a ser alvo de alguma ateno, sendo considerado um

    sinnimo de dicionrio da lngua, definido como um conjunto de morfemas lexicais

    ou lexemas (unidades mnimas portadoras de sentido) constitudos por sries de traos

    que os distinguem e caracterizam. Para Lewis (1997a: 20), o lxico possui um carter

    mais abrangente, pois engloba single words and multi-word objects which have the

    same status in the language as simple words, the items we store in our mental

    lexicons ready for use. Esta ideia partilham tambm Mateus e Villalva (2006),

    acrescentando ainda que do lxico fazem parte unidades menores do que as palavras que

    servem para formar novas palavras, bem como as expresses sintticas e idiomticas.

    Estas caractersticas fazem do lxico a base de construo e compreenso dos

    enunciados lingusticos. Lewis (1997a:20) distingue ainda o lxico utilizado na escrita

    do lxico falado (spoken lxicon), referindo que do primeiro fazem parte palavras mais

    raras e complexas, que se usam menos, e do segundo unidades pr-fabricadas e

    arbitrrias, aparentemente construdas de acordo com as palavras mais frequentes da

    lngua. Vilela (1995a:13) define lxico sob duas perspetivas: a comunicativa e a

    cognitivo-representativa. No que respeita primeira, diz que o lxico o conjunto das

    palavras por meio das quais os membros de uma comunidade lingustica comunicam

    entre si. Do ponto de vista cognitivo-representativo apresenta o lxico como a parte

    da lngua que primeiramente configura a realidade extralingustica e arquiva o

    saber lingustico duma comunidade. Assim, de uma forma geral, para o autor o

  • 9

    lxico o repositrio do saber lingustico e ainda a janela atravs da qual um povo v

    o mundo. Um saber partilhado que apenas existe na conscincia dos falantes duma

    comunidade. (1994:10). Tambm Figueiredo e Bizarro (1997a:116) compartilham

    destes pontos de vista, conferindo ao lxico uma dimenso que abarca o conhecimento

    lingustico e tambm o envolvimento cultural e social que o indivduo tem com o

    mundo que o rodeia. Desta forma, o conhecimento lexical constitui uma das etapas para

    que possa efetivamente ocorrer a comunicao entre os indivduos e se d o

    conhecimento do outro e do meio envolvente.

    Atravs das definies apresentadas, observa-se que est muito presente a ideia de

    que lxico e indivduo so duas realidades que esto em constante interligao,

    influenciando-se mutuamente. O saber lingustico e o conhecimento que o indivduo

    tem do mundo vo sofrendo alteraes, refletindo o lxico todas as modificaes ao

    nvel poltico, social, econmico cultural e cientfico, o que permite concluir que um

    sistema aberto. Desta forma, podemos encarar o lxico como um conjunto virtual de

    todas as palavras de uma lngua, isto , o conjunto de todas as palavras da lngua, as

    neolgicas e as que caram em desuso, as atestadas e aquelas que so possveis tendo em

    conta os processos de construo de palavras disponveis na lngua. (Correia e Lemos,

    2005: 9). Assim, conclui-se que impossvel dissociar indivduo e competncia lexical,

    pois toda a sociedade e cultura de um determinado povo podem afetar e ser afetadas

    pelas alteraes sofridas pelo lxico. Esta influncia mtua ocorre subtilmente, o que

    torna quase impossvel determinar com rigor a extenso do lxico de qualquer lngua,

    sendo que a dimenso dos itens lexicais encerra muito mais do que traos puramente

    lingusticos. A partir do referido, pode concluir-se que o lxico ilimitado no espao e

    irrestrito na adequao ao real, uma vez que contm todos os registos de lngua.

    As noes de lxico e vocabulrio sobrepem-se frequentemente. No que diz

    respeito ao conceito de vocabulrio, Lewis considera que a sua noo comum como

    um conjunto de palavras com significado fixo dever ser ampliada, estendendo-se ao

    stock of lexical items, which we hope will one day be codified in lexicons which take

    account of this extended understanding of the real building-blocks of the language.

    (1997a:220). Para Hatch e Brown (1995:1, citados por Leiria, 2001a) o vocabulrio

    consiste no conjunto de palavras que os indivduos falantes de uma lngua podem usar,

    ideia partilhada por Correia e Lemos (2005:9) para os quais o vocabulrio o conjunto

    factual de todos os vocbulos atestados num determinado registo lingustico, isto , o

    conjunto fechado de todas as palavras que ocorreram de facto nesse discurso.

  • 10

    Simplesmente a partir destas definies constatamos existir j uma diferena apontada

    entre lxico e vocabulrio: aquele um organismo aberto, o vocabulrio uma classe

    fechada. Vilela, na sua obra Lxico e Gramtica (1995b: 13), confirma este carter

    restrito do vocabulrio, referindo que o conjunto dos vocbulos realmente existentes

    num dado lugar e num determinado tempo, ambos absorvidos por uma comunidade

    lingustica. Nesta perspetiva, o lxico corresponde ao geral, ao social e ao

    fundamental enquanto o vocabulrio o particular, o individual e o acessrio. (Vilela,

    1995b:13). A partir daqui, depreendemos que cada indivduo constri o seu vocabulrio

    utilizando o conjunto de unidades lexicais que tem ao seu dispor e que esto sempre

    sujeitas a alterao e enriquecimento. A este propsito, Hudson (1974), citado por

    Aitchinson (1987:12), refere que ilimitada a quantidade de informao que pode ser

    associada a um item lexical, sendo possvel dizer que o indivduo ao selecionar e utilizar

    o vocabulrio est a faz-lo de acordo com os seus prprios princpios, criando e

    expandindo a sua prpria identidade. Ao beber do lxico, o usurio tem a possibilidade

    de enriquecer cada vez mais o seu vocabulrio, aumentando as possibilidades de escolha

    da unidade lexical mais apropriada em situao comunicativa.

    Para Leiria a distino entre lxico e vocabulrio , de certa forma, fictcia, uma

    vez que o vocabulrio no uma entidade diferente do lxico mental, mas sim uma

    parte dele (2001a:170). Para entendermos a sua afirmao necessrio perceber o que

    o lxico mental. Ayto (citado por Aitchinson 1987:13) refere que The words largest

    data bank of examples in context is dwarfed by the collection we all carry around

    subconsciously in our heads. Esta metfora explica a ideia subjacente ao conceito de

    lxico mental6, ou seja, que os falantes tm sua disposio um armazenamento de

    palavras ao qual recorrem para produzir um discurso num determinado momento

    (Oldfield, 1966). Porm, esta viso do lxico mental como um simples repositrio de

    itens contestada, dado que, aceitando o princpio de que o lxico mental apenas um

    repositrio, um armazm, como se explicaria a reteno das constantes modificaes a

    que o lxico est sujeito? (Bernardo, 2010). Esta questo s pode ser colocada tendo em

    conta os avanos alcanados na investigao na rea do lxico que analisam as suas

    vrias vertentes, isto porque quando um indivduo comunica coloca em prtica um

    determinado conjunto de conhecimentos lingusticos (propriedades fonticas, lexicais,

    sintticas e semnticas das unidades lexicais) e extralingusticos. Sobre a noo de

    6 Este conceito foi introduzido por R.C. Oldfield no artigo "Things, Words and the Brain" (Quarterly

    Journal of Experimental Psychology, v. 18, 1966).

  • 11

    lxico mental, diz-nos o Longman Dictionary of Linguistics (Richards e Schmidt,

    2002:327), de forma muito sucinta, que a persons mental store of words, their

    meanings and associations.

    A propsito deste conceito Aitchinson (1987:10 e segs.) no deixa de comentar o

    quo interessante designarmos esta capacidade de armazenamento como lxicon (do

    grego dicionrio), uma vez que etimologicamente o significado da palavra no se

    aplica ao que sucede no crebro humano. O autor comprova que o lxico mental, ao

    contrrio do que acontece com o dicionrio, no est organizado alfabeticamente, nem

    permite constatar o nmero de itens lexicais que um indivduo conhece. Por outro lado,

    est sempre atualizado, acompanhando as alteraes que sofre o prprio lxico (seja ao

    nvel do significado, da pronncia, da grafia dos itens lexicais, da sua substituio por

    outros ou da adio de mais itens), funcionando como uma espcie de charneira entre

    as estruturas conceptuais (conhecimento do mundo) e as lingusticas (conhecimento

    lingustico) (Bernardo, 2010:29). Ainda como capacidade do lxico mental, Aitchinson

    (1987) destaca o facto de o ser humano ser capaz de estabelecer relaes entre as

    palavras, ter a noo da sua frequncia e adequao de uso, reconhecer vrias

    possibilidades de organizao sinttica das frases e alteraes da pronncia, aspetos que

    no podem ser encontrados nos dicionrios comuns. Estas caractersticas revelam que

    do nosso lxico mental fazem parte o conhecimento declarativo7 e o conhecimento

    processual. O primeiro o conhecimento terico que o indivduo possui, resultante da

    experincia (conhecimento emprico) e de uma aprendizagem mais formal

    (conhecimento acadmico) (QECR:31). Este tipo de conhecimento est associado

    memria explcita, uma vez que dele fazem parte as memrias das quais temos

    conscincia e que declaramos. Quanto ao conhecimento processual, o que

    compreende todos os processos cognitivos que estruturam e classificam as percees,

    procedem a categorizaes, hierarquizaes e abstraes, levam a automatismos e

    ativao de estratgias8, de modo a permitir o rpido estabelecimento e a ativao de

    conexes entre as informaes recebidas (Bernardo, 2010:30).

    O conhecimento processual, relacionado com a memria processual,

    considerado implcito, pois baseia-se na anlise de factos (ao em si) tendo como

    7 Estas componentes do conhecimento foram definidas em 1978 por Donald Norman e David Rumelhart

    no artigo Accretion, tuning and restructuring: Three modes of learning Muitos linguistas, segundo

    Leiria (2001b) no esto de acordo quanto a estas designaes no que respeita aprendizagem de LE. 8 Segundo a definio do QECR (2001:30) Estratgia qualquer linha de ao organizada, regulada e

    com uma finalidade determinada pelo indivduo para a realizao de uma tarefa que ele escolhe ou com a

    qual se v confrontado.

  • 12

    princpio o conhecimento declarativo. Assim, o conhecimento processual a aplicao

    do conhecimento declarativo, o que ocorre de forma automtica, mas cuja transposio

    tem de ser aprendida. Neste ponto salienta-se a posio de Paradis (referenciado por

    Leiria, 2001b), que alerta para o facto de esta automatizao no residir na passagem do

    conhecimento declarativo para o processual, mas sim na capacidade de produzir

    sequncias corretas de palavras. O mesmo autor explica que o conhecimento implcito

    processual e o conhecimento explcito declarativo esto relacionados com tipos

    diferentes de memria, tm diferentes contedos e, por isso, um no se transforma no

    outro. A noo da existncia destes dois tipos de conhecimento revela-se de extrema

    importncia, na medida em que proporcionar um melhor entendimento acerca da

    necessidade de desenvolver certas estratgias de ativao lexical.

    A partir daqui, poderemos adotar uma definio de lxico mental mais alargada,

    proposta por Bernardo (2010:29):

    O lxico mental designa aquela parte da memria semntica (onde se

    armazenam os conceitos) que processa, de forma interativa e paralela, a

    informao fornecida por cada palavra (ao nvel grfico, fonolgico,

    morfolgico, sinttico e semntico), durante a receo e a produo lingustica,

    articulando conceito e significado da palavra aos diferentes nveis, consoante a

    natureza cognitiva da tarefa que est a realizar num determinado momento.

    Hatch e Brown (citados por Leiria, 2001a) acrescentam ainda que o termo indica

    as maneiras de acordo com as quais as formas lingusticas podem ser sistematicamente

    representadas no crebro, ou seja, o lxico mental definido no s de acordo com a sua

    constituio, mas tambm com a estruturao da representao das palavras. A este

    propsito diz-nos Bernardo (2010:30) que a estrutura da representao das palavras se

    encontra organizada de acordo com princpios formais, semnticos, relaes

    paradigmticas e sintagmticas, sendo ativada quando o falante necessita de comunicar.

    Uma vez que o lxico mental contm representaes do conhecimento declarativo

    e processual, importante para o ensino-aprendizagem de LE saber como funcionam,

    particularmente este ltimo, que est sempre a ser ativado: quando reconhecemos e

    acedemos s palavras, na aquisio vocabular, na leitura, ao simplificar o discurso, ao

    analisar o uso das palavras em contexto e ao encontrarmos tcnicas de memorizao

    (Bernardo, 2010:31). A partir deste conhecimento, os professores so alertados para a

    importncia do desenvolvimento, nos aprendentes, do conhecimento processual, que

  • 13

    resultar na promoo da autonomizao dos alunos, na sua tomada de conscincia

    lingustica e, consequentemente, no melhor armazenamento da informao, ampliando o

    seu lxico. O conhecimento processual dos alunos est em constante reformulao,

    porque o prprio lxico tambm o est, o que causa a necessidade de uma estruturao

    constante do lxico mental, que promovida pelos conceitos. Estes, refere Bernardo

    (2010:31), abrangem duas acees: a aceo cognitiva (unidades mentais representadas

    no lxico mental individual) e a lingustica (unidades da organizao semntica,

    socialmente fixadas e partilhadas por toda uma comunidade lingustica. Para alm

    disso, os conceitos possuem duas propriedades funcionais: a informativa e a

    combinatria, que Figueiredo (2004:111) define da seguinte forma: A capacidade

    informativa diz respeito quantidade maior ou menor de dados que o conceito pode

    abranger; a capacidade combinatria define o conjunto das relaes possveis entre um

    dado conceito e todos os outros conceitos envolventes. A constante reestruturao do

    lxico mental baseia-se, pois, no acompanhamento da reformulao lexical que o

    indivduo tem de efetuar para que possa dominar a lngua estrangeira, pois a linguagem

    s se torna o reflexo do pensamento e os sistemas de pensamento s so regulados pela

    linguagem se o sujeito dispuser do maior nmero possvel de informaes acerca de um

    conceito (Figueiredo 2004:110). Neste processo, o aprendente aciona um determinado

    nmero de conhecimentos em torno de um conceito que lhe permitem entender o

    enunciado.

    A complexidade do lxico mental reside tambm no facto de variar de indivduo

    para indivduo, pois vrios sujeitos podem ter lxicos mentais com um nmero de itens

    semelhantes, mas cada um desses lxicos pode estar organizado de maneira diferente e

    ser utilizado tambm de forma diversa (Leiria, 2001a:170). A questo que se coloca,

    perante tal complexidade, saber como que o lxico mental est organizado para que

    um indivduo aceda rapidamente a determinado item lexical, quer em situao de

    produo quer de compreenso. Leiria (2001b:s/p) refere que tanto a organizao como

    o acesso aos itens podem depender de fatores intralexicais, interlexicais e da frequncia

    com que so utilizados. Quanto maior for o grau de ativao de determinado item

    lexical, mais facilmente retido no lxico mental. Por outro lado, a complexidade do

    lxico tambm faz com que seja praticamente impossvel saber exatamente como que

    o aluno aprende, pois o lxico mental no se desenvolve de forma linear, mas

    holisticamente, ou seja, enquanto professores no conseguimos conhecer o que que o

    aluno aprendeu num momento especfico. (Lewis, 1997a:45).

  • 14

    Os aspetos enumerados permitem concluir que este rgo evidencia uma

    organizao exmia e flexvel que revela diferenas de indivduo para indivduo, no

    podendo ser considerado como um simples armazm onde so depositadas entradas

    lexicais que a permanecem at serem necessrias. Todas estas caractersticas do lxico

    mental demonstram a sua complexidade e a dificuldade que existe em delinear a forma

    como est estruturado. Assim, importante que o professor esteja sensibilizado para

    estas realidades, para que a sua atuao pedaggica se dirija no sentido de

    constantemente proporcionar aos alunos o estmulo do seu lxico mental, contribuindo

    para a consolidao de itens aprendidos e para a descoberta de novos.

    Como foi possvel constatar na sua definio, o conceito de lxico apresenta-se

    como um organismo pluridimensional, em que a sintaxe, a semntica, a morfologia e a

    fonologia se congregam. A oposio entre lxico e gramtica deixa de se sentir se

    adotarmos a perspetiva veiculada pela abordagem lexical, na qual se destacam os

    trabalhos de Michael Lewis. Este autor (1993) defende que o lxico a base da lngua,

    embora o seu ensino tenha sido alvo de alguma incompreenso devido ao facto de se

    considerar a gramtica como o alicerce da lngua. Porm, estas consideraes no

    significam que o autor crie uma barreira entre gramtica e lxico, mas, contrariamente,

    estabelece uma associao entre eles, declarando que language consists of

    grammaticalized lexis, not lexicalized grammar. (Lewis, 1993, 34). O autor reafirma a

    sua posio quando refere que destacar o papel que pedagogicamente o vocabulrio

    assume no negar o valor da gramtica, pois sem o elemento generativo no h

    produo lingustica, mas tambm proporcionar aos alunos a aprendizagem das

    prprias estruturas gramaticais: You make some grammar mistakes because you

    dont know enough vocabulary; if you want to avoid grammar mistakes, building

    your vocabulary will help you more than lots of grammar practice. (Lewis, 1997a:48).

    O conhecimento gramatical permite a criatividade da recombinao do lxico em novas

    formas, mas no poder demonstrar a sua utilidade enquanto os falantes no possurem

    um lxico mental rico ao qual o conhecimento gramatical possa ser aplicado.

    Assim, verifica-se uma associao entre gramtica e lxico, que difere da viso

    tradicional destes dois elementos, constituindo uma vantagem para o aprendente, pois

    permite dizer que grammar helps us to use novel language (relatively) new

    combinations of lexical items to talk about (relatively) unusual situations, while

    lexis helps us handle highly probable events fluently and effortlessly by providing

    us with prefabricated ways of dealing with them. (Lewis, 1997a:41). As unidades

  • 15

    lexicais de uma lngua no podem ser abordadas como se no estivessem relacionadas

    com qualquer regra gramatical que as reja, nem as estruturas gramaticais podem ser

    estudadas como se as propriedades morfo-sinttico-semnticas dos signos lingusticos

    no condicionassem essas estruturas Rio-Torto (2006:1). Esta associao entre lxico e

    gramtica permite-nos falar do desenvolvimento de uma competncia lxico-gramatical,

    porque afinal ensinar lxico ensinar gramtica9.

    O desenvolvimento desta competncia lxico-gramatical conduz questo do

    vocabulrio a ensinar. Dever o aprendente conhecer todos os itens lexicais da LE ou s

    alguns? E quais? Segundo Leiria (2001:s/p), a questo da distino entre lxico nuclear

    e lxico perifrico est ainda longe de obter consenso entre os linguistas. Esta questo

    bastante importante, principalmente tratando-se da aprendizagem de uma LE, isto

    porque se parte do princpio de que o vocabulrio fundamental ser o mais utilizado,

    que permitir ao falante uma comunicao mnima na lngua que est a aprender. Como

    foi constatado, a noo de lxico bastante ampla, assim como as vrias possibilidades

    de utilizao dos itens lexicais, o que coloca o problema do modo como determinar esse

    lxico fundamental. Alguns investigadores referem que a determinao de um

    vocabulrio fundamental no facilita a aprendizagem de LE, porque o nmero de itens

    nesses inventrios no corresponde real frequncia de utilizao e, para alm disso, os

    itens no so to fceis de serem adquiridos por parte do aprendiz como sugerido, pois

    as palavras mais frequentes so tambm as mais polissmicas e as que apresentam

    colocaes mais complexas (Nagy, 1998, referenciado por Leffa 2000:26). Por outro

    lado, advogam ainda que nessas listas de frequncia h conceitos que no so

    conhecidos pelos prprios aprendentes, o que dificulta a aprendizagem da prpria

    palavra.

    Ainda assim, para delimitar o vocabulrio a aprender, essas listas vo sendo

    elaboradas com base na produo lingustica dos falantes. Segundo Leiria (2001b:s/p), a

    frequncia acaba por determinar os itens da lngua dos quais os falantes se apropriam,

    uma vez que preferem os itens que so passveis de serem generalizados a vrios

    contextos, mesmo que a sua apreenso seja mais difcil, isto porque realmente

    necessitam deles para comunicar. Assim, a autora, baseando-se nos estudos de Viberg

    (1993) avana com algum vocabulrio prioritrio, do qual fazem parte os verbos bsicos

    e as suas construes, conetores e combinatrias frequentes, nomes e adjetivos, que

    9 O artigo, mencionado na bibliografia, O Lxico: semntica e gramtica das unidades lexicais de Graa

    Rio-Torto exemplifica esta ideia.

  • 16

    devero fazer-se acompanhar das palavras com as quais coocorrem mais

    frequentemente. O vocabulrio mais especfico dever ser introduzido na rede

    constituda pelo vocabulrio mais nuclear (Leiria, 2001a:332), ideia que corrobora a

    afirmao de Vilela em que o autor refere que existe um ncleo lexical comum a todos

    os lxicos parciais, sendo estes utilizados em conjunto com o lxico nuclear ( este que

    possibilita a comunicao), em situaes particulares. O falante, ao adaptar a lngua que

    usa situao comunicativa, ir tambm escolher os lxicos que melhor se adequam a

    essa situao (Vilela,1979: 295).

    Para uma uniformizao no ensino das lnguas, o QECR apresenta escalas

    ilustrativas que regem a dimenso do conhecimento vocabular para cada nvel, como

    forma de estabelecer parmetros de aprendizagem. Como foi referido anteriormente,

    impossvel controlar a aquisio lexical de um aprendente, tanto mais que o

    alargamento da rede de conexes no depende s da ao do professor, existindo outros

    fatores determinantes. No caso da determinao do vocabulrio fundamental para o

    ensino de PLE (publicado em 1984, sob o ttulo Portugus Fundamental), o objetivo foi

    obter informao acerca do vocabulrio mais utilizado em situaes quotidianas de

    comunicao. Para isso, foram constitudos dois corpora o Corpus de Frequncia e o

    Corpus de Disponibilidade. O primeiro foi constituido com base na anlise do registo de

    discursos orais gravados em comunicao oral espontnea sobre temas variados do dia-

    -a-dia, a partir dos quais se elaboraram listas de frequncia. O segundo corpus foi

    formado a partir de registos escritos e contm um conjunto de vocabulrio temtico

    com mais fraca probabilidade de ocorrncia no corpus oral, mas que tambm

    indispensvel para a comunicao. Analisando o corpus verifica-se que o vocabulrio

    mais usado pelos portugueses de carcter mais geral e est distribudo por vrias reas

    semnticas, sendo o vocabulrio tcnico menos utilizado.

    A seleo vocabular apoiada nestes corpora permite uma planificao do ensino

    de LE mais cuidada, mas no aconselhvel esquecer que saber o significado de uma

    palavra apenas uma parte nfima do conhecimento que o falante ter dessa mesma

    palavra. A construo de um lxico mental organizado envolve diversos aspetos e

    requer no s o esforo do aprendente, mas tambm a capacidade de o professor o

    conduzir nesse caminho, encontrando estratgias e fomentando a aprendizagem.

  • 17

    3. Importncia do lxico no ensino L2

    Ao aprender uma lngua estrangeira, frequentemente os alunos sentem dificuldade

    em dizer o que pensam, pois no encontram as palavras certas no momento oportuno.

    Esta situao, que ocorre com qualquer falante aprendente de LE, alerta para dois

    aspetos importantes: ao estudar uma lngua estrangeira os indivduos tm como objetivo

    comunicar, dizer o que pensam; por outro lado, no o conseguem fazer, pois sentem

    dificuldade em recordar-se das palavras/frases adequadas. Inevitavelmente verifica-se a

    estreita ligao entre a competncia comunicativa e o conhecimento lexical, que conduz

    ideia de que sem lxico no h comunicao, corroborando a ideia de David Wilkins,

    citado por Lewis (2000:8), segundo o qual while without grammar little can be

    conveyed, without vocabulary nothing can be conveyed. A ideia persiste e mais tarde

    Terrel (1977:333) deixa clara a sua posio, referindo que a aprendizagem de

    vocabulrio a chave para a compreenso e para a produo discursiva, pois With a

    large enough vocabulary the student can comprehend and speak a great deal of L2 even

    if his knowledge of structure is for all practical purposes nonexistent.. Segundo o

    autor, a tendncia para enfatizar a gramtica em detrimento do lxico tem causado na

    aprendizagem das LE grandes lacunas.

    A partir das vrias definies do termo, entende-se que conhecer o lxico de uma

    lngua no implica s conhecer palavras, mas tambm as relaes que estabelecem entre

    elas e as estruturas das quais fazem parte, tal como afirma Krashen (citado por Lewis,

    1993:23): Vocabulary is also very important for the acquisition process. The popular

    belief is that one uses form and grammar to understand meaning. The truth is probably

    closer to the opposite: we acquire morphology and syntax because we understand the

    meaning of utterances. A partir do conhecimento lexical o aluno interioriza

    gradualmente a lngua, vai percebendo as suas alteraes e, consequentemente, cria uma

    imagem do povo que fala essa lngua, passando a conhecer a cultura, os costumes,

    construindo mecanismos de identificao com o outro. Um bom conhecimento lexical

    no proporciona s ao falante entender e fazer-se entendido, mas tambm lhe permite

    aceder ao conjunto de conceitos de uma lngua, dos quais o lxico a chave

    construindo, estruturando e organizando o saber atravs da rede de conexes que o

    lxico proporciona (Figueiredo, 2004:110).

    Numa vertente psicolingustica, pode considerar-se que o domnio lexical de uma

    lngua permite ao indivduo conhecer os seus prprios mecanismos cognitivos, que lhe

    possibilitam uma evoluo no alargamento do seu vocabulrio. No momento em que se

  • 18

    expressa oralmente, para realizar o processo comunicativo, o falante tem de colocar em

    ao vrios mecanismos que lhe permitam selecionar o vocabulrio adequado

    situao, ativando assim os conhecimentos que possui acerca da lngua. Quanto mais

    vocabulrio possuir um falante, mais adequada ao seu objetivo comunicativo ser a

    escolha das palavras.

    As consideraes traadas permitem afirmar que um ensino centrado no lxico s

    pode ser uma vantagem para os alunos, colocando-os em contacto com os usos reais da

    lngua, com as suas potencialidades, e ajudando-os a conhecer e controlar os

    mecanismos cognitivos que possuem. Este tipo de abordagem permite reunir no mesmo

    momento lngua e cultura, porque estas no se podem dissociar. Assim, conclui-se que a

    aprendizagem lexical no um ato cumulativo, baseado na simples memorizao

    (embora a capacidade de armazenamento seja importante), mas um processo cognitivo

    complexo que contribui para o desenvolvimento do lxico mental. Para que isso

    acontea, no basta conhecer todas as palavras de uma lngua, mas necessrio ter a

    noo das relaes que estabelecem entre si e com o mundo. Neste contexto, emerge a

    noo de unidade lexical como cerne do desenvolvimento lexical.

    4. Unidades lexicais

    4.1 O que uma palavra?

    Como temos constatado ao longo do nosso estudo, as vrias investigaes foram

    contribuindo, entre outros aspetos, para a ampliao do conceito de unidade lexical

    que, noo de unidade ortogrfica associada ao termo palavra, acrescenta a ideia

    de grupos ou combinaes de palavras as quais funcionam como um item lexical nico,

    com todas as caractersticas enunciadas para a dimenso de palavra. Esta noo

    habitualmente definida como unidade menor que a frase e maior que o fonema

    (Cunha e Cintra, 1997:75) ou, de forma mais complexa, a parte do discurso menos

    autnoma, caracterizada como unidade de construo do plano fontico (e tambm

    grfico), gramatical e semntico e que, tanto do ponto de vista material como do ponto

    de vista semntico, entra em relao com as restantes unidades da lngua (Vilela,

    1995a:20). Como pudemos constatar, a definio do termo palavra abrange vrias

    perspetivas, mas torna-se tanto mais relevante no estudo do EA do vocabulrio quanto

    mais nos aproximamos de uma abordagem lexical.

    Richards (1976:77), no artigo The role of vocabular teaching questiona-se

    acerca da natureza da palavra, do seu conhecimento e da ligao com a dimenso

  • 19

    pragmtica: What does it mean to know a word? How are words remembered? What

    are the social dimensions of word usage?. Nesta poca ainda h a referncia

    predominante ao conceito de palavra, mas a reflexo abre j os horizontes para a

    distino entre este termo e outro tipo de unidades mais complexas, at porque existe a

    noo de que a palavra no se encontra isolada, mas em conjugao com outras

    (Richards, 1976:81). Este autor refere que conhecer uma palavra implica saber como

    utilizada, reconhecer a adequao do seu uso, ter a noo de que est sujeita variao

    temporal, geogrfica e social. Para alm disso, envolve o conhecimento dos seus

    comportamentos sintticos (certas palavras s podem associar-se com outras que

    desempenhem determinada funo), da sua forma e dos seus derivados, das redes de

    associao em que est envolvida, bem como dos valores semnticos que lhe so

    subjacentes. Assim, Richards (1976:83), citando Lenneberg (1967), refere que words

    are not simply labels for things but represent processes by which the species deals

    cognitively with the environment, da que os dicionrios apenas possam mostrar as

    vrias acees de uma palavra, mas no faam o aprendente chegar ao seu significado

    exato. Leffa (2000:20) diz mesmo que h um desprestgio da palavra como entidade

    independente, quando vista e analisada parte das outras. Jackendoff (1996:55 e

    segs.) tambm procede reflexo acerca do que saber uma palavra e, seguindo as

    teorias de Chomsky e Piaget, refere que existem quatro fatores que contribuem para

    conferir significado a uma palavra: a associao entre o conceito expresso pela palavra e

    a perceo e ao para o qual esse significado remete; a interao com regras de

    inferncia; a relao com o restante lxico e ainda a interao existente entre a palavra e

    os restantes padres gramaticais da lngua a que pertence. Para o autor, as componentes

    mencionadas exercem o seu efeito no s no seu significado, mas tambm na forma

    como ela utilizada e entendida em contextos lingusticos ou no lingusticos. A estes

    elementos, Laufer (1991) acrescenta outros que contribuem para saber o que conhecer

    uma palavra, tais como: (i) a sua forma oral e escrita (reconhecer a palavra quando

    pronunciada e saber pronunci-la tambm, reconhecendo-a graficamente e sabendo

    soletr-la); (ii) a sua estrutura de base, as derivaes mais comuns e a sua flexo; (iii) as

    suas propriedades sintticas e o seu comportamento numa frase ou enunciado, tendo a

    conscincia de que determinadas palavras s ocorrem junto de outras; (iv) as suas

    propriedades semnticas significado referencial, extenses metafricas

    (frequentemente nas expresses idiomticas), valores afetivos, adequao pragmtica e

    frequncia de uso; (v) as suas relaes paradigmticas com outras palavras; (vi) as suas

  • 20

    relaes sintagmticas, isto , as combinatrias mais frequentes. As dimenses

    apontadas congregam-se em trs aspetos bsicos a forma (fonologia, ortografia,

    morfologia), o significado (semntica) e o uso (sintaxe e pragmtica) cuja simples

    interligao no suficiente para conhecer uma palavra, como defende Leffa (2000:40):

    Conhecer uma palavra despi-la de sua embalagem, descobrir as partes que a

    compem e ver como cada uma dessas partes tem repercusses l fora, com elementos

    internos de outras palavras. Para Nation (2011:24) estes trs aspetos aparentemente

    bsicos das caractersticas de uma palavra devem ser encarados de acordo com a sua

    produo e receo, existindo um vocabulrio recetivo (forma escrita ou falada de uma

    palavra e a recuperao do seu significado) e um vocabulrio produtivo (expresso de

    um significado na forma oral ou escrita uso) (Anexo 2). Note-se que estes termos no

    correspondem especificamente a vocabulrio ativo e passivo, pois mesmo quando

    recebemos input, produzimos significado. Atravs da categorizao efetuada (Anexo 2)

    o autor salienta a importncia de trabalhar a forma da palavra de maneira a que o

    aprendente a guarde na sua memria quer de curto quer de longo prazo, o que ser

    facilitado tanto mais quanto exista uma aproximao da LE com a L1. No que respeita

    ao significado, Nation alia-o forma, justificando que mais fcil a memorizao se o

    aprendente associar determinado significado forma da palavra. O ltimo aspeto

    considerado pelo autor o uso que, frequentemente, implica fatores intrnsecos

    prpria lngua-alvo, como o que sucede, por exemplo com as colocaes e expresses

    idiomticas. Estes aspetos tornam a aquisio vocabular um processo gradualmente

    complexo, pois adquirir uma nova palavra entender as suas dimenses intra e

    interlexicais, que compreendem a vertente sinttica, semntica e pragmtica. Laufer

    (1991:5) refere que o conhecimento de uma palavra may be partial, i.e, the learner may

    have mastered some of the words properties but not the others. A autora explica ainda

    que a dificuldade dos aprendentes se torna ainda mais complexa porque muitas vezes

    existe o conhecimento da palavra, mas devido a outros fatores que podero tambm

    ser de carcter extralexical o falante no consegue usar a palavra de forma produtiva.

    Assim, Laufer, citando Faerch et alii (1984), afirma que a aprendizagem deveria recair

    no s sobre a compreenso de todas as dimenses da palavra j referidas, mas tambm

    sobre a sua produo, implementando no aluno mecanismos estratgicos que lhe

    permitam mais facilmente ativar esta capacidade. Para isso necessrio, primeiramente,

    reconhecer os aspetos em que os alunos demonstram mais dificuldade quando aprendem

    uma palavra, que para a autora residem a nvel intralexical, manifestando-se a vrios

  • 21

    nveis, que no cabe aprofundar neste trabalho: a) fonolgico pronncia e extenso da

    palavra; b) gramatical (h classes gramaticais mais difceis de apreender do que outras:

    para a autora os nomes so mais fceis devido ao seu carter referencial depois os

    adjetivos, os verbos e os advrbios e expresses adverbiais; c) semntico (carter

    concreto ou abstrato das palavras, especificidade, polissemia, carter metafrico).

    Por outro lado, ao nvel interlexical, tambm h fatores que determinam a maior

    ou menor possibilidade de aprendizagem de uma palavra. Assim, a influncia que L1

    tem em LE, o estabelecimento de relaes entre a mesma palavra em LE em diferentes

    contextos, a dimenso e organizao do lxico na lngua-alvo, a frequncia com que

    determinada palavra ocorre, as diferentes colocaes das palavras e as semelhanas

    fonolgicas com outras palavras em LE devem ser fatores a no descurar na

    aprendizagem do vocabulrio.

    O desenvolvimento lexical ocorre quando o aluno apreende a unidade lexical

    nestas dimenses, o que implica um alargado processo de aprendizagem, que Leffa

    (2000:32) considera ocorrer em trs dimenses: (i) do conhecimento parcial das

    palavras ao conhecimento preciso quantidade (no incio da sua aprendizagem, um

    aluno apenas conhece um grupo restrito de palavras); (ii) do conhecimento superficial

    ao conhecimento profundo profundidade (numa fase inicial, o aprendente comear

    por reconhecer os itens lexicais da lngua em aprendizagem, para depois, gradualmente,

    ser capaz de estabelecer relaes paradigmticas e sintagmticas); (iii) do conhecimento

    recetivo ao conhecimento produtivo produtividade (o aluno passar gradualmente a

    ser capaz de utilizar o seu vocabulrio de forma produtiva, porque nos nveis iniciais os

    aprendentes so capazes de reconhecer um grande nmero de palavras, mas a sua

    utilizao ao nvel escrito e oral mais reduzida).

    Para Lewis (1997a) as palavras so o que tradicionalmente se designa como

    vocabulrio, onde se encaixam exemplos como livro, mesa, caneta. Em

    portugus, a maior parte do lxico formada por nomes, a que se seguem os adjetivos,

    os verbos e advrbios, sendo as classes fechadas de palavras uma minoria. Estas

    intrinsecamente no tm significado, adquirindo-o somente quando combinadas com

    outras palavras e, por isso, a sua frequncia aumenta. Por outro lado, palavras que detm

    um significado muito marcado no necessitam de ser agrupadas a outras, sendo a sua

    frequncia mais reduzida, depreendendo-se que quanto mais exato for o significado de

    uma palavra, mais rara e menor probabilidade de combinao com outras palavras tem

    (Lewis, 1997a). Assim, palavras com significado menos especfico so mais comuns e

  • 22

    mais facilmente incorporam combinatrias. De acordo com esta perspetiva, j no nos

    encontramos ao nvel da palavra, mas de combinao de palavras, estando diante de

    outro tipo de itens lexicais os lexical chunks.

    4.2 Lexical Chunks

    Segundo Zimmerman (1997:17) os trabalhos desenvolvidos por Sinclair,

    Nattinger e De Carrico, e Lewis representam uma significativa mudana terica e

    pedaggica na determinao das unidades lexicais e do seu comportamento.

    Abandonando a posio tradicional que confinava o lxico palavra isolada, estes

    autores enfatizaram que os aprendentes de LE necessitam de entender e usar padres

    lexicais e colocaes. Devido importncia destes autores, apresentaremos algumas das

    suas consideraes acerca das unidades lexicais, complementando-as com as de outros

    investigadores que se destacaram na rea.

    Segundo Richards e Rodgers (2001:132), a partir do momento em que se comeou

    a fazer distino entre as unidades lexicais, vrios termos surgiram para as classificar:

    holofrases (Corder 1973), pre-fabicated patterns (Hakuta 1974), gambits (Keller

    1979), speech formulae (Peters 1983), lexicalized stems (Pawley e Syder, 1983),

    lexical phrases (Nattinger e DeCarrico, 1992) e lexical chunks (Lewis, 1993).

    Nattinger e DeCarrico (1992) encaram o uso da lngua como um processo de

    composio que consiste em juntar frases pr-elaboradas que funcionam como um todo.

    Assim, as frases lexicais definem-se como multi-word lexical phenomena that exist

    somewhere between the traditional poles of lexicon and syntax, conventionalized

    form/function composites that occur more frequently and have more idiomatically

    determined meaning than language that is put together each time (Nattinger e

    DeCarrico, 1992:1) Os autores definem quatro categorias de frases lexicais:

    multipalavras (polywords), expresses institucionais (institutional expression),

    limitadores frsicos (phrasal constraints) e construtores frsicos (sentence builders).

    As frases lexicais fazem parte do lxico como as palavras comuns, mas tm a

    vantagem de, devido ao seu carter fixo, serem rapidamente recuperadas pela memria.

    Desta forma, revelam-se unidades adequadas ao ensino das lnguas estrangeiras, pois

    oferecem aos falantes a possibilidade de se expressarem mesmo que no possuam

    recursos lingusticos variados, uma vez que, ao serem interiorizadas, os aprendentes as

    utilizaro naturalmente, sem que seja necessrio conhecer a base gramatical em que

    assentam. Apesar de serem unidades pr-fabricadas, as frases lexicais no podem ser

  • 23

    consideradas como estanques porque, dependendo da situao, os falantes podero

    produzir novas unidades a partir das regras da sintaxe, ou seja, estas formas permitem

    uma expanso medida que o aprendente se vai tornando mais experiente, ocorrendo

    um processo criativo de construo. Para Nattinger e DeCarrico (1992:11) esta

    expanso s acontece porque a estas unidades esto associadas utilizaes funcionais,

    ou seja, detm um carter pragmtico. As frases lexicais podem ser usadas para manter

    uma conversa, mudar de assunto, fazer um pedido ou agradecer. Quer isto dizer que o

    aprendente, ao utilizar frases pr-elaboradas, que sejam simples e invariveis, aprende,

    ao longo do tempo e por comparao com outras frases semelhantes, a analis-las mais

    pormenorizadamente, aumentando a variedade de padres em funo das suas

    necessidades. Esta caracterstica funcional das frases lexicais permite ao aprendente

    expressar a mesma ideia, mas utilizando formas mais difceis de expandir a frmula

    inicial, constituindo assim o motor para o desenvolvimento da linguagem. Com este

    progresso gradual, j conseguir isolar cada um dos elementos em palavras individuais e

    assim encontrar a sua prpria forma de compreender as regras regulares da sintaxe. O

    facto de estas estruturas poderem ser analisadas atravs das regras sintticas no dever

    conduzir os professores a assumirem que a anlise sempre conveniente, pois num

    primeiro estdio as frases lexicais so tratadas de forma mais eficiente como um todo do

    que divididas nos seus constituintes, uma vez que o que est em causa a sua funo.

    Ainda segundo os autores, esta abordagem evita uma aproximao demasiado extrema

    s teorias que baseiam o ensino aprendizagem da LE s na competncia lingustica ou

    exclusivamente na competncia comunicativa.

    No artigo Pedagogical implications of lexical approach (1997b), Lewis refere que

    a lngua composta por quatro tipos (Anexo 3) de itens lexicais ou chunks: palavras

    (words) e multipalavras (polywords), colocaes, (collocations or word partnerships),

    frases institucionalizadas (institucionalized utterances) e cabeas de frase (sentence

    frames and heads) (Leiria 2001). O tema das colocaes, tendo surgido j em autores

    como Haliday (1966) e Sinclair (1966), ganha mais nfase dentro da abordagem lexical.

    Para Lewis, collocation is the readily observable phenomenon whereby certain

    words co-occur in natural text with greater than random frequency (1997a:8).

    Algumas colocaes apresentam uma forma fixa, pois para referir determinado conceito

    a combinao de palavras tem de ser a que est determinada, parecendo, segundo a

    metfora de Leffa (2000:23), que as palavras aparecem costuradas no havendo nem

    mesmo a possibilidade de insero de qualquer outra palavra entre elas, sem romper a

  • 24

    unidade de sentido. () formam, portanto, um bloco relativamente monoltico e

    individual, que poderia ser definido como uma unidade lexical (). A este propsito

    Sanromn (2000:s/p) exemplifica utilizando, entre outas, a expresso leite-gordo,

    referindo que no utilizamos expresses como *leite gorduroso,*leite oleoso, *leite

    untuoso, ou *leite integral para a substituir: estamos perante um tipo de combinaes

    lexicais fixas, uma vez que no temos liberdade para escolher qualquer adjetivo que

    possa exprimir a mesma ideia para acompanhar estes substantivos. (Sanromn,

    2000:s/p).

    Nem todas as colocaes so formas fixas, existindo um conjunto limitado que

    admite a juno de outras palavras. Por outro lado, nem sempre os vocbulos que

    coocorrem constituem colocaes, o que faz com que seja importante estabelecer

    padres de ocorrncia que propiciem o seu armazenamento no lxico mental do

    aprendente. Uma palavra pode ocorrer frequentemente com outra, mas a intensidade

    dessa ligao ser menor do que a coincidncia menos frequente com outra palavra.

    Assim, independentemente da frequncia com que ocorrem, h combinaes que

    resultam em parcerias fortes, o que significa que se comportam como se fossem uma s

    palavra, e outras em parcerias fracas, em que duas palavras comuns podem combinar-se

    com quaisquer outras. Por outro lado, nas colocaes a reciprocidade no se d com a

    mesma intensidade, como se pode verificar na expresso bebida no alcolica; neste

    caso, associa-se mais facilmente no alcolica a bebida do que o inverso, o que

    significa que os nomes assumem um papel, quase sempre, dominante nas combinatrias.

    Muitas outras combinaes podero surgir, dependendo do contexto e da sua inteno,

    mas existe um conjunto de ocorrncias que pela sua frequncia acabam por ser inseridas

    nas listas de colocaes. Assim, aprender a utilizar as colocaes implica, segundo

    Lewis (1997a:32), learning to look at how words really behave in the environments in

    which they have been used, o que dever ser conduzido pelo professor que se

    encarregar tambm de destacar junto dos formandos o carcter das parcerias

    estabelecidas pelas combinatrias. Para o autor, as vantagens da aprendizagem de

    colocaes sintetizam-se em dois aspetos: por um lado permitem uma memorizao

    mais fcil, por outro mais eficaz aprender as palavras como um todo e,

    posteriormente, dividi-lo em partes do que o inverso.

    De uma forma geral, os itens lexicais abordados podem apresentar um carter

    mais livre ou mais fixo, existindo, por vezes, alguma sobreposio na sua classificao,

    o que Lewis no considera problemtico, pois o seu objetivo no criar categorias

  • 25

    estanques, mas to-s uma tipologia orientadora ao nvel pedaggico. O mesmo

    argumento serve para o autor justificar as diferenas apresentadas em relao proposta

    de taxonomia dos itens lexicais elaborada por Nattinger e DeCarrico (1992).

    5. Instruo e estratgias de aprendizagem - transformao do Input em Intake

    5.1 Aquisio ou aprendizagem? A importncia do input.

    A aprendizagem lexical, como qualquer outro conhecimento, envolve processos

    cognitivos e interacionais. Para que haja enriquecimento do lxico mental, o input

    dever-se- transformar em intake (parte da lngua a que o aprendente exposto e que

    retm) que depois ser armazenado mentalmente. A forma como este processo de

    transformao ocorre tem sido alvo de alguma discusso entre os investigadores,

    particularmente no que diz respeito ao papel da instruo na aquisio lexical. Neste

    mbito tm existido algumas opinies dissonantes, havendo investigadores que

    defendem que o vocabulrio adquirido implicitamente e outros consideram que tem de

    existir o seu ensino explcito. H ainda aqueles que detm uma posio moderada, como

    Ellis (1995, citado por Nation, 2011) que aceita quer o ensino implcito quer explcito

    do vocabulrio, desempenhando cada um deles um papel especfico. Assim, constatou

    que a aprendizagem da forma de uma palavra est ligada ao ensino implcito, enquanto

    o significado se associa ao ensino explcito, o que significa que ao ensinar uma palavra

    os professores deveriam trabalhar o significado da palavra explicitamente (atravs de

    exerccios, recurso ao dicionrio e estimula da descoberta pelo prprio aluno), ficando a

    pronncia e ortografia como elementos que o aluno vai adquirindo atravs do contacto

    com as palavras. Tambm Paradis (citado por Leiria 2001) segue nesta direo,

    alegando que uma vez que o conhecimento do lxico explcito, para haver uma melhor

    aquisio ter de lhe ser dada maior importncia ao nvel do ensino, promovendo a

    prtica que desenvolve a competncia lingustica. Assim, o trabalho em aula mostra-se

    de extrema importncia, uma vez que proporciona ao aluno o contacto com input

    adequado e o contexto para a prtica da lngua. Esta perspetiva assume que atravs do

    ensino que os alunos tm a oportunidade de analisar e apreender certas regras de

    funcionamento da lngua, de captar irregularidades no uso da mesma, que em contexto

    informal de aprendizagem surgiriam desapercebidas ao aluno, cabendo ao professor o

    papel de guiar o aprendente neste caminho de procura do saber lingustico.

    Contrariamente, Krashen, apesar de atravs da Natural Approach, da teoria do Input

    Hypothesis e do Reading Method revelar preocupao com a aquisio vocabular,

  • 26

    considera que tal acontece de forma implcita (se no seria aprendizagem) referindo que

    When we acquire a word, we also acquire considerable knowledge about its

    grammatical properties. With verbs, for example, this includes knowing whether they

    are transitive or intransitive, what kinds of complements they can be used with, etc.

    Very little of this is deliberately taught. (Krashen,1989:453). Para o autor, a base de

    aquisio lingustica o input, sendo o professor o seu principal veculo. Este dever

    utilizar sempre a lngua-alvo para transmitir um input compreensvel e simplificado -

    recorrendo ao que Krashen designa por caretaker-speech (Krashen e Terrel,1983:5) -

    que gradualmente se vai tornando mais complexo. O professor dever pronunciar

    devagar e claramente as palavras para que os alunos as possam identificar mais

    facilmente, recorrendo a frases curtas, sintaticamente simples, com um vocabulrio de

    uso mais frequente, evitando o calo. Estes pressupostos so frequentemente

    aplicados de forma inconsciente, o que adequado, pois o professor dever concentrar-

    se mais em transmitir um input compreensvel do que em controlar a estrutura

    gramatical das frases. Neste processo, aconselhvel procurar um feedback por parte do

    aluno como forma de verificar se os objetivos foram cumpridos. Por outro lado, tudo o

    que ajude compreenso importante, por isso cabe ao professor que inicia uma lngua

    providenciar elementos extralingusticos, ou seja, um contexto, atravs de ajuda visual,

    recorrendo a figuras, tabelas, brochuras, anncios, mapas, entre outros, e objetos (cf.

    Mtodo Direto), e discutir assuntos familiares, recorrendo sempre lngua alvo, pois

    mais fcil entender uma mensagem acerca de algo que conhecido do que sobre um

    assunto que no se domina. Como forma de dotar os alunos de input compreensvel, o

    professor tambm poder recorrer a jogos que, de uma forma geral, propiciam um

    contacto involuntrio com um input rico, pois games by their very nature, focus the

    student on what it is they are doing and use the language as a tool for reaching the goal

    rather than as a goal in itself (Terrell 1982: 121, citada por Richards e Rodgers,

    2001:188).

    Tambm a leitura desempenha um papel importante na obteno de vocabulrio,

    pois more comprehensible input, in the form of reading, is associated with greater

    competence in vocabular (Krashen, 1989:441), o que se refletir ao nvel das outras

    competncias (Reading can serve as an important source of comprehensible input and

    may make a significant contribution to the development of overall proficiency

    (Krashen e Terrell, 1983:131). Por isso, importante que o professor se certifique que o

    leitor sabe ler, direcionando-o na leitura, definindo objetivos e utilizando textos

  • 27

    apropriados. A definio de objetivos de leitura passa por elucidar o aluno acerca da

    informao ou mensagem que deve procurar no que est a ler. Para isso, poder

    procurar uma informao especfica leitura em scanning , encontrar uma ideia

    principal de um texto ou excerto leitura em skimming , ler com a finalidade de

    entender as ideias principais do texto leitura extensiva ou para obter um

    entendimento completo do texto leitura intensiva. Neste processo, seja qual for a

    estratgia de leitura, tal como sucedia com a receo do input oral, o aluno no necessita

    de entender todas as palavras que est a ler para obter uma compreenso do texto,

    porque pode entender a mensagem globalmente atravs do contexto. O tipo de textos a

    apresentar aos alunos deve ser, frequentemente, textos reais, pois words in natural texts

    are encountered in a variety of contexts, which help readers acquire their full semantic

    and syntactic properties. (Krashen,1989:450) e serem apropriados, ou seja, no s

    devem apresentar uma complexidade adequada ao aprendente, mas tambm vocabulrio

    frequente, relacionado com um contexto que lhe seja familiar. De forma idntica, a

    televiso e o rdio so mencionados por Krashen como potenciadores de input, aos

    quais acrescentaramos, atualmente, a internet e as tecnologias de uma forma geral. O

    output poder ser igualmente considerado como fonte de input compreensvel, porque

    quando comunicamos esperamos resposta, logo obtemos mais dados lingusticos. No

    obstante terem despoletado algumas crticas, as teorias de Krashen contriburam

    indiretamente para ajudar a desenvolver o ponto de vista contrrio, destacando que no

    existe aquisio e aprendizagem se o input no for compreensvel, interessante e

    motivante o que impele para a necessidade de planificao do ensino do vocabulrio.

    5.2A consciencializao lingustica10

    Vrios so os autores que abordam a questo da aprendizagem lexical, analisando

    diversos processos que podem envolver ateno, memria, motivao, inferncia,

    criatividade, afetividade, estmulo, entre outros, de forma contribuir para a adoo das

    estratgias mais adequadas no s ao contexto de aprendizagem como tambm ao

    aprendente em si. Lewis foi um dos autores que, seguindo algumas das ideias de

    Krashen e opondo-se a outras, defendeu o ensino explcito do vocabulrio, considerando

    10

    Esta consciencializao referida na literatura sobre o tema como Consciousness-raising (C-R) e tem

    sido abordada de forma mais aprofundada por autores como Sharwood Smith, M (1981). "Consciousness-

    raising and the second language learner". In Applied Linguistics 2:2, 159 168.; William Rutherford,

    Second Language Grammar: Learning and Teaching, Longman, 1987; Rod Ellis, Second Language

    Acquisition, 1993, Oxford University Press. Uma vez que o nosso trabalho no pretende aprofundar esta

    vertente, remete-se mais informao para estes autores.

  • 28

    que o professor dever organizar o tempo de aula em funo da observao e contacto

    com a lngua. Lewis (1997a:45) sugere que a maior parte do tempo dever ser dedicada

    a atividades/exerccios de consciencializao lingustica, aprendizagem de

    multipalavras e interiorizao de novos itens que se adequem s suas necessidades, e

    recuperao/reviso de itens j apreendidos. Ao professor cabe prover o aluno da maior

    quantidade de input possvel, organizando a informao e ajudando os alunos a

    compreender como que as vrias expresses lexicais so utilizadas de acordo com

    diferentes funes. Esta quantidade de input, transmitido por via oral ou escrita, deve

    ser encarada como um corpus pedaggico (Willis e Willis, 1996) que o professor

    seleciona tendo em conta os aspetos mais importantes que, na sua perspetiva, os alunos

    devem saber sobre a lngua, de acordo com as suas necessidades, como por exemplo a

    forma como est estruturada, o comportamento particular de determinadas palavras, as

    combinaes que surgem entre elas. Porm no suficiente que os alunos apenas

    leiam/ouam o corpus facultado pelo professor, mas devem ser direcionados a descobrir

    determinados aspetos da lngua atravs de tarefas (noo que abordaremos a posteriori),

    cujo cumprimento ir aumentar a sua sensibilidade lingustica, contribuindo para a

    tomada de conscincia lingustica. Willis e Willis (1996) propem alguns tipos de

    tarefas (Anexo 4) que podero desenvolver-se em grupo ou individualmente. Lewis

    (1997a:86) estabelece a distino entre este tipo de tarefas, designando as primeiras

    como atividades e as outras como exerccios (cf. Anexo 5), referindo que a opo

    por uma delas, ou pelas duas, depende se o professor pretende estimular o trabalho

    colaborativo e, consequentemente, mais comunicativo ou a reflexo concentrada apenas

    em questes lingusticas. Para cumprir as tarefas propostas o aluno dever recorrer a

    estratgias que lhe permitam desde logo entender que a lngua se encontra organizada

    em chunks, o que lhe possibilitar uma compreenso e interiorizao dos vrios itens

    que a compem. Assim, Lewis (1997a) defende que para aprender uma lngua h que

    saber analisar e aprender sequncias lingusticas orais e escritas, ou seja, executar a

    atividade denominada chunking, pois caso contrrio o aluno no compreender o que l

    nem se expressar oralmente de forma adequada, tendo tambm dificuldade em

    entender os seus interlocutores: Chunking is the key to comprehensibility, hence to

    making yourself understood in speech, and from a language teaching point of view, to

    successfully turning input into intake (Lewis,1997a:59). Para o mesmo autor, a tarefa de

    chunking dever ser executada atravs da anlise de um corpus oral ou escrito (Lewis

    aconselha a que o professor o leia em voz alta, para que os alunos tenham uma melhor

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    perceo das unidades lexicais

    (1997:56) que o professor fornece enfatizando a

    descoberta da organizao de determinados itens lexicais, entre os quais destaca os

    seguintes (1997a:48): (i) Diferentes tipos de colocaes fixas ou no; (ii) Expresses

    fixas; (iii) Frases que possuam um estatuto especial; (iv) Padro de ocorrncia de verbos

    deslexicalizados; (v) Outras palavras deslexicalizadas importantes (vi) Outras palavras

    comuns. Para cumprir estes objetivos, poder ser necessrio complementar esse corpus

    com outros textos para que os alunos fiquem mais esclarecidos em relao a

    determinado contedo. Nesse caso, Willis e Willis (1990) recomendam que, em

    primeiro lugar, se recorra a textos j conhecidos dos alunos, pois para alm da sua

    reviso, facilita