O Conservadorismo Não é Uma Ideologia

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O Conservadorismo não é uma Ideologia Bradley Birzer Russell Kirk (1918-1994) dedicou atenção especial ao tratar do problema das ideologias em sua obra. Em seus vinte e nove livros sobre Política, História, Direito Constitucional, Crítica Literária, Crítica Social, Economia e Ficção, o legado da Revolução Francesa e o livre curso dos ideólogos no mundo o perseguiam em um nível profundo. A principal influência no pensamento de Kirk foi Edmund Burke (1729- 1790), o iniciador do conservadorismo no período pós-medieval e o mais articulado representante da crítica à Revolução Francesa. Seguindo cuidadosamente as reflexões acadêmicas de Raymond Aron (1905-1983), Eric Voegelin (1901-1985), Christopher Dawson (1889-1970) e Gerhart Niemeyer (1907-1997), bem como as críticas sociais de T. S. Eliot (1888-1965), Kirk argumentou que seria possível definir as ideologias por três de seus vícios: 1º) As ideologias são religiões políticas secularizadas, que levam consigo os símbolos e o vigor das religiões, mas se concentram, quase exclusivamente, nos aspectos materiais e humanos, não sobre os espirituias ou os do Deus judaico-cristão; 2º) Ao polarizar o pensamento político e social, as ideologias tornam a virtude da prudência impossível. Os falsos absolutos dominam, as nuances perdem o vigor, e os compromissos -- a essência da prudência -- se tornam impossíveis. Como o homem deseja naturalmente algo maior que ele mesmo (Rm 1, 18-24; 2, 15), a ideologia usurpa o dogma das religiões estabelecidas. 3º) Tornando-se sectários, os ideólogos rapidamente atacam os ideólogos representantes de outras formas de pensamento e, especialmente, os que se afastam dos padrões de sua própria classe. Muitas vezes, Kirk argumentou que os semianalfabetos e os enfastiados ocidentais eram os mais suscetíveis ao engodo das ideologias. Mas, como a modernidade, e agora a pós-modernidade, continuam a fazer incursões, zombando e devorando vorazmente a história, a tradição e a religião, mais e mais pessoas se tornam presa fácil para a sedução dos absolutos falsos e das respostas fáceis. Os seguidores das ideologias anseiam por algo maior que eles mesmos, mas perderam a oportunidade de abraçar a verdadeira religião e reta razão, agarrando-se na primeira

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O Conservadorismo não é uma Ideologia

Bradley Birzer

Russell Kirk (1918-1994) dedicou atenção especial ao tratar do problema das ideologias em sua obra. Em seus vinte e nove livros sobre Política, História, Direito Constitucional, Crítica Literária, Crítica Social, Economia e Ficção, o legado da Revolução Francesa e o livre curso dos ideólogos no mundo o perseguiam em um nível profundo. A principal influência no pensamento de Kirk foi Edmund Burke (1729-1790), o iniciador do conservadorismo no período pós-medieval e o mais articulado representante da crítica à Revolução Francesa. Seguindo cuidadosamente as reflexões acadêmicas de Raymond Aron (1905-1983), Eric Voegelin (1901-1985), Christopher Dawson (1889-1970) e Gerhart Niemeyer (1907-1997), bem como as críticas sociais de T. S. Eliot (1888-1965), Kirk argumentou que seria possível definir as ideologias por três de seus vícios:

1º) As ideologias são religiões políticas secularizadas, que levam consigo os símbolos e o vigor das religiões, mas se concentram, quase exclusivamente, nos aspectos materiais e humanos, não sobre os espirituias ou os do Deus judaico-cristão;

2º) Ao polarizar o pensamento político e social, as ideologias tornam a virtude da prudência impossível. Os falsos absolutos dominam, as nuances perdem o vigor, e os compromissos -- a essência da prudência -- se tornam impossíveis. Como o homem deseja naturalmente algo maior que ele mesmo (Rm 1, 18-24; 2, 15), a ideologia usurpa o dogma das religiões estabelecidas.

3º) Tornando-se sectários, os ideólogos rapidamente atacam os ideólogos representantes de outras formas de pensamento e, especialmente, os que se afastam dos padrões de sua própria classe.

Muitas vezes, Kirk argumentou que os semianalfabetos e os enfastiados ocidentais eram os mais suscetíveis ao engodo das ideologias. Mas, como a modernidade, e agora a pós-modernidade, continuam a fazer incursões, zombando e devorando vorazmente a história, a tradição e a religião, mais e mais pessoas se tornam presa fácil para a sedução dos absolutos falsos e das respostas fáceis. Os seguidores das ideologias anseiam por algo maior que eles mesmos, mas perderam a oportunidade de abraçar a verdadeira religião e reta razão, agarrando-se na primeira coisa que se apresenta como verdade. Quando uma "verdade" adotada entra em conflito com outra da mesma espécie, o homem moderno ou pós-moderno afunda num subjetivismo grotesco, como no caso do juiz Anthony Kennedy da Suprema Corte dos Estados Unidos, que apesar de ser católico, afirmou que cada pessoa pode proclamar a própria verdade; ou como no caso do Oriente Médio, onde enviam meninas adolescentes com bombas amarradas nas costas para transportes públicos ou locais de compras. O homem são e educado não acredita que nenhuma das opções seja atraente ou aceitável.

Infelizmente, como demonstra a história dos Estados Unidos nos últimos cinquenta anos ou mais, as ideologias não se limitam polidamente às próprias tiranias revolucionárias, mas infectaram lentamente todo o Ocidente, particularmente na

literatura e na política.

Alguns norte-americanos, ao longo do século XX, apoiaram o igualitarismo democrático como uma espécie de ideologia benigna (mas, não inocente, como Kirk advertiu). Outros, especialmente na direita política, ou acreditando que pertenciam à direita, adotaram uma forma de consumismo como ideologia. E, para o horror de Kirk, alguns na direita afirmaram o conservadorismo como ideologia. No pensamento kirkeano, o conservadorismo é a antítese da ideologia, por isso defende a tradição, a religião e a história.

Não obstante, uma coisa é certa. O homem do século XXI esqueceu a tradição ocidental de tentar equilibrar os universais com os particulares. Conforme escreveu o filósofo e estadista romano Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.):

"A razão reta, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandados, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo Senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação, embora tenha conseguido evitar todos os outros suplícios" ("De Republica", Livro III, xvii).

Com estas palavras, Kirk certamente concordaria.