o Conflito Da Delimitação Dos Territórios indígenas

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O conflito da delimitação dos territórios indígenas Resumo: Há inúmeros conflitos que versam sobre a delimitação do território indígena, ainda que existam diversas disposições no ordenamento jurídico. Conflitos que são afetados sejam pela falta de delimitação ou pelo caráter distorcido das palavras que regem esse direito. Embora esta questão esteja diretamente veiculada pelos meios de comunicação, a informação delimitada faz com o assunto seja tratado e visto de maneira banalizada e ultrapassada, como uma situação em que nunca se modifica, tratando sempre do mesmo tema. Sendo assim, considera-se necessária a observância de que o território indígena abrange um conceito extremamente amplo, não considerando apenas um caráter residencial, senão como uma política envolvendo a sobrevivência cultural de determinada tribo. Por isso, deve-se atentar que as delimitações são variáveis, pois existe um princípio básico para as delimitações das terras indígenas, que é a relação entre a sociedade específica e o significado de determinada base territorial. Sendo assim, a delimitação territorial dos indígenas segue sendo o principal motivo pelo qual os conflitos se iniciam. Introdução: No Brasil, deparamos com uma imagem idealizada de que os índios detêm territórios intocáveis, com um processo contínuo de preservação de seus costumes e tradições, sob a égide da Fundação Nacional do Índio. Embora as questões de diversas tribos indígenas em busca do reconhecimento de seu território sejam bastante veiculadas, ainda é saciado pelo caráter errático das informações. O caso mais recente, abordado principalmente pelas redes sociais, é o dos índios Guarani-Kaiowá que trouxe repercussão após: ‘(...) a decisão do MM. Juiz Federal da 1ª vara de Naviraí/MS, que na ação de manutenção de posse proposta por Osmar Luiz Bonamigo deferiu o pedido de liminar para determinar a retirada imediata de silvícolas da Comunidade Indígena Pyelito Kue que se encontram estabelecidos na área da Fazenda Cambará no Município de Iguatemi/MS, e, ainda, fixou multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento. ’ (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0029586-43.2012.4.03.0000/MS) O exemplo citado acima é um acontecimento comum, que apenas conseguem ser resolvidas de modo mais rápido pelas pressões populares. E nos traz o principal problema enfrentado por estas tribos: a demarcação das terras indígenas. No ordenamento jurídico brasileiro existem diversas leis que visam à proteção da terra indígena. A princípio tem se a definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, instituída pela Constituição Federal, que se encontra no artigo 231:

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O conflito da delimitação dos territórios indígenas

Resumo: Há inúmeros conflitos que versam sobre a delimitação do território indígena,

ainda que existam diversas disposições no ordenamento jurídico. Conflitos que são

afetados sejam pela falta de delimitação ou pelo caráter distorcido das palavras que regem

esse direito. Embora esta questão esteja diretamente veiculada pelos meios de

comunicação, a informação delimitada faz com o assunto seja tratado e visto de maneira

banalizada e ultrapassada, como uma situação em que nunca se modifica, tratando sempre

do mesmo tema. Sendo assim, considera-se necessária a observância de que o território

indígena abrange um conceito extremamente amplo, não considerando apenas um caráter

residencial, senão como uma política envolvendo a sobrevivência cultural de determinada

tribo. Por isso, deve-se atentar que as delimitações são variáveis, pois existe um princípio

básico para as delimitações das terras indígenas, que é a relação entre a sociedade

específica e o significado de determinada base territorial. Sendo assim, a delimitação

territorial dos indígenas segue sendo o principal motivo pelo qual os conflitos se iniciam.

Introdução:

No Brasil, deparamos com uma imagem idealizada de que os índios detêm

territórios intocáveis, com um processo contínuo de preservação de seus costumes e

tradições, sob a égide da Fundação Nacional do Índio. Embora as questões de diversas

tribos indígenas em busca do reconhecimento de seu território sejam bastante veiculadas,

ainda é saciado pelo caráter errático das informações. O caso mais recente, abordado

principalmente pelas redes sociais, é o dos índios Guarani-Kaiowá que trouxe repercussão

após:

‘(...) a decisão do MM. Juiz Federal da 1ª vara de Naviraí/MS, que na ação de

manutenção de posse proposta por Osmar Luiz Bonamigo deferiu o pedido de

liminar para determinar a retirada imediata de silvícolas da Comunidade

Indígena Pyelito Kue que se encontram estabelecidos na área da Fazenda

Cambará no Município de Iguatemi/MS, e, ainda, fixou multa diária no valor de

R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento. ’ (AGRAVO DE

INSTRUMENTO Nº 0029586-43.2012.4.03.0000/MS)

O exemplo citado acima é um acontecimento comum, que apenas conseguem ser

resolvidas de modo mais rápido pelas pressões populares. E nos traz o principal problema

enfrentado por estas tribos: a demarcação das terras indígenas.

No ordenamento jurídico brasileiro existem diversas leis que visam à proteção da

terra indígena. A princípio tem se a definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios, instituída pela Constituição Federal, que se encontra no artigo 231:

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‘‘São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em

caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-

estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,

costumes e tradições. ’’

Sendo assim, o conceito de terra indígena é considerado extremamente abrangente,

por este fato existem várias tentativas de descaracterização destas terras. Como exemplo, a

Constituição divide as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios em quatro

significados:

a) As por eles habitadas em caráter permanente;

b) As utilizadas para suas atividades produtivas;

c) As imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu

bem-estar

d) As necessárias a sua reprodução física e cultural

Essa distribuição, que a princípio, serviria para uma melhor caracterização dessas

terras, já que deveria facilitar as demarcações. Surgiu como um leque de diferentes

interpretações. O que geralmente ocorre é a transportação dos índios para pequenos

territórios alheios com a promessa da legalização do território de origem, gerando com que

essa mudança sinalize um abandono pelas antigas terras. Como conseqüência encontra-se a

perda das terras originárias, já que o fato não se enquadra nos limites estabelecidos pela

Constituição. Um exemplo mais prático é os conflitos dos fazendeiros e dos indígenas,

àqueles tentam contorcer as definições de palavras que advêm do princípio protecionista

das terras indígenas. Por esse motivo entende-se que:

‘O reconhecimento do direito dos índios e grupos tribais à posse permanente das

terras por eles habitadas [...] independerá de sua demarcação [...]. ’ (Vide TRF 1,

AC 1997.39.00.010636-7/PA, DJU 31/05/2005)

A demarcação das terras sugere apenas uma garantia para o exercício de uma

proteção efetiva das terras indígenas, a fim de evitar conflitos posteriores. Age com a

verificação exata dos limites propostos, pois este facilita a vigilância caso venha a ocorrer

conflitos nesta área.

A Constituição de 1988 contém, no artigo 67 ADCT (Ato das disposições

constitucionais transitórias), uma disposição que transcreve sobre a demarcação: ‘‘A União

concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da

promulgação da Constituição. ’’

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Esse mandado constitucional representa a segunda tentativa, visto que o artigo 65

do Estatuto do Índio de 1973, também estabeleceu um prazo de cinco anos para a

conclusão de todas as demarcações das terras indígenas.

Com a edição do artigo 67 ADCT, houve a concretização de demarcação apenas em

uma pequena parcela das terras indígenas:

''Dentre 554 territórios indígenas, apenas 220 foi concluído o processo de

registro pelo presidente, comprovando a demarcação (homologação) em cartório

imobiliário e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda. ''

(KAYSER, Hartmut-Emanuel)

O Supremo Tribunal Federal (STF) entende, através do MS 24.566/DF, que o prazo

previsto no artigo citado acima, não é peremptório, que se trata apenas de um prazo

programático visando um período razoável para as demarcações. Com a mesma

interpretação segue o STJ no MS 10269/DF.

O procedimento de regularização das terras indígenas

O processo de reconhecimento de terras indígenas, atualmente, rege-se pelo Decreto nº

1775/96, onde as áreas serão administrativamente demarcadas por iniciativa do órgão

federal de assistência ao índio, subdividindo-se em diversas etapas:

1. Há o procedimento de identificação realizada por um grupo técnico, formado por

técnicos especializados do órgão indigenista federal, com nomeação de um

antropólogo qualificado, em prazo determinado. Procedendo a um estudo de

natureza sociológica, etnohistórica, jurídica, cartográfica, ambiental e fundiário. Ao

final apresentará relatório circunstanciado à FUNAI, observada a Portaria nº 14-MJ

de 09/01/96 que regula a elaboração do relatório. Este deve ser aprovado pelo

presidente da FUNAI, que o aprova e faz publicar no Diário Oficial da União

(DOU), no prazo de 15 dias, e também publica no Diário Oficial da unidade

federada correspondente.

2. As contestações podem ser apresentadas até 90 dias a contar da publicação do

relatório no DOU, apresentando a suas razões com a junção das provas a fim de

demonstrar vícios de irregularidade. A FUNAI tem 60, após os 90 dias para as

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contestações, para elaborar pareceres sobre as razões de todos os interessados, caso

haja, e enviar o procedimento ao Ministro da Justiça.

3. O Ministro de Justiça, que, em o aprovando, expede portaria declarando os limites

da terra e determinando a sua demarcação física, dentro de 30 dias. Poderá, aceito

as contestações, desaprovar a identificação com decisão fundamentada ou

prescrever diligências a serem cumpridas no prazo de 90 dias.

4. Após as devidas correções a FUNAI promove a sua demarcação enquanto o

INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) procederá ao

reassentamento de ocupantes não-índios, caso haja.

5. Procede a demarcação física da terra em questão, submetendo-a a homologação do

Presidente da República, por decreto. Por fim, será registrada em até 30 dias, no

cartório de imóveis da comarca correspondente e na SPU (Secretaria de Patrimônio

da União).

O processo de reconhecimento obrigatoriamente terá a conceituação de terra indígenas,

contidos no parágrafo §1º do art. 231 da Constituição Federal de 1988.

Embora o direito dos índios à terra independa de reconhecimento formal, há uma

obrigação do Poder Público de demarcá-las, como defende Raimundo Sergio Barros

Leitão, que terá o objetivo único de garantir a sua proteção, evitar processos longos

quando houver a existência de conflitos, e permitir a acessibilidade aos indígenas quanto

aos seus direitos.

Os conflitos existentes nas demarcações das terras

O processo de demarcação é um dispositivo extremamente complexo. Relatou-se

em alguns casos, por exemplo, em 2008 no Estado do Ceará, sobre a

ineficiência/inexperiência do grupo técnico e da liderança dos antropólogos indicados para

a construção dos relatórios, mostrando uma grande evasão de informações, em contra

partida facilitando a localização de erros por parte dos contestadores.

Outro quesito de relevada importância é a desestruturação da FUNAI. Segundo

Sérgio Brissac existe uma falta de aparelhamento, no sentido de processamento/realização

dos relatórios exigidos para a demarcação da terra indígena. Além da falta de vontade

política de oferecer a FUNAI as condições necessárias para o sucesso de suas funções,

determinadas pela Constituição de 1988.

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''Além das exigências legais, os recursos administrativos interpostos por

posseiros e a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) têm

levado a uma demora excessiva nos processos de demarcação. ''

Como o principal fator, surge à expansão fundiária, com o objetivo de obter êxito

frente ao desenvolvimento econômico. Exemplifica o trecho abaixo um dos diversos casos:

''Os conflitos pela demarcação de terras têm se intensificado desde os anos 70,

quando houve expansão fundiária gradativa de empresas agroindustriais, muitas

delas financiadas, à época, pela Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE)'' (Lentidão marca os processos, 21 de janeiro de 2007,

disponível em: ...)

Novamente há uma enorme desvantagem para as populações que lutam pelo

reconhecimento da terra. Como exemplo, podemos citar o empreendimento que envolve o

Governo do Estado do Ceará e o grupo brasileiro Vale do Rio Doce e a coreano DongKuk,

junto com o Complexo Portuário do Pecém. A chamada construção da Companhia

Siderúrgica do Ceará, a ser instalada no Pecém. Situações que supostamente visam o

desenvolvimento do país. E em regra, estes se apropriam da própria intervenção dos

poderes, como encontramos no parágrafo abaixo:

''A regra constitucional diz que é vedada a remoção, mas abre exceções: no caso

de catástrofe e epidemia que ponha em risco a população ou no caso de

''interesse da soberania do país''[...] será, no entanto, o Congresso nacional que

decidirá a respeito da remoção e está garantido sempre o retorno imediato logo

que cesse o risco. '' (Artigo 231,

§ 5º, da Constituição Federal)

Conclusão

A questão da terra para os indígenas têm um valor de sobrevivência física e

cultural, sendo o núcleo dos conflitos hoje no Brasil.

As legislações que regem as delimitações dos territórios indígenas centralizam os

indígenas em um caráter extremamente complexo, geralmente não respeitando os direitos

que lhes são observados, por conseguinte o processo de demarcação torna-se ainda mais

desfavorável. Fato que se agrava com a atual desestruturação da FUNAI.

Portanto, é preciso haver o reconhecimento da importância social dos princípios

indígenas, juntamente com o da dignidade da pessoa humana. Desmistificando o conceito

de ‘desenvolvimento’. E é necessário valorizar o processo de intercâmbio cultural, como

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ocorreu no caso Guarani-Kaiowá, além de existir a conscientização dos verdadeiros

acontecimentos que repercute a notícia, houve a solidariedade dos não índios, gerando a

força dos movimentos políticos realizados pelas tribos, o que diretamente possibilita a

aceleração dos trabalhos de regularização das terras indígenas no Brasil.

Além de ser essencial a integração dos poderes para viabilizar a valorização e

consolidação permanente destes territórios.

Bibliografia

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Editora Plêiade, 2001.

KASBURG, Carola; GRAMKOW, Márcia Maria (Org.). Demarcando terras indígenas:

experiências e desafios de um projeto de parceria. Brasília: FUNAI, 1999

KAYSER, Hartmut-Emanuel. Os direitos dos povos indígenas do Brasil: desenvolvimento

histórico e estágio atual. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2010.

MARTINS, Tatiana Azambuja Ujacow. Dialogo intertextual entre o direito kaiowa/guarani

e o direito positivo brasileiro em uma perspectiva da dignidade da pessoa humana.

Dourados, 2002

SANTILLI, Juliana (Coord.). Os direitos indígenas e a constituição. Porto Alegre: Núcleo

Direitos Indígenas, 1993.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de; Núcleo de Direitos Indígenas (Coord.).

Textos clássicos sobre o direito e os povos indígenas. Curitiba: Juruá, 1992.

O que são terras indígenas? Em http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-

indigenas/introducao/o-que-sao-terras-indigenas

Problemas e conflitos. Em

http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/roraima/problemas_conflitos.htm

As terras indígenas. Em http://www.funai.gov.br/indios/terras/conteudo.htm

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Terras indígenas na Amazônia sofrerão impacto por causa de hidrelétricas. Em

http://www.ebc.com.br/2012/12/mais-de-30-das-terras-indigenas-na-amazonia-sofrerao-

impacto-por-causa-de-hidreletricas-diz