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O comércio transatlântico de escravos: condução da mão-de-obra negra para
Pernambuco entre os séculos XVI e XIX1
Débora de Souza Leão Albuquerque2
Resumo
Dados apurados na última década mostram que Recife foi o quinto maior centro
mundial de tráfico escravista. No entanto, o tráfico para Recife é ainda pouco
pesquisado. Em 2007, a divulgação dos novos dados sobre o tráfico atlântico ampliou
muito as informações sobre o tráfico escravista brasileiro, especialmente no Norte e
Nordeste, o que permitiu um mapeamento do tráfico pernambucano muito mais
pormenorizado do que antes possível. Houve, por exemplo, um incremento de 1.282%
no número de desembarcados em Pernambuco o que possibilitou uma melhor
investigação de questões como os portos de embarque de escravos, na África; a duração
média das viagens; o tamanho médio das embarcações utilizadas; a mortalidade média
durante as viagens, etc. A relação desses pontos com as atividades econômicas
desenvolvidas na capitania é evidente no trabalho.
Palavras-chave: Mão-de-obra, Tráfico, Escravismo, Nordeste, Brasil.
1 A pesquisa de que decorre o trabalho teve o apoio do Programa de Apoio a Núcleos de
Excelência (PRONEX), financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal
(FAPDF) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 2 Assistente de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- Ipea. Graduada em
economia pela Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]. A autora
agradece ao professor Flávio Rabelo Versiani, seu orientador na monografia de graduação.
Introdução
O comércio Atlântico de escravos foi um dos mais complexos negócios
conhecidos e envolveu a maior migração transoceânica na história até aquele momento
(Klein, 1999). Ao todo, embarcaram em navios negreiros mais de 12 milhões e meio de
africanos e, com destino o Brasil, foram mais de 5 milhões e meio de embarcados. Esse
tráfico movimentava, entre outras atividades, a indústria naval, o sistema financeiro e de
crédito europeu além da indústria armamentista francesa que, segundo Williams (1994),
fora completamente dependente do comércio africano durante épocas de paz na Europa.
Nesse contexto, é evidente a importância de Recife como centro de tráfico de
escravos. Como ressaltado por Silva & Eltis (2008:122) Recife foi o quinto ou sexto
maior centro organizado de tráfico transatlântico de escravos do mundo. Os novos
dados disponíveis na nova base de dados proporcionaram uma reavaliação dessa
importância; é uma novidade, no contexto da literatura sobre o tráfico de escravos
africanos para as Américas.
A base de dados mais atualizada e completa até 2007 foi patrocinada pela
Universidade de Harvard e coligia grande volume de dados de diversas fontes sobre o
tráfico total de africanos para as Américas, essa base de dados foi lançada em 1999 e
trazia como informação que, para todo o período do tráfico de escravos para
Pernambuco, desembarcaram nessa região 61.800 escravos em 183 viagens realizadas
para tal capitania. Já a nova base de dados, disponibilizada em 2007, patrocinada pela
Universidade Emory, dos Estados Unidos, Instituto Du Bois e pela Fundação Nacional
para as Humanidades (NEH) e disponível no site www.slavevoyages.org, informa que,
para todo o período do tráfico para Pernambuco, houve um desembarque de 853.833
africanos nessa região conduzidos em 1.376 viagens realizadas para tal capitania.
Dessa forma, percebemos um incremento de 1.282% no número de
desembarcados em Pernambuco e de 651% no número de viagens, permitidos pelos
dados da nova base de dados: “Voyages Database”. Assim, não é difícil concluir que a
nova base de dados bem como sua análise são de extrema importância no estudo recente
do tráfico de escravos para Pernambuco.
Apesar da nova base de dados estar disponível na internet, sua utilização por
pesquisadores brasileiros não tem sido muito ampla. Nesse sentido, Eltis e Richardson,
no artigo introdutório do livro Extending the Frontiers (2008), falam na expectativa de
que a literatura sobre o tráfico africano possa se expandir amplamente, com a
divulgação dos novos dados. É visando essa expansão e uma continuidade ao trabalho
da autora apresentado na Paraíba (2010) que o presente trabalho analisa o porto de
embarque dos cativos que se dirigiam para Pernambuco, a mortalidade dentro dos
navios, a quantidade média de escravos desembarcados por navio, a duração média das
viagens e a quantidade de escravos desembarcados por ano, sempre contextualizando
esses pontos com aos acontecimentos políticos e econômicos da época.
O emprego da mão-de-obra
Em Pernambuco a mão-de-obra negra era utilizada no cultivo da cana, mais
comum na Zona da Mata, extensa área próxima da costa com clima quente e úmido, e
também nas fazendas de criação de animais no Sertão, região mais a oeste em
Pernambuco e de clima semi-árido que abastecia com essa criação a área açucareira.
Também era utilizada no Agreste, região intermediária entre Zona da Mata e Sertão. No
Agreste foi explorada tanto a pecuária como diversas culturas alimentares, o algodão
também se fez crescentemente presente nessa região a partir da segunda metade do
século XVIII (Versiani & Vergulino, 2003). Além disso, as áreas urbanas também
alocavam os imigrantes na execução de variados serviços como carpintaria e alfaiataria,
por exemplo.
Apesar de a mão-de-obra negra ter sido empregada em todas essas regiões de
Pernambuco, a literatura clássica tende a concentrar o emprego dessa mão-de-obra na
Zona da Mata. Nas palavras de Versiani & Vergolino (2003: 360):
A literatura freqüentemente transmite a impressão de que o uso da
mão-de-obra escrava na região, ao longo do século XIX, estava
fundamentalmente concentrado na Zona da Mata, o que é reforçado
pelos conhecidos relatos de viajantes estrangeiros que estiveram nessa
parte do País no século XIX, como Henry Koster (1942[1816])- tão
citado por Gilberto Freyre-, e que se referem, preponderantemente, à
sociedade e economia litorâneas, e à escravidão do açúcar.
Segundo esses autores, 30 a 40% da mão-de-obra cativa em Pernambuco não
estava alocada na Zona da Mata, portanto não estavam ligados à indústria açucareira.
Apesar dessas constatações, o tráfico de escravos para Pernambuco decorreu
basicamente das necessidades de mão-de-obra da lavoura de açúcar. Em 1542, Duarte
Coelho, primeiro donatário da capitania de Pernambuco, solicitou ao Rei autorização
para importação de africanos e foi justamente nessa mesma capitania que o primeiro
navio negreiro desembarcou no Brasil, em 1560. O tráfico para Pernambuco terminaria
em 1851 e para o Brasil apenas em 1856.
Porto de Embarque
Como afirma Klein (1989:17),
Apesar de uns 2.2 milhões de escravos terem sido embarcados antes
de 1700, foi apenas no início do século XVIII, que os escravos se
tornaram a principal exportação da África. Foi no século XVIII e na
primeira metade do XIX, que quatro quintos de todos os escravos
foram transportados para América.
Os números da nova base de dados mostram que 62,73% do número total de
escravos desembarcados em Pernambuco, para todo o período do tráfico, embarcaram
em Luanda, atualmente capital de Angola. Dessa forma, podemos afirmar que a maior
parte dos escravos desembarcados em Pernambuco teve sua compra efetuada em
Luanda.
O segundo maior porto de embarque de escravos foi a Costa da Mina, definida
por Verger como o trecho da Baía de Benim do Rio Volta até Cotonu, no Daomé (hoje
Benim), ou seja, cerca de metade daquela baía. Na Costa da Mina foram comprados
9,46% dos escravos desembarcados em Pernambuco. Porém, é importante ressaltar que
em alguns momentos a Costa da Mina foi mais influente na oferta de escravos para
Pernambuco que Luanda. Por exemplo, durante o primeiro terço do século XVIII Costa
da Mina chegou a ser responsável por 25,37% da oferta de escravos enquanto que
Luanda era responsável por apenas 11,57%. O destaque nessa época era de Elmina na
Costa do Ouro, responsável, no mesmo período, por 33,56% da oferta de mão-de-obra
escrava.
O ano de 1758 foi o último em que houve mais de mil escravos desembarcados
em Pernambuco cuja origem havia sido Costa da Mina, ou seja, Costa da Mina deixava
definitivamente de ser uma região de expressiva importância para a oferta de mão-de-
obra para essa capitania do Brasil. Segundo Miller (1988), os traficantes da Bahia
excluíram os traficantes de Pernambuco da região de embarque na Costa da Mina,
processo ocorrido aproximadamente em 1750. Dado que Recife não poderia competir
com a dominação de Benguela exercida pelos traficantes do Rio de Janeiro, a alternativa
viável seria a importação a partir de Luanda. Nas palavras desse autor: “Pernambuco´s
commercial weakness forced its traders to seek slaves where the strong and autonomous
slavers of Bahia and Rio de Janeiro left openings for them.” Miller (1988:487).
Para o período de 1788 a 1815, dos cativos desembarcados na região em
questão, 69,22% haviam embarcado em Luanda e apenas 2,06% haviam embarcado na
Costa da Mina. No tratado de 1815 entre Portugal e Inglaterra, houve a supressão do
tráfico ao norte do Equador. Os números do novo banco de dados indicam que de 1816
a 1851, o total de escravos desembarcados provenientes da Costa da Mina representa
menos de 1% do total, já os de Luanda representam mais de 71%. Essa queda na
contribuição de mão-de-obra da Costa da Mina pode estar relacionada tanto ao fato de o
tráfico ao norte do Equador ter se tornado mais arriscado e por isso seria menos atrativo
aos traficantes comprarem escravos em regiões como Costa da Mina, quanto ao viés na
amostra devido à falta de registros de viagens provenientes do norte do Equador nesse
período dado que os traficantes não registravam, por precaução, onde compravam a
mão-de-obra posteriormente transportada em decorrência da proibição do Tratado. Ou
registravam falsamente a origem como tendo se dado ao sul do Equador, como mostrou
Verger, no caso do tráfico para a Bahia.
Os traficantes baianos, segundo Miller (1988:462) trocavam tabaco produzido na
própria Bahia por escravos na África, o fumo baiano era muito apreciado pela
população local. Já para o tráfico de Pernambuco, a mercadoria que era trocada pelos
escravos na áfrica, ainda é uma incógnita que precisa ser melhor investigada. Talvez a
cachaça, confeccionada a partir do açúcar produzido nessa região, foi o bem de troca
por escravos.
Mortalidade
Eram significativos os altos índices de mortalidade dos africanos capturados
tanto a caminho do porto de embarque quanto a caminho do Brasil. Segundo Miller
(1988), esses facilmente adoeciam por não serem imunes às novas doenças trazidas pelo
branco europeu, pela mudança em seus hábitos alimentares, pela falta de vegetais e
frutas frescas durante a viagem e pela ingestão insuficiente de água. Juntamente com a
insalubridade dos porões e constantes contaminações da água para beber, os cativos
frequentemente sofriam de diarreia, escorbuto, gripe, doenças causadas por parasitas
entre outras. Como nota Miller (1988:384),
One experienced Luanda merchant reported that slavers toward the
second half of the eighteenth century expected to lose about 40 percent of
their captives to flight and death between the time they purchased them in
the interior and the time they put them aboard the ships in Luanda.
Manuel Correia de Andrade (1973) menciona que assim que chegavam ao
Recife os escravos eram expostos à venda no mercado de escravos e vendidos na maior
parte das vezes a prazo. Segundo o mesmo, as companhias obtinham grandes lucros
oriundos da diferença de preço de compra e venda dos escravos.
Algumas normas foram elaboradas visando uma melhora no tratamento dado aos
escravos durante as viagens no Atlântico. No Alvará de 1813, assinado por D. João,
foram fixadas regras sobre alimentação e o fornecimento mais adequado de água.
Fixaram-se ainda prêmios, a serem pagos ao Mestre e Cirurgião do navio, caso a
mortalidade durante a viagem fosse inferior a 2%. Segundo Versiani (2008), tais
medidas adotadas seriam antes uma resposta às pressões abolicionistas da Inglaterra do
que uma proposta de redução do sofrimento dos cativos.
Terão produzido algum efeito os prêmios oferecidos, no Alvará de 1813, para
taxas de mortalidade menores? Analisando os números da nova base de dados
poderíamos afirmar que não. Isso porque a média das taxas de mortalidade observadas
no período anterior ao Alvará, em navios escravistas desembarcados em Pernambuco
entre 1800 e 1813, foi de 9,9% (com desvio padrão de 1,4%). Comparando essa média
com a referente ao período posterior ao Alvará, entre 1814 e 1823, vê-se que neste
último período a mortalidade foi maior do que antes: 17% (desvio padrão: 10,67%).
A média percentual de escravos embarcados que morreram durante a viagem
com destino Pernambuco foi de 12,6%. A variação dessa média ao longo do tempo pode
ser observada na figura abaixo.
Figura 1. Mortalidade percentual dos escravos nas viagens
Fonte: Voyages Database.
O gráfico sofre uma distorção em 1844 porque houve apenas uma viagem
registrada nesse ano e nessa viagem 350 escravos embarcaram e apenas 130
desembarcaram, portanto o percentual de mortos foi de 62,86%. Provavelmente uma
epidemia se fez presente nessa viagem. Nas palavras de Klein (1989):
As astronômicas taxas de mortalidade alcançadas em algumas viagens
deviam-se a surtos de varíola, sarampo e outras doenças altamente
contagiosas, que não estavam relacionadas com o tempo de
permanência no mar, nem com as condições de estoques de alimento e
de água, e nem com a higiene ou as práticas sanitárias. Era a própria
casualidade destas doenças epidêmicas que impedia capitães
experientes e eficientes de eliminar as altas taxas de mortalidade de
algumas viagens.
Exceções como nenhuma morte registrada durante a viagem da África ao Brasil
também aconteceram. Em 15 de outubro de 1789, por exemplo, o brigue “Netuno
pequeno” foi visitado por agentes médicos em Salvador após um mês de viagem da
Costa da Mina, com uma pequena escala em Recife. Nenhuma morte foi registrada
nessa viagem e seu capitão e dono, Pedro Gomes Ferreira, informou aos burocratas do
porto que dois novos escravos nasceram a bordo (Ribeiro, 2008). Essa foi uma
ocorrência incomum no tráfico de negros. Durante a travessia os africanos estavam
muito mais sujeitos à morte que ao nascimento.
Além de epidemias, tempestades e atrasos podiam aumentar o índice de
mortalidade a bordo. Eram comuns também mortes causadas pelo “banzo”, designado,
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em 1799 na Academia Real de Ciências de Lisboa, como doença aguda e crônica que
freqüentemente acometia os negros recém-tirados da África. Os sintomas mais notáveis
eram tristeza, falta de vontade de falar e de se alimentar.
É importante lembrar que enfermidades não só atingiam os escravos do navio,
mas também afetavam a tripulação. Além disso, as populações das cidades cujos portos
recebiam desembarques de navios negreiros sofriam constantemente de doenças
introduzidas pelos desembarcados (Ribeiro, 2008).
A mortalidade claramente não terminava com o desembarque dos cativos.
Muitos africanos sobreviventes da travessia do atlântico chegavam tão fracos e doentes
que tinham que ficar de quarentena por um longo período após o desembarque.
Escravos nessas condições davam perdas aos traficantes, e mesmo depois de vendidos,
africanos doentes tinham que receber um cuidado especial (Ribeiro, 2008).
Quantidade Média de Escravos Desembarcados por Navio, entre 1788 e 1851
Ao longo de todo o período do tráfico para Pernambuco, a média de escravos
desembarcados por navio girou em torno de 312. Já para o período de 1788 a 1851,
classificado por Furtado (1959) como o período do declínio do açúcar e início do café, a
média foi um pouco maior: 327,12 escravos por navio. A Figura 2 mostra a média de
desembarques para esse último período.
Figura 2. Média de escravos desembarcados por navio (1788-1851)
Fonte: Voyages Database.
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Através da observação do gráfico acima, é possível discordar do que afirma
Marcus Carvalho (2002:132) acerca do tamanho dos navios. De acordo com esse autor,
os navios que desembarcavam em Pernambuco, foram diminuindo de tamanho e a
década de quarenta teria sido o apogeu das pequenas embarcações. Segundo o mesmo,
no período do tráfico ilegal para o Brasil, houve um declínio na utilização de navios
enormes, comuns no século XVIII, com mais de mil escravos a bordo. A estratégia de
utilização de navios menores estaria ligada a vantagem de aproximação da costa no
momento de desembarque, uma operação, na época, de risco. Além disso, o autor
argumenta que o tempo de viagem seria menor com embarcações diminutas dado que o
tempo de espera nos portos africanos para que a carga ficasse completa para a travessia
seria reduzido.
Manolo Florentino (1997:147) também faz afirmativas nessa direção: “o
incremento da participação de pequenas naus, em princípio mais velozes [...] pode ter
sido a causa maior do encurtamento das viagens e, portanto, da queda da mortalidade a
bordo”. Dessa forma, Florentino e Carvalho defendem a ideia de que o tamanho dos
navios negreiros estava diminuindo com o tempo, afirmativa não respaldada pela análise
dos novos dados.
Analisando os dados da nova base percebemos que as médias de escravos
desembarcados nas décadas de 20, 30 e 40 do século XIX foram, respectivamente, de
315,09; 328,46; 362,87 por navio. A análise dessas informações nos leva a conclusão de
que os tamanhos dos navios estavam aumentando e não diminuindo.
Há indícios de que a tonelagem3 média dos navios foi crescente no século XIX,
o que reforça a ideia discorrida acima. Segue abaixo o gráfico da tonelagem média dos
navios ao longo dos anos no período de 1788 a 1851.
Figura 3. Tonelagem média dos navios, que desembarcaram em Pernambuco, por
ano (1788-1851)
3 De acordo com o glossário do site www.slavevoyages.org, “Tonnage: The amount of cargo a vessel is
able to carry expressed in imperial tons. Slaving vessels were typically smaller in tonnage than their non-
slaving”.
Fonte: Voyages Database.
As tonelagens médias dos navios nas décadas de 20, 30 e 40 foram de 143;
148,37 e 166,52. Klein (1999:143) já tinha percebido esse aumento no número de
escravos desembarcados por navio e já havia relacionado isso a um aumento na
tonelagem e tamanho dos mesmos: “there was a progressive increase of slaves carried
per ship as average tonnage increased […]” (p. 143); e, com referência específica a
navios portugueses: “the average number of slaves carried per trip was constantly on the
increase over the course of [the 18th century]” provavelmente pelo uso de “larger
vessels, rather than changes in crowding slaves” (Klein,1999:148).
O porquê do crescimento, em média, do número de escravos transportados e da
tonelagem das embarcações, no século XIX, poderá ser desvendado a partir de
pesquisas mais detalhadas sobre o tráfico nesse período. Porém, a expectativa dos
traficantes em terem lucros maiores com a venda posterior ao desembarque de um
volume maior de mão-de-obra escrava nos portos, parece ser uma explicação plausível
para essa indagação. Além disso, a expectativa do fim do tráfico pode ter funcionado
como estímulo ao desembarque de um volume maior de escravos nos portos. Nos
estudos de Versiani & Vergulino (2002:9), obtemos a informação de que houve um
aumento significativo do preço dos escravos em Pernambuco em 1830-1845 e, mais
especialmente, durante a década de 1850. Ora, o fato dos escravos estarem valendo
mais, estimula os traficantes a desembarcarem mais escravos por viagem realizada.
Duração Média das Viagens
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Segundo Eltis (1977), as mortes de escravos nas viagens variavam de forma
direta com o número de dias no mar. As rotas eram muitas vezes determinadas pelos
ventos e correntes marítimas que ajudavam o tempo de viagem encurtar. Devido à
vulnerabilidade da vida dos escravos aos atrasos, os traficantes compartilhavam um
interesse em comum: a redução do tempo das viagens. O custo da viagem também
variava diretamente com esse tempo, como os salários dos tripulantes e capitães a bordo
e fundos emprestados para a viagem (Miller, 1988). Dessa forma, era importante
otimizar o tempo desde a saída do navio do porto de origem até sua chegada ao porto de
desembarque.
Apesar da redução do tempo de travessia do Atlântico ser importante para os
traficantes da época, o tempo despendido nos portos africanos até o momento de
embarque de cativos era a fonte maior de preocupação dos donos de navios. Os atrasos
nos portos de embarque eram rotineiros, muitas vezes provocados por rivais já que
havia disputa pelos escravos que seriam embarcados. Nas palavras de Miller
(1988:318), “The economics of slaving voyages on the swiftness of the turnaround
Atlantic, reduced to their most abstract terms, hinged on the swiftness of the turnaround
in Angola, and all these pressures therefore converged on the hectic rough-and-tumble
of the colony´s port.”
Segundo Jaime Pinsky (1994), as feitorias existentes ao longo da costa da África
serviam para aglomerar os cativos que chegavam de diversas partes do continente até o
momento da chegada de um navio que os transportariam para o Brasil. Ocorria também
a espera dos navios no porto até haver número suficiente de escravos para tornar a
expedição lucrativa.
A nova base de dados revela o seguinte: para todo o período do tráfico, o tempo
médio da viagem era de 240,88 dias, ou seja, da saída do porto de origem até a chegada
ao porto de desembarque, levava-se 8 meses e 27 dias em média.
Das 1.376 viagens com destino Pernambuco de que se tem registro na nova base
de dados, 74 indicam o tempo de travessia do oceano Atlântico. O tempo médio dessa
travessia para todo o período do tráfico foi de 47,8 dias.
De 1564 a 1777 a média de dias gastos na travessia do Atlântico era de 52,43. Já
para o período de 1788 a 1851, o tempo médio da travessia passou a ser 50,30 dias, isso
está de acordo com argumentos expostos na literatura que afirmam ter o tempo das
viagens regredido na medida em que se avançava a tecnologia, os navios ficavam mais
velozes e as correntes marítimas juntamente com os ventos eram melhor estudados e
aproveitados.
Quantidade de escravos desembarcados por ano
A quantidade de escravos desembarcados por ano em Pernambuco não foi
homogênea para todo o período do tráfico. O ano de 1810 foi o ano de maior
movimentação no porto do Recife: nesse ano desembarcaram 11.518 escravos. Já os
anos de 1.631, 1632, 1.634, 1.635, 1.648, 1.651, 1.653 e 1.654 são os anos em que não
houve nenhum escravo desembarcado. É interessante notar que essas últimas datas se
situam no período da invasão holandesa em Pernambuco (1630-1654). Observe gráfico
abaixo.
Figura 4. Número total de escravos desembarcados em Pernambuco por ano
Fonte: Voyages Database.
Nota-se uma queda brusca no número de desembarcados no inicio da ocupação
holandesa de Pernambuco. Após a expulsão desses, em 1654, o número de
desembarcados eleva-se substancialmente.
As exportações de açúcar do nordeste holandês foram significativas durante
apenas 8 anos, de 1638 a 1645, já a partir de 1645 essas declinam bruscamente (Silva &
Eltis, 2008). É justo no período de maior exportação que se verifica o expressivo
volume de cativos desembarcados no período holandês. Entre 1636 e 1645, chegaram ao
Brasil 90% dos escravos trazidos por esse povo.
O pico no gráfico de 1642 a 1645 ocorre provavelmente porque, nesse período,
os holandeses obtinham o acesso à maior parte dos mercados de escravos africanos na
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do
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África, inclusive Angola. Entre essas datas, o desembarque estimado de escravos se
aproxima do volume estimado para o tráfico do período anterior a invasão holandesa.
Dessa forma, observa-se que a invasão e expulsão holandesa impactaram
profundamente a dinâmica do tráfico de escravos para a região em foco. Veja a tabela a
seguir.
Figura 5. Quantidade de desembarcados em Pernambuco, por quinquênio
Período N° de escravos desembarcados
1561-1565 573
1566-1570 792
1571-1575 1.096
1576-1580 1.516
1581-1585 2.099
1586-1590 2.906
1591-1595 4.022
1596-1600 5.567
1601-1605 7.993
1606-1610 10.665
1611-1615 14.763
1616-1620 20.439
1621-1625 23.200
1626-1630 19.294
1631-1635 300
1636-1640 6.421
1641-1645 17.526
1646-1650 1.438
1651-1655 2.069
1656-1660 9.323
1661-1665 9.000
1666-1670 10.992
1671-1675 9.879
1676-1680 12.500
1681-1685 12.500
1686-1690 12.500
1691-1695 12.500
1696-1700 33.221
1701-1705 25.539
1706-1710 27.322
1711-1715 20.000
1716-1720 20.000
1721-1725 17.887
1726-1730 20.827
1731-1735 12.203
1736-1740 10.973
1741-1745 12.066
1746-1750 17.361
1751-1755 14.427
1756-1760 15.780
1761-1765 13.567
1766-1770 14.599
1771-1775 12.280
1776-1780 9.519
1781-1785 12.720
1786-1790 14.536
1791-1795 18.382
1796-1800 19.348
1801-1805 23.965
1806-1810 29.904
1811-1815 37.213
1816-1820 44.246
1821-1825 34.687
1826-1830 34.405
1831-1835 8.125
1836-1840 27.033
1841-1845 12.202
1846-1850 7.273
1851 350
Total 853.833
Fonte: Voyages Database.
A lei portuguesa de 18 de março de 1684, conhecida como lei da “arqueação dos
navios negreiros” estabeleceu a proporção da quantidade de negros a serem embarcados
com a capacidade, em tonelada, da embarcação e também com as características dos
cômodos (Florentino, 1997). Ao que parece, essa lei não trouxe muitos efeitos sobre a
quantidade de negros conduzidos por ano a Pernambuco, visto que a quantidade de
desembarcados foi de 2.500 nos 10 anos antecedentes e nos 10 anos posteriores a lei.
A bibliografia recente sobre o tráfico atlântico destaca que no final da segunda
década do século XIX houve um aumento na importação de escravos na América
portuguesa, motivada pela capacidade de aquisição dos produtores do sudeste e pela
perspectiva de proibição da atividade negreira. Esta conjuntura foi classificada como
“crise de oferta africana”, segundo a periodização proposta por Manolo Florentino
(1997), com base nas entradas de navios negreiros no porto do Rio de Janeiro. Em
Pernambuco, com base na tabela e gráfico acima, podemos perceber um aumento no
número de desembarcados nos anos próximos ao fim do tráfico. Possivelmente, a
expectativa da proibição do tráfico pode ter causado esse aumento.
A partir de 1810, a Coroa portuguesa assinou uma série de tratados com a Grã-
Bretanha visando à abolição do tráfico atlântico de escravos. Em 23 de novembro de
1826, foi assinado um tratado que estipulava um prazo de três anos para o Império do
Brasil decretar a extinção do tráfico atlântico. Tal resolução foi adotada a partir de 13 de
março de 1830 e através da Lei de 7 de novembro de 18314 foram declarados livres
todos os escravos que entrassem no território e portos do Brasil e o tráfico foi designado
como pirataria devendo, portanto, ser combatido. A Lei anti-tráfico de 1831, foi
invocada nos tribunais brasileiros e apropriada pelos escravos, seus representantes e por
juízes abolicionistas para sustentar ações de liberdade e constituiu-se em tema central de
uma série de debates no Senado do Império quanto a sua vigência ou não a partir das
décadas de 1850 e 1860 (ZUBARAN, 2006). Contudo, ela teve pouca ou nenhuma
efetividade no combate à importação de escravos africanos: o tráfico negreiro
4 CARTA DE LEI de 7 de novembro de 1831: disponível
em:http://www.icmc.usp.br/ambiente/saocarlos/?historia/o-processo-de-abolicao-e-a-vinda-dos-
imigranteseuropeus/lei-de-1831, consultado em 04.02.2011.
permaneceu ativo e foi definitivamente encerrado apenas em 1850, através da chamada
“Lei Eusébio de Queiroz”5.
Pela figura 5 podemos perceber que a partir de 1831 há uma queda acentuada no
número de escravos desembarcados, isso provavelmente está associado ao fato dos
traficantes tentarem não deixar vestígios dessa atividade, que passara a ser ilegal a partir
dessa data. Também há um declínio no número de viagens realizadas para Pernambuco
a partir de 1831. Dessa forma, podemos supor que não apenas os traficantes passaram a
maquiar a quantidade de escravos conduzidos em seus navios, mas também a não mais
registrar suas viagens.
Já o preço dos escravos em Pernambuco é crescente na década de 30, e é de
supor que os obstáculos ao tráfico, após sua proibição legal em 1831, aumentasse o
custo das importações de africanos. Nas palavras de Versiani & Vergolino (2002:4):
Os números (...) indicam, até o final da década de 1820, um aumento
médio de preços da ordem de 15% por quinquênio. Esse ritmo de
incremento de preços mais do que dobra, nos anos trinta, de tal forma
que o nível preços ao redor de 1840 é cerca de duas vezes o de dez
anos antes; na primeira metade da década de 1840, os preços
aumentam ainda cerca de 20%.
Por último, seria importante destacar que no período de vigência do tráfico no
Brasil (1560-1856) desembarcaram aproximadamente 4 milhões e 800 mil africanos no
país e 850 mil africanos em Pernambuco. No Brasil, 2 milhões, ou 40%, desembarcaram
no período de 1801 a 1850. Em Pernambuco, 260 mil, ou 30%, desembarcaram entre
1801 e 1850, perfazendo uma média de 5 mil desembarcados por ano.
Comparativamente, nos séculos XVIII e XVII a média era de 3.300 e 2.500 ao ano,
respectivamente. O fato de o volume de importação de escravos no século XIX ser bem
mais expressivo que o volume de importação de escravos nos séculos anteriores em
Pernambuco, sugere que as atividades econômicas nessa região estavam aquecidas visto
que o aumento no número de desembarcados não pode ser explicado pelo tráfico interno
de escravos, que só ganha importância depois de 1870, como Slenes (1975) mostrou em
sua tese.
De fato, a produção de açúcar estava aquecida e se expandiu durante a maior
parte do século XIX e, segundo Luna & Klein (2010):
5 LEI Nº. 581 de 4 de setembro de 1850: disponível em:
http://www.icmc.usp.br/ambiente/saocarlos/?historia/o-processo-de-abolicao-e-a-vinda-dos-
imigranteseuropeus/lei-eusebio-de-queiroz, consultado em 04.02.2011.
O fabuloso crescimento de Pernambuco no século XIX teve origem na
revitalização da economia local ocorrida em fins do século XVIII. O
trabalho da companhia monopolista pombalina na capitania fora
eficaz, deixando-a em posição vantajosa para aproveitar o boom pós-
1791 nos preços do açúcar. Expandiram-se os engenhos tanto nas
áreas tradicionais como nas de fronteira; ao mesmo tempo, o tráfico de
escravos intensificou-se, e a população cativa local aumentou para
quase 100 mil pessoas na segunda década do século XIX. A produção
de açúcar cresceu a cada década, e em meados do século Pernambuco
já ultrapassava a Bahia.
Figura 6. Produção de açúcar em Pernambuco (em toneladas) por ano-safra e
tendência linear, 1800 a 1850
Fonte: Denslow Jr. (1974).
A produção de açúcar é crescente não só em Pernambuco no século XIX, mas
em todo o território nacional. Como afirmam os mesmos autores, em 1805 o Brasil era
responsável por 15% da produção mundial de açúcar e essa commodity permaneceu até
1830 como a principal cultura de exportação brasileira em valor de produção. Nesse
mesmo ano, o Brasil tornou-se o segundo maior produtor da América. Com relação ao
preço desse insumo agrícola, podemos verificar seu comportamento na figura 7.
Figura 7. Preço de exportação do açúcar brasileiro (mil-réis/tonelada) e tendência
linear, 1821 a 1850
-10.000
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
produção de açúcar Linear (produção de açúcar)
Fonte: IBGE (1986).
Figura 8. Taxa de câmbio média do comércio exterior (mil-réis/ £) e tendência
linear, 1821 a 1850
Fonte: IBGE (1986).
Conforme a linha de tendência linear da figura 7, o preço de exportação do
açúcar brasileiro é suavemente decrescente no período destacado. Porém, a moeda
nacional estava sofrendo desvalorização como mostra a figura 8. Dessa forma, pode-se
supor que o câmbio desvalorizado justificaria a produção agrícola mesmo com os preços
internacionais em queda.
0
50
100
150
200
250
preço do açúcar Linear (preço do açúcar)
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
taxa de câmbio Linear (taxa de câmbio)
Sobre a produção de algodão que, segundo Manuel Correia de Andrade
(1973:151), foi um dos principais produtos nordestinos e único que enfrentou a cana-de-
açúcar com algum êxito na disputa às terras e aos braços, sua quantidade exportada pela
alfândega de Pernambuco decresce de forma suave na primeira metade do século XIX
conforme a tendência linear da figura 8. Já o preço de exportação do algodão brasileiro
(mil-réis/tonelada) também tem tendência linear levemente decrescente, conforme a
figura 9. Mais uma vez, a taxa de câmbio ascendente parece ter justificado a produção
do insumo, mesmo estando os preços internacionais em queda.
Figura 8. Quantidade exportada de algodão pela alfândega de Pernambuco e
tendência linear, 1801 a 1850 (inclui a produção das províncias vizinhas)
Fontes: De 1801 a 1830 e 1840/41 a 1849/50: SOARES (1977). De 1831 a 1839: dados interpolados
proporcionalmente à variação das exportações totais de algodão do país retiradas de IBGE (1986).
Figura 9. Preço de exportação do algodão brasileiro (mil-réis/tonelada) e tendência
linear, 1821 a 1850
0
1.000.000
2.000.000
3.000.000
4.000.000
5.000.000
6.000.000
18
01
18
04
18
07
18
10
18
13
18
16
18
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25
18
28
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34
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18
40
-41
18
43
-44
18
46
-47
18
49
-50
exportação de algodão Linear (exportação de algodão)
Fonte: IBGE (1986).
Somando-se ao fato do número de escravos desembarcados em Pernambuco ser
crescente na primeira metade do século XIX o fato do preço dos cativos também sofrer
crescimento nesse período, concluímos que as atividades econômicas em Pernambuco
estavam aquecidas. Conforme relatado acima, a produção de açúcar estava em
vertiginosa ascensão, apesar dos preços dessa commodity apresentar leve declínio. A
taxa de câmbio, por sua vez, foi crescente no período, o que encorajou as exportações de
insumo agrícola. A produção de algodão, bem como seu preço no mercado
internacional, também não apresenta queda brusca, sendo, inclusive, justificada pela
desvalorização da moeda nacional. Todo esse quadro não condiz com a “etapa de
dificuldades econômicas que se iniciara com a decadência do ouro” nem com a
afirmação de que na primeira metade do século XIX “As províncias do norte- Bahia,
Pernambuco e Maranhão- atravessaram uma etapa de sérias dificuldades econômicas(...)
Na Bahia e em Pernambuco, e ainda mais no Maranhão, a renda per capita deve haver
declinado substancialmente nesse período.” Furtado (1959: 93 e 96).
A tese da estagnação econômica do país entre o fim da prosperidade da
mineração, ao redor de 1870, e o início da fase de maior lucratividade da lavoura
cafeeira, a partir de 1850 tem lugar de relevo no quadro geral da evolução da economia
brasileira traçado por Furtado em Formação Econômica do Brasil. O autor baseou-se
essencialmente em dados de exportação (disponíveis desde 1821) e, relativamente ao
fluxo de tráfico negreiro, em apenas alguns dados e estimativas gerais, sem citar a fonte,
para afirmar que o atraso relativo da economia brasileira em relação aos países mais
0
100
200
300
400
500
600
preço do algodão Linear (preço do algodão)
desenvolvidos, no momento em que escrevia, tinha origem “não no ritmo de
desenvolvimento dos últimos cem anos [ou seja, desde 1850], o qual parece haver sido
razoavelmente intenso, mas no retrocesso ocorrido nos três quartos de século
anteriores.” (p. 150). Porém, segundo Versiani (2009:15),
Implícita nessa argumentação está a hipótese de que o crescimento da
economia brasileira dependia, no período, basicamente da produção para
exportação. O atraso relativo do Brasil decorreria de o País não ter conseguido
“integrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial durante [a] etapa de
rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais avançados” — ou
seja, durante a Revolução Industrial (p. 150). Em contraste, os Estados Unidos
haviam logrado tal integração, quando se tornaram grandes fornecedores da
matéria-prima fundamental do crescimento industrial inglês do período, o algodão.
Além disso, o autor não teve acesso a estudos que mostrassem a importância das
correntes de comércio interno para o escoamento da produção do país, como, por
exemplo, Brown (1986), Barickman (1998), Libby (1997), que mostram tal dinâmica
em Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais respectivamente. Porém, é significativo que
não haja estudos detalhando a dinâmica do mercado interno em Pernambuco nesse
período e a inserção do imigrante africano nesse contexto. Essa é uma área ainda pouco
explorada onde novas pesquisas poderão ampliar significativamente nosso
entendimento da evolução da economia no século XIX nessa região. De tal ampliação
resultará, possivelmente, uma diminuição da ênfase na atividade exportadora como o
“centro dinâmico” da economia e um destaque maior dos agentes nacionais como
dinamizadores da produtividade e da renda.
Conclusão
As consequências da migração forçada de mão-de-obra da África para
Pernambuco são, ainda hoje, evidentes na sociedade desse Estado. A cor da pele de
muitos dos residentes dessa região é escura devido à miscigenação ocorrida ao longo
dos anos. Além de aspectos visíveis como esse, as consequências da migração dos
negros são latentes na cultura do povo pernambucano e nordestino. Muito da dança, da
culinária, do folclore, da poesia e da música do povo pernambucano é resultado da
mistura de povos, inclusive dos povos africanos que se dirigiram para lá. O maracatu, o
manguebeat, a cachaça, acarajé, caruru, moqueca de crustáceo e de peixe, lombo de
porco assado, mocotó, vatapá, munguzá, são exemplos de expressões culturais regionais
que receberam influência desses imigrantes (Cavalcanti, 2010). Além disso, nas
palavras de Gilberto Freyre (1987):
Sem escravidão não se explica o desenvolvimento, no Brasil, de uma
arte de doce, de uma técnica de confeitaria, de uma estética de mesa,
de sobremesa e de tabuleiro tão cheias de complicações e até de
sutilezas, e exigindo tanto vagar, tanto lazer, tanta demora, tanto
trabalho no preparo e no enfeite dos doces, dos bolos dos pratos, das
toalhas e das mesas
Apesar de todo o impacto social, cultural, econômico e político da imigração
africana no Brasil, proporcionada pelo tráfico negreiro, esse tema ainda é pouco
estudado e carece de mais investigações. Como relata Klein (1999:XVII):
Despite its central importance in the economic and social history of
Western expansion, its fundamental role in the history of America,
and its profound impact on African society, the Atlantic slave trade
remained one of the least studied areas in modern Western
historiography (…)
Dessa forma, esse trabalho vem com a proposta de esclarecer algumas questões
relativas ao funcionamento do tráfico que levava a mão-de-obra da África à
Pernambuco e de chamar atenção à importância da continuidade da investigação
científica nesse tema de estudo.
Com relação à origem dos cativos que desembarcavam na localidade em
questão, a nova base de dados apontou Benguela como o principal porto de embarque
para todo o período do tráfico. A média percentual de escravos embarcados que
morreram durante a viagem com destino Pernambuco foi de 12,6%. A quantidade média
de escravos desembarcados por navio, sugerida nas análises acima, era de 312. Nos
dados examinados acima, não se observou uma diminuição do tamanho dos navios,
como apontado na literatura atual. O tempo médio de travessia no atlântico parece ter
sido de 47,8 dias, porém foi observada uma queda na quantidade de dias ao longo do
tempo, possivelmente consequência do avanço tecnológico.
Com relação à média de escravos desembarcados por ano, para todo o período
do tráfico, essa foi de 2.934,13 com desvio padrão igual a 2.208,75 apesar de terem
existido 8 anos em que nenhum escravo desembarcou nessa região e, por outro lado, um
ano em que desembarcaram 11.518 cativos. Dessa forma, vemos que a quantidade de
africanos conduzidos a Pernambuco ao longo dos anos de vigência do tráfico foi bem
heterogênea. Conforme relatado acima, 30% dos africanos que vieram de forma forçada
para Pernambuco, nos quase 300 anos de vigência do tráfico, chegaram na primeira
metade do século XIX, isso, entre outros indícios, sugere que as atividades econômicas
estavam aquecidas nessa região.
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