O agendamento midiático às vésperas do golpe de 1964
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O agendamento midiático às vésperas do Golpe de 1964: o papel da imprensa na preparação do terreno
Gustavo Chaves Lopes1
RESUMO
O Golpe Militar perpetrado em março de 1964, que derrubou o então presidente João Goulart e instaurou um regime ditatorial no Brasil, teve amplo apoio da imprensa na época. Sobretudo da chamada “grande mídia” da qual faziam parte os jornais mais tradicionais. Esse artigo pretende, portanto, analisar o papel desempenhado pela mídia hegemônica, aqui representada pelos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Correio da Manhã, na criação de um cenário favorável ao Golpe.
Palavras-chave: Golpe Militar; Ditadura; Imprensa; Agendamento.
ABSTRACT
The military coup perpetrated in March 1964, ousting then President Joao Goulart and instauoru a dictatorship in Brazil, had broad support from the press. Especially the so-called "mainstream media" which were part of the most traditional newspapers. This article therefore aims to examine the role played by the mainstream media, represented here by the newspapers O Globo, Jornal do Brasil and Correio da Manhã, in the creation of a favorable coup scenario.
Keywords: Military Coup; dictatorship; Press; Agenda Setting.
1 Jornalista, mestre em comunicação social pela Universidade de Brasília (UnB), pesquisador do LALIM - Laboratório de experimentação em linguagens digitais para dispositivos móveis.
Recentemente, as Organizações Globo, por meio de um editorial2, fizeram um mea
culpa em relação ao seu apoio ao Golpe de 1964. A nota, publicada no final de agosto
de 2013, diz que essa revisão histórica já era motivo de discussões internas e que os
protestos de junho daquele ano (nos quais muitos cartazes lembravam o referido apoio),
reforçaram a ideia de que era hora de reconhecer o erro. Interessante notar que o
editorial não se restringe ao O Globo, então principal veículo da organização, mas cita
nominalmente outros jornais que também apoiaram os golpistas, como o Estado de São
Paulo, o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã e a Folha de São Paulo.
Entre idas e vindas, citando passagens em que supostamente as Organizações Globo, na
pessoa de seu fundador, Roberto Marinho, teriam se oposto ao regime, a nota termina
reconhecendo seu equívoco de apoiar a ditadura, bem como a postura editorial ao longo
da mesma:
À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma (O GLOBO, 2013).
Não há notícia que os demais jornais citados, ou qualquer outro, tenham feito
semelhante reconhecimento. E, mesmo reconhecendo o erro, isso não desfaz o que foi
feito. No entanto, passados 50 anos daqueles eventos que culminaram com a
implantação de um regime de exceção que perdurou por 21 anos e deixou incontáveis
sequelas na sociedade brasileira, nos parece importante resgatar o papel desempenhado
pela imprensa naquele cenário. Para tanto, nos apoiaremos em uma teoria da Ciência da
Comunicação. E, com esse suporte teórico, analisaremos a potencial influência dos
principais jornais da época, na formação de um imaginário favorável ao golpe e
contrário ao governo Goulart. Para isso, vamos analisar as capas de três jornais (O
Globo, Jornal do Brasil e Correio da Manhã), no período de 26 a 31 de março de 1964,
buscando elementos que nos permitam compreender o papel desempenhado pela mídia
naquele contexto histórico.
A Teoria do Agendamento (Agenda Setting)¸ proposta em 1968 pelos teóricos
americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw, foi o resultado de uma pesquisa
2 Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604. Acesso em: 02/06/2013.
realizada durante a campanha presidencial daquele ano nos EUA. A ideia dos
pesquisadores era:
“[...] aplicar um pequeno questionário em eleitores indecisos durante a campanha presidencial dos Estados Unidos seguido de uma sistemática análise de conteúdo de como os veículos noticiosos utilizados por estes eleitores apresentaram os principais temas da campanha” (McCOMBS, 2009:10).
Assim surgiu o “estudo de Chapel Hill”, que ficaria conhecido como a origem da Teoria
da Agenda. Embora o estudo tenha sido realizado em 1968, a primeira publicação com
as hipóteses iniciais da teoria apareceram apenas em 1972, no artigo The agenda-setting
function of mass media, publicado na revista Public Opinion Quarterly, da Universidade
de Oxford.
Esta função de agendamento da mídia seria referendada em sua habilidade “de
influenciar a saliência dos tópicos na agenda pública” (McCOMBS, 2009, p. 18). Os
autores, em seu texto inaugural, remetem à famosa frase de Bernard Cohen para ilustrá-
lo: “A imprensa, na maior parte das vezes, pode não ser bem sucedida em dizer às
pessoas como pensar, mas é espantosamente eficaz ao dizer aos seus leitores sobre o
que pensar” (McCOMBS in TRAQUINA, 2000, p. 49).
Embora a teoria tenha sido engendrada apenas no final dos anos sessenta, é possível
afirmar que a influência da mídia na sociedade já era de conhecimento geral muito antes
disso. Walter Lippmann, por exemplo, - a quem McCombs (2009) se refere como o “pai
intelectual do agendamento” – dizia, ainda em 1922, que “os veículos noticiosos, nossas
janelas ao vasto mundo além de nossa experiência direta, determinam nossos mapas
cognitivos daquele mundo” Ou seja, os veículos noticiosos constroem um
pseudoambiente a partir do qual nos é permitido conhecer o mundo.
Essa capacidade midiática de influenciar a agenda pública e pautar os temas de
discussão da sociedade foi comprovada por mais de 400 estudos sobre o agendamento.
(McCombs, 2009). Além disso, a imprensa escrita, sobretudo os jornais, vivia ainda um
período de domínio3 dos “corações e mentes” no país, visto que a televisão apenas
atingiria sua hegemonia midiática décadas depois (SODRÉ, 1998).
3 O rádio também tinha grande influência na sociedade. Porém, nem todos os arquivos radiofônicos estão disponíveis e, por conta disso e por questões metodológicas, não analisaremos seu conteúdo. Embora se possa dizer que, a linha editorial era idêntica a da mídia impressa.
Além disso, a concentração de leitores em alguns poucos jornais é outro dado que
explica o poder de influência desses veículos. O Correio da Manhã, por exemplo, tinha
uma tiragem de cerca de 200 mil exemplares no início dos anos sessenta; o O Globo,
por volta de 220 mil e o Jornal do Brasil em torno de 60 mil exemplares diários
(SILVA, 2008).
Se levarmos em consideração que um mesmo exemplar era lido por mais de uma
pessoa, que o Brasil, à época, tinha uma população de 70 milhões de habitantes4, dos
quais 39,6% eram analfabetos e descontando ainda cerca de 15% de crianças e
adolescentes, tem-se aí o tamanho do alcance destes três jornais na sociedade brasileira
de então, sobretudo no Rio de Janeiro que, apesar de Brasília, ainda era o centro político
do país.
Outros estudos, de maior fôlego e mais detalhados, foram feitos sobre tema semelhante,
dentre os quais vale destacar as recentes pesquisas de Eduardo Gomes Silva – A Rede
da Democracia e o Golpe de 1964 (dissertação de mestrado – UFF, 2008); e A Rede da
Democracia (tese de doutorado que virou livro), de Aloysio Castelo de Carvalho
(2010). A Rede da Democracia, aliás, foi um movimento que emulou a Campanha da
Legalidade, de Leonel Brizola, porém com objetivos opostos. A Rede, segundo
Carvalho, se estabeleceu da seguinte forma:
Os grupos de comunicação dos Diários Associados (O Jornal), de O Globo e do Jornal do Brasil uniram suas emissoras (Tupi, Globo e JB) e as páginas de seus jornais no que batizaram de Rede da Democracia, com o objetivo de deter o governo de Jango e as suas reformas de base (CARVALHO, 2010: ii).
Ainda assim, o presente artigo propõe olhar para esse objeto desde uma perspectiva
comunicacional. Significa dizer, tendo um importante capítulo de nossa história recente
sob as lentes, concentrar o foco na participação midiática em tal contexto.
A construção do pseudoambiente
Como dizia Lippman acerca da função da mídia em nossa compreensão do mundo, a
imprensa brasileira, aqui representada pelos três jornais anteriormente referidos, ajudou
a construir um ambiente específico que, por sua vez, estabeleceu um cenário
4Os dados são de um estudo comparativo do IBGE: Evolução Demográfica 1950-2010- IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000000403.pdf Acesso em 01/04/14.
amplamente favorável ao Golpe. Historicamente, é comum definir o discurso de Jango
na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, como o ponto de partida das forças
antidemocráticas - composta por militares, setores da sociedade civil e a própria
imprensa - em sua campanha para a derrubada do então presidente.
No entanto, pode-se recuar ainda mais e verificar a atuação destas mesmas forças desde
a renúncia do presidente Jânio Quadros (agosto de 1961), quando houve uma tentativa
de impedir que o vice-presidente e, portanto, constitucionalmente sucessor direto5,
assumisse o cargo. Além disso, no próprio discurso da Central, Jango já se referia à
campanha dessas forças de oposição.
Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país. (GOULART, 1964).6
Este artigo, porém, fará um recorte mais específico. Tratamos aqui da semana que
antecede ao Golpe de 1964. Ou seja, nosso recorte se dará entre os dias 25 e 31 de
março de 1964. Analisaremos as capas dos três jornais referidos durante o período e
buscaremos ali, elementos que nos permitam evidenciar uma clara oposição ao governo
e um favorecimento das forças de oposição ao mesmo. Em outras palavras, a criação de
uma agenda pró-golpe.
No dia 25 de março de 1964, o Jornal do Brasil7 dá a seguinte manchete na capa: Jango
aumenta pressão: novos decretos em abril. No corpo do texto, a matéria dá conta dos
projetos de estatização do governo em áreas estratégicas. No mesmo dia, o Globo abre
sua edição com o título: Brasil propõe pacto mundial de não agressão. O artigo trata da
posição brasileira na Conferência de Desarmamento, que ocorria então em Genebra. O
JB também tratava desse tema na sua edição. Já o Correio da Manhã, destaca também
esse tema com a seguinte manchete: Brasil critica as potências atômicas.
5 O sistema eleitoral da época estabelecia a eleição para presidente e vice. Ou seja, o vice também era votado. Jango foi eleito vice-presidente com Jânio Quadros, ainda que por uma chapa diferente. Quando Jânio renunciou Jango assumiu a presidência. Embora não de forma imediata, mas muito em razão da Campanha da Legalidade. De qualquer forma, em 1964 ele era o presidente de fato e de direito.
6 Disponível em http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-de-jango-na-central-do-brasil-em-1964. Acesso em 03/04/2014.7 Os links para todas as edições analisadas estão disponíveis ao final do artigo.
No dia 26, a chamada a capa do JB se divide entre estes destaques: Mota prende mais
40 marinheiros por subversão. A notícia se referia à decisão do Ministro da Marinha,
Sílvio Mota, de decretar a prisão de integrantes de força naval acusados de rebelião.
Brizola insiste na Fazenda e divide esquerda, falava sobre a reforma ministerial prevista
para os dias seguintes. Por fim, Santos com Deus pela Liberdade, destacava uma
passeata em protesto ao governo Goulart, ocorrida na cidade de Santos. O Globo trazia a
seguinte manchete: EUA prometem total apoio à Conferência do Comércio, reunião
organizada pelas Nações Unidas, que estreava naquele ano em Genebra, Suíça. O jornal
também dava espaço na capa, em foto e texto, para a Marcha em Santos. O Correio da
Manhã destacava em sua manchete principal: Genebra: Cuba agride Estados Unidos.
Era uma referência ao protesto do então Ministro da Indústria, Ernesto “Che” Guevara.
A leitura do texto, no entanto, fala apenas sobre a reclamação do representante cubano
ao bloqueio comercial imposto pelos EUA à Cuba. Nenhuma agressão, portanto.
O dia 27, Sexta Feira Santa, começa tenso com as notícias sobre agitação no meio
militar. O Correio da Manhã, com a seguinte manchete “Crise militar reúne
ministério”, informava que o governo buscava saídas para a crise iniciada com a
rebelião dos marinheiros e que já havia rumores de Estado de Sítio. Ainda na primeira
página, informava que o General Castelo Branco, que viria a ser o primeiro presidente
após o Golpe, havia sido exonerado da Chefia do Estado Maior do Exército, por ordem
do presidente Goulart. O JB ia na mesma linha: Mota demite Aragão (almirante), sai e
governo não consegue abafar rebelião dos marinheiros. O Globo não circulou naquele
dia.
No final de semana da Páscoa as notícias seguem em tensão crescente. Jornal do Brasil:
Crise na Marinha termina com uma morte, ministro novo e amotinados em liberdade.
Correio da Manhã: Oficiais exigem prisão dos marujos. O Globo: Postos em liberdade
os marinheiros sublevados. Vale lembrar que o líder dos motins era o Cabo Anselmo,
que passaria para a história como um dos maiores delatores durante a ditadura. Há
indícios8 que a rebelião tenha sido “plantada” para criar a crise que justificaria o Golpe.
O Diário também publicou, na íntegra, o manifesto do Clube Naval, entidade que reunia
o alto oficialato da Marinha, que falava abertamente em “comunização do país”.
8 Ação de Anselmo é pré-64, diz policial. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2009/08/617198-acao-de-anselmo-e-pre-64-diz-policial.shtml Acesso em 03/04/2014.
A edição conjunta de domingo (29) e segunda (30) do Jornal do Brasil dá amplo
destaque ao tema com a manchete: Almirantes denunciam comunização do país. E em
editorial na própria capa conclama a todos a resistir, “por todos os meios”. Convoca
nominalmente o Exército: “Esta não é a hora dos indiferentes. Principalmente no
Exército, que tem poder preventivo capaz de impedir males muito maiores do que
aqueles que já nos atingem”. O Globo (30) sai com a seguinte manchete: “Firme a
oficialidade da Marinha: punição aos rebeldes e afastamento de Aragão”.
O Correio, que não circulou na segunda, na terça (31) dá a senha: “Basta!”. Esse era o
título do editorial que terminava da seguinte forma: “O Brasil já sofreu demasiado com
o governo atual. Agora, basta!”. O texto vinha ao lado da manchete: “Clube Militar
adere ao Clube Naval”. Com amplo destaque à “solidariedade”, o texto transcreve a
proclamação feita na ocasião, que fecha com um “o Brasil espera que cada um cumpra
o seu dever”. Logo abaixo, uma nota com o seguinte título: “EUA acusam JG de não
ser anti-Fidel”, no qual informa que, segundo o governo norte-americano, o Brasil era
um dos países onde o comunismo tinha melhores perspectivas para influir na política.
O Jornal do Brasil sai com manchete semelhante: “Clube Militar dá apoio Clube
Naval”, além de destacar em seu editorial: “O Presidente da República sente-se bem na
ilegalidade. Está nela e ontem nos disse que vai continuar nela, em atitude de desafio à
ordem constitucional, aos regulamentos militares e ao Código Penal Militar. Ele se
considera acima da lei. Mas não está!”. Por sua vez, O Globo afirmava: “Formou-se
um soviete na Marinha de Guerra”.
No dia 1º de Abril, já com o Golpe sedimentado, embora muita gente não soubesse o
que se passava, os referidos jornais saíram com as seguintes manchetes: “São Paulo
adere à Minas e marcha ao Rio contra Goulart” (Jornal do Brasil). O Globo não
circulou no dia 1º de abril, mas no dia seguinte veio com: “Empossado Mazzilli na
Presidência”, e logo abaixo “Ressurge a democracia”. O Correio da Manhã afirma:
“Estados já em rebelião contra JG”. E em continuação ao editorial do dia anterior,
intitulava assim o desse dia: “Fora!”.
O papel da imprensa
É um lugar comum dizer que a imprensa tem um papel social de destaque, ao se colocar
como porta-voz da sociedade. Outra conotação largamente utilizada é atribuir à
imprensa o título de “Quarto Poder” (THOMPSON, 1998). A defesa de valores como
democracia, liberdade e bem comum seria um dos papeis que se atribui à imprensa.
Embora não seja difícil, como as manchetes da fatídica última semana de março de
1964 demonstram, que um ou vários jornais, usem exatamente esses elementos para
defender o contrário.
Na estratégia da comunicação, as massas de nossa sociedade são consideradas incultas e facilmente exploráveis por demagogos. O estudo sistemático dos processos de opinião pública provou ser útil tanto aos amigos da democracia quanto a seus antagonistas, e qualquer distorção da informação sabota os processos políticos baseados na razão e na lógica. (GERALD, 1962: 10).
Significa dizer, a imprensa pode, quando útil a seus interesses, usar de seu poder junto à
sociedade para circular um discurso alinhado a esses interesses, agendando a opinião
pública. Mesmo que esse discurso guarde pouca, ou nenhuma, relação com a realidade.
No caso específico, a imprensa brasileira, em sua maioria (MAGALHÃES, 2014),
reproduziu o discurso das forças de oposição (do qual compartilhava) para criar um
cenário que tornasse possível – e até desejável – a derrubado de um governo
constitucionalmente eleito. Ou seja, nesse caso, a imprensa trabalhou contra a
democracia.
A mídia constrói imaginários - e no terreno da imaginação tudo é possível. Essa
afirmação se torna ainda mais enfática quando recorremos às pesquisas de opinião à
época do Golpe. Tal como são feitas hoje, as pesquisas avaliavam o desempenho do
governo e pediam aos entrevistados para classificá-lo como ótimo, bom, regular e
péssimo. Jango não só era aprovado pela população (ótimo, 15%; bom, 30% e regular,
24%), como muito provavelmente reelegeria nas eleições de 1965, com um percentual
na casa dos 50%, o que poderia lhe garantir a vitória ainda no 1º turno. Além disso,
outra pesquisa da época apontava que por volta de 60% dos entrevistados apoiavam as
reformas que Jango havia proposto no comício da Central do Brasil9.
9 Fonte: Folha de São Paulo: Jango tinha apoio popular ao ser deposto. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u46767.shtml acesso em 06/04/2014.
Manchetes como a de O Globo – “Ressurge a democracia” ou a do Estadão –
“Vitorioso o movimento democrático”, ambas do dia 2 de abril, levantam a questão: a
que democracia a imprensa se referia? “O curso dos acontecimentos, dentro da
sociedade, é marcado pelos esforços dos grupos de liderança para estabelecer padrões
de valor e persuadir toda a sociedade a aceita-los”, dizia Gerald em sua obra A
responsabilidade social da imprensa (1962). O que se viu em 1964 foi que a
responsabilidade da imprensa estava a serviço dos tais grupos de liderança e, ao invés
de salvaguardar a democracia, um dos pressupostos da imprensa, ela agendou a
sociedade em sentido inverso.
McCombs (2009), diz que a agenda da mídia torna-se, em boa medida, a agenda do
público. Ou seja, ainda que a popularidade do presidente Goulart fosse significativa, a
campanha engendrada pela imprensa brasileira teve um papel catalisador sobre parte da
sociedade brasileira. A ponto de não ter se registrado qualquer tipo de resistência
relevante quando o Golpe foi anunciado. De certa forma, a sociedade já esperava por ele
e quando a derrubada do presidente aconteceu, foi como a confirmação de uma opinião
que já começava a se cristalizar, sobretudo nos discursos midiáticos.
Estabelecer esta ligação com o público, colocando um assunto ou tópico na agenda pública de forma que ele se torna o foco da atenção e do pensamento do público – e, possivelmente, ação – é o estágio inicial da formação da opinião pública (MCCOMBS, 2009:18).
Aqui vale uma pequena digressão histórica. No ano anterior, a mídia brasileira estava
em situação, no mínimo, delicada. Duas CPIs haviam sido instaladas. Uma investigava
o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)10, órgão da extrema direita, acusado
de financiar a campanha de 250 candidatos à deputado federal nas eleições de 1962,
usando para isso recursos vindos do exterior, sobretudo dos Estados Unidos. A outra
era a da imprensa estrangeira, que teria se instalado no Brasil, burlando normas
constitucionais a respeito.
Foram reforçados todos os dispositivos para chegar àquele fim [a ditadura]. Pareceu aos planejadores externos insuficiente a pressão através das agências de publicidade sobre as grandes empresas de jornais, rádio e televisão; foi preciso instalar aqui, a própria imprensa estrangeira (SODRÉ, 1998:434).
10 Descobriu-se depois que o IBAD tinha ligações com a CIA, a Agência Central de Inteligência dos EUA. Fonte: Um agente da CIA. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs23089810.htm Acesso em: 02/04/2014.
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) era outra instituição que recebia
financiamento americano para produzir conteúdo para a imprensa brasileira, pregando o
anticomunismo e a criticando Jango (THOMAS, 2014). Em ambos os casos, o que
havia era uma campanha sistemática para estabelecer uma agenda contra o governo e a
favor da oposição, usando a imprensa nacional como plataforma, via financiamentos e
contratos de publicidade com empresas americanas. (SODRÉ, 1998).
Nas eleições de 1962, no entanto, a campanha não deu muito resultado: os candidatos
aliados a Jango obtiveram ampla maioria nas urnas. Diante desse cenário favorável a um
presidente que não gozava da simpatia nem dos americanos e nem da elite nacional
(THOMAS, 2014), o caminho do Golpe era, para essa oposição, o mais lógico.
Com a derrubada de Jango os problemas da grande imprensa foram resolvidos. As CPIs
foram arquivadas, os deputados janguistas que criticavam a imprensa foram cassados, e
as empresas de comunicação receberam apoio, dinheiro e concessões de rádio e
televisão (SODRÉ, 1998). O que sugere que os interesses da imprensa em sua
campanha pelo Golpe eram bem mais rasteiros do que a “defesa da democracia”.
Como anteriormente referido, a atuação da imprensa ao longo do governo Goulart foi
marcada por uma atitude beligerante em relação a ele. Como também foi visto, é
possível recuar historicamente a perceber essa oposição desde o período getulista, no
qual Goulart estava inserido.
Durante o chamado período democrático de 1945-64, a maior parte dos jornais e revistas da grande imprensa alinhou-se, em momentos-chave, a posicionamentos anti-getulistas que constituíram ações e opiniões golpistas (BIROLI, 2009:277).
Durante o período estudado, no entanto, essa oposição atingiu seu ápice, com contornos
claramente antidemocráticos e, portanto, contrários ao papel social da imprensa.
Naquele momento, os principais jornais do país posicionaram-se a favor do afastamento
de Jango, “por todos os meios”, que restauraria a “ordem” e protegeria o país da
demagogia, do sindicalismo, do comunismo, da subversão dos valores, de uma suposta
ditadura de esquerda (BIROLI, 2009).
Conclusões
Passados 50 anos da instauração da ditadura militar no Brasil, pouco se discute o papel
da imprensa como facilitadora do Golpe e muito se fala a respeito da censura que essa
veio a sofrer, sobretudo depois do Ato Institucional nº 5 (dezembro de 1968).
Essa falta de debate na sociedade (nos meios acadêmicos o tema é relativamente bem
discutido) pode-se explicar pela própria postura da imprensa, que poderia engendrar
essa discussão pública. No entanto, para isso, precisaria romper o silêncio sobre seu
papel no período.
Silenciam, assim, sobre o fato de que as relações entre imprensa e política em tempos de democracia se caracterizaram, inúmeras vezes, por práticas negadoras de aspectos centrais à política democrática, como a não aceitação das opções contidas no voto, a não aceitação do confronto como constitutivo da política e das sociedades (BIROLI, 2009:278).
Nos eventos ocorridos às vésperas e após o Golpe, a imprensa não só atuou como uma
instância legitimadora, como instigou os militares a agir. Embora, como foi revelado
posteriormente, a derrubada de Jango aconteceria mesmo à revelia da imprensa e da
população (que o apoiava). E muita mais por pressão externa do que por vontade
própria das Forças Armadas brasileiras que, de certa forma, apenas cumpriram uma
determinação do governo norte-americano (LOBE, 2004; THOMAS, 2014).
Essa ruptura nas instituições democráticas, que o Golpe de 1964 representa, teve
consequências graves na sociedade brasileira. Nem mesmo a imprensa ficou imune aos
desmandos da ditadura, sobretudo a partir de 1968.
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http://acervo.oglobo.globo.com/consulta-ao-acervo/?navegacaoPorData=1960196403