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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO O ABUSO DE POSIÇÃO DOMINANTE NA NOVA ECONOMIA Miguel Moura e Silva DOUTORAMENTO EM DIREITO (CIÊNCIAS JURÍDICO-ECONÓMICAS) 2008

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    O ABUSO DE POSIO DOMINANTE

    NA NOVA ECONOMIA

    Miguel Moura e Silva

    DOUTORAMENTO EM DIREITO

    (CINCIAS JURDICO-ECONMICAS)

    2008

  • II

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    O ABUSO DE POSIO DOMINANTE

    NA NOVA ECONOMIA

    Miguel Moura e Silva

    DOUTORAMENTO EM DIREITO

    (CINCIAS JURDICO-ECONMICAS)

    Tese orientada pelo

    Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira

    2008

  • III

    RESUMO

    O presente trabalho trata do desenvolvimento do conceito de abuso de posio

    dominante no direito comunitrio da concorrncia e os desafios colocados pela

    modernizaopropostapelaComissoEuropeia,bemcomopeloconfrontocomos

    desafioscolocadospelosmercadosdaNovaEconomia.

    Partindo do conceito de responsabilidade especial da empresa em posio

    dominante, proposta uma reapreciao das vrias categorias de abuso, com

    especial relevo para os casos de recusa de venda e sua aplicao enquanto

    instrumentodeacessoainfraestruturasessenciais.

    Por fim, a aplicao Nova Economia apreciada numa perspectiva prtica e

    comparada, colocando em paralelo a abordagem do caso Microsoft na Unio

    EuropeiaenosEstadosUnidos.

  • IV

    ABSTRACT

    Thisworkconsiders thedevelopmentof conceptofabuseofdominantposition in

    European competition law, and the challenges presented by the European

    Commissions proposal for a modernization of its application, as well as by its

    approachtomarketsintheNewEconomy.

    Setting off from the concept of the special responsibility of undertakings in a

    dominant position a reappraisal of the different categories of abuse is proposed,

    with particular attention being given to refusal to deal cases and their use as an

    instrumenttogainaccesstoessentialfacilities.

    Finally, enforcement in the New Economy is put in a practical and comparative

    perspective by a parallel study of theMicrosoft case as decided in the European

    UnionandintheUnitedStates.

  • V

    Palavraschave

    Posio dominante; abuso; infraestruturas essencias; concorrncia; inovao;

    restriodaconcorrncia

    Keywords

    Dominatposition;abuse;essential facilities;competition; innovation;restrictionof

    competition

  • VI

    OAbusodePosioDominantenaNovaEconomia

    Introduo 1

    ParteIOsfundamentoseaaplicaodaproibiodoabusodeposiodominantenaUnioEuropeia

    Cap.1GnesedocontrolodopoderdemercadonoTratadodeRoma 10

    1. Antecedentes:oregimedoabusodeposiodominantenoTratadodeParisde1951 10

    2. OMemorandodaComissode1965eosprimeirospassosnaconstruodogmticadoabusodeposiodominante 28

    3. Aconstruojurisprudencialdosfundamentosdaproibiodoabusodeposiodominante 31

    Cap.2Aposiodominanteenquantoelementotpicodaproibiodoabuso 74

    1. Aquestodosmercadossecundrios(aftermarkets) 742. Odesenvolvimentodanoodeposiodominantecolectiva 94

    ParteIIOabusodeposiodominante

    Cap.3Ocontrolodoscanaisdedistribuioedefornecimento 139

    1. Enquadramentodotema 1392. Asobrigaesdecompraexclusiva 1443. Osdescontosdelealdadeoudefidelizao 1634. Outrosinstrumentosdevinculaodosdistribuidores 1895. AspropostasdoRelatriodaDGCOMP 194

    Cap.4Ocontrolodograudeconcorrnciaefectivaatravsdaimposiodepreospredatrios 201

    1. Enquadramentodotema 2012. Asprimeirasanlisescrticassobreospreospredatrioscomo

    instrumentodeexclusodaconcorrncia 2033. AinflunciadasposiescrticasnajurisprudnciadoSupremo

    TribunaldeJustiadosEstadosUnidos 2144. ArefutaopelopensamentoPsChicago 2235. Aaplicaojurisprudencialdaproibiodepreospredatriosna

    UnioEuropeia 238

    Cap.5Oabusoporconexodemercados 259

  • VII

    1. Enquadramentodotema 2592. Asubordinaoeasvendasempacote 2603. Descontosmultiprodutooumixedbundling 2824. Oesmagamentodemargens 292

    Cap.6Idem:oentraveconcorrnciapelaexerccioabusivodarecusaemcontratar 305

    1. Enquadramentodotema 3052. Dagnesedodeverdecontratarnodireitocomunitrioaoacrdo

    Magill 3083. AorigemdaessentialfacilitiesdoctrinenosEstadosUnidoseo

    deverexcepcionaldecontratarreconhecidonoacrdoAspenSkiing 337

    4. Odesenvolvimentodaimposiododeverdecontratarnodireitocomunitrio 362

    5. AconsagraododeverdeacessoainfraestruturasessenciaispelaLein.18/2003 384

    6. OlentodefinhardaessentialfacilitiesdoctrinenosEstadosUnidos 401

    Cap.7Oexercciodirectodepoderdemercado 413

    1. Enquadramentodotema 4132. Aprticadepreosexcessivos 4143. Arecusaemsatisfazeraprocura 4264. Proibiodeexportao 4315. Discriminao 4416. Aexploraodoestadodedependnciaeconmica 452

    ParteIIIAaplicaodoabusodeposiodominantenaNovaEconomia

    Cap.8Efeitosderede,poderdemercadoeeficinciadinmica 463

    1. Osefeitosderedeeodireitodaconcorrncia 4632. Osdireitosdepropriedadeintelectualeopoderdemercado 4723. Estruturademercadoeinovao 479

    Cap.9AvaloraojusconcorrencialdocomportamentodaMicrosoftnosEstadosUnidosenaUnioEuropeia 485

    1. Enquadramentodotema 4852. OcasoUnitedStatesv.Microsoft(MicrosoftI) 4873. OcasoUnitedStatesv.Microsoft(MicrosoftII) 501

  • VIII

    4. OcasoUnitedStatesv.Microsoft(MicrosoftIII) 5065. OcasoMicrosoftnaUnioEuropeia 554

    Concluso: Reflexes finais sobre a modernizao dametodologia de aplicao do artigo 82., entre oaggiornamentoeorevisionismo 578

    Bibliografia 587

    Jurisprudncia

    EstadosUnidos 623

    UnioEuropeia 627

    ReinoUnido 632

    DecisesdaComissoEuropeia 633

    DecisesdoantigoConselhodaConcorrncia 635

  • IX

    Agradecimentos

    Gostariadeagradecer,antesdemais,aoProf.DoutorEduardoPazFerreira,

    pelapacinciaedecisivosentusiasmoeapoioquemetransmitiuao logodosanos

    emquefoisendoamadurecidoesteprojecto,assumindoasfunesdeorientadore

    dinamizador, sempre com a mais franca amizade nos perodos mais difceis que

    semprecaracterizamumtrabalhodestanatureza.Semessaspalavras,estetrabalho

    no teria chegado sua concluso neste momento. Naturalmente, toda a

    responsabilidadepeloserros,omissesearreliadorasgralhasquepossamsubsistir

    nestetextosoexclusivamentedaminharesponsabilidade.

    Tambm na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, devo um

    especial agradecimento ao Prof. Doutor Paulo de Pitta e Cunha, com quem tive a

    honradetrabalhardurantemuitosanosenquantoseuassistente,eaoProf.Doutor

    OliveiraAscenso,quemeproporcionouaoportunidadedecolaborarcomassuas

    iniciativas em matria de direito industrial e da sociedade da informao e cuja

    preocupao reiterada em saber como estavam a decorrer os meus trabalhos de

    preparaodadissertaodedoutoramentomuitomesensibilizaram.

    Muitas pessoas foram igualmente contribuindo com os incentivos que

    sempre so imprescindveis para manter a necessria perseverana, sendo de

    destacarasmuitasconversascomoProf.DoutorAbelMateusecomoDoutorPedro

    Geraldes, incitandome a, apesar do volume de trabalho a que a Autoridade da

    Concorrnciaestsujeita,concluiremtempoesteprojecto.

    Agradeo igualmente a compreenso do actual Conselho da Autoridade da

    Concorrncia,oProf.DoutorManuelSebastio,oProf.DoutorJaimeAndrezeoDr.

    JooNoronha,pelacompreensomanifestadaportersidonecessrioconcentraro

    meuperodolegaldefriasdemodoagarantirascondiesadequadasconcluso

    erevisodestetrabalho.

  • X

    A realizao deste trabalho no teria sido possvel sem a compreenso e

    dedicaodaminhafamlia.

    Dedico, por isso minha mulher, Filomena, sem a qual este trabalho no

    existiria,esnossascrianas,especialmenteaonossofilhoMiguelFilipe.Asegunda

    citaodeaberturalheespecialmentedirigida.

    Lisboa,12deOutubrode2008

  • XI

    Thelifeofthelawhasnotbeenlogic:ithasbeenexperience.Thefeltnecessitiesofthetime,theprevalentmoralandpoliticaltheories,intuitionsofpublicpolicy,avowedorunconscious,eventheprejudiceswhichjudgessharewiththeirfellowmen,havehadagreatdealmoretodothanthesyllogismindeterminingtherulesbywhichmenshouldbegoverned.

    OliveWendellHolmes,TheCommonLaw,Boston:Little,Brown,andCo.,1881,p.5.

    Withgreatpower,theremustalsocomegreatresponsibility.

    StanLeeAmazingFantasy,n.15,Agostode1962(aprimeirahistriadoHomemAranha).1

    1http://en.wikiquote.org/wiki/Stan_Lee.

  • 1

    INTRODUO

    A aplicao do artigo 82. do Tratado de Roma tem estado envolvida em

    polmicasdoutrinaisdesdeasuagnese.Contrariamenteaoartigo81.,oqualtinha

    um objecto, funo e, com a opo por um regime de autorizao prvia no

    Regulamento n. 17/62, tambm uma estrutura claramente definidas, a noo de

    abusodeposiodominanteviuseinicialmenterelegadaparaumplanosecundrio.

    Com excepo de algumas referncias avulsas nos primeiros acrdos, o

    artigo 82. permaneceu prisioneiro de posies contrrias, simbolizadas pelos

    Professores Ren Joliet e ErnstJoachim Mestmcker. Debatiase ento se apenas

    podiam ser subsumidos ao conceito de abuso de posio dominante aqueles

    comportamentos que prejudicassem de forma directa o consumidor ou se aquela

    proibio tambm abarcava prticas que, ao entravar a concorrncia criando

    obstculos liberdade demercado dos concorrentes, causassem um dano para o

    processo concorrencial e s indirectamente ao consumidor. Joliet, no seu clssico

    estudocomparativocomoregimedamonopolizao,institudonosEstadosUnidos,

    foiumardentedefensordainterpretaomaisrestritiva.2Mestmcker,apoiadopelo

    Memorando de 1965 da Comisso, foi o mentor da interpretao aparentemente

    maisousada,porpermitirataproibiodaaquisiodeumconcorrenteporuma

    empresadominante.3

    pordemaisconhecidoovencedordessaprimeiragrandelutapelaalmado

    artigo 82.. Com o acrdo Continental Can, de 1973, a anulao da deciso da

    Comissoqueproibiaacompradeumdosltimosconcorrentesefectivosporuma2RenJOLIET,"Monopolisationetabusdepositiondominante",Rev.Trim.DroitEuropen,1969,p.645;RenJOLIET,MonopolizationandAbuseofDominantPosition,Vol.31,Lige Haia:FacultdeDroitdel'UniversitdeLigeMartinusNijhoff,1970.3 ErnstJoachim MESTMCKER, Das Marketbeherrschende Unternehmen im Recht deWettbewerbsbeschrnkungen, Tbingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1959; ErnstJoachimMESTMCKER, "Die Beurteilung von Unternhemungszusammeschlssen nach Artikel 86 desVertrages ber die EuropischeWirtschaftsgemeinschaft", in Ernst von CMMERER; Hans JrgenSCHLOCHAUER;ErnstSTEINDORFF,(orgs.)ProblemedesEuropischenRechts,FestschriftfrWalterHallstein,FrankfurtamMain:Klosterman,1966,p.322.

  • 2

    empresa em posio dominante, no impediu a consagrao da segunda

    interpretao.Passadosjtrintaecincoanosdesdeessehistricoacrdo,odebate

    sobreoartigo82.parecesagoratercomeado,talaprofusodecomentrios,

    propostas e iniciativas, inclusivamente por parte da prpria Comisso, que se

    propemrepensar, revitalizarou,no jargocomunitriodeumprocessoquedura

    tambmhumadcada,modernizaraqueladisposio.

    Curiosamente,oenunciadodoartigo82.,comoodoartigo81.,permanece

    inalterado.Oartigo81.pdeserobjectodeumaverdadeirarevoluoatravsda

    converso das regras de direito derivado que lhe estabeleceram um regime de

    autorizao prvia durante quase quatro dcadas para uma plena aplicao

    descentralizada,segundoomodelodeexcepolegalintroduzidopeloRegulamento

    n. 1/2003, entrado em vigor a 1 deMaio de 2004. Omesmo no sucede com o

    artigo 82., que nunca previu a possibilidade de reconhecer a prevalncia de

    objectivosdepolticadeconcorrnciasobreaobjectivanoodeabuso.Anoode

    isentarumabusocolidecomaprpriaratiodaquelanorma,paranofalarmosdo

    maischoargumentoliteral.Oabusorepresentaa infracodosdeveresespeciais

    decondutaaqueestsujeitaaempresadominante.

    Muitasvozessetmouvidoaolongodosanos,lamentandoaassimetriadeste

    regime, que probe s empresas dominantes o recurso a meios por vezes to

    generalizados comoumdescontode fidelizao, emnomedoprincpio segundoo

    qual a sua conduta deve estar sujeita a um regime mais rigoroso devido

    susceptibilidadequeomesmopodeterdeprejudicaraconcorrnciaresidual,mais

    oumenosvigorosa,queexisteousubsistesuasombra.

    E, no entanto, eis que emDezembro de 2005, publicado um documento,

    uma verdadeira directriz de aplicao do artigo82., arrogandosemesmode um

    carctervinculanteparaasautoridadesnacionaisdeconcorrncia,arregimentadas

    eorientadaspelaComissonaRedeEuropeiadaConcorrncia,conhecidapelasigla

    inglesa, ECN ou European Competition Network. Este documento, intitulado

    Relatrio para Discusso dos Servios daDirecoGeral de Concorrncia ou na

  • 3

    novilnguadeBruxelas,DGCompetitionDiscussionPaper,apresentaumconjuntode

    propostasquevisamajaludidamodernizaodoartigo82.evemaoencontro

    dascrticasquetmvisadoalgumasdasprincipaisreasdeactuaodaComisso

    nestedomnio,comoosacordosdecompraexclusiva,osdescontosdefidelizao,os

    preospredatrioseasrecusasdevenda.

    Acimadetudo,odocumentopretendelimitaroescopodoartigo82.acasos

    ondeocritriodeintervenodeixadeserorientadoporprincpiosformaisepassa

    paraumaeffectsbasedapproach.Eseoefeitodasprticasoprincipalelemento

    que passa a guiar a aplicao do abuso de posio dominante, ento admitase a

    possibilidadedenocondenaro abuso luzdeumbalanodeeficinciaqueno

    temqualqueresteionoTratado.

    Quaissoasimplicaesdessaprofundarevisodoartigo82.?Seresteum

    meroexerccioparaneutralizaraaplicaodasregrasdeconcorrnciaacondutas

    unilaterais, a exemplo dos desenvolvimentos, por vezes contraditrios, mas nos

    ltimos anos coerentemente no sentido de retirar qualquer alcance til velha

    proibiodamonopolizaoedatentativademonopolizao?E, jqueainiciativa

    provm dos servios encarregues de fazer cumprir as regras da concorrncia,

    poderiam as recentes decises ter sido adoptadas ao abrigo da metodologia

    proposta?

    Um pormenor que tem passado despercebido doutrina o facto de a

    ComissoEuropeia,aodecidirocasoMicrosoftemMarode2004,evocarportrs

    vezes o conceito da responsabilidade especial da empresa dominante. No

    mencionado Discussion Paper este conceito, que assume um papel central na

    construo dogmtica do abuso de posio dominante, como veremos, no

    referidoumanicavez.Estaremosperanteumamudanadeparadigma?Outratar

    se de um lapso que, confirmada entretanto a deciso pelo Tribunal de Primeira

    Instncia, ser corrigido num texto mais conciso que venha a ser emitido pela

    Comisso?

  • 4

    Estas so algumas das questes que motivaram a investigao que nos

    propusemosrealizar.Tratase,pois,deumtemaescolhido,comojsepodever,em

    funo de convices consolidadas e no necessariamente consensuais ou

    modernas, pelomenos se este ltimo termo servir para a adeso acrtica a um

    modelodistintoe,pior,muitasvezesdesconhecidonasuacomplexidadepelosseus

    maisardentesevangelizadores.

    A discusso do tema que nos propomos passa pelo conhecimento dos

    principaisdebatesdaactualidade,porvezesdeaparnciaridaouatesotrica,mas

    ondesediscute,palmoapalmo,umafilosofiaderelaoentreoEstadoeomercado,

    regida por um direito, casustico certo, mas assente em princpios gerais e

    abstractos e no na luva visvel da regulao administrativa, e sujeito ao mais

    intenso escrutnio judicial e acadmico. Este faz convergir economistas e juristas

    numintensodebatedeideiasque,incidindonumatemticamuitotcnica,implicam

    escolhassobrequesociedadequeremosequemodelodeorganizaoeconmicae

    respectivoenquadramentojurdicomaisseadequaaessaviso.

    E porqu a Nova Economia? O antigo Reitor da Universidade de Harvard,

    Larry Summers, afirmava, h j sete anos, que a economia dos nossos dias

    caracterizada por quatro factores: amudana tecnolgica, a globalizao, o poder

    dosmercadoseamutaocadavezmaisrpidadasactividadeseconmicas.4Tudo

    isto vai conduzir a uma maior importncia de bens e servios baseados no

    conhecimento, com custos fixos elevados e custosmarginais reduzidos, por vezes

    insignificantes.As consequnciasparaodireitoda concorrncia so significativas.

    Alguns mercados tendem para estruturas monopolistas por uma fora

    aparentemente irresistvel, apesar de no terem qualquer semelhana com os

    monopliosnaturaisherdadosdossculosXIXeXX.

    Qual deve ser a reaco do direito da concorrncia a essas mudanas? As

    respostasvariamentreosqueconsideramsernecessriaumaatitudemaisvigorosa,

    4LawrenceH.SUMMERS,"CompetitionPolicyintheNewEconomy",AntitrustL.J.,vol.69,n.1,2001,p.353.

  • 5

    demodoagarantirqueascondiesdeconcorrnciaqueestimulamainovaono

    so postas em causa por empresas que, beneficiando de vantagens inerentes a

    seremasprimeirasadesenvolverummercadoouporqueactuamnumaactividade

    caracterizada por efeitos de rede, podem rapidamente adquirir uma posio de

    quase monoplio que se pode prolongar durante vrios anos.5 Outros criticam

    metodologiasbaseadasnaeconomiaindustrializadaquevalorizamexcessivamente

    asquotasdemercadoesquecendoqueavelocidadedoprogressotecnolgicolevaa

    que uma posio aparentemente dominante desaparece na prxima gerao de

    produtos.6 E temos ainda os cpticos, que duvidam da capacidade de uma

    intervenoquepossaconjugarorigoreconmicoejurdicocomarpidamutao

    dosmercados.7

    A verdade que o artigo 82. tem sido aplicado commaior frequncia ao

    longo dos ltimos anos a sectores com essas caractersticas como as

    telecomunicaeseosectorinformtico.Naturalmente,erguendosebemacimade

    todos os outros processos, temos a saga, j commais de quinze anos, dos litgios

    entreaMicrosofteasautoridadesdeconcorrnciadeambosos ladosdoAtlntico.

    Independentemente do que possamos pensar sobre a conduta da Microsoft, a

    verdadequeessasdecises,porvezesdistintasediscutveis,tmcontribudopara

    umamelhor teorizao sobre as questes subjacentes. Na Unio Europeia o caso

    Microsoft fica como um dos pontos decisivos na aplicao do artigo 82., com o

    Tribunal dePrimeira Instnciaa confirmaradecisodaComissoe as complexas

    medidas por ela impostas, bem mais difceis de aceitar pela Microsoft do que a

    elevadacoimaentoaplicada.

    5 Joel I. KLEIN, "The Importance of Antitrust Enforcement in the New Economy", Comunicaoapresentada na Conferncia New York State Bar Association Antitrust Law Section Program,29.01.1998,NovaIorque1998.6 Christian AHLBORN; David S. EVANS; Atilano Jorge PADILLA, "Competition Policy in the NewEconomy: IsEuropeanCompetitionLawUpto theChallenge?",E.C.L.R.,vol.22,n.5,2001,p.156;CentoVELJANOVSKI,"E.C.AntitrustintheNewEconomy:IstheEuropeanCommission'sViewoftheNetworkEconomyRight?",E.C.L.R.,vol.22,n.4,2001,p.115.7RichardA.POSNER,"AntitrustintheNewEconomy",AntitrustL.J.,vol.68,n.3,2001,p.925.

  • 6

    Aescolhado tema ficaassim justificada,emnossoentender,por serestaa

    rea onde convergem os princpios tradicionais do abuso de posio dominante,

    masparaseremexpostosasituaesdemaiorcomplexidadee,logo,colocandoum

    maiordesafiosuacompreensoesistematizao.

    NaParteIfaremosumenquadramentogeraldaevoluodoregimedoartigo

    82..Ocaptulo1adoptaumaperspectivahistrica,sempretensesdeesgotarto

    amplotemaesimdechamaraatenoparaarazodeserdealgunselementosdo

    sistema de controlo do poder de mercado na Unio Europeia e seus Estados

    membros,concluindocomumapanormicadoestabelecimentoeconsolidaodos

    fundamentosdadisciplinadoabusodeposiodominante.

    O conceito de abuso no pode ser compreendido sem uma abordagem da

    noodeposiodominante.Oinversoigualmenteverdadeiro.Porisso,estudaro

    abusodeposiodominantesemconsideraresteelementoqualificativodaposio

    ocupadapelosujeitonomercadoeque igualmentefundamentoeparmetrodos

    deveres de conduta que lhe so impostos um exerccio condenado a fracassar.

    Certamenteexcederiaombitodestetrabalhofazerumtratamentodetalhadodeste

    conceito, apesar de tudo hoje em dia bem compreendido graas sua quotidiana

    aplicaonosregimesdecontroloprviodeconcentraes,apesarderelegadopara

    segundo plano, em tese, com a revogao do Regulamento n. 4064/89 pelo

    Regulamento n. 139/2004. Da optarmos por lhe dar um tratamento

    necessariamente breve mas concentrado nos aspectos que nos parecem mais

    decisivosparaumadissertaosobreoconceitodeabuso.8

    AParteII,amaisextensa,classificaeprocuraorganizarasgrandescategorias

    deabusodeumaformaquevaiparaalmdastradicionaisdivisesentreabusosem

    matriadepreoseoutrosabusosou,nasendadadoutrinaalem,entreabusosde

    exploraoeabusosdeexcluso,jparanofalaremcategoriasmaisespecializadas8 Opo diferente foi seguida, h alguns anos por Pellis Capell, cindindo esta matria em doisinteressantes estudos. Ver Jaume PELLIS CAPELL, La 'explotacin abusiva' de una posicindominante(Arts.82TCEy6LEDC),Vol.53,Madrid:Civitas,2002;JaumePELLISCAPELL,MercadoRelevante,PosicindeDominioyotrasCuestionesquePlantean losArtculos82TCEy6LEDC,CisurMenor:Aranzadi,2002.

  • 7

    emqueosseusproponentesnoconseguiramaadesodeoutrosapoiantes,como

    osabusosderetaliao,propostosporTempleLang,9ouumacategoriadeabusos

    estruturaisumprolongamentodoacrdoContinentalCandealcanceduvidoso

    defendidaporCherpillod.10

    O captulo 3 ocupase de uma das reas onde as propostas de reviso dos

    servios da DirecoGeral da Concorrncia da Comisso vo mais longe, as

    obrigaes de compra exclusiva, que importa distinguir de outras formas de

    vinculao dos distribuidores, para evitar os erros em que se fundam algumas

    daquelaspropostas, eosdescontosde fidelizao,onde separeceagora caminhar

    para uma reabilitao das empresas dominantes, sem que sejam claras as razes

    paraoefeito.Comoteremosocasiodever,tratasedeumaextensodapolticada

    Comissodequasetotaldesvalorizaodasrestriesverticais.

    O abuso por definio, na imagtica popular , muito provavelmente, o

    monopolistasemescrpulosquesubmeteosconcorrentessuavontadeatravsde

    campanhaspredatrias,reduzindoospreosparanveisquenopermitesuportar

    oscustos,levandosadadosconcorrentespara,eliminadosestes,poderaumentar

    ospreosaos consumidores.hoje emdia consensualqueesse cenrio se coloca

    comrelativararidade.Noentanto,oSupremoTribunaldeJustia,tendocomopano

    defundoofenmenodasacescolectivas,retirouqualquerviabilidadeaplicao

    do delito de monopolizao a esses casos, no tendo havido uma condenao

    mantida aps recurso desde 1993 data emque o acrdo BrookeGroup tornou a

    provadetalprticanumobstculoinsupervel,mesmoquandooautoroGoverno

    federal.Ironicamentenasacescolectivasenochamadoprivateenforcementque

    aComissodescobriuumanovaprioridade, talvezporcustarpoucoaooramento

    comunitrioeningumsepreocuparcomacapacidadedostribunaisderespondera

    umaumentodalitigiosidade,umavezqueestanuncaatingiradimensoquetem

    9 JohnTEMPLELANG, "MonopolisationandtheDefinitionof AbuseofaDominantPositionUnderArticle86EECTreaty",C.M.L.Rev.,vol.16,1979,p.345.10DenisCHERPILLOD,L'abusstructurel,BruxelasGenebra:BruylantSchultess,2006.

  • 8

    (ou tinha) nos Estados Unidos, onde incentivada pela quota litis e pelos treble

    damagesporinfracessleisdaconcorrncia.

    NaUnioEuropeiaoscasosdepreospredatrios,nosendofrequentes,tm

    sidoinvariavelmenteconfirmadospelasinstnciasjudiciaiscomunitrias,aquimais

    atentassfinalidadesdoTratado.Comoveremosnocaptulo4,somuitasasvozes

    quedefendemquesigamososEstadosUnidosetornemosimpossvelaprovadestas

    prticas, por receio de uma mocheia de condenaes dissuadir as empresas

    dominantes a actuar na Unio de beneficiar os consumidores baixando os seus

    preos, ainda que tal possa eliminar concorrentes, desde que estes sejam menos

    eficientes.

    Veremos seguidamente, no captulo 5, o que propomos designar como o

    abusopor conexodemercados, agrupandoumconjuntodeprticasque tmem

    comumofactodeenvolveremoexercciodepoderdemercadoemsituaesondeo

    abusoouosseusefeitossefazemsentirnummercadovizinho.

    Esta categoria continua a ser tratada no captulo 6, dedicado recusa de

    venda, uma dasmatrias mais controversas, o que justifica a sua autonomizao

    paraefeitosdeexposio.

    A Parte II encerra no captulo 7, com os abusos onde est em causa o

    exercciodirectodepoderdemercado.Omesmodizer,ombitodeaplicaodo

    artigo82., sea tesede Joliet tivesseprevalecidoem1973.Esteodomnioonde

    so mais evidentes as diferentes concepes inerentes ao sistema europeu e ao

    norteamericano. Apesar de a Comisso ainda no ter avanado com propostas

    nestedomnio,oseuestudo imprescindvelaumaconcepocompletadanoo

    deabusodeposiodominante.

    A Parte III procura aplicar os princpios e conceitos desenvolvidos

    anteriormente ao caso paradigmtico do abuso na Nova Economia, os processos

    envolvendo a Microsoft nos Estados Unidos e na Unio Europeia, tratados no

    captulo 9. Antes disso, contudo, feito um enquadramento introdutria a alguns

  • 9

    dos elementos comuns aos processos de aplicao das regras de concorrncia na

    Nova Economia, como sejam a questo dos efeitos de rede, a articulao com a

    propriedadeindustrialeoproblemadarelaopostuladoporalgunsautores,entre

    ograudeconcentraonummercadoeainovaotecnolgica.

    Nas concluses procuraremos retomar as principais linhas de fora desta

    investigao, com especial relevo para a nossa proposta de incorporao de uma

    ponderaoconcretados incentivosparaainovaoaoaplicaroabusodeposio

    dominantenossectoresondeestamaisimportanteparaocrescimentoeconmico.

  • 10

    Captulo1

    Gnesedocontrolodoabusodepoderdemercadono

    TratadodeRoma

    1. Antecedentes:OregimedoabusodeposiodominantenoTratadode

    Parisde1951

    Aquando da instituio das regras de concorrncia na constituio da

    ComunidadeEuropeiadoCarvoedoAo,osautoresdoTratadodeParisde1951

    reservaramumlugardedestaqueparaasnormasquevisavamcombateracoluso

    bem como a concentrao entre empresas nos sectores abrangidos. Assim, o

    Captulo 6 do Ttulo III daquele Tratado tinha como epgrafe os acordos e

    concentraes, dedicando aos primeiros o artigo 65. e s segundas o artigo

    seguinte. Assumindo estas disposies um interesse meramente histrico, com o

    termo da vigncia daquele Tratado a 23 de Julho de 2002, em boa verdade, as

    mesmasso indispensveisaumacorrectacompreensodoalcancedasregrasde

    concorrnciaqueviriamaserintroduzidasnoTratadodeRomade1957,tantomais

    que precedem igualmente a lei alem do mesmo ano, a Gesetz gegen

    Wettebewerbsbeschrnkungen (GWB), que viria a moldar de forma decisiva as

    primeiras dcadas de aplicao da proibio do abuso de posio dominante na

    ordemjurdicacomunitria.11

    Com as regras de concorrncia do Tratado de Paris surge igualmente um

    enquadramentodaexploraodeumaposiodominantepara fins contrriosaos

    estabelecidos naquela conveno. Tal matria surge, todavia, remetida para um

    11VerGiulianoAMATO,Antitrustand theBoundsofPower,Oxford:HartPublishing,1997;David J.GERBER,"LawandtheAbuseofEconomicPowerinEurope",Tul.L.Rev.,vol.62,n.1,1987,p.57;David J.GERBER, "Constitutionalizing theEconomy:GermanNeoLiberalism,CompetitionLawandtheNewEurope",Am.J.Comp.L.,vol.XLII,n.1,1994,p.25..

  • 11

    ltimonmerodoartigodedicadoaocontrolodeconcentraes(on.7doartigo

    66. do Tratado CECA) e mais marginalizado ainda pelo grau de interveno

    previsto, limitado emisso de recomendaes e, s em ltimo caso, a decises

    vinculativas. A explicao desta escolha normativa tem de ser devidamente

    analisada na sistemtica do Tratado de Paris e na funo das vrias regras de

    concorrncia e sua articulao com outros institutos previstos para esta

    comunidade.

    O aspecto da Declarao Schuman onde podemos encontrar um ponto de

    partidaparaasregrasdeconcorrnciaresidenoseultimoperodo,ondeseafirma

    que:Naprossecuodasuamisso,aAltaAutoridadecomumteremconsiderao

    ospoderesconferidosAutoridadeInternacionaldoRuhreasobrigaes,qualquer

    quesejaasuanatureza,impostasAlemanha,enquantoasmesmassemantiverem

    emvigor.Assim,aconformaodasregrasdeconcorrnciadoTratadodeParistem

    comopanodefundoosinteressesgeopolticosdaspotnciasocupantes,bemcomoa

    suaarticulaocomosrepresentantespolticoseeconmicosdaAlemanhaocupada,

    emparticularnaszonasocupadaspelosEstadosUnidos,ReinoUnidoeFrana.

    Quantoaoproblemadaconcentrao industrial,oprimeiro regime jurdico

    de controlo de operaes de concentrao de empresas, autnomo em relao s

    regras aplicveis aos acordos e abusos de posio dominante, foi introduzido no

    continente europeu pelo Tratado de Paris. Esta particularidade do regime da

    ComunidadeEuropeiadoCarvoedoAo,quenoviriaaserseguidanostratados

    que instituram a Comunidade Econmica Europeia e a Comunidade Europeia da

    EnergiaAtmica, devemuito s ramificaespolticoeconmicasdos sectores em

    causa e aos objectivos das autoridades de ocupaoquanto desconcentraoda

    indstriaalem,particularmentedasgrandesempresascarbonferasesiderrgicas

    quetinhamdesempenhadoumpapelfundamentalnoesforodeguerranazi,seno

    mesmo,emalgunscasos,naprpriaascensodeHitleraopoder.12

    12NafasefinaldaSegundaGuerraMundial,aopinioquecirculavanasmaisaltasesferaspolticasnorteamericanassubscreviaclaramenteatesedeumnexoentreacartelizaonaindstriaaleme

  • 12

    Os objectivos de descartelizao e desconcentrao da indstria alem

    receberamacolhimentoformalnoAcordodePotsdamde2deAgostode1945,mas

    no mereceram o mesmo empenhamento por parte das diferentes potncias

    aliadas.13 Excluindo desde logo a zona sovitica, j condicionada pelo esforo de

    implantao de um regime comunista, todas as autoridades ocidentais adoptaram

    leis relativas desconcentrao. Contudo, s na zona norteamericana houve um

    esforosriodepremprticaareorganizaodaindstriaalem.14Comafuso

    dosterritriosadministradospelosEstadosUnidosepeloReinoUnido,estapoltica

    viuoseumbitoterritorial(e,consequentemente,econmico)alargado.Tambmna

    zona francesa vigorava uma lei de desconcentrao que proibia a concentrao

    excessiva de poder econmico. Com a criao da Repblica Federal da Alemanha

    (RFA)em23deMaiode1949,osnormativosaliadosseriamsubstitudospelaLei

    n. 27de16deMaiode1950daAlta ComissoAliada, comvalidadepara toda a

    AlemanhaOcidental.

    Na sua obra de referncia sobre a histria do direito da concorrncia na

    Europa, o professor norteamericano David Gerber procura encontrar o seu

    a remilitarizao iniciada pelo Terceiro Reich; a publicao, em 1941, das memrias de um dosmaiores industriais alemes viria, como defende Wells, a dar corpo a esta tese, que seriadesenvolvidanumrelatriodoSenadode1944,comottuloCartelsandNationalSecurity.VerWyattWELLS,AntitrustandtheFormationofthePostwarWorld,NovaIorque:ColumbiaUniversityPress,2002.,pp.1389.OlivrodememriasreferidoporWellsFritzTHYSSEN,IPaidHitler,NovaIorque:Farrar & Rinehart, 1941. Sublinhese que Wells cptico quanto fundamentao daquelaperspectiva,concluindoqueGermanbusinesswasinmanycasesimplicatedinthecrimesoftheNaziregime, but New Dealers attribution of fascism to the machinations of big business was a grossoversimplification that reflected the influence ofMarxist thinking and reformers fearofAmericanBig business, not a sound understanding of German history and society, Ibid., p. 140. Para umaanlise desenvolvida e equilibrada do papel da indstria alem no regime Nazi, incluindo acumplicidade desta no aproveitamento de mo de obra escrava, ver Adam TOOZE, TheWages ofDestruction.TheMakingandBreakingoftheNaziEconomy,Londres:PenguinBooks,2006.13Oacordoreferiaqueoobjectivode,omaisrapidamentepossvel,descentralizaraeconomiaalem,comofimdeeliminarasactuaisconcentraesexcessivasdepodereconmico,exemplificadasemespecial pelos cartis, sindicatos e trusts e outras organizaesmonopolistas. Seco 3B, n. 12,citado por Giuliano MARENCO, "The Birth of Modern Competition Law in Europe", in Armin vonBOGDANDY;PetrosC.MAVROIDIS; YvesMNY,(orgs.)EuropeanIntegrationandInternationalCoordination Studies in Transnational Economic Law in Honour of ClausDieter Ehlermann, Haia:KluwerLawInternational,2002,p.279,ap.283.14Sobreapolticanorteamericanadedesconcentraoeosesforosconduzidospelaautoridadedeocupao comoapoiodaDivisoAntitrustdoDOJ, verWELLS,Antitrustand theFormationof thePostwarWorld.,maximeocaptulo5,AmongUnbelievers:AntitrustinGermanyandJapan.

  • 13

    fundamento num particularismo europeu, sem com isso negar a influncia dos

    EstadosUnidosnasequnciadaSegundaGuerraMundial:

    It is a product of the European tradition of competition law and thus

    influencedbymanyofthesameintellectualcurrents,historicalexperiences,

    andpoliticalandlegalconceptsthathaveshapednationalcompetitionlaws,

    butitalsohasbeenacriticalfactorinshaping,energizing,andgivingforceto

    thattradition.15

    verdadequeGerberprocedeaumnotvelexercciodeanlisehistricaque

    colocaemevidnciaofactodeodebatesobreaconcorrnciaeocontrolodopoder

    de mercado, fosse ele exercido por monoplios ou por cartis, existir nos vrios

    paseseuropeus,pelomenosdesdeoinciodoSculoXX.Igualmenteinteressante

    a sua demonstrao do contributo do pensamento jurdico e econmico europeu

    paraoestabelecimentodasbasesdoquepoderamoschamarumaprotocultura

    da concorrncia. Mas parecenos claramente forada a tentativa de mostrar a

    predominnciadeumalinhagemeuropeiaquantoaompetoquelevouintroduo

    dos elementos centrais domoderno direito da concorrncia, como exemplificado

    pelaUnioEuropeiaepelosseusEstadosmembros.

    MesmoemPortugal,comonosmostraoestudopioneirodeAlbertoXavier,o

    debate sobre o direito e a poltica de concorrncia conheceu um breve (e

    inconsequente) episdio que levou aprovao da Lei de 1936 (Lei sobre as

    Coligaes).16Mas a discusso ento ocorrida na AssembleiaNacionalmostra um

    elevadonveldeconhecimentodaproblemticadaelaboraoeaplicaoderegras

    de concorrncia, ainda que necessariamente articulado com os esperados

    panegricos da organizao corporativa da economia. Com efeito, apesar de ter

    prevalecido o projecto que conferia ao Governo o poder de dissolver todas as

    coligaes econmicas que exeram uma actuao contrria aos objectivos da

    15 David J. GERBER, Law and Competition in Twentieth Century Europe Protecting Prometheus,Oxford:ClarendonPress,1998,ap.334.16 Alberto P. XAVIER, Subsdios parauma leidedefesada concorrncia, Vol. 95, Lisboa: Centro deEstudosFiscais,1970.

  • 14

    economianacionalcorporativa(BaseIIIdaLein.1936,de18deMarode1936),

    foiigualmenteanalisadoumcontraprojectoquepretendiainstaurarumsistemade

    controlo e punio das coligaes mediante o recurso aos tribunais, porventura

    inspirado no sistema dos Estados Unidos e dando continuidade proibio da

    colusonoCdigoPenalde1852.17

    Contrariando a tese de Gerber, Marenco sustenta que a poltica de

    descartelizao e desconcentrao foi imposta pelos Estados Unidos aos seus

    aliados ocidentais, salientando que o Reino Unido e a Frana estavam poca a

    prosseguir polticas de concentrao das respectivas indstrias (com o governo

    trabalhistanoReinoUnidoeoComissariadodoPlano,dirigidoporJeanMonnet,em

    Frana).18 Na Alemanha os trabalhos de redaco de uma lei da concorrncia

    iniciamse em 1949, na sequncia da sugesto dos aliados de que as leis de

    ocupaopoderiamsersubstitudasporumdiplomagermnico,desdequedessem

    acolhimento s suas preocupaes e fossem submetidas sua aprovao prvia.

    Embora reconhecendoa influnciadaEscoladeFriburgodeWalterEucken,Hans

    GrossmannDoertheFranzBhm,MarencodcontadaclararejeionaAlemanha

    pelosmeiosempresariaise,emcertamedida,peloemergentepoderexecutivo,de

    uma disciplina dos cartis que fosse para alm do estabelecido na poca da

    Repblica de Weimar (a Verordnung gegen Mibrauch wirtschaflicher

    Machtstellungen,de2.11.1923),quepreviaumregimedecontrolodosabusos,sem

    proibioprvia.

    Oplanodereestruturaodaindstriaalempreviamedidasquesedirigiam

    directamente aos efeitos da concentrao econmica: a dissoluo dos grandes

    17SobreestaproibioecontextualizandoacomoCdigoCivilde1867eosdesenvolvimentoslegaise jurisprudenciais contemporneos em outros pases europeus, ver Manuel Couceiro NogueiraSERENS, A Monopolizao da Concorrncia e a (Re)Emergncia da Tutela da Marca, Coimbra:Almedina, 2008. (maxime pp. 2425). Para uma anlise contempornea ver Arthur de MoraesCARVALHO,TrustseCarteis,Lisboa:TypographiaPortugueza,1915.18MARENCO,"TheBirthofModernCompetitionLawinEurope".Ap.284.Sublinheseque,deacordocomWells,WELLS,Antitrustand theFormationofthePostwarWorld.Ap.147:...membersof theDecartelization and Deconcentration Branch often sought to impose in Germany more rigorousstandardsthanappliedintheUnitedStatesitself,inthehopeofsettingprecedentsthatwouldhaveimpactathomeaswellasinEurope.

  • 15

    gruposempresariais, emparticular aVereigniteStahlwerke, responsvelem1938

    porquase40%doaoalemo;aseparaoverticalentreosprodutoresdeaoeas

    empresasdeextracode carvo; e adissoluodaagncia centralde comprade

    carvo, a Deutscher Kohlenverkauf (DKv). Os esforos do Governo federal para

    travar o plano de reestruturao levaram Erhard a argumentar contra o impacto

    negativo das medidas na competitividade da indstria alem, pondo em causa o

    princpiodeigualdadesubjacenteaoprojectodetratadoemelaborao.

    ApressonorteamericanaaumentanoperododenegociaodoTratadode

    Paris,cujoprojectoinicialnoincluaregrasdeconcorrncia,sendoprovavelmente

    o factor que est por detrs da defesa vigorosa da introduo de um regime de

    concorrncia na sesso de 4 de Outubro e das propostas da delegao francesa

    apresentadas a 27 do mesmo ms.19 Os Estados Unidos receavam que a Alta

    AutoridadeCECAsetornassenocentrodeumnovocarteleuropeudoao.20

    inquestionvelquea introduoderegrasdeconcorrncianoTratadode

    Paris assume uma clara influncia norteamericana, como decorre das prprias

    memriasdeJeanMonnet,queserefereparticipaodoProfessorRobertBowie,

    conselheiro jurdico principal do Alto Comissrio dos Estados Unidos para a

    Alemanha, JohnMcCloy e professor de direito antitrustemHarvard.21 JDuchne

    referequeJeanMonnettinhalidooShermanAct,pelomenosem1944.22Omesmo

    autorrefereaindaopapeldeapoiodoutrinal fornecidopeloeconomistaRaymond

    19MARENCO,"TheBirthofModernCompetitionLawinEurope",ap.293.20MilneWEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismusaufdasEuropischeWettbewerbsrecht19461965.VondenWirtschaftswissenschaftzurPolitik,BadenBaden:Nomos,2008.(58)21VerJeanMONNET,Mmoires,Paris:LibrairieArthmeFayard,1976.,p.514.AredacodoTratadodeParis,quantosrestantesdisposies,atribudanaquelaobraaojurista(emaistardeAdvogadoGeral) Maurice Lagrange e ao colaborador de Monnet, Pierre Uri (p. 513). No entanto, JohnGILLINGHAM,"JeanMonnetandtheEuropeanCoalandSteelCommunity:APreliminaryAppraisal",in Douglas BRINKLEY; Clifford HACKETT, (orgs.) JeanMonnet.The Path toEuropeanUnity, NovaIorque: St. Martin's Press, 1991, p. 129.atribui a George Ball, um advogado norteamericano queintegrava o crculo de amigos de Jean Monnet e mais tarde viria a exercer funes de relevo naadministrao Kennedy, a sugesto do modelo de autoridades reguladoras norteamericanas e aconsagraoderegrasantitrust.SobreBowieveraindaFranoisDUCHNE, JeanMonnet:TheFirstStatesmanofInterdependence,NovaIorque:W.W.Norton&Co.,1994.22DUCHNE,JeanMonnet,ap.211.

  • 16

    Vernon a partir dos telegramas enviados do Departamento de Estado na capital

    americana.

    Tambm Marenco atribui diplomacia dos Estados Unidos um papel

    fundamental,aindaquediscreto,nasnegociaescomosgovernosalemoebelga,

    pressionadospelosrespectivos interessesempresariaisnosentidodeseoporem

    consagrao de regras de concorrncia. Para aquele autor, as leis de

    desconcentrao (em especial a Lei 27, entrada em vigor dias aps a declarao

    Schuman), serviram de pano de fundo para obrigar os alemes a aceitar a

    introduo de regras da concorrncia, ausentes na verso inicial do tratado. Os

    franceses parecem ter desempenhado um papel moderador/agente dos norte

    americanos, em funoda suaprpria agendade enfraquecer a indstria aleme

    conseguircondiesnodiscriminatriasdeacessoaocarvoalemo,semcomisso

    alinharem no empenhamento dos Estados Unidos. Talvez por isso e pelas

    dificuldades face a eventuais presses dos interesses econmicos franceses, em

    Outubro de 1950, no mbito do processo de ratificao, surge um relatrio do

    MinistriodosNegciosEstrangeirosfrancsquejustificaasregrasdeconcorrncia

    comateoriadaprevenodeobstculosprivadosaocomrcio.Assimnasceumdos

    motesdodireitocomunitriodaconcorrncia,queMarencovemagoraquestionar.

    Para Marenco, "historicamente, os americanos foram o factor poltico

    determinanteparaaaceitaodeumaleiquecontrariavaastradies,mentalidades

    epoderososinteresseseconmicos".23

    Podemonosinterrogarse,tendoosartigos65.e66.sidoredigidosporum

    professor norteamericano, qual a razo para no ter sido escolhido o critrio de

    proibiodoClaytonActquantoaocontrolodeconcentraesousequeraproibio

    demonopolizao,prevista peloartigo2.doShermanAct.Noexistindonenhum

    23 Marenco sublinha tambm o afastamento de algumas personalidades de feio ordoliberal,relembrandoquea redacoda leialemdaconcorrncia comearaem1949, sobaorientaodeLudwigErhard equeesterejeitouoprojectoPaul JostenquecontaracomacolaboraodeFranzBhm. A GWB s viria a ser aprovada em 1957 aps um duro processo negocial. 303:"historicamente,osamericanosforamofactorpolticodeterminanteparaaaceitaodeumaleiquecontrariavaastradies,mentalidadesepoderososinteresseseconmicos".

  • 17

    estudoespecializadoouelementosquenospermitamdarumarespostadefinitivaa

    estaquesto,possvelconjecturarquantoinflunciaexercida,porumlado,pela

    poltica de desconcentrao da indstria alem, defendida por alguns dentro da

    autoridadedeocupaodosEstadosUnidose,poroutro,pelapreocupaofrancesa

    de impedir a discriminao da indstria siderrgica francesa quanto ao acesso s

    matriasprimaseaoscanaisdedistribuio(oquepareceexplicarareferncias

    concentraes que reforam a integrao vertical). Tambm aqui asMemrias de

    JeanMonnetfazemrefernciaaoreceioinspiradopelahistriadeconcentraoede

    cartelizao da indstria alem no perodo de entre as guerras, e do conta das

    resistnciasdosrepresentantesalemesaceitaodestetipodedisciplina.24

    Umcasamentode convenincia entreos interessesda indstriaaleme as

    preocupaesmaioritriasdaadministraonorteamericana,agoraempenhadana

    consolidaodaRFAfaceaoqueeravistocomoacrescenteameaasoviticaparece

    estar por detrs do facto de Dean Acheson relatar ter recebido instrues de

    Truman no sentido de apoiar a proposta francesa e de impedir a interveno da

    Antitrust Division.25 No entanto, o Governo norteamericano deixou claro aos

    negociadores que a ausncia de uma proibio de cartis e outros acordos

    restritivosseriainaceitvel.26

    24Refirase,aestepropsito,queaDeclaraoSchumande9deMaiode1950nofazmenodeumcontrolo de concentraes, limitandose a afirmar em linguagem elpticaque Por contraposio aum cartel internacional tendente repartio e explorao dos mercados nacionais atravs deprticasrestritivasedamanutenodelucroselevados,aorganizaoprojectadagarantirafusodos mercados e a extenso da produo. Em boa verdade, pode verse aqui, mais do que umprograma anticartel uma defesa contra eventuais alegaes de uma construo proteccionista einspiradaemalguns cartisestataisdoperododeentreas guerras, talvez emresposta aalgumasobjeces dos norteamericanos. Neste sentido verMARENCO, "The Birth of Modern CompetitionLawinEurope",ap.287.Estaautorconsideraestafrasejustificadapelareaconegativadoministrodos negcios estrangeiros dos Estados Unidos, Dean Acheson, quando lhe foi exposto o PlanoSchumanemParis,doisdiasantesda famosadeclaraoserdivulgada.VeraindaMARENCO, "TheBirth of Modern Competition Law in Europe"; Alan S. MILWARD, The Reconstruction ofWesternEurope.194551,Londres:Methuen&Co.,1984,ap.398.25VerACHESON,1969,citadoporGILLINGHAM,John,"JeanMonnetandtheEuropeanCoalandSteelCommunity: A Preliminary Appraisal", in BRINKLEY, Douglas; HACKETT, Clifford, (orgs.) JeanMonnet.ThePathtoEuropeanUnity,NovaIorque:St.Martin'sPress,1991,p.129.26WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus.(60).

  • 18

    Aspropostasfrancesassoapresentadasa27deOutubrode1950elevama

    uma reaco negativa das restantes delegaes, em particular da Alemanha que

    apresentou uma contraproposta a 10 de Novembro, baseada na aplicao do

    princpio do controlo de abusos e prevendo a possibilidade de autorizao

    condicional de acordos entre empresas, deixando registada a total oposio ao

    controlo de concentraes ou participaes minoritrias.27 Na sequncia de

    reuniesentreMonnet,Halstein,TomlinsoneRobertBowieocorridasentre16e20

    deNovembro,foientoapresentadosrestantesdelegaesomemorandofrancs

    de7deDezembro.Asnegociaes forampraticamentesuspensasentreDezembro

    de1950 eFevereiro de 1951devido posio alemde aguardar a evoluodas

    propostas de reestruturao da sua indstria.28 Entretanto a posio francesa

    comeava a ser ameaada internamente pelos respectivos meios empresariais.

    Duchneafirmaqueaspresses internas enfrentadasporMonnet podem ter sido

    provocadas por manobras dos interesses econmicos alemes, apostados em

    ressuscitarocarteldoaodeentreasguerras(negociarumPlanoSchumanentre

    produtores, na expresso de Hermann Wenzel, presidente da Vereignite

    Stahlwerke).29

    ParaMarenco,aintervenonorteamericanafoiaindadecisivanafasefinal

    para resolver a questo da concorrncia, vindo Konrad Adenauer a aceitar numa

    carta a McCloy de 14 de Maro as condies, entretanto suavizadas, de

    27 Ibid. (p. 59). Como esta autora sublinha, a indstria francesa fora reestruturada e concentrada,almdeobjectodenacionalizaes,nombitodoPlanoMonnet.Emparticular,aposiodaempresapblica Charbonnages de France contrastava, no lado alemo, com vrias entidades privadas eseparadas pelas imposies das autoridades de ocupao, as quais passariam a estar sujeitas snovasregrasdecontrolodeconcentraes.28MARENCO,"TheBirthofModernCompetitionLawinEurope",ap.295;WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus,ap.62.29Wegmantemumainterpretaodiferentequantoaoelodeligaocomoprincpiodaintegrao:Paraestaautoraomesmopareceresultardadefesapeladelegaoalemdasregrasdeconcorrnciacomo pressuposto ou requisito essencial da integrao (uma linha prEscola de Friburgo,compatvel com as convices do principal negociador alemo e futuro presidente da Comisso,WalterHallsteim),aparcomasregrassobreasliberdadesdecirculao.Wegmannsublinhatambma rejeio pela delegao alem das propostas francesas de acordo quanto a um conjunto deprincpios gerais, vinculando os estadosmembros e por eles aplicados e, substituio de regrasprevistasnoprprioTratado.VerWEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus,ap.72ess.

  • 19

    reestruturaodaindstriaalem,comadesconcentraodaVereigniteStahlwerke

    (divididaem13empresas)edaKrups(divididaemduas);adiminuiodasligaes

    verticais (Verbundwirtschaft) para 16% do mercado (em relao aos 55% do

    perodo anterior Segunda Guerra; e a DKv dividida em quatro entidades at

    1952.30

    Seaformafinaldasregrasdeconcorrnciaveioclaramentedarumapoios

    posiesdosdefensoresdaEscoladeFriburgonodebatelegislativoalemosobrea

    futuraGWB, umexcessivo entusiasmopelos princpios liberais de organizaodo

    mercado interno refreado por dois factores. Em primeiro lugar, os substanciais

    poderesde interveno conferidos AltaAutoridade,designadamentemediante a

    imposiodequotasedepreosemcasodecrise.Emsegundo lugar,o factodeo

    rigor das regras de concorrncia ser visto em Frana como um regime

    essencialmenteassimtricoedestinadoapotenciarumarestriodaconcentrao

    daindstriaalemdocarvoedoao.31

    No seu discurso perante aAssembleia emSetembro de1953, JeanMonnet

    elegeu a luta contra os cartis como a sua terceira prioridade (a seguir s

    negociaes com os Estados Unidos sobre um emprstimo e com os britnicos

    quantoaumestatutodeassociao).32Numbalanosumrio,estasmetasviriama

    debaterse com grandes dificuldades e Monnet, no chegando a persuadir os

    britnicosconseguiuapenasumquintodoemprstimode500milhesdedlares

    30DUCHNE,JeanMonnet,ap.218.AscondiestinhamsidopreviamentenegociadasentreRobertBowie,pelo ladonorteamericano, eLudwigErhard,WalterBauereWalterHallstein, emnomedoGovernoalemo.WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus.P.64.ConsiderandoaposiodeforadosEstadosUnidospoca,oresultadodasnegociaesfoiamplamentefavorvelaoladoalemo,permitindoaAdenauerreforaroseuapoiointerno,sobretudojuntodosmeiosempresariais.31WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus,ap.65.Estaautorasublinha,nalinhadeMilward,aimportncia para a realizao do planoMonnet da obteno de carvo alemo em condies nodiscriminatriasdemodoagarantiraviabilidadedocrescimentodaproduodeaoemFrana.Aironia de ver a Frana a promover, a par de um programa dirigista de crescimento interno, umregimerigorosodedefesadaconcorrncianoinciodadcadade50,quandoeradoladoalemoquese encontravam os pensadores de uma nova ordem econmica de inspirao liberal, justifica aconcluso de Wegmann: Die antikartellistische und antimonopolistische Haltung, die diefranzsischen Delegierten seit Oktober 1950 eingenommen hatten, wirkte in der Richtung derneoliberalen Wettbewerbsordnung, ohne dass die allerdings in einer Entscheidung fr die neoordoliberaleWettbewerbstheoriebegrndetgewesenwre.32DUCHNE,JeanMonnet.(244)

  • 20

    que solicitou aos Estados Unidos, onde Eisenhower sucedera a Truman e tinha

    cessadooplanoMarshall.

    Mas no plano da concorrncia que a actuao da Alta Autoridade mais

    contrasta com as ambies expressas pelo seu primeiro presidente. AlanMilward

    aponta,porexemploasconcentraesautorizadaspelaAltaAutoridadecomoprova

    dequeoobjectivodedesconcentraosuperadopelasconsideraeseconmicas

    deracionalidade.33

    Umbalanoobjectivomostraquequalquerveleidadequepossaterexistido

    de impedir a recomposio de alguns dos grandes grupos alemes do perodo de

    entreguerras no passou das meras intenes. No sector do carvo e apesar da

    insistncianorteamericananadissoluodoDKv,aAlemanhacriou,trsdiasantes

    da entrada em vigor do Tratado de Paris, seis agncias de venda e uma entidade

    central (Georg ou Gemeinschaftsorganisation). Esta veria a autorizao de

    constituio recusada pela alta Autoridade, tendo as negociaes para a sua

    substituio levado vrios anos, at que em 1956, aquela instituio autoriza a

    constituiodetrscentraisdevendas.Mostrandoqueosvelhoshbitosdoscartis

    so de difcil erradicao, mantevese a discusso comum de preos at 1957,

    facilitadapelasparticipaescruzadasentreastrsentidades,semeliminaototal

    dasfunescentrais).34

    Desenvolvimentos semelhantes ocorreram no sector do ao em que a luta

    contraoscartisenfrentavadificuldadesjurdicasdevidoexistnciadeumcartel

    deexportaoesensibilidadepolticadoproblema.35

    Daqui resultou uma poltica que, pela justia do tempo, talvez devamos

    apelidardepragmtica,comcercadecemconcentraesautorizadasentreMaiode

    1954 e Abril de 1958. O sinal de irrelevncia do controlo de concentraes no

    33MILWARD,TheReconstructionofWesternEurope.194551,ap.411.34WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus,ap.67.35 De acordo com Duchne, Adenauer advertiu Monnet que quaisquer esforos prematuros emmatriadecartispoderiamdificultararatificaodaComunidadeEuropeiadaDefesanaAlemanha.VerDUCHNE,JeanMonnet,ap.250.

  • 21

    mbitodoTratadodeParisseriadado,comoafirmaDuchne,pelaautorizaodada

    Mannesmannparaacompradeumagrandeminaedeumaempresametalrgica,

    ressurgindoaintegraoverticaldoperodoanteriorocupaothusvirtuallyre

    creatingoneoftheprewartrustsandprovidingaprecedentforothers.36

    Duchnevaiaopontodereferir,semconfirmar,quedeacordocomWerner

    von Simson, agente dos produtores alemes de ao no Luxemburgo, existiu um

    acordotcitoentreMonnet,Etzeleasempresasalemspeloqualestassepoderiam

    voltar a concentrar: The only limit was that there should be no Vereinigte

    Stahlwerkeagain . Esta empresa controlava,noperodoqueantecedea Segunda

    Guerracercade40%daproduoalemdeaoe25%daproduoaonveldosseis

    EstadosfundadoresdaCECA.

    Mesmoesselimiteparecetersidoignorado,pelomenosnamedidaemque,

    pelaaprovaodeconcentraescomimposiodealgumascondies,asgrandes

    empresas siderrgicas e carbonferas alems voltaram a assumir uma dimenso

    aproximadaquetinhamantesdaguerra.37

    Feito este balano histrico, vejamos ento, sucintamente, qual a

    concretizao dada ao abuso de posio dominante no Tratado de Paris face ao

    sistemaporesteprevisto.

    Comeandopelosfinsdestacomunidade,asuainstituiodaCECAtevepor

    objectivoainstituiodeummercadocomumlimitadoaossectoresdocarvoedo

    ao,entoconsideradosestratgicosemtermospolticoseeconmicos.Apesardas

    conotaes economicamente liberais do conceito de mercado comum, em boa

    verdade o regime institudo pelo Tratado caracterizavase por uma matriz de

    princpiosqueprocuraconciliaradinmicadomercadocomuma intervenopor

    36 Ibid.Esteautorcomentaque,nesseperodo, theHighAuthoritycameclose to lassezfaire.Nomesmo sentido ver CorwinD. EDWARDS, TradeRegulationOverseas TheNational Laws,DobbsFerry:OceanaPublications, 1966, ap.277.Oexperiente funcionrio eacadmiconorteamericanoconsideravaentoquetheHighAuthorityhasaccomplishedlittleinlimitingconcentration,chieflybecauseithasundertakenlittle.37WEGMANN,DerEinflussdesNeoliberalismus,ap.68.

  • 22

    vezesdirigista,aconduzirpelaAltaAutoridade.Poroutrolado,oentendimentoda

    poltica de concorrncia parece ter subjacente uma aceitao da importncia das

    economiasdeescalae,consequentemente,acompreensodanaturezaimperfeitada

    concorrncianestessectores.

    A ttulo ilustrativo, pensemos, por exemplo, na redaco do artigo 2. do

    TratadodeParis onde, apsdescrever amisso eosobjectivos geraisdaCECA,o

    segundo pargrafo consagra o dever de aquela comunidade promover o

    estabelecimento progressivo de condies que garantam, por si prprias, a

    repartio mais racional da produo ao mais elevado nvel de produtividade,

    salvaguardando, aomesmo tempo, amanutenodonvel de emprego e evitando

    provocar, nas economias dos EstadosMembros, perturbaes fundamentais e

    persistentes. Encontramos aqui o reconhecimento de que, por um lado, a

    organizaodossectoresemcausadeveteremcontaoutrosobjectivosparaalmda

    afectaoptimaderecursos,designadamenteaeficinciaprodutiva,asalvaguarda

    dosnveisdeempregoeaestabilizaodosmercados.

    O artigo 3., referindose agora aos deveres das instituies, consagra um

    princpio de no discriminao no acesso s fontes de produo (al. b)), mas

    incumbe aquelas de Velar pelo estabelecimento dos mais baixos preos, em

    condies tais que no conduzam a qualquer aumento correlativo dos preos

    praticados pelas mesmas empresas noutras transaces nem do nvel geral dos

    preosnoutroperodo,permitindo,aomesmotempo,asnecessriasamortizaese

    proporcionandoaoscapitaisinvestidospossibilidadesnormaisderemunerao(al.

    c)). Esta disposio reconhece, assim, a necessidade de um tipo de interveno

    caractersticodoschamadosmonopliosnaturais.

    Masaprossecuodestesdesideratosparece tambmconvocaraaplicao

    de instrumentosdepoltica industrial,maisorientadosparaaeficinciaprodutiva

    do que para a salvaguarda da concorrncia, como resulta da al. d): Velar pela

    manutenodecondiesqueincentivemasempresasadesenvolvereamelhorar

    os seuspotenciaisdeproduoe apromoverumapolticade explorao racional

  • 23

    dos recursos naturais, de forma a evitar o seu esgotamento imponderado. Ora, a

    concentraodeempresaspodeservistaprecisamentecomoumdosinstrumentos

    deobteresteresultado, sendoqueaindaofereceavantagemdenoobrigaraum

    envolvimento directo dos poderes pblicos, como sucede com os regimes de

    subvenes,admitidospelosegundohfendoartigo5.quantoaregimesnombito

    da Comunidade (a al. c) do artigo 4. proibia as subvenes e auxlios estatais,

    independentementedaformaqueassumam.

    As atribuies da CECA em matria de concorrncia so explicitadas pelo

    terceiro hfen do artigo 5., que elenca, entre as intervenes limitadas a

    prosseguirnodesempenhodasuamisso:

    Asseguraroestabelecimento,manutenoerespeitodecondiesnormais

    de concorrncia e s intervir directamente na produo e no mercado

    quandoascircunstnciasoexigirem.Aintervenonaproduopoderiair

    aopontode,emcasodesobreproduo,seremestabelecidasquotaspelaAlta

    Autoridade(artigos57.e58.)38

    Este artigo sugere um regime de interveno subsidiria, no apenas nas

    expresses intervenes limitadas e s intervir quando as circunstncias o

    exigirem, como tambm na referncia dimenso e organizao dos servios

    constante do terceiro pargrafo deste artigo: As instituies da Comunidade

    exerceroestasactividadescomumaparelhoadministrativoreduzido,emestreita

    cooperaocomosinteressados.

    As regras de concorrncia do Tratado de Paris enquadramse, pois, num

    objectivo mais amplo de estabelecimento, manuteno e respeito de condies

    normaisdeconcorrncia.Paraoefeito,soconsagradosdoiscaptulos.OCaptulo

    VI, relativo aos acordos e concentraes e o Captulo VII, sobre as infraces s

    condiesdeconcorrncia.AssumeaindarelevonestedomniooCaptuloV,preos,38Esteregimeeradeaplicaosubsidiriarelativamenteaosmecanismosditosdeacoindirectacomoacooperaocomosgovernosnosentidodeinfluenciaroconsumogeraleaintervenoemmatriadepreosedepolticacomercial(artigos57.e58.,n.1).Oartigo59.previaumsistemadequotascomoobjectivoderacionarrecursosemsituaodegraveescassez.

  • 24

    onde,apardemecanismosdeintervenoadministrativa,39soconsagradosalguns

    princpiosque relevam,no mbitodaComunidadeEuropeia, doabusodeposio

    dominante: a diferena que aqui eles se aplicam a todas as empresas.Apenas a

    proibiodeprticasdesleaisdaconcorrncia,pelomenosna formadepreos

    predatrios (baixasdepreosmeramente temporriasou locais) condicionada

    susceptibilidade de levar obteno de uma posio demonoplio nomercado

    comum. As prticas discriminatrias na venda (aplicao por um vendedor de

    condiesdesiguaisa transaces comparveis) eraproibidaperse, emparticular

    nocasodediscriminaesfundadasnanacionalidadedocomprador.

    Ocontrolodosabusosdeposiodominante,assentenon.7doartigo66.,

    era objecto de um regime menos desenvolvido por comparao com as normas

    sobreacordoseconcentraes.Compreendesequeassimfosseseatendermosaos

    poderes conferidos peloTratadodeParis AltaAutoridade e queno encontram

    paralelonoTratadodeRoma, designadamente aonvel da fixaodepreos e do

    estabelecimento de quotas de produo e de repartio de recursos. No fundo, a

    consequnciadoregimedon.7doartigo66.eraodesencadeardemecanismosde

    interveno junto da empresa em causa, passando esta a estar sujeita a uma

    regulaoassimtrica.

    Ombitosubjectivoincluaasempresaspblicasouprivadasque,dedireito

    oudefacto,tenhamouobtenham,nomercadodeumdosprodutossubmetidossua

    jurisdio, uma posio dominante que as subtraia a uma concorrncia efectiva

    numaparteimportantedomercadocomum.On.7doartigo66.consagraassima

    noo de posio dominante, qualificandoa como uma situao de facto que as

    subtraiconcorrnciaefectiva,noodistintadaqueempregueparaascondies

    estticas de concorrncia ou condies normais de concorrncia. Resta saber se

    seresteltimoumconceitofinalstico,orientadoparaumdeterminadoresultadoe

    39Oartigo61.permitiaAltaAutoridade,apsconsultadoComitConsultivoedoConselhoecombaseemestudos feitosemcolaboraocomasempresaseassociaesdeempresas, fixarpreosmximosemnimos,nomercadocomumouexportao.

  • 25

    a primeira visa a presso exercida pela concorrncia que conduz a condies

    normaisdeconcorrncia.

    O critrio que hoje apelidaramos de abuso correspondia

    instrumentalizaodaposiodominante, i.e.,namedidaemqueasempresascom

    esse poder se servem desta posio para a prossecuo de fins contrrios aos

    objectivos do Tratado, reenviando o contedo do dever para as disposies

    introdutrias do Tratado. No deixa de ser curiosa a soluo encontrada para

    garantirocumprimentodestadisposio:aComissodirigiaumarecomendao

    empresae,casoestanofosseacatada,tomavadecisesemconsultacomoGoverno

    interessado, para fixar os preos a praticarpela empresa em causa ou aprovando

    programasdeproduoouentrega,ficandoaempresasujeitassanesprevistas

    pelosartigos58.,59.e64.,40ouseja,aintervenotraduziasenaadaptaodos

    instrumentos de interveno domercado a uma aco que tinha um destinatrio

    concretoequesefundavajnonaevoluodomercadomasantesnumaconduta

    qualificada como contrria aos objectivos do Tratado e tendo por autor uma

    empresa em posio dominante que dela se serve para atingir essas finalidades

    contrriasaotratado.

    Corwin Edwards explica o sentido desta disposio enquanto mecanismo

    complementar:

    Amajor functionof theseprovisions,as seenby thedrafters of the treaty,

    wastoenabletheHighAuthoritytocurbtheactivitiesofenterprisesthathad

    been nationalized or given legal monopoly by national law. Without such

    provisions there would have been no equivalent to the curbs that

    competition was expected to place upon the conduct of other enterprises.

    Moreover,anationalgovernmentthatwasunwillingtoabandonrestrictions

    formerly embodied in law, and now forbidden by the treaty in that form,

    might have accomplished its purpose by granting broad discretion to a

    40Concretamente,o58.refereseaosregimesdequotasemcasodeexcessodeproduo,o59.aescassezeo64.sdisposiesemmatriadepreos.

  • 26

    nationalizedenterprisetoactinwayscapableofproducingsimilarrestrictive

    results.Butoncetheprovisionhadbeenincludedinthetreaty,itsuseagainst

    government enterprises was not necessary. As ... problems were met by

    interactionbetweentheHighAuthorityandthestate.41

    Antes de concluirmos esta seco, afigurase necessria uma brevssima

    descrio das caractersticas do regime de controlo de concentraes criado no

    mbitodaCECA,sobretudopelaausnciadetalinstitutonoTratadodeRoma,bem

    comopelainflunciaqueessalacunaviriaaternaconstruooriginaldanoode

    abusodeposiodominantenombitodoTratadodeRoma.42

    Oartigo66.estabeleciaasujeiodeconcentraesnombitodoTratado

    CECAaumaautorizaoprviadaAltaAutoridade,aqualseriaconcedidaseaquela

    instituioconsiderassequeaoperaoemcausanodspessoasouempresas

    interessadas,noque respeita aoprodutoouaosprodutos emcausa submetidos

    suajurisdio,opoderde:

    determinarospreos,controlarourestringiraproduoouadistribuio,ou

    impedir a concorrncia efectiva numa parte importante do mercado dos

    referidosprodutos;

    se subtrair s regras de concorrncia resultantes da aplicao do presente

    Tratado, designadamente pelo estabelecimento de uma posio

    artificialmente privilegiada e que implique vantagem substancial no acesso

    aoabastecimentoouaosmercados.

    SeguindoumatcnicalegislativaqueviriaaserretomadaspeloRegulamenton.

    4064/89, o mesmo nmero 2, fornece uma orientao suplementar a seguir na

    apreciaodeconcentraes:Nestaapreciao,edeacordocomoprincpiodeno

    discriminao enunciado na alnea b) do artigo 4., a Comisso ter em conta a

    importncia das empresas da mesma natureza existentes na Comunidade, na

    41EDWARDS,TradeRegulationOverseasap.275.42Acomparaoentreoartigo66.eoRCCrevelaalgumaafinidadeeinflunciadoprimeironesteltimo,designadamenteaonvelprocessual.

  • 27

    medida em que o considere justificado para evitar ou corrigir as desvantagens

    resultantesdeumadesigualdadenascondiesdeconcorrncia.

    O critrio substantivo encontravase assim formulado em termos que no

    clarificavam a natureza cumulativa ou alternativa dos dois subpargrafos e no

    recorrianoodeempresaemposiodominante,apesardeesteconceitoestar

    subjacente s duas formulaes. Assim, atentarse que o poder de impedir a

    concorrncia efectiva corresponde qualificao de posio dominante (que a

    subtraiaaumaconcorrnciaefectiva).

    Por outro lado, o poder de se subtrair s regras de concorrncia pelo

    estabelecimento de uma posio artificialmente privilegiada e que implique

    vantagemsubstancialnoacessoaoabastecimentoouaosmercadosparecereferir

    semaisdirectamentesempresasquederivam,totalouparcialmente,oseupoder

    de um elevado grau de integrao vertical que cria obstculos aos concorrentes.

    Assim, apesar de no invocado explicitamente, parecenos que o critrio de

    proibio est essencialmente pensado para a criao ou reforo de uma posio

    dominante.

    Julgamosqueainflunciadocritriosubstantivodecontrolodeconcentraes

    sobretudovisvelnaestruturadanormadoTratadodeParis.Assim,aformulao

    positiva (as concentraes so autorizadas a menos que a Comisso verifique

    estarem preenchidos os requisitos da proibio) e no existe possibilidade de

    derrogaofundadaembalanoeconmico,comosucedecomosacordos(n.2do

    artigo66.).43 verdadeque, como sublinhaKEPPENNE, esta disposiono est

    limitada por um critrio equivalente ao do efeito no comrcio entre Estados

    membrosouporumadelimitaodocampodeaplicaoem termosdedimenso

    comunitria.Noentanto,aComissoadoptouumadecisoquepermitiaaisenoda

    obrigaodenotificao,comistodiminuindoombitodeaplicaodoartigo66..

    Emtermosgerais,aobrigaodeautorizaoprviaeradispensadaemfunode

    43 JeanPaulKEPPENNE, Le controledes concentrations entre entreprises,C.D.E., vol. 28, n. 12,1991,p.42.

  • 28

    limiares de volume de produo anual ou de quota de mercado e das partes

    envolvidas.44

    2. OMemorandodaComissode1965eosprimeirospassosna

    construodogmticadoabusodeposiodominante

    Contrariamente ao que sucedia no mbito da Comunidade Europeia do

    Carvo e do Ao (CECA), instituda pelo Tratado de Paris de 1951, o Tratado de

    Roma no contm quaisquer disposies especficas sobre concentraes. Esta

    assimetria estrutural temorigemnanaturezados sectores abrangidospela CECA,

    ondeosnveisdeconcentraosotradicionalmenteelevadosdevido,entreoutros

    factores,ssignificativaseconomiasdeescalanaproduoenoreceiodosefeitosda

    aglomerao de poder econmico em domnios que ento eram vistos como

    essenciais a um esforo de guerra, sobretudo considerando o apoio dado pelas

    grandesempresasalemsdasiderurgiaaoregimenazi.

    A ento Comunidade Econmica Europeia no tinha por objecto sectores

    ondesejustificasseumpreconceitoanticoncentrao.Pelocontrrio,aprossecuo

    das finalidades de integrao econmica e de melhoria da competitividade da

    indstriaeuropeiamilitavaprecisamentenosentidodereconheceranecessidadede

    umamaior concentrao na generalidade dos sectores, de forma a permitir obter

    44Assim,estavamisentasdaobrigaodeautorizaoprviaconcentraeshorizontaisnossectoresdocarvooudoaonamedidaemqueaproduodaspartesfosseinferioraoslimiaresprevistosnon.1doartigo1.daDecison.25/67(desdequeaproduoemcausanorepresentassemaisde30%dovolumeglobaldeproduoCECA);asconcentraesentreprodutoresdecarvoeempresasnoabrangidaspeloTratadodeParis,desdequeoconsumodecarvoporestasnoexcedesseumadeterminadatonelagem;entreprodutoresdeaoeempresasnoabrangidaspelaCECA,desdequenofossemultrapassadosdeterminadoslimitesquantitativos;asconcentraesentredistribuidoresdecarvoouentredistribuidoresdeaodedimensomdia;easconcentraesentreprodutoreseempresas que vendem exclusivamente a consumidores domsticos ou ao artesanato e entredistribuidoreseempresasnoabrangidaspelaCECA.Noeramobjectodeisenoasconcentraesque envolvessem o controlo conjunto de empresas comuns de produo, distribuio outransformao de carvo ou ao (artigo 7.). Todas as operaes isentas ficavam sujeitas a umadeclaraoaposterioriAltaAutoridade,noprazodedoismesesapsaconcentrao.

  • 29

    ganhos de eficincia em matria de economias de escala e outras. Pode, pois,

    concluirsequeestamosperanteumalacunaintencionaldosautoresdoTratadode

    Roma.45

    Por outro lado, como uma comparao da estrutura dos dois textos

    rapidamentedemonstra, aComunidadeEconmicaEuropeiano tinhaasmesmas

    bases dirigistas que encontrmos no Tratado de Paris (excepo feita Poltica

    AgrcolaComum).46

    A Comisso Europeia procurou reforar os seus poderes atravs de um

    estudo com a colaborao de um grupo de sbios sobre a eventual aplicao das

    regrasdoTratadosconcentraes,oqualseviriaatraduzirnoMemorandosobrea

    concentraonoMercadoComumde1deDezembrode1965.AComissoassume

    ento um entendimento contrrio s concluses dos especialistas consultados,

    considerandoqueoartigo81.noerauminstrumentoadequadoaumcontrolode

    concentraes, sobretudo por implicar um regime muito rigoroso e contrrio

    presunode legalidadedequegozariamasconcentraesnamedidaemqueno

    eram objecto de regras especficas no Tratado ou na legislao dos Estados

    membros.

    Noessencialreceosadeserinundadaporpedidosdeisenocombasenon.

    3 do artigo 81., a Comisso apenas pretendia um controlo das operaes que

    envolvessem uma concentrao excessiva de poder econmico, ou seja, apenas

    deveriam ser apreciados alguns casos excepcionais. Para esse efeito entendeu ser

    maisadequadorecorreraplicaodoartigo82..

    45AurelioPAPPALARDO,"LerglementCEEsurlecontrledesconcentrations",R.I.D.E.,vol.4,n.1,1990,p.3.(p.4)46VerEDWARDS,TradeRegulationOverseasap.281.Sobreadiferenaentreasduascomunidadesesteautorafirmaoseguinte:Buttherolecontemplatedforcompetitioninthetwocommunitiesismarkedlydifferent.AsaProjectforeconomicplanningtoimprovetheperformanceofthecoalandsteel industries, ECSC gives competition a clearly subordinate role. It is concerned with businessrestrictionschieflytopreventthemfrombecomingobstaclestoofficialplans, InEEC,however, thefunction assigned to competition is central (...) the Community has envisaged competition as aregulatorofeconomicactivity,analternativetogovernmentalregulation.

  • 30

    aquiquesurgeumprimeiroensaiodedefiniodosconceitosdeposio

    dominante,bemcomodeabusonaacepodoartigo82.doTratado.

    [I]l y a position dominante sur unmarche donn lorsquune ou plusieurs

    entreprisespeuventagirdefaonessentiellesurlesdcisionsdautresagents

    conomiques au moyen dune stratgie indpendante de sorte quune

    concurrence praticable et suffisamment efficace ne peu apparaitre et se

    maintenirsurlemarch.

    [I]lyaexploitationabusivedunepositiondominante lorsque ledtenteur

    de cette position utilise les possibilits qui en dcoulent pour obtenir des

    avantages quil nobtiendrait pas en cas de concurrence praticable et

    suffisammentefficace.

    Lanotiondeconcurrencepraticablerecouvreunenotionraliste.Onadmet

    quil y a concurrence suffisamment efficace lorsque les entreprises ne

    limitent pas de faon excessive ou artificielle la vente ou la production,

    lorsquellesrpondentdefaonsatisfaisantelademandeetlorsquellesfont

    participer quitablement les utilisateurs de leurs produits aux profits qui

    rsultentduprogrstechniqueetconomique.(ponto4)

    Daqui extrai a Comisso Europeia uma noo de posio dominante que a

    ligaaoconceitodepoderedemargemdediscricionariedade:

    Bien que larticle 86 ne vise pas une position dominante sur un march

    dtermin, mais une position dominante tout court, il est gnralement

    admisquuneentrepriseoccupeentoutcasunepositiondominanteausens

    de larticle 86 quand elle domineunmarch. La domination dumarch ne

    peutpastreuniquementdfiniepartirde lapartdumarchquedtient

    uneentrepriseoudautreslmentsquantitatifsdunestructuredumarch

    donne.Cestenpremier lieuunpouvoirconomique,cestdire la facult

    dexercer sur le fonctionnement du march une influence notable et en

    principe prvisible pour lentreprise dominante. Cette facult conomique

  • 31

    duneentreprisedominante influesur lecomportementetsur lesdcisions

    conomiquesdautresentreprises, quelle soitutiliseounon dansun sens

    donn. Une entreprise qui peut vincer, quand elle le dsire, les autres

    entreprises concurrentes du march peut dj disposer dune position

    dominante et dterminer dune faon dcisive le comportement des autres

    entreprises mme si sa propre part du march est encore relativement

    faible.(ponto22)

    Contudo, o artigo 82. tinha como pressuposto a existncia prvia de uma

    posiodominante:assim,soseureforoporviadeaquisiodeoutraempresa

    poderia ser contestado pela Comisso, caso se demonstrasse que esse acto de

    reforo podia constituir um comportamento abusivo. Seria, por isso, necessrio

    esperar pelas primeiras orientaes a fornecer pelo Tribunal de Justia para se

    confirmarsetalvisoextensivadoconceitodeabusoerajustificada.

    3. Aconstruojurisprudencialdosfundamentosdaproibiodoabuso

    deposiodominante

    Osprimeirospassos

    AshesitaesdaComissoEuropeiaquantoaoalcanceeapoliticaaseguirna

    aplicao do artigo 82., fizeram com que a primeira deciso de aplicao desta

    normasviesseaseradoptadaem1971,bastantedepois,porisso,deelaboradoo

    Memorandode1965.Aindaassim,jantesdeterdeaplicaroartigo82.emsedede

    controlo de legalidade das decises da Comisso, o Tribunal de Justia foi

    elaborando um conjunto de princpios fragmentrios mas ainda assim essenciais

    para um primeiro enquadramento do alcance da proibio do abuso de posio

    dominante, sobretudo no contexto de acrdos proferidos no mbito de questes

    prejudiciais,suscitadasportribunaisdosEstadosmembros.

  • 32

    Logonumdosprimeirosacrdoshistricossobreasregrasdeconcorrncia

    doTratadodeRoma,oTribunaldeJustiateveocasiodesepronunciar,aindaque

    incidentalmente, sobre o artigo 82.. Em causa estava um argumento relativo

    aplicabilidadedoartigo81.aacordosverticais,alegandooGovernoitalianoque,a

    aceitar essa tese, seria introduzida uma discriminao entre as empresas

    produtorasintegradasverticalmenteaonveldadistribuio,relativamentequelas

    que optassem pela celebrao de acordos com distribuidores. A distino entre a

    funodaquelasduasnormasexplicadadaseguinteformapeloTribunal:

    Tambm seria vo comparar, por um lado, a situao, regulada pelo artigo

    85.,doprodutorvinculadoporumcontratodeexclusividadeaodistribuidor

    dosseusprodutose,poroutro,adoprodutorqueintegranasuaempresaa

    distribuio dos seus produtos por qualquer meio, por exemplo, a

    representaocomercial,esesubtrai,assim,aplicaodoartigo85..

    Essas situaes so juridicamente distintas e, por outro lado, oferecemum

    interesse diferente, por a eficcia poder no ser idntica em dois circuitos

    econmicos,umintegradoeoutrono.

    Se o teor do artigo 85. torna a proibio aplicvel, sob reserva de se

    encontrarempreenchidasasoutrascondies,aumacordocelebradoentre

    vriasempresaseexcluiassimasituaodeumanicaempresaqueintegra

    a suaprpria redededistribuio, no resulta daquedeva ser legalizada,

    por simples analogia econmica, alis incompleta e em contradio com o

    referido texto, a situao contratual que resulta de um acordo entre uma

    empresadeproduoeumaempresadedistribuio.

    Alis, se, no primeiro caso, o Tratado pretendeu, atravs do artigo 85.,

    respeitar aorganizao internada empresaeno apr eventualmente em

    causaatravsdoartigo86.,exceptoseamesmaatingirograudeseveridade

    de um abuso de posio dominante, no pode existir a mesma reserva

    quandodeumacordocelebradoentreempresasdiferentesque,geralmente,

    bastaproibir,resultamobstculosconcorrncia.

  • 33

    Daqui se extrai um importante corolrio: o mbito do artigo 81. mais

    extenso do que o da proibio de abuso de posio dominante, sendo que as

    decises de organizao intraempresariais apenas sero proibidas quando

    correspondamaumabusodeposiodominante,pressupondoseaquiumaampla

    margemde actuaoque limita esta proibio amedidas departicular gravidade.

    Reconhecese, deste modo, a dificuldade de subordinar a um controlo minucioso

    decises internas de empresas, por contraponto a comportamentos que se

    manifestam externamentemediante um entendimento de vontades entre duas ou

    maisempresas.47

    Os desenvolvimentos posteriores relacionamse com vrios acrdos

    proferidosnasequnciadereenviosprejudiciaiseprendemsecomaaplicaodas

    regrasdeconcorrnciaaoexercciodedireitosdepropriedade intelectual.Coloca

    se,emparticular,aquestodesaberseaexistnciadediferenassignificativasde

    preosdeummesmoprodutoentrediferentesEstadosmembrosconsoanteograu

    ou a prpria existncia de proteco por direitos de propriedade intelectual

    poderia indiciar um abusomediante a imposio de preos excessivos no pas de

    importao ou tornar abusivo o exerccio daqueles direitos para impedir

    importaesdosEstadosmembrosondeosprodutostinhampreosmaisreduzidos.

    Assim,nocasoParke,Davis,de1968,aquelaempresa farmacuticadetinha

    patentes em vrios Estadosmembros quanto aomedicamento cloranfenicol.48

    poca, no era possvel obter estes direitos em Itlia relativamente a produtos

    farmacuticos,peloqueosmedicamentoscomercializadospelaParke,Davisnesse

    mercadoenfrentavamaconcorrnciadeoutrosprodutosqueutilizavamomesmo

    princpio activo. A Probel e a Centrafarm comearam a comprar em Itlia

    medicamentos equivalentes aos comercializados pela Parke, Davis, mas que no

    tinhamsidoproduzidosoucomercializadosporestaoucomoseuconsentimento,47Esteprincpioigualmentefundamentalparasecompreenderemosfundamentosdeumcontroloformalmentemaisalargadodecomportamentosinterempresariais.Paraumaanlisedetalhadavejase,porexemplo,HerbertHOVENKAMP,FederalAntitrustPolicy,3.ed.,St.Paul,Minn.:WestGroup,2005.P.197a199.48AcrdodoTribunaldeJustiade29.2.1968,Proc.24/67,Parke,Davisc.Probeleo.,Colect.196568,p.759.

  • 34

    paraosrevendernaHolanda,ondeaqueladispunhadepatentesquantoaoprocesso

    defabricodocloranfenicoleospreoseramconsequentementemaiselevados.

    A titular das patentes holandesas processou os importadores por violao

    dosseusdireitos.Aacofoiinterpostaem1958e,apsumprocessomorosoecom

    vrias vicissitudes, o tribunal de segunda instncia colocou duas questes. A

    primeira respeitava compatibilidade com os artigos 81. e 82., eventualmente

    conjugados comos artigos30. e295., do factodeo titulardeumapatentenum

    Estadomembro invocar os respectivos direitos para impedir a importao de um

    produto proveniente de outro Estadomembro onde no existe semelhante

    proteco da propriedade industrial. Com a segunda questo o tribunal nacional

    pretendiasabersearespostaseriadiferentecasoopreodoprodutofossesuperior

    nopasondeexisteumapatente.

    Relativamenteaoartigo82.,oTribunaldeJustialimitaseessencialmentea

    confirmaroprincpio jenunciadonoacrdoConsten/Grundig, segundooqualo

    direito comunitrio no pe em causa a existncia dos direitos de propriedade

    intelectual mas limita o seu exerccio. Todavia, acrescenta dois outros elementos

    queviroaserconfirmadosedesenvolvidosnoacrdoSirenac.Eda,de1971.

    Nostermosdoartigo86.doTratadoproibidonamedidaemquetalseja

    susceptveldeafectarocomrcioentreosEstadosmembros,ofactodeuma

    oumaisempresasexploraremdeformaabusivaumaposiodominanteno

    mercadocomumounumapartesubstancialdeste.

    Ofactoproibidoexige,porisso,averificaodetrselementos:aexistncia

    deumaposiodominante,asuaexploraoabusivaeapossibilidadedeo

    comrcioentreEstadosmembrospoderserafectado.

    Emboraapatentedeinvenoconfiraaoseutitularumaprotecoespecial

    nombitodeumEstado,danoresultaqueoexercciodosdireitosassim

    conferidosimpliqueaverificaodostrselementoscitados.

  • 35

    Spoderiaserdeoutraformaseautilizaodapatentedegenerassenuma

    exploraoabusivadessaproteco.

    Alis,numdomniocomparvel,oartigo[30.]doTratado,depoisdedispor

    que os artigos [28. e 29.] no obstam s restries de importao ou de

    exportao justificadas designadamente, por razes de proteco da

    propriedadeindustrialecomercial,precisa,comojfoiobservado,queestas

    restries nodevemconstituirnemummeiodediscriminaoarbitrria,

    nemqualquerrestriodissimuladaaocomrcioentreEstadosmembros.

    Emconsequncia, relevandoaexistnciadodireitodepatenteactualmente

    apenasdalegislaointerna,soseuusopoderiaserabrangidopelodireito

    comunitrio no caso de o mesmo contribuir para uma posio dominante

    cuja explorao abusiva fosse susceptvel de afectar o comrcio entre os

    Estadosmembros.

    Sem excluir que o preo de venda do produto protegido possa ser

    considerado como elemento de apreciao de uma eventual explorao

    abusiva,opreomaiselevadodoprodutocompatente.

    Resulta do trecho citado que o exerccio de um direito exclusivo de

    propriedade intelectualnosuficiente,porsi sparapreencherosrequisitosda

    proibio do abuso de posio dominante. Assim, em primeiro lugar, a mera

    deteno de tais direitos no qualifica necessariamente o seu titular como uma

    empresaemposiodominante;emsegundolugar,sugeresequeoexercciodesses

    direitosssercontrrioaodireitocomunitrioenquantoelementoquepermiteo

    abuso.Osimplesfactodeopreosersuperiornopasimportadorpoderconstituir

    apenasumindciodeabuso,masnobasta,porsis,enquantoelementoconclusivo.

    A razo de ser desta posio encontrase explicitada com uma

    fundamentaorigorosanasconclusesdoAdvogadoGeralRoemer.Deacordocom

    este,ousonormalquecorrespondeessnciaefinalidadedodireitonuncapode

    serproibidonos termosdo artigo86. (p. 771). Impedir o exercciododireitode

  • 36

    patentecomosimplesargumentodadiferenadepreoscorresponderiaaesvaziar

    odireitoindustrialdopasdeimportaodequalquercontedo,tantomaisqueos

    produtosemcausaeramcpiascujacomercializaoemItliasfoipossveldevido

    ausnciadeprotecodepatenteparaosprincpiosactivosdosmedicamentos.

    Por outro lado, o diferencial de preos, podendo constituir um indcio de

    abusodeposiodominanteporpreosexcessivos,encontraespecialjustificaono

    caso de produtos patenteados. que estes ltimos incluem na sua estrutura de

    custososmontantesdispendidos a ttulode investigao edesenvolvimento, bem

    como as despesas de obteno de aprovao pelas entidades supervisoras do

    mercado demedicamentos e de comercializao. Como salienta Roemer, se esta

    possibilidade de cobrir os custos graas aomonoplio do inventono existisse, o

    incentivo para efectuar pesquisas onerosas encontrarseia consideravelmente

    reduzido.Osfabricantesitalianos,notendodesuportarestescustos,encontram

    se,por isso, emcondiesdepraticarpreosmaisbaixos.Assim, a estruturade

    preos em Itlia que se afigura anmala e no a do pas de importao, onde o

    exclusivo legal permite obter um incentivo para a realizao de actividades de

    inovaoedesenvolvimento.

    OsprincpiosaplicveisseriamclarificadosnoacrdoSirenac.Eda.49Uma

    empresa norteamericana, titular de uma marca relativa a um creme cosmtico

    (Prep) cedeu aquele direito em Itlia e na Alemanha a empresas diferentes.

    Quandoaempresaitalianaexerceuosseusdireitosparaimpediracomercializao

    no seupasde cremes comamarcaemquesto, os importadoresquestionarama

    compatibilidadedoexercciododireitodemarcacomosartigos81.e82..

    16.Emprimeirolugar,deveobservarsequeotitulardeumamarcanogoza

    deuma'posiodominante',naacepodoartigo86.,pelosimplesfactodese

    encontrar na posio de impossibilitar a terceiros a comercializao, no

    territriodeumEstadomembrodeprodutoscomamesmamarca.

    Uma vez que o artigo exige que a posio dominante se estenda, pelo

    49AcrdodoTribunaldeJustiade18.2.1971,Proc.40/70,Sirenac.Eda,Colect.1971,p.13.

  • 37

    menos,a'umapartesubstancial'domercadocomum,necessrio,almdisso,

    que o referido titular tenha o poder de impedir a manuteno de uma

    concorrnciaefectivanumaparte importantedomercadoemquesto, tendo

    emconta,nomeadamente,aeventualexistnciaeaposiodeprodutoresou

    distribuidoresquecomercializemprodutosanlogosousucedneos.

    17.Noquerespeitaexploraoabusivadaposiodominante,seonveldo

    preodoprodutonobasta,necessariamente,pararevelaraexistnciadesse

    abuso, pode, no entanto, pela sua importncia e na falta de justificaes

    objectivas,constituirumndicedeterminante.

    Alm de confirmar os princpios j enunciados no acrdo Parke, Davis, o

    Tribunal acrescenta aqui uma expressoque, como veremos, viria a assumir uma

    importante funo no contexto da interpretao do artigo 82.: a noo de

    justificaoobjectiva.OlacnicopronunciamentodoTribunalnopermitemaisdo

    que especular que em causa estariamos factores apontados pelo AdvogadoGeral

    Roemer no acrdo Parke,Davis. No entanto, contrariamente posio favorvel

    entodefendidaquantoimportnciadasmarcas,oTribunalmaiscpticoquanto

    relevnciasocialdasmarcas,seguindodepertoaposiodoseuAdvogadoGeral

    neste processo, Alain Dutheillet de Lamothe.50 Assim, a expresso justificao

    objectivapodeindiciarummaiorgraudeexignciana justificaodediferenciais

    depreosenoexercciodedireitosdepropriedade intelectualquantoaprodutos

    protegidospormarcasenoporpatentes.

    Esta linha viria ainda a ser seguida no acrdo Deutsche Grammophon de

    1971, o qual veio pela primeira vez estabelecer o chamado princpio do

    esgotamento dos direitos de propriedade intelectual.51 AMetro tinha procedido

    importao para a Alemanha de discos editados em Frana pela Polydor, uma

    subsidiriada empresa alem,DeutscheGrammophon.Osdiscos emFranaeram50 A desvalorizao do direito demarca patente no segundo pargrafo do considerando 7 desteacrdo onde se afirma que: De resto, o direito marca pode distinguirse de outros direitos depropriedade industrial e comercial pelo facto de os elementos protegidos por estes terem,frequentemente,uminteresseeumvalorsuperioresaosqueresultamdeumasimplesmarca.51AcrdodoTribunalde Justiade8.6.1971,Proc.78/70,DeutscheGrammophonc.Metro,Colect.1971,p.183.

  • 38

    maisbaratosdoquenaAlemanha.Aotomarconhecimentodasituao,aDeustche

    Grammophoninvocouumdireitoconexoaodireitodeautor,odireitoqueprotege

    osfabricantesdesuportesdesom.

    Este acrdomerece aqui particular destaque por ser nele que ensaiada

    uma primeira definio de empresa em posio dominante, considerando que a

    mesma se traduz na possibilidade de constituir obstculo a uma concorrncia

    efectiva numa parte importante do mercado a tomar em considerao, tendo

    designadamente em conta a existncia eventual de produtores distribuindo

    produtossimilareseasuaposionomercado.(considerando17).

    Oconceitodeempresaemposiodominantedeve,pois,serconsideradoem

    termosdeummercadorelevante,ondeseidentifiquemaspressesconcorrenciaisa

    que a empresa est sujeita, e enquadrada numa ponderao da capacidade de a

    empresa dispor da possibilidade de entravar a concorrncia efectiva, devido

    incapacidadedessaspresses em impedirou limitar tal domnio domercado.Nas

    suas concluses, o AdvogadoGeral Roemer desenvolve as linhas essenciais que

    viriam a caracterizar definies posteriores de empresa em posio dominante.

    Devemosaquidestacar,emprimeiro lugar,aconexoestabelecidacomoconceito

    econmicodepoderdemercado,aoentenderaposiodominantecomoconferindo

    apossibilidadededeterminarospreosoudecontrolaraproduoeadistribuio

    numapartesubstancialdomercadocomum.(203)Seguindoaposiosustentada

    pelaComissonesteprocesso,Roemerreferese igualmentequestodamargem

    de liberdade que a insuficincia das presses concorrenciais confere empresa

    dominante.Assim,entreosfactoresaexaminarencontraseaquestodesaberse

    esta empresa dispe de uma margem de independncia que lhe permita

    praticamenteagirsemteremcontaosseusconcorrentes,osseusclientesouosseus

    fornecedores.consolidaodanoodeposiodominantequecomearemos

    por nos dedicar, analisando, seguidamente, os desenvolvimentos em matria da

    noodeabusoouexploraoabusiva.

  • 39

    Adensificaojurisprudencialdanoodeempresaemposio

    O primeiro passo para a identificao das presses concorrenciais passa,

    como resulta dos acrdos iniciais do Tribunal de Justia, pela definio de um

    mercadorelevante,nasuaacepojurdicoeconmica.

    Seguindo de perto a metodologia desenvolvida pela doutrina e

    jurisprudncia norteamericanas, o Tribunal viria a pronunciarse de forma

    detalhadasobreestaquestoapropsitodorecursodaprimeiragra