Número Zero nº1

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Crônica de uma morte anunciada? por Daniel Trench e Sara Goldschmit Bom senso global ou estratégia Gillette? por Marcello Montore Design italiano e Pop Art. por Aimeê da Silva Ferreira Entrevista com Pedro Luiz Pereira de Souza. por José Bartolo Do desenho ao Design. por Sara Goldschmit A obra de referência. por Celso Longo 40 06 30 10 50 56

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Primeira Edição. Colaboradores: Aimeê da Silva Ferreira, Celso Longo, Daniel Trench, Felipe Villa, Guilherme Rovai, José Bártolo, Marcello Montore e Sara Goldshmit.

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Crônica de uma morte anunciada?por Daniel Trench e Sara Goldschmit

Bom senso global ou estratégia Gillette?por Marcello Montore

Design italiano e Pop Art.por Aimeê da Silva Ferreira

Entrevista com Pedro Luiz Pereira de Souza.por José Bartolo

Do desenho ao Design.por Sara Goldschmit

A obra de referência.por Celso Longo

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Antes de ser lançada oficialmente, uma revista passa por diversas etapas de aprovação com a produção de um exemplar conhecido no meio editorial como “número zero”. Com esta publicação propomos, assim como em um Número Zero, um espaço para experimentações com o objetivo de levar inspiração, conhecimento e informação a designers em formação. A NZ começa como uma publicação semestral distribuída nos principais centros de ensino de Design na cidade de São Paulo e está aberta* a alunos, professores e interessados em divulgar seu trabalho e colaborar com a revista.

*[email protected]

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O UNIVERSO GRÁFICO DEGLAUCO RODRIGUES

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A mostra tem curadoria do dramaturgo Antônio Cava e reúne mais de cem obras originais entre litografias, serigrafias e linoleogravuras, além de ilustrações para revistas, livros e discos, cobrindo um período de mais de 50 anos de produção artística.

A exposição apresenta todas as fases da produção gráfica do artista. Serão exibidas 41 serigrafias, 33 litografias, 5 linoleogravuras, 3 desenhos, 29 capas de revistas, 6 capas de discos e 6 capas de livros, tendo as obras apresentadas em blocos: Clube de gravura de Bagé e Porto Alegre (anos 50), fase Pop/Nova Figuração (anos 60), fase tropicalista e antropofágica (de 1968 a 1977), Série Rio de Janeiro (1979), série Gaúcha (1976) e série de litografias com conteúdo crítico e político.

Em vitrines serão apresentadas capas e ilustrações da revista Senhor (1959-1962), capas das revistas Veja e Visão, e capas de livros e discos. Glauco Rodrigues foi um virtuose da linguagem gráfica. O artista utilizou e defendeu o recurso da reprodução gráfica, disciplina muito cultivada em sua carreira, para ampliar a capacidade de circulação de seu trabalho e assim democratizar sua arte.

O texto de apresentação da mostra e do catálogo é de Luis Fernando Verissimo, autor de dois livros sobre o artista A exposição tem patrocínio da Caixa Econômica Federal e segue para Curitiba de 30 de agosto a 16 de outubro.

EXPOSIÇÃOCAIXA CULTURAL SÃO PAULO Conjunto Nacional – Av. Paulista, 2083Cerqueira César, São Paulo (SP) - 11 3171-1725

29 DE JUNHO A 21 DE AGOSTO DE 2011terça-feira a sábado, das 9h as 21h, domingos e feriados das 10h as 21h

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BOM SENSO GLOBAL

OU ESTRATÉGIA

GILLETTE?

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por MARCELLO MONTORE

Os mais velhos devem se lembrar daquelas lâminas fininhas de “Gillette” que apresentavam um desenho curioso e bonito no centro. Lembrei-me delas porque há anos li um texto que dizia que aquele desenho re-sultava de esforço para compatibilizar a lâmina com diversos aparelhos de barbear. Para ser honesto, já não me recordava bem da história. No entanto, ela nunca saiu da minha cabeça e recentemente procurei aquele texto ao relacionar seu conteúdo com o enorme trans-torno causado pelo fato de, ao reformar minha casa, ter de trocar todas as tomadas pelo novo modelo proposto pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (Abnt).

Por que não adotar um formato que apresente o má-ximo de compatibilidade com os padrões mais comu-mente utilizados no país, o que, de certa forma, já ocor-ria? Quão efetivamente perigoso é, hoje em dia, o uso das tomadas em relação a choques elétricos – existem estatísticas? Não é muito mais perigoso um fio desen-capado? Que interesses estão por trás de uma mudança maciça desse dispositivo?

Primeira reação: inconformismo. Como vou ligar todos os meus atuais aparelhos nessas tomadas novas? Encho de adaptadores? Isso não seria mais perigoso do que ligá-los nas tomadas antigas que, aliás, nunca cau-saram problemas? Bom, fiz uma rápida pesquisa para me informar sobre essa mudança e algumas coisas in-teressantes vieram à tona.

A forma de divulgação do novo dispositivo e os mo-tivos expostos me pareceram fracos e insuficientes para justificar os transtornos. O alegado perigo de choques e mortes nunca foi demonstrado. Estatísticas servem para isso, e esclarecer a verdadeira dimensão do problema poderia ser um argumento muito forte em prol da mu-dança. Além disso, todo o processo pareceu mais uma jogada política da indústria para forçar uma mudança de padrão e consequentemente elevar suas vendas.

Outra alegação para a mudança é que o novo padrão evitaria ou reduziria fugas de energia e promoveria grande economia para o usuário e para o país – nova-mente como explicar para a população ou comprovar a afirmação? Ainda o fato de a Abnt vender suas normas e não divulgá-las sem custo é outro fator que depõe contra a instituição. Mas...

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Ao pesquisar mais a fundo, li opiniões favoráveis e contrárias à mudança quase na mesma intensida-de. O problema certamente carrega um teor de tec-nicidade enorme, o que torna a discussão inacessível a leigos como eu. Mas alguns achados me surpreen-deram positivamente.

Desde pelo menos a segunda década do século XX vem-se tentando estabelecer um padrão global para as tomadas e conectores – sem sucesso até o momento. Existem vários padrões no mundo. Muitos países dis-põem de modelos próprios (pino chato, pino redondo, dois pinos, três..) e tomadas. Mas já não tínhamos um tipo de tomada que parecia compatível com os princi-pais modelos de conectores?

Qual não foi minha surpresa ao descobrir que, em 1986, foi proposta uma padronização internacional pela International Electrotechnical Commission (IEC-60906-1). Vinte e quatro anos depois, nenhum país chegou a adotá-la. Com essa mudança proposta pela ABNT, que entrou em vigor em 2009, o Brasil acabou sendo o primeiro país a implementar um padrão base-ado nesse protocolo. Antes tarde do que “mais tarde”. Apesar da demora e de ter sido o único país a adotar o protocolo, isso aponta para um respeito à Comissão Internacional, demonstra vontade política de realizar a transição e avaliza o país para insistir nessa padroni-zação por outros países. A longo prazo, portanto, pare-ce que teremos motivos para comemorar a mudança, apesar da forma como foi conduzida, isto é, em curto espaço de tempo e sem divulgação mais consistente.

E qual o estado daarte do design desses dispositi-vos? Qual sua funcionalidade e segurança? Em princí-pio, as tomadas padrão vão “esburacar” nossas paredes pelo recuo da conexão. Será isso aceitável? Nesse pon-to entram os designers. Para minha surpresa, constatei que já foi criada uma primeira solução para o proble-ma: uma conexão retrátil. Sem o plugue, ela se alinha ao espelho da tomada e, quando se conecta ao aparelho, recua para a posição correta.

Nessa busca acabei deparando com uma engenhosa solução de design para os plugues do Reino Unido, que privilegiam a segurança, mas ao custo de tamanho exa-gerado. A solução para esse exagero consegue reduzir o plugue de 4,5cm de altura para menos de 1cm.

E a história da Gillette, afinal como era mesmo? Bom... para quem está curioso, aí vai: no início do século XX, o processo de fazer a barba sofreu uma revolução com a invenção de um novo aparelho por King Camp Gillette. Os novos barbeadores que viriam substituir as navalhas apresentavam as seguintes partes: cabo, guar-da e tampa. Entre a guarda e a tampa era inserida uma fina lâmina, com fio em apenas um dos lados. As primei-ras lâminas Gillette apresentavam três furos. A tampa, por seu lado, apresentava três pinos que encaixavam na lâmina e a mantinham no lugar. Tudo ia bem, uma vez que a Gillette, fundada em 1901, detinha a patente desse tipo de barbeador. Até que em 1921 a patente expirou e outros concorrentes entraram no negócio.

Ainda na década de 1910, Henry Gaisman – outro empresário norte-americano – inventou uma lâmina com fio nos dois lados, mais flexível e difícil de quebrar que a da Gillette e que, obviamente, servia nos suportes daquela empresa, roubando uma parte de seu mercado. Gaisman chegou a propor uma parceria ou até mesmo a venda dessa patente para a Gillette, que a recusou.

Em 1928, Gaisman fundou a Probak e começou a fa-bricar barbeadores e lâminas similares às da Gillette. Suas lâminas eram compatíveis com os barbeadores da concorrente. Porém, engenhosamente, seus aparelhos não permitiam o uso das lâminas Gillette. E tudo isso por causa da furação e do desenho do encaixe da lâmina no aparelho. O desenho aqui, é de fato, fator concorren-cial, não na dita preferência do consumidor, mas no seu quase automatismo de sentido prático.

Gaisman e Gillette se degladiaram nos tribunais e com o processo pendendo para o primeiro, este conse-guiu o que queria: um muito vantajoso acordo (para si, é claro) com a Gillette que acabou comprando a Probak e adotando o padrão das lâminas.Em um mundo onde a velocidade com que as merca-dorias circulam é enorme, a questão da compatibi-lidade se torna ainda mais premente. Teríamos nós saído na frente no que tange às novas tomadas?

MARCELLO MONTORE é editor da AgitProp, é designer, professor

da ESPM e sócio da Vista Design e Comunicação.

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PEDRO LUIZ PEREIRA DE SOUZA

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Um dos nomes mais importantes do Design brasileiro dos últimos trinta anos. Formado em design pela ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial em 1971, tornar-se-ia Director da Escola entre 1986 e 1992. Como designer, trabalhou para algumas das maiores empresas brasileiras e internacionais (Unibanco, Brasilpar, Zanini, Telefunken do Brasil). Publicou diversos livros, entre os quais o influente Notas para uma história do design (1998) actualmente reeditado no Brasil.por JOSÉ BARTOLO

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Um

dos cursos desenvolvidos pelo Pedro Luiz de Souza tem

por título “Design M

oderno: forma, razão e política”. Trata-

se de uma relação entre “razão industrial” (um

a evolução da racionalidade instrum

ental do século XV

II), “política utilitária” e “form

a funcional” que visa uma nova ordem

social e política. Em

seu entender o que caracteriza esta “nova ordem” que nos

surge associada ao “design moderno” a partir do Século X

IX?

O curso foi desenvolvido dentro da ESDI, Escola Superior de Desenho Industrial e, mais recentemente, tem sido apresentado em outros espaços ligados a uma reflexão crítica sobre o design como o Centro Maria Antônia da Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Londrina no Paraná e Centro de Design do Recife em Pernambuco. Mas, o que caracteriza essa nova ordem é a adesão, sem restrições, a uma ideologia que pode ser chamada de industrialismo. Essa ideologia dizia que somente através da produção industrial de larga escala poderia haver algum tipo de futuro ou de salvação para a espécie humana. Na verdade essa ideia foi sustentada pelos países que emergiram na segunda metade do século XIX (Estados Unidos, Alemanha, Itália e Japão). Cada um deles, a seu modo, passou a desenvolver um projecto de formação de um mercado interno e de uma burguesia, necessariamente de forma diversa daquela que foi praticada pela Inglaterra e pela França, através das suas Grandes Revoluções, como as chamou Merleau-Ponty. Não podendo enfrentar, de imediato, esses dois grandes impérios resultantes da Revolução Industrial e da Revolução de 1789, e nem o Império Austro-húngaro, os quatro países cuidaram de submeter suas forças internas feudais e agrárias ou outras formas de ordenação política e de trabalho assemelhadas, a uma nova ordem ideológica que colocou o desenvolvimento industrial como objectivo central. No caso específico da Alemanha foi notória a interferência dessas políticas no ensino das artes aplicadas e seu direcionamento para formas mais ordenadas e disciplinadas de ensino, atendendo a um interesse industrial. Aboliu-se a antiga relação artesanal de ensino, de mestre para aprendiz, e adoptou-se a ideia de um ensino programado com objectivos claros de uma produtividade e eficiência maiores. O projecto Werkbund, que surgiu na Alemanha sob a intervenção de Hermann Muthesius é, certamente, algo mais que uma questão formal, algo mais que uma questão de diferenças de pontos de vista com Henry van de Velde. É do projecto que nasceu o que se pode chamar de design moderno, um último filho do próprio movimento moderno, por isso mesmo, o mais mal-humorado e mais mal-educado de todos. Se o industrialismo foi algo extremamente impositivo e autoritário, o design moderno, surgido em sua consequência, foi muito mais adiante em seus radicalismos, principalmente nos conceitos do útil e

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da razão. Adoptou, por vezes acriticamente, alguns princípios vagos de racionalidade e muitas palavras de ordem próximas às movimentações políticas mais à esquerda de seu tempo e, com isso, transformou-se numa actividade que dependia estritamente do ensino, de uma pedagogia forte e também de consensos políticos.

Filosoficamente a razão adoptada pelo design moderno estava próxima à ideia de razão crítica formulada basicamente por Hans Albert e Karl Popper. Outro filósofo alemão, um pouco mais recente, Jürgen Habermas, sempre chamou à atenção para alguns problemas quanto a questões básicas de “fé” contidas no pensamento de Popper. Questões de fé nunca são um caminho para uma racionalidade real, dizia Habermas, ainda que reconhecesse uma extraordinária contribuição do pensamento de Popper para a ideia de esclarecimento. A analogia com o design moderno é muito clara. Nele, a exemplo do racionalismo crítico, existem subjacentes muitas questões que só poderiam ser explicadas através de uma fé. E não é sem motivo que as escolas principais do design moderno (Bauhaus e HfG-Ulm) caracterizaram-se quase como grupos criativos, como os qualificou Domenico de Masi, relativamente fechados e com um número muito maior de certezas do que de dúvidas. De todo modo, nos cursos que tenho desenvolvido, procuro sempre um enfoque político, tentando desmitificar um design moderno que foi caracterizado como algo à esquerda ou progressista em seu conjunto. Procuro mostrar como esse design, a exemplo das instituições pedagógicas que o sustentaram, foi multifacetado e variado, apesar de seu próprio dogmatismo natural e essa foi sua grande qualidade.

Talvez o design moderno tenha sido a profissão mais dependente que se conheça de escolas e processos pedagógicos. E isso se deveu, certamente, ao carácter político com que foi pensado e desenvolvido originalmente, ou seja, uma actividade de interesse social sim, porém, antes de tudo, com um interesse desenvolvimentista e industrialista. Uma actividade directamente relacionada ao conceito de progresso, que acreditava, sem muitas dúvidas, que quantidade seria mesmo sinonimo de qualidade. Acho ainda importante lembrar que, para sua implantação, essas políticas necessitaram, mais que na Inglaterra e na França, reprimir as formas de produção e organização

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do trabalho que ainda mantivessem qualquer vínculo com os antigos ordenamentos sociais, não apenas os que se situavam no poder, como também as formas mais radicais de oposição, representadas pelas corporações, sindicatos e ligas anarquistas. Todas as formas de organização política advindas do industrialismo propuseram um tipo de industrialização a qualquer custo e, acima de tudo, a liquidação de qualquer outra hipótese que não fosse centrada no conceito de propriedade e de autoridade. Discordaram em nuances: alguns propuseram a propriedade individual enquanto outros propuseram a propriedade do estado. A liquidação do anarquismo, operada por esses ordenamentos políticos, foi considerada tão necessária quanto a superação das antigas formas de produção.

Acho que a história sempre será feita dessa maneira. Ocorreu no design moderno um fenómeno curioso: sua história inicial foi feita em um permanente tempo presente. Explico melhor: houve excesso de partidarismo e muito pouco distanciamento crítico na medida em que se estabeleciam as referências em torno de interesses muitas vezes imediatos, quase quotidianos. O ato presente transformado em história é sempre um problema sério e o século XX foi pródigo em façanhas desse tipo.

Foi o século do fascismo, do comunismo e do capitalismo mais selvagem que se conheceu, sempre plenos de verdades e afirmações quanto plenos de atrocidades políticas e contra a humanidade. Nunca houve tanta certeza numa era de tanta imprecisão filosófica. Mas no caso dos dois que você cita, Pevsner e Johnson, certamente eles exerceram um papel importante na construção dessa história relativamente parcial e preconceituosa com a qual nos habituamos a conviver durante muito tempo nas escolas de design. Pevsner sendo historiador um pouco mais consistente do que Johnson apresentou uma história que foi valorizada num momento muito complexo, ou seja, praticamente durante a época do enfrentamento político e militar entre Alemanha e Inglaterra e, pelo menos a mim, parece compreensível, ainda que pouco aceitável, que em sua história a Alemanha e seu Projecto Werkbund tenham recebido uma análise tão pouco precisa. Na verdade

A história do D

esign Moderno foi, em

certa m

edida, construída pelos historiadores de design (com

o Pevsner ou Philip Johnson). Concorda que

a nossa interpretação do que é “bom design”

ou “mau design” – se quiser a diferenciação

entre funcionalismo e styling – decorre de um

a determ

inada produção teórica do design?

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parece que Pevsner interessou-se mais em estabelecer o primado de uma história de um design britânico, fundamentado num pensamento Arts & Crafts, do que realmente desenvolver uma história crítica do design. Já Philip Johnson apresenta outras características. Ele é o modelo antecipado do nova-iorquino contemporâneo, relativamente desligado do resto dos Estados Unidos, mais voltado para a Europa e permeável às influências culturais desse continente.No Brasil, muitas vezes, critica-se a importação de cultura de fora, seja europeia ou americana, como se isso não fosse um fenómeno típico das elites americanas. E chamo de elites americanas as elites das três Américas. Johnson

“A questão do pós-moderno em design não teve nenhuma importância se compararmos com o que ocorreu na arquitectura ou em outras áreas de

conhecimento e expressão. Sua representatividade visual caracterizou-se sempre pelo emprego de tecnologia de baixa complexidade e repertório

formal do passado no qual, eventualmente, encontravam-se algumas contribuições a liberdade formal e de expressão mais divertida”

não apenas arquitectou, juntamente com Raymond Barr, curador do MoMA, as exposições que importaram para os Estados Unidos a ideia Bauhaus. Eles ainda definiram qual a ideia Bauhaus que lhes pareceu mais interessante e que não foi nem a Bauhaus dos tempos de Paul Klee, Kandinsky e Johannes Itten e nem a Bauhaus proto-produtivista de Hannes Meyer. A Bauhaus que eles requalificaram foi aquela do período em que Walter Gropius exerceu de forma mais clara sua liderança.

No entanto, devido ao fato de não serem historiadores, não foram capazes, na época, de compreender o significado da movimentação política de Gropius, um homem interessado no sucesso da República de Weimar, cauteloso e objectivo na direcção da escola, que somente abdicou de sua direcção ao perceber a si mesmo e à própria instituição como desfasados diante de circunstâncias políticas que não mais coincidiam com suas expectativas. Assim por volta de 1937, Johnson e Barr estabeleceram uma referência da Bauhaus que não pode ser simplesmente

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chamada de certa ou errada, mas que pode ser chamada de parcial e formalista. As ideias de um bom ou mau design pertencem de fato a seus ideários e a proposta de objectos exemplares de bom design (Good Design), embrião da colecção de design do MoMA, nasceu nesse momento. A formulação que apareceu logo depois na Suíça, em 1940, através de Max Bill (gute-Form), foi de outra natureza: estava mais interessada na forma de projectar bons produtos do que em formas exemplares. Trazia, portanto, embrionária, a ideia de um método de trabalho. Aparentemente foi uma ideia mais consistente e deve-se lembrar que para Max Bill não havia a hipótese de bom ou mau design. Havia ou não design. Para o suíço radical o design era simplesmente uma forma de qualificar o produto e, se fosse realmente utilizado de forma correcta, não haveria a hipótese de um mau design, Para ele design significava necessariamente qualidade. Max Bill foi, segundo Tomas Maldonado, o mais bem formado aluno da Bauhaus e, apesar de ter estudado na escola já durante o período de Hannes Meyer, foi mais influenciado pelo ideário de Gropius do que pelo radicalismo de Meyer e Hilberseimer.

No entanto, o fato de ter estado lá exactamente no período proto-produtivista, permite pensar que tenha sido influenciado pelas noções básicas de planeamento e de método de seus conterrâneos suíços. Assim sendo, especificamente com relação à sua pergunta, eu penso que a ideia de um bom design, de boa forma e de tantas outras denominações semelhantes que surgiram, decorre realmente do trabalho dessas pessoas e de alguns outros. Não chamaria isso de um trabalho teórico propriamente. Mais uma vez essas reflexões foram definidas no ato e não através de um processo crítico. Mas também acho necessário não estabelecer, com relação ao design, tantos rigores que se aplicam a outras áreas mais antigas e estabelecidas. Creio que dessa forma, sem se admitir nenhuma complacência, podem-se entender melhor as imprecisões e as posturas não filosóficas e relativamente pouco reflexivas das pessoas que constituíram o pensamento do design moderno. Tais características, de resto, não devem ser, em nenhuma hipótese, interpretadas como deficiências, até mesmo porque, em muitos casos, havia plena consciência do que se estava fazendo como na adopção de um pensamento neo-positivista na HfG-

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Ulm em determinados períodos. Além disso, seria extremamente pretensioso e

deselegante achar que esses personagens da história do design moderno foram apenas incipientes ou ignorantes em alguns aspectos. Se o foram, isso significou uma opção e, como tal, um posicionamento político a ser criticado e não simplesmente um desvio congénito de carácter dos portadores históricos das ideias do design moderno como às vezes se quer.

O livro vai mesmo para sua quarta edição, pela editora 2AB, o que me deixa muito satisfeito. E para essa edição pedi para fazer algumas actualizações nas quais estou trabalhando. Sua expressão é correcta: um livro como esse produz interpretações políticas do design e eu não saberia pensar o design de outra forma, assim como talvez não saiba pensar nada que não seja sob uma óptica política. Questão de formação e de origem, pois minha própria família é constituída essencialmente por políticos. Felizmente eu me afastei da prática política, porém é impossível tira-la de dentro de mim. A esse respeito lembro-me de um trecho de Merleau-Ponty dizendo que ainda que em filosofia o caminho seja difícil, temos a certeza de que cada passo torna, por si mesmo, outros possíveis. Em política temos a dolorosa impressão de uma travessia de obstáculos que temos sempre de recomeçar de novo. Essa ideia vem do fato de ter percebido logo após a releitura do livro, para uma eventual actualização, uma razoável quantidade de imprecisões ou equívocos de previsão. É mais uma vez a questão de uma história feita no momento actual.

Mas é preciso ter alguma decência nesses casos. Em primeiro lugar reexaminar a obra, fazer dela um balanço e verificar se tais equívocos ou imprecisões são em tão grande número. Francamente não acho que assim seja. Logo, mais importante não é corrigi-las, mas discuti-las, traze-las novamente à vida. Assim seria mais fiel, embora não me agradem as questões de fidelidade, à natureza mais política do que histórica do meu trabalho. Na verdade não sou historiador de formação e acho que grande parte das pessoas que vêm trabalhando essas questões na área do design também não o são. O próprio título adoptado no livro foi uma exigência minha. São Notas. Nunca quis chamá-lo de história ou pequena

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do

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história, fosse que nome fosse que pudesse dar a ideia de que eu pretendesse me situar como historiador que não sou. Dessa forma fiquei sempre mais à vontade para desenvolver um curso que eu acho muito mais próximo a uma crítica do design. Talvez, ainda que não aprecie as fidelidades, eu estivesse assim sendo mais próximo ao racionalismo crítico de Karl Popper acima referido.

Creio que todos os que escrevem história ou crítica ou tentam uma aproximação filosófica do design, têm essa consciência de que produzem interpretações políticas da profissão. No entanto eu acho importante salientar que sendo uma profissão bastante aberta, o design permite que interpretações personalistas sejam também tomadas como formadoras de conceitos políticos. Sendo impossível um tipo de qualificação de textos ou de ideias, o que em última instância significaria um tipo de censura totalitária, acredito que seria importante o desenvolvimento de espaços críticos, historicamente fundamentados, que permitissem uma permanente avaliação da natureza política das ideias expressas pelos designers. Eventualmente isso evitaria a repetição monótona e sem graça de argumentos já passados como aqueles formulados há mais de 50 anos por Raymond Loewy que afirmou um dia que “o feio não vende” enquanto alguns designers actuais afirmam que “design bom é aquele que vende”. Nada contra as ideias. Podem e devem ser discutidas. Mas reduzindo um pouco o conteúdo da citação de Merleau-Ponty, talvez não precisássemos reinventar a roda a cada dia e repetir frases e ideias que já foram ditas no passado.

A contestação das vanguardas radicais centrou-se de facto no que elas interpretaram como desvios do design moderno. Se examinarmos o que ocorria dentro do próprio âmbito ideológico do design moderno podemos perceber que grande parte dessas contestações já estavam lá presentes. A década de 1970 é um tempo de constatação de que grande parte das mitologias estabelecidas em torno do industrialismo e, consequentemente, do design moderno, estavam questionadas por fatos: não havia melhor distribuição de riquezas, as cidades não tinham melhorado em nada, serviços públicos e outras áreas ligadas à interferência do estado não tinham correspondido

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O D

esign Moderno foi fortem

ente combatido pelas cham

adas “vanguardas radicais” (A

rchizzom, Superstudio, A

rchigram)

dos anos de 1970. N

o entanto, a viragem parece se verificar

na década de 1980. É neste período que John T

hackara edita o conhecido “D

esign After M

odernism”. Em

que medida

é possível falar na superação do Design M

oderno e que diferenças apresenta esse D

esign “pós-moderno”?

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a nenhuma expectativa optimista. A reacção inicial foi uma crítica social radical culpando as acções públicas pela ineficiência observada e pela frustração de um empenho político que vinha se desenvolvendo desde o término da Segunda Guerra Mundial e principalmente depois de 1950. O questionamento não ocorreu apenas na área do design. Na política foi em 1956 que surgiram as grandes contestações internas da Internacional Comunista, através do 20º Congresso, aonde Palmiro Togliatti, dentro da tradição crítica característica do Partido Comunista Italiano, disse que as coisas ruins não poderiam ser simplesmente atribuídas a Estalin, inocentando-se toda uma estrutura de pensamento e poder que tinha, afinal de contas, permitido que o estalinismo chegasse aonde chegou. Nessa ocasião Togliatti disse que se fosse desenvolvida uma análise rigorosa as questões a serem revistas remontariam ao próprio Lenine e às ordens de fuzilamento dos marinheiros de Cronstadt, os portadores físicos e históricos da revolução de Outubro, acusados então de traição e adesão à burguesia pela plutocracia bolchevique.

A década de 1970 foi de revisão. Mas foi também um tempo de ruptura que teve até um sentido ortodoxo, de recuperação daquilo que havia sido deixado de lado ou, até mesmo, rejeitado e censurado pelo índex esquerdofrênico tanto na política como no design. Essa ruptura não foi feita ainda em nome de uma liberdade de consciência ou de uma liberdade crítica, mas porque a situação com a qual se rompia havia conduzido tudo a um cenário delicado no qual o próprio proletariado encontrava-se numa situação de revolta, da crítica através das armas (Hungria e Checoslováquia logo depois) e, com isso tirara qualquer sentido de seus sindicatos, de sua economia e qualquer verdade interna, incluindo-se ai a ciência e a arte. Mas ainda se rompeu com tudo isso como um marxista, tentando assim, outra vez, uma projecção para adiante, a salvação no futuro. Nas questões de industria e design surgiram incontáveis sintomas de desequilíbrio que iam desde problemas menores como o enfrentamento entre formalismos distintos até o surgimento de evidências preocupantes de que uma industrialização a qualquer preço já havia causado danos irreparáveis no meio ambiente. Tanto em política como no design, pensou-se ser possível a

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hipótese de uma recondução a um caminho original. Mas a dificuldade maior já era estabelecer que caminho era esse afinal e onde e quando ocorrera o desvio. Tanto os teóricos da esquerda como os designers funcionalistas, eles têm muito em comum, imaginaram permanecer uns marxistas e outros funcionalistas, mas sob a condição de que tanto seu marxismo como seu funcionalismo não se identificasse mais com qualquer tipo de aparelho ideológico ou instituição de projecto. Passaram a lidar com uma concepção da história e não mais com o movimento histórico no ato. Em palavras simples, passaram a fazer filosofia uns e teoria outros. Todos esses movimentos políticos e na área do design, que praticaram essa ruptura em momentos de raiva ou desespero, anteciparam a elevação de Marx e do design moderno à categoria de clássicos, ou seja, algo que se constata ser impossível seguir ao pé da letra, mas que se guarda para as ocasiões difíceis.

Já os fatos ocorridos na década de 1980 são de outra natureza e surgiram, de certa forma, em consequência dessa ruptura anterior. O design pós-moderno não trouxe em si nenhuma ruptura até mesmo porque grande parte de seu repertório formal era fortemente regressivo. Trouxe alguns aspectos curiosos que incluíram a retomada de ideias deixadas de lado no período mais crítico da industrialização a qualquer preço. Mas o pós-moderno tinha problemas congénitos graves na medida em que surgiu mais em função de um vácuo criado pela cisão ou ruptura operada na década de 1970. Em termos objectivos, o pós-moderno não tinha nenhum carácter e sua curta existência tornou isso óbvio e sua própria formulação inicial já o antecipava quando foi chamado por alguns de seus protagonistas principais como uma movimentação de vanguarda que duraria cerca de dez anos. Não chegou a isso sequer e, provavelmente, foi a primeira proposta de vanguarda com data de validade estabelecida, o que contraria a essência da própria ideia. A questão do pós-moderno em design não teve nenhuma importância se compararmos com o que ocorreu na arquitectura ou em outras áreas de conhecimento e expressão. Sua representatividade visual caracterizou-se sempre pelo emprego de uma tecnologia de baixa complexidade e por um repertório formal recuperado do passado no qual, eventualmente, encontravam-se algumas contribuições a uma liberdade

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formal e de expressão mais divertidas. Talvez a contribuição maior do pós-modernismo no

design tenha ocorrido no território do humor. Mas a indústria prescindiu de qualquer aporte pós-modernista e seguiu seu rumo, utilizando formas variadas, livre inclusive para perpetrar barbaridades nesse território diante da falsa permissividade propiciada pela vanguarda temporária. A valorização desses aspectos para o design teve suas consequências, entre elas seu relativo afastamento de questões tecnológicas avançadas e a valorização do mercado como referência de projecto, uma noção vaga e imprecisa que permitiu também a qualquer mentalidade apenas mediana proclamar-se criador. A superação do design moderno deu-se muito antes do surgimento do pós-moderno e mais em função do não cumprimento das grandes esperanças de esquerda depositadas no sentido de ser moderno. Assim como diversas outras manifestações desse período histórico, o design inclui-se na grande “verdade falhada” do movimento moderno.

Dentro de minha concepção pessoal de design não vejo exactamente a possibilidade de diálogo entre ele e o ornamento. Isso não significa uma adesão reaccionária às teses quase racistas de Adolf Loos, tão grande arquitecto quanto pensador confuso. Ornamentos não são crimes e nem resultam de comportamentos característicos de povos desclassificados como queria o arquitecto austríaco.

A meu ver no final do século XIX e no início do século passado já surgia um excepcional trabalho que não estabeleceu exactamente um diálogo entre design e ornamento, mas que definiu um território aonde as questões formais e de gosto eram colocadas em seu devido lugar pelo design. Refiro-me a Wienner Werkstätte, principalmente ao trabalho de Joseph Hoffmann, qualificado uma vez por Loos como “uma vergonha para a Áustria”. No manifesto inicial da Wienner Werkstätte, Hoffmann colocou claramente que seus produtos incluíam desde pequenos objectos de consumo, passavam pela moda e chegavam até a produtos industriais. Ao final desse manifesto, e todos na época achavam necessário escreve-los, se lê: “Os burgueses de hoje, assim como os operários, devem N

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possuir a justa consciência de seus próprios valores e não devem procurar a emulação de outra classe, cuja missão histórica e cultural já foi cumprida e que conserva seu justo direito de recordar um esplêndido passado artístico.

A nossa burguesia está actualmente longe de cumprir sua própria missão artística. Agora toca-lhe a tarefa de levar a cabo essa missão... Que seja enfim salientado que somos conscientes do fato de que, em determinadas circunstâncias, pode-se produzir, através das máquinas, produtos em série a preços acessíveis e que os mesmos revelem claramente o carácter de sua própria fabricação.... Empregaremos todos os nossos esforços para atingir tais objectivos, mas só poderemos ir adiante com a ajuda de nossos amigos. Não podemos nos permitir fantasias. Temos os pés bem plantados na terra e esperamos pelas suas encomendas”.

Hoffmann não foi um teórico do design e a história oficial preferiu reservar-lhe um lugar secundário. Renato De Fusco, historiador italiano, conferiu-lhe um lugar adequado ao salientar seu posicionamento profissional como sua referência maior. Nunca foi um homem de princípios como Loos. Não criou frases grandiloquentes que lhe garantissem um cómodo lugar de destaque numa história que prefere o mito aos fatos e a bravata à razão. Fez design. Um design de qualidade, compatível com o que considerava seu público, sem a necessidade de concessões na medida em que, ao contrário de emular gostos passados, procurava a formação de um novo gosto. Parece-me que esse seria o território adequado a um equilíbrio entre o design, visto como solução adequada a uma demanda funcional, e uma expressão formal no qual o uso dessa expressão deixa de ter um sentido de ornamento e passa a ser elemento constitutivo de um gosto. Evidentemente essas são considerações relativas a produtos de consumo mais convencionais. Considero totalmente desnecessário salientar que produtos técnicos, por exemplo os produtos voltados para a área de saúde, prescindem totalmente de qualquer tipo de ornamento. Ressaltaria ainda um fenómeno relativamente recente naquilo que Tomas Maldonado chamou de “mercadoria rainha” do capitalismo, o automóvel, até há alguns anos atrás considerado o grande território do styling. Hoje quase todos os carros são muito parecidos, diferenciando-se mais por

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aspectos de segurança, consumo e preservação do meio ambiente, ao invés apresentarem apenas carroçarias diferenciadas através de ornamentos. Afinal, depois de tantos anos, assiste-se a uma curiosa invasão do design moderno na última e grande fortaleza do velho styling.

Quanto a um retorno a um tipo de produção “craft” ou artesanal, acho que esse tipo de trabalho nunca deixou e nunca deixará de existir e terá maior ou menor demanda dependendo até mesmo do público a que se destina. Você cita os irmãos Campana e eu concordo com você em certos aspectos. Mas na verdade eles trabalham um universo muito especial, quase uma reserva de mercado, quando estabelecem formas muito elementares e tecnologias de pouquíssima complexidade como elementos básicos de expressão. Não considero que eles estejam na área do ornamento em design. Definiram uma linguagem formal própria, não industrial , de acordo com algumas directrizes do mercado burguês contemporâneo e trabalham muito bem esse seu espaço. Mas não os vejo também dentro de um conceito “craft”. Não existe em seu trabalho um perfeccionismo típico de uma marcenaria inglesa por exemplo. Não há também uma referência maior com técnicas artesanais nacionais. Diria que seu formalismo corresponde, de certa forma, ao que um europeu espera ver de um designer brasileiro, do trópico: algo que ele mesmo tem pouca coragem ou oportunidade de realizar, alguma coisa que lembre um certo descompromisso com a indústria e a sua própria razão impositiva.

Há por outro lado um fenómeno interessante a respeito do design brasileiro, menos conhecido pelas revistas de actualidades e dos programas vazios da TV a cabo sobre design. Criou-se, nos últimos anos, um tipo de negócio que um conhecido meu, arquitecto e negociante de antiguidades, chama de “modernariato”. As mercadorias em questão são os móveis brasileiros das décadas de 1950/60, período em que surgiram diversos arquitectos e designers projectando e fabricando móveis domésticos de boa qualidade e com excelente matéria prima, madeiras nobres hoje, supostamente, preservadas. Esses móveis alcançam, nos Estados Unidos, preços absolutamente inacreditáveis e são considerados como o autêntico design brasileiro. Como se vê, essa noção do que seja um design brasileiro, fora do próprio país, depende exclusivamente do que

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interessa a cada espaço comercial que se abra. Além disso considero que em países como o Brasil e o próprio Estados Unidos, nos quais a imigração exerceu e ainda exerce um papel importante, torna-se difícil definir o que seja um carácter nacional. É um empenho tão difícil quanto desnecessário em países que têm características multi-raciais e multi-culturais. Tanto aqui como lá, cada vez que ouço alguém clamar pelas raízes nacionais e dá a esse conceito uma dimensão limitada a alguma coisa que interpreta como fazeres limitados a tecnologias de baixa complexidade, percebo uma postura de uma velha elite saudosa de tempos mais amenos, menos industrializados, algum encantamento com fazeres populares e artesanais. Mas essa mesma elite usufrui, como ninguém, de todos os benefícios trazidos pela modernidade e pela industrialização à qual se associou e apenas transforma os antigos fazeres em peças de contemplação e em modelos estéticos que a remete a um passado do qual tem nostalgia política acima de tudo. O progresso e suas teorias da industrialização a qualquer custo, além dos problemas ambientais, conduziram também a marginalizações de muitas coisas importantes do ponto de vista cultural. Escolher, dentre essas marginalizações, uma ou outra forma de expressão ou de organização e nomeá-las raízes é apenas uma questão de preferência que indicará o que se quer privilegiar como tal e o que se quer manter marginalizado. Um país constituído por imigrantes sempre terá de lidar com esses problemas. Alguns imigrantes serão mais antigos do que outros, o que não lhes confere, de modo algum, um privilégio radical.

De todas as questões que você propõe essa é a mais complexa. Exige prospecção e isso pode significar assumir um inequívoco compromisso com o equívoco. Por isso é melhor permanecer no território da cautela e, como diz um ditado popular, “tomar a sopa pelas beiradas”, deixando-a esfriar um pouco.

De todo modo é importante assinalar que a tecnologia de hoje é totalmente diferente daquela na qual a minha geração foi formada, que era apoiada essencialmente na mecânica e na química. Juntaria às suas descrições, digital e biotecnologias, a noção de nanotecnologia.

O conceito do W

alter Gropius de “total design”

(conceito, aliás, eminentem

ente político) surge-nos hoje reenquadrado à luz do digital e das biotecnologias. O

Design contem

porâneo parece deixar de projectar “para” a realidade e passar a projectar “a” realidade. C

omo observa o papel do design na construção de um

a realidade digital, virtual e sintética?

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Recentemente assisti a uma conferência de um pensador francês, Jean Pierre Dupuys, que analisou as questões dessas novas tecnologias e suas consequências do ponto de vista filosófico. Curiosamente, ao final percebeu-se que os territórios e as conceituações das diversas áreas de conhecimento contemporâneo, são cada vez mais diferenciados e, ao mesmo tempo, cada vez mais interligados. Muitos querem ver nesse fenómeno uma decadência de pensamentos antes considerados como autónomos e auto-suficientes. Fala-se então numa decadência da filosofia, do design, numa confusão de conceitos, indefinições e permissividades que, ao meu ver, são apenas expressões de conservadorismo, quando não de reaccionarismo explícito e corporativismo vulgar. Trata-se de uma atitude baseada no senso comum, elevado à categoria de bom senso, ocasião em que, normalmente, tudo se encaminha para um fechamento mental. Nunca a filosofia foi tão presente como hoje em diversas outras áreas, como a literatura e a poesia, por exemplo. Nunca o design moderno, em sua formulação formal original, esteve tão presente como nos produtos de telecomunicações e informática, carros chefe dos produtos industriais que não se regem mais pelo velho conceito de projecto, mas pelo conceito de processo. Não adianta tentar circunscrever autoritariamente territórios de acção ou de reserva de mercado. E isso se deve em grande parte às características dessas novas tecnologias introduzidas no quotidiano a partir de 1982, com a comercialização dos primeiros microcomputadores.

Em 1950 Hanna Arendt chamava a atenção de todos para as crises, de todas as naturezas, advindas do avanço tecnológico burguês que tinha como objectivo maior sair da Terra. Pois bem, não há de fato nenhuma interrupção nessa proeza que, se a considerarmos isentamente, pode parecer até insana. Saiu-se da Terra e toda a nossa tecnologia actual baseia-se nessa aventura espacial. Aparentemente está-se mudando o foco da tecnologia e, ao invés do espaço interplanetário, o novo objectivo parece ser nosso espaço interior, ou seja, nossos genomas, nosso DNA, enfim o próprio homem ou a vida eterna. Essa é a tecnologia com a qual se lidará em muito pouco tempo. Mais que o digital e o analógico e outras questões

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semelhantes, esse me parece ser um lugar marcado para o desenvolvimento de toda uma nova etapa ou, como chama Maldonado, para a abertura de um novo corredor tecnológico. No entanto acho que até mesmo esse conceito de corredor tecnológico parece um tanto limitado para abranger esse panorama gerado pela nanobiotecnolgia.

Designers habituaram-se a ver sua função no mundo como projectar produtos o que, em sua essência, já não era tão verdadeiro. Se olharmos com calma a história do design vamos perceber que quem a fez preocupou-se mais em estabelecer a ordem do que realmente em projectar produtos. Essa foi, durante muito tempo, a vocação do design moderno: mais que formas, definir uma directriz para lidar com a desordem congénita do mundo. Assim analisado, muitos podem considerá-lo um fracasso. Porém, se comparado com muitas outras actividades de sua época, ele não faz assim tão má figura. A indústria selvagem depois da Segunda Guerra Mundial acabou apropriando-se de muitos de seus conceitos e, com isso, criou algumas referências bastante positivas. Mas essa noção de ordem trazida pelo design moderno não é mais suficiente para garantir-lhe um espaço no acelerado desenvolvimento tecnológico. Há muitos anos atrás um poeta como Octavio Paz já afirmava que o mundo se regeria muito mais pelas conjugações de conhecimentos do que pelas possibilidades de um saber total ou, como você coloca na pergunta, um “total design”. Não há mais a possibilidade que um único saber ou área de conhecimento sobreviva isoladamente e menos ainda que proclame como sua exclusividade um espaço de produção e trabalho, e menos ainda que se defina como coordenador de outras áreas. Tais critérios pertencem a outro tempo e a outro corredor tecnológico.

Diante das perspectivas reais das tecnologias que surgem pode-se imaginar que o mundo dependerá menos de objectos tais como os conceituamos. Um monitor de computador poderá ser reduzido a uma película visual em muito pouco tempo. Películas sonoras já estão em desenvolvimento comercial. Talvez possamos imaginar que ao designer competirá um novo tipo de trabalho, que seria pensar um mundo sem tantos objectos como foi o mundo do século XX.

JOSÉ BÁRTOLO (1972). Doutorado em Ci-

ências da Comunicação (UNL , 2006), tra-

balha desde 1999 como professor, crítico

e curador independente na área do design.

Actualmente, é Professor Coordenador

e Presidente do Conselho Científ ico da

ESAD e colabora com o Programa Doutoral

em Arquitectura da FAUP. É Investigador

Integrado e membro do Conselho Cientí-

f ico do CECL – Centro de Estudos de Co-

municação e Linguagens da Universidade

Nova de Lisboa. Como curador colaborou,

entre outras instituições, com o British

Council , CEMES e Experimentadesign.

Foi Director Artístico da Casa d’Os Dias

da Água em Lisboa, Portugal. Comissa-

riou, entre outros, os seguintes eventos/

exposições: Paisagem Com Muitas Figu-

ras (2000); Múltiplas Percepções (2003);

Real-Time Love (2003); Jogos Simultâ-

neos (2004); Matéria e Memória (2005),

Mediações (2007); Design em Comunida-

de (2008); EM .REDE (2009); O Que É Ur-

gente Mostrar (2009); 20X20X20 (2010).

Escreve regularmente sobre arte, design

e cultura contemporânea. É autor do blog

Reactor (www.reactor-reactor.blogspot .

com), editor da revista Pli e do livro “De-

sign” (Relógio d’Água, Lisboa, 2010).

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DESIGN ITALIANO E POP ART

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por AIMEÊ DA SILVA FERREIRA

Na seguinte monografia pretende-se analisar um objeto de design de produto e uma peça de design gráfico, cada um deles referentes a um estilo ou movimento, juntamente com seu contexto histórico. Dentre as opções dadas, referentes ao período pós-Guerra, escolheu-se analisar-se a cadeira Universale, de Cesare “Joe” Colombo, inserida no contexto Italiano dos anos 50 e 60, e obra “White Bread”, de James Rosenquist, considerado pertencente ao movimento Pop Art dos anos 60.

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CONTEXTO HISTÓRICOO cenário italiano do pós-Guerra, de rápida reconstru-ção industrial e de aparecimento de vanguardas, foi de-cisivo para a evolução do design de produto. A união entre arquitetos e empresários a fim de reconstruir a econo¬mia da Itália abriu espaços para criações base-adas em inovações tecnológicas — resultado mundial das pesquisas bélicas – e, ao mesmo tempo, guiadas pelo improviso e pela criatividade italianos. Exemplo disso é a criação de Achille e Pier Giacomo Castiglio-ni, Mezzadro Stool, feito a partir da base de um banco de trator, ou mesmo a famosa Vespa, de Enrico Piaggio, que trazia pneus de aeronáutica e guidão de bicicleta.

Os novos materiais e a promessa de um novo estilo de vida, a influência da corrida espacial e as exaltações da modernidade levaram o design a ganhar espaço na indústria, como fator de diferenciação, que possibilita-ria o aumento das vendas.

Seguindo a linha do design criativo e funcional, até mesmo um pouco lúdico, e com certa influência do Fu-turismo italiano, encontra-se Cesare “Joe” Colombo. Colombo pretendia que suas criações se encaixassem, ou formassem, o que ele chamava de “ambiente do fu-turo”. Buscando o uso de materiais como plástico e alu-mínio, usando processos de produção novos e pensando intensamente em questões como empilhamento, limpe-za e modularidade, Colombo criou peças e ambientes inteiros que influenciam até hoje o design de produto.

ANÁLISE DO OBJETO Nascido em Milão em 1930, Colombo estudou pintura na Brera Academy of Fine Arts e depois arquitetura na Milan Poly¬technic. Entrou tardiamente no campo do design, seguido de uma época de experimentações em pintura e escultura. Segundo a comissária Dominique Forest do departamento moderno e contem¬porâneo do Musée des arts décoratifs, em Paris, Colombo “parte an-tes de tudo da função para chegar à forma, bela e confor-tável, levando o bem-estar até a utopia2”. Suas peças vi-savam um ambi¬ente modular modificável pelo próprio usuário, como podemos ver em sua Tube Chair, de 1969.

Já a Universale Chair, obra sua que aqui será ana-lisada, parte de outros princípios, que dialogam com suas idéias de modularidade e mutabilidade.

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A Universale teve seu projeto desenvolvido em 2 anos, em parceria com a empresa Kartell, para que pu-desse ser feita de um úni¬co material — vê-se que o bu-raco em suas costas, além de servir como pega, também é resultado de seu processo de produção (no movimen-to de tirar-se a cadeira do molde). A mutabilidade da peça se dá na intercambialidade que ela permite com suas per¬nas. Trocando-as por maiores ou retirando--as, o usuário pode usufruir de 3 modelos diferentes: um alto, no estilo banco de bar, um médio, como uma cadeira de mesa de jantar, e um mais baixo. Essa troca de peças, “almost toy-like”, é característica desta fase lúdica e alternativa do design italiano.

Outro aspecto muito estudado por Colombo, e aplicado também a outras muitas peças suas, é o empilha¬mento. A Universale também foi projetada para que seja estoca-da tanto verticalmente quanto horizontalmente.

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white bread

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CONTEXTO HISTÓRICOA cultura popular dos anos 50-60, influenciada pela re-tomada da economia e o aparecimento da televisão, é caracterizada pela mídia de grande alcance, propagan-das exaltando estilos de vida, — que por sua vez influen-ciavam a compra de certos objetos — revistas, filmes, álbuns de música, enfim, a cultura de massa americana, que inspirou alguns artistas ingleses a questioná-la (ou a exaltá-la) em suas obras. É recorrente o uso de cores fortes, aspectos infantis, formas não-austeras, objetos cotidianos e de utilitário diário (o que mostra uma co-nexão com o movimento Dada).

Tais obras buscavam um questionamento sobre a efemeridade e a superficialidade das relações e ações de tal época; usavam referências encontradas no dia-a-dia do público, para que pudesse atingi-lo e mostrar-lhe as conseqüências do consumo da elite (como a trans-formação de personalidades em objetos de con¬sumo, como mostrado nas obras de Andy Warhol).

ANÁLISE DO OBJETO James Rosenquist (1933-) é conside-rado um dos ex-poentes do movimento Pop Art, embora não tenha tido contato com Andy Warhol ou Roy Lichtenstein no apa-recimento do movimento.

Percebemos já de imediato que a obra de Rosenquist apresenta alguns dos aspec¬tos supracitados da Pop Art — referência ao cotidiano, consumo, cores fortes. Em segunda inspeção, podemos captar certas críticas inerentes à tal imagem, como a artificialidade do pão e da margarina industrializados, inse¬ridos em um es-tilo de vida americano que é “vendido” internacional-mente (como vemos em propagandas da época que, embora veicula¬das em países que seguiam culturas comple¬tamente diferentes — como o Brasil —, ainda assim usavam a imagem do lifestyle americano como plano de fundo).

A planificação da obra, mostrando objetos e ambien-te tridimensionais de forma bidimensional, achatada, pode fazer referência justamente à superficialidade das imagens produzidas na época, fruto da publicidade. Ron¬senquist apresenta, assim, um quadro igualmente irônico e icônico da época, mas de uma maneira mais sutil do que seus companheiros de movimento.

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REFERÊNCIAS

JULIER, Guy - The Thames & Hudson

Dictionary of Design since 1900; Thames

& Hudson World of Art; 1993, Londres,

Inglaterra. || Site oficial de Jon Colombo, em

http://www.joecolombo.com/inddes_index.

html; último acesso em 27 de abril de 2009.

|| A brief history of industrial design; em

http://www.aboutitaliandesign.info/history-

of-industrial-design.html; último acesso

em 27 de abril de 2009. || Joe Colombo, o

designer que despertava bom humor, em

http://br.franceguide.com/---Joe-Colombo-

-o-designer-que-despertava-o-bom-humor.

htm?nodeID=1&EditoId=89462&criteri

as=6; último acesso em 27 de abril de 2009.

|| Universal seating with the Universale

chair by Joe Colombo, em http://www.

moderncontractseating.com/universal-

seating-with-the-universale-chair-by-joe-

colombo; último acesso em 27 de abril de

2009. || Site oficial de James Rosenquist,

em www.jimrosenquist-artist.com, último

acesso em 27 de abril de 2009. || FRY,

Edward F. - James Rosenquist; em http://

popartmachine.com/masters/JAMES_

ROSENQUIST.htm; último acesso em 27

de abril de 2009. || Página sobre o artista

na Wikipédia, em http://popartmachine.

com/masters/JAMES_ROSENQUIST.htm;

último acesso em 27 de abril de 2009. ||

Anotações feitas em aula, da matéria AUH

2810 História do Design III, Ministrada pelo

prof. Dr. Marcos Braga, no curso de Design

da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo, nos dias 24 de

março de 2009 e 14 de abril de 2009.

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UMA MORTECRÔNICA DE

ANUNCIADA?

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por DANIEL TRENCH E SARA GOLDSCHMIT

Nem de longe é a primeira vez que o suporte tem a sua morte anunciada. Para nos limitare depois a tevê colocaram em xeque as potencialidades desse veícu-lo de informações diárias. Desses embates surgiram alternativas, o suporte se reinventou e, por vezes, mi-metizou, sem vergonha e de maneira caricata, carac-terísticas de outros meios.

O jornal USA Today, por exemplo, em meados da dé-cada de 1980, se esforçou para incorporar a linguagem da televisão em seu leiaute. Textos mais curtos, uma profusão de cores, fotografias, mapas e gráficos emu-lavam uma visualidade que não estava na gênese dos periódicos. Mas o projeto carregado nas tintas se reve-lou um esforço inócuo, deixou ainda mais evidente os contrastes que há entre essas duas mídias.

Os primeiros esboços de popularização da internet, há mais de uma década e meia, trouxeram novamente essa discussão à tona. Os jornais, apavorados pelas pos-sibilidades da leitura fragmentada que os hyperlinks propiciavam, se encheram de fios. Traços simulavam os hypertextos, ligando palavras em meio ao texto corrido a informações laterais secundárias. Tratava-se de mais uma caricatura, sem maiores consequências até porque as clássicas notas de rodapé já davam conta dessa pro-blemática muito antes da existência do problema.

Mas há, em toda essa história, o questionamento dos limites impostos pela própria fisicalidade do suporte. Se Jan Tschichold, no remoto ano de 1928, urgia que o jornal precisaria ser dinâmico para incorporar o novo ritmo da modernidade, o que dirão os profetas de hoje? Boa parte deles digitam aí um ponto final.

A proliferação dos e-readers, a internet 2.0 e os no-vos meios de circulação de informações servem de ali-mento à retórica fatalista.

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UMA MORTECRÔNICA DE

ANUNCIADA?

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DIAGNÓSTICOA internet é o lugar da informação, o jornal impresso é o lugar da análise. O jornal do futuro é analítico esse é uma espécie de mantra repetido por aqueles que se debruçam sobre o tema.

É impossível para o jornal impresso concorrer com o volume e a velocidade da informação da rede. A falta de agilidade de um meio que recorre a uma produção que se dá de modo industrial é incontornável. Portanto, tornar o jornal mais agradável e adequado à sua função é questão de sobrevivência, e o redesign parece ser, an-tes de mais nada, uma tentativa de mostrar que os jor-nais ainda estão vivos. E aqui cabe reforçar. Mas uma pergunta nos parece inevitável, será esse movimento uma espécie de canto do cisne? Sem o benefício da cla-rividência, contamos apenas com algumas intuições e uma isolada nota de falecimento. O agonizante Jornal do Brasil, cuja idiossincrática reforma gráfica do final da década de 1950 é um marco na história do design brasileiro, deixará em breve de circular.

É diante desses pontos que os dois maiores jornais de São Paulo realizaram, há pouco, suas reformas gráfi-cas. Cabe aqui jogar luz sobre parte dos desdobramen-tos de tais esforços, numa tentativa de reacender o tí-mido debate gerado por essas mudanças.

HOMENAGEM AO PAPELO Estado de S. Paulo foi o primeiro a mostrar a cara

nova, em março deste ano. A reforma foi encabeçada por Francisco Amaral, diretor de projetos da empresa de consultoria e estratégia editoral Cases i Associats, a mesma responsável pela radical reforma de outubro de 2004. O novo projeto aposta, de forma ainda mais con-tundente do que o de seis anos atrás, na ideia de tradi-ção ao afirmar o caráter sóbrio e austero do jornal. As brincadeiras, quando acontecem, se dão de forma isola-da, em um ambiente controlado. É também evidente a busca por um perfil editorial mais analítico e, portanto, mais sofisticado. Na briga pela atenção do leitor, o Es-tado impresso não tenta competir com os meios digi-tais: recua, torna-se mais limpo mesmo diante de uma quantidade de fios que, por vezes, tende ao exagero. Se o suporte jornal foi um dia o veículo de maior densi-dade de informação, a reforma promovida pelo Estado

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propõe uma revisão dessa equação entre o espaço con-taminado por tinta e o papel em branco. Mas isso tudo é alcançado sem a diminuição da profundidade dos tex-tos, afinal, análise e síntese não parecem mesmo rimar.

Um dos grandes desafios enfrentados por um proje-to gráfico de um jornal é indiciar em cada uma de suas páginas a identidade visual que o particulariza, sem que isso anule as particularidades de cada um de seus cadernos temáticos. Nesse novo projeto é visível o es-forço para individualizar essas diversas seções, porém há vezes, é preciso dizer, em que a apreensão do que neles é própria soa caricata. Um exemplo disso está no caderno Sabático cujas capitulares script remetem a um gesto caligráfico que revela uma aproximação ingênua do universo literário. Os suplementos culturais são, tra-dicionalmente, o espaço de experimentação dos jornais. A temática e a periodicidade semanal possibilitam que seu conteúdo seja tratado de forma mais leve. Eles são também o território da ilustração, algo que raramente vemos no suplemento do Estado. E, nesse sentido, não deixa de ser irônico que o Sabático tenha uma seção na qual republique fragmentos do antigo Suplemento Li-terário, o suplemento que há cinquenta anos atrás ofe-recia muito mais frescor e inventividade do que o atual não apenas do ponto de vista gráfico, porém também editorial. Mas para não ficar apenas nas picuinhas, cabe dizer que a modulação das colunas, quatro largas e uma estreita, trazem bem-vindos espaços em branco e ofere-cem respiros às páginas de denso conteúdo.

O CIAN É POPA Folha de São Paulo apareceu remodelada dois meses depois do Estado, com design mais arriscado e contro-verso. Defendendo um novo jornal mais fácil de ler, a Folha vai na direção oposta do Estadão e opta por um jornal ágil, que tenta se aproximar da internet. A Folha alega que o novo jornal é mais sintético na forma e mais analítico no conteúdo. Mas, como é possível apresentar um conteúdo mais analítico enxugando os textos?

Uma das mudanças mais notáveis no novo projeto foi a inclusão de um retângulo azul no topo da pági-na de abertura de todos os cadernos, ainda que seus nomes continuem grafados sobre ele em cores distin-tas. O caderno Poder aparece em texto azul marinho sobre o novo fundo cian; o caderno Cotidiano, aparece

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em texto roxo sobre fundo cian; Ilustrada, em um vi-brante vermelho sobre fundo cian e assim por diante. O uso do fundo azul parece ser mais uma tentativa de imitar outro meio, como as mencionadas no início do artigo. Todo o espectro de tons de azul é amplamente empregado na internet. Na tela, o azul retroiluminado funciona bem em muitas situações. Já no papel perde grande parte da sua luminosidade e torna-se frio. Além do mais, essa demão de azul total como no caso de uma nova fachada ou uma nova embalagem parece solucio-nar, a duras penas, mais um problema de branding do que propriamente editorial.

É inegável que o azulão funciona para a construção de uma identidade visual forte. Para reforçar ainda mais essa identidade, percebe-se um esforço em uni-ficar o design dos cadernos mais uma vez, na direção oposta do partido de projeto do Estado. Ainda que te-nha sido prevista certa liberdade para a diagramação de títulos especiais (empregando sempre as tipografias padrão), essas variações muitas vezes não são suficien-tes para individualizar os conteúdos a que se referem. É possível também perceber um uso mais ostensivo de imagens. O texto, nesse novo projeto, cede espaço para gráficos, fotos e ilustrações. Cabe lembrar que, histori-camente, a aposta no conteúdo fotográfico sempre foi um recurso reservado aos jornais populares. Não é por menos que o extinto Notícias Populares se notabilizou por ser um celeiro de grandes fotojornalistas.

Uma exceção nesse cenário é o suplemento cultu-ral Ilustríssima. Sua identidade visual é evidentemen-te bem definida, delineada por uma edição de arte que aposta no maciço uso de imagens - produzidas em sua maioria por artistas plásticos. São pinturas e desenhos que fogem do registro viciado das ilustrações, do lugar-

-comum dos bancos de imagens ou da facilidade das fo-tos de divulgação. Trata-se de uma estratégia corajosa, resta ver se o jornal terá fôlego para mantê-la.

A segunda mudança importante na reforma da Fo-lha é o aumento do corpo dos textos. A opção por le-tras maiores é coerente, uma vez que o leitor do jornal envelheceu. Mas, o corpo agigantado, além de grossei-ro, faz com que as linhas de texto comportem menos caracteres. Logo, as colunas ficam todas esburacadas, logo, a legibilidade é comprometida. O meio impresso conta com recursos tipográficos ainda não alcançados

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pela internet. Maltratar a composição dos textos é jogar pela janela um dos maiores trunfos que ainda restam a um jornal. Outro aspecto curioso nas mudanças coor-denadas pela designer Eliane Stephan é a retomada da Folha Serif para os títulos, uma fonte desenhada para a primeira reforma promovida pela designer, em 1996, e abandonada posteriormente. É o efeito Benjamin But-ton, o novo projeto nasce com uma cara já velha.

O surgimento dos tablóides gratuitos em São Pau-lo pode também dar mais uma chave para a leitura da reforma promovida pela Folha de São Paulo. Segundo a The Economist, em 2003, dos dez maiores jornais brasileiros somente três eram tabloides. Hoje são cinco. A concorrência por público e anunciantes se pulveri-zou em meio a um universo mais popular. As feições menos aristocráticas impressas pela reforma sugerem uma estratégia de sobrevivência nesse novo ambiente. Vale ainda ressaltar que o novo projeto gráfico trans-formou em tablóide o caderno de esportes. O novo for-mato, a proliferação de imagens e os tipos pesados o fizeram mais próximo do jornal Lance.

REFORMAS POR MINUTOO projeto gráfico de um jornal, até pouco tempo atrás, era estanque. Diante da complexidade do suporte e da arrogância modernista, os designers afirmavam solu-ções aparentemente definitivas. E, claro, o processo in-dustrial de sua produção impedia que mudanças fossem realizadas como num simples upload. Mas, para sobrevi-ver, o jornal deve se desdobrar e absorver demandas que surgem em um ritmo aparentemente incompatível com a velocidade de suas rotativas. Nesse sentido, a frequên-cia cada vez maior de reformas (vale lembrar, Folha e Estado haviam passado por redesenho há menos de qua-tro anos) sugere uma tentativa de incorporar um racio-cínio que, até então, não era intrínsico ao meio. Quem sabe esteja aí, e não em seus aspectos formais, o grande mérito das reformas encabeçadas pelos dois jornais.

DANIEL TRENCH é designer (www.dtdg.com.br), mestre em Poéticas Visuais

pela ECA-USP. É professor do curso de design visual da Escola Superior de Propa-

ganda e Marketing || SARA GOLDCHMIT é designer gráfica, mestre em design

pela FAU-USP e autora do blog Design Diário (http://www.designdiario.com.br).

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DO

DESENHOAO

DESIGN

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por SARA GOLDSCHMIT

Mais conhecida pelo design ambiental dos painéis e murais das estações Paraíso, Jabaquara, Santana e São Bento do metrô de São Paulo – ou por ter sido professora de programação visual na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo durante muitos anos – Odiléa Toscano já havia ocupado uma posição discreta, porém marcante, no panorama do design gráfico brasileiro nos anos 1960.

No conjunto da sua obra de design impresso, destaca-se a programação visual das capas da coleção Jovens do mundo todo. A série de literatura infanto-juvenil publicada pela Editora Brasiliense rendeu-lhe um prêmio na 1ª Bienal Internacional do Livro e das Artes Gráficas de São Paulo, em 1961, e divulgação internacional em revistas especializadas. Entre os trabalhos realizados no final dos anos 1950 e na década de 1960, sobressaem ilustrações para o Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo e o design de algumas capas para a revista Visão. Nos anos 1970, foram destaque as ilustrações para os fascículos Nossas crianças, da Editora Abril, para a revista Bondinho e para a coleção de livros didáticos Criatividade em língua portuguesa.

Odiléa teve um desenho publicado pela primeira vez no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, em 1957. Ao ver o resultado das primeiras ilustrações impressas, percebeu que os clichês de metal renderiam melhor com desenhos de traços mais grossos, para que a impressão saísse mais escura e mais precisa. Assim, passou a desenhar com mais rigor, muitas vezes suprimindo a linha e construindo planos a partir de tramas feitas com bico-de-pena e nanquim. Os condicionantes da reprodução gráfica industrial encaminharam o seu gesto para a execução de um traço firme, paradoxalmente delicado, que a acompanhou dali em diante como a sua marca registrada. As tramas e texturas foram incorporadas como elementos gráficos que resolvem, em um só tempo, a caracterização das superfícies e o problema da qualidade do desenho impresso.

O interesse particular na série de ilustrações realizadas para O Estado de S. Paulo reside no fato de que, no jornal, Odiléa esteve mais livre para buscar uma subjetividade poética do que em outros trabalhos de cunho mais comercial. Os personagens, o espaço íntimo da casa e os

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objetos que habitam o cotidiano – observados sob um olhar crítico e por vezes irônico – afirmaram-se como temas fundamentais desde o início da sua produção.

O design da coleção Jovens do mundo todo revela, ao longo das quase quarenta capas produzidas, a maioria dos critérios e processos criativos de Odiléa. Um primeiro aspecto a ser mencionado é o comprometimento em colocar no desenho certos vínculos que localizam o assunto em determinado lugar e determinado tempo. Para tanto, a pesquisa em fontes visuais sobre os mais variados temas e períodos históricos incorporou-se como parte de seus procedimentos. O resultado que se vê, especialmente nas capas da coleção Jovens do mundo todo, é um desenho que fala de outros desenhos, lembrando que o momento presente decorre sempre de um passado, e que os homens estão interligados pela história das sociedades.

Verifica-se também o empenho em considerar a peça gráfica na sua totalidade. Os livros da coleção Jovens do Mundo Todo são entendidos como objetos tridimensionais e as capas, portanto, tratadas como um plano horizontal contínuo. A representação dos espaços reais no papel é para Odiléa um desafio constante. Ela não segue as leis da perspectiva clássica, mas obedece, antes de tudo, às necessidades gráficas da composição.

Ainda com relação à sintaxe, Odiléa trabalha principalmente utilizando cores chapadas para construir os planos espaciais, e emprega o traço preto firme nos elementos que escolhe detalhar. O corte é também uma característica marcante de sua linguagem, seja para a construção de planos de cor, seja no detalhamento minucioso das tramas recortadas em papéis coloridos. É importante ressaltar que a representação de estampas, tramas e texturas não é apenas um recurso recorrente de linguagem, mas fundante de todo o seu raciocínio gráfico. Essa aparente ornamentação não comparece gratuitamente; é veículo para a comunicação eficaz da idéia, de maneira sedutora, inclusive.

Nas capas da revista Visão, também é possível identificar a problematização do campo da capa, onde o uso da sangria é colocado em evidência. A cena representada parece ser um recorte retangular da realidade – visível ou imaginária – que envolve o assunto em pauta. Com um design ancorado na ilustração, Odiléa

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utiliza a figura para estruturar o espaço da capa.A modernização dos processos gráficos no fim da

década de 1960 e nos anos 1970, assim como a ampliação e diversificação da oferta de materiais para layout conduziram a linguagem de Odiléa a novos patamares de expressividade. Como se vê nas ilustrações para a revista Bondinho, os novos materiais como letraset, filmes coloridos transparentes, canetas hidrográficas etc., deram a resposta exata para o que ela estava buscando, pois o recorte e a colagem manual – recursos que sempre fizeram parte de seu repertório – passam então a contar com maiores possibilidades de cores, novas texturas e transparências. Em consonância com a linha informal da Bondinho, Odiléa pode assumir o bom humor de maneira mais irreverente do que nos demais trabalhos. Além disso, o aspecto intuitivo das colagens foi deixado mais evidente, mostrando que, muitas vezes, é no jogo do próprio fazer que se descobre como fazer.

Nos fascículos Nossas Crianças, a transmissão de conhecimento por meio do desenho deveria ser, antes de mais nada, didática e cientificamente correta. Mais uma vez nota-se uma atitute inevitavelmente comprometida com os temas que, nesse caso, giravam em torno dos problemas infantis de saúde. Desfrutando de certa liberdade dentro das restrições dadas pelos assuntos, Odiléa conseguiu enxergar o potencial gráfico que cada matéria poderia propiciar. O traço em nanquim continuou a ser empregado nos contornos das figuras, assim como as tramas geradas pelo seu emaranhado. Mas, com a utilização dos novos materiais disponíveis mencionados anteriormente, em especial os filmes transparentes coloridos, as ilustrações ganham maior variedade tátil e profundidade.

Para a elucidação de aspectos da doença ou de sua cura, o caráter narrativo dos desenhos é comum, assim como o uso de setas e palavras – como ocorre habitualmente nos infográficos. De maneira semelhante à coleção Jovens do Mundo Todo, em Nossas Crianças verifica-se, novamente, a força das escolhas cromáticas precisas, que auxiliam não apenas a comunicação, mas também a construção do espaço gráfico de maneira muito coerente. Nesses fascículos, é impossível não se surpreender pelo vigor do desenho sintético, claro e repleto de significados, que cresce e estrutura a página – notável também no design dos livros didáticos da série Criatividade em língua portuguesa.

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Vê-se que, desde cedo, o desenho de Odiléa esteve condicionado pelos meios industriais de reprodução gráfica e pelos contextos de mercado para os quais destinavam-se os produtos ilustrados. A função comunicativa da imagem foi sempre considerada primordial. Ao mesmo tempo, nota-se no conjunto da obra um esforço em considerar a peça gráfica na sua totalidade: seja em uma capa de livro, pensada como objeto tridimensional, seja em uma página dupla de revista, onde a figura conforma o campo. Todos esses fatores mostram como o seu desenho se aproximou da noção de projeto, representada pela palavra design.

A força da linguagem gráfica de Odiléa reside na união consciente do seu projeto pessoal de desenho – com todas as referências, estímulos e procedimentos que lhe são tão caros – ao projeto social inerente à atividade do design.

SARA GOLDCHMIT é designer gráfica, mestre em design pela FAU-USP

e autora do blog Design Diário (http://www.designdiario.com.br).

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A OBRA DEREFERÊNCIA

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por CELSO LONGO

É difícil resenhar a história do design gráfico de Meggs sem iniciar o texto com adjetivos grandiosos. Sucum-birei facilmente aqui à tentação. O livro é referência obrigatória para designers, historiadores e demais in-teressados na cultura visual, na comunicação e, claro, no design gráfico stricto sensu. O trabalho hercúleo de pesquisa, compilação, reflexão e edição feito por Meggs e seus colaboradores não encontra similares 1.

O livro, de dimensões materiais não menos impres-sionantes (aproximadamente setecentas páginas, am-plamente ilustradas), sofreu revisões e adições desde sua primeira edição, em 1983. Divide-se, hoje, em cinco grandes blocos partindo, grosso modo, da invenção da escrita até a revolução digital – passando pelo adven-to da impressão; pela Revolução Industrial; pelo mo-dernismo (e seus vários desdobramentos); e pelo pós-

-modernismo. Uma ampla e audaciosa linha do tempo, concatenada cronologicamente, que contempla a histó-ria social do design gráfico e seus principais represen-tantes (além até de alguns personagens mais obscuros).

Dito isto, podemos perguntar – se ainda restarem dúvidas: mas por que sua edição em português era tão esperada? A resposta é simples. Uma vez que o de-sign firmou-se em solo nacional como uma profissão na passagem dos anos 1950 para 1960, precisamos de ferramentas consistentes para alfabetizar historica-mente as atuais e futuras gerações do ofício. O livro de Meggs funciona, nesse sentido, com dupla utilidade:

1 El Diseño Gráfico

(1988),

de Enric Satué e

Graphic Design:

a concise history

(1994), de Richard

Hollis são também

bons candidatos

ao pódio. Porém, o

primeiro, apesar da

fluidez e abrangência

do texto, peca na

iconografia. O

segundo, restringe-

se ao design

moderno sendo, de

fato, muito conciso.

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serve tanto aos cursos teóricos de História do Design, em sua leitura integral, como aos pesquisadores e curiosos que necessitam de informações rápidas, trans-versais, sobre pontos específicos desse monumental trajeto histórico-visual.

Não menos significativa é a bibliografia contida ao final do volume. Caso as informações em seus capí-tulos sejam telegráficas ou insuficientes para pesqui-sas mais aprofundadas, vinte páginas com indicações de outros títulos – específicos a cada tema aborda-do – servem como precioso guia, dando continuidade ao trabalho de Meggs. Aliás, tocando nesse assunto, a História de Meggs não findou-se com sua prematura morte, em 2002. Seu trabalho tem consistência para ser atualizado, reedição após reedição, por outros críticos e estudiosos do design gráfico. Pode ser, as-sim, uma obra aberta aos mais diversos interessados

– inclusive àqueles posicionados fora do eixo Europa Ocidental / Estados Unidos.

Por fim, um breve comentário ligado ao próprio tema do livro: o design gráfico. Se este pode ser li-vremente entendido como a atribuição de formas materiais e visuais a conceitos intelectuais, o volume editado pela Cosac Naify merece destaque. Conte-údo e forma casam em notável harmonia. Do proje-to gráfico ao tratamento das imagens e à impressão, o livro, enquanto objeto planejado, é magnífico. Uma metonímia do conteúdo espelhando, no entanto, o espírito de seu próprio contexto e época.

CETLSO LONGO é arquiteto e mestre em Design e Arquitetura pela

FAU-USP. Dirige, desde 2005, o Imageria Estúdio.Escritório focado em

projetos de design editorial, ambiental, promocional e identidades visu-

ais para os setores educacionais e culturais. Em 2008, colaborou com o

corpo curatorial asendo responsável pela categoria Fluxos. Atualmente,

também é professor do curso de graduação em Design Visual da Escola

Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo.

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