Íntegra do parecer da Procuradoria-Geral da Assembléia ... · A Presidência da Assembléia...

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Íntegra do parecer da Procuradoria-Geral da Assembléia - parte 1 Por: Procuradoria-Geral da Assembléia | Presidência 20:07 - 20/06/2008 Foto: Ref. ao processo n.º 2182-01.00/08-3. Promoção n.º 27.099 Senhor Presidente: I - INTRODUÇÃO 1. A Presidência da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul encaminha para exame por esta Procuradoria o processo administrativo nº 2182-01.00/08-3 atinente a denúncia (protocolada em data de 10 de junho de 2008), formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade (P- SOL) – representado por Carlos Roberto de Souza Robaina, seu Presidente estadual -, pela Deputada Federal Luciana Krebs Genro, pelo Partido Verde – representado por Edison Pereira de Souza, seu Presidente estadual -, e por Pedro Luiz Fagundes Ruas, por crime de responsabilidade contra a Excelentíssima Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Sul. Fundam o presente pedido nos artigos 83 e 84 da Constituição Estadual, nos artigos 38, 85 e 86 da Constituição Federal de 1988, além da Lei n.º 1.079/50 e toda a legislação correlata, objetivando o impedimento da senhora Governadora "para o exercício do mais elevado cargo político de nosso Estado". Apontam os autores a ocorrência de "fraudes milionárias, com graves prejuízos para o erário público e sofrimento para toda a sociedade gaúcha", sendo que "é a própria linha operacional do Governo do Estado, chefiado por YEDA CRUSIUS" que "permite e incentiva os malfadados acontecimentos", agora de conhecimento público. Asseveram ser o "impedimento" a "sanção extrema contra o abuso e a perversão do poder político", usando para a "percepção de vantagens ou de benefícios imorais". Narram as notícias veiculadas pelos meios de comunicação a respeito do diálogo gravado entre o então Chefe da Casa Civil senhor Cézar Busatto e o Vice-Governador do Estado Paulo Feijó, em que o primeiro afirma que "órgãos públicos são entregues a partidos políticos para financiarem seus projetos políticos e pessoais", salientando que é o próprio Vice- Governador do Estado "quem informa que há corrupção, tráfico de influência, utilização abusiva de órgãos públicos". Refere que a CPI do Detran "detém uma enorme quantidade de provas materiais da corrupção no governo " do Estado, resultantes estas do trabalho desenvolvido anteriormente pela Polícia Federal., o que demonstraria o envolvimento criminoso de dirigentes políticos nas fraudes do Detran. Afirmam que a responsabilidade administrativa, no caso, seria da Governadora do Estado, ao lotear órgãos públicos visando o enriquecimento de seus aliados políticos. Mencionam, ainda, casos do Banrisul e do Daer que teriam sido referidos no aludido diálogo gravado entre o Vice-Governador e o Chefe da Casa Civil. Asseveram que a senhora Governadora do Estado "não desmentiu a existência do esquema de financiamento dos partidos mencionados por Busatto na gravação", tendo se limitado a criticar a atitude do Vice-Governador do Estado. Afirmam que a senhor Governadora do Estado não negou, em momento algum, o conhecimento das fraudes, fato que teria sido confirmado pelo então Secretário de Segurança Pública Ênio Bacci, o qual, ao deixar o governo do Estado, teria denunciado o esquema de corrupção no Detran. Concluem ponderando que "não restam dúvidas de que deve ser enquadrada a Governadora em crime de responsabilidade, na forma de toda a legislação em vigor, que ora se invoca inteira. Como conseqüência, deve ser-lhe aplicada a pena de impedimento de governar nosso Estado, com a perda do cargo de Governadora, sem prejuízo do procedimento penal competente". Quanto às provas requerem "a juntada de todo o material de imprensa em anexo, bem como seja oficiada a RBS, a fim de que junte ao processo a fita da entrevista da Governadora em 09.06.08. Requer-se, também, a juntada das conclusões da Polícia Federal sobre o Detran, bem como a denúncia do Ministério Público sobre o mesmo caso (atualmente tramitando no foro competente de Santa Maria". A petição de apresentação da denúncia (folhas 02 e 03) e a denúncia propriamente dita (folhas 04 a 11) são assinadas por Pedro Luiz Fagundes Ruas, ambas com firma reconhecida.

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Íntegra do parecer da Procuradoria-Geral da Assembléia - parte 1Por: Procuradoria-Geral da Assembléia | Presidência 20:07 - 20/06/2008Foto: Ref. ao processo n.º 2182-01.00/08-3. Promoção n.º 27.099 Senhor Presidente: I - INTRODUÇÃO 1. A Presidência da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul encaminha para exame por esta Procuradoria o processo administrativo nº 2182-01.00/08-3 atinente a denúncia (protocolada em data de 10 de junho de 2008), formulada pelo Partido Socialismo e Liberdade (P-SOL) – representado por Carlos Roberto de Souza Robaina, seu Presidente estadual -, pela Deputada Federal Luciana Krebs Genro, pelo Partido Verde – representado por Edison Pereira de Souza, seu Presidente estadual -, e por Pedro Luiz Fagundes Ruas, por crime de responsabilidade contra a Excelentíssima Senhora Governadora do Estado do Rio Grande do Sul. Fundam o presente pedido nos artigos 83 e 84 da Constituição Estadual, nos artigos 38, 85 e 86 da Constituição Federal de 1988, além da Lei n.º 1.079/50 e toda a legislação correlata, objetivando o impedimento da senhora Governadora "para o exercício do mais elevado cargo político de nosso Estado". Apontam os autores a ocorrência de "fraudes milionárias, com graves prejuízos para o erário público e sofrimento para toda a sociedade gaúcha", sendo que "é a própria linha operacional do Governo do Estado, chefiado por YEDA CRUSIUS" que "permite e incentiva os malfadados acontecimentos", agora de conhecimento público. Asseveram ser o "impedimento" a "sanção extrema contra o abuso e a perversão do poder político", usando para a "percepção de vantagens ou de benefícios imorais". Narram as notícias veiculadas pelos meios de comunicação a respeito do diálogo gravado entre o então Chefe da Casa Civil senhor Cézar Busatto e o Vice-Governador do Estado Paulo Feijó, em que o primeiro afirma que "órgãos públicos são entregues a partidos políticos para financiarem seus projetos políticos e pessoais", salientando que é o próprio Vice-Governador do Estado "quem informa que há corrupção, tráfico de influência, utilização abusiva de órgãos públicos".

Refere que a CPI do Detran "detém uma enorme quantidade de provas materiais da corrupção no governo " do Estado, resultantes estas do trabalho desenvolvido anteriormente pela Polícia Federal., o que demonstraria o envolvimento criminoso de dirigentes políticos nas fraudes do Detran. Afirmam que a responsabilidade administrativa, no caso, seria da Governadora do Estado, ao lotear órgãos públicos visando o enriquecimento de seus aliados políticos. Mencionam, ainda, casos do Banrisul e do Daer que teriam sido referidos no aludido diálogo gravado entre o Vice-Governador e o Chefe da Casa Civil. Asseveram que a senhora Governadora do Estado "não desmentiu a existência do esquema de financiamento dos partidos mencionados por Busatto na gravação", tendo se limitado a criticar a atitude do Vice-Governador do Estado.

Afirmam que a senhor Governadora do Estado não negou, em momento algum, o conhecimento das fraudes, fato que teria sido confirmado pelo então Secretário de Segurança Pública Ênio Bacci, o qual, ao deixar o governo do Estado, teria denunciado o esquema de corrupção no Detran.

Concluem ponderando que "não restam dúvidas de que deve ser enquadrada a Governadora em crime de responsabilidade, na forma de toda a legislação em vigor, que ora se invoca inteira. Como conseqüência, deve ser-lhe aplicada a pena de impedimento de governar nosso Estado, com a perda do cargo de Governadora, sem prejuízo do procedimento penal competente".

Quanto às provas requerem "a juntada de todo o material de imprensa em anexo, bem como seja oficiada a RBS, a fim de que junte ao processo a fita da entrevista da Governadora em 09.06.08. Requer-se, também, a juntada das conclusões da Polícia Federal sobre o Detran, bem como a denúncia do Ministério Público sobre o mesmo caso (atualmente tramitando no foro competente de Santa Maria".

A petição de apresentação da denúncia (folhas 02 e 03) e a denúncia propriamente dita (folhas 04 a 11) são assinadas por Pedro Luiz Fagundes Ruas, ambas com firma reconhecida.

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Juntam aos autos procurações, todas com firmas reconhecidas, outorgadas por Carlos Roberto de Souza Robaina, Luciana Krebs Genro e Edison Pereira de Souza (folhas 12 a 14), todas com "poderes extraordinários para promover ações ou denúncias contra agentes públicos e órgãos estatais de quaisquer esferas administrativas". Juntam certidão (cópia autenticada) do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (folhas 15), datada de 13/08/2007, informando a composição da Comissão Executiva do PSOL no Estado, cujo mandato se estende até 22/07/2009. São acostados, igualmente (folhas 16 a 19), documentação pertinente à demonstração da composição da Comissão Executiva Provisória do Partido Verde e seus dirigentes. Por fim, de folhas 20 a 36 são reunidos diversos recortes de jornais atinentes às questões suscitadas no presente pedido de impedimento da senhora Governadora do Estado.

Posteriormente, em data de 19 de junho de 2008, os ora denunciantes juntam aos autos nova petição, referindo nova entrevista concedida por Cezar Busatto. Juntam, ainda, a declaração de bens pública da senhora Governadora do Estado, "bem como as conclusões resumidas do Relatório do Tribunal de Contas, sobre as irregularidades no Banco do Estado do Rio grande do Sul". Narram, igualmente, que, em documento do Cartório do Registro de Imóveis, consta empréstimo no valor de R$ 50.000,00 tomado pela senhora Governadora junto ao Banrisul - sendo oferecido, em garantia, o imóvel cujo valor alegadamente pago seria de R$ 750.000,00 – com juros anuais de 11%, "o que é totalmente incomum, além do fato de que a legislação das Sociedades Anônimas oferecem restrições a tal tipo de empréstimo". Acostam, por fim, cópias integrais da legislação pertinente ao enriquecimento ilícito de agentes públicos, "bem como das circunstâncias que impõe averiguação por sinais exteriores de riqueza em nosso estado e em nosso país".

2. Este é, pois, o teor do pedido de impedimento ora formulado, cabendo a esta Procuradoria se manifestar quanto ao procedimento a ser adotado no âmbito desta Assembléia Legislativa, o qual, é de ser ponderado, deve ser estabelecido em estrita observância da legislação pertinente, bem como dos parâmetros definidos pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvando a competência federal para o estabelecimento de normas próprias a regular o adequado processamento dos pedidos de impedimento do Chefe do Poder Executivo Estadual.

3. Sinteticamente, os pedidos de impedimento possuem quatro fases nitidamente distintas:

a) o oferecimento e recebimento da denúncia;

b) a admissibilidade da denúncia;

c) a procedência da denúncia; e,

d) o julgamento.

Passa-se, agora, ao exame conjunto da denúncia ora apresentada diante do procedimento estabelecido pela Lei Federal n.º 1.079, de 1950, cuja aplicabilidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da medida cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628, em cujo julgamento do mérito houve a confirmação desse entendimento.

II – DA COMPETÊNCIA FEDERAL PARA DISPOR SOBRE A TIPOLOGIA E O PROCESSAMENTO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE

4. Importante ser mencionado que diversos estados-membros, em suas Constituições e nos Regimentos Internos dos respectivos Poderes Legislativo produziram legislação própria dispondo quanto ao processamento a ser conferido nos processos envolvendo alegações de crimes de responsabilidade de autoridades públicas superiores, tal como ocorre no caso do Estado do Rio Grande do Sul. É a ementa da mencionada decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal quando do exame, em 30 de junho de 1997, da medida cautelar requerida pelo então Governador do Estado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628 (Santa Catarina), na qual foi relator o Ministro Nelson Jobim: "Liminar. Constituição do Estado de Santa Catarina e Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado. Impeachment: (a) Competência para julgar; (b) Regras de procedimento. A definição de crimes de responsabilidade e a regulamentação do processo e do

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julgamento são de competência da União (Constituição Federal, art. 85, parágrafo único, e 22, I). Vigência da Lei n.º 1079/50 e aplicação de seus dispositivos, recepcionados com modificações decorrentes da Constituição Federal. Liminar deferida, em parte, por unanimidade." [o grifo é nosso]

Passada quase uma década o Supremo Tribunal Federal, em 10 de agosto de 2006, realizou o julgamento do mérito do feito, figurando, agora, como relator, o Ministro Eros Grau. É a ementa resultante do julgamento:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DA EXPRESSÃO "E JULGAR" [ART. 40, XX]; DO TRECHO "POR OITO ANOS" [ART. 40, PARÁGRAFO ÚNICO]; DO ART. 73, § 1º, II, E §§ 3º E 4º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. IMPUGNAÇÃO DE EXPRESSÃO CONTIDA NO § 4º DO ARTIGO 232 DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. PRECEITOS RELATIVOS AO PROCESSO DE IMPEACHMENT DO GOVERNADOR. LEI FEDERAL N. 1.079/50. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. RECEBIMENTO DO ARTIGO 78 PELA ORDEM CONSTITUCIONAL VIGENTE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 22, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A expressão "e julgar", que consta do inciso XX do artigo 40, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição catarinense consubstanciam normas processuais a serem observadas no julgamento da prática de crimes de responsabilidade. Matéria cuja competência legislativa é da União. Precedentes. 2. Lei federal n. 1.079/50, que disciplina o processamento dos crimes de responsabilidade. Recebimento, pela Constituição vigente, do disposto no artigo 78, que atribui a um Tribunal Especial a competência para julgar o Governador. Precedentes. 3. Inconstitucionalidade formal dos preceitos que dispõem sobre processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, matéria de competência legislativa da União. 4. A CB/88 elevou o prazo de inabilitação de 5 (cinco) para 8 (oito) anos em relação às autoridades apontadas. Artigo 2º da Lei n. 1.079 revogado, no que contraria a Constituição do Brasil. 5. A Constituição não cuidou da matéria no que respeita às autoridades estaduais. O disposto no artigo 78 da Lei n. 1.079 permanece hígido --- o prazo de inabilitação das autoridades estaduais não foi alterado. O Estado-membro carece de competência legislativa para majorar o prazo de cinco anos --- artigos 22, inciso I, e parágrafo único do artigo 85, da CB/88, que tratam de matéria cuja competência para legislar é da União. 6. O Regimento da Assembléia Legislativa catarinense foi integralmente revogado. Prejuízo da ação no que se refere à impugnação do trecho "do qual fará chegar

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uma via ao substituto constitucional do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão da Assembléia", constante do § 4º do artigo 232. 7. Pedido julgado parcialmente procedente, para declarar inconstitucionais: i) as expressões "e julgar", constante do inciso XX do artigo 40, e ii) "por oito anos", constante do parágrafo único desse mesmo artigo, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição daquele Estado-membro. Pedido prejudicado em relação à expressão "do qual fará chegar uma via ao substituto constitucional do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão da Assembléia", contida no § 4º do artigo 232 do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina."

Na medida em que o Supremo Tribunal Federal considera como de natureza eminentemente penal os chamados delitos de responsabilidade, a competência legislativa, diante do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal de 1988, é reservada unicamente à União, não podendo, de tal modo, as Constituições Estaduais ou legislação estadual dispor nessa hipótese.

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;" [o grifo é nosso]

Ademais, os incisos I a VII do artigo 85 da Constituição Federal enumeram, de modo genérico, as hipóteses de ocorrência de delitos de responsabilidade:

"Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais."

O parágrafo único desse mesmo dispositivo constitucional estabelece, claramente, a necessidade de uma lei especial dispor sobre "as normas de processo e julgamento". É exatamente nesse ponto que a decisão do Supremo Tribunal Federal se demonstra relevante, ao esclarecer que a mencionada lei especial já existente, sendo a Lei Federal n.º 1.079/50, a qual foi reconhecida como recepcionada pela Constituição Federal de 1988, devendo apenas ser adaptada unicamente diante de dispositivos conflitantes do diploma constitucional maior.

"Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei

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especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento."

5. Surge, neste ponto, a seguinte indagação: na medida em que as decisões do Supremo Tribunal Federal, mesmo nas hipóteses de declaração de inconstitucional com eficácia erga omnes (ações diretas de inconstitucionalidade), não são obrigatoriamente aplicáveis a outros diplomas constitucionais ou legais não envolvidos na causa julgada, qual o tratamento adequado, do ponto de vista jurídico, a ser conferido em situações análogas, objetivando evitar a realização de procedimentos nitidamente nulos?

Explicando, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul e o Regimento Interno da Assembléia Legislativa de nosso Estado são semelhantes aos respectivos diplomas do Estado de Santa Catarina, os quais foram analisados pelo Supremo Tribunal Federal e reputados como inconstitucionais, por violarem competência legislativa privativa da União, a teor do inciso I do artigo 22, combinado com o parágrafo único do artigo 85, todos da Constituição Federal de 1988.

Originalmente, quando ainda não realizado o julgamento do mérito pertinente à Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628/SC, em agosto de 2006, ainda poderia ser invocado o princípio da presunção de constitucionalidade das normas, segundo o qual a executoriedade de determinada norma constitucional ou legal somente poderia recusada diante de ordem judicial expressa, originária de Tribunal competente. No entanto, diante do julgamento do mérito da causa e estabelecido o entendimento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal, todas as Constituições Estaduais – e eventualmente outras normas infraconstitucionais – tal presunção não pode ser mantida, sob pena de o executor da norma já ter a prévia consciência de que seu agir é nulo, agindo de forma contrária à razoabilidade. Aliás, é exatamente através do princípio da razoabilidade que é possível construir a fundamentação necessária à solução dessa situação.

6. É necessário que seja reconhecido que o princípio da razoabilidade exerce função preponderante no exame da correção das ações públicas. A razoabilidade, em Éverton de Jesus (2000, p. 87) representa "o dever do operador do Direito, assim, como do administrador público, de sempre levar em consideração os princípios que fundamentam a existência de um ordenamento jurídico quando for aplicar a lei ao caso concreto". O autor ampara sua afirmação em Recaséns Siches (apud JESUS, 2000, p. 87):

"Resulta que el juez que há de decidir sobre todos los problemas que se le presenten, necessariamente tiene que crear o descubrir las normas pertinentes para la solución de los nuevos casos que surjan, y para llenar las lagunas o vacíos que siempre hay inevitablemente en las reglas legisladas. Los jueces y los funcionarios administrativos tienen que estar constantemente reconfigurando y desenvolviendo el Derecho [...] El juez deve atenerse no tanto al texto de la regla – lo cual frequentemente le llevaría a disparates o injusticias – sino sobe todo y principalmente a las valoraciones efectivas sobre las cuales la regla está de hecho fundada – mós o menos correctamente – y debe aplicar esas mismas valoraciones al caso particular."

Dutra de Araújo (2005, p. 100-101), em sua obra sobre os motivos e a motivação dos atos administrativos, trabalha a razoabilidade a partir da lógica do razoável de Luís Recaséns Siches:

"Partindo da constatação de que a lógica formal, ou seja, a lógica do racional, não esgota a totalidade do logos, da razão, e que ela não se constitui em instrumento apto à solução dos problemas humanos

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práticos, como os políticos e os jurídicos, propõe Siches o estudo e a compreensão do Direito por meio da lógica do razoável. (1973, p. 277-287.)

A razoabilidade tem como características fundamentais, em contraposição à mera racionalidade, as que a configuram como a lógica impregnada de valorações, de critérios axiológicos, que constituem a base ou apoio para a formulação de propósitos, para se estabelecerem finalidades, condicionadas pelas possibilidades circunscritas à realidade concreta do mundo em que se espera (SICHES, 1973, p. 287-289.)

A lógica do razoável, ou lógica do humano, conforme expressão de Siches, rege tanto a produção das regras gerais como das normas individuais; tanto a obra do legislador quanto a do juiz ou do funcionário."

A proposta de Dutra de Araújo, com fundamento em José Roberto Dromi, é aplicar, ao exame do ato administrativo, a lógica do razoável, de modo que este "será irracional – portanto, arbitrário – quando seu objeto for absurdo, contraditório ou desproporcional" (2005, p. 101, grifo do autor). O mesmo autor, desta vez citando Bartolome Fiorini (2005, p. 101) indica o papel fundamental que a motivação exerce na aferição da razoabilidade, se manifestando aquela como objetividade desta.

Interessa contribuição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2002, p. 56):

"A chamada doutrina da lógica do razoável, que tanto deve a Recaséns Siches discípulo muito especial de Ortega y Gasset [...] e, não nos esqueçamos, à nova lógica jurídica de García Barca, produziu, no campo da interpretação do Direito Público, esse novo e precioso instrumento, o princípio da razoabilidade que, juntamente com o da realidade, conforma o binômio moderno do balizamento teórico da discricionariedade.

[...]

À luz da razoabilidade, a discricionariedade ganha sua justificação teleológica e, como sustentamos neste trabalho, faz o aplicador co-participar da própria expressão da legitimidade."

A razoabilidade pode ser compreendida como um conceito jurídico indeterminado, cujo conteúdo preciso é verificado em cada caso concreto, variando, de tal modo, no tempo e no espaço, sendo seu conceito informado, no entanto, com idéias fundantes, tais como um compromisso com a prudência, com a adequação e com a coerência entre os motivos ou as circunstâncias de fato, os fins pretendidos e os meios empregados. No âmbito da administração pública, como aponta Luís

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Roberto Barroso, esse exame deve levar em conta, igualmente, "os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, com a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça", constituindo, assim, a razoabilidade, na "adequação de sentido que deve haver entre estes elementos".

Convém mencionar que o princípio da razoabilidade permite, efetivamente, o estabelecimento de um critério aferidor da regularidade da atuação administrativa. Sinteticamente, todo ato administrativo está sujeito a um exame a partir do critério da razoabilidade.

Zagrebelsky (1995, p. 123), sobre a razoabilidade, pondera o seguinte:

"En el lenguaje que hoy suele usarse, esta atención a lo posible en la realización de los principios se denomina "razonabilidad": una discutible expresión para aludir a lo que clásicamente se conocía como la "prudencia" en la tratamiento del derecho.

Está claro que este modo de situarse frente al derecho constituye solamente una actitud, una predisposición hacia soluciones dúctiles que tomen en consideración todas las razones que pueden reinvindicar buenos principios en su favor. No es, en cambio, la "clave" para resolver todo problema jurídico, como si tratase de una fórmula que permitiera obtener la solución de un problema matemático. Busca la respuesta más adecuada para las expectativas legítimas y, por ello, está abierto al efrentamiento entre todas las posiciones que remiten a principios vigentes en el derecho... supone que hay que poner en marcha procedimientos leales, trasparentes y responsables que permitan confrontar los principios en juego y que hay que selecionar una "clase jurídica" ( en los órganos legislativos, judiciales y forenses, administrativos, etc.) capaz de representar principios y no sólo desnudos intereses o meras técnicas. Éstas son las condiciones para el triunfo de la prudencia en el derecho."

A origem do princípio da razoabilidade, consoante a doutrina, pode ser encontrada no constitucionalismo americano, especialmente em decisões da Suprema Corte daquele país, que objetivando limitar eventuais condutas desviantes do Congresso americano, no exercício de sua função legislativa típica, "concebeu o requisito denominado ‘due process of law’, o devido processo legal, como fundamento da legalidade dos comandos do poder público" (SCHÄFFER, 2000, p. 102). Conforme Caio Tácito (apud SCHÄFFER, 2000, p. 102-103),

"[...] este princípio (da razoabilidade), aplicado

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originariamente como garantia processual, ampliou-se gradativamente para alcançar, agora pelo chamado "substantive due process", o remédio contra as restrições de direitos e liberdades na via administrativa e legislativa, sendo que foi, sobretudo, na avaliação da legitimidade da intervenção do poder público no domínio econômico e social, "que se aplicou o teste de racionalidade (rationality test) e, a seguir, o padrão de razoabilidade (reasonableness standard) como aferição da legalidade da legislação"

Luís Roberto Barroso aponta, por sua vez, uma origem mais remota, contextualizando o princípio da razoabilidade na cláusula law of the land (per legem terrae, do latim) contida na Magna Carta, de 1215, tendo evoluído até ser incorporada às emendas 5ª e 14ª da Constituição norte-americana de 1787. A cláusula per legem terrae instituía o seguinte:

"[...] nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com as leis do país."

É preciso ressaltar, neste ponto, que o princípio da razoabilidade, consoante a doutrina estabelecida, apresenta diferentes facetas. Maria Sylvia Di Pietro (2001, p. 191) aponta duas linhas doutrinárias fundamentais. Na primeira estão os autores influenciados pela jurisprudência norte-americana, razão pela qual associam a idéia de razoabilidade principalmente com as noções de devido processo legal e de isonomia. Já na segunda, estariam ligados os autores associados aos ditames doutrinários franceses, identificando a razoabilidade com o princípio da proporcionalidade entre os meios e os fins. Acrescenta a autora:

"Ver-se-á que, embora a linha de raciocínio possa ser um pouco diversa, o resultado final é o mesmo, pois o que se quer é que haja compatibilidade, relação, proporção entre as medidas impostas pelo Legislativo ou Executivo e os fins objetivados, de forma implícita ou explícita, pela Constituição ou pela lei. (2001, p. 191)."

Ressalvando, em seguida:

"Há que se observar, contudo, que quando se associa a razoabilidade ao devido processo legal, o princípio se coloca mais como limite à discricionariedade na função legislativa; e quando se associa a razoabilidade com a proporcionalidade dos meios aos fins, o princípio se coloca mais como limite à discricionariedade

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administrativa. (2001, p. 191)."

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 não contém, de forma expressa, a previsão quanto ao princípio da razoabilidade, sendo, no entanto, possível seu discernimento indireto, através de outros dispositivos constitucionais. Além disso, a razoabilidade constitui em corolário lógico do Estado Democrático de Direito.

Não prospera o argumento positivista-normativista de que o Constituinte Originário rejeitou, propositadamente, a inclusão desse princípio no sistema jurídico brasileiro, uma vez que foi retirada, na redação final do texto constitucional, a sua menção. Era o texto do caput do então artigo 44, o qual chegou a ser aprovado pela Comissão de Sistematização:

"Art. 44. A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade. (grifo nosso)."

De ser apontado que a motivação constava expressamente e sua retirada do texto final não representa que os administradores públicos estão livres da obrigação de motivar os seus atos. Do mesmo modo, não há porque se entender como rejeitada a noção de razoabilidade.

A Constituição de 1988 estabelece, no inciso LIV do artigo 5º, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". O inciso XXXIX desse mesmo artigo, por sua vez, estabelece que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Constituem ambas uma substanciação do brocardo latino do nullum crimen, nulla poena, sine lege, sendo a base do princípio do devido processo legal, o qual, conjuntamente com o princípio da separação dos poderes, ajuda a compor a essência do regime democrático em um Estado de Direito, na medida em que aquele não se limita apenas a uma mera garantia processual.

Já Celso Antônio (1993, p. 55), aponta o fundamento da razoabilidade nos preceitos que dão suporte, constitucionalmente, ao princípio da legalidade (artigos 5º, II, 37 e 84) e ao princípio da finalidade (artigos 5º, II e LXIX, 37 e 84).

A razoabilidade, se reconhece, teve origem e desenvolvimento intimamente ligados ao princípio do

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devido processo legal, tendo, todavia, ultrapassado os limites do campo do direito processual, alcançando o direito substancial, especialmente na esfera do exame do mérito dos atos das autoridades públicas, proporcionando uma nova visão da discricionariedade, onde a limitação a direito individual dos cidadãos implicaria na prévia verificação da compatibilidade entre a exigência estatal e o objetivo almejado, ou seja, se socialmente justificável.

Consoante Barroso:

"O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar.

[...]Seja como for, é necessário seguir em busca de terreno mais sólido e de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos do Poder Público, especialmente, para lhe conferir um cunho normativo. Somente esta delimitação de objeto poderá impedir que o princípio se esvazie de sentido, por excessivamente abstrato, ou que se perverta num critério para julgamentos ad hoc.

A atuação do Estado na produção de normas jurídicas normalmente se fará diante de certas circunstâncias concretas, será destinada à realização de determinados fins, a serem atingidos pelo emprego de determinados meios. Deste modo, são fatores invariavelmente presentes em toda ação relevante para a criação do direito: os motivos (circunstâncias de fato), os fins e os meios. Além disto, há de se tomar em conta, também, os valores fundamentais da organização estatal, explícitos ou implícitos, como a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade; em última análise, a justiça. A razoabilidade é, precisamente, a adequação de sentido que deve haver entre estes elementos. "

Como leciona Quintana (1987, p. 122):

"[...] (La razonabilidad) consiste en la adecuación de los medios utilizados por el legislador a la obtención de los fines que determina la medida, a efectos de que tales medios no aparezcan como infundados o arbitrarios, es decir, no proporcionados a las circunstancias que los motiva y a los fines que se procura alcanzar con ellos. ...Tratase, pues, de una correspondencia entre los

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medios propuestos y los fines que a través de ellos deben alcanzarse."

Para Robertônio Santos Pessoa (2003, p. 101), o princípio da razoabilidade decorreria de um natural desmembramento do princípio da legalidade,

"[...] apresentando-se como fator de equilíbrio entre a necessária satisfação do interesse público, pretendida em lei, e a salvaguarda dos legítimos interesses particulares. [...] Trata-se, portanto, de realizar, nas diversas atividades administrativas, uma adequada composição entre os meios e poderes de que dispõe a Administração Pública e os fins que a Constituição e as leis atribuem á sua competência e responsabilidade."

Nesse sentido, toda ação de exercício de poder, pelo poder estatal, deve ser exercitado "na proporção e na medida necessárias à realização de interesses públicos, sem abusos ou excessos" (PESSOA, 2003, p. 102), ou seja, a medida da discricionariedade está intimamente ligada aos limites exigidos para que se alcance o objetivo público visado, sem qualquer arbitrariedade, sob pena de o ato praticado ser inquinado de ilegal, ilegítimo e abusivo.

Em Kiyoshi Harada, é o princípio da razoabilidade que "condiciona o exercício do poder discricionário da Administração, de forma a coibir a arbitrariedade, pelo excesso ou falta de proporção entre o ato e finalidade a que se destina". Como conseqüência, a razoabilidade deve ser aferida, pois "um ato, mesmo observando os requisitos legais para a sua formação, pode recair na ilegalidade se não for razoável, exorbitando do poder discricionário" (2005, p. 318). Ainda segundo este autor, as:

"[...] leis e os respectivos suportes fáticos devem ser valorados de forma razoável, a fim de preservar sempre a finalidade perseguida pela ordem jurídica, afastando a aplicação de normas contrárias ao bom senso ou daquelas que não guardam proporção entre a motivação e o fim perseguido. (2005, p. 301)."

Aponta-se que a irrazoabilidade pode ocorrer não apenas quando há desproporção entre os meios e os fins, mas igualmente quando a medida não "tenha qualquer correlação com a finalidade almejada" (DI PIETRO, 2001, p. 203).

Barroso opta por trabalhar a aferição da razoabilidade através de dois critérios. O primeiro pertinente ao que denomina de razoabilidade interna, onde é efetuada a verificação da existência de uma "relação racional e proporcional" entre os motivos do ato administrativo praticado, os meios e os fins pretendidos. A

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razoabilidade externa, a seu turno, é assim verificada:

"De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional. Se a lei contravier valores expressos ou implícitos no texto constitucional, não será legítima nem razoável à luz da Constituição, ainda que o fosse internamente. Suponha-se, por exemplo, que diante da impossibilidade de conter a degradação acelerada da qualidade da vida urbana (motivo), a autoridade municipal impedisse o ingresso nos limites da cidade de qualquer não residente que não fosse capaz de provar estar apenas em trânsito (meio), com o que reduziria significativamente a demanda por habitações e equipamentos urbanos (fim). Norma deste teor poderia até ser internamente razoável, mas não passaria no teste de razoabilidade diante da Constituição, por contrariar princípios como o federativo, o da igualdade entre brasileiros, etc."

Interessa-nos, neste ponto, a referência a lição de Agustin Gordillo (1977, p. 183-184 apud DI PIETRO, 2006, p. 95), que é igualmente referida por Luís Roberto Barroso:

"[...] a decisão "discricionária" do funcionário será ilegítima, apesar de não transgredir nenhuma norma concreta e expressa, se é "irrazoável", o que pode ocorrer, principalmente, quando:

a) não dê os fundamentos de fato ou de direito que a sustentam ou;

b) não leve em conta os fatos constantes do expediente ou públicos e notórios; ou se funde em fatos ou provas inexistentes; ou

c) não guarde uma proporção adequada entre os meios que emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que se trate de uma medida desproporcionada, excessiva em relação ao que se quer alcançar."

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (apud DI PIETRO, 2006, p. 95), enfrenta o tema da adequação entre os meios e os fins do ato administrativo, concluindo que a verificação da discricionariedade se dá pela comprovação do "satisfatório atendimento dos interesses públicos" (grifo do autor), de tal modo,

"[...] a razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja

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atingida. (MOREIRA NETO, 1989, p. 37-40)."

Nessa mesma linha de raciocínio, Santos Pessoa (2003, p. 101), leciona que o princípio da razoabilidade, também conhecido como princípio da proibição de excesso, "amplamente aplicado no moderno Direito Administrativo", tem, como finalidade, "contrabalançar o lastro de poderes que desfruta a Administração Pública, ampliando no Estado Intervencionista". Seu desiderato seria, portanto, estabelecer limites à "atividade administrativa de natureza discricionária" (p. 101), permitindo o estabelecimento de critérios mais objetivos para a aferição – inclusive pelo Poder Judiciário - da adequação dessa discricionariedade aos marcos legais e, principalmente, constitucionais. Lúcia Valle Figueiredo (1986, p. 128-129), neste campo, doutrina:

"[...] discricionariedade é a competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de um critério de razoabilidade, e afastado de seus próprios standards ou ideologias, portanto, dentro do critério da razoabilidade geral, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma."

Humberto Ávila, apontando o caráter polissêmico adotado pela razoabilidade – que classifica como um postulado normativo aplicativo, cujo conceito já foi examinado no subitem anterior -, destaca três acepções que entende fundamentais, quais sejam a razoabilidade como eqüidade (dever de harmonização do geral com o individual), a razoabilidade como congruência (dever de harmonização do direito com suas condições externas) e a razoabilidade como equivalência (dever de vinculação entre duas grandezas).

"Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se destacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualizadas do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotado e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. (2003, p. 95)."

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Para o autor, a razoabilidade como eqüidade "impõe, na aplicação das normas jurídicas, a consideração daquilo que normalmente acontece" (2003, p. 95). Em outras palavras, na aplicação do direito, "deve-se presumir o que normalmente acontece, e não o contrário" (p. 96), de forma que a razoabilidade, nesses casos atuaria "como instrumento para determinar que as circunstâncias de fato devem ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade" (p. 96-97), exigindo, assim, "determinada interpretação como meio de preservar a eficácia de princípios axiologicamente sobrejacentes" (p. 97). Ainda dentro da hipótese da eqüidade, expõe o autor a situação de a razoabilidade levar em conta situação individual especial do caso que, em regra, é desconsiderada pela generalização legal, de forma que, em que pese a concretização das condições previstas pela norma, esta deixa de ser aplicada pela "razão motivadora da própria regra ou pela existência de um princípio que institua uma razão contrária" (p. 98). Em conclusão, aduz o autor, neste aspecto, que a razoabilidade é instrumento apto a demonstrar que a incidência de uma determinada norma se traduz em condição essencial, mas não suficiente para a sua aplicação, a qual depende, em cada caso concreto, a conexão da realidade verificada com a generalização da norma legal. Nesta hipótese, "princípios constitucionais sobrejacentes impõem verticalmente determinada interpretação" (p. 102), o que elimina um entrecruzamento horizontal de princípios e a possibilidade quanto à verificação, em concreto, de uma relação de causalidade entre um meio e um fim.

Na razoabilidade como congruência, há a necessidade de uma harmonização das normas com suas "condições externas de aplicação" (p. 98), o que exige, como fundamental, a "recorrência a um suporte empírico existente" (p. 98). Em outras palavras, a causa da atuação estatal – legalmente prevista - não pode ser inexistente ou insuficiente, demandando "o confronto com parâmetros externos a elas" (p. 99), impedindo, assim, a "utilização de razões arbitrárias e a subversão dos procedimentos institucionais utilizados" (p. 99). Como afirmar o autor, "desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal" (p. 99). A congruência exige, do mesmo modo, que haja uma relação de coincidência entre o "critério de diferenciação escolhido e a medida adotada" (p. 100), não importando, aqui, em uma análise da relação estabelecida entre "meio e fim, mas entre critério de medida" (p. 101). Em suma, "diferenciar sem razão é violar o princípio da igualdade" (p. 101). Os princípios constitucionais

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sobrejacentes, novamente, imporiam, verticalmente, determinada interpretação, pelo "afastamento dos meios arbitrários" (p. 102), eliminando, igualmente, uma relação horizontal de princípios ou uma relação de causalidade entre um meio e um fim. Aqui, diferentemente, ocorre uma relação entre um critério e uma medida, em que a razoabilidade impõe uma congruência entre aquele critério (qualidade) escolhido e a medida adotada (p. 103).

Por fim, na razoabilidade como equivalência, o autor aponta a necessidade de ser estabelecida uma "relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona" (p. 101), proibindo-se, assim, o excesso na ação estatal, o que dá suporte à máxima de que a punição deve ser sempre equivalente ao ato delituoso praticado. Mais uma vez, a relação estabelecida, segundo o autor, ocorre entre um critério e a medida decorrente e não entre meio e fim, inexistindo "qualquer relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis" (p. 103).

O que ressalta, por fim, o autor, é que, tal como no postulado da proporcionalidade, no da razoabilidade não se faria, em verdade, uma "referência a uma relação de causalidade entre um meio e um fim", mas, em determinados casos, entre critério escolhido e medida adotada (p. 102). Reconhece o autor, ainda, a possibilidade de a proibição de excesso e a razoabilidade serem consideradas, dependendo de cada caso, alternativamente dentro do exame da proporcionalidade em sentido estrito.

"Se a proporcionalidade sem sentido estrito for compreendida como amplo dever de ponderação de bens, princípios e valores, em que a promoção de um não pode implicar a aniquilação de outro, a proibição de excesso será incluída no exame da proporcionalidade. Se a proporcionalidade em sentido estrito compreender a ponderação dos vários interesses em conflito, inclusive dos interesses pessoais dos titulares dos direito fundamentais restringidos, a razoabilidade como eqüidade será incluída no exame da proporcionalidade. (2003, p. 103)."

O administrador público, mais do que possuir uma liberdade de atuação, exerce uma função, com a obrigação estrita de agir em nome e em benefício da coletividade (dever-poder), razão pela qual, em prol da segurança social, deve ser fiscalizado, tanto pela sociedade como pelo Poder Judiciário.

A moderna hermenêutica, pós-positivista, demonstra-se essencial à Administração Pública, com instrumento auxiliar a seleção de suas atuações concretas,

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especialmente em razão dos revolucionários instrumentos da razoabilidade e da proporcionalidade.

Vê-se, assim, em síntese, que o princípio da razoabilidade é, evidentemente, um integrante do direito constitucional brasileiro, sendo inerente ao Estado Democrático de Direito, integrando, mesmo que implicitamente, o sistema jurídico vigente, na forma de um "princípio constitucional não-escrito" (BARROSO).

Por fim, vale o seguinte comentário de José Roberto Pimenta Oliveira (2006, p. 33):

"A razoabilidade e a proporcionalidade são princípios estruturadores de um ordenamento jurídico-administrativo democrático [José Augusto Delgado]. Participam das instituições que a Constituição estruturou e estabeleceu para formar e conforma a atuação administrativa legítima, com vistas a solidificar seu projeto de cidadania e a idéia de Direito insculpida em seus comandos.

[...]Visto o interesse público como princípio, e como tal uma exigência de otimização na proteção e implementação em concreto de bens jurídicos de interesse da coletividade, posta a cargo da Administração, deve-se atribuir aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade a missão de delinear, operacionalizar ou procedimentalizar, com vistas ao seu controle jurídico intersubjetivo, a medida desta otimização (ínsita a qualquer categoria principiológica), ou seja, a tarefa de perfilhar os contornos de sua legítima realização prática em cada atuação administrativa."

7. Consoante tal fundamentação se torna clara a inviabilidade de ser sustentado um proceder determinado por normatização estadual quando, como já devidamente celebrado pelo Supremo Tribunal Federal, o rito a ser conferido aos processos de julgamento de crimes de responsabilidade deve seguir o disposto na Lei Federal n.º 1.079/50. Em nome da necessidade de ser observado o devido processo legal, imposto de forma universalizada pela Constituição Federal de 1988, não se demonstra razoável a utilização de normas estaduais contrárias aos ditames estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal através de reiterada jurisprudência, especialmente na ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628.

É exatamente por tal dever constitucional que, no presente estudo, será apresentado o procedimento a ser conferido aos processos de crimes de responsabilidade pertinentes ao Chefe de Poder Executivo Estadual, em conformidade com a jurisprudência do Supremo

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Tribunal Federal, pois, caso aplicada a legislação estadual existente, se sabe, de antemão, que o procedimento padecerá de vício de nulidade absoluta, decorrente da violação do disposto no inciso I do artigo 22, combinado com o parágrafo único do artigo 85, todos da Constituição Federal de 1988.

8. Passa-se, agora, após essas considerações, ao exame efetivo de todas as fases atinente ao rito de processos de impeachment.

É de ser apontado que o então Ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, em 08 de maio de 2000, proferiu palestra no XI Encontro Nacional de Procuradores de Assembléias Legislativa, tendo, como tema de sua apresentação, exatamente o processamento a ser constitucionalmente conferido por Assembléias Legislativas estaduais para o processo e julgamento de Governadores por crimes de responsabilidade. Sua palestra teve amparo em jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, sendo que agora, com a confirmação daquelas lições, em decorrência do julgamento definitivo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628, em agosto de 2006, é de ser estabelecido o rito a ser aplicado ao presente processo.

Foram as palavras de introdução ao tema proferidas pelo Ministro Nelson Jobim:

"Quero exatamente discutir as dificuldades que decorrem de um atraso legislativo. O impeachment gerou discussões no Brasil Republicano desde 1891, até que, sob a égide da Constituição de 1946, foi editada a Lei nº 1.079, de abril de 1950. Essa legislação de abril de 1950 sobreviveu à Constituição de 1967, à Constituição de 1969; adveio a Constituição de 1988, e ela continuou intocável.

Esse é o problema. O problema é sabermos qual é o fluxo procedimental do impeachment, quer o fluxo procedimental do impeachment do presidente da República, quer o fluxo procedimental do impeachment dos governadores dos Estados.

Fui relator, na Câmara dos Deputados, do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello. Naquele momento presidia a Câmara dos Deputados o Deputado Ibsen Pinheiro. Tivemos imensas dificuldades para ajustarmos o procedimento do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello às regras da Constituição de 1988 e às regras que se encontravam na Lei nº 1.079, que regula exatamente o procedimento e os crimes de responsabilidade.

Isso se passa também com os governos dos Estados,

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com mais gravidade, tendo em vista as constituições estaduais que se sucederam à Constituição de 1988, os conflitos entre as regras das constituições estaduais, a opção feita pelos constituintes estaduais após 1988, as regras constantes na Carta federal de 1988 e também, fundamentalmente, a Lei de 1950.

É esse assunto que desejo conversar com todos, para tentar discutir o fluxograma e o diagrama de fluxo do procedimento do impeachment que seja compatível com o sistema constitucional de 1988, identificando os eventuais conflitos entre as constituições estaduais e a Constituição federal, os problemas que daí advêm."

III – 1ª FASE

DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA

9. Recebida, na Assembléia Legislativa, denúncia da prática de crime de responsabilidade praticado pelo Chefe do Poder Executivo, esta, acompanhada de toda a documentação apresentada, deve ser protocolizada, formando respectivo processo administrativo.

O pedido deve atender a uma série de requisitos formais expressamente determinados pela Lei Federal n.º 1.079/50, os quais serão a seguir apresentados, cujo exame inicial, de cunho eminentemente informativo – não-vinculativo – é, tradicionalmente, conferido à Procuradoria da Assembléia Legislativa.

III.A – DOS REQUISITOS FORMAIS

10. A presente matéria (procedimento envolvendo denúncia de crime de responsabilidade envolvendo Governador do Estado) está regulamentada através do diploma legal federal supra referido, ou seja, a Lei Federal nº 1.079, de 10 de abril 1950, incluindo todos os procedimentos a serem adotados nos trâmites legais, sendo utilizados de forma apenas subsidiária - para suprir eventuais omissões da Lei nº 1.079/50 - o Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul ou o Código de Processo Penal.

Os requisitos formais fundamentais decorrem dos pressupostos contidos nos artigos 75 e 76 da Lei Federal nº 1.079/50, sendo eles:

a) denunciante tem de estar no exercício de seus direitos políticos;

b) a denúncia deve estar assinada e com firma reconhecida;

c) deve a denúncia estar acompanhada dos documentos que a comprovem, ou declaração da impossibilidade de sua apresentação, com a indicação do local em que possam ser encontrados;

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d) rol de testemunhas (opcional) em, pelo menos, cinco pessoas;

e) não será admitida a denúncia posterior à saída definitiva do Governador do exercício do cargo.

É a redação dos artigos 75 e 76 da Lei Federal n.º 1.079/50:

"Art. 75. É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a Assembléia Legislativa, por crime de responsabilidade.

Art. 76. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número de cinco pelo menos.

Parágrafo único. Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer motivo, houver deixado definitivamente o cargo."

Vê-se, assim, em primeiro lugar, que tão-somente pessoas físicas, no gozo de seus direitos políticos, podem ser autores de denúncias por crime de responsabilidade, sendo necessário o devido reconhecimento de firma e a indicação (quando inviável sua obtenção pelos próprios denunciantes) ou juntada dos documentos necessários.

11. No caso concreto, o pedido é formulado pelo PSOL, pelo PV, pela Deputada Federal Luciana Genro e por Pedro Luiz Fagundes Ruas, ou seja, por dois partidos políticos e por dois cidadãos, sendo um integrante do Congresso Nacional.

Pode-se, ab initio, reconhecer a impossibilidade de o presente pedido ser formulado por pessoa jurídico, na hipótese, partidos políticos. Invoca-se, neste momento, o precedente já analisado por esta Procuradoria no processo administrativo n.º 6567-01.00/97-2, pertinente a pedido de impeachment formulado pela então Inspetoria Salesiana, situação em que foi indeferido o pedido pelo não-enquadramento da entidade em tela na norma do artigo 75 da Lei Federal n.º 1.079/50.

O PSOL e o PV não podem, assim, apresentar pedidos de impeachment. Tendo em vista que Carlos Roberto de Souza Robaina e Edison Pereira de Souza constam do documento exordial na qualidade de respectivos presidentes estaduais do PSOL e do PV e não de forma individual, enquanto cidadãos, não é viável o prosseguimento do feito quanto a estes.

Acontece que o pedido é subscrito também por outras

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duas pessoas físicas: Luciana Genro e Pedro Ruas. A senhora Luciana Genro, como é de conhecimento público, é Deputada Federal pelo PSOL, de forma que é possível reconhecer, por decorrência necessária, que a mesma se encontra no pleno gozo de seus direitos políticos, tendo em vista o pleno exercício de seu mandato parlamentar. Diversamente, não há demonstração específica de que o subscritor Pedro Ruas está no pleno exercício de seus direitos políticos, razão pela qual o feito não pode ser recebido quanto a ele.

É de ser ressaltado que, consoante o procedimento reiteradamente adotado por esta Casa Legislativa, eventuais falhas de cunho formal podem ser sanadas pelos interessados, hipótese em que se realizará o reexame do feito.

Assim, devem ser desconsideradas as assinaturas dos presidentes do PSOL e do PV, bem como a de Pedro Ruas, sendo que aquelas em caráter incontornável, uma vez que a deste último é passível de saneamento pela juntada a posteriori, de certidão do Tribunal Regional Eleitoral informando a regularidade dos seus direitos políticos.

12. Importante salientar que Pedro Ruas subscreve o pedido igualmente na condição de procurador com poderes específicos de Luciana Krebs Genro, situação independente da situação da irregular demonstração de sua condição de cidadão.

Reconhece-se, assim, a verificação do pleno atendimento dos requisitos formais determinados pelos artigos 75 e 76 da Lei Federal n.º 1.079/50 pela denunciante Luciana Krebs Genro, sendo inadmissível o pedido formulado pelo PSOL e pelo PV, bem como por Pedro Ruas, tendo em vista que não demonstrada, até o momento, sua condição de cidadão no pleno gozo de seus direitos políticos.

III.B – DA VIABILIDADE DO PEDIDO

13. O Ministro Nelson Jobim, em sua palestra supra mencionada, se posiciona da seguinte forma quanto ao papel inicial a ser desempenhado pelo Presidente do Poder Legislativo, além daquele pertinente ao mero exame dos requisitos formais de admissão de pedidos de impeachment.

Convém a transcrição da seguinte passagem:

"Oferecida a denúncia perante a Assembléia Legislativa, ela é encaminhada ao presidente da Assembléia. Surge a seguinte pergunta: o presidente da Assembléia exerce ou não alguma função prévia de fiscalização da peça inaugural do processo? Ou o presidente da Assembléia é um mero locus de passagem

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burocrático de papéis? Dito dessa forma, a questão é: pode ou não o presidente do Legislativo estadual indeferir, ab initio, liminarmente, o processo, a denúncia oferecida perante a sua função? Isso não é novidade, pois o problema já ocorreu.

O Senador José Ignácio Ferreira, em 1989, denunciou perante a Câmara dos Deputados o então Presidente da República José Sarney, o Ministro Maílson da Nóbrega e vários outros ministros. Essa denuncia foi enviada ao presidente da Câmara, e S. Exa. indeferiu liminarmente o prosseguimento do processo, mandando arquivar a denúncia. Houve um mandado de segurança interposto, perante o Supremo Tribunal Federal, pelos interessados contra o ato do presidente da Câmara. E o Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança Nº 20.941, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, entendeu caber ao presidente do órgão legislativo – portanto, ao presidente da Assembléia Legislativa caberia também –, o exame liminar das condições prévias e mínimas de admissibilidade da denúncia. Cabe, assim, a S. Exa. indeferir a petição de denúncia não só por faltarem os documentos referidos, ou por faltar o reconhecimento de firma, mas, fundamentalmente, por inépcia e por falta de justa causa.

Imaginem se um determinado cidadão denuncia o governador do Estado porque teria participado de um acidente de trânsito. Tem cabimento que vá se dar tramitação a uma denúncia cujos fatos narrados não se constituem objetivamente em crime de responsabilidade? Evidentemente, não. Caberá seguramente ao presidente da Assembléia Legislativa indeferir liminarmente a petição inicial, não só por inépcia, por falta de documentos, por falta de reconhecimento de firma, mas, fundamentalmente, por falta de justa causa. Não havendo nos fatos narrados na denúncia – e isso está no processo penal – nenhuma correspondência com a hipótese de fato legal de algum crime, há efetivamente falta de justa causa para o procedimento.

É claro que, obedecidos os termos regimentais das casas legislativas, dessa decisão do presidente da Assembléia Legislativa, caberá recurso ao plenário. Junto à Câmara dos Deputados, o recurso a ser interposto da decisão será ao plenário, ouvida a Comissão de Constituição e Justiça, e com redação da Câmara dos Deputados.

Então, nesta primeira fase, temos um dado importante que não se encontra na lei, mas é absolutamente razoável no sistema e foi objeto de decisão no Tribunal, qual seja: há possibilidade de exame preliminar pelo presidente da Assembléia

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Legislativa do procedimento de impeachment." [o grifo é nosso]

A decisão referida pelo Ministro Jobim – Mandado de Segurança n.º 20.941 - foi julgada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 09 de fevereiro de 1990. Transcreve-se esta passagem da ementa do aresto:

"C) COMPETÊNCIA DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, NO PROCESSO DO "IMPEACHMENT", PARA O EXAME LIMINAR DA IDONEIDADE DA DENUNCIA POPULAR, QUE NÃO SE REDUZ A VERIFICAÇÃO DAS FORMALIDADES EXTRINSECAS E DA LEGITIMIDADE DE DENUNCIANTES E DENUNCIADOS, MAS SE PODE ESTENDER, SEGUNDO OS VOTOS VENCEDORES, A REJEIÇÃO IMEDIATA DA ACUSAÇÃO PATENTEMENTE INEPTA OU DESPIDA DE JUSTA CAUSA, SUJEITANDO-SE AO CONTROLE DO PLENÁRIO DA CAUSA, MEDIANTE RECURSO, NÃO INTERPOSTO NO CASO."

Vê-se, aqui, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceu um de exame prévio do pedido de impeachment, no sentido da verificação da presença ou não dos elementos essenciais para o seu recebimento.

Esses elementos são de duas categorias distintas:

a) requisitos eminentemente formais;

b) denúncia não ser inepta ou ser ausente a devida justa causa.

14. Constata-se, de tal modo, a ocorrência de um momento de admissibilidade inicial, pelo Presidente do Poder Legislativo, do pedido de impeachment, oportunidade em que este poderá, diante da verificação da ausência de justa causa ou da inépcia do pedido formulado, determinar o arquivamento do pedido. O Mandado de Segurança n.º 20.941, julgado pelo Supremo Tribunal Federal dá o devido suporte a este entendimento.

Reconhece o Supremo Tribunal federal um papel ativo ao Presidente da Assembléia Legislativa, não sendo este mero "locus de passagem burocrático", mas agente atuante, responsável pela verificação se o pedido formulado reúne das condições mínimas formais e materiais para o seu acolhimento pela Assembléia Legislativa do Estado.

15. Se verificada qualquer impropriedade formal, será a denúncia encaminhada ao arquivo, com a prévia comunicação ao denunciante, de modo a que, querendo, venha a sanar a omissão verificada, tal como vem sendo o agir adotado por esta Assembléia Legislativa ao longo do tempo.

No entanto, se verificada, por outro lado, hipótese pertinente ao teor da decisão do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n.º 20.941, supra transcrito, será a denúncia encaminhada ao arquivo da Assembléia Legislativo, sendo facultada a apresentação de recurso, pelo próprio denunciante, contra a decisão de arquivamento, ao Plenário, ouvida, previamente, a Comissão de Constituição e Justiça. Importante mencionar que, regimentalmente, há a previsão do recurso regimental tão-somente para partidos políticos representados na Assembléia Legislativa, no entanto, se trata de processamento de feito de natureza extraordinário, o qual, aliás, já tem início de forma excepcional, ou seja, por intermédio de cidadão e não de Parlamentar ou partido político. Assim, o recurso apresentado pelo próprio denunciante deve ser admitido, sob pena de estarmos violando o princípio da recorribilidade das decisões.

Trata-se, é de ser ressaltado, de construção admitida expressamente pelo próprio Supremo Tribunal

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Federal, diante da interpretação por ele conferida à Lei Federal n.º 1.079/50, estabelecendo, assim, na prática, um momento anterior do exame da admissibilidade da denúncia apresentada, a qual, como será a seguir explanado, é tarefa, igualmente, de uma comissão especial eleita.

É fácil compreender que a intenção do Supremo Tribunal Federal é a de, em determinadas situações, quando verificada de forma direta, a ocorrência de falha ou omissão relevante, evitar a necessidade de ser convocada a comissão especial eleita para a tomada de uma decisão que poderia ser realizada pelo próprio Presidente da Assembléia Legislativa. E ademais, como reconhece o Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n.º 21.564, julgado em 23 de setembro de 1992, o procedimento de admissibilidade da denúncia envolve um juízo essencialmente político.

16. Se a denúncia for reputada como em conformidade com o ordenamento jurídico, será a mesma recebida pelo senhor Presidente da Assembléia Legislativa, o qual determinará, consoante o artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50, sua leitura no Expediente da primeira sessão plenária, bem como sua publicação no Diário da Assembléia. É o seu teor:

"Art. 19. Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial eleita, da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma."

Será, assim, determinada a eleição de uma comissão especial "da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos" (artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50).

17. Síntese da 1ª fase (recebimento da denúncia):

a) protocolada, no Poder Legislativo, denúncia contra o Chefe do Poder Executivo pela prática de crime de responsabilidade deve, inicialmente, ser verificado o atendimento dos requisitos formais determinados pelos artigos 75 e 76 da Lei Federal n.º 1.079/50;

b) após a verificação do preenchimento dos requisitos formais, compete ao Presidente da Assembléia Legislativa, consoante interpretação conferida ao artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50 pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n.º 20.941, análise de cunho jurídico-político, tendente à verificação da inocorrência de inépcia na petição inicial, bem como a ausência de justa causa a fundamentar o pedido;

c) acaso verificada impropriedade formal, será a denúncia encaminhada ao arquivo, com a prévia comunicação ao denunciante, de modo a que, querendo, venha a suprir a omissão verificada;

d) acaso verificada, por outro lado, hipótese pertinente ao teor da decisão do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança n.º 20.941, será a denúncia encaminhada ao arquivo da Assembléia Legislativo, sendo facultada a apresentação de recurso, pelo próprio denunciante, contra a decisão de arquivamento, ao Plenário, ouvida, previamente, a Comissão de Constituição e Justiça;

e) se a denúncia for reputada como em conformidade com o ordenamento jurídico, será a mesma recebida pelo senhor Presidente da Assembléia Legislativa, o qual determinará, consoante o artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50, sua leitura no Expediente da primeira sessão plenária, bem como sua publicação no Diário da Assembléia;

f) será determinada a eleição de uma comissão especial "da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos" (artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50;

g) com o despacho do senhor Presidente da Assembléia Legislativa, determinando a eleição da comissão especial, se encerra a 1ª fase, correspondente ao momento do recebimento da denúncia.

IV – 2ª FASE

DA ADMISSIBILIDADE DA DENÚNCIA

18. A 2ª fase, em que a Assembléia Legislativa - em um juízo eminentemente político, apenas

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deliberará se a denúncia deverá ou não ser examinada pelo Poder Legislativo – tem início com a eleição da comissão especial referida pelo artigo 19 da Lei Federal n.º 1.079/50.

É o comentário proferido pelo Ministro Nelson Jobim, em sua palestra em 08 de maio de 2000:

"O primeiro problema que surge aqui é o seguinte. Essa comissão é uma comissão especial, no sentido de ser constituída autonomamente, ou pode essa comissão especial ser substituída por uma das comissões permanentes da própria Assembléia Legislativa? Dito de outra forma: é uma comissão especial absolutamente necessária ou as ações, as condutas, as decisões, os atos a serem praticados perante essa comissão especial poderão ser praticados, por exemplo, pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa? Essa é a pergunta inicial.

Primeiro dado, lembrar que a composição da Comissão de Constituição e Justiça, dentro dos órgãos políticos parlamentares, decorre de uma negociação política complexa, que envolve não só a presidência da Câmara ou a presidência da Assembléia Legislativa, mas também a composição de todas as comissões. Abre negociação política entre os partidos, em que se trocam presidentes e vice-presidentes das comissões, tendo em vista as negociações políticas de integração desse contexto, qual seja, dito desta forma, o pressuposto da composição da Comissão de Constituição e Justiça do órgão legislativo decorre de uma negociação política complexa, que não tem por objetivo essa questão de impeachment, mas, sim, exatamente as negociações sobre maiorias e minorias parlamentares e também as negociações que decorram de uma eventual negociação prévia sobre a eleição da própria Câmara, porque é evidente que, na composição dos blocos parlamentares, que podem conduzir à eleição do presidente da Assembléia Legislativa, pode estar seguramente embutido um acordo político-partidário em que a presidência da Comissão de Constituição e Justiça seja atribuída a um partido não necessariamente majoritário, mas que foi fundamental para o procedimento da eleição do presidente.

Daí por que, quando da elaboração da lei de 1950, resolveu-se, explicitamente, atribuir-se isso a uma comissão especial que, a meu sentir, não pode ser substituída pela Comissão de Constituição e Justiça das assembléias legislativas. Deverá, seguramente, de acordo com a lei, ser eleita uma comissão com função específica e única, qual seja, apreciar o pedido, a denúncia, de crime de responsabilidade do Sr. Governador do Estado. A razão parece-me óbvia. A composição dessa comissão é, quiçá dentro daquele momento político, a mais importante das funções que estão sendo desenvolvidas pela Assembléia Legislativa,

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tendo em vista o confronto com o Poder Executivo.

Logo, as negociações políticas de composição dessa comissão são completamente diversas daquelas que presidiram a composição de uma das comissões permanentes, como a da Comissão de Constituição e Justiça. Essa é a razão por que é evidente que, havendo o conflito político dessa natureza, os partidos enviarão para essa comissão os seus quadros eventualmente mais relevantes, quer os da oposição, que buscarão dar tramitação ao procedimento de impeachment, quer os da situação e do governo, que estarão lá para segurar o procedimento do impeachment.

Portanto, essa é a razão pela qual duas regras emergem: a composição proporcional e a necessidade de se encontrarem representados na comissão especial todos os partidos políticos, mesmo que seja partido político com um membro apenas. Daí por que o número de membros de uma comissão especial dessa natureza, seguramente, será distinto do número de membros determinado para as comissões permanentes. Em determinadas comissões permanentes, um partido pode não ter representação por não atingir o grau de proporcionalidade: não tendo membros suficientes para participar das inúmeras comissões existentes, ele deve decidir-se por duas delas.

Então, a primeira observação, já começando entrar na temática mais complexa, diz respeito à eleição dessa comissão especial, que é, exatamente, uma comissão especialíssima com essa característica determinada pela lei."

19. No caso específico da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, a comissão especial seria a Comissão Técnica Permanente de Constituição e Justiça, a qual, a teor da parte final do inciso I do artigo 56 da Resolução nº 2.288, de 18 de janeiro de 1991 (Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul), teria competência para apreciar "pedidos de instauração de processo nos crimes de responsabilidade praticados por autoridades".

Acontece que, como referido em momento anterior desta exposição, tal dispositivo regimental, diante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal quando da concessão da medida cautelar e, posteriormente, do julgamento do mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.628/SC, bem como do princípio da razoabilidade, não pode ser aplicado, sob pena de importar em total nulidade de todo os atos procedimentos subseqüentes.

É igualmente claro no pronunciamento do Ministro Jobim que a comissão eleita deve atender a uma

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composição diversa daquela usual da Comissão de Constituição e Justiça. Tendo o limite de 12 integrantes, alguns partidos não estão representados na CCJ, sendo que a Lei Federal n.º 1.079/50 expressamente determina que todos os partidos devem se fazer representar, de modo que o total de integrantes será de 36 e não de 12 Deputados, levando-se em conta a existência, atualmente, de Bancada com um só Deputado (PC do B).

20. É a dicção dos artigos 20 e 21 da Lei Federal n.º 1.079/50, ao regular o funcionamento da comissão especial:

"Art.20. A comissão a que alude o artigo anterior se reunirá dentro de 48 horas e, depois de eleger seu presidente e relator, emitirá parecer, dentro do prazo de dez dias, sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Dentro desse período poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias ao esclarecimento da denúncia.

§ 1º O parecer da comissão especial será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e publicado integralmente no Diário do Congresso Nacional e em avulsos, juntamente com a denúncia, devendo as publicações ser distribuídas a todos os deputados.

§ 2º Quarenta e oito horas após a publicação oficial do parecer da Comissão especial, será o mesmo incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para uma discussão única.

Art. 21. Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da comissão especial o direito de responder a cada um."

21. Convém a transcrição da seguinte passagem da palestra do Ministro Jobim:

"Examinaremos agora o procedimento dessa comissão especial, ou seja, o que nela se passa. Conforme a lei, eleita a comissão especial pelo plenário da Assembléia Legislativa, em 48 horas realizar-se-á a sua primeira reunião, na qual serão eleitos o presidente e o relator. A partir da eleição do seu presidente, começa correr o prazo de 10 dias para a elaboração do parecer sobre o dever de ser ou não a denúncia julgada objeto de deliberação.

Estamos, claramente, nessa segunda fase da admissibilidade, num primeiro momento de um juízo jurídico-político de que deve ou não ser essa denúncia objeto de deliberação. Não se está examinando nenhuma das condições de condenação ou de

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absolvição do governador. Não se examina isso. É exatamente um debate jurídico-político que se vai travar, também, em relação a essa temática. E o prazo para o julgamento de dever ser ou não objeto de liberação é de 10 dias. A primeira das ações subseqüentes à reunião é a realização de diligências, facultativas e a juízo da própria comissão. Após a emissão do parecer do relator, a leitura e a publicação desse parecer, abre-se um interstício de 48 horas para sua inclusão na Ordem do Dia da Câmara dos Deputados, ou melhor, no caso específico, da Assembléia Legislativa.

Haverá uma discussão única a respeito desse parecer inicial de admissibilidade. Cinco representantes de cada partido deverão falar por uma hora, o que mostra o grau de obstrução possível em relação a essa conduta. Como consta na lei, após a discussão única travada por cinco parlamentares, a palavra deve ser aberta ao Sr. Relator da comissão, que responde às objeções que eventualmente tenham sido feitas ao parecer. Encerra-se a discussão e passa-se, de imediato, à votação nominal – e não secreta – para ser aprovada ou rejeitada a conclusão do parecer.

Nesse caso, no primeiro momento de votação nominal, o quórum necessário de aprovação é o de maioria simples, não existe a necessidade de maioria qualificada nessa etapa de julgamento sobre o dever ou não de a denúncia ser objeto de deliberação por parte da Assembléia Legislativa. Se rejeitado o parecer, o material vai todo para o arquivo. Se aprovado, passa-se à fase seguinte.

Lembro que, na comissão especial, há também uma votação que se trava com relação ao parecer do relator. Esse parecer, depois, vai ao plenário, que rejeitará ou não o parecer que tenha sido aprovado pela comissão. E os quóruns, tanto em uma quanto na outra, é de maioria. Deixei fora, evidentemente, a discussão interna sobre o parecer feita na comissão e sua aprovação. O procedimento interno depois da apresentação da proposta de conclusão feita pelo relator, ou seja, o procedimento de apreciação pela própria comissão do parecer do seu relator é algo que obedecerá, rigorosamente, ao regimento interno das assembléias legislativas. Aprovado esse relatório pela comissão, é enviado ao plenário e, neste, dá-se a discussão única com cinco representantes de partidos. Essa é a grande diferença, e o quórum é de maioria simples."

22. A comissão especial eleita, de tal modo, se reunirá em 48 horas e, escolhido o relator, emitirá parecer dentro de dez dias sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação, sendo-lhe facultada a

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realização de todas as diligências que entender necessárias. A aprovação do parecer, no âmbito da comissão especial, se dará por maioria absoluta dos votos dos seus integrantes, como leciona expressamente o Ministro Nelson Jobim, uma vez que, neste caso, será observado o disposto nos Regimentos Internos das Casas Legislativas.

Após a confecção do parecer da comissão especial, seu teor deverá ser lido no expediente do Plenário e publicado, em sua integralidade, no Diário da Assembléia (§ 1º do artigo 20), juntamente com a denúncia.

Quarenta e oito horas após a publicação no Diário da Assembléia do parecer da comissão especial, este deverá ser incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Assembléia Legislativa, para discussão única (§ 2º do artigo 20).

Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator o direito de responder a cada um (artigo 21).

Importa, agora, a transcrição do disposto no artigo 22 da Lei Federal n.º 1.079/50:

"Art. 22. Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação. No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado."

O Ministro Jobim é expresso ao apontar que quórum dessa votação, em Plenário, do relatório da comissão especial sobre a admissibilidade da denúncia é o de maioria simples.

Assim, encerrada a discussão e realizada a votação nominal do parecer da comissão especial no Plenário, surgem duas hipóteses:

a) Plenário entende que a denúncia não será objeto de discussão pela Assembléia Legislativa, hipótese em que será o feito remetido ao arquivo;

b) Plenário entende que a denúncia será objeto de discussão pela Assembléia Legislativa, hipótese em que será dado seguimento ao feito, na forma da parte final do artigo 22 da Lei Federal n.º 1.079/50.

23. Síntese da 2ª fase (admissibilidade da denúncia):

a) a comissão especial eleita, de tal modo, se reunirá em 48 horas e, escolhido o relator, emitirá parecer dentro de dez dias sobre se a denúncia deve ser ou não julgada

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objeto de deliberação, sendo-lhe facultada a realização de todas as diligências que entender necessárias. A aprovação do parecer, no âmbito da comissão especial, se dará por maioria absoluta dos votos dos seus integrantes.

b) após a confecção do parecer da comissão especial, seu teor deverá ser lido no expediente do Plenário e publicado, em sua integralidade, no Diário da Assembléia (§ 1º do artigo 20), juntamente com a denúncia.

d) quarenta e oito horas após a publicação no Diário da Assembléia do parecer da comissão especial, este deverá ser incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Assembléia Legislativa, para discussão única (§ 2º do artigo 20).

e) cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator o direito de responder a cada um (artigo 21).

f) encerrado o período de discussões, apontado no item anterior, será o parecer da comissão especial submetido a votação nominal pelo Plenário da Assembléia Legislativa, o qual, por maioria simples, deliberará se a denúncia será ou não objeto de apreciação pelo Poder Legislativo;

g) se o Plenário entender que a denúncia não será objeto de discussão pela Assembléia Legislativa, remeter-se-á o feito ao arquivo;

h) se o Plenário entender que a denúncia deve ser objeto de discussão pela Assembléia Legislativa, dar-se-á seguimento ao feito, na forma da parte final do artigo 22 da Lei Federal n.º 1.079/50.

V – 3ª FASE

DA PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA

24. Na fase anterior (admissibilidade da denúncia), o Plenário da Assembléia Legislativa se manifesta unicamente admitir ou não a realização do exame do pedido de denúncia, sem se pronunciar quanto ao mérito da acusação, já nesta terceira fase (procedência da denúncia), há um aprofundamento da cognição quanto à acusação, tal como no juízo de pronúncia no Tribunal do Júri, como refere o Ministro Jobim:

"Aprovado o relatório, entramos na terceira fase, que denomino fase de pronúncia, já que há uma similitude entre o procedimento do impeachment e o do Tribunal do Júri. Há uma fase inicial de pronúncia, que é o julgamento por parte da Assembléia Legislativa da procedência da acusação – não se trata da condenação, mas meramente do juízo de pronúncia."

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É o teor do artigo 22 da Lei Federal n.º 1.079/50, de interesse para o caso:

"Art. 22. Encerrada a discussão do parecer, e submetido o mesmo a votação nominal, será a denúncia, com os documentos que a instruam, arquivada, se não for considerada objeto de deliberação. No caso contrário, será remetida por cópia autêntica ao denunciado, que terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado.

§ 3º Publicado e distribuído esse parecer na forma do par. 1º do art. 20, serão mesmo incluído na ordem do dias da sessão imediata para ser submetido a duas discussões, com o interregno de 48 horas entre uma e outra.

§ 4º Nas discussões do parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia, cada representante de partido poderá falar uma só vez e durante uma hora, ficando as questões de ordem subordinadas ao disposto no par. 2º do art. 20."

Mais uma vez transcrevemos a descrição do rito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, tal como apresentado pelo Ministro Nelson Jobim:

"E aqui é que temos de ter cautela. Após o julgamento da admissibilidade, desaparece a comissão especial como foro de julgamento. Mantendo-se como foro de instrução processual, a comissão não terá mais nenhuma função no que diz respeito a essa capacidade, porque a admissibilidade já passou. Neste momento, o presidente da Assembléia Legislativa determina a citação do denunciado para que, no prazo de 20 dias, conteste a acusação.

A lei refere o prazo de 20 dias. O Regimento Interno da Câmara de Deputados estabeleceu o prazo de 10 sessões, que equivale, mais ou menos, aos mesmos 20 dias. Então, não há problemas em relação a essa situação. Os Senhores sabem muito bem que a contagem dos prazos nos processos legislativos, exatamente para viabilizar o procedimento político da obstrução, contam-se não em dias, mas em sessões, dando aos parlamentares condições de expandir.

Já fiz isso várias vezes, como deputado à época: quando tínhamos algum problema a ser deliberado, e o prazo era contava em sessões, obstruíamos a sessão. Ao obstruirmos a sessão, não deixávamos quórum de instalação. Lembrem-se de que, para instalação de uma sessão, há necessidade de haver um quórum mínimo, não para deliberar e sim para efetuar a instalação. O que fazíamos? Obstruíamos a instalação, e, dessa forma,

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não havia sessão, e não se contava prazo. Dessa forma conseguíamos, às vezes, expandir esse prazo por 40 dias, por 50 dias, dependendo da capacidade de obstrução que se tinha sobre o partido majoritário.

Feita a contestação e oferecida por parte do nosso governador do Estado, entra-se, então, na fase de produção de provas e de realização de diligências perante a comissão especial. O órgão da comissão permanece, não mais como órgão deliberatório, mas como órgão de instrução. Evidentemente é impossível se fazer a instrução processual perante a Assembléia Legislativa, far-se-á isso perante a comissão especial. Perante esta se produzirão as provas e se realizarão todas as diligências necessárias, podendo ser interrogado o denunciado e também o denunciante, tudo a critério da própria comissão.

Cabe observar que, em relação ao interrogatório do denunciado – que é o governador do Estado –, há dependência de anuência do próprio governador, que dispõe da faculdade de não comparecer perante a comissão e não ser interrogado. Se comparecer, S. Exa. tem a faculdade de não responder a nenhuma pergunta.

Essa fórmula foi exatamente a adotada pela Mesa do Senado federal, presidida então pelo Ministro Sydney Sanches, quanto ao rito procedimental fixado pela Mesa, em 1º de outubro de 1992, no caso Collor de Mello.

O item XI do rito estabelecido pela Mesa presidida pelo Ministro Sidney Sanches, então presidente do Supremo Tribunal, dizia que o interrogatório denunciado a critério da comissão, faculdade de não comparecer a esse ato processual ou de não responder às perguntas formuladas. Cita para isso o art. 3.873 da Lei nº 1.079, combinados com os arts. nºs 185, 196 do Código de Processo Penal e também da Constituição federal.

É importante ter presente que o comparecimento para o interrogatório, estabelecido como uma faculdade atribuída à comissão especial, na lei, também é facultativo ao próprio denunciado.

O governador não poderá ser compelido a comparecer perante a comissão especial. Se comparecer voluntariamente, convidado a comparecer, também não pode ser compelido a responder perguntas. Deverá ser inquirido antes se está disposto a ser perguntado ou somente a assistir ao depoimento que será colhido das testemunhas arroladas na defesa e na acusação.

Terminada a instrução, isso também é relevante para a regularidade constitucional do procedimento, ou seja, ouvidas as testemunhas, realizadas as diligências

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eventualmente necessárias que tenham sido decididas pela comissão, há o momento das alegações finais. Não está previsto na lei, não está previsto em nenhum regimento que eu conheça, não só da Câmara dos Deputados, como dos regimentos internos das assembléias legislativas, no entanto, está fixado como uma absoluta necessidade às alegações finais.

Foi essa decisão que se tomou no caso Fernando Collor. Neste caso aplicou-se subsidiariamente o art. 11 da Lei nº 8.038, de 1990, que instituiu normas procedimentais perante os tribunais da República, os tribunais superiores e o Supremo Tribunal. Nesses procedimentos perante o Supremo Tribunal há alegações finais. Entendeu-se que essa regra das alegações finais estender-se-ia também ao caso impeachment, para respeitar o absoluto direito de defesa e a amplitude do direito de defesa previsto na Constituição federal. A norma pela qual isso é previsto, que assegura o exercício da defesa neste momento procedimental, é exatamente a abertura de prazo para alegações finais. Essa abertura de prazo deverá ser de 15 dias sucessivos: 15 dias para os denunciantes e 15 dias para o denunciado.

[...]

Feitas as alegações finais e encerradas, é o momento do oferecimento do parecer por parte dessa comissão especial.

O parecer será proferido no prazo de 10 dias. A forma pela qual discutir-se-á o parecer obedece ao Regimento Interno da Assembléia, ou seja, aquelas regras que regem a apreciação da proposta de parecer feita pelo relator perante a comissão. É feita a distribuição da proposta; ela é discutida, votada. Se vencedor o relator, prossegue nessa condição. Se derrotado, passa a ser nomeado um relator pro-vencido, que é uma expressão curiosa porque a rigor é um relator do vencedor, mas a expressão tradicionalmente usada nas Assembléias Legislativas, em seus regimentos é relator do vencido, quando, na realidade, é relator sobre o vencido.

Feito isso, há a publicação e a distribuição desse parecer. A partir desse momento, temos a sua inclusão na Ordem do Dia do plenário, e inicia-se a primeira discussão. Muda, no momento da pronúncia, o item da discussão. Se lá, para a admissibilidade da denúncia, falavam cinco representantes de cada partido, aqui se manifesta um representante de cada partido, por uma hora, para essas situações.

Depois de encerrada a primeira discussão, é estabelecido um interstício de 48 horas e é iniciada a segunda discussão. Encerrada a discussão, vamos à

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votação. Aqui surge o segundo problema. A lei de 1950, ao tratar desse tema, estabeleceu que para esta votação, que era feita, no caso, na Câmara dos Deputados, em relação ao Presidente da República, o quórum deveria ser de maioria absoluta. Trata-se do quórum para julgar procedente a acusação, não do juízo de condenação, mas do juízo de pronúncia.

No entanto, foi modificado para a maioria de dois terços o quórum que a Constituição de 1988 instituiu para a Câmara dos Deputados no que diz respeito à apreciação de instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República. A lei de 1950 foi redigida com base nas regras de 1946. Na Constituição de 1946, o quórum para a pronúncia era de maioria absoluta. Logo, o quórum desta decisão sobre a pronúncia é de dois terços e não mais de maioria absoluta. A lei foi ab-rogada nesta parte pela própria Constituição federal. Volto a repetir: basicamente o tema está em que, no sistema anterior a 1988, a maioria era absoluta. Isso foi derrogado pela Constituição de 1987, art. 85; pela de 1969, art. 83; e pela de 1988, art. 51, que passou a exigir maioria de dois terços.

Diz o art. 81 da Constituição expressamente: Admitida acusação contra o Presidente da República por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes penais comuns e perante o Senado Federal, perante os crimes de responsabilidade.

Volto a insistir, este é um quórum importantíssimo, porque sabemos perfeitamente que dois terços e unanimidade em decisões políticas é algo muito próximo. Dois terços de um tribunal ou de um órgão político amplo e unanimidade é quase a mesma coisa, e a votação é nominal.

Por que a votação é nominal? Vou dizer isso, digamos, brincando. A votação secreta é uma extraordinária atração para a traição. Então, exigiu-se exatamente a votação nominal com maioria de dois terços, que não é uma maioria qualificadíssima, é a maior maioria exigível na Constituição da República. Temos maioria de dois terços, temos maioria de três quintos para emendas constitucionais e temos maioria absoluta para as leis complementares. A única maioria de dois terços, além desta que temos, é aquela que diz respeito à fixação de alíquotas mínimas de ICM. O que mostra a importância não só da questão federativa, pelo tratamento da Constituição de 1988, como também por esta questão fundamental."

25. Síntese da 3ª fase (procedência da denúncia):

a) aprovado o relatório da comissão especial pelo

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Plenário da Assembléia Legislativa, em votação nominal, com o quórum de maioria simples, no sentido da admissibilidade da denúncia, O Presidente da Assembléia Legislativa determinará a citação do Chefe do Poder Executivo para contestar, no prazo de 20 dias, indicando, ainda, os meios de prova com que pretenda demonstrar a verdade do alegado;

b) a produção de provas e a realização de diligências é realizada perante a mesma comissão especial eleita, "não mais como órgão deliberatório, mas como órgão de instrução", "podendo ser interrogado o denunciado e também o denunciante, tudo a critério da própria comissão";

c) o denunciado não está obrigado a comparecer a interrogatório e, comparecendo, não é obrigado a responder a quaisquer indagações;

d) encerrada a instrução perante a comissão especial será aberto prazo sucessivo de 15 dias para os denunciantes e, após, ao denunciado, para apresentação de alegações finais;

e) após o encerramento do prazo de alegações finais, o relator, no prazo de 10 dias, apresentará parecer perante a comissão especial, a qual, por maioria absoluta apreciará seu teor;

f) após a confecção do parecer da comissão especial, seu teor deverá ser lido no expediente do Plenário e publicado, em sua integralidade, no Diário da Assembléia;

g) quarenta e oito horas após a publicação no Diário da Assembléia do parecer da comissão especial, este deverá ser incluído, em primeiro lugar, na ordem do dia da Assembléia Legislativa, para ser submetido a duas discussões, com interregno de 48 horas entre uma e outra (artigo 22, § 3º, da Lei Federal n.º 1.079/50);

h) um representante de cada partido poderá falar, durante uma hora, sobre o parecer (artigo 22, § 4º, da Lei Federal n.º 1.079/50);

i) encerrado o período de discussões, apontado no item anterior, será o parecer da comissão especial submetido a votação nominal pelo Plenário da Assembléia Legislativa, o qual, por maioria de 2/3 (dois terços), deliberará pela procedência ou não da denúncia, consoante o artigo 81 da Constituição Federal de 1988;

j) se o Plenário entender que a denúncia não procede, remeter-se-á o feito ao arquivo;

k) se o Plenário entender que a denúncia procede, dar-se-á seguimento ao feito, na forma do artigo 77 da Lei Federal n.º 1.079/50, estando suspendo o Chefe do

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Poder Executivo de suas funções, assumindo, ato contínuo, o Vice-Governador.

VI – 4ª FASE

DO JULGAMENTO

26. A partir deste momento inicia-se o efetivo julgamento do senhor Governador do Estado por crime de responsabilidade. Quanto ao procedimento a ser adotado, cabe a apresentação de diversas considerações, tendo em vista recente manifestação do Supremo Tribunal Federal em hipótese análoga ocorrida no Estado de Santa Catarina.

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 1989 determina, no inciso VI do artigo 53, que o processo e o julgamento do Governador e do Vice-Governador do Estado, nos crimes de responsabilidade, assim como dos Secretários do Estado a estes conexos, será da competência exclusiva da Assembléia Legislativa do Estado. Agrega-se, ainda, a disposição do parágrafo único do supra apontado dispositivo constitucional, segundo o qual, na presente hipótese, a Assembléia Legislativa será presidida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. A condenação será proferida pelo voto de dois terços dos membros do Poder Legislativo, limitando-se à perda do cargo, com inabilitação para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Nestes termos, o julgamento do Governador do Estado, por crime de responsabilidade, seria realizado com exclusividade pela Assembléia Legislativa, esta sob a presidência do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado. Aliás, o próprio artigo 78 da Lei Federal nº 1.079/50 assim dispõe, ao prever que o julgamento do Governador, nestes casos, dar-se-á na forma estipulada pela Constituição do Estado.

Íntegra do parecer da Procuradoria-Geral da Assembléia - 2ª partePor: Procuradoria-Geral da Assembléia | Presidência 21:17 - 20/06/2008Foto: (continuação)

Acontece que não se pode olvidar o exemplo do Estado de Santa Catarina, o qual possui, em sua Constituição, disposições praticamente idênticas àquelas encontradas em nosso diploma constitucional. Naquele Estado o seu Governador protocolou, perante o Supremo Tribunal Federal, petição de ação direta de inconstitucionalidade (ADIn nº 1.628-8), na qual, com fundamento no inciso I do artigo 22 e no parágrafo único do artigo 85, todos da Constituição Federal de 1988, suscitava a inconstitucionalidade de dispositivos da Constituição do Estado de Santa Catarina relacionados ao procedimento para o julgamento do Governador do Estado por crime de responsabilidade.

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Consoante o inciso I do artigo 22 da Constituição Federal de 1988, é da competência exclusiva da União legislar sobre direito penal e direito processual. Por sua vez, o parágrafo único do artigo 85 dispõe que os crimes de responsabilidade serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

O Supremo Tribunal Federal, em sessão ocorrida em data de 30 de junho de 1997, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça da União de 26 de setembro de 1997, decidiu por suspender a eficácia, dentre outros dispositivos, da expressão "e julgar" contida no inciso XX do artigo 40 da Constituição do Estado de Santa Catarina, de forma que o julgamento do Governador do Estado não mais se realizaria pela Assembléia Legislativa do Estado, mas sim na forma prevista no § 3º do artigo 78 da Lei Federal nº 1.079/50, ou seja, através de um tribunal composto de cinco membros do Poder Legislativo e de cinco Desembargadores, sob a presidência do Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, que terá direito de voto no caso de empate. Os representantes do Poder Legislativo seriam escolhidos mediante eleição, enquanto que os provenientes do Tribunal de Justiça, por sorteio. A escolha do Tribunal de Julgamento deve ocorrer no prazo de cinco dias da data da remessa ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado dos autos do processo, depois de decretada a procedência da acusação.

Vale a transcrição destas passagens:

"Eis, portanto, Srs. Ministros, as questões> Indaga-se: (a) a Constituição do Estado pode dispor sobre essa matéria? (b) Pode ela afastar a incidência da Lei Federal, criando órgão específico, que seria a própria Assembléia Legislativa, para julgar o Sr. Governador do Estado? ...

Esse é o problema.

Vou me dispensar de fazer análise erudita sobre o ‘impeachment’, porque o Tribunal já discutiu o tema e o conhece com profundidade.

Quero reter-me exclusivamente no tema suscitado e ir ao cerne do problema.

Pela norma federal de 1950 há um fluxo específico:

(1) denúncia;

(2) eleição de comissão especial para dar parecer sobre se a denúncia deve ou não ser objeto de deliberação;

(3) parecer da Comissão Especial;

(4) decisão, pelo Plenário da Assembléia, sobre a admissibilidade da denúncia, ou seja, sobre ser a denúncia deverá, ou não, ser objeto de deliberação;

(5) citação do Governador denunciado para, no prazo de 20 dias, oferecer contestação e indicação de provas;

(6) contestação do denunciado;

(7) produção de provas e realização de diligências deferidas ou determinadas pela Comissão Especial;

(8) parecer da Comissão Especial sobre a procedência da acusação;

(9) votação, pelo plenário, do parecer da Comissão.

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...

Lendo o conjunto, faz sentido o procedimento da Lei de 1950: (a) denúncia; (b) juízo da Assembléia de que a denúncia deva ser objeto de deliberação; (c) processo, com defesa e diligências; (d) conclusão pela procedência da acusação; (e) votada por dois terços da Assembléia Legislativa a procedência da acusação, remete-se a acusação a um tribunal especial.

Sr. Presidente, se a Norma Federal não vige por sobre a Constituição Estadual, competente para processar e julgar, por força da norma estadual, seria a Assembléia Legislativa. Ora, se a Assembléia Legislativa for a competente para julgar o Sr. Governador e não este órgão especial da Lei de 1.950, a deliberação sobre procedência da acusação perde sua razão de ser. Isto porque, após a procedência da acusação – juízo de procedência da acusação – teríamos um julgamento a ser proferido pelo mesmo órgão que declarou procedente a acusação e tudo com maioria de dois terços! (...)

Srs. Ministros, examinando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal , constata-se que uma das grandes discussões sobre a ‘impeachment’ circunscreve-se em ser, ou não, matéria penal.

Leio, na obra clássica de Paulo Brossard, quando discute eatamente essa questão, na página 109 da segunda edição, que: ‘Ao dispor sobre crime de responsabilidade de autoridades locais, como decorrência das decisões do Supremo Tribunal Federal, a Lei 1.079 quebrou a linha evolutiva das instituições pátrias’.

...

A Lei n.° 1.079, pelas informações do Ministro Paulo Brossard, foi produzida e editada na linha das decisões do Supremo Tribunal Federal, que entendia ser da competência da União a definição dos crimes de responsabilidade e fixação de seu processo.

Esse tema veio a ser discutido no ‘impeachmente’ do Presidente Collor.

Decidiu-se sobre a recepção, em grande parte, pela Constituição de 1.988, da Lei 1.079.

É o que lemos no Mandado de Segurança 21.623, relatado pelo Ministro Carlos Velloso: ‘O impeachmente e o ‘due process of law’: a aplicabilidade deste no processo de ‘impeachment’, observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei, e a natureza do processo, ou o cunho político do Juízo. CF, art. 85, parágrafo único.

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Lei 1.079, de 1.950, recepcionada, em grande parte, pela Constituição de 1.988 (MS n.° 21.564-DF)’.

Srs. Ministros, a Constituição de 1.988 dispõe no parágrafo único do art. 85:

‘Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.’

...

Sr. Presidente, curvando-me por completo a esta constatação histórica – tratamento de 1.988 em nada diverso ao tratamento de 1.946 – entendo que a definição dos crimes de responsabilidade, como também o estabelecimento de normas de processo e julgamento, é da competência da União Federal.

Assim, entendo recepcionada a Lei 1.079 no que diz respeito a essa questão."

27. Infelizmente, juridicamente, não há forma de se buscar preservar a expressão "e julgar" do inciso VI do artigo 53 da Constituição Estadual.

Acaso a competência constitucional legiferante para matérias de cunho processual não fosse conferida com exclusividade à União, seria possível a preservação da norma constitucional estadual em tela, sob o argumento que se tratava de "norma constitucional de eficácia limitada institutiva impositiva", ou seja, norma, tendente a regular funcionamento de órgão ou organização própria do Poder Pública, que, para produzir efeitos, necessita de regulamentação própria. Por essa solução – não viável face ao texto constitucional federal – o Poder Legislativo estadual não poderia exercer sua atividade de realizar ele próprio o julgamento.

O ordenamento constitucional determina que apenas a União pode regular o processamento de crimes de responsabilidade e, como conseqüência, na medida da recepção de grande parte da Lei Federal n.º 1.079, de 10 de abril de 1950, pela Constituição Federal de 1988, conforme entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1.628, somente aquela pode ser utilizada, com a ressalva da complementação subsidiária pelo Regimento Interno da Assembléia Legislativa, do Tribunal de Justiça e pelo Código de Processo Penal, na falta de norma específica do diploma legal federal anteriormente nominado.

28. Decretada a procedência da acusação deverá ser constituído, de imediato, o Tribunal de Julgamento, composto de cinco Desembargadores e cinco Deputados, presidido pelo Presidente do Tribunal de Justiça. Os cinco Deputados serão escolhidos através de eleição pela Assembléia Legislativa, devendo ser observada a norma do § 1° do artigo 58 da Constituição Federal de 1988, enquanto que os cinco Desembargadores serão escolhidos através de sorteio.

A condenação somente poderá ser proferida pelo voto de dois terços dos membros da Comissão de Julgamento, limitando-se a condenação à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. De se acrescentar que a condenação quanto à inabilitação para o exercício de função pública passou dos cinco anos inicialmente previstos na Lei Federal n.º 1.079/50 para oito anos por força da norma contida no parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal de 1988, questão confirmada, indiretamente, através da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1.628.

29. Mais uma vez, é a lição do Ministro Nelson Jobim:

"Da decisão da pronúncia, suspende-se o governador de suas funções e remete-se o processo para o presidente

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do Tribunal de Justiça. É feita a escolha do Tribunal Especial, por eleição na Assembléia e por sorteio no Tribunal de Justiça. Esse Tribunal Especial é presidido pelo presidente da Assembléia.

Feito isso, o presidente do Tribunal de Justiça abre vistas de 48 horas para o oferecimento do libelo acusatório, no caso específico os denunciantes promovem, então, a elaboração do libelo acusatório. Após isso, é aberto vista ao denunciado por oferecimento de contrariedade e oferecimento de rol de testemunhas, a contrariedade ao libelo. Observem que é o típico Tribunal do Júri.

O presidente do Tribunal de Justiça, presidindo o Tribunal Especial, designa a data do julgamento, é feita a notificação das partes e intimação das testemunhas. Há um interstício de 10 dias entre esses atos. Aí inicia-se a sessão do julgamento. Apregoam-se as partes, que poderão comparecer pelos seus procuradores.

Não é absolutamente necessário e exigível a presença do denunciado no Tribunal do Julgamento. Basta o comparecimento das partes, no dia e hora marcados para os julgamentos; reúne-se o Tribunal Especial, sob a presidência do presidente do Tribunal de Justiça e, verificada a presença do número legal, instala-se o primeiro momento.

Se estiverem ausentes o denunciado e seu procurador, decreta-se à revelia do denunciado. Isso feito, designa-se a nova data e nomeia-se defensor da ativa. Se estiverem presentes o procurador e o denunciado, evidentemente não há um caso de revelia.

A partir da solução desses problemas prévios, faz-se a verificação do quórum, ou seja, da presença mínima necessária para a decisão. É importante lembrar que o quórum para iniciar a votação tem de ser igual ao quórum mínimo de aprovação.

O quórum normal para iniciar-se a votação nos plenários das Assembléias Legislativas é da maioria absoluta dos presentes, que é chamada a maioria relativa. Assim é aberta a sessão. Para se iniciar uma votação de lei complementar, deve estar presente, no mínimo, a maioria absoluta, porque é esse quórum a condição mínima para aprovação de uma matéria desse tipo. Não se pode iniciar um processo de votação cuja deliberação dependa de maioria absoluta com a presença da maioria relativa.

Verificado o quórum, surge o problema dos impedimentos e das incompatibilidades. Quero deixar bem claro que o presidente, os deputados estão sujeitos a incompatibilidades no processo de julgamento. E a

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incompatibilidade estabelecida em lei está no art. 26, relativo aos governadores. Essas situações são as seguintes: parentesco consangüíneo ou afim e testemunha no processo. Não existe outro tipo de incompatibilidade. Não se aplica, subsidiariamente, o Código de Processo Penal.

As incompatibilidades são exatamente as do art. 36 da lei de 1950, ou seja: parentesco consangüíneo ou afim com o acusado em linha reta ou em linha colateral, os irmãos, cunhados, enquanto durarem o cunhadio, os primos e irmãos. Aqui, no caso, cunhado é parente.

Outra incompantibilidade diz respeito a testemunhas do processo: tiver deposto por ciência própria. Fora disso, não há possibilidade nenhuma de qualquer tipo de incompatibilidade a ser expressada com base no Código do Processo Penal, que não se aplica à espécie. A coisa é única e exclusivamente o que está na lei.

Finalizada essa fase de instalação, passa-se à leitura do processo, pelo presidente do Tribunal Especial, que é o presidente do Tribunal de Justiça. Passa-se à inquirição, à reinquirição, à contradita de testemunhas. A seguir, debates orais, discussão única; encerrada a discussão única, teremos o relatório do presidente e a votação nominal dos membros do Tribunal.

Somente haverá condenação pelo voto da maioria de dois terços do próprio Tribunal. Votada a matéria, lavra-se a sentença, dá-se cientificação do denunciado e encerra-se o processo. É esse o rito existente."

30. Síntese da 4ª fase (julgamento):

a) aprovada a procedência da denúncia e suspenso o Chefe do Poder Executivo do exercício do cargo, será o feito remetido ao Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, o qual determinará a escolha de um Tribunal de Julgamento, composto de 5 Desembargadores escolhidos por sorteio no Tribunal de Justiça e 5 Deputados eleitos;

b) o Presidente do Tribunal de Justiça abre vistas de 48 horas para os denunciantes oferecerem libelo acusatório, e, sucessivamente, 48 horas para o denunciado oferecer a contrariedade ao libelo e eventual rol de testemunhas;

c) o Presidente do Tribunal de Justiça designará data para a realização do julgamento, com a notificação das partes e intimação das testemunhas;

d) na data aprazada o Tribunal Especial se reunirá, sendo abertos os trabalhos com a presente de 2/3 de seus integrantes, com a direção do Presidente do Tribunal de justiça;

e) se ausente o denunciado e seu procurador, será aquele reputado como revel, sendo designada nova data de julgamento e nomeado defensor dativo;

f) é realizada a leitura do processo pelo Presidente do Tribunal de Justiça, passando-se "à inquirição, à reinquirição e à contradita de testemunhas", sendo seguido dos debates orais, em discussão única;

g) o Presidente do Tribunal de Justiça proferirá relatório, submetendo-o à votação nominal, sendo necessário o voto de 2/3 dos integrantes para a sua aprovação;

h) após a votação, será lavrada a sentença e cientificado o denunciado;

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i) encerramento do processo.

VII – CONCLUSÕES

31. São estes, em síntese, os procedimentos que devem ser adotados, no âmbito de Assembléias Legislativas, para o processamento de denúncias de crime de responsabilidade apresentadas contra o Chefe do Poder Executivo Estadual.

32. No tocante ao caso concreto, cumpre ser aduzido que quanto aos requisitos formais, legalmente exigidos pelos artigos 75 e 76 da Lei Federal n.º 1.079/50, é possível concluir que estes são atendidos tão-somente pela subscritora Luciana Krebs Genro, tendo em vista ser evidente sua condição de cidadã no pleno gozo de seus direitos políticos, na medida em que Deputada Federal no exercício de seu mandato parlamentarO PSOL e o PV, por serem partidos políticos e não cidadãos, não possuem legitimidade própria para a propositura de pedidos de impeachment.Pedro Ruas não comprovou sua condição de cidadão através de documento hábil, razão pela qual não pode ser considerado como denunciante, figurando na condição de procurador da denunciante Luciana Krebs Genro.Vê-se, assim, que presentes os requisitos formais no tocante a um dos denunciantes.33. Não se pode deixar de apontar que o exame do recebimento inicial do pedido ora em tela, pela Assembléia Legislativa, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, constante do Mandado de Segurança n.º 20.941, além da análise dos requisitos formais, envolve, igualmente, questões de natureza eminentemente jurídico-política, entre elas a inépcia e a ausência de justa causa. Compete ao Presidente da Assembléia, tal como decidido no aresto mencionado, realizar esse exame, evitando-se assim, em tais situações, a necessidade de ser convocada uma comissão especial que apenas reiterará a impossibilidade de ser admitida a denúncia.34. Assim, consideradas as restrições já apontadas na presente manifestação, as quais reconhecem tão-somente o preenchimento dos requisitos formais de admissão pela denunciante Luciana Krebs Genro, cabe, ainda, ser realizado o exame prévio de admissibilidade da denúncia, tal como preceituado pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n.º 20.941.

Porto Alegre, em 20 de junho de 2008.

Fernando Guimarães Ferreira,

Procurador-Geral.