NR 4_O SUL_Maio_10

16
Decidiu a União Europeia dedicar o ano de 2010 ao combate à pobreza e à exclusão social. Com isto, reconhece o fracasso implícito de todas as suas políticas económicas e sociais que remetem para a tão “cantada” Estratégia de Lisboa, a mesma que correndo o ano de 2000 se propunha erradi- car a pobreza da Europa até 2010. Sim, erradicar a pobreza! E propunha-se a algo mais vistoso e grandiloquente: que teríamos «a economia do conhecimento mais compe- titiva e avançada do mundo, a caminho do pleno emprego e da inclusão social». Miríficas palavras? Ou um discurso que ocultava decisões sinuosas e oblíquas? O que nos resta hoje? E onde está a dita coesão económica e social de que os seus mais famosos arautos põem já em dúvida, titubeantes em en- contrar justificações que, como véus, escondam as verdadeiras causas da profunda crise em que vive mergulhada a UE, nestes dias do nosso profundo descontentamento? Em 2000, a taxa da pobreza europeia era de 15%; em 2010, subiu para 17% ameaçando cerca de 85 milhões de pessoas com todo o sofrimento e de- sespero a que conduz. Há 19 milhões de crianças na situação de pobreza na rica UE! Com os seus 23 milhões de desempregados, com destaque para os jovens, cuja taxa de desempre- go ultrapassa já os 21%, com o crescente número de trabalhadores precários que afecta, sobretudo, os jovens e as mulheres, as contínuas ameaças de despedimentos, os salários cada vez mais baixos, a pobreza terá tendência a subir e a inclusão social será cada vez mais uma miragem na UE. Não foram os trabalhadores e as populações que beneficiaram com a dita Estratégia de Lisboa que vai ser retomada na estratégia «Europa 2020». A pobreza e a exclusão social são atentados aos direitos humanos fundamentais e não se comba- tem com acções generosas ou com sobras ou actos como os que se prevêem para este Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social. As causas da pobreza são estruturais e há que identificar as responsabilidades da situação a que se chegou. Os lucros fabulosos dos grupos económicos e financeiros foram obtidos à custa da desvalorização do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, da degradação dos salários e das prestações sociais, do desinvestimento em políticas públicas, das políticas fiscais gravosas para quem vive ou viveu do seu trabalho, da liberalização de sectores económicos, incluindo serviços, enfim do resultado do reforço do neoliberalismo em todas as políticas da UE. A pobreza em Portugal tem vindo a crescer e, hoje, 18 em cada 100 pessoas vivem na pobreza. Estes números incluem desempregados, reformados, pensionistas, mas também trabalhadores que se tornam pobres a trabalhar (cerca de 38%) devido aos baixos salários, à pre- cariedade e ao custo de vida cada vez mais elevado. O número europeu que serve de referência para definir a pobreza equivale a um vencimen- to mínimo mensal de 406 euros. Quem tiver um rendimento inferior é pobre. Contudo,há grupos que são muito mais vulneráveis ao risco de po- breza e, nesses, contam-se as crianças, os jovens, os reformados e também as mulheres. Nestas, as desigualdades salariais repercutem-se nas reformas e pensões onde continuam a existir discriminações entre homens e mulheres. Um espesso manto de silêncio cobre a situação dos deficientes em Portugal que serão muitos daqueles que vivem situações de pobreza extrema devido aos montantes muito baixos das suas pensões e às suas necessidades acrescidas e à falta de apoios sociais condignos. Com as medidas anunciadas no PEC, a pobreza e a exclu- são social irão agravar-se muito rapidamente. E vem o governo falar-nos do Ano de Combate à Pobreza e Exclusão Social! Basta de hipocrisia! A pobreza não é uma fatalidade à qual tenhamos de nos resignar e o aumento do desemprego, os salários baixos e as condições de precariedade são as principais causas de pobreza e que a per- petuam e agravam. A pobreza leva à fome, a fome leva à doença e pode levar à morte, a pobreza leva ao insucesso escolar e … Estes círculos de causas e consequências têm de ser quebrados e só uma vontade política determinada e corajosa poderá fazê-lo. A pobreza e a exclusão social serão combatidas com políticas económicas e sociais que apostem no desenvolvimento e valorização da produção nacional e do mercado interno, no emprego com direitos e respeitadoras dos direitos dos traba- lhadores, com aumentos salariais e das reformas e pensões, na promoção de serviços públicos de qualidade, devendo estes estarem excluídos de quaisquer acordos comerciais, nomeadamente, a saúde, a educação, a cultura e o ambiente. “Na hora que o bicho pega/ Na hora que o bicho corre/ Gente rica fica junto com quem/ Já morreu de fome.” Não podemos deixar à solta o bicho rico que precisa da miséria da grande maioria para mais enriquecer. Anita Vilar [email protected] ASTROLÁBIO Ano: 2010 . nr 04 . Mês: Maio . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço0,01 € 05 . 10 NR 04 e a Exclusão Social A Pobreza “Quem poderá ser tão bárbaro, a ponto de não perceber que o pé de um Homem é muito mais nobre que o seu calçado...e que a sua pele é mais nobre que a roupa que veste?” MIGUEL ÂNGELO Entrevista a Fernando Dacosta PÁG. 14 Entrevista a Ana Drago PÁG. 08

description

PÁG. 08 “Quem poderá ser tão bárbaro, a ponto de não perceber que o pé de um Homem é muito mais nobre que o seu calçado...e que a sua pele é mais nobre que a roupa que veste?” PÁG. 14 Não podemos deixar à solta o bicho rico que precisa da miséria da grande maioria para mais enriquecer. “Na hora que o bicho pega/ Na hora que o bicho corre/ Gente rica fica junto com quem/ Já morreu de fome.” Anita Vilar [email protected] MIGUEL ÂNGELO

Transcript of NR 4_O SUL_Maio_10

Page 1: NR 4_O SUL_Maio_10

Decidiu a União Europeia dedicar o ano de 2010 ao combate à pobreza e à exclusão social.Com isto, reconhece o fracasso implícito de todas as suas políticas económicas e sociais que remetem para a tão “cantada” Estratégia de Lisboa, a mesma que correndo o ano de 2000 se propunha erradi-car a pobreza da Europa até 2010. Sim, erradicar a pobreza! E propunha-se a algo mais vistoso e grandiloquente: que teríamos «a economia do conhecimento mais compe-titiva e avançada do mundo, a caminho do pleno emprego e da inclusão social». Miríficas palavras? Ou um discurso que ocultava decisões sinuosas e oblíquas? O que nos resta hoje? E onde está a dita coesão económica e social de que os seus mais famosos arautos põem já em dúvida, titubeantes em en-contrar justificações que, como véus, escondam as verdadeiras causas da profunda crise em que vive mergulhada a UE, nestes dias do nosso profundo descontentamento?Em 2000, a taxa da pobreza europeia era de 15%; em 2010, subiu para 17% ameaçando cerca de 85 milhões de pessoas com todo o sofrimento e de-sespero a que conduz. Há 19 milhões de crianças na situação de pobreza na rica UE! Com os seus 23 milhões de desempregados, com destaque para os jovens, cuja taxa de desempre-go ultrapassa já os 21%, com o crescente número de trabalhadores precários que afecta, sobretudo, os jovens e as mulheres, as contínuas ameaças de despedimentos, os salários cada vez mais baixos, a pobreza terá tendência a subir e a inclusão social será cada vez mais uma miragem na UE.Não foram os trabalhadores e as populações que beneficiaram com a dita Estratégia de Lisboa que vai ser retomada na estratégia «Europa 2020».A pobreza e a exclusão social são atentados aos direitos humanos fundamentais e não se comba-tem com acções generosas ou com sobras ou actos como os que se prevêem para este Ano Europeu de Combate à Pobreza e Exclusão Social.As causas da pobreza são estruturais e há que identificar as responsabilidades da situação a

que se chegou. Os lucros fabulosos dos grupos económicos e financeiros foram obtidos à custa da desvalorização do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, da degradação dos salários e das prestações sociais, do desinvestimento em políticas públicas, das políticas fiscais gravosas para quem vive ou viveu do seu trabalho, da liberalização de sectores económicos, incluindo serviços, enfim do resultado do reforço do neoliberalismo em todas as políticas da UE.A pobreza em Portugal tem vindo a crescer e, hoje, 18 em cada 100 pessoas vivem na pobreza. Estes números incluem desempregados, reformados,

pensionistas, mas também trabalhadores que se tornam pobres a trabalhar (cerca de 38%) devido aos baixos salários, à pre-cariedade e ao custo de vida cada vez mais elevado.O número europeu que serve de referência

para definir a pobreza equivale a um vencimen-to mínimo mensal de 406 euros. Quem tiver um rendimento inferior é pobre. Contudo,há grupos que são muito mais vulneráveis ao risco de po-breza e, nesses, contam-se as crianças, os jovens, os reformados e também as mulheres. Nestas, as desigualdades salariais repercutem-se nas reformas e pensões onde continuam a existir discriminações entre homens e mulheres.Um espesso manto de silêncio cobre a situação dos deficientes em Portugal que serão muitos daqueles que vivem situações de pobreza extrema devido aos montantes muito baixos das suas pensões e às suas necessidades acrescidas e à falta de apoios

sociais condignos.Com as medidas anunciadas no PEC, a pobreza e a exclu-são social irão agravar-se muito rapidamente. E vem o governo falar-nos do Ano de Combate à

Pobreza e Exclusão Social! Basta de hipocrisia!A pobreza não é uma fatalidade à qual tenhamos de nos resignar e o aumento do desemprego, os salários baixos e as condições de precariedade são as principais causas de pobreza e que a per-petuam e agravam. A pobreza leva à fome, a fome leva à doença e pode levar à morte, a pobreza leva ao insucesso escolar e … Estes círculos de causas e consequências têm de ser quebrados e só uma vontade política determinada e corajosa poderá fazê-lo.A pobreza e a exclusão social serão combatidas com políticas económicas e sociais que apostem

no desenvolvimento e valorização da produção nacional e do mercado interno, no emprego com direitos e respeitadoras dos direitos dos traba-lhadores, com aumentos salariais e das reformas e pensões, na promoção de serviços públicos de qualidade, devendo estes estarem excluídos de quaisquer acordos comerciais, nomeadamente, a saúde, a educação, a cultura e o ambiente.

“Na hora que o bicho pega/ Na hora que o bicho corre/ Gente rica fica junto com quem/ Já morreu de fome.” Não podemos deixar à solta o bicho rico que precisa da miséria da grande maioria para mais enriquecer.

Anita [email protected]

ASTROLÁBIO

Ano: 2010 . nr 04 . Mês: Maio . Mensal . Director: António Serzedelo . Preço0,01 €

05.10 NR

04

e a Exclusão SocialA Pobreza

“Quem poderá ser tão bárbaro, a ponto de não perceber que o pé de um Homem é muito mais nobre que o seu calçado...e que a sua pele é mais nobre que a roupa que veste?” MIGUEL ÂNGELO

Entrevista a Fernando DacostaPÁ

G. 1

4

Entrevista a Ana Drago

PÁG

. 08

Page 2: NR 4_O SUL_Maio_10

A minha greve pessoal

Pessoas amigas avisam-me que está planeada para daí a um dia uma greve geral das empresas de transportes públicos. Autocarros e com-boios. Setúbal, aparentemente, inclui-se. A advertência é por isso amável, principalmente

porque sabem que sou um uti-lizador habitual dos mesmos, sempre que preciso de me des-locar à capital. O que, apesar de tudo, tende a ser habitual. Para minha infelicidade. Não que eu não aprecie Lisboa. Ou, pelo menos, as livrarias de Lis-

boa. Não. O que eu não apre-cio é a viagem necessária para chegar a Lisboa.

Mas eu disse infelici-dade? Disse mal. O termo mais correcto para exprimir aquilo a que me sujeito, por vicissitudes necessárias da

vida, é tragédia. Dramatizo? Talvez. Mas isso agora não é importante.

O importante é que, regra geral , procuro locomo-ver-me o menos possível e nas melhores condições pos-síveis. Sendo que não pos-suo transporte próprio e pes-soal – como, por exemplo, um jacto – , a coisa tor-na-se, obvia-mente, com-plicada. Viajei uma vez, por comboio, de Lisboa a Cas-telo Branco (ao Fundão, na verdade) em primeira classe. A viagem foi um mimo. O silêncio. O espaço. A paisa-gem. O silêncio. Foram três horas que ainda hoje gos-taria de estar a viver. Óbvio que, recriar tal façanha numa viagem para Lisboa é tarefa inglória. Não há silêncio. Não há espaço. Não há paisagem. É uma hora que eu agrada-velmente dispensaria.

Aparentemente, no entanto, sou ave rara na matéria. Quem me previne para a greve, que, calculo, vive entusias-ticamente as viagens diárias, fá-lo com um leve misto de tristeza e exasperação. Pes-soalmente não compreendo. Intimamente n ã o d e s e j o compreender. Perante a notí-cia, eu pró-prio não pen-sei duas vezes. Agradeci aos céus, desmarquei compro-missos e esperei paciente-mente o dia louvado. A des-culpa era perfeita.

Santo dia. Feliz dia. Pelo menos para mim.

Na verdade, não duvido em nada da legitimidade dos tra-balhadores das empresas de transportes públicos à reali-zação da greve. É um direito que lhes assiste, como meio reivindicativo. Aliás, tendo em conta que, provavelmente, os ditos trabalhadores detestam tanto as viagens que obriga-toriamente fazem como eu detesto as viagens que neces-

sariamente faço, é mesmo um dever que se lhes exige. Eu pelo menos exijo.

Posto isto, eu próprio, no dia estipulado, e em solida-riedade honesta com os gre-vista, organizei uma greve só

minha. Acordei tarde, sem grande convicção. Vol-tei a adormecer. Voltei a acordar, com menor con-vicção ainda. Em todo o caso, ergui o punho, só para mais facilmente r e b o l a r c a m a fora. Almocei .

Demoradamente. Ordens do médico. A televisão diz-me que o país enfrenta uma quase paralisação. (Exagero, exagero.) Ainda bem. Com a degustação feita, pego em mim e parto, sem preocu-pações de maior, para o café habitual, munido do jornal do dia e de dois ou três livros escolhidos aleatoriamente da biblioteca pessoal.

A noite cai e eu dou o dia como um retumbante sucesso. Efectivamente, e ao que parece, a greve teve uma grande aderência.

Admitamos. A coisa causa transtornos? É óbvio que sim. Eu próprio, concedo, já os sofri, uma ou outra vez,

quando os com-promissos foram inadiáveis (pou-cos, poucos). A produtividade do país ressente-se? É óbvio que não. Na verdade, nada há de mais pro-dutivo que um dia

de quietude, onde se coloca em dia aquilo para o qual já ninguém via dias. É claro que, um único dia de greve rara-mente faz emergir o resultado pretendido.

Mediante tal situação, há apenas uma solução. É repetir o protesto, como meio de pres-são, uma e outra vez, até que alguém ceda. Deus sabe que eu assim fiz. Por solidariedade. Por solidariedade. Para com os grevistas, claro. E para com comigo próprio também.

Tiago Apolinário Baltazar

Estudante Universitário

“ não duvido em nada da legiti-midade dos traba-lhadores das empre-sas de transportes públicos à realiza-ção da greve.

“ A televisão diz-me que o país enfrenta uma quase paralisação. (Exagero, exagero.) Ainda bem.

RU

I BA

RB

OS

A

02 ACTIVISMOSNR

04

MA

I 2

010

Page 3: NR 4_O SUL_Maio_10

«Uma cidade com casa e trabalho para todos»

De Sevilha até El Coronil é menos de uma hora de via-gem. São cerca de 50 km que se percorrem entre campos e extensos olivais. El Coronil é uma vila de casas brancas com cerca de 5 mil habitantes que se ocupam maioritaria-mente na agricultura. Aqui se ergue o Centro Operário Dia-mantino Garcia construído com o trabalho voluntário de militantes do SOC (Sindicato de Obreros del Campo).

O SOC foi o primeiro sindi-cato a legalizar-se na Anda-luzia aglutinando comissões de jor naleros que vinham funcionando desde o tempo da ditadura. O padre Dia-mantino Garcia, conhecido por o «padre dos pobres», foi um dos seus principais dirigentes. No edifício a sua figura tutelar ombreia com a de Che Guevara.

Aqui chegamos à fala com Diego Cañamero actual diri-gente do SOC. Ninguém diria que ele foi durante mais de trinta anos protagonista de batalhas tão duras como as que têm desenvolvido os operários do campo filiados no SOC. Ocupações de quintas, greves de fome, corte de estradas.

«Temos um movimento sindical mas muito ligado ao social e ao político. O SOC não é um sindicato tradicional. O nosso sindicato intervém na vida social de um povo. Pode ser um problema ecológico, social, de trabalho, desportivo, cultural, reivindicativo e até municipal. O nosso sindicato tem uma influência no polí-tico e no municipal» explica Diego Cañamero.

A influência do SOC em autarquias como as de Mari-naleda e El Coronil tem cha-mado a atenção de jornalis-tas mesmo fora de Espanha. O New York Times publi-cou uma reportagem sobre Marinaleda intitulada: «Uma cidade em Espanha com casa e trabalho para todos». As cooperativas agrícolas cria-das nas terras ocupadas dão emprego a todos. Os municí-pios cedem terrenos, facul-tam os materiais e o apoio técnico aos ha bitantes pro-movendo a autoconstrução de habitações pelos próprios ou usando trabalhadores municipais na sua cons-trução e vendendo depois a preços muito baratos. «Uma tarefa fundamental, uma rei-

vindicação fundamental é o acesso à habitação» diz Diego Canãmero.

A intervenção autárquica só foi possível através da criação de um partido polí-tico, a CUT (Central Unitária de Trabalhadores) capaz de concorrer a eleições. «Temos um partido a CUT. Somos os únicos. Aqui é o sindicato que cria o partido, é ao contrá-rio. Temos um parlamentar no Parlamento da Andaluzia e vários pre-s i d e n t e s d e câmara (alcai-des)». A CUT organiza-se tal como o SOC em uniões locais. As decisões são tomadas em assembleias. «Os dirigentes aqui não têm privilégios ser-vem o povo».

Com mais de 20000 ade-rentes no meio rural o SOC lançou-se há cerca de três anos num projecto ambicioso fun-dando o SAT (Sindicato Anda-luz dos Trabalhadores). Uma tentativa de criar uma central sindical nacionalista andaluza capaz de abranger todos os

sectores de actividades. O SOC tem na sua matriz

originária uma forte tradição libertária que se nota não ape-nas na forma de tomada de decisões mas também nos métodos de acção directa que emprega. «São acções de alto risco. Ocupámos o TGV, o aeroporto, a televisão

Canal Sur. Que-remos romper o poder mediático. A informação está controlada».

No Verão de 2009 sindicalistas do SOC percorre-ram toda a Anda-luzia chamando a atenção para o

desemprego e a necessidade de repartir a riqueza e o trabalho como resposta à crise. Conse-guiram fazer desviar a Volta à Espanha em Bicicleta, ocu-param a principal estação de televisão da Andaluzia e cor-taram o Comboio de Alta Velo-cidade na estação de Sevilha. Esta jornada de luta culmi-nou com uma Marcha sobre Sevilha em 4 de Outubro de 2009 onde desfilaram cerca de 15000 pessoas reivindicando dignidade e emprego.

«O nosso objectivo é con-seguir coisas no concreto e mostrar um horizonte. O problema de fundo não é conseguir mais um sub-sídio» explica Diego Caña-mero a propósito da Mar-cha pela Dignidade e pelo Emprego «Nesta conjun-tura não é possível mudar o sistema. Não há alterna-tiva agora. Mas estamos a reivindicar condições con-cretas que introduzam con-tradições no sistema. Mais apoio às cooperativas, ajuda aos pequenos agricultores, repartição das terras, cursos de formação, subsídio agrá-rio mais favorável».

Acabamos a conversa com Diego Cañamero e recorda-mos uma frase de Diamantino Garcia que deu nome ao Cen-tro Obrero de El Coronil onde colhemos a entrevista «Não há causas perdidas, há causas difíceis mas como são tão jus-tas um dia as ganharemos».

Mais informação:http://www.sindicatoandaluz.orghttp://www.soc-andalucia.com

André de Agualva [email protected]

“ O SOC não é um sindicato tradicional. O nosso sindicato intervém na vida social de um povo.

AN

DR

É D

E A

GU

ALV

A

03ACTIVISMOS NR

04

MA

I 2

010

Page 4: NR 4_O SUL_Maio_10

Um olhar solidário perante a crise económica

Perante esta crise finan-ceira à escala mundial em que nos encontramos, onde todos os dias fecham milhares de empresas lançando milha-res de trabalhadores para o desemprego predomina a des-valorização de valores.

Atirando milhares de pes-soas para a miséria, sem um ordenado, para susten-tar a casa e os filhos, de que vive esta gente? Sem espe-rança num amanhã, as famí-lias vêem-se fragilizadas, sem meios de subsistência. Arrancadas ao mundo, lutam para conseguir de volta um emprego que lhes dê o ali-mento para cada dia. Bem sei que a crise fragiliza emocio-nalmente as pessoas, depri-mindo-as, entristecendo-as, m a s n ã o n o s podemos deixar vencer pela crise nem pela tris-teza, temos que ter forças, energia positiva para nos erguermos e con-tinuarmos cami-nhando todos os dias. Temos que lutar, ter fé, às vezes uma simples crença em Deus ou em algo de trans-cendente e sobrenatural aju-da-nos a ter esperança para enfrentarmos o dia-a-dia, que às vezes mais parece um inferno para quem o vive dia-riamente sem ter para viver.

Debruçando-me entre o teclado do computador e a vista da minha janela perante a imensidão da serra, penso e pergunto-me quantos jovens que como eu terminaram os seus cursos, vêem-se neste momento com as suas vidas adiadas, sem um emprego, ou com empregos precários, vivendo ainda dependentes dos seus progenitores, ou vendo-se obrigados a trabalharem em coisas diferentes daquelas para a qual estudaram, mas, con-tudo, sonhando num amanhã diferente para os seus filhos, ou ainda questionando-se se valerá a pena tê-los.

Com este quadro de desem-prego, vidas adiadas, trabalhos precários. As perdas são mui-tas e os ganhos muito insufi-

cientes e fre-quentemente deparamo-nos com o medo e a incer teza de um futuro para os nossos filhos. Acredi-tamos muitas vezes que o futuro é uma extensão do

presente. E muitas vezes temos dificuldades em imaginá-lo bom. Mas não nos podemos prender a este medo, temos que vencer o medo acredi-tando que o amanhã nascerá melhor, mais sólido e mais humano, que o presente.

Perante esta crise económi-co-financeira estamos ainda perante uma grave crise de valores, onde os valores huma-nos de solidariedade e parti-lha de uma comunidade deram lugar a um único ideal: o capi-talismo das sociedades moder-nas e do lucro fácil. Aponta-se como uma das possíveis solu-ções para esta crise econó-mico-financeira e de valores, viver em pequenas comuni-dades Intentional Community, o que já está a acontecer nos Estados Unidos da América, onde as pessoas desempre-gadas e sem meios monetá-rios para sobreviver, já come-çaram a aderir a estes siste-mas de vida em comunidade. São as chamadas Eco-villages. Não são formadas por um con-junto de hippies, mas por pes-soas que partilham o mesmo modo de estar, empenhadas em sobreviver sem dinheiro, num sistema auto-sustentável de sobrevivência. Comunida-des independentes de sistemas políticos ou religiosos, em que cada pessoa é livre de ter a sua próprias crenças ou ideolo-gias. São Comunidades onde as pessoas partilham e convivem em solidariedade com o seu semelhante. São comunidades onde existem casas para todos, trabalho, comida, educação e onde se pratica o sistema de troca em que cada um dá como moeda o que produz, onde o mútuo entendimento é uma

solução cada vez mais viável para os tempos de “crise” que correm. Estas crises que esta-mos vivendo não terão sur-gido por falta de humanidade e espírito de partilha entre as comunidades? Esta crise é uma crise também ela de valores huma-nos e sociais onde as pessoas aliena-das no consumo desmedido do ter cada vez mais, esquecem-se do ser e dos valo-res da comu-nhão, da solida-riedade e da par-tilha. E é pela par-tilha e pela solida-riedade que nas-cem comunidades mais fortes e mais saudáveis, como refere Rappaport: “na pers-pectiva da psicologia comu-nitária, existe uma relação entre a qualidade de vida dos indivíduos e da comunidade, pelo que as comunidades fortes beneficiam os indiví-duos. Pertencer a um grupo, organização ou comunidade, em que a pessoa possa dar e receber apoio é uma forma de aumentar o controlo pessoal, ou seja, aumentar a influên-cia nas várias esferas da sua vida.” É em contextos deste género, formais e informais, que as pessoas podem encon-trar recursos materiais, desen-

volver afinidades e sentimen-tos de identidade, de pertença a grupos, de integração e de comunidade, através das rela-ções com os outros.

Já não se fala de outra coisa na comunicação social

do que a pala-v r a “ c r i s e ” , este bombar-d e a r c o n s -tante faz com que as pes-s o a s v i v a m a i n d a m a i s a t o r m e n t a -das.

A crise do sistema polí-tico e econó-mico vigente dá que pen-sar. É urgente um reajusta-mento deste,

que não pode estar apenas centrado nos valores económi-cos. É imprescindível dar tam-bém alguma ênfase aos valo-res humanos, para que possa-mos ter melhor qualidade vida. A Humanidade necessita de valores, de afectos e de solida-riedade para que possa crescer sã. Pode ser esta a fórmula que faltava para que as pessoas se tornem mais solidárias, mais participativas, mais integra-doras e mais humanistas na comunidade onde vivem.

Rodrigo Alves Psicólogo

“ Atirando milhares de pessoas para a miséria, sem um ordenado, para sustentar a casa e os filhos, de que vive esta gente?

“ São as cha-madas Eco-villages. Não são formadas por um conjunto de hippies, mas por pes-soas que partilham o mesmo modo de estar, empenhadas em sobreviver sem dinheiro, num siste-ma auto-sustentável de sobrevivência.

RU

I BA

RB

OS

A

04 ACTIVISMOSNR

04

MA

I 2

010

Page 5: NR 4_O SUL_Maio_10

Vivemos num tempo sujeito ao primado do produtivismo, herança da Revolução Indus-trial que moldou o nosso mundo.

É certo que a sociedade em que vivemos é hoje domi-nada pelos serviços, porque a indústria, essa, migrou para paragens mais a Sul.

Mas o produtivismo não nos abandonou. Pelo contrá-rio, até se refinou, com intru-siva tecnocracia dos recur-sos humanos a desagregar as solidariedades no mundo do trabalho; tecnocracia que já não se limita à esfera do tra-balho, mas que invade tam-

bém o espaço do lazer.O lazer, que julgáramos

que iria fazer-nos caminhar rumo a uma maior liberdade, em resultado de uma acumula-ção de riqueza material nunca vista, está hoje em franco recuo. Por inteiro sub-metido à mira-gem do cres-cimento, pala-vra mágica que ecoa nas nossas mentes, qual promessa de um admirável mundo novo que nos nega o presente.

Dizia Raoul Vaneigem, pensador situacionista, que o trabalho foi o que homem achou de melhor para nada fazer da sua vida. Julgo que esta frase conserva intacta a

sua força, neste mundo em que o trabalho tornado cativo de estreitas metas quantita-tivas ou financeiras deixou

de fazer sentido para um número cada vez maior de homens e mulhe-res. E perante um trabalho assim desumanizado, buscamos cada vez mais a rea-lização na mira-gem do consumo

(o autor deste modesto artigo inclusive).

Temos, pois, este nosso produtivismo. Que aparente-mente domesticou o homem. E que vive na ilusão de ter dominado a natureza.

Luís Marvão,Sociólogo

"Não fazer nada é uma actividade interior; não é preguiça, é reflexão."

Albert Cossery

O Primado do Produtivismo

“ O lazer, que julgáramos que iria fazer-nos caminhar rumo a uma maior liber-dade, está hoje em franco recuo.

Área de Saúde:CLÍNICA DE MEDICINA FÍSICA E REABILITAÇÃO

Área Social:CENTRO DE APOIO A IDOSOS DEPENDENTESLAR ACÁCIO BARRADASLAR DR. PAULA BORBAAPOIO DOMICILIÁRIO

Área de Património Histórico:FUNDO DOCUMENTAL(Mais de 1700 documentos do Séc. XVI a XX depositados no Arquivo Distrital de Setúbal para Consulta)

Sede: Rua Acácio Barradas n.º2, 2900-197 Setúbal . Tel. 265 520 964

Santa Casa da Misericórdiade Setúbal

RU

I BA

RB

OS

A

NA VIGIA 05 NR

04

MA

I 2

010

PUBLICIDADE

Page 6: NR 4_O SUL_Maio_10

Um diaGanho 2.80 euros à hora.

Vinte horas semanais. Em part-time recebo 260 /280 euros. Acho eu, ainda não percebi bem, e acho que eles também não, mas por via das dúvidas devem optar pelo valor mais baixo. Nunca acer-tam bem nas contas. Se fizer um Full-time ganho aproxi-madamente 550 euros (Eles dizem que ganharia quase 600, mas nunca se pode acreditar muito no que dizem). O meu horário nunca é fixo, e isso não quer dizer que traba-lho por turnos… uns dias trabalho quatro horas, outras cinco, umas vezes tenho duas folgas segui-das, outras apenas uma, umas vezes tra-balho cinco dias segui-dos, tenho um dia de folga, trabalho mais cinco…. Resu-mindo: Eu nunca sei qual vai ser o meu horário. Umas vezes pedem-me para ficar mais 15 minutos depois da minha hora de saída… “tamos com falta de pessoal, e há muito trabalho para fazer”. Se fosse uma vez ou outra… ainda por cima têm a lata de se “esquecer” des-ses favores que lhes fazemos quando entram em ataques de histeria com exacerbações

narcísico-megalómanas. Há ali sempre muita coisa

para fazer, e poucas pessoas para o fazer. Resultado. Cada um tem de tra-b a l h a r

c o m o s e v a l e s s e por dois. TODOS OS DIAS. E ficar mais 15 minu-tos depois da hora porque é sempre precisa ajuda… Mais, dizem que não podemos fazer pausas, qualquer pessoa sabe que temos direito a 10minutos

de pausa a cada duas horas de trabalho, mas eles dizem que não. Infelizmente os meus colegas seguem essa regra, e

atiram-se aos arames

q u a n d o resolvo fazer um

intervalo de 20 minutos após 4 horas de trabalho. Estão a meter-nos o dedo mindinho no cú, coçando o esfíncter com a unha. E nós a vermos. Uma colega minha tem de por

vaselina, não percebi muito bem porquê, acho que não é uma piada. É coisa séria, tipo doença ou alergia. Eu também vou começar a levar vaselina. Para mim e para os outros. Nutro alguma compaixão por algumas das pessoas que lá andam, não sou tão frio como

posso parecer.O vestiário. Esse é ridi-

culamente diminuto, tenho aproximada-mente um metro quadrado para tro-car de roupa, não tenho onde me sen-tar, e quando estão lá mais do que 2 pessoas, a circula-ção torna-se com-plicada, damos por

nós a interromper alguém a mudar de

cuecas. A sala de refei-ções é também diminuta,

cabem lá só quatro pessoas a comer, parece um refúgio

nuclear, com a excepção da única janela de 30 x 30cm que lá está. Mas pronto, meteram lá uma televisão, isso é impor-tante. Não me interpretem mal. Não é que eu não goste do trabalho que faço, melhor, não gosto nem desgosto, e se tivesse um ordenado digno para um ser humano (que não precisa só de comer, dormir e

trabalhar) nem me queixava de muita coisa. Devemos estar gratos de ter um emprego nos dias de hoje, mas 2,80 euros à hora… oprime qualquer um.

Vaselina.

Às vezes passo por lá, e fan-tasio com um desastre natu-ral. Deprime-me e revolta-me ver uma cidade a crescer desta forma descontrolada onde cada vez há mais betão do que natureza, transformando-se em blocos cinzentos mal dis-tribuídos e mal organizados. Revolta-me ainda mais ter de recorrer a esses lugares seja para o que for.

Vaselina.

Um dia. Um dia, vou entrar num hipermercado do Bel-miro. Começo por aquele onde trabalho. Vou às com-pras com um T-34 Soviético, esmago aquela merda toda muito devagar e contem-plativamente. Fumando um bom cigarro, praticando tiro ao alvo aqui e ali. Sempre com a recomendada “Boa dispo-sição”. Não alcanço a perfei-ção, mas foda-se… Puta de alegria.

António Godinho,Repositor de Frescos

06 NA VIGIANR

04

MA

I 2

010

PUBLICIDADE

ACADEMIA PROBLEMÁTICA E OBSCURA a questionar desde 1721

RUA DEPUTADO HENRIQUE CARDOSO NR 34 , SETÚBAL . http://primafolia.blogspot.com . [email protected] . TEL: 96 388 31 43

20 de MAI.QUI. às 21:30

CiClo de Cinema integrado no Programa do diálogo interCultural. ProjeCção do filme Próxima Estação realizado Por estella ilárraz, 69’, esPanha. ENTRADA LIVRE!

11 de JUNHOseX. às 21:30 Palestra sobre GUIlHerMe AbreU e A sUA desCOberTA dA CUlTUrA INdIANA, Por anil samarth. ENTRADA LIVRE!

21 de MAIOseX. às 21:30 ConVersa Com josÉ falCão sobre o tema o racismo E os DirEitos Políticos . ENTRADA LIVRE!

28 de MAIOseX. às 20:00 As revOlTAs de MAIO, jantar Cultural Com fernando rosas. JANTAR 10 foLIAs (8 foLIo DIVINUs)

4 de JUNHOseX. às 20:00

jantar Cultural sobre o tema VEDas como fontE DE insPiração Da cultura inDiana, Por anil samarth. JANTAR 10 foLIAs (8 foLIo DIVINUs)

inauguração da eXPosição de Pintura EstErEótiPos de bruno de sousa e angela serra. ENTRADA LIVRE!

27 de MAIOQUI. às 21:30

CiClo de Cinema integrado no Programa do diálogo interCultural. ProjeCção do filme aDEus Às mãEs realizado Por mohamed ismail em 2007. ENTRADA LIVRE!

Page 7: NR 4_O SUL_Maio_10

Enquanto se acelera a pau-perização do país, de milhões de pessoas!, através do ema-grecimento das reformas, dos salários, dos despedi-mentos, há já quem espreite a possibili-dade de agra-var as feridas para retirar dividendos. É o caso do CDS.

O que se passa den-tro das esco-las dos 10 aos 15 anos é um reflexo da sociedade. Pobreza reflectida nos livros que são caríssimos. Livros que não se têm. Pequenos-almoços duvi-dosos. Jantares imprevi-síveis. Fome.

O que se passa dentro das escolas, às vezes nin-guém sabe. Só a luta de

viver permite disfarçar os pais e mães desemprega-das, a dependência no limite relativamente aos avós, os horários desencontrados

com os familia-res, que muitas vezes não exis-tem, a impos-sibilidade de a mãe, o pai, pode-rem ajudar, por não terem tido direito à esco-laridade básica. Por não dete-rem essa cul-

tura que julgávamos ser um direito humano e por isso nem se aperceberem da falta que faz.

O que se passa o minis-tério não quer saber. A rede pública de infantários está na lógica dos privados e os pre-ços competem com o que se paga na universidade. Os 12 ou 13% de meninos e meni-

nas que, segundo os cálcu-los, precisam de apoio espe-cializado, desde o infantá-rio, continuando por aí fora, estão fora dos planos. Foi o anterior governo de Sócra-tes que retirou os poucos apoios, reduzindo-os aos casos visivelmente mais graves.

O que a escola precisa é de meios. Para promo-ver a resolução dos problemas e não os deixar “apodrecer”. Pre-cisa de equipas de apoio, que incluam várias valências: social, psicológica, tera-pia da fala, mediadores e dinamizadores comunitá-rios. Precisa de agilidade e reconhecimento. Precisa da cooperação efectiva e em tempo útil, em vez do labi-rinto burocrático com que

se castiga os professores. A incapacidade de resolver os problemas mais prementes e sinalizados tem que ser atribuída aos responsáveis governamentais. Os orga-nismos dos vários minis-térios não conseguem, os apoios demoram meses, mas sobretudo anos.

O que a escola precisa é de turmas ricas em diver-

sidade. Do que uma

escola não precisa é de criar dezenas, centenas de revoltados, os que estão nos últimos luga-

res da escala social e que são afastados do seu grupo de idade, da sua turma: o escândalo dos chumba-dos que se arrasta à vista de toda a gente parece não comover o governo.

O CDS não exige mais meios e modos para aju-dar a prevenir os proble-mas, ou para os resolver. Exige mais autoritarismo, multas, castigo aos pais que não podem, inclusivamente retirando-lhes o que ape-nas dá para a sobrevivên-cia. Que às vezes têm de ser substituídos por avós ou irmãos mais velhos. Ou que pura e simplesmente estão incontactáveis por mil e uma razão e a escola não tem meios.

A luta pela escola pública é um desafio. Uma inces-sante necessidade para lidar com a violência social que se abate sobre a população adulta.

O CDS é um vampiro à espera. Tem que ser des-mascarado.

Jaime Pinho,Professor

“ O CDS (...)exige mais auto-ritarismo, multas, castigo aos pais que não podem, inclusi-vamente retirando-lhes o que apenas dá para a sobrevivência.

Os novos vampiros da educação

“ O que se passa dentro das escolas, às vezes ninguém sabe.

RU

I BA

RB

OS

A

NA VIGIA 07 NR

04

MA

I 2

010

Page 8: NR 4_O SUL_Maio_10

O Sul – Porque razão con-testa o sistema de avaliação dos professores?Ana Drago – Acho que à medida que foram sendo analisados os procedimen-tos do Governo, constatou-se

que não havia qualquer pre-ocupação de se qualificar a escola. Não se tinha em vista dar uma resposta mais demo-crática ao sistema de ensino, mas apenas se tinha como intenção concreta criar difi-

culdades à progressão da car-reira dos docentes – em suma, simplesmente reduzir a fac-tura salarial do Ministério da Educação.Atenda-se a que a Escola Pública (EP) tem feito pro-

gressos extraordinários em democracia. Alargou-se a rede escolar, permitiu-se o acesso a todas as classes sociais, mas ainda existem muitos pro-blemas, que têm a ver com a nossa história, com aquilo a que denomino o fechamento das torneiras da EP. Precisa-mos de cumprir com esse pilar da democracia que é a igualdade de oportunidades. S – Mas para se avaliar a quali-dade da EP não é preciso algum controlo? Que modelo alternativo?AD – Os professores, é ver-dade, dão aulas sozinhos com os seus alunos; mas só poderá haver um projecto que vise a qualidade, se tiver uma lógica de trabalho colectivo entre os docentes. Uma ava-liação estritamente individual não permite dar essas respos-tas. Por exemplo, imagine-mos uma turma que provém

de meios sociais difíceis, em que os pais não estão habitu-ados a ler livros ou tão sim-plesmente a ver o telejornal e a discutir aquilo que está a acontecer. Esse grupo esco-lar precisa de estratégias de pedagogia e de respostas que só a escola, enquanto colec-

tivo, poderá dar. É distinta de uma outra que não se insira num contexto social difícil . Como é diversa a sua inserção, não podemos

avaliar à peça.Precisamente por estas razões o Bloco de Esquerda avan-çou com uma proposta de avaliação das escolas aten-dendo ao seu contexto. Elas têm de conhecer muito bem a comunidade educativa em que estão inseridas, perceber quais são as respostas neces-sárias que têm para aquela comunidade. Em contextos mais difíceis precisas de pro-

“Temos um défice educativo, que se ar rasta de geração em geração”, diz Ana Drago

Numa altura onde já se começam a sentir as forças telúricas que em breve agitarão, com explosões mediáticas, o arranque do próximo ano lectivo, O SUL aproveitou para questionar Ana Drago, deputada na Assembleia da República, coordenadora do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda da comissão de “Educação e Ciência”, membro do grupo de trabalho “Esta-tuto da carreira docente e avaliação de desempenho dos docentes”, com vista a descortinar qual o ponto de situação das nossas escolas e que caminhos alternativos propõe para a Educação em Portugal.

Ana Drago destacou-se no Parlamento quando disse ao então Primeiro – Ministro, Durão Barroso, que “este governo não cairá, porque não é um edifício. Sairá com benzina, porque é uma nódoa”. Irreverente e lúcida, não esconde ser uma pessoa de convicções profundas, dizendo frontal-mente o que pensa de alguns dos actores políticos do actual panorama português.

Socióloga, considera que essa formação é a de “uma ciência moderna, do conhecer para transformar. É de largo espectro, que abrange todos os aspectos sociais”. Lamenta ainda a “transfiguração da Sociologia como uma tecnologia do poder, mas há pessoas que a usam dessa forma. Pode ser utilizada antes para obter os instrumentos para transformar a ordem social.” Nesse sentido publicou “Agitar antes de ousar: o movimento estu-dantil anti-propinas”, pelas edições Afrontamento, análise da primeira manifestação política de uma promissora geração, que se celebrizou sobre o estigmatizante apodo de Vicente Jorge Silva – a “Geração Rasca”.

“ a Escola Pública (EP) tem feito progressos extraordinários em democracia.

PUBLICIDADE

08 NA VIGIANR

04

MA

I 2

010

Page 9: NR 4_O SUL_Maio_10

“Temos um défice educativo, que se ar rasta de geração em geração”, diz Ana Drago

fissionais que não são ape-nas professores, tais como mediadores sócio-culturais, técnicos de serviço social, psicólogos que trabalhem. Depreende-se, portanto, que perspectivo a avaliação da escola enquanto equipa que dá, ou não, respostas eficazes nos locais onde se inserem. Penso também que a avalia-ção deve ser externa e inde-pendente à mesma, pois o que é importante é perceber se os estabelecimentos esco-lares funcionam, ao invés de colocarmos docentes a ava-liarem os outros. S – Então as questões cen-tram-se na avaliação dos docentes e não no modelo da EP?AD – Sim, apesar de pensar que há muito para discutir. É um dos debates mais difí-ceis a fazer hoje em dia. A socie-dade tem um con-junto de esperan-ças , nomeada-mente por parte dos pais, face à EP. Eles preten-dem que os seus filhos sejam pre-parados para o mercado de trabalho, para a sensibiliza-ção ambiental, para a educa-ção sexual, para a prevenção rodoviária, para a educação artística, etc. Há um conjunto enorme de pressões para que a EP responda aos proble-mas actuais da humanidade. A escola não se mudou para isso, foi apenas somando as expectativas. Assim, um aluno do 8.º ano tem 37 horas de aulas/semana, o que significa que tem jornadas de traba-lho quase como se fosse um adulto. Os miúdos não têm tempo para brincar. S – A EP serve para criar futuros profissionais para o mercado, ou para formar cidadãos? AD – Eu acho que tem de ser criado um campo de indivi-duação, onde a personalidade de cada um tenha espaço para se criar a si mesma. Tem de haver lugar para experimen-tar, para errar, para estarem uns com os outros. É um erro somar sempre mais compe-

tências, mais competências e mais competências, como se as crianças fossem cava-los de corrida a serem domes-ticados para entrar no mer-cado de trabalho, de modo a serem fulminantes a arranjar emprego, converterem-se em funcionários-modelo, reple-tos de sucesso. S – Dentro dessa perspectiva, como vê os cursos profissio-nalizantes na EP? AD – Isso é uma matéria um pouco mais complicada. Os cursos profissionalizantes foram uma resposta que em determinada altura da ante-rior legislatura se criou para combater um dos problemas da EP. As Escolas Secundárias privilegiam as áreas acadé-micas, mas há um conjunto da população que não tem a capacidade de as dominar

tão bem. Com as vias pro-fissionalizan-tes procura-remos diminuir o a b a n d o n o escolar (por-tanto, não é de somenos). No entanto, tere-

mos uma escola dual, onde a pertença de classe imedia-tamente determinará o lugar de cada um. S – Estes cursos profissio-nalizantes não colocarão em risco a existência das esco-las profissionais existentes em todo o país? Sabemos que os cursos profissiona-lizantes são muito ligeiros face à componente técnica dos cursos profissionais das escolas especializadas. Tal não será enganoso?AD – Não sou favorável à separação de escolas, ou seja, uma académica, para filhos de advogados e outra, para os filhos dos operários. Quero que no mesmo espaço, na EP, estejam diferentes classes sociais e por isso concordo com a oferta profissionali-zante na EP. Isso é positivo. Temos de dignificar a esco-lha profissionalizante, caso contrário quem lá está, ficará num gueto. É difícil trabalhar sobre estas matérias, é muito difícil, eu reconheço.

S – Atendendo a que Portugal se encontra numa situação muito difícil, compreendendo que a perspectiva explanada aumentaria inevitavelmente as despesas correntes, como explicar mais gastos em edu-cação ao país?AD – Há dois aspectos a ter em consideração. O primeiro é o de abrir as escolas aos pais e comunidades, o que não com-porta despesas significativas. O outro prende-se com um défice educativo, que se arrasta de geração em geração. Terá de haver um momento em que teremos de investir avultada-mente, para se atingir o nível de, por exemplo, a Suécia, a Noruega ou a Inglaterra, que têm EP há séculos a trabalhar muito bem. Não conseguimos

ter uma educação de qualidade se tivermos docentes com 140 alunos. Mais funcionários na EP significa, sim, um aumento na despesa corrente. S – Como financiar esse aumento das despesas cor-rentes?AD – O Bloco de Esquerda apresentou 15 medidas de total alteração do Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC). Desde logo a arreca-dação das mais valias, das transacções para “off-sho-res” e reavaliação das par-cerias público-privadas (são 48 000 milhões de € para os próximos 30 anos). Temos igualmente apresentado propostas no que respeita à cobrança de bónus dos ges-

tores das empresas públi-cas, que permitem a anga-riação de bastante dinheiro. Em suma, existe um con-junto de medidas que per-mite receitas para requali-ficar os serviços públicos ou, as doaremos a priva-dos que vão ficar com esses mesmos serviços públicos. Não há estratégias fáceis, nem ninguém propõe que se gastem rios de dinheiro, mas que se façam as esco-lhas que tenham em vista a qualificação do nosso capital humano. O modelo dos bai-xos salários está esgotado. O desemprego que temos resulta disso mesmo.

José Luís [email protected]

“ Não conse-guimos ter uma educação de quali-dade se tivermos docentes com 140 alunos

LEO

NA

RD

O D

A S

ILV

A

NA VIGIA 09 NR

04

MA

I 2

010

Page 10: NR 4_O SUL_Maio_10

Medicina Tradicional Chinesa, O Yin e o Yang

A lei do Yin e do Yang cor-responde ao conceito de uni-dade-dupla, o segundo dos cinco conceitos básicos da filosofia taoista que são clas-sificados pela seguinte ordem: o Ciclo, a Dualidade, a Hierar-quia, a Totalidade, a Relati-vidade. O conceito de unidade dupla, tra-duz a síntese dos c o m p l e m e n -tos ou a união dos extremos, o mecanismo b i p o l a r q u e define a dinâ-mica universal que resulta da con-testação permanente de duas entidades complemen-tares e indissociáveis, porque só podem existir coexistindo, é do eqilibrio/desequilíbrio/equilíbrio… do Yin/Yang que resulta o movimento e a vida. Assim, o movimento é Yang e a imobilidade Yin, o calor é Yang e o frio é Yin, exterior/inte-rior, superficial/profundo, luz/

escuridão, céu/terra, etc.O taoismo é uma filosofia

de inspiração natural que uti-liza o modelo biológico como modelo de raciocínio. Baseado na observação minuciosa e repetida dos fenómenos natu-

rais, os antigos elabo-raram um con-

junto de con-ceitos e de

leis fun-d a m e n -tais que regem o universo

e que se a p l i c a m

naturalmente aos seres humanos

como parte integrante desse mesmo universo. Os conceitos e as leis que a filosofia taoista elaborou ao longo de cente-nas de anos de observação dos fenómenos constituem hoje os fundamentos da medicina tradicional chinesa e o Yin e o Yang são a chave para a com-preensão de uma medicina

que por ser “tradicional” tem caracteristicas próprias que a tornam única ao nível do entendimento da doença, do diagnóstico, do tratamento, dos métodos de tratamento, da farmacopeia, dos instru-mentos de trabalho.

A medicina tradicional chi-nesa (MTC) tem tido nos últi-mos anos um grande incre-mento em todo o mundo pela sua (aparente) simpli-cidade e elevada eficácia. Da medicina tradicional chinesa fazem parte terapias como a Tuina (massagem), Qi Gong (exercícios fisicos e respira-tórios), os suplementos à base de plantas medicinais e outras substâncias de origem ani-mal e mineral (pílulas, infu-sões, decocções, unguentos) e a ACUPUNCTURA e MOXI-BUSTÃO (tratamentos com agulhas, ventosas, moxa…).

A MTC fundamenta-se numa teoria energética. Diz a teoria que nós temos uma energia vital, o QI, e que é essa ener-gia que nos mantém vivos e com saúde. Se o QI for sufi-ciente, equilibrado e circular livremente teremos saúde, se o QI for insuficiente, desequili-brado ou se bloquear surgirão a dor e a doença. O Yin e o Yang

estão contidos no QI que per-corre o corpo segundo um sis-tema de canais ou meridianos de energia que estão directa-mente relacionados com os órgãos, sobre estes canais encon-tram-se os pontos de acupunctura. O corpo e a mente, o físico e o mental estão intimamente relacionados, como o Yin e o Yang são indissociáveis, tra-tar o corpo implica também equilibrar a mente e acalmar o espírito, tra-tar a mente passa obrigatoria-mente por equilibrar o corpo. O diagnóstico em medicina tradicional chinesa consiste essencialmente na interpreta-ção do equilíbrio/desequilíbrio do Yin/Yang. Para fazer um bom diagnóstico energético não são necessárias máqui-nas ou qualquer outro instru-mento. As doenças em MTC são classificadas em síndromes energéticos, por exemplo uma depressão pode correspon-der a uma estagnação do QI do fígado, uma enxaqueca pode ser causada por um excesso de Yang do fígado e uma insó-nia por uma deficiência do Yin

do coração e uma lombalgia pode ter como causa uma defi-ciência do QI , ou do Yin, ou do Yang do rim dependendo

da sintoma-tologia acom-panhante, da constituição e da idade do paciente, e do diagnóstico que resulta da observa-ção da língua e da palpação do pulso que são duas das

formas mais importantes do diagnóstico em MTC. A eleição do tratamento adequado quer seja um protocolo de pontos de acupunctura, uma infusão ou umas cápsulas, uma mas-sagem ou uns exercícios de Qi Gong terá sempre como objec-tivo o equilíbrio Yin/Yang e será obrigatoriamente dife-rente conforme o desequilíbrio diagnosticado apesar do sin-toma principal ser o mesmo. Simples, Yin = Yang.

E lembre-se “a doença é o principio da cura”.

Gilberto Conde,Acupuncturor / Naturologista

www.gilbertoconde.com

“A lei do Yin e do Yang é a ordem natural do uni-verso, a fundação de todas as coisas, mãe de todas as mudanças, a raiz da vida e da morte. Para a cura é preciso compreender a raiz da desarmonia que está sempre sujeita à lei do Yin e do Yang.”

“Nei Jing”, cap.5

“ O taoismo é uma filosofia de inspiração natu-ral que utiliza o modelo biológico como modelo de raciocínio.

PUBLICIDADE

10 PERIFERIASNR

04

MA

I 2

010

Page 11: NR 4_O SUL_Maio_10

A controvérsia dos vários Atlânticos

A Atlantic History (História do Atlântico) é uma constru-ção analítica e uma catego-ria específica da análise his-tórica que incide em toda a área envolvente da bacia do Atlântico e ilhas adjacentes durante a Época Moderna. Teve a sua institucionali-zação com a revista Atlan-tic Studies (Estudos Atlânti-cos), em 2004, em Harvard e é apoiada pela American His-torical Association. Está inti-mamente ligada aos nomes de Jack P. Green e Philip D. Morgan ambos da Uni-versidade Jonhs Hopkins em Bal-timore, Maryland, nos Estados Uni-dos da América.

É uma “história” que pre-tende estudar tudo o que se relacione com o Atlântico, digo com a bacia do Atlân-tico – pessoas, natureza, comércio, cultura, circuitos, etc – num determinado perí-odo de tempo (1500-1800), designadamente a Época Moderna. No entanto aqui reside a controvérsia. As crí-

ticas são imensas e abruptas por parte dos Europeus. Isto porque, na verdade a Atlan-tic History, é uma história não do Atlântico mas sim do Atlântico Norte, fruto de uma historiografia anglo-saxónica em que África não está contemplada nem incluída e os Ibéricos, pouco ou nada. Mais ainda, os seus historiadores falam numa Época Moderna, mas os seus estudos vão muito para além de 1800 e raramente

incidem nos séculos XV e XVI. As críti-cas podem ser resumidas em 5 pontos fun-d a m e n t a i s , m a s n ã o s e

esgotam de forma alguma.Em primeiro lugar, o Atlân-

tico não é um todo uno e único, mas sim um complexo espaço geográfico com socie-dades radicalmente diferen-tes em termos culturais. Exis-tem de facto vários atlânti-cos: o atlântico do Norte da Europa, o Atlântico Espa-nhol e o Atlântico Português;

o atlântico católico e o pro-testante; o atlântico comer-cial, o atlântico do tráfico de escravos, o atlântico revolu-cionário, o atlântico tropical e o temperado, etc.

Em segundo lugar, o Atlân-tico, no período em que a A. H. incide, é mais que um ponto de encontro, não é um espaço indepen-dente nem imó-vel, nem pode ser isolado do resto do mundo, nem estudado separa-damente, muito menos se os seus principais acto-res estão fora do campo de estudo: os Ibéricos. É um espaço mul-tidimencional e multicultural, factores que são por ela negli-genciados.

Em terceiro lugar, mui-tos concordam no facto de a A. H ser um pretexto para uma “nova” história imperial, cujo grande actor é o atlân-tico anglo-saxónico.

Em quarto lugar, os territó-rios contemplados pela A. H.

apresentam-se no litoral dos continentes e ilhas em detri-mento dos territórios do inte-rior, onde se estabeleceram comerciantes e colonos.

Por último, em quinto lugar, Jonh Elliot, autor de Impé-rios do Mundo Atlântico

(2006), critica o facto de a A. H. se centrar nas relações transnacionais em zonas de fronteira que ligam muitas áreas do atlân-tico formando um todo, em detrimento da evolução dis-t inta dessas

mesmas áreas e até mesmo sem muita preocupação em especificar como estas liga-ções afectaram a história, eco-nomia e cultura dessas áreas ligadas ao atlântico.

É portanto, em resumo, uma história incoerente, isolada do conjunto e pre-tensiosa porque se assume como uma nova abordagem ao tema, na minha óptica iló-

gica e incongruente.Em Portugal existem duas

grandes linhas para enfrentar esta historiografia do Atlân-tico; são, por um lado, uma união com Espanha e desta forma entrar no debate, ou por outro lado, criar uma plataforma com o Brasil – onde já existe diálogo. Uma ou outra linha pressupõem, no entanto, para a nossa his-toriografia, transformações cruciais, designadamente, uma renovação no discurso e temática da nossa Histó-ria da Expansão. Apesar de importantes estudos multi-disciplinares na área assina-dos por historiadores nacio-nais, as perspectivas acadé-micas continuam, no geral, estáticas. É preciso interna-cionalizar as nossas investi-gações, publicar no estran-geiro, criar novos campos de investigação e criar laços académicos seja com Espa-nha ou com o Brasil. O que se torna imperativo é que se produza e se abra o debate.

Daniela Silva,

Historiadora

“ As críticas são imensas e abrup-tas por parte dos Europeus

“ Apesar de im-portantes estudos multidisciplinares na área assinados por historiadores nacionais, as pers-pectivas académi-cas continuam, no geral, estáticas.

RU

I BA

RB

OS

A

PERIFERIAS 11 NR

04

MA

I 2

010

Page 12: NR 4_O SUL_Maio_10

SUL - Como é constituído o Grupo João da Ilha? João da Ilha - O Grupo es-treou-se ao vivo em Junho de 2008 tendo como forma-ção base um trio constituído por mim na voz e guitarra, Nuno Carpinteiro no acor-deão, o Sandro Maduro na voz e baixo, embora já tenha contado com a participação de outros músicos em etapas distintas da sua actividade. Desde Setembro de 2009, o Grupo João da Ilha passou a contar com o Rui Rosado na bateria e percussão.

S - Sonoridades influencia-das pela Música Tradicional Portuguesa e nomeadamen-te pelos sons da Tradição Açoriana. Qual a razão? JI - Cada elemento pro-vém de diferentes origens e transporta diferentes in-fluências, fruto da sua ac-tividade musical anterior à formação deste grupo. De qualquer modo todos os elementos têm em comum o interesse pela Música Tra-dicional Portuguesa, o que serve de primeiro suporte para embarcar nesta mistura musical, que vai também beber do Jazz, do Pop e das M ú s i c a s d o Mundo.N a m i n h a situação em particular, tenho a influên-cia da música de Tradição Açoriana comum em todas as festividades que acon-tecem na Ilha Terceira, do

Folclore, às Tradicionais “Cantigas ao Desafio” e às “Cantigas das Velhas”, as-sim como de compositores Açorianos que se inspiram nas tradições e isso de forma muito espontânea influen-ciou e ainda influencia a minha composição trazen-do uma forte marca para o projecto.

S - Como está a correr o vos-so percurso de aceitação por parte do público?JI - A reacção deixa-nos op-timistas! O público que nos aborda destaca sempre a ori-ginalidade, a mistura dos sons, o conceito calmo e acústico, as letras e as composições. A

crítica constru-tiva ajuda-nos a evoluir e a aper-feiçoar alguns pormenores. A reacção do pú-blico é sempre muito positiva; conseguimos per-cebê-la através

do entoar de alguns refrões ou até do acompanhar o ritmo das letras com a movimenta-ção do corpo, o que é bastante reconfortante para nós.

S - Acham que há mercado em Portugal, para este géne-ro musical? E na Europa? JI - A maioria das profis-sões passam por momentos conturbados na actualidade e sobretudo esta profissão de músico, instável, pou-co defendida e respeitada, sem regulamentação, de-pendendo dos casos, é de difícil afirmação tanto em Portugal como no estran-g e i r o . Q u e r o acreditar que há mercado para o nosso género musical, que é música Portu-guesa. E, com certeza, poderá haver na Europa e até no resto do Mundo, porque nos dias que correm, com o veículo da Internet, as redes sociais e o conceito de globalidade, é possível fazer chegar a nossa música a todo o lado. Algum do re-portório do Grupo João da Ilha mistura sonoridades que se podem reportar à World Music, o que pode efectivamente obter re-ceptividade noutros países além do nosso.

S - Conseguem viver do vosso trabalho enquanto músicos? Qual delas vos dá verdadeiramente mais prazer? JI - Não. Eu partilho a mú-sica com a área das Tera-pias Alternativas. O Nuno é contabilista, o Sandro é licenciado em Marketing e está empregado num restau-rante; por fim, o Rui já viveu da música noutros períodos

da sua vida, mas no dia-a-dia é auxi-liar de educa-ção desde há vários anos. Arrisco dizer que a Músi-c a , c o m o é

óbvio, dá-nos um prazer muito especial e temos um sentimento de realização de cada vez que tocamos, seja num ensaio, em casa ou num palco. No nosso íntimo desejamos, muitas vezes, só tocar música. No entanto, todas as restantes actividades também fazem parte das nossas vidas e dão-nos alguns prazeres e alguns dissabores, aliás tal como ser Músico!

S - Um dos momentos de maior visibilidade foi a par-ticipação, no programa do Quarto Crescente da RTP1, do Júlio Isidro. Quais são as tuas expectativas futuras?JI - A oportunidade de ir à televisão, sobretudo a um programa cultural de quali-dade, deu-nos um momento de maior visibilidade mas, o nosso objectivo é mostrar a nossa música e conseguir chegar a todos os públicos, persistir e participar no mo-vimento da Música Portu-guesa. As expectativas são positivas, porque somos op-timistas. Talvez não faremos música a vida inteira; o que interessa é que, no agora, que a fazemos, estamos com convicção e dedicados. Es-peramos sinceramente que se consiga gravar um disco nos próximos tempos, que registe uma etapa do nosso percurso musical, e que isso nos leve a outros locais, a outras etapas, a mais palcos e a mais pessoas, culminan-do noutros discos e ainda mais locais.

Patrícia Trindade [email protected]

“O Grupo João da Ilha iniciou a sua actividade em Janeiro de 2008 em Setúbal, sucedendo ao percurso a solo de João da Ilha e reflectindo o facto de cada um dos músicos integrantes desejar dedicar-se à música moderna por-tuguesa, cruzando o seu carácter singular pessoal com os sons da Tradição Açoriana, a ambiência da cidade à beira Sado e as influên-cias do mundo”. Diz-nos João da Ilha em entre-vista a O SUL.

João da Ilha e as influências do Mundo

“ (...) todos os elementos têm em comum o interesse pela Música Tradi-cional Portuguesa

“ No nosso íntimo desejamos, muitas vezes, só tocar música.

HE

LDE

R C

AR

DO

SO

12 CULTURANR

04

MA

I 2

010

Page 13: NR 4_O SUL_Maio_10

Para que nos serve o desas-sossego? “Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.” Quem assim se justificou foi Bernardo Soa-res, um dos actores da cria-ção pessoana, num dos excer-tos do seu Livro do Desassos-sego. Esta escrita do desas-sossego passa por uma justi-ficação para vencer a indife-rença ou o vazio, para agarrar a vida e construir a biografia, porque, como escreveu Fer-nando Gandra, só o confor-mista vive “tranquilo, banali-zado”, a ocupar uma “biografia de que não é protagonista, a troco da calma certeza da sua estabilidade” (O sossego como problema, 2008).

E s t e s c o n s i d e r a n d o s levam-nos a Asas do Desas-sossego, conjunto de poemas de Natércia Fraga (Setúbal: Centro de Estudos Bocage-anos, 2010), por onde pas-sam fragmentos de vida e de tempo, onde a poesia reflecte a tal “febre de sen-tir” de que falava Pessoa e onde um eu se constrói a partir das inconstâncias e dos momentos, assumindo o seu retrato feito de tem-pos e de palavras.

Cinquenta e três poe-mas surgem agrupados em sete partes, que recebem os títu-l o s “ D a A m i -zade”, “Do Amor”, “De Macau”, “Do Mar”, “De Outros Cânticos”, “Da Solidão” e “Dos Sonhos e das Memórias”. Do conjunto de poemas, cin-quenta e dois são datados, pormenor que não pode ser minimizado por causa da rela-ção do poeta com o tempo. Será apenas uma ques-tão numérica e de curiosi-

dade esta dos números, mas, mesmo que não tenha sido intencional, uma organização que passa por estes núme-ros não pode deixar de indi-ciar uma ligação ao tempo (a quantidade de dias da semana – sete partes – ou a das sema-nas de um ano – o total de poemas), sobretudo porque o tempo determina os poemas, haja em vista que apenas um não é datado (e este servirá para dizer que o eu constrói o seu tempo, na medida em que um poema a mais desconstrói a identificação do número de poemas com a referência das semanas), e porque o próprio tempo é motivação de escrita – “Do tempo vivo num tempo / Que não é o dos relógios / Nem aquele que se conta”, ou, por outras palavras, é o tempo aquele que eu faço, que construo no meu desassos-sego, marcado por mim ou por aquilo que me marcou, como é dito no final do texto “Do Tempo, poema a Camões”: “Do meu tempo (…) / Sei ape-nas sabores, odores, tactos, / Sentimentos, pensamentos, / Que forram a transitoriedade do / Tempo mortal e finito / E o fazem sentir vago, etéreo, transcendente…” E lá se justi-fica o poema sem data, ele-

mento necessá-rio para desfa-zer a ordem e os números do tempo…

É esta marca-ção individual do tempo que per-mite o manuse-amento do pró-

prio tempo dos poemas e que eles nem sempre sejam apre-sentados por ordem cronoló-gica, quase respeitada dentro de cada grupo, mas que em cada grupo recomeça.

Abrangendo um período

que se desenrola entre Outu-bro de 1979 e Agosto de 2008, estes poemas vão marcando também um percurso auto-biográfico, como podemos ver através de alguns indi-cadores que se sobrepõem ao percurso da autora: pelas entradas das dedicatórias (a amigos, a familiares); por um pendor memorialístico pre-sente em alguns dos textos (recuos ao tempo da infân-cia, com memórias à mistura, invocando tempos com o pai, a mãe ou com os avós); pelas referências a uma geografia de vida (que passa pelas ilhas, por Macau, pelo Sado e pela “Serra-Mãe”); pela existên-cia de um grupo dedicado à temática da solidão, cenário indispensável para o encontro do eu consigo, no seu espe-lho, em busca da sua singula-

ridade, como é visível quando justifica esse mesmo tempo de solidão – “É o preço que pago por ser singular / E conversa-mos demoradamente / Silen-ciosamente / Sem rancor nem dor / Como personagens que se desdobram…”; finalmente, pelo próprio texto seleccio-nado para fechar o livro, em jeito de auto-retrato, que é também assinatura e que novamente insiste no papel que o tempo desempenha: “Sou assim uma espécie de vagabunda / Que se encon-tra onde os outros se perdem / Vagueando por tempos ine-xistentes / Todavia tão claros e luminosos / Como fogo de artifício / Desenhado em mil formas e mil cores / Valsando nos espaços siderais…”

Imagens fortes nesta poesia de Natércia Fraga são ainda

as que resultam de símbolos como a água – fonte gera-dora no espaço uterino ou força indomável que abraça a ilha ou emergência da pai-xão (“venho de noivar com o Mar…”); a ilha – na sua incons-tância, oscilando entre a pre-sença e a ausência, o longe e o perto, com a imponên-cia descrita por escarpas e pintada por magma, rochas e flores; o entardecer e a noite – momentos que per-mitem ao eu entrar dentro do tempo, acordando “adorme-cidos sons e langorosas tris-tezas / De trazer por casa”; a infância – tempo de imagina-ções aconchegadas (“ador-mecia, sonhando com marés, céus, viagens, / fantasias…”); o amor – nas suas vestes de paixão, frequentemente asso-ciado à brevidade e à Natu-reza, deixando registo em poema feito tela.

Asas do Desassossego surge, assim, para assinalar o equi-líbrio do eu, que rejeita a pas-sividade e o sossego. É com um olhar inconformado que são pintados os “Velhos no Jardim”: “O tempo cai gota a gota / Sobre as suas vidas gastas / Sem que nada os espere / Senão as sombras do jardim / Onde tentam ludi-briar a morte / Nos baralhos com que jogam / As cartas / Dos dias.”

Em Asas do Desassossego, o eu constrói-se pelas memó-rias constantes, perdendo-se “nos interstícios do tempo” e valorizando espaços “quase inexistentes / (…) / desenha-dos nas paisagens interiores”, num fulgor em que se diz a própria vida e em que se pas-seia pelo tempo, algo que é intrínseco ao próprio poeta.

João Reis RibeiroProfessor

“ construo no meu desassossego, marcado por mim ou por aquilo que me marcou

O desassossego de Natércia Fraga

CULTURA 13 NR

04

MA

I 2

010

PUBLICIDADE

Page 14: NR 4_O SUL_Maio_10

“Temos de pedir perdão ao povo português, pelas ilusões que lhe causámos”, entrevista a Fernando Dacosta

Nascido em Angola, cedo veio para Portugal. Estudou em Lamego, na Fa-culdade de Letras de Coimbra, tendo concluído Filologia Românica em Lisboa. Iniciou a sua carreira como jornalista em 1967, tendo trabalhado em diversos jornais e revistas como o “Comércio do Funchal”, o “Diário de Lisboa”, o “Diário de Notícias”, o “Jornal de Letras”, o “Público” e a “Visão”. Colaborador em diversos programas de rádio, apresentou na RTP, em 1991/92 uma rubrica sobre literatura. Dirigiu os “Cadernos de Reportagem” e foi co-editor da Relógio de Água. Com mais de uma vintena de livros pu-blicados, de vários géneros, ganhou os mais diversos prémios literários e jornalísticos com a sua obra. Em 2008 sai a lume “Os Mal-Amados”, livro que desde então tem tido reedições constantes e sucessivas, um best-seller comparável apenas às suas “Máscaras de Salazar”. Da pena de um autor que tem uma lucidez preclara, temos um livro essencial para o entendimento da História de Portugal dos últimos 50 anos, onde se traça a evolução de todo um povo através do contacto privilegiado, íntimo e muito pessoal com alguns dos seus mais relevantes actores, tais como Marcelo Caetano, Salazar, Mário Soares, Álvaro Cunhal, Amália Rodrigues, Natália Correia, Agostinho da Silva, Snu Abecassis e a Irmã Lúcia. Obra indispensável numa época de desnorte, funciona como templo identitário, âncora fundamental para a compreensão da nossa actualidade colectiva.

“ Isto é tudo pessoal menor, que é para deitar fora no carro-vassoura que o destino fará em breve passar por nós.

“ Não é qual-quer União Europeia que nos vai deitar abaixo. Iremos pas-sar esta fase medío-cre, chata, corrupta, demagógica e aldra-bana, emergindo e continuando a nossa vidinha de sempre.SUL – Em “Os Mal-Amados”

dá início à prosa com Marcelo Caetano, numa descrição in-timista e solitária do estadista que vê para além, mas cujas circunstâncias o atropelam. É esta a imagem que guarda do marcelismo?Fernando Dacosta – Há vá-rios Marcelos Caetanos. Há um, político ambicioso, cor-responsável pela construção do Estado Novo, profundo co-nhecedor da realidade africa-na, cultíssimo, intransigente, reductor, frio e implacável. Outro, homem inquieto, per-turbado, hesi-tante, ressenti-do e sobretudo paralisado. A situação que lhe coube ge-rir, pós-sala-zarismo, era muito complexa, por toda uma ditadura anquilosada. Tal criou-lhe uma situação de-veras difícil. Precisava de, ao contrário do que fez, decidir rápido e em força. Como não conseguiu, perdeu o controle da situação, fazendo despertar

as ambições de vários secto-res do país, sobretudo dentro do Regime. Aconteceu-lhe o pior que pode aconteceu num político – a paralisia. Depois da “primavera marcelista”, em que muitos acreditaram, e ele próprio também, a esperan-ça dissipou-se. O país entrou em roda livre, os aparelhos repressivos (PIDE, Censura Prévia, Forças Armadas e Igreja) passaram a funcionar desconcertadamente. Marcelo angustia-se e fecha-se, recu-sando intervir. Deseja aban-

donar o poder, que tudo acabe depressa. Daí o Movimento dos Capitães, mera-mente corpora-tivo, propagar-se irreversivelmente . Marcelo Caeta-no é, no entanto,

uma figura-chave no nosso país, porque é com ele que o Império se desfez. S – Os Retornados, no seu texto, são vistos como uma vitória da sociedade portu-guesa, testemunha da força

da cultura e da mentalidade 5.º Imperialista secularmente sedimentada. Está correcta esta leitura?FD – 5.º Imperialista não sei se foi. Foi uma vitória da maneira de ser afectuosa, solidária e co-rajosa dos portugueses. Daí eles, os impropriamente chamados de Retornados, constituírem um fenómeno de integração e revitalização dos país, que se encontrava, na altura, semi-amorfo. Eles reconstruíram Portugal com a sua capacidade de acção, de empreendimento e de ousadia. A sua raiva foi o seu motor. África é que perdeu indesculpavelmente com a sua retirada. Se eles continuassem lá, não se teria passado a tra-gédia das guerras civis que posteriormente a retalharam de forma abjecta. S – Na sua narrativa verifi-camos que há uma leitura da realidade actual, como uma repetição do “sem saída” do final do Estado Novo. Esta-remos no fim da 3.ª Repú-blica?FD – A admitir que esta é a 3.ª República, estamos. “Errámos

todo o discurso dos nossos anos”, como dizia Camões. Te-mos de pedir perdão ao povo português, pelas ilusões que lhe causámos, pelas promes-sas que lhe fizemos, pela mi-séria e desesperança em que o lançámos. A Esquerda perdeu a grande oportunidade. Não soube estar à al-tura, dignificar o povo que, afinal, não passou para ela de um ele-mento de engorda interesseiro. S – Os nossos g o v e r n a n t e s têm uma visão de futuro para Portugal?FD – Eles nem sequer visão têm, quanto mais futuro. Isto é tudo pessoal menor, que é para dei-tar fora no carro-vassoura que o destino fará em breve passar por nós. S – Que viabilidade para Por-tugal?FD – Toda, toda a viabilidade para Portugal. Basta reparar que o nosso é o país mais an-tigo da Europa, vai fazer 1000 anos de existência e que vi-ver em dificuldades tem sido o pão do nosso dia-a-dia. Dar a volta aos poderes, aos governos, às leis, aos costu-mes, aos interesses, tem sido a nossa especialidade, graças à manha, à criatividade, à afec-tuosidade e à sonsice que nos caracteriza. Não é qualquer União Europeia que nos vai deitar abaixo. Iremos passar esta fase medíocre, chata, cor-rupta, demagógica e aldraba-na, emergindo e continuando a nossa vidinha de sempre. S – Setúbal é um distrito onde vemos morar impor-

tante percentagem de luso-africanos. São populações, no geral, mal integradas e mal compreendidas?FD – Não há portugueses bacteriologicamente puros. Somos uma salada de todas as raças, cores, credos e panto-minas existentes. Somos, por

natureza, uns desadaptados adaptados ao que acontece. Portugal nem é um país, é uma ideia um pouco mítica, um saco de batatas onde cabe tudo. É isso, aliás, que lhe dá alguma graça. Esses gr upos não

são novidade nenhuma, pois o fenómeno da sua presença entre nós repetiu-se no início e no fim do Império. No Século XVI, um terço da população de Lisboa era constituída por pretos, índios, indianos, mu-latos, etc. São tão portugueses como todos nós, tal qual nós somos tão africanos quanto eles, porque as nações não são só de pretos, ou de brancos, ou de amarelos, mas são de pretos, brancos e amarelos. S – Nesta cidade vivem por-tugueses, africanos, timo-renses e brasileiros, muitos dos povos lusófonos. É isto a lusofonia?FD – Pode ser. Espero bem que sim. Lusofonia é uma palavra que soa bem e sintetiza ainda melhor a capacidade que os povos de Língua portugue-sa têm de se relacionar com o que lhes é diferente. Se os portugueses tivessem alguma especialização, e felizmente não têm, a não ser a de vi-verem trabalhando o menos

14 CULTURANR

04

MA

I 2

010

PUBLICIDADE

Page 15: NR 4_O SUL_Maio_10

“Temos de pedir perdão ao povo português, pelas ilusões que lhe causámos”, entrevista a Fernando Dacosta

FO

TOG

RA

FIA

CE

DID

A P

OR

FE

RN

AN

DO

DA

CO

STA

essa especialização seria a do convívio. Foi o que fizemos mais de 5 séculos – andámos pelo mundo a acrescentar os outros com a nossa cultura e a acrescentarmo-nos com a cultura dos outros. Isso foi magnífico e tornamo-nos nos campeões da globalização e da convivialidade. Temos sido intermediários exce lentes en-tre dominadores e dominados, isto é, entre os grandes em-preendedores e as populações locais, aquilo que Agostinha da Silva chamava capatazia. É essa capacidade que pode abrir-nos a um futuro novo sob o véu daquilo a que cha-mamos lusofonia. Estilha çada a União Europeia, que está a ser mais rápido do que se pensava, temos esse grande potencial para nos entregar-mos, até porque os povos das regiões por onde andámos de-sejam a nossa presença, da-das as profundas afinidades que nos unem. O espectro do neocolonialismo está afastado, pois esse papel está bem entre-gue aos chineses, americanos e quejandos. Em África está tudo por fazer e nós sabemos fazer, porque conhecemos, amamos e acreditamos nesses fabulosos territórios. Aliás, chegou a altura do chamado 3.º mundo afirmar-se, enquanto o 1.º se afunda. S – Que impressão tem de Setúbal, visto cá morar há um ano?FD – Deliciosa. Parece que estou em Lamego, onde fiz o Liceu há 50 anos atrás. É extraordinariamente castiça, afectuosa, gordurosa, ociosa, decadente, tudo coisas que eu gosto. Espero que a ASAE não venha cá, pois fe chava a cidade.

José Luís [email protected]

CULTURA 15 NR

04

MA

I 2

010

FICHA TÉCNICA:Propriedade e Editor: Prima Folia - Cooperativa Cultural, CRL Morada: Largo António Joaquim Correia, nr 7 1º Dto, 2900-231 Setúbal Telefone: 96 388 31 43 Director: António Serzedelo Subdirectores: Anita Vilar e José Luís Neto Consultor Especial: Fernando Dacosta e Raul Tavares Conselho Editorial: Hugo Silva, Leonardo da Silva, Maria Madalena Fialho e Patrícia Trindade Coelho Directora de Arte: Rita Oliveira Martins Consultor Artístico: João Raminhos Morada da redacção: Rua Deputado Henrique Cardoso, nr 30-34, 2900-109 Setúbal E-mail: [email protected] Site: http://www.jornalosul.com Registo ERC: 125830 Depósito Legal: 305788/10 Periodicidade: Mensal Tiragem: 10.000 exemplares Impressão: Tipografia Rápida de Setúbal Morada da tipografia: Travessa Gaspar Agostinho, nr 1 - 2º - 2900-389 Setúbal Telefone: 265 539 690 Fax: 265 539 698 E-mail: [email protected]

Page 16: NR 4_O SUL_Maio_10

o assistente de arqueólogo é o profissional qualificado que, em trabalho de campo e de laboratório, está apto, sob orientação do arqueólogo, a executar tarefas no domínio da investigação, registo, análise e conservação de sítios e materiais arqueológicos, sendo capaz de utilizar os equipamentos e aplicar as técnicas necessárias à execução de trabalhos de escavação, prospecção, topografia, cartografia, desenho, fotografia, conservação preventiva de bens arqueológicos.

Possuir o 9º ano de escolaridadenão ter concluído o ensino secundárionão ter mais de 25 anos

CondiçÕes de aCesso

12º ano de esColaridadeQualifiCação Profissional de nÍVel 3

duPla CertifiCação:

ASSISTENTE DE ARQUEÓLOGO

INSCRIÇÕES ABERTASisenção de ProPinas de freQuÊnCia

rua Prof. borges marCelo. 2910-001 setÚbaltel. 265 729 920 faX. 265 729 901

[email protected] www.eps.pt

mais informaçÕes:

o assistente de Conservação e restauro é o profissional qualificado que, em organizações prestadoras de serviços nessa área ou em organismos responsáveis pela conservação e difusão do património cultural, está apto, sob orientação directa de um técnico superior da área, a aplicar as técnicas relativas à conservação preventiva bem como ao restauro do património cultural móvel ou integrado, de entre as seguintes especialidades: azulejo, cerâmica e vidro; bens arqueológicos e etnográficos; documentos gráficos e fotográficos; escultura; pintura; pedra; pintura mural; metais e madeiras.

Possuir o 9º ano de escolaridadenão ter concluído o ensino secundárionão ter mais de 25 anos

CondiçÕes de aCesso

12º ano de esColaridadeQualifiCação Profissional de nÍVel 3

duPla CertifiCação:

ASSISTENTE DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO

INSCRIÇÕES ABERTASisenção de ProPinas de freQuÊnCia

rua Prof. borges marCelo. 2910-001 setÚbaltel. 265 729 920 faX. 265 729 901

[email protected] www.eps.pt

mais informaçÕes: