NOTAS SOBRE SISTEMA FISCAL DE ANGOLA E A DUPLA TRIBUTAÇÃO

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NOTAS SOBRE SISTEMA FISCAL DE ANGOLA E A DUPLA TRIBUTAÇÃO A fiscalidade não é um factor, por si só, criador de riqueza, mas pode constituir um custo relevante para os investimentos, quando estão em confronto vários sistemas fiscais. É essencial ter presente as especificidades da fiscalidade angolana e portuguesa, sob pena das vantagens comerciais ficarem prejudicadas pela ocorrência de fenómenos de dupla tributação. O investimento português em Angola tem de ter em consideração a tributação que ocorre nesse país, em especial, aquela que decorre do imposto industrial e do imposto sobre a aplicação de capitais. Além disso, o investidor deverá tomar em consideração a inexistência de uma convenção para evitar a dupla tributação, bem como, a inexistência de regras sobre a subcapitalização, os preços de transferência e a tributação especial de grupos de sociedades.

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NOTAS SOBRE SISTEMA FISCAL DE ANGOLA E A DUPLA TRIBUTAÇÃO

A fiscalidade não é um factor, por si só, criador de riqueza, mas pode constituir

um custo relevante para os investimentos, quando estão em confronto vários sistemas

fiscais. É essencial ter presente as especificidades da fiscalidade angolana e portuguesa,

sob pena das vantagens comerciais ficarem prejudicadas pela ocorrência de fenómenos

de dupla tributação.

O investimento português em Angola tem de ter em consideração a tributação

que ocorre nesse país, em especial, aquela que decorre do imposto industrial e do

imposto sobre a aplicação de capitais. Além disso, o investidor deverá tomar em

consideração a inexistência de uma convenção para evitar a dupla tributação, bem

como, a inexistência de regras sobre a subcapitalização, os preços de transferência e a

tributação especial de grupos de sociedades.

Neste contexto, os rendimentos provenientes de fonte angolana estão sujeitos em

Angola à taxa geral de 30% (imposto industrial), que poderão ser imputáveis a um

estabelecimento estável aí situado. Ainda em sede de tributação de imposto industrial,

as empreitadas e outras prestações de serviços estão, respectivamente, nos termos da Lei

n.º 7/97, sujeitas retenção na fonte de 3,50% e 5,25%.

Nos termos da revisão do código do imposto sobre a aplicação de capitais, este

imposto incide sobre os rendimentos resultantes da aplicação de capitais, que se

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dividem em duas secções (secção A e B). Na secção A incluem-se os juros dos capitais

mutuados e os rendimentos provenientes dos contratos de abertura de crédito, que estão

sujeitos a uma taxa de imposto de 15%. Na secção B incluem-se, entre outros, os

dividendos, juros de obrigações, juros de suprimentos, royalties, juros de depósito à

ordem e a prazo, e quaisquer ganhos decorrentes da alienação de participações sociais,

aos quais se aplicam uma taxa de imposto de 10%. No entanto, existem algumas

situações em que a taxa de imposto é de 5%, como sejam os juros provenientes de

bilhetes e obrigações do tesouro.

O sistema angolano adopta o princípio da territorialidade, o que associado à

inexistência de convenção internacional para evitar a dupla tributação, promove

fenómenos de rendimentos tributados por mais que um sistema fiscal. Assim, a dupla

tributação internacional surge quando situações que têm contacto com mais do que uma

ordem jurídica são objecto de tributação pelos diferentes países intervenientes na

relação jurídica. Porquanto, estamos perante situações que estão em conexão, num dos

seus elementos, com mais que um ordenamento jurídico, não sendo, por isso, situações

puramente internas.

Em vários casos, a dupla tributação provoca efeitos negativos em relação às

trocas comerciais, bem como, na circulação de capitais, de tecnologias e de pessoas.

Quanto ao poder de tributação, ele ocorre com base em algum elemento de

conexão. Essa conexão pode ter uma vertente pessoal ou territorial, ou seja, será

baseada na nacionalidade ou no território.

A dupla tributação é um conceito utilizado no direito tributário para designar o

fenómeno do concurso de normas, ou seja, quando o mesmo facto se integra na previsão

de duas normas diferentes, dando origem à constituição de mais do que uma obrigação

de imposto. Por isso, este conceito implica a existência de identidade do facto (do

objecto, do sujeito, do período contributivo e do imposto) e da pluralidade de normas.

Com efeito, merece especial atenção o problema da identidade de sujeitos, para separar

a dupla tributação jurídica da económica. Assim, na dupla tributação jurídica existe

identidade do sujeito, ou seja, tributa-se, por diferentes normas, o mesmo sujeito

passivo, enquanto que, na dupla tributação económica, ocorre a designada dupla

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imposição económica ou sobreposição de impostos, que implica que exista identidade

quanto ao objecto, mas diversidade quanto aos sujeitos passivos.

Nestes termos, as convenções sobre dupla tributação pretendem eliminar a dupla

tributação jurídica e não a dupla tributação económica. Também é costume afirmar que,

no caso concreto de Angola, existe no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) uma

norma que promove o mesmo resultado do que estas convenções internacionais. No

entanto, tal afirmação não corresponde à realidade, pois, o artigo 42.º do EBF é limitado

à questão da dupla tributação económica dos lucros distribuídos e não à dupla tributação

jurídica, por isso, tem um campo de aplicação bastante reduzido.

Nos termos desta disposição legal, é aplicável aos lucros distribuídos a entidades

residentes por afiliadas residentes em países africanos de língua oficial portuguesa

(como Angola), a dedução dos rendimentos, incluídos na base tributável,

correspondente aos lucros distribuídos, prevista no artigo 51.º n.º do Código de IRC. No

entanto, este benefício está dependente da verificação cumulativa de alguns requisitos.

Assim, as entidades envolvidas (beneficiária e distribuidora) devem estar sujeitas e não

isentas de IRC ou de imposto sobre o rendimento análogo a este. Depois, a entidade

beneficiária tem de deter, de forma directa, uma participação não inferior a 25% do

capital da sociedade distribuidora (afiliada), durante um período de 2 anos. Por fim, os

lucros distribuídos têm de ter origem em lucros da sociedade distribuidora que tenham

sido tributados a uma taxa não inferior a 10%. Os lucros gerados não devem resultar de

actividades geradoras de rendimentos passivos, tais como, royalties, mais-valias, outros

rendimentos de valores mobiliários e rendimentos de imóveis situados fora do país de

residência da sociedade.

Esta disposição legal não resolve a dupla tributação jurídica internacional, como

seja, por exemplo, o problema de Portugal tributar com base na residência todos os

rendimentos gerados (princípio da tributação mundial dos seus cidadãos) e Angola

tributar os rendimentos gerados no seu território (princípio da tributação da fonte).

No caso de Portugal e Angola, apesar das negociações existentes, ainda não foi

possível celebrar uma convenção para evitar a dupla tributação internacional, o que

pode criar vários problemas aos empresários de ambos os países. A conclusão deste

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processo é fundamental para potencializar os investimentos noutros países da região

africana, bem como, para assegurar a segurança jurídica da situação fiscal dos

contribuintes que exercem, ou pretendem exercer, quaisquer actividades comerciais,

industriais, financeiras, ou outras, em Angola.

A celebração de acordos sobre a dupla tributação permitirá aumentar e

intensificar o desenvolvimento das relações económicas internacionais, possibilitando

maior flexibilidade no movimento de capitais e pessoas, nas transferências de

tecnologias e circulação de pessoas, bens e serviços. Além disso, a celebração destes

acordos impulsionará a entrada em Angola e Portugal de capitais imprescindíveis ao

desenvolvimento de ambos os países.

A celebração do dito acordo permitirá, também, uma maior transparência e

celeridade nos negócios entre as empresas dos dois países, tal como permitirá a

utilização do sistema fiscal como um instrumento de política económica, evitando que

os incentivos fiscais sejam anulados pela dupla tributação.

A primeira questão que se coloca ao investidor português, tendo em conta a

questão fiscal consiste em determinar se lhe é mais favorável constituir uma sociedade

de direito angolano ou se lhe é mais vantajoso actuar através de um estabelecimento

estável. Os rendimentos, em ambas as situações, ficam sujeitos a imposto industrial, à

taxa de 30 %, mas os lucros de uma sociedade (subsidiária) serão sujeitos a uma

retenção na fonte de 10%, enquanto o repatriamento dos excedentes de um

estabelecimento estável (sucursal) não está sujeito a tributação. No entanto, há que ter

em conta que a concessão de benefícios fiscais será mais fácil no caso de se tratar se

uma subsidiária. Além disso, sendo uma sucursal, os seus resultados serão logo

incluídos na matéria colectável de IRC, já os lucros de uma subsidiária, em regra, só são

objecto de tributação em IRC aquando da sua distribuição aos sócios residentes em

Portugal. Adicionalmente, a opção por um sucursal (estabelecimento estável) permite

deduzir os seus prejuízos ao imposto devido em Portugal.

Neste âmbito, poderá existir vantagem na utilização de sociedades intermédias,

tanto para a tributação dos rendimentos como para um eventual desinvestimento. Essas

sociedades podem trazer a vantagem de estarem localizadas em países com isenção de

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tributação de dividendos e mais-valias, bem como taxas reduzidas de imposto sobre o

rendimento, como sucede no Luxemburgo e Holanda. Ora, uma opção bastante viável

será a utilização de uma sociedade localizada e licenciada na zona franca da Madeira.

A zona franca da Madeira beneficia de um conjunto de incentivos fiscais para

promoção e captação de investimentos. Esses incentivos dirigem-se às sociedades que aí

se instalam, aos seus sócios e a determinadas operações objectivamente consideradas.

Actualmente, esta matéria encontra-se regulada nos artigos 33.º e 36.º do EBF.

Nos termos do artigo 36.º do EBF, os rendimentos das entidades licenciadas até 31 de

Dezembro de 2013 para o exercício de actividades industriais, comerciais, de

transportes marítimos e de outros serviços não excluídos, são tributados em IRC, até 31

de Dezembro de 2020, à taxa de 5%, sendo que, em 2012, ainda poderão beneficiar da

taxa de 4%.

Para aceder a este benefício, as empresas licenciadas deverão criar de um a cinco

postos de trabalho e realizar um investimento mínimo de € 75.000,00 (na aquisição de

activos fixos corpóreos ou incorpóreos) nos dois primeiros anos de actividade, ou criar

seis ou mais postos de trabalho, nos seis primeiros meses de actividade.

No caso de se tratar de entidades que prossigam actividades industriais, podem,

ainda, beneficiar de uma dedução de 50% à colecta IRC, desde que preencham, pelo

menos, duas das condições elencadas nas alíneas do n.º 5 do artigo 36.º do EBF.

No entanto, algumas actividades estão excluídas deste regime especial, como

sejam as actividades de intermediação financeira, de seguros e das prosseguidas por

instituições auxiliares de intermediação financeira e de seguros, bem como, as

actividades de tipo “serviços intragrupo”, designadamente, os centros de coordenação,

de tesouraria e de distribuição.

Não obstante isso, os rendimentos das sociedades gestoras de participações

sociais (SGPS) licenciadas até 31 de Dezembro de 2013, são tributados às taxas acima

elencadas, excepto os obtidos em território nacional.

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Finalmente, a utilização de uma sociedade intermédia, com sede na zona franca

da Madeira, permite obter vantagens na eliminação da dupla tributação económica dos

dividendos distribuídos aos sócios residentes no continente. Ora, a vantagem decorre do

facto ser exigida uma menor percentagem da participação social (10%) e um período de

detenção também inferior (1 ano), em relação ao previsto no artigo 42.º do EBF.