Norval Baitello junior e Christoph Wu[f organizadores · 1 Este video e, bem como o seguinte,...

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e as lmagens em Movimento Norval Baitello junior e Christoph Wu[f organizadores

Transcript of Norval Baitello junior e Christoph Wu[f organizadores · 1 Este video e, bem como o seguinte,...

e as lmagens em Movimento

Norval Baitello junior e Christoph Wu[f organizadores

1agens em Movimento

as Letrase Cores Editora. 11 ou parcial deste livro.

xdo Ortogratico da Ungua Portuguesa

pyb!icacäo !C!Pl

s e as imagens em movimento I orgs. 'ulf. - Säo Paulo : Esta~äo das Letras e

ca~äo. 3. Emo~öes - Aspectos sociais. 4. Jstra~öes, etc. 6. Sentidos e sensa~öes. Wulf, Christoph.

zes

CDD 152.1 152.4 153.3 302.2 306

Sumario Agradecimentos ....................................................................................................................................................... 7

Pref<kio Norval Baitello junior e Christoph Wulf .......................................................................................................... 9

Emo~äo e lmagina~äo: perspectivas da antropologia hist6rico-cultural Christoph Wulf ........................................................................................................................................................ 11

lmagem e Emo~äo: movimentos interiores e exteriores Norval Baitello junior ........................................................................................................................................... 21

Self, Certeza e Emo~äo Coletiva Gunter Gebauer ..................................................................................................................................................... 29

As Categorias da Fascina~äo: her6is, tramas e imagens do relato oral Jerusa Pires Ferreira ............................................................................................................................................. 39

Espectador lnterior, Testemunha lmaginaria: sobre a teoria e a literatura da vergonha Arthur Schnitzler: Fräulein Else e Tania Blixen: Ehrengard Claudia Benthien ................................................................................................................................................... 47

Emo~äo e lmagina~äo na Escrita Eduardo Pefiuela Cafiizal ................................................................................................................................... 63

Tristäo: imagina~äo no romance medieval lngrid Kasten ........................................................................................................................................................... 91

Equilfbrio Precario no Exemplo de Lynn Hili Helga Peskoller .................................................................................................................................................... 103

Emo~öes como uma Estrategia de Transcendencia Ubiratan D'Ambrosio ........................................................................................................................................ 113

Significado e Emo~äo Eva-Maria Engelen ............................................................................................................................................. 129

Simpatia e Empatia- Mediosfera e Noosfera Malena Segura Contrera ................................................................................................................................. 141

Paixöes Bfblicas como Desafio. Negocia~äo, desarmamento e reconstru~äo do sacriffcio de Abraäo no Alcoräo Angelika Neuwirth ............................................................................................................................................. 151

A Heresia da lmagina~äo Marflia Pacheco Fiorillo .................................................................................................................................... 161

lmagina~äo da Felicidade Joerg Zirfas ............................................................................................................................................................ 173

A lmagem como Dialetica da lmagina~äo Lucrecia D'Aiessio Ferrara ............................................................................................................................... 187

A Cria~äo Mimetica e a Circula~äo de Emo~öes: um estudo de caso Christoph Wulf .................................................................................................................................................... 199

Biografias ................................................................................................................................................................ 217

Agradecimento:

Este livro, Emo~äo e lmagir: intercämbio e coopera~äo entre

e em Säo Paulo. Por isso, em no

deixar aqui registrado nosso a'

colabora~äo e pelo enriquecir

internacional. Em especial nos r

Periuela Cariizal com um lindo te

uma sele~äo e um aprofundame

nome, apoiado pelo Servi~o So1

de agradecer, pelo inestimavel

a toda a numerosa e compet

Tambem gostarfamos de agradE

lnterdisciplinar de Semi6tica da

Cat61ica de Säo Paulo (PUC-SP),

(UNIP), por seu envolvimento e 1

Paulo, especialmente a sua diret

a tradu~äo. Aos tradutores Pete1

sua competente e diffcil arte pa

brilhante tradu~äo como base pc

tambem para as tres institui~ö!

cujo apoio financeiro e organizc

acontecido, a Deutsche Forschu

Languages of Emotion (Dr. Schrr

Cooperation (Dr. Herbert Griesh

Institut für historische Anthropo/1 Viviane Panelli Sarraf, que fez a c e a Vinicius Spricigo (com o apoil

para a publica~äo, com base nas

Helga Peskoller näo foi traduzido

inteiramente refeito para o livro).

Ne

. Emotionalisierung des sexuellen

11otionen im Mittelalter. Editado por 003, p. 237-250.

me. Internalisierte Topographie in

derts (Hereford-Karte, 'Straßburger

'Literatur im transnationalen Kontext. 05, p. 12-36.

tion. ln: Ästhetische Grundbegriffe 2,

sens de Ia poesiedes troubadours. ingen, 1959.

~xtes von Wende/in Foerster übersetzt , 2006.

Equilibrio Precario no Exemplo de Lynn Hili Helga Peskoller

Grenzen sind auf verhängnisvolle Weise unüberschreitbar.

Fronteiras säo fatalmente (in)transponfveis.

Dietmar Kamper

lntrodu~äo

0 artigo tem tres partes e se desdobra ao longo de quatro imagens em camera

lenta. Partimos do questionamento que nos coloca uma sequencia de vfdeo, com

relac;äo a uma determinada situac;äo que delimita fortemente a ac;äo humana. Disso

se deduz as primeiras suposic;öes sobre a relac;äo entre emoc;äo e imaginac;äo, e tudo

termina na questäo a respeito do peso deste exemplo, que fala especialmente sobre uma universalidade.

Vfdeo 1: Retrato Hili, PB e cämera lenta 1

A Coisa

0 quese apresenta aqui? 0 que essas imagens narram? Um retrato de uma jovem

1 Este video e, bem como o seguinte, tirado do documentario Mulheres em Desenvolvimento e foi processado digitalmente (desacelera~äo de 70% do filme em tempo real, PB, em vez de cor, e sem som).

103

Equilibrio Precario no Exemplo de Lynn Hili

mulher com seus brac;os em movimento. Durante alguns instantes, ela fecha os olhos

como se o movimento que realiza pudesse ser recordado de uma mem6ria guardada

de determinada situac;äo anteriormente vivenciada. Ao olharmos com mais cuidado,

notamos certos atrasos: primeiro os brac;os passam por cima do olhar que esta ao

fundo; pouco tempo depois, este movimento do brac;o ligado ao olhar se apresenta

em primeiro plano. E se olharmos com mais cuidado, fica claro que o olhar vai para um

pouco mais Ionge, dirigindo-se a alguma coisa que näo e possfvel enxergar. Algo que

parece estar alem da imagem, mas que possivelmente funciona como um motivo.2 Do

que poderia tratar-se nesse caso?

Vfdeo 2: Alongamento, Iento

0 segredo foi revelado. 0 motivo e algo que determina tanto o olhar quanto

a representac;äo. Essa coisa penetra desde o infcio na imaginac;äo, estruturando-a

e dinamizando-a. A coisa que esta a nossa frente como sendo invisfvel assumiu

desde o infcio a direc;äo na maneira de um 'atualizador crönico:3 A denominac;äo de

atualizador crönico remete ao relacionamento entre objetos externes e disposic;öes

internas. Pressupöe-se nessa situac;äo que os objetos funcionam com ponto de apoio

externe e tem uma func;äo de disparo. Ela fortalece e explica o surgimento de engates

entre objeto, instrumento, habitos de movimento, situac;öes internas da consciencia

como emoc;öes, com o resultado que a instabilidade dos eventos näo devem ser

reconstrufdos a cada vez na consciencia, mas ao serem fixadas esses engates

paulatinamente ganham uma estrutura.4

0 que isso significa para o exemplo? Significa em primeira instäncia que apenas

aquilo com que nos defrontamos e parece invisfvel de infcio e que se torna visfvel na

segunda sequencia das imagens deveriam ser providos de muito mais significac;öes.

Enquanto nos dois casos se trata da mesma coisa: uma montanha, mais precisamente um

2 Sujeito a mudan~as no cenario hist6rico, cf. Peskoller, 1999

3 Cf. Gehlen, 1956, p.26. 4 Cf. Hahn, 2010, p.19.

104

paredäo que surge em l .OOOm

de granito bastante liso, ha algt

de dificuldade 5.12c/d (-IX), un

todo. Em 1993, foi Glenn Hili q1

sua meta e veneende as dificulc

Mas isso no.s da uma boc

pelo menos dois pantos de a

explicar a persistencia em qu

imaginando um movimento s

levou a coisa a serio e treinou

paredäo. 0 extase demonstrac

deve ter havido alguma coisa

s6bria e trabalhosa, os treinam

Alguem que empreende L

osso e espfrito, e pode supor <

extremamente duradouro. De

lembranc;as e algo que näo mE

a esse tipo de atividade se s1

se nos apresenta e presumir q

disposic;öes internas ganham

constituir um motivo. 0 efeito

tem Um carater magico, sua intE

e o exterior. 0 apoio externe, dc

da o motivo e ambos trabalharr

em uma especie de atualizador c

na func;äo de um 'suporte dina

exterior, cuja intensidade e amp

Vfdeo 3:

5 Ponto vermelho significa escalada sem a ajt 6 Cf. Peskoller, 2005a.

uns instantes, ela fecha os olhos

lade de uma mem6ria guardada

Ae elharmes com mais cuidado,

per cima de olhar que esta ao

i~e Iigade ae olhar se apresenta

ica clare que o olhar vai para um

äe e pessivel enxergar. Algo que

? funciena como um motivo.2 Do

tto

Jetermina tanto o olhar quanto

na imagina~äo, estruturando-a

ceme sende invisivel assumiu

jer crönico~ 3 A denomina~äo de

' ebjetes externos e disposi~öes

funcionam cem ponto de apoio

explica e surgimento de engates

tua~öes internas da consciE~ncia

:le dos eventos näo devem ser

, serem fixados esses engates

Tl primeira instäncia que apenas

e inicie e que se torna visivel na

jes de muito mais significa~öes.

nentanha, mais precisamente um

Helga Peskoller

paredäo que surge em l.OOOm no vale de Yosemite, na Calif6rnia. Atraves desse paredäo

de granito bastante lise, ha algumas rotas: uma se chama 'o nariz' (the nose) e indica o grau

de dificuldade 5.12c/d (-IX), um dos mais intensos graus de serem escalados no mundo

tede. Em 1993, foi Glenn Hili quem venceu a escalada sem pontes de apoio, alcan~ando

sua meta e vencendo as dificuldades do paredäo sem coloca~äo de pitons de apoio.5

Mas isso no.s da uma boa pista para reconhecermes algo: este paredäo deve ter

pelo menos dois pontos de apoio, um ponto real e outro imaginario, se näo, como

explicar a persistencia em que Hili, diante de todas essas dificuldades, se manteve

imaginando um movimento sem quedas? Ela näo se apoiou apenas na imagina~äo,

leveu a coisa a serio e treinou durante dias, meses, ate mesmo anos para escalar esse

paredäo. 0 extase demonstrado na imagem näo pode ter sido apenas o do momento,

deve ter havido alguma coisa a mais. A situa~äo da atleta na imagem era demasiado

s6bria e trabalhosa, os treinamentos necessarios foram muitos.6

Alguem que empreende um projeto como esse se entrega a ele com tudo: carne,

osso e espirito, e pode supor que o embate com esse rochedo desenvolve um efeito

extremamente duradouro. De que modo alguem pode liberar-se desse efeito sem

lembran~as e algo que näo me atrevo a julgar. 0 fato e que alguem que se submete

a esse tipo de atividade se sente totalmente entregue a ela. A primeira tese que

se nos apresenta e presumir que, pelo apoio externo que as coisas nos oferecem, as

dispesi~öes internas ganham em estrutura~äo e paulatinamente se adensam ate

censtituir um motivo. 0 efeito resultante de atividades como a apresentada e vivaz e

tem um carater magico, sua intensidade se deve ao engate e a dinämica entre 0 interior

e o exterior. 0 apoio externo, dado pelas coisas, une-se a uma estabilidade interna, que

da o motivo e ambos trabalham- do lado de fora e de dentro- reciprocamente, juntos

em uma especie de atualizador crönico. 0 Motivo do desejo e direcionado e estabilizado

na fun~äo de um 'suporte dinamizador' dos processos de liga~äo entre o interior e o

exterior, cuja intensidade e ampliada na experiencia e vence a estrutura do conteudo.

Vfdeo 3:Teto de passagem, camera lenta

5 Ponto vermelho signiftca escalada sem a ajuda de metodos artiftciais para movimentar o pr6prio corpo.

6 Cf. Peskoller, 2005a.

105

Equilfbrio Precario no Exemplo de Lynn Hilf

Sensores

0 paredäo visto com cuidado e demasiado grande para 0 poder de imagina~äo

humana e näo pode sercaptado por ela. Por isso, ela precisa ser reduzida e retrabalhada.

Como isso acontece, as imagens mostram: a for~a da imagina~äo de ascender, ou

seja, introjetar-se no corpo, nos dedos das mäos e dos pes se espraiam e enquanto

isso ocorre uma mudan~a. Essa metamorfase consiste em que o aspecto visual da

imagina~äo se metamorfoseia no aspecto t<Hil de sentir e de apalpar. E alguma coisa

nos leva a falar de imagens t<Heis nesse caso. Mas no caso dessas imagens tateis, a

imagina~äo assume um papel totalmente diferente. Porque no aspecto t<Hil näo ha

nada quese coloque diante da realidade, mas ao tocar o que temos em nossa frente,

ela e imediata e direta. Direta näo significa aqui algo brutal, violento, duro, mas algo

cuidadoso. Forte sim, mas sobretudo profundo ate o mais profundo dos sentidos,

como diria Michel Serres. Porque s6 nesse momento, visto estritamente, pode se falar

em contato, e apenas por meio do contato a alma entra em jogo. A alma que, como

dizem, deve prefigurar sempre nos pantos de pressäo. Exatamente Ia onde ocorre

o contato, o toque. Em meio a essa mistura estranha que s6 pode ser sentida no

momento em que a imagina~äo trabalha no modo tatil e atraves disso se transforma

numa sensa~äo fina, pr6pria do sentido do tato/

Quando esse e o caso, entäo havera menos quedas,8 porque alma e corpo näo

mais estäo separados, e as mäos e os pes se transformam em sensores.lsso tambem foi

mostrado poressas imagens. Elas nos apresentaram o quanto temos que nos acomodar

ao que e dado, ao que e presente e quäo estreita pode ficar a situa~äo quando a gente

se movimenta, por exemplo, embaixo de um teto que sobressai alguns metras do

paredäo, por isso e chamado"o nariz': Neste ponto, näo ha imagina~äo que ajude, que

se afaste do concreto, mas aqui a unica coisa que ajuda e o saber interiorizado sobre

a irrenunciabilidade do contato que sempre e constitufdo por ambos os lados: pedra

e pele. Esse entäo e o local onde a alma pula de um lado para outro como uma bola,

e a gente atraves da fina rede do toque consegue atravessar a selva dos pantos de

contato. t claro que isso requer paciencia, aten~äo, assim como a capacidade delidar

com elevadas intensidades. Porque a fuga aqui esta praticamente impossibilitada,

e disso decorre uma segunda tese que reza: a for~a descendente interiorizada no

corpo passa atraves da pele pelo modo do tato e apenas por meio disso essa for~a se

transforma numa imagina~äo fina como condi~äo sine qua non para que possamos ter

representa~öes do concreto para transforma-las em sensa~öes do inconcreto. Os n6s

ou intensidades säo tambem zonas neutras e silenciosas que criam passagens. Assim,

estabelecer e possibilitar o contato no sentido mais pleno da palavra.

7 Cf. Serres, 1998.

8 Cf. Peskoller, 2009.

106

Retornemos ao come~o ~

preparados de forma imagin

embaixo, onde Lynn Hili em cl

bra~os, gra~as a imagina~äo e

efetivamente executado Ia em

VI

Livrar-se das amarras

Quais sensa~öes correspo

pergunta e mais do que justi

relaxamento para näo assustar

perder o controle.9 lsso corresp1

diario oito horas por dia, porqu

referencia ao magico contorcio

de chave da parede, e näo por

equilfbrio. Faz parte, alem da f<

pr6prio, tambem uma atmosfE

200m da alta fenda. Nessa noiti

esse segmento em estilo Iivre e

estava fresco, foi dada a largad<

"Brooke me levou e

exatamente a com~

nos ultimos dias. I

9 Cf. Hiii/Greg, 2002.

10 A ideia dessa designa~äo provem do parc chave, mas a chamou de base: "De uma tor

p.272). Houdini e o pseudönimo artfstico de I

sua famflia; aos 17 anos iniciou sua carreira cc Jean Eugene Robert-Houdin, mudou seu not

ficou conhecido especialmente pelo desaco americana com o sentido de'escapar' (to hou

1de para o poder de imagina~äo

:cisa ser reduzida e retrabalhada.

:la imagina~äo de ascender, ou

os pes se espraiam e enquanto

;te em que o aspecto visual da

1tir e de apalpar. E alguma coisa

o caso dessas imagens tateis, a

Porque no aspecto tatil näo ha 3r o que temos em nossa frente,

brutal, violento, duro, mas algo

o mais profunde dos sentidos,

visto estritamente, pode se falar

1tra em jogo. A alma que, como

äo. Exatamente Ia onde ocorre

1a que s6 pode ser sentida no

til e atraves disso se transforma

das,8 porque alma e corpo näo

m em sensores.lsso tambem foi

1uanto temos que nos acomodar

ficar a situa~äo quando a gente

ue sobressai alguns metros do

) ha imagina~äo que ajude, que

ja e 0 saber interiorizado sobre

Jfdo por ambos os lados: pedra

1do para outro como uma bola,

ravessar a selva dos pontos de

;im como a capacidade de lidar

praticamente impossibilitada,

descendente interiorizada no

ias por meio disso essa for~a se

qua non para que possamos ter

msa~öes do inconcreto. Os n6s

as que criam passagens. Assim,

~no da palavra.

Helga Peskoller

Retornemos ao come~o para vermos quais movimentos reais deveriam ter sido

preparados de forma imaginaria. Sabendo disso, retornaremos ao infcio, para Ia

embaixo, onde Lynn Hili em chäo firme descreve um percurso do movimento com os

bra~os, gra~as a imagina~äo e a mem6ria. Tal movimento, um pouco mais tarde, foi

efetivamente executado Ia em cima e com exito.

Vfdeo 4: Houdini, cämera lenta

Livrar-se das amarras

Quais sensa~öes correspondem a esse paredäo, voce pode se perguntar, e essa

pergunta e mais do que justificada. Lyn Hili afirma que durante meses treinou o

relaxamento para näo assustar-se diante de coisas imprevisfveis e cair em pänico ou

perder o controle.9 lsso corresponde a correr, fazer ginastica, escalar como treinamento

diario oito horas por dia, porque ela sabia que esta passagem, que tem esse nome em

referencia ao magico contorcionista Harry Houdini,10 deveria ser vencida por um poder

de chave da parede, e näo por um ato de for~a, possfvel somente se fosse criado um

equilfbrio. Faz parte, alem da forma da rocha, sua estrutura, a dificuldade e um saber

pr6prio, tambem uma atmosfera. Tambem por isso se acampou na faixa abaixo de

200m da alta fenda. Nessa noite ela sonhou, assim escreve Hili, que conseguia superar

esse segmento em estilo Iivre e, ao amanhecer, quando despertou descansada e o dia

estava fresco, foi dada a largada.

"Brooke me levou em seguran~a e me pus a caminho sabendo que teria de fazer

exatamente a complicada sequencia de movimentos, tal qual a tinha imaginado

nos ultimos dias. Para Changing Corners, eu tinha elaborado uma manobra

9 Cf. Hiii!Greg, 2002.

10 A ideia dessa designa~äo provem do parceiro de escalada de Hili, Brooke Sandahl, que näo consegulu Iranspor a posi~äo­chave, mas a chamou de base: "Oe uma torcedura como essa somente Houdlnl consegulrla se llbertar" (Hiii/Child, 2002,

p.272). Houdini e o pseudönimo artistico de Erik Weisz, nascido em 1874 na Hungria e com 4 anos emigrou para os EUA com sua famflia; aos 17 anos iniciou sua carreira como magico e desacorrentador. Em homenagem ao seu ldolo, o maglco frances

Jean Eugene Robert-Houdin, mudou seu nome para Houdini. Rivalizou com faquires de extraordinario domlnio corporal e ficou conhecido especialmente pelo desacorrentamento subaquatico. Seu nome fol lncorporado a llngua inglesa norte­

americana com o sentido de 'escapar' (to houdinize).

107

Equilfbrio Precario no Exemplo de Lynn Hili

sutil com uma torcedura que tinha o efeito de um truque de magia. Com uma

sequencia cuidadosamente planejada de pressäo e contrapressäo entre pes,

mäos e quadris contra a parede da fenda, girei meu corpo em 180 graus:'1,

Ela executou o que tinha imaginado, obedecendo ao timing, o ritmo e a sequencia

na distribuit;äo do peso por meio da pressäo e contrapressäo. Nem de mais nem de

menos. Depende do equilfbrio apenas para aquele momento e tambem apenas na

consciencia adaptar-se a um desfgnio resistente. Pois o equilfbrio se comporta como a

razäo: ambos säo a excet;äo e näo a regra. 12 Ao equilfbrio e menos pr6pria a estabilidade

que a dilacerat;äo, e ele remete a uma constituit;äo geral do humano.13

Por desacorrentamento quer-se dizer uma dupla torcedura- corporal e mental -

para a libertat;äo das imaginat;öes sobre o corpo em favor de umsaber corporal sentido

que, mesmo em situat;öes sem safda, encontra uma possibilidade de se mover.

"Changing Corners" foi um exemplo de lida competente com o Iimite em um

estado de fort;as resistentes: por um lado se requer um grande desejo de se deixar

envolver com a dura vida dessa parede rochosa; por outro, esse desejo tem que ser

modelado e colocado em uma forma efetiva para que ele näo se projete para alem da

meta e arrebate para decisöes que potencializem o potencial de perigo.

De maneira semelhante, istovale para as emot;öes: por um lado, elas se movem e se

reviram violentamente grat;as a sua pr6pria intermitencia, por isso tem de ser abrandadas

em um nfvel medio, o que e permitido somente com dificuldade por causa do medo;14 por

outro lado, e novamente o medo que näo ilude e por isso assegura os golpes extremes e

a rapida mutat;äo das emot;öes, em geral aquilo que atrai e seduz nas paredes da rocha.

Por um lado, e necessario uma fort;a treinada de imaginar-se para poder se

organizar de forma segura num paredäo desses e, nessa fort;a de imaginat;äo interna,

para cria-la säo necessarios investimentos Iongase profundes; por outro lado, ao mais

tardar na realizat;äo real do movimento, toda a imaginat;äo perde-se e, se esse for o

caso, fracassa o movimento, e ela mesma se transforma em perigo.

Livrar-se das amarras näo significa se tornar seivagem e perder o controle sobre

si mesmo, mas a capacidade corporificada de exercer o paradoxe na forma de um

equilfbrio sem detent;äo e sem queda.

11 Hiii /Greg, 2002, p.272. 12 Cf. Serres, 1994.

13 0 tftulo dessa comunica~äo se deve a uma cita~äo de Bataille feita por Rita Bischof. Por isso, reproduzo·a aqui novamente:

"A defini~äo de humano näo designa em sua opiniäo algo simpes e unitario, tal como o quer uma epoca ingenuamente racionallsta, mas sim algo fragil, um equillbrio precario quese pode dissolver em dilacera~äo" (1984, p. 13). A dilacerac;äo

fundamental do humano näo e apenas constatada mas tambem fundamentada, e sua consequencia e avaliada. Diz o pr6prio

Bataille: "0 mundo humano e por tim apenas uma replica de transgressäo e proibi~äo, de maneira que a palavra 'humand designa o tempo todo um sistema de movimentos contradit6rios que uns neutralizam uma violencia que näo podem nunca

desligar totalmente, e os outrosa libertam, mas com a certeza de um transcorrer pacifico quese seguira" (1978, p.S4). 14 Cf. Peskoller, 2001, p. 152ss.

108

Conclusäo

Se o recurso da antropolc

da tentativa de tornar o munc

funcionaria apenas porque coc

precario foi escolhida. Se pen

refletirmos a respeito dela e :

movimentos Ientos quase arr;

com isso tudo, entäo pode-se c

relat;äo entre emot;äo e imagin

ja falamos, quando nos referim<

comunicativa: em resposta aos

e transformador: no qual estc

'escult6rico, performative e pro

A atividade da escalada e u

mostrode maneira variada, com

cafmos näo sem encantamento.

numa entrega aos objetos exten

t uma natureza distinta de n6s, <

Nesse caso, defrontam-se d

näo somos, e no ponto de conta

do sujeito como inscrit;äo e de!

contra ela a sua ruptura, mas t;

movendo-se contra o abismo. A

corpo e, e numa situat;äo de umc

fronteira, näo como fim, mas con

que mantem as coisas juntas e a

o gesto de se segurar torna-se cc

corta nada, mas mantem o pon

a seguinte: sem a fronteira näo I

travessia nao ha fronteiras.17

Par fim, coloca-se a quest

autocompreensäo de uma cien'

dizer 'te6ricos' significativos de

Comparada com os grandes pr<

fenömeno singular insignifican

15 Cf. et al. Kamper, 1986. 16 Cf. Böhme, 2002.

17 Cf. em varia~äo e desvio de Kamper, 1998, 1

18 Cf. Bourdieu/Wacquant, 1996, p.254.

, de um truque de magia. Com uma

pressäo e contrapressäo entre pes,

rei meu corpo em 180 graus:'11

o ao timing, o ritmo e a sequencia

rapressäo. Nem de mais nem de

momento e tambem apenas na

o equilfbrio se comporta como a

·io e menos pr6pria a estabilidade

:ral do humano.13

1 torcedura- corporal e mental -

1vor de umsaber corporal sentido

ossibilidade de se mover.

1mpetente com o Iimite em um

um grande desejo de se deixar

' outro, esse desejo tem que ser

? ele näo se projete para alem da

)tencial de perigo.

;: por um lado, elas se movem e se

ia, por isso tem de ser abrandadas

1culdade porcausa do medo;14 por

so assegura os golpes extremos e

rai e seduz nas paredes da rocha.

de imaginar-se para poder se

ssa forc;a de imaginac;äo interna,

ofundos; por outro lado, ao mais

tinac;äo perde-se e, se esse for o

1a em perigo.

·agem e perder o controle sobre

er o paradoxe na forma de um

Bischof. Per isso, reproduzo-a aqui novamente: ,, tal como o quer uma epoca ingenuamente

~r em dilacera~äo" (1984, p. 13). A diiacera~äo Ia, e sua consequencia e avaliada. Dizo pr6prio

proibi~äo, de maneira que a paiavra 'humane' 1tralizam uma vioiencia que näo podem nunca rrer pacifico quese seguira• (1978, p.S4).

Helga Peskoller

Conclusäo

Se o recurso da antropologia hist6rica e o paradoxe como resultado involuntario

da tentativa de tornar o mundo univoco,15 a escalada seria uma tecnica cultural que

funcionaria apenas porque coopera com o paradoxo. Portanto, a imagem do equilfbrio

precario foi escolhida. Se pensarmos na escalada como uma atividade humana, se

retletirmos a respeito dela e se nos referirmos simultaneamente a imagem desses

movimentos Ientos quase arrastados, alcanc;amos o conhecimento que ganhamos

com isso tudo, entäo pode-se demonstrar pelo menos tres potenciais quese referem a relac;äo entre emoc;äo e imaginacäo: primeiro, a estrutura paradoxal a respeito da qua I

ja falamos, quando nos referimos ao tema de libertar-se de amarras; depois a 'dimensäo

comunicativa; em resposta aos comentarios sobre o tema 'coisa'; o aspecto 'dinamico

e transformador; no qual estava baseada a sec;äo 'sensores'; e, finalmente, o lado

'escult6rico, performative e produtivo; que veio na sequencia de nossa investigac;äo.

A atividade da escalada e um pouco ex6tica, por isso mostro esses exemplos - e os

mostrode maneira variada, como uma representac;äo pontual de fuga do carcere no qua I

caimos näo sem encantamento. E essa saida consiste, por um lado, em uma conversäo,

numa entrega aos objetos externes, e para isso o paredäo serve como um belo exemplo.

t uma natureza distinta de n6s, o que enfatiza o desafio a nossa pr6pria natureza.16

Nesse caso, defrontam-se duas naturezas: uma, aquela que n6s somos, e outra que

näo somos, e no ponto de contato entre ambos se escreve e se desenha uma topografia

do sujeito como inscric;äo e descric;äo do individuo subjugado, que sabe da queixa e

contra ela a sua ruptura, mas tambem para que o real seja visto como o impossivel,

movendo-se contra o abismo. Ao permitir o desejo de flutuar junto com o peso que o

corpo e, e numa situac;äo de uma rebeliäo contida. Exatamente isso seria um Iimite, uma

fronteira, näo como fim, mas como meio. Um centro que näo divide, que näo corta, mas

que mantem as coisas juntas e ao mesmo tempo separadas. Trata-se do apoio, quando

o gesto de se segurar torna-se cada vez mais provavel. E como tal ele näo separa e näo

corta nada, mas mantem o ponto de ruptura, um e outro que divergem. A f6rmula e

a seguinte: sem a fronteira näo ha o equi librio, sem equilibrio nao ha travessia, e sem

travessia nao ha fronteiras. 17

Por fim, coloca-se a questäo do peso desse exemplo, que tem como meta a

autocompreensäo de uma ciencia do individual que investiga problemas por assim

dizer 'te6ricos' significativos de objetos empiricos aparentemente insignificantes.18

Comparada com os grandes problemas sociais, o escalar montanhas representa um

fenömeno singular insignificante e, contudo ou justamente por isso, ele oferece

15 Cf. et al. Kamper, 1986. 16 Cf. Böhme, 2002.

17 Cf. em varia~äo e desvio de Kamper, 1998, especialmente, p. 12ss.

18 Cf. Bourdieu/Wacquant, 1996, p.254.

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Equilfbrio Precario no Exemplo de Lynn Hili

de maneira especial uma visäo sobre o comportamento humano que muitas vezes

e menosprezada. Assim, as praticas de seguran<;a e retirada da seguran<;a aplicadas

em situa<;öes extremas permitem vislumbrar estrategias, procedimentos e tecnicas

pr6prias que, apesar dos obstaculos, do medo e da inseguran<;a, possibilitam o passo

adiante para uma nova estabilidade passageira.

Escalar entretem e descreve uma rela<;äo com o irrelacional, como mostram as

imagens. Se elas alcan<;am Ionge o suficiente ou se säo pouco extremas para oferecer

dados confiaveis sobre a constitui<;äo dos indivfduos contemporäneos, näo se pode ainda

responderde maneira unfvoca. Mas, se assim fosse, se encontraria näo mais apenas o

corpo em situa<;äo de apuro, mas tambem a for<;a de imagina<;äo ancorada na estrutura

material deste. Esta, que possibilita construir imagens, conseguiu demonstrar-se muito

pouco plastica em face de tais ultimativas imagens e da rebeliäo dos sentimentos a elas

associada. Se assim for, näo mais o real seria o impossfvel, mas a imagina<;äo.

No caso da escalada, näo ha alternativa diante desse gesto precario. A questäo

e se a escalada tambem pode ser vista como uma metafora audaz para o nosso

relacionamento individual e com o mundo hoje, a saber, se essa ideia vai demasiado

Ionge ou eventualmente perto. Porque, para isso, hoje e preciso imagens mais extremas,

menos providas de pontos de apoio.

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irrelacional, como mostram as

> pouco extremas para oferecer

temporaneos, näo se pode ainda

encontraria näo mais apenas o

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rebeliäo dos sentimentos a elas

!1, mas a imaginac;äo.

esse gesto precario. A questäo

metafora audaz para o nosso

er, se essa ideia vai demasiado

preciso imagens mais extremas,

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