Norman Geisler John Feinberg Bruce Reichenback Clark Pinnock Predestinacao e Livre Arbitrio

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S o u p r e d e s t i n a d o  o u l i v r e ?Se D eus controla tudo, será que as pesso as são realmen te

livres? Esta pe rgu nta tem pe rturb ad o os cristãos há séculos. Asrespostas abrem -se num leque m uito am plo. Até hoje oscristãos discord am en tre si. O s qu e enfatizam o livre-arbítriohumano, vêem aqui um reflexo do poder de Deus, que Elemesmo autolimitou. Outros consideram o livre-arbítrio nocontexto do controle geral exercido por Deus.

David e Randall Basinger  p ropuseram esta velha questãoa q uatro p rofessores no cam po da teologia e d a filosofia. John  Feinberg, da Trinity Evangelical Divinity School, e Norman  Geisler, do Dallas Theological Seminary, d efendem a soberaniaespecífica de Deus. Bruce Reichenbach, do AugsburgCollege, e Clark Pinnock, do McMaster Divinity College,insistem em que Deus precisa limitar Seu controle, a fim degarantir nosso livre-arbítrio. Cada autor defende sua

 perspectiva, e aplica sua teoria a dois casos práticos paraestudo. Em seguida, os autores fazem réplicas entre si,concernentes aos art igos de cada um, expondo aquilo que

 ju lgam ser fa lácias, erros e p resunções.

David Basinger é professor assistente de filosofia no RobertsWesleyan College (E.U.A.). Seu irmão Randall é professorassistente de filosofia no Messiah College (E.U.A.).

EDITORA MUNDO CRISTÃOCaixa Postal 21.257. 04698 — São Paulo, Est. S.P.Sede: RuaA ntonio CarlosTacconi,79 Tel.:520-5011

M u n d oC r i s t ã o

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Título do original em inglês:PREDESTINATION & FREE WILLCopyright © 1986 por Inter-Varsity Christian FellowshipPublicado por InterVarsity PressDowners Grove, Illinois, E.U.A.

Tradução:  Oswaldo Ramos

Capa:  Íbis Roxanel s edição brasileira:  fevereiro de 198923 edição brasileira:  agosto de 19963"edição brasileira: fevereiro de 2000

Publicado no Brasil com a devid a autorizaçãoe com todos os direitos reservados pelaASSOCIAÇÃO RELIGIOSA EDITORA MUNDO CRISTÃOCaixa Postal 21.257, CEP 04698-970 São Paulo, SP Brasil

ImpressãoeAcabamentoOESPGRÁFICAS.A.

MAZINHO RODRIGUES

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Sumário

Prefácio à Edição Brasileira 5

INTRODUÇÃO 19 David Basinger e Randall Basinger 

I. DEUS DECRETA TODAS AS COISAS 31 John Feinberg 

RÉPLICASRéplica de Norman Geisler 63Réplica de Bruce Reichenbach 69Réplica de Clark Pinnock 77

II. DEUS SABE TODAS AS COISAS 81 Norman Geisler  RÉPLICASRéplica de John Feinberg 109Réplica de Bruce Reichenbach 115Réplica de Clark Pinnock 123

III. DEUS LIMITA SEU PODER 127

 Bruce Reichenbach RÉPLICASRéplica de John Feinberg 157Réplica de Norman Geisler 163Réplica de Clark Pinnock 169

IV. DEUS LIMITA SEU CONHECIMENTO 173Clark Pinnock  RÉPLICASRéplica de John Feinberg 199Réplica de Norman Geisler 207Réplica de Bruce Reichenbach 213

Colaboradores 216

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6   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

são de que o calvinismo estava errado, e passou a defender a posição que vinha atacando!

Em 1610, após a morte de Armínio, seus seguidores produzi

ram um memorial constituído de cinco pontos fundamentais —um resumo do arminianismo. Armínio mesmo não deixou um sistema doutrinário articulado. Segundo alguns, Simon Episcopius(1583-1643) é quem sistematizou o arminianismo.

Que É o CalvinismoCalvinismo é o sistema teológico das Igrejas Reformadas, cuja ex

 pressão doutrinária oficial é a Confissão de Fé de Westminster, redigida por determinação do parlamento inglês. Os trabalhos tomaram cinco anos e meio, terminando em 1648, deles participando120 ministros ou teólogos, 11  “lords”, 20  “comuns” (alguns eramdas universidades de Oxford e Cambridge) e 7 delegados da Escócia.

Mas foi o Sínodo de Dort, em Dortrecht, na Holanda, reuni

do em 1618-1619, que teve o objetivo precípuo de contra-atacar oarminianismo. Foi ali que surgiram os “cinco pontos do calvinismo”, em resposta aos cinco pontos do memorial arminiano. Ã or-dem desses pontos difere: no documento de Dort, o ponto número 1  responde ao ponto número 3, do memorial arminiano; o número 2 responde ao número 1; o número 3, ao número 2 ; o número4, ao número 4, e o número 5, ao número 5.

Memorial ArminianoEis uma exposição resumida dos cinco pontos do memorial arminiano:1. O Decreto divino de predestinação é condicional, não absolu- 

to. Deus escolheu as pessoas para a salvação, antes da fundação domundo, baseado em Sua presciência. Ele previu quem aceitaria li

vremente a salvação, e predestinou os salvos. A salvação ocorrequando o pecador escolhe a Cristo; não é Deus quem escolhe o pecador. O pecador deve exercer sua própria fé, para crer em Cristoe salvar-se. Os que se perdem, perdem-se por livre escolha: não quiseram crer em Cristo, rejeitaram a graça auxiliadora de Deus. Deut.30:19; João 5:40; 8:24; Ef. 1:5, 6 , 12; 2:10; Tiago 1:14; 1 Ped. 1:2;Apoc. 3:20; 22:17.

ií_ 2. A expiação é universal. O sacrifício de Cristo torna possível atoda e qualquer pessoa salvar-se pela fé, mas não assegura a sal

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 PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 7

vação de ninguém. Só os que crêem nEle, e todos quantos crêem,serão salvos. João 3:16; 12:32; 17:21; 1 João 2:2; 1 Cor. 15:22;

1 Tim. 2:3, 4; Heb. 2:9; 2 Ped. 3:9; 1 João 2:2.ò̂ ~- 3.  Livre-arbítrio, ou capacidade humana. Embora a queda deAdão tenha afetado seriamente a natureza humana, as pessoas nãoficaram num estado de total incapacidade espiritual. Todo pecador pode arrepender-se e crer, por livre-arbítrio, cujo uso determinará seu destino eterno. O pecador precisa da ajuda do Espírito, e só é regenerado depois de crer, porque o exercício da fé é a

 participação humana no novo nascimento. Is. 55:7; Mat. 25:41,46;Mar. 9:47, 48; Rom. 14:10, 12; 2 Cor. 5:10.4 . O pecador pode eficazmente rejeitar a graça. Deus faz tudo que

 pode para salvar os pecadores. Estes, porém, sendo livres, podemresistir aos apelos da graça. Se o pecador não reagir positivamente,o Espírito não lhe pode conceder vida. Portanto, a graça de Deusnão é infalível nem irresistível. O homem pode frustrar a vonta

de de Deus para sua salvação. Luc./18:23; 19:41, 42; Ef. 4:30; 1 Tess.5:19., r$> 5. Os crentes — regenerados pelo Espírito — podem cair da gra

ça e perder-se eternamente. Em bora o pecador tenha exercido fé,crido em Cristo e nascido de novo para crescer na santificação, ele poderá cair da graça. Só quem perse^eraraté o fim é que será sal-vo. Luc. 21:36; Gál. 5:4; Heb. 6 :6 ; 10:26, 27; 2 Ped. 2:20-22.

x Cinco Pontos do CalvinismoEis a resposta calvinista ao memorial arminiano:

1. Total depravação. O homem natural não pode apreciar sequeras coisas de Deus. Menos ainda salvar-se. Ele é cego, surdo, mudo, impotente, leproso espiritual, morto em seu pecado, insensí

vel à graça comum. Se Deus não tomar a iniciativa, infundindo-lhe fé salvadora, e fazendo-o ressuscitar espiritualmente, o homemnatural continuará morto eternamente. Sal. 51:5; Jer. 13:23; Rom.

,3:10-12; 7:18; 1 Cor. 2:14; Ef. 1:3, 12; Col. 2:11-13.^**2. Eleição incondicional. Deus elegeu alguns para a salvação em

Cristo, reprovando os demais. Deus não tem obrigação de salvarninguém, nem homens nem anjos decaídos. Resolveu soberana

mente salvar alguns homens (reprovando todos os demais) e torná-los filhos adotivos quando eram ainda filhos das trevas. Tevemisericórdia de algumas criaturas, e deixou as demais (inclusive

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8  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

os demônios) entregues às suas próprias paixões pecaminosas. Asalvação é efetuada totalmente por Deus. A fé, como a salvação,

é dom de Deus ao homem, não do homem a Deus. Mal. 1:2, 3;João 6:65; 13:18; 15:6; 17:9; At. 13:48; Rom. 8:29, 30-33; 9:16;11:5-7; Ef. 1:4, 5; 2:8-10; 2 Tess. 2:13; 1 Ped. 2:8, 9; Jud. 1, 4.3. Expiação limitada, ou particular. Segundo Agostinho, a gra

ça de Deus é “suficiente para todos, eficiente para os eleitos”. Cristo foi sacrificado para redimir Seu povo, não para tentar  redimi-lo. Ele abriu a porta da salvação para todos, porém, só os eleitos

querem entrar, e efetivamente entram. João 17:6, 9,10; At. 20:28;Ef. 5:25; Tito 3:5.4 . Graça irresistível, ou infalível. Embora os homens possam re

sistir à graça de Deus, ela é, todavia, infalível: acaba convencendo o pecador de seu estado depravado, convertendo-o, dando-lhenova vida, e santificando-o. O Espírito Santo realiza isto sem coação. É como o rapaz apaixonado que ganha o amor de sua eleita,

e ela acaba casando-se com ele, livremente. Deus age e o crente reage, livremente. Quem se perde tem consciência de que está livremente rejeitando a salvação. Alguns escarnecem de Deus, outrosse enfurecem, outros adiam a decisão, outros demonstram totalindiferença para com as coisas sagradas. Todos, porém, agem livremente. Jer. 3:3; 5:24; 24:7; Ez. 11:19, 20; 36:26, 27; 1 Cor. 4:7;2 Cor. 5:17; Ef. 1:19, 20; Col. 2:13; Heb. 12:2.

s t L S .   Perseverança dos salvos. Alguns preferem dizer “perseveran--ça do Salvador”. Nada há no homem que o habilite a perseverarna obediência e fidelidade ao Senhor. O Espírito é quem perseve-ra pacientemente, exercendo misericórdia e disciplina, na condução do crente. Quando ímpio, estava morto em seu pecado, e ressuscitou: Cristo lhe aplicou Seu sangue remidor, e a graça salvífi-ca de Deus infundiu-lhe fé para crer em Cristo e obedecer a Deus.

Se todo o processo de salvação é obra de Deus, o homem não pode perdê-la! Segundo a Bíblia, é impossível que o crente regene-^rado venha a perder sua salvação. Poderá pecar e morrer fisicamente (1 Cor. 5:1-5). Os apóstatas nunca nasceram de novo, jamaisse converteram. Is. 54:10; João 6:51; Rom. 5:8-10; 8:28, 32, 34-39;11:29; Fil. 1:6; 2 Tess. 3:3; Heb. 7:25.

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 PREFÁCIO  À  EDIÇÃO BRASILEIRA  9

Quadro Sinó tico d o M em orial Arm inianoVs.

Cinco Po ntos do C alvinism o

(O memorial está na ordem original)

 Memorial Arminiano

1. Deus predestinou a quemEle previu que aceitaria a Cristo. A predestinação de Deusdepende da aceitação de Cristo pelo pecador, mediante o li- vre-arbítrio, bastando-lhe crer.

2. A expiação é universal.Cristo morreu por todos os ho

mens, salvos e perdidos, masSeu sangue não assegura a salvação de ninguém, se não houver aceitação pessoal.3. O homem tem livre-arbí-trio. É capaz de responder aosapelos do Espírito. Não é tão

depravado que não seja capazde decidir livre e conscientemente a aceitação ou a rejeiçãoda graça divina.

4. O pecador pode rejeitar definitiva e eficazmente os apelos

do Espírito, por ser livre. O Es pírito nada pode fazer se o pecador insistir na rejeição dagraça. O pecador pode frustraros planos de Deus para sua salvação.5. Os crentes regenerados pe

lo Espírito não estão livres decair da graça e perder-se eternamente.

Cinco Pontos do Calvinismo

2. Deus predestinou as pessoas para aceitarem a Cristo. Aaceitação de Cristo pelo pecador depende da predestinaçãode Deus. A graça infunde fésalvadora e nova vida, paraque o pecador possa crer.3. A expiação é limitada, ou particular, “suficiente para todos, eficiente para os eleitos”.Cristo morreu para redimirSua Igreja. O convite é universal. A aceitação é limitada.

1. O homem natural está morto espiritualmente, sendo inca paz de voltar-se para Deus. O

 pecador só tem livre-arbítrio para o mal. N ão consegue discernir as coisas de Deus. SeDeus não o ressuscitar, continuará morto.4. A graça de Deus é infalível.Embora o pecador possa resis

tir o Espírito, entristecê-lo e ex-tingui-lO, a obra completa será feita nos eleitos. Deus regenera, santifica e glorifica ocrente, sem violentar-lhe a vontade livre.

5. Os salvos não perdem a sal

vação. A perseverança é doSalvador. Os apóstatas jamaisnasceram de novo.

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10  PREDESTINAÇÃO E LIV RE-ARBÍT RIO

P rincipa is O bjeç ões C alvinistas Contra as Doutrinas Arminianas

Objeção Calvinista

1. Se o homem é livre para fazer o bem ou o mal, como éque Deus consegue executarSeus propósitos, sem violentartal liberdade? Nenhuma profe

cia deixou de ser cumprida porque “os homens não coo peraram”. Deus não está ansioso, “roendo unhas”, aguardando a decisão do homem, paracorrer com um paliativo e remediar uma traquinagem hu

mana. Sal. 33:11; Is. 55:10, 11;Rom. 9:17.2. Se o homem natural podedecidir aceitar a Cristo, istosignifica que ele não é totalmente depravado. Está doente,mas não morto! Ele seria o au

tor de sua própria salvação. Ef.2:8, 9; Fil. 1:6.3. O livre-arbítrio arminianotransforma Deus em rei quenão reina. Ei-lO impotente,fervendo de ira, ou chorandode tristeza, diante do comportamento humano! Alguns ar-minianos chegam a negar queDeus conhece as ações futuras,livres, dos homens, por seremincertas. Sal. 139; Is. 10:5-7,12,15; At. 4:27, 28.4. Para que Deus não fosse ar-güido de parcialidade e favori-

 Resposta Arminiana

1. O homem tem liberdade deação. Mas Deus limita a extensão e as conseqüências das másações, entretecendo-as em Seus

 propósitos eternos. O homem

 pode fazer a vontade de Deus,ajudado pelo Espírito. Deus

 pode levantar homens (por ex.:Faraó, Ciro, Moisés, Paulo)que farão o que Ele determinou, sem violentar-lhes a liberdade.

- 2 . O homem se corrompeu por causa do pecado, mas não perdeu sua liberdade de escolha. Deus lhe estende um convite para a salvação. A iniciativa è de Deus, e o convite tam

 bém. A aceitação é do homem.- 3. Deus não deixa os homens

fazerem o que bem entendem.Sendo amor, Deus sofre com arejeição humana. Mas abre novas oportunidades de arrependimento. Nero, Napoleão e Hi-tler fizeram muito mal. Nãotodo o mal que intentavam fazer. Até que Deus lhes deu um“basta”.

4. Algumas pessoas são mais

ricas, mais inteligentes, mais;

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 PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 11

tismo (argumento arminianocomum) seria necessário que

todos os seres humanos tivessem as mesmas oportunidades,sofressem as mesmas ameaçase tentações, recebessem osmesmos dons e castigos, asmesmas bênçãos e agruras, detal modo que todos tivessem as

mesmas condições para decidirsalvar-se ou perder-se. Todavia, bens e males são distribuídosdesigualmente, segundo os

 propósitos de Deus. Mat.25:15; Rom. 8:15-21.

5. O crente, segundo o armi

nianismo, não pode saber sevai salvar-se ou não. Sabe, nomáximo, que hoje  está salvo porque hoje tem fé, obedece aoSenhor, confia em Cristo. Nãosabe, todavia, se cairá da graça, dali a algumas horas. Pode

rá ser dominado pelo pecadooutra vez, e perder-se eternamente. João 10:28, 29; At.11:31; 1 João 1:9; 2:1-5.

6 . Não existe total livre-arbítrio. Estamos presos em “gaiolas” psico-culturais que dificultam nosso poder decisório.Imaginemos 4 pessoas: o Sr. Aé judeu ortodoxo. O Sr. B é bê bado há 20  anos; o álcool ar-ruinou-lhe a saúde, o lar, as finanças, e o caráter. A Sría C

sadias, mais felizes, ou mais bonitas do que outras, por cau

sa do pecado. Às vezes, Deusdetermina que diferentes pessoas tenham diferentes destinos segundo Seus propósitossábios e santos. Contudo, aaceitação de Cristo parece requerer o mesmo esforço voliti-

vo de todos, independentemente da situação do inventário pessoal.

5. Segundo a Palavra de Deus,

o crente pode ter certeza de que pode escolher a salvação, queDeus o acolheu, esperando queele persevere até o fim. Sabeque Deus é poderoso e misericordioso para ampará-lo e so-corrê-lo, e a todos os seres hu

manos, sem distinção. Segundo o calvinismo, a pessoa não pode saber se vai salvar-se, porque não sabe se Deus a elegeu. Sansão, Saul e Judas nãose enganaram?

6 . As barreiras psicoculturais,sociais, financeiras, etc., nãosão intransponíveis. Milharesde pessoas escravizadas de alguma forma, encontraram li bertação em Cristo. A Bíblia,a história da Igreja e a experiência do dia a dia nos dizemque muitas pessoas têm aceito

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12  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

é atriz de teatro e TV, e linda.Ambiciona divertir-se ao má

ximo e ganhar muito dinheiro.A Sr.a D é católica. Recebeuum ultimato solene de seu velho pai, para “jamais mudarde religião”. Os quatro estão presos a algemas psicoculturaisque lhes tolhem as escolhas.

São livres até certo ponto. ABíblia ensina que o homem natural só é livre para praticar omal, embora sua razão e consciência possam dizer o contrário. João 8:34, 36; Rom. 1:24,26, 28; Rom. 6:18; Col. 1:13.

a Cristo em situações patéticas. Um ladrão na cruz; um

carcereiro após um terremotoem Filipos; um arrogante fariseu a caminho de Damasco;um publicano rico, suspeito deladrão, em Jericó; uma sama-ritana de má vida, em Sicar;um moço depravado chamado

Agostinho, em Roma; ummonge alemão chamado Lute-ro, na Alemanha; uma atriz devida pouco recomendável, chamada Darlene Glória, no Brasil. Eu. Você. Qualquer pessoa!Todas as pessoas que quise

rem?  João 7:37; 8:32;  Apoc.22:17.

Principais O bjeções Que o s Arm inianos Lançam Contra o C alvinism o

Objeção Arminiana

1. Predestinação seria arbitrariedade e parcialidade de Deus,isto é, um absurdo! Por queDeus predestinaria alguns para a salvação e outros para a perdição, negando-lhes o direito de livre determinação, livreescolha? Deut. 10:17; Ez. 18;Rom. 2:11.

2. Predestinação é fatalismo.Se tudo acontece por decretoeterno, fixo, imutável, somosmarionetes, a história um dra-malhão escrito, dirigido, encenado e inculcado por um dire-

 Resposta Calvinista

1. Deus não tem obrigação desalvar ninguém. Todos pecaram, e estão destituídos da glória de Deus. Deus salva alguns

 por misericórdia. Os que se perdem, perdem-se por sua própria culpa. Porque um ca

sal adota uma criança de umorfanato, é obrigado a adotartodas as crianças órfãs?2. Fatalismo é crença pagã, emque tudo acontece por forçacega, amoral, impessoal, insensível, não-inteligente, não-

misericordiosa, acoplada à necessidade física, sem propósito

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 PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA 13

tor implacável! Deut. 30:15-20;Is. 66:3-4; Jer. 24:15.

3. Predestinação e livre-arbítrio são doutrinas mutuamenteexcludentes. Uma ou outra é averdade. Is. 1:19-20; Mat.12:47-48; Luc. 12:57.

4. Se a predestinação é a verdade, por que a Bíblia ordenae exorta os homens? Não estátudo predeterminado? De queservem os apelos? Seriam inúteis! Gên. 6:9, 10; Is. 1:16-17;Am. 5:15; Rom. 12:17; Heb.13:16.

que glorifique a Deus. Predestinação é decreto de Deus, infinitamente sábio e santo, segundo o qual tudo que acontece obedece ao plano perfeitode Deus, visando Sua glória eo bem de Seus filhos. Neem.9:6; Jó 14:5; Sal. 37:23; Prov.21:1; Mat. 6:26, 30; Rom. 8:28;16:9, 33; Ef. 1:11; Heb. 1:3.3. A Bíblia ensina ambas.Deus nos pede que creiamos,não que as harmonizemos! Oscrentes ortodoxos crêem emoutros mistérios: (a) Bíblia,Palavra de Deus e palavra dohomem; (b) Cristo, Deus e homem ao mesmo tempo;(c) Trindade santa, ou Deustriúno; (d) a natureza materiale espiritual do homem. E nomundo físico: ventos, a eletricidade, os instintos, etc.4. A Bíblia contém ordensaparentemente impossíveis.Um aleijado recebeu a ordemde estender a mão mirrada, outro recebeu ordem para levan-tar-se, tomar sua cama e andar.Ao defunto Lázaro foi dada a

 jordem para sair do túmulo. Os judeus eram exortados a cum prir a lei. Somos exortados asermos perfeitos como Deus.Os homens são exortados acrer, mas a fé é dom de Deus;a arrepender-se, mas é Deusquem opera o arrependimento;a salvar-se, a santificar-se, mastudo isso é Deus quem faz noh

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14  PREDESTINAÇÃO E LIV RE-ARBÍTRIO

5. O poder de escolha entre o bem e o mal honra e dignificao homem. O mundo animal e

vegetal, embora tenha umaforma de vida, não tem consciência do mal ou do bem.Gên. 3:22; 1:27; cf. 1 Cor.10:31; Col. 3:10.

6 . A predestinação faz comque Deus seja o autor do pecado. A responsabilidade ficanas mãos dEle. João 3:36;1 Cor. 10:13; Tiago 1:13.

7. A crença na predestinaçãomina e destrói o espírito de luta, a disposição para vigiar eorar, para evitar a tentação, etrabalhar na Seara do Senhor.A salvação torna-se “favascontadas”. Mat. 2:9; 26:41;Fil. 2:12.

5. A decisão racional apenaseleva o homem acima da animalidade bruta. Ter de esco

lher entre o bem e o mal é  defeito. Os anjos eleitos não sofrem esse dilema: jamais pecam. Os demônios não têm dedecidir nada: só pecam. Nocéu, só se glorifica a Deus. Noinferno, só se peca contra

Deus.6 . Não nos compete investigare explicar como Deus extrai o bem do mal. Deus é Santíssimo. Permitiu que o mal entrasse no mundo. Ele odeia o pecado e pune o pecador. E encai

xa o mal em Seu plano eterno.Há passagens escriturísticasque afirmam que determinados males foram criados porDeus. Gên. 50:20; Deut. 29:29;2 Sam. 7:14; 1 Reis 12:24; Sal.76:10; Is. 45:7; Jer. 5:15-19;

Am. 3:6; Rom. 9:22; Ef. 2:3.7. Deus determinou os fins eos meios. O crente é exortadoa vigiar, sempre alerta. É errô-nea a idéia de que o crente“eleito” pode fazer o que bementender porque está salvo.Pensar assim é colher conseqüências dolorosas, até que secorrijam as perspectivas erradas. Est. 4:14; Ef. 1:11; 2:10; Fil.1:6; 2:12-13; 1 Ped. 1:10.

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 PREFÁCIO À  EDIÇÃO BRASILEIRA 15

8 . Deus não seria sincero aomandar profetas, apóstolos, pregadores em geral, anunciar

a salvação de graça a todos oshomens, se já tivesse escolhido.

9. A predestinação baseia-sena presciência de Deus. Aosque Ele previu que creriam, aesses elegeu para a salvação.

8 . Se Deus já sabia quem sesalvaria, e quem se perderia,não  os tendo predestinado,

não seria sincero ao oferecer oevangelho aos que se perdem, ,só para aumentar-lhes a culpae a condenação? Deus é justo,santo e misericordioso. Contu-do, Isaías leva uma mensagemque endureceria os judeus (Is.

6:9-13). Ezequiel é avisado deque Israel não o ouviria, masdeve ir pregar (Ez. 3:4-11). Oevangelho deve ser pregado atodos, por ordem de um Deussincero. Mat. 23:33-37; Rom.10:13-17.

9. Deus previu que Tiro, Si-dom e Sodoma creriam, e searrependeriam, se nessas cidades ocorressem os sinais queJesus operou em Cafarnaum eBetsaida. Porém, Ele não assalvou. Portanto, a presciência

não é a base da predestinação.Mat. 11:20.

C on sidera ções Finais

Quando os irmãos Basinger decidiram, com acerto, editar um li

vro propositalmente polêmico sobre predestinação e livre-arbítrio,e convidaram quatro gladiadores de renome para apresentar-se naarena, não imaginaram, por certo, todas as conseqüências! Umadelas: o livro seria lançado no Brasil e desafiaria nossos crentes,sacudindo pacatas convicções semi-adormecidas!

Aproximar predestinação do livre-arbítrio é chegar fogo à pólvora — a discussão explode! Vez ou outra o leitor participou

de escaramuças quentes, mas inconseqüentes, na Escola Dominical, em que os mais exaltados pareciam torcedores de futebol exe-

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crando um juiz ladrã o.... De fato, se sua classe estiver modorrenta, e você quiser inflamá-la, provoque-a com perguntas assim:Deus predeterminou tudo que acontece? Ou deixa Suas criaturasà vontade para tomarem decisões livres? Deus predestina alguns para a salvação e outros para a perdição eterna? Ou será que Elenos concedeu total liberdade de ação mas de vez em quando “dáum puxão nas rédeas” ou “enfia o aguilhão”, para impedir que “avaca vá pro brejo”, isto é, que nós frustremos os propósitos eternos de Deus? Em havendo total liberdade humana, como é queDeus consegue fazer cumprir Seus planos, sem violar essaliberdade?

Os teólogos brasileiros não parecem muito motivados a ex por suas idéias nessa área. O Rev. Samuel Falcão, ao apresentarsua tese sobre predestinação, que depois resultaria em livro, indica uma bibliografia de 50 autores, todos americanos e ingleses!Seria isto sintomático das dificuldades encontradas no Brasil para equacionar e tentar resolver o problema? Ou o assunto polêmico leva nossos eruditos a m anter prudente distância? Ou serãonossos mestres mais sábios que os irmãos anglo-saxões, e não desejam especular sobre um dos mistérios de Deus?

Faça o leitor uma pequena investigação. Entreviste um punhado de pastores e oficiais de igrejas presbiterianas (tradicionalmentecalvinistas), e outro punhado de irmãos das igrejas metodistas (tradicionalmente arminianas), não esquecendo de incluir pentecos-tais (tradicionalmente avessos a tradições). O leitor verificará quea tendência é  para posições moderadas, longe dos extremos. É possível que a maioria dos entrevistados tente criar um jser esdrúxu-lo, híbrido, com cabeça e braços de Calvino, e coração, tronco e

 pernas de Armínio!' O debate aceso prosseguirá. Alguns discutirão por sentir-se

 predestinados para isso. Outros, por acharem que têm livre-arbí-trio.

Enquanto o leitor estiver lendo este volume, mantenha emmente que os autores estão preocupados com apenas um  dos cinco pontos que resumem as posições arminiana e calvinista.

 — Editora Mundo Cristão

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 À memória de nosso pai, Emerson

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Introdução

David BasingerRandal Basinger 

FÉ CRISTÃ APRESENTA-NOS UM D ILEM A. D E UM lado, cremos que Deus nos criou moralmente responsáveis,com a capacidade de tomar decisões morais importantes.

Se não fôssemos capazes de tomar decisões significativas, por que

as Escrituras nos exortam a desviar-nos do mal, ou a viver umavida piedosa? Se não somos responsáveis pela livre escolha de nossas ações, de que maneira Deus nos recompensaria, ou nos puniria, por essas ações, de maneira justa?

Por outro lado, os crentes crêem, também, que Deus detémcontrole soberano sobre tudo que concerne ã criação. Ele é o Senhor da história, e também o Senhor de nossas vidas. Vamos dor

mir todas as noites com a certeza de que tudo quanto acontece enquadra-se no plano dEle, preordenado e totalmente abrangente.

 Nada pode atrapalhar o plano de Deus; tudo quanto acontece estáde acordo com a Sua vontade.

O dilema tornou-se claro. Será que estas duas doutrinas cristãs básicas expressam a verdade? Se somos realmente capazes detom ar decisões morais relevantes, então não deveríamos ser com

 petentes para agir contra a vontade de Deus? Se isto é verdade, como podemos, então, declarar que tudo quanto acontece perma-

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20  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

nece no âmbito de Sua vontade? Se os seres humanos são livres,de que maneira Deus é soberano.? Por outro lado, se Deus exerceabsoluto controle, de que maneira as decisões humanas são deci

sões verdadeiras? Em que sentido podemos ser responsabilizados por nossas ações, se Deus é responsável por tudo? Podemos serlivres e, ao mesmo tempo, predestinados?

A Tensão PráticaEsta tensão existe, não apenas em teoria, mas também na práticado discipulado cristão. Aquilo em que cremos afeta (e deveria mes

mo afetar) nossa maneira de viver. A forma de os crentes veremo relacionamento entre a soberania divina e a liberdade humanaexerce influência direta na maneira como reagirão a várias circunstâncias em suas vidas. Entretanto, a vivência de nossas crenças so bre a soberania divina e a liberdade humana apresenta alguns pro blemas difíceis. A maior parte dos crentes aceita ambas as doutrinas, a da soberania divina e a da liberdade humana, mas ao en

frentar situações reais no dia-a-dia, tendemos com freqüência aenfatizar uma delas com exclusão da outra.

Tomemos como exemplo o debate sobre desarmamento nuclear. Alguns crentes insistem em que devemos fazer ouvir nossavoz, e tomar providências contra a escalada armamentista. Somosadvertidos de que se não agirmos depressa e com decisão, o desastre nuclear será inevitável. Fica bem clara aqui a premissa: a di

ferença está na escolha e na ação do homem. Até certo ponto as pessoas são responsáveis pelo destino da raça humana. De outrolado, há crentes que não estão convencidos de que é bom lutarmos pelo desarmamento nuclear, argumentando que Deus exerce soberania sobre a história humana. Assim argumenta um autor evangélico: “O destino da terra não depende dos caprichos nemdas manobras de um homem, ou de uma nação, mas está nas mãos

onipotentes de Deus... O plano dEle prevalecerá!’1 Num nível mais modesto, tomemos o exemplo do moco que

gostaria de estudar teologia, e apresentar-se como missionário. Eleenfrenta inúmeras dificuldades financeiras, de modo que as possibilidades de preparar-se para a carreira são reduzidas. Ele poderá julgar que Deus está fechando as portas para esta pretensão,

1Bruce Dunn, “The World Will End! The World Will End!” MoodyMonthly ,  junho de 1983, p. 13.

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 INTRODUÇÃO  21

e tentando conduzi-lo noutra direção. Pensando bem, se Deus odeseja no campo missionário, Ele mesmo resolverá os problemasdo moço. Outro rapaz, entretanto, poderá concluir que ainda nãofez tudo quanto poderia e deveria fazer para atingir seus objetivos, ao enfrentar circunstâncias semelhantes. Este outro moço procurará outras soluções, outras alternativas, visando sua vocaçãomissionária e a necessidade de preparar-se intelectualmente. Se asimpossibilidades prevalecerem, este segundo moço poderá concluir, simplesmente, que as decisões de terceiros prejudicaram o plano de Deus para a sua vida.

Ou imaginemos um seminário evangélico que precisa de maissalas de aulas, de novos dormitórios, de mais salas de reuniões.Está sendo difícil conseguir o dinheiro necessário para tais obras.Alguns administradores do seminário poderiam presumir que seDeus quer que se construam os novos alojamentos, Ele deverá prover o dinheiro necessário. Portanto , se o dinheiro não aparece, asnovas edificações não constavam dos planos de Deus. Outros administradores poderiam enfatizar o elemento humano, nessa situação. Se os recursos não entram, eles poderiam concluir que háurgente necessidade de mudar a diretoria responsável pelo seminário. Pensariam, também, em consultar especialistas que ajudariam a estabelecer as linhas mestras da cam panha financeira, e daestratégia global envolvendo as necessidades do seminário.

Finalmente, vamos considerar um casal sem filhos, em queo marido é portador de um problema genético. Será que esse casal deveria gerar filhos? Algumas pessoas responderiam afirmativamente, alegando que cada criança é uma criação direta, e es

 pecial, de Deus. Portanto, se Deus quiser que eles tenham um be bê sadio, eles o terão; se Ele não o quiser, todavia, os pais deverão aceitar alegremente aquela criança especial como sendo uma

dádiva de Deus. Outros casais crentes poderiam argumentar, entretanto, que em vista da grande probabilidade de terem filhos queherdariam aquele defeito congênito, a decisão mais responsávelque deveriam tomar seria a de adotar crianças, ou transformar aausência de filhos em um a oportunidade de serviço para a igreja.

Entretanto, os crentes não podem ser divididos em dois gru pos distintos: aqueles que enfatizam a predestinação divina emsuas vidas, e aqueles que enfatizam a responsabilidade humana.A tendência é no sentido de os crentes oscilarem de um lado parao outro, isto é, saem da ênfase na soberania de Deus para entrar 

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na ênfase sobre o livre-arbítrio, quando enfrentam circunstânciasdiferentes. Em determinadas situações, falam e agem (este segundoverbo é mais importante) sob a pressuposição de que Deus está

controlando tudo. Interpretam os eventos em suas vidas como elementos de um propósito divino; as coisas são como deveriam ser,realmente. Em outras situações, esses mesmos crentes poderão falar e agir na pressuposição de que as pessoas são responsáveis peloque está acontecendo. Sentem a necessidade de ajudar a modelaro curso dos acontecimentos no mundo; as coisas podem e devemser diferentes do que são.

 Não é difícil encontrar exemplos dessa aplicação seletivadas duas doutrinas. Ali estão alguns crentes explicando às crianças que Deus “decidiu levar o tio João para o céu”, mas ao mesm o tempo iniciam um programa de exercícios físicos que assegure que não venham a morrer prematuramente de um ataque cardíaco, como aconteceu ao tio João. Acolá estão alguns crentes queaceitam o nascimento de um bebê radicalmente deformado e mentalmente retardado como dádiva de Deus, mas advogam o controle da natalidade, ou a adoção de crianças, como forma segurade não haver mais crianças excepcionais. Lá está o gerente crenteque agradece a Deus o dinheiro que Ele providenciou para determinada instituição evangélica; no entanto, no ano seguinte, quando os fundos são insuficientes, ele mesmo despede o encarrega

do de angariações e donativos, para contratar uma firma profissional que trace um a nova estratégia mercadológica. Alguns paiscrentes agradecem a Deus os excelentes empregos que Ele concedeu a seus filhos adolescentes. Entretanto, sentem-se obrigados alutar contra as injustiças raciais, ou sociais, acreditando que muitos adolescentes das redondezas não obterão bons empregos enquanto tais injustiças não forem vencidas. Alguns crentes vêem que

Deus determinou a hora e o dia em que deverão morrer; contudo, demonstram sério desacordo com os pais que alimentam a convicção de que Deus controla a vida e a morte e, por isso, recusam-sea procurar tratamento médico para seus filhos. Alguns iniciam viagens com muita oração e plena convicção quanto à segurança deque desfrutam às mãos de Deus; entretanto, certificam-se de queos pneus estão em ordem, e afivelam os cintos de segurança, a fim

de melhorar as probabilidades de uma viagem bem segura.Estes exemplos tornam bem claro para nós que existem, real

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 INTRODUÇÃO  23

mente, duas dimensões distintas, mas intimamente relacionadasentre si, no que concerne ao assunto de que vimos tratando. Emnível teórico, precisamos decidir a forma pela qual iremos recon

ciliar nossa crença na soberania de Deus, com nossa crença nolivre-arbítrio humano. Então, que significa realmente “soberaniade Deus” e que quer dizer “livre-arbítrio humano”? Será que existeum relacionamento lógico entre ambos? No nível prático, precisamos relacionar nosso esquema teórico à nossa vida. Deveremosviver como se Deus estivesse no controle absoluto, ou deveríamosviver como se os seres humanos fossem totalmente livres e respon

sáveis? Seria possível encontrar u m a  justificativa para pôr-se em prática apenas uma destas crenças? Se sim, qual seria ela? É justificável que se caminhe de um lado para o outro, de uma dou trina para a outra? Se sim, qual é a orientação para tais mudanças?Estas perguntas não são puramente acadêmicas, nem insignificantes. Haveremos de encontrar respostas para elas, se não quisermosviver de maneira arbitrária .2

D elineando as Alternativas Não é fácil isolar as várias maneiras pelas quais os crentes tentamresponder a essas perguntas. As alternativas apresentadas são muitas, e complexas. O propósito deste livro é analisar e explorar quatro das perspectivas mantidas pelos crentes, concernentes ao relacionamento entre a soberania de Deus e a liberdade do homem.

É a seguinte a pergunta central que proporemos, a fim de apresentar estas alternativas: Até que ponto a liberdade do homem coloca limitações ao controle soberano de Deus sobre os acontecimentos? Ao responderem a esta pergunta, os crentes se dividemem dois grandes grupos.

 Defensores da Soberania Específica.  Alguns crentes acreditam que o livre-arbítrio humano não impõe limites à soberania di

vina. Em outras palavras, eles crêem que a liberdade do homemde maneira nenhuma limita a capacidade de Deus de fazer acontecer os eventos que Ele deseja que aconteçam. Denominaremosos crentes que se apegam a esta crença de adeptos da soberaniaespecífica.

2 Para discussão mais ampla sobre as dimensões práticas deste probiema, veja- 

se David Basinger e Randall Basinger, “In the Image of Man Create They God- A Challenge”, Scottish Journal o f Theology  34 (1981): 97-107.

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 24  PREDESTINAÇAO E LIVRE-ARBÍTRIO

Alguns destes adeptos são deterministas. Os deterministasacreditam que a maneira como agimos é determinada pelo queaconteceu no passado. Todavia, eles se apressam a acrescentar queisto não significa que somos máquinas destituídas de pensamento. Nós ponderamos os dados, avaliamos as alternativas e finalmente fazemos nossas escolhas. Ao entrarmos numa sorveteria,

 por exemplo, não agiremos como robôs programados, isto é, nãoseremos inconscientemente forçados a pedir determinado sabor.Primeiro nós nos inteiramos dos sabores disponíveis, depois ponderamos as opções, e finalmente escolhemos o sabor mais atraente.

Entretanto, considerados todos os fatores causativos importantes,que precedem a escolha, não poderíamos mesmo ter escolhido diferentemente. Os eventos do passado e as circunstâncias do presente determinam que um certo sabor de fato há de ser escolhido. Os teólogos deterministas acrescentam a teoria segundo a qualDeus exerce controle sobre todos os eventos, e todas as circunstâncias que precederam todas as decisões humanas e, assim, é Deus

mesmo quem realmente determina o que faremos em todos oscasos.

Este ponto de vista faz erguerem-se questões óbvias. Se todas as nossas escolhas são determinadas por Deus, como podemos ser genuinamente livres? E se não podemos escolher livremente, como é que Deus poderá responsabilizar-nos pelas nossasações? Alguns teólogos deterministas ensinam que o determinis

mo realmente exclui nossa liberdade de escolha e, assim, ficam devendo uma explicação sobre como Deus pode responsabilizar-nos

 pelas nossas ações. Tentando responder, afirmam que não podemos entender — a partir de nossa perspectiva humana, e finita —a forma pela qual Deus consegue, com perfeita justiça, responsabilizar-nos por aquilo para que nos predestinou. Do ponto devista humano, isto é um paradoxo. Entretanto, visto que as Escri

turas nos ensinam claramente que Deus é justo, e que Ele nos res ponsabiliza mesmo, não temos base para questionar a justiça deDeus. Devemos simplesmente presumir que do ponto de vista deDeus, o total controle divino é compatível com a responsabilidade humana. Tirar uma conclusão diferente é colocar a lógica humana acima da revelação divina: Deus teria de curvar-Se diante deum padrão humano de justiça.

Outros teólogos deterministas argumentam que há uma solução racional para este dilema. Eles ensinam que Deus determi-

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 INTRODUÇÃO  25

na todas as escolhas humanas, toda a atividade dos homens, porém, negam que isto é incompatível com a responsabilidade e a livre escolha humanas. As pessoas que foram “determinadas” ainda podem ser consideradas livres e, desse modo, ser responsabilizadas por suas ações, assim ensinam esses teólogos, visto que estãofazendo exatamente aquilo que desejam fazer. Imagine, por exem

 plo, um ladrão que foi apanhado roubando um banco. Se essa pessoa não estiver roubando o banco porque quer roubá-lo, mas porque alguém está apontando uma arm a para a cabeça de seu filhi-nho, tal pessoa não estaria agindo livremente. Nós não a consideraríamos moralmente responsável, porque foi forçada a agircontra sua vontade; a pessoa não estava fazendo o que queria. Entretanto, imaginemos que este ladrão esteja pegando o dinheiro porque chegou à conclusão de que esta é a melhor maneira de satisfazer suas necessidades. De acordo com os deterministas a quenos referimos, essa pessoa não poderia ter agido diferentemente,levando-se em consideração os eventos de sua vida. Neste caso, todavia, a pessoa estaria fazendo aquilo que desejava fazer; portanto, podemos alegar que a pessoa agiu livremente. Por essa razão, a pessoa poderia ser moralmente responsabilizada por suas ações. Ofato de a pessoa ter feito o que Deus decretou que ela haveria defazer não muda o quadro. John Feinberg defenderá uma variantedesta posição.

Outros defensores da soberania específica negam este tipo dedeterminismo, esta forma determinística de ver a liberdade humana. Em outras palavras, eles negam que aquilo que ocorre antesde a pessoa tom ar uma decisão determina sempre a decisão queserá tomada. Eles negam, por exemplo, que aquilo que aconteceuno passado determinará, necessariamente, que sabor de sorvete euescolherei. Considerando tudo quanto aconteceu antes de a esco

lha ser feita, poderei muito bem pedir baunilha ou chocolate.Argumenta-se, então, que as pessoas só são realmente livres e res ponsáveis quando têm a capacidade de agir de forma diferente, naquele sentido. Os que aceitam este conceito de liberdade hum anausualmente são chamados de autodeterministas, ou libertários.

Entretanto, se os seres humanos forem livres, neste sentido,como é que se pode afirmar que Deus controla tudo? Este tipo de

liberdade parece limitar o poder de Deus, evidentemente. Algunsautodeterministas que crêem na soberania específica de Deus argumentam com um apelo ao paradoxo. Eles admitem que se os ho

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 26   PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

mens são livres e, portanto, responsáveis pelo que acontece, pareceria que Deus não controla tudo. Mas, as Escrituras nos dizem

que sim, que Ele controla tudo. Portanto, devemos concluir que,embora Deus não determine aquilo que vamos fazer, Ele aindaexerce controle total sobre todas as nossas ações. A reconciliaçãoentre a soberania de Deus e a liberdade do homem é simplesmente um mistério.

Outros autodeterministas, que afirmam que Deus exerce so berania específica, crêem que há uma resposta racional para esta

questão, e que esta resposta reside na adequada compreensão doque é a onisciência de Deus. Argumentam que DeuS não determinaaos homens que ajam de maneira pré-fixada. Contudo, visto queDeus é onisciente, Ele sabe antecipadamente (sabe de modo inde

 pendente do tempo) o que é que as pessoas decidirão fazer, usando a liberdade com que foram dotadas. Isto permite a Deus ordenar Sua criação de maneira tal, que aquilo que os homens fazem

livremente estará sempre dentro de Seu plano preestabelecido, es pecificamente traçado. Em outras palavras, Deus determina a realidade de acordo com o que Ele prevê (aquilo que Ele vê independentemente do tempo), as ações livres praticadas pelos seres humanos. Assim sendo, as pessoas são livres num sentido autode-terminístico, mas Deus continua controlando totalmente todos oseventos específicos no mundo. Norman Geisler, outro de nossos

colaboradores, defende uma variante deste conceito. Adeptos da Soberania Geral.  Contrariamente a estas opi

niões, alguns crentes negam que Deus exerça uma soberania es pecífica. Estes crentes acreditam que o livre-arbítrio do homemrealmente limita o controle de Deus sobre os acontecimentos terrenos. Eles concordam com os teólogos deterministas em que se as ações humanas são determinadas por Deus, então Deus pode

manter um controle total sobre todos os acontecimentos do mundo. Eles crêem, contudo, que nossas ações livres não são predeterminadas. Em outras palavras, pregam a teoria autodeterminís-tica (ou libertária) do livre-arbítrio humano. Dessa forma, afirmam que Deus não controla os acontecimentos mundiais na medida em que Ele nos concede liberdade de ação. Num mundo como o nosso, argumentam, Deus é capaz de atingir objetivos gerais. Contudo, Deus não pode garantir que todos os acontecimentos específicos estarãq dentro de Sua vontade. A todos quantos

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 INTRODUÇÃO  21

estiverem neste grupo daremos o nome de adeptos da soberaniageral de Deus.

Mas, até que ponto Deus exerce algum controle, num mundo em que as pessoas são livres? Neste ponto, há vasta gama deopções. Numa das extremidades da faixa variegada estão os queacreditam em que Deus não pode suscitar quaisquer acontecimentos na terra por Si mesmo, apenas. Deus tenta persuadir Suas criaturas a agirem de acordo com Sua vontade. É verdade que esta influência divina exerce alguma diferença, porém, Deus não pode

garantir que determinado evento específico vai ocorrer. Os teólogos processuais advogam este conceito de Deus. Na outra ponta da tal faixa variegada de conceitos colocam-se

aqueles que vêem a Deus retendo um controle relativamente grandedos acontecimentos mundiais. Eles argumentam que Deus podeanular, e freqüentemente anula mesmo, o livre-arbítrio humano,e até intervém diretamente na ordem natural das coisas, quando julga que isto é necessário. Assim, crêem que Deus pode fazer cum prir Seus planos mediante intervenção judiciosa, embora tenha sido Sua vontade de atribuir liberdade aos homens, razão por queEle não pode controlar todos os acontecimentos humanos.

 Nossos dois últimos colaboradores, Clark Pinnock e BruceReichenbach, alinham-se entre os que estão nesta faixa denominada soberania geral. Ambos afirmam que Deus pode interferirnos assuntos humanos, mas negam que Ele garante que Seus pro pósitos específicos são sempre atingidos. Para ambos, a decisãode Deus de atribuir liberdade às pessoas representa uma limitaçãosignificativa de Seu controle sobre os eventos terrestres. Eles divergem, contudo, quanto ao grau de “limitação” do poder divino so bre os eventos humanos. Eles não concordam entre si, por exem plo, na importantíssima questão sobre se Deus sabe com exatidãoo que acontecerá no futuro. Reichenbach afirma que Deus tem talconhecimento. Para ele, Deus jamais é apanhado de surpresa. Elesabe o que vai acontecer no universo. Pinnock, por sua vez, acredita que a liberdade humana é incompatível com a presciência divina. Assim sendo, Deus operaria num universo mais “aberto”.

 Não nos preocupamos com identificar nossos colaboradorescomo sendo calvinistas, ou arminianos. Na verdade, os dois pro

 ponentes daquilo que arbitramos denominar de soberania específica consideram-se calvinistas, enquanto os dois proponentes dasoberania geral consideram-se arminianos. Entretanto, alguns

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 28  PREDESTINAÇAO E LIVRE-ARBÍTRIO

 proeminentes pensadores da Reforma colocam-se dentro desta categoria da soberania geral, enquanto alguns arminianos parecem

 preferir a soberania específica. Além do mais, dizer-se que uma pessoa é calvinista, ou arminiana, é afirmar muito mais do queexpor determinada perspectiva concernente ao relacionamento entre a soberania divina e o livre-arbítrio humano.

Devemos mencionar, também, a razão por que não incluímosnenhum colaborador que representasse as posições de paradoxo,que delineamos brevemente, acima. Não é que acreditemos que

qualquer uma dessas posições seja menos digna de consideração.É que ao discutir um assunto tão complexo como este que nos defronta, torna-se impossível abordar todas as suas facetas. Tomamos, então, a decisão consciente de discutir apenas aquelas posições em que se afirm a que a soberania divina e o livre-arbítrio humano podem ser demonstrados como logicamente compatíveis.

Finalmente, expliquemos brevemente a maneira pela qual o

material é apresentado. Como já se mencionou, o problema da so berania divina e liberdade humana apresenta dois aspectos: o teórico e o prático. Atendendo a isto, nossos colaboradores não apenas apresentam suas perspectivas teóricas, mas demonstram tam bém as implicações práticas dessas perspectivas, aplicando-as adois casos específicos, duas histórias que serão contadas a seguir.Um desses casos relaciona-se com um interesse global significa

tivo, o outro caso relaciona-se com um problema mais pessoal. Cada colaborador apresenta seu artigo inicial, ou tese, após o que osdemais colaboradores entram com suas réplicas, ou críticas resumidas.

Cremos que a harmonização entre a soberania divina e o livre-arbítrio humano é um dos problemas mais importantes e fundamentais, enfrentados pelos crentes conscienciosos. No entanto,

achamos que poucos outros assuntos causam mais confusão. Nossa esperança é que este livro ajude os crentes a encontrar algumasrespostas, ou pelo menos a prover um contexto que traga melhores perspectivas a essa pesquisa.

Casos de EstudoO Caso de Alfredo. Os empreendimentos familiares melhoraram

muitíssimo, depois que Alfredo assumiu a gerência. Sendo umcrente consagrado, que sempre acreditou na soberania controladora de Deus, Alfredo continuamente agradece a Deus o progres

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 INTRODUÇÃO  29

so, e as bênçãos materiais dele decorrentes, para si mesmo e suafamília.

Como resultado de algumas leituras, e da freqüência a umasérie de palestras na igreja, Alfredo começou a perceber a tremenda pobreza existente no mundo, e suas causas tão complexas.Aprendeu que as economias globais estão interligadas. Pela primeira vez, percebeu que sua riqueza pessoal não é produzida numvácuo; a pobreza em algum canto remoto do mundo não estariade algum modo relacionada à riqueza de Alfredo? Como resul

tado disto, o moço está achando cada vez mais difícil orar a Deus.Pensa nos milhões que morrem de fome, e suas orações de agradecimento começam a soar ocas e egoístas. Será que ele deveriaficar agradecendo a Deus sua própria riqueza? Seria realmenteDeus o responsável por suas bênçãos materiais? Até que ponto suariqueza se deve ao fato de ter nascido numa próspera nação ocidental? De que maneira Deus Se enquadra nessa situação econômica? Estas perguntas sobrecarregam a mente e o coração de Alfredo.

O Caso de Maria. Maria está alegríssima por causa de seu novo cargo no corpo de enfermeiras de um dos melhores hospitaisda cidade. Essa alegria a tem ajudado a vencer o amargo desapontamento que ainda vinha sentindo, após a sucessiva coleção de derrotas nos vestibulares das faculdades de medicina.

O pastor de Maria sugeriu que o insucesso dela nos vestibulares para medicina poderia ter sido a maneira de Deus conduzi-la para algo melhor. De início ela rejeitou tal sugestão; contudo,depois, parecia haver alguma lógica na idéia. É possível que Deusabra e feche portas em nossas vidas. Talvez ela devesse atribuir seusucesso na escola de enfermagem, e a facilidade com que havia ob

tido seu cargo atual, à direção direta e soberana de Deus. Se as coisas assim fossem, Maria poderia pensar, corretamente, que estáno centro da vontade de Deus.

Mas, M aria ainda tem pensamentos e perguntas que expressam dúvidas. E se ela houvesse estudado mais arduamente parao vestibular? E se ela houvesse tentado mais uma vez, como alguns amigos e colegas haviam sugerido? E se ela houvesse procu

rado outras faculdades, em outros Estados? Será que as coisas teriam sido diferentes? Quem sabe se algumas decisões erradas, alguns preconceitos tolos, ou a falta de persistência contribuíram

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 30  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 para o insucesso de Maria, no que concerne ao seu objetivo de cursar medicina?

Entretanto, se esta linha de pensamento estiver certa, em que ponto Deus Se enquadra? Se houvesse ingressado numa faculdade de medicina, será que ela estaria fora da vontade de Deus? Será que M aria perdeu as melhores bênçãos de Deus para sua vida?Tais perguntas perseguem a moça, causando-lhe grande tristeza.

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Deus Decreta Todas as Coisas

I

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Deus Decreta Todas as Coisas

John S. Feinberg

S o m o s r o b ô s o u p e s s o a s l i v r e s ? q u e m é q u emanda neste mundo: Deus ou nós? Se Deus preordena nossas ações, de que maneira somos moralmente responsáveis

 por elas? Se Deus determinou o que faremos, devemos fazê-lo? Tais

questões têm deixado perplexos, durante séculos, filósofos, teólogos e pessoas comuns. Tais perguntas representam problemas tremendos para os crentes ortodoxos, de lealdade inamovível a Cristoe às Escrituras. Pouquíssimos crentes negariam que, de algum modo, Deus é soberano e reina sobre todas as coisas, mas, da mesmaforma, pouquíssimos negariam a vontade livre do homem. De queforma estes dois conceitos poderiam ser conjugados? Será que este

 problema tem solução fora do alcance da compreensão humana?Deveríamos, talvez, crer simplesmente na Bíblia, quando nos afirma que Deus é soberano absoluto, e que nós somos livres, embora não sejamos capazes de explicar como as duas doutrinas constituem verdades?

Graças a Deus este problema não é insolúvel. Na verdade, hávárias maneiras de harmonizar estes dois conceitos. Neste capí

tulo, apresentarei uma forma moderadamente calvinista de reconciliar as doutrinas do controle divino com a liberdade humana.Esta perspectiva baseia-se numa avaliação da liberdade, que tem

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 34  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

natureza determinística. Será que isto lhe parece impossível? Àntesque você comece a amontoar noções de robôs, de universo meca-

nicista, e de fatalismo, retenha seu julgamento durante algum tem po, o suficiente para que eu possa explicar minha posição.

Declaração de PosiçãoOs filósofos freqüentemente utilizam os rótulos de indeterminism o  e determinismo nos debates a respeito da liberdade humana . 1De um ponto de vista teológico, os arminianos geralmente ade

rem a alguma forma de indeterminismo filosófico, enquanto oscalvinistas em geral são deterministas. Contudo, não existe a definição de indeterminismo, nem a definição de determinismo. Aoinvés, existem variedades de definições para ambos os conceitos.

 Indeterminismo e Determinismo: Noções Básicas. Em seu sentido básico por excelência, o indeterminismo insiste em que asações de uma pessoa são livres se não forem determinadas por uma

causa.2 Conseqüentemente, tal pessoa sempre poderia ter escolhido outro curso de ação. Embora seja esta uma definição geral deindeterminismo, ela pode redundar em engano. Por exemplo, elaé tom ada, às vezes, como afirmativa de que jamais as condiçõescausais influenciam a vontade. Entretanto, a maioria dos indeter-ministas não aceita esta proposição. Ao contrário, eles crêem quehá causas que influenciam a vontade, antes de tomar-se uma de

cisão, e que uma variedade de influências causais pode inclinar avontade numa ou noutra direção, no momento da decisão. Contudo, os indeterministas negam que qualquer causa ou conjunto decausas seja suficiente para determinar que a pessoa tome esta decisão, ao invés daquela. No ponto em que se tom ará a decisão, asvárias influências chegam a uma paralisação. Umas empurram nu

1Isto não representa uma sugestão de que os filósofos chegaram a um acordo quanto a que conceito de liberdade é o correto. De fato, o debate entre os filósofos parece estar “marcando passo”, de muitas maneiras. Conseqüentemente, embora haja argumentação filosófica para cada ponto de vista, penso que a decisão final deve ser baseada, como última palavra, nas Escrituras Sagradas. Entretanto, o meu ponto focal nesta altura é simplesmente que as Escrituras ensinam que há liberdade humana, mas não declaram que tipo de liberdade está em jogo. Portanto, a pessoa precisa voltar-se para a discussão filosófica, a fim de buscar uma explicação das várias maneiras pelas quais se 

pode compreender o livre-arbítrio humano.2 Laurence A. BonJour, “Determinism, Libertarianism, and Agent Causation”, Southern Journal o f Philosophy   14 (1976): 147.

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 DEUS D ECRETA TODAS A S COISAS  35

ma direção, outras em outro sentido, mas, nenhuma empurra comforça suficiente para fazer causar ao agente uma determinada es

colha, em detrimento de outra .3Um segundo erro de conceito acerca do indeterminismo é queele presume que porque uma escolha livre não é causada, fica destituída de base, ou de razão, sendo, portanto, aleatória. As escolhas são feitas mediante uma razão. O argumento do indetermi-nista é que não se pode atribuir uma explicação causai sobre o porquê da ação do agente; por que ele agiu de acordo com uma ra

zão particular ao invés de outra razão qualquer .4Um último engano a respeito do indeterminismo é que ele ensina que uma ação causalmente indeterminada não é causada porum agente. Os indeterministas não negam que as pessoas causamsuas próprias ações. Os indeterministas meramente negam que ha

 ja alguma coisa que leve a pessoa a praticar a ação .5Esta é, então, a noção básica do indeterminismo. Alguns fi

lósofos referem-se a ela como liberdade contracausal.6 Significaque não importa a direção para onde as causas aparentemente procuram inclinar a vontade do agente, a pessoa sempre poderá agircontrariamente a tais causas, visto que estas não inclinam o agentede modo decisivo, nesta ou naquela direção.

Explicado o que é indeterminismo, o determinismo diferesubstancialmente, como se pode observar. A noção básica de de

terminismo, que cobre todas as suas formas, é “a tese filosóficageral que declara que para tudo quanto vem a acontecer, há condições tais, que, estando presentes, nenhum outro fato poderiaacontecer ”.7  De acordo com esta definição, ou perspectiva,

3 Thomas B. Talbott, “Indeterminism and Chance Occurrences”,  Personalist 60 (1979): 254.4 Ibid.

5 Ibid.6 Veja-se, por exemplo, a discussão de Talbott (em “Indeterminism and Chance Occurrences”, p. 257), ou o uso que J. J. C. Smart faz deste termo. Outros, como Antony Flew, referem-se a esta posição com o sendo Incompatibilismo. Veja- se Antony Flew, “Divine Omnipotence and Human Freedom”, NewEssays in 

 Philosophical Theology,  eds. Antony Flew e Alasdair Maclntyre (New York: Macmillan, 1955).7 Richard Taylor, “Determinism”, em The Encydopedia o f Philosophy,  ed. Paul Edwards (New York: Macmillan, 1967), 2:359. Outra maneira de enfatizar- 

se o ponto é a seguinte: para qualquer ação ou evento determinado causalmente existe um estado de coisas imediatamente anterior à ocorrência dessa ação ou evento que, combinado com algumas leis causais, tornam certo que a ação ou 

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 36   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 por detrás de cada decisão que uma pessoa tomar haverá condições causais influindo sobre sua vontade, de forma a incliná-la demodo decisivo, e com força suficiente, num a dada direção ao in

vés de outra. Conseqüentemente, o agente não poderia ter agidode forma diferente, dadas as influências causais prevalecentes.8Além disso, alguns deterministas afirmam que se se conhecerem as condições anteriores à ocorrência de uma ação, ou de um evento,

 bem como quaisquer leis gerais relacionadas com o caso, pode-se predizer  aquilo que não apenas pode mas deve acontecer. Paraalguns, pois, a previsão de ações e eventos é concomitante lógica

do determinismo.Embora estas noções gerais bastem para definir o determi

nismo, surgem entre os deterministas algumas diferenças importantes. Por conseguinte, neste ponto é necessário que se faça a distinção que há entre minha forma de determinismo e aquelas defendidas por outros autores.

 Determinismo nas Ciências Naturais vs. nas Ciências Huma

nas. Em primeiro lugar, o determinismo que se refere às ciênciasnaturais é diferente do determinismo empregado nas ciências humanas, ou sociais. Muito freqüentemente, filósofos e teólogos têminterpretado o determinismo em geral, e o calvinismo, em particular, em termos de determinismo nas ciências físicas.9 O modelo de Carl Hempel, que propicia uma explicação científica, pressupondo o determinismo, freqüentemente é mencionado em dis

cussões filosóficas contemporâneas. É um modelo conhecido como dedutivo-nomológico (ou, simplesmente, modelo de lei de co

 bertura). De acordo com este conceito, se alguém puder estabele

8 Peter Van Inwagen, “The Incompatibility of Free Will and Determinism”,  Philosophical Studies 27 (1975): 186. Van Inwagen denomina estas leis de leis da física. Com este termo ele denomina e esclarece uma lei da natureza que  

não se relaciona com o comportamento voluntário de agentes racionais (p. 187). Veja-se também BonJour, p. 145; e A. Aaron Snyder, “The Paradox of Determinism”, American Philosophical Quarterly 9 (outubro de 1972): 353 onde se encontra uma definição semelhante de determinismo causai; também John V. Canfield, “The Compatibility o f Free Will and Determinism”, Philosophi

 cal Review   71 (1962): 353-55 quanto a uma definição mais formal do  determinismo.9 De fato, alguns dos itens-chaves já mencionados, tais como capacidade de  previsão e leis gerais causais, estão intimamente relacionados com o determinismo, nas ciências físicas; contudo, só seriam aplicáveis às ciências sociais, trazendo consigo algumas dúvidas.

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 d e u s   d e c r e t a   t o d a s   a s   c o i s a s  37 

cer um a série de sentenças que enunciem condições antecedentesespecíficas, anteriores a um evento e, em seguida, adicionar outro grupo de sentenças que representem leis gerais que cubram tais

eventos, tal pessoa poderá, então, deduzir e predizer que esse evento particular vai ocorrer. De forma semelhante, se alguém começar com o evento, e encontrar as leis relevantes, e as condições antecedentes, poderá explicar as razões por que o fato aconteceu . 10

A importância disto reside aqui: muitos filósofos afirmamque este modelo só é apropriado para as ciências físicas, enquanto outros argumentam que ele mesmo também pode ser usado nas

ciências sociais, ou do comportamento. 11 Meu propósito não éapresentar uma refutação de Hempel, nem do modelo de cobertura legal (embora eu o ache inadequado para uso nas ciências humanas).12 Insisto em que se a pessoa julgar o determinismo emtermos das ciências físicas, provavelmente será induzida a um modelo de cobertura legal, a fim de explicar a ação hum ana e, comcerteza, será levada a crer que o comportamento humano pode ser

 predito. 13  Tais idéias nunca foram particularmente atraentes àmaioria das pessoas, razão por que rejeita-se o determinismo com pletamente. Entretanto, o ponto crucial é que o determinismo teológico do tipo que defendo jamais  deveria ser confundido com odeterminismo das ciências físicas. Há condições antecedentes, anteriores à decisão da pessoa. Mas, muito freqüentemente, tais condições são tão complexas que a pessoa não conseguiria redigir todas as sentenças necessárias para especificá-las. Além do mais, não parece haver leis gerais cobrindo ações, de maneira que a pessoa pudesse dizer: “Nos exemplos do tipo A, o agente sempre escolherá a ação B” Estas leis gerais são possíveis nas ciências físicas, porém, não em relação às ações humanas.

10Carl G. Hempel e Paul Oppenheim, “Studies in the Logic o f Explanation”, 

separata, de Philosophy o f Science  15 (abril de 1948): 135-14011 Veja-se, por exemplo, Carl Hempel, “Rational Action”,  Readings in the Theoiy o f Action, eds. Norman S. Care e Charles Landesman (Bloomington, Ind.: Indiana Univ. Press, 1968).12Compare Alan Donagan, “The Popper-Hempel Theory Reconsidered”, Philosophical Analysis and History, ed. William H. Dray (New York: Harper & Row, 1966).13Quanto a uma discussão do assunto referente à capacidade de previsão, 

vejam-se artigos tais como o de Lawrence D. Roberts, “Scriven and MacKay on Unpredictability and Free Choice”, M in d  84 (1975); Lionel Kenner, “Cau- sality, Determinism and Freedom o f the Will”, Philosophy 39 (1964): 233; e J. Kellenberger “The Causes of Determinism” Philosophy 50 (1975): 445 446

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 38  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 Determinismo vs. Fatalismo. Em segundo lugar, determinismotampouco é fatalismo. É verdade que algumas posições determi-nísticas duras são equivalentes ao fatalismo, porém, nem todas o

são. Determinada posição é fatalística se vindicar uma necessidadeinerente na forma como as coisas são, de tal maneira que não poderiam ser diferentes. Assim, se um a pessoa em nosso mundo usaóculos, não há mundo concebível que Deus pudesse ter criado, emque aquela pessoa não precisasse usar óculos. É inerente nessa pessoa, como conceito, que ela usa óculos. Para o fatalista, o mesmo é verdadeiro para tudo quanto acontece. Os fatalistas que

crêem em Deus afirmam que nem mesmo Deus teve outra opçãosenão a de criar o mundo da maneira como Ele o fez. A necessidade inerente14 em tudo é de tal ordem, que Deus tinha de criar,e havia uma única opção criativa, aberta para Ele.

Em contraste, creio que todas as coisas são determinadas mediante uma causa, porém, o determinismo causai não redunda emfatalismo. Não creio que tudo quanto acontece, acontece por ne

cessidade absoluta, no sentido que não haveria outra forma pelaqual as coisas deveriam acontecer. Advogo, antes, aquilo que sechama necessidade conseqüente. Acredito que desde que certas decisões tenham sido tomadas (por Deus, ou por quem quer que se

 ja), determinadas coisas seguem-se como conseqüência. Entretanto, antes que tais decisões sejam tomadas, não existem necessidades inerentes ditando as decisões a serem tomadas. Por exemplo:

 Não foi absolutamente necessário que Adão pecasse, no sentidoque não havia outro Adão que Deus poderia ter criado. Conseqüentemente, não era necessário, de modo absoluto, que Deus decidisse mandar Seu Filho, Jesus Cristo, como redentor. Entretanto,tendo escolhido criar Adão sujeito ao pecado, foi necessário queDeus enviasse Cristo como redentor.

 Liberdade e Determinismo. Em terceiro lugar, devemos escla

recer o relacionamento existente entre meu conceito de determinismo e o livre-arbítrio humano. É claro que os indeterministasafirmam que o determinismo causai automaticamente anula aação humana livre. Contudo, os indeterministas usualmente nãoimaginam haver outra definição de livre-arbítrio senão aquela quelhes é peculiar. Tal atitude induz ao erro lógico conhecido como

14É a isto que os filósofos se referem como necessidade de re, ou necessidade absoluta.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  39

encerrar a questão, ou argumentar em círculo. Também muitos deterministas declaram que seu ponto de vista anula o livre-arbítrio.Além disso, visto que um agente só é considerado moralmente res

 ponsável se for livre, tais deterministas vindicam que nenhumagente é moralmente responsável. 15  Da mesma forma, muitoscientistas sociais argumentam que, desde que somos todos o produto final de nossa hereditariedade e do ambiente, não somos livres e, portanto, não somos moralmente responsáveis pelo que fazemos. Tais conceitos, entretanto, representam uma forma “duríssima” de determinismo.

Infelizmente, alguns calvinistas têm negado que os seres humanos são livres, por causa de sua má compreensão da soberaniade Deus. No entanto, alguns desses calvinistas sustentam que somos moralmente responsáveis pelos nossos pecados, enquantoDeus, que decretou nosso pecado, não é moralmente responsável

 pelo pecado. Quando se lhes pergunta como é isso possível, res pondem que se trata de um paradoxo que, não obstante, deve ser

verdade, visto que as Escrituras o exigem.Eu não adoto este paradoxo. Ao contrário, à semelhança de

tantos outros deterministas, creio que há lugar para um conceitogenuíno de ação humana livre, embora tal ação seja causalmentedeterminada. É claro que este tipo de liberdade não pode ser in-determinístico. Ao invés, os deterministas que crêem no livre-arbítrio costumam distinguir dois tipos de causas que influenciam

e determinam nossas ações. Por um lado, há causas constrangedoras que forçam o agente a agir de modo contrário à sua vontade. Por outro lado, há causas não-constrangedoras. Estas são suficientes para promover uma ação; contudo, não forçam a pessoaa agir contra sua vontade, ou contra seus desejos. De acordo comos deterministas, entre os quais eu me alinho, qualquer ação é livre, mesmo quando causalmente determinada, desde que tais cau

sas não sejam constrangedoras. Freqüentemente há referências aeste tipo de determinismo como sendo determinismo suave,  oucompatibilismo, visto que uma ação humana genuinamente livreé vista como sendo compatível  com condições suficientes, não

l5Taylor, “Determinism”, p. 368. Como observa Taylor, o grande advogado 

americano Clarence Darrow usou este tipo de argumentação para livrar inúmeros criminosos.

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 40  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

constrangedoras, que inclinam a vontade decisivamente, de umaforma ou de outra . 16

Esta noção de liberdade parece razoável se o agente é causalmente determinado para agir da maneira que agiria por si mesmo. Mas, e se essa pessoa é causalmente determinada a agir, fazendo algo contrário a seus desejos? E mais: e se Deus tiver decretado que ela fará algo que não queria fazer? Como é que Deus

 pode garantir que essa pessoa escolherá livremente (segundo o conceito de liberdade do compatibilista) fazer algo que Ele decretou,se essa pessoa não quiser fazê-lo? Embora isto pareça constituir

uma dificuldade insolúvel, na verdade não é. Uma simples ilustração explicará a resolução do problema.

Suponhamos que eu decida que certo estudante deve sair dasala de aula. Há pelo menos três maneiras pelas quais eu poderiarealizar isto. Em primeiro lugar, se eu fosse suficientemente forte, fisicamente, poderia levantar esse indivíduo e removê-lo da sala. Neste caso, o estudante não quer agir; ele é uma vítima, não um

agente. Este é um exemplo de um tipo extremado de constrangimento. A saída do estudante de maneira alguma poderia ser considerada um ato livre de sua parte.

Em segundo lugar, eu poderia manter um revólver encostado à cabeça do estudante, e dizer-lhe que saísse, caso contrário perderia a vida. Neste caso, o estudante não quer realmente deixara sala, mas quer continuar vivendo. Neste caso a situação é dife

rente, e ele precisa tomar uma decisão. Sendo sábio, ele prefere sair,embora na verdade quisesse permanecer. Podemos falar, aqui, queo estudante exerceu seu arbítrio, embora tenhamos de admitir queele o fez sob coerção, ou compulsão. Assim, ele agiu, mas a açãonão foi livre. 17

Finalmente, se eu vejo que o estudante não quer sair da sala,tento persuadi-lo, dizendo-lhe que seria mais prudente sair. Esta

16Com respeito a tal liberdade, não estou sugerindo que nenhum agente jamais age sob constrangimento (nem afirma o indeterminista que todas as ações de todos os agentes são sempre livres contracausalmente), mas apenas que as condições básicas da vontade resumem-se em agir sem constrangimento, portanto, com toda liberdade. Entretanto, se o agente é determinado causalmente, mediante causas constrangedoras, numa ocasião particular, eu diria que esse ato nessa ocasião não foi livre.

17Veja -se Antony Flew, “Compatibilism, Free Will and God”, Philosophy 48 (julho de 1973): 234 para mais alguns exemplos.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  41

 persuasão não inclui ameaças, porque neste caso eu estaria constrangendo-o. Ao invés, apresento-lhe razões por que lhe seria vantajoso sair da sala (talvez haja alguém lá fora distribuindo dinheiro

 para estudantes necessitados, por exemplo). Após ouvir-me, o estudante analisará meus argumentos e as circunstâncias de sua vida, e concluirá que deverá sair da sala, o que lhe redundará emmaior benefício.

De início, ele não tinha o mínimo interesse em sair, nem qualquer desejo ou intenção. Porém, ao considerar todos os fatores relevantes, seus desejos mudaram. Agora, ele quer sair da sala, agin

do de acordo com seus desejos mudados. Neste caso, a ação doestudante é causalmente determinada, mas foi praticada de maneira livre (compatibilisticamente), visto que o estudante não foiconstrangido a agir contra seus desejos. É isto que se intitula determinismo suave, ou compatibilismo . 18

Esta noção de liberdade, ou livre-arbítrio, pode facilmente seraplicada ao relacionamento existente entre a soberania de Deus e

a liberdade do homem. Deus pode decretar todas as coisas e, aomesmo tempo, nós estaremos agindo livremente, de acordo como sentido compatibilista de liberdade. Deus pode garantir que Seusobjetivos serão atingidos livremente, mesmo quando alguém nãodeseja praticar um ato, visto que o decreto inclui não apenas osfins escolhidos por Deus, mas também os meios para a consecução desses fins. Tais meios incluem todas e quaisquer circunstân

cias e fatores necessários para convencer a pessoa (sem constrangimento) de que a ação que Deus decretou é a ação que essa pessoa deseja praticar. E assim, propiciadas as condições suficientes,a pessoa praticará a ação.

l8Obviamente, esta perspectiva induz à idéia de que as razões podem servir co

mo causas, de alguma maneira. Não desejo debater isto aqui, embora seja um ponto bem discutível. Será suficiente afirmar-se que as razões podem funcionar como meio de mudar-se o pensamento da pessoa, de tal maneira que ela fará, em seguida, aquilo que é consentâneo com  seu raciocínio (embora isto não signifique que as pessoas sempre ajam racionalmente, mas, apenas, que no caso de um ato voluntário, ao invés de reflexivo, ou involuntário, elas agem de acordo com seu raciocínio). Parece que tal raciocínio se qualifica legitimamente como sendo uma parte das condições suficientes capazes de inclinar a vontade em dada direção. Quanto a uma perspectiva diferente, veja-se A. C.  

Maclntyre, “Determinism”,  M in d  66 (1957): 37-38; e Charles B. Fethe, “Ra- tionality and Responsability”, Personalist  53 (1972).

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 42  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 Livre-Arbítrio, Determinismo e a Ação Inteiramente Diferente. É preciso discutir um último item concernente à noção de livre-

arbítrio. Argumentam os indeterministas que ninguém é livre senão puder agir de maneira inteiramente diferente (para os indeterministas, isto significa liberdade contracausal). Os indeterministas afirmam, desta maneira, que os deterministas eliminam aliberdade, porque estes negam que o agente poderia ter agido demaneira totalmente diferente. 19 Embora, à primeira vista, isto pareça verdadeiro, de fato não o é. Os deterministas suaves, em par

ticular, declaram que quando se houver entendido adequadamenteo sentido da frase poderia ter agido de m odo inteiramente diferente, ainda haverá espaço para um genuíno senso de livre-arbítrio.

O ponto mais importante, aqui, é o sentido que devemos atri buir à palavra poderia  (ou pod e). Poderíamos encontrar pelo menos sete significados para este verbo. Primeiramente, pode poderia ser interpretado no sentido contracausal segundo o qual nenhuma causa, ou conjunto de causas, é suficiente para produzirqualquer escolha particular, da parte do agente. Neste sentido, odeterminista afirma que a pessoa não pode agir de modo inteiramente diferente. Aqui reside o ponto focal de seu desentendimentocom os indeterministas. O assunto não pode ser decidido, porém,de maneira simples, mediante a definição contracausal do livre-arbítrio, como muitos indeterministas fazem.

Em segundo lugar, pode  é palavra que também se interpretade maneira condicional. De acordo com esta interpretação, o agente poderia ter agido de maneira inteiramente diferente é sentençaque significa o seguinte: a pessoa teria agido de maneira inteiramente diferente, se ela assim tivesse decidido .20 Embora algunsdeterministas aceitem esta análise, ela realmente não caracteriza aliberdade determinística, porque apenas ergue nova objeção contrao determinismo, que é: e se o agente não pudesse ter escolhido?21

Em terceiro lugar, há o sentido de “capacidade”, implícito em pode. Determinada pessoa poderá não escolher, nem praticar, certaação, porém, tem capacidade para praticá-la. Em outras palavras,não há nada errado em sua faculdade volitiva, e nada existe, in

19Veja-se, por exemplo, Van Inwagen, “Incompatibility”, p. 188; e Susan Wolf, 

“Asymmetrical Freedom” The Journal o f Philosophy  77 (1980): 154.20Veja-se Wolf, “Asymmetrical Freedom”, p. 154, quanto a esta análise.21 Ibid.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  43

terna ou externamente, que faça essa pessoa julgar ser impossível escolher, ou praticar, determinada ação. Por exemplo, um paraplégico não pode correr um quilômetro, mesmo que ele decidacorrer, mas uma pessoa não-paraplégica, que esteja em boa forma física, será capaz de decidir e efetivamente correr, mesmo queoutras condições o levem a fazer o contrário .22

Em quarto lugar, há o sentido de “oportunidade” no verbo pode, segundo o qual a pessoa tem a capacidade e também a oportunidade de fazer algo. Por exemplo, uma menina pode ter a ha bilidade de pular à altura de um metro; se ela estiver ao ar livre,num campo, terá a oportunidade de fazê-lo, mesmo que decidanão pular .23

Em quinto lugar, a palavra pode teria uma conotação de lei. Neste sentido, haveria algum regulamento que permite ou proíbeo ato que a pessoa está capacitada a praticar, e tem a oportunidade de praticar. Assim, se o regulamento permite estacionamentoem frente a determinado edifício, o motorista pode estacionar ali,mesmo que algo possa impedir que estacione.24

Pelo sexto significado do verbo poder, o agente não pode fazer algo por causa das más conseqüências resultantes dessa ação.Por exemplo, não posso (dadas as conseqüências negativas) conduzir meu carro precipício abaixo, embora eu obviamente tenha para isso tanto a capacidade como a oportunidade, não existindo lei que me proíba executar tal ação .25 Nem mesmo uma pessoa adepta da liberdade contracausal pode efetuar este ato, nestesentido do verbo poder.

22 John Canfield, p. 356-357. Veja-se, também, Max Hocutt, “Freedom and Capacity”, Review o f Metaphysics  29 (1975) quanto à distinção entre livre-arbítrio e capacidade. Deve-se observar que há um sentido em que até mesmo um indeterminista, em certas ocasiões, negaria a “capacidade” envolvida em 

 pode. Por exemplo, se se pedir ao agente que efetue uma contradição, nem mesmo o indeterminista afirmaria que, embora não tenha realizado a contradição, esse agente poderia ter feito outra coisa. Mas, esta negação da habilidade, ou capacidade, do agente em relação a tal ato, dificilmente se identificaria como negação do livre-arbítrio do agente. Assim, só porque A nega que B pode agir diferentemente da forma como agiu, isto não prova que A nega a existência  de livre-arbítrio. Conseqüentemente, quando um determinista afirma que um agente não poderia ter agido de maneira diferente, deve-se perguntar o que é que esse determinista quer dizer com isso, ao invés de presumir que ele nega

o livre-arbítrio.23Ibid„ pp. 357-358.24lbid„ p. 358.25 Ibid 359 360

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 44  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Há um sentido final para o verbo poder,  sentido que parecemuito apropriado ao determinismo suave: é aquele em que o ver bo significa “ser razoável”. Neste sentido, quando dizemos que al

guém pode fazer algo, queremos dizer que é razoável esperar-seque a pessoa faça isso mesmo, de acordo com as circunstâncias,ao passo que dizer-se que a pessoa não pode fazer algo, significaapenas que, dadas as circunstâncias, é irrazoável esperar-se que a

 pessoa faça aquilo.26 Estabeleça-se claramente, pois, que se estefor o sentido de o agente poderia (não poderia) ter agido de maneira diferente, um determinista suave como eu mesmo pode con

cordar em que o agente poderia (não poderia) ter agido de formadiferente e ainda manter seu senso de liberdade. Visto que segundo este sentido de poder, a pessoa está falando das razões pelasquais faria uma ou outra coisa, se tais razões forem decisivas (eneste caso parece que são) a ação de que se fala é causalmente determinada. Contudo, afirmar-se que seria irrazoável o agente teragido de forma diferente não significa que suas decisões foram to

madas sob coerção. Na verdade, é a própria racionalidade da decisão tomada que valoriza sua ação, visto que ele decidiu de acordo com seus desejos e, portanto, (segundo o determinismo suave) soblivre-arbítrio.

O fato a ser enfatizado é que o determinista suave pode interpretar o verbo poder  de qualquer maneira, exceto com o primeiro sentido, e pode concordar com o indeterminista quanto ao

agente poder agir de forma diferente. Se a capacidade para agirde maneira diferente é o critério do livre-arbítrio, o determinista,neste caso, pode falar legitimamente de liberdade. O determinista terá removido o livre-arbítrio do universo apenas no caso de alguém ser arbitrariamente limitado ao primeiro sentido do verbo

 poder.

Soberania de Deus e DeterminismoTendo esclarecido o que entendo por livre-arbítrio, ou liberdadehumana, é meu desejo discutir, agora, a soberania divina. Paramim, Deus é absolutamente soberano e, deste modo, possui absoluta autodeterminação. Com isto quero dizer que a vontade deDeus cobre todas as coisas, e que a base das decisões soberanasde Deus não é aquilo que Ele prevê que acontecerá, nem qualquer 

26 Este sentido é apresentado por Winston Nesbitt e Stewart Candlish, “On Not Being Able to Do Otherwise”,  M ind  82 (julho de 1973): 327.

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 DEUS D ECRETA TODAS A S COISAS  45

outra coisa à margem de Sua vontade. Ao contrário, os bons pro pósitos de Deus, e aquilo que Lhe apraz, determinam os fatos queEle decreta. Acredito, ainda, que Deus já escolheu de vez toda aseqüência de fatos interligados, já ocorridos ou a ocorrer nestemundo. As decisões de Deus não eram absolutamente necessárias(rejeito o fatalismo), mas apenas necessárias em conseqüência deoutras decisões que Deus tomou.

Esta perspectiva da soberania de Deus enquadra-se lindamente dentro do compatibilismo. Já que os decretos de Deus cobremtodas as coisas, devem incluir os fins objetivados por Ele, tantoquanto os meios, de maneira a evitar a coerção do agente na execução daquilo que foi decretado. Portanto, as ações humanas sãocausalmente determinadas, mas livres.

Argumentos Bíblicos e TeológicosTenho razões de ordem teológica e bíblica, bem como de ordemfilosófica, para justificar minha posição. Em face de minha pers

 pectiva da autoridade da Bíblia, as razões de ordem teológica e bí blica devem receber considerações decisivas. Não obstante, apresentarei também minhas razões filosóficas.

Efésios 1:11. Em primeiro lugar, sou conduzido até meu conceito pelo ensino bíblico a respeito da soberania de Deus. Embora outras passagens ensinem a soberania divina (Sal. 115:3; Prov.16:9,33; Dan. 4:34,35), Efésios 1:11 é, talvez, a mais clara expressão dessa doutrina. Este versículo faz parte da doxologia com queEfésios se inicia. O assunto básico, aqui, é nossa salvação (w. 4ss.). No versículo 11, Paulo prossegue no tema da nossa predestinação por Deus, em Cristo, para a salvação. Paulo afirma que esta eleição e separação do crente, de antemão, foi feita “segundo o pro pósito (prothesin) daquele que faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade (katã tên boulên tou thelêmatos au tou)’.’ A  cláusula inicia-se com no qual; é cláusula relativa que modificao pronome ele (nele). De acordo com este versículo, os crentes são

 predestinados para a salvação de acordo com o propósito de Deus,e Deus faz todas as coisas, inclusive a predestinação para a salvação, conforme o conselho da Sua vontade. Em seguida, a cláusula alarga o escopo do versículo para falar do controle soberano deDeus, não apenas sobre a eleição para a salvação, mas sobre todas as coisas.

Se Paulo não estiver fazendo distinção entre o propósito de

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 46   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Deus, Seu conselho e Sua vontade, este versículo é terrivelmenteredundante. Os comentaristas concordam em que ele está fazendo distinções. A palavra prothesin refere-se ao propósito, ou ob

 jetivo que Deus pretende atingir. De acordo com este versículo, o propósito se relaciona com a predestinação para a salvação, e tam bém com todas as demais coisas .27

Quanto à frase conforme o conselho da sua vontade,  os comentaristas sugerem que a distinção entre boulê  (“conselho”) ethelêma (“vontade”) é que a primeira envolve propósito e deliberação, enquanto a segunda simplesmente denota desejo. A ênfa

se maior da frase está em que Deus escolhe, após deliberar a res peito da mais sábia ação a ser realizada, a fim de alcançar Seu ob jetivo.28 Assim, neste versículo boulê refere-se a um plano resultante de deliberação.29

Este versículo ensina, portanto, que tudo quanto acontece é pré-ordenado por Deus, e nada externamente em relação a Deus,como por exemplo, as ações previstas ou os méritos das criaturas

de Deus, nada disso determina Suas decisões.30 Deus delibera, escolhe e realiza todas as coisas baseado em Seus propósitos. Como é que Deus faz todas as coisas? Algumas são feitas diretamente,e exclusivamente por Deus, sem utilização de agentes, mas a maioria das coisas é feita por meio de pessoas, anjos, etc.

De modo claríssimo, este versículo ensina a absoluta soberania de Deus. Da mesma forma clara, e em face de tal noção de so

 berania, não consigo ver lugar para a liberdade indeterminística.Concedida liberdade indeterminística, Deus não pode garantir queSuas decisões se cumpram. Não importa o quanto Deus inclina

27 No contexto geral de Efésios 1, tanto quanto no versículo 11, seria difícil sustentar a opinião de que Deus decide todas as coisas segundo Sua deliberação, contudo, apenas tem um propósito com respeito às Suas decisões para salvação.28 B. F. Westcott, Saint Paul’s Epistle to the Ephesians  (reimp., Minneapolis: Klock & Klock, 1978), p. 15. Veja-se, também, T. K. Abbott, A Criticai and  

 Exegetical Commentary on the Epistles to the Ephesians and to the Colossians, International Criticai Commentary (Edinburg: T. & T. Clark, s.d.), p. 20; e John Eadie, A Commentary on the Greek Text ofth e Epistle ofPaul to the Ephe

 sians  (Grand Rapids Mich.: Baker, 1979), p. 60.29Eadie, Commentary on the Greek Text,  p. 60.30 Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Ephesians (Old Tappan, N.J.: Revell, s.d.), pp. 57-58. Veja-se, também, B.F. Westcott, Saint Paul’s Epistle, 

p.9; e F.F. Bruce, The Epistle to the Ephesians  (London: Pickering & Inglis, 1974), pp. 29-30.

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 DEUS D ECRETA TODAS A S COISAS  47 

rá a vontade de alguém na direção daquilo que Ele decidiu fazer;tal inclinação, segundo a noção indeterminística de livre-arbítrio, 

 jamais seria suficiente para produzir a ação que Deus decretou.

Se o indeterminismo é correto, não vejo como Deus poderá estarno controle do mundo, conforme está delineado em Efésios1:11.31 Por outro lado, se examinarmos o assunto à luz da perspectiva determinística suave do livre-arbítrio, não apenas Efésios 1:11faz sentido, mas também as outras passagens como Provérbios16:9,33; Atos 2:23; 4:27,28; Filipenses 2:12,13 e Hebreus 13:21 (passagens que tratam da relação existente entre a ação divina e a

humana).32Em réplica, os teólogos indeterministas poderão fazer umadentre três coisas. Poderão ignorar Efésios 1:11, e versículos semelhantes, o que seria intelectualmente desonesto. Poderão tentarreinterpretar o versículo de modo que ele venha a ter outro significado, diferente daquele que parece ter .33  Finalmente, poderãoadmitir que o versículo diz exatamente aquilo que acabei de dizer,

e em seguida argumentar que embora Deus mantenha absoluta so berania, Ele decidiu abrir mão dela, a fim de proporcionar-noslivre-arbítrio indeterminístico. Visto que Deus não abriu mão de

31 David Basinger argumenta de maneira convincente sobre este ponto. Não  concordo com sua conclusão de que devemos limitar a onipotência de Deus, porém, concordo com sua análise sobre por que Deus não pode controlar as coisas se for correta a noção do livre-arbítrio indeterminístico. Veja-se David Basinger, “Human Freedom and Divine Providence: Some New Thoughts on an Old Problem”, Religious Studies 15 (1979): 498ss. Outros perguntarão se Deus não pode controlar as coisas mediante a determinação de eventos, deixando livres as ações. Quanto a uma explanação dos problemas envolvidos nesta sugestão veja-se meu artigo: “And the Atheist Shall Lie Down with the Calvi- nist: Atheism, Calvinism, and the Free Will Defense”, Trinity Journal, s.d., vol.I (outono de 1980).32 A questão não é que todos estes versículos discutem as mesmas atividades, 

mas, antes, que eles demonstram Deus e o homem operando no mesmo ato, de maneira tal que o homem age genuinamente livre, enquanto a vontade de Deus (até mesmo as ordens de Deus — At. 2:23) é realizada.33 Por exemplo, alguém poderia argumentar que este versículo refere-se ape

 nas à predestinação para a salvação, e mais nada. Esta interpretação não funciona, porém, por duas razões. Primeiramente, demonstra falta de compreensão sobre como funcionam as orações relativas, gramaticalmente. Em segundo lugar, mesmo sob tal interpretação, o indeterminista ainda precisará explicar de que maneira ele abrirá espaço para este tipo de liberdade, com respçito à sal

vação, em face do ensino do versículo quanto ao controle soberano que Deus exerce sobre a salvação.

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 48  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Sua soberania (apenas do exercício dela), e que ninguém O forçou a conceder-nos tal liberdade, pode-se vindicar legitimamente que Deus é soberano absoluto.

É verdade que esta última abordagem mantém a soberaniade Deus, sem que se despreze Efésios 1:11; contudo, o problema básico é que nenhuma passagem das Escrituras (de modo especial Efésios 1:11) afirma que Deus um dia tomou tal decisão. Seeu pudesse encontrar pelo menos um único versículo que afirmasseisto, eu me tornaria um indeterminista teológico (arminiano). Osarminianos apresentam, de modo típico, versículos que, assim pen

sam eles, demonstram que os homens possuem livre-arbítrio indeterminístico. Se é verdade que tais versículos afirmam que somos livres, nenhum deles afirma, contudo, que somos livres in- deterministicamente. Os indeterministas presumem que esses versículos devem ensinar que somos indeterministicamente livres,

 porque presumem que este é o único tipo de liberdade que podeexistir. Entretanto, esta abordagem encerra a questão arbitraria

mente. Na verdade, nenhum versículo nos diz que nossa liberdade é indeterminística, ou determinística. Entretanto, em face deversículos tais como Efésios 1:11, eu creio que somos livres numsentido compatibilístico. Não consigo ver nenhuma outra maneira

 biblicamente aceitável de evitar-se a contradição entre os conceitos claramente bíblicos da soberania de Deus e do livre-arbítriodo homem.

 A Onisciência de Deus. O segundo argumento em defesa deminha posição é a doutrina bíblica da onisciência de Deus. Se oindeterminismo é a verdade, não consigo ver de que maneira se poderá dizer de Deus: Ele prevê o futuro. Se Deus verdadeiramentesabe o que vai acontecer (não apenas o que poderia acontecer) nofuturo, então o futuro está fixo, estabelecido, aplicando-se-lhe umcerto tipo de determinismo.34 O conhecimento de Deus não é a

34 Aqui, o conceito se apóia numa definição básica de epistemologia. O conhecimento é definido como crença verdadeira, justificada. Conseqüentemente, se alguém pensava que sabia  alguma coisa que finalmente se comprovou ser um erro, não se pode falar que neste caso havia conhecimento. Aplicando-se isto à nossa discussão, o ponto focal é que se o indeterminismo for verdadeiro, Deus não pode garantir que Ele sabe o que vou fazer, visto que eu poderia 

sempre fazer qualquer outra coisa, diferente daquilo que Ele espera que eu faça. Se Ele realmente sabe, então deverei fazer exatamente o que Ele sabe que farei; contudo, isto é inconsistente com a liberdade contracausal.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  49

causa do futuro, mas a garantia de que aquilo que Deus sabe deverá ocorrer, independentemente do modo como ele sobrevirá. É

óbvio que se Deus não conhece o futuro, erguem-se perguntas concernentes à Sua onisciência.35Os indeterministas respondem a tais questões com uma dentre

três opções. Alguns negam que Deus sabe o futuro, porque esteé incognoscível.36 Tal perspectiva é plausível filosoficamente, mas parece inconsistente com o teísmo bíblico. O testemunho avassa-lador das Escrituras é que Deus sabe todas as coisas, inclusive o

futuro. Considere, por exemplo, o fenômeno da profecia bíblica.Outra réplica é a observação de que Deus não se cinge ao tem po, mas é eterno. Todas as coisas estão presentes diante dEle, num“agora” eterno, desvinculado do tempo. Assim, Deus sabe todasas coisas, sem conhecer o futuro, visto que nada é futuro para Ele.Conseqüentemente, para nós, tudo quanto fizermos no futuro ainda é coisa indeterminada .37 Embora alguns filósofos, desde Boe-

thius, até nossos dias, tenham aceitado esta racionalização, ela nuncame impressionou. Meu ponto focal não é que Deus está no tem po, ao invés de ser eterno,38 mas que o conceito é confuso. Deusé eterno e onisciente, e todas as coisas certamente estão diante dElenum “agora” eterno. Entretanto, isto não significa que Deus nãosabe que tempo é na história humana. Se Ele sabe todas as coisas, sabe quais são os eventos que, embora no presente para Ele,

 para nós estão no futuro, de acordo com nossa perspectiva tem poral. Entretanto, desde que tal conceito seja admitido, o velho problema reaparece. De que maneira Deus pode conhecer um fa

35 Como diz Stephen T. Davis (“Divine Omniscience and Human Freedom”,  Religious Studies 15 (setembro de 1979: 303), “a onisciência inclui a presciência a qual, podemos dizer, é o conhecimento verdadeiro de proposições acerca do futuro, isto é, do estado futuro das coisas!’36 Helm discute esta opinião, que ele encontra nos escritos de P. T. Geach. Ve

 ja-se Paul Helm, “God and Whatever Comes to Pass”, Religious Studies  14 (1978).37 Veja-se, por exemplo, Richard Purtill, “Foreknowledge and Fatalism”,  Religious Studies 10 (1974). Ele conclui que se o apelo a Deus, com o sendo independente do tempo, não funciona, resta-nos a assombrosa conclusão de que  Deus não sabe infalivelmente o futuro (p. 324).

38 Davis (“Divine Omniscience”, p. 315), por exemplo, nega que Deus seja um  ser eterno fora do tempo, e argumenta que Deus está no tempo.

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 50  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

to como sendo presente para Ele, e futuro para nós, sem que essefato esteja determinado? 39

A outra maneira que alguns encontraram para resolver o pro

 blema do livre-arbítrio e presciência é mediante o apelo ao conhecimento hipotético. Conhecimento hipotético é o dos contrafatos,isto é, conhecimento daquilo que teria acontecido se algo diferenteocorresse.40 Alguns afirmam que Deus conhece o futuro via conhecimento hipotético. Conseqüentemente, podemos exercer livre-arbítrio indeterminístico, porque Deus não sabe o que acontecerá no futuro, e Deus pode ser onisciente no sentido de saber tudo

que poderia acontecer, e o que aconteceria se outras coisas diferentes ocorressem.

Em bora eu concorde em que Deus tem conhecimento h ipotético, discordo em que o problema do indeterminista está resolvido. Conhecimento hipotético (como conhecimento de contrafatos) é conhecimento de possibilidades, não de realidades. Vistoque conhecimento hipotético é conhecimento daquilo que pode

ria ocorrer, ele é irrelevante para a questão de como Deus pode conhecer o que vai acontecer, no futuro. Além disso, o conhecimentohipotético não implica em que Deus sabe o que poderia acontecer se algo diferente ocorresse, mas, ao contrário, o que aconteceria mesmo se esse fato ocorresse. Entretanto, dada a hipótese in-

39 Parece que o único caminho aberto para quem quiser tentar resolver este problema, nesta linha de raciocínio, é a negação da sucessão temporal. Em outras palavras, a pessoa simplesmente argumentaria que embora nos pareça que existe sucessão temporal genuína, de tal forma que uma pessoa poderia falar, racionalmente, a respeito de um passado, um presente e um futuro, a sucessão temporal é uma ilusão. Embora haja pessoas dispostas a argumentar desta maneira, poucas achariam este conceito convincente. No mínimo, as implicações da negação da sucessão temporal genuína seriam devastadoras.40 Alguns filósofos contemporâneos da religião definem o conhecimento hipotético não apenas como conhecimento de contrafatos, mas, também, conhecimento daquilo que vai realmente acontecer no mundo. Entretanto, se conhecimento hipotético for isto, tal conceito não vai ajudar o indeterminista, visto que um “conhecimento hipotético” de tal ordem parece eqüivaler ao pré- conhecimento que Deus tem do futuro; e como temos argumentado, do ponto de vista indeterminístico do livre-arbítrio, é difícil dizer como Deus pode saber o que realmente vai acontecer no futuro. Assim, se o indeterminista quiser tirar algum proveito do conhecimento hipotético, deverá fazê-lo a partir de uma 

conceituação desse conhecimento como conhecimento de contrafatos. Conseqüentemente, meus comentários no texto referem-se àquela noção de conhecimento hipotético.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  51

determinística, como poderia Deus saber, ainda que mediante conhecimento hipotético, o que se seguiria após quaisquer eventos,

se alguma forma de determinismo não for a correta?41 Por conseguinte, os apelos ao conhecimento hipotético não resolvem o dilema do indeterminista.42

Profecia Previsível.  O terceiro argumento bíblico que favorece minha posição advém da profecia bíblica. Visto que a profecia deve acontecer, torna-se necessária alguma forma de determinismo. As Escrituras prevêem as atividades de vários indivíduos

e grupos de indivíduos.43

 Entretanto, se o indeterminismo é a verdade, não há meio de Deus garantir o cumprimento de qualquer profecia a respeito das futuras ações de alguém; Ele não poderiafazer nada que viesse a constituir a causa determinativa, que motiva alguém a fazer o que foi predito.44

 Inspiração. Em quarto lugar, em face de dados bíblicos de tais passagens como 2 Pedro 1:21, parece que o compatibilismo é necessário para a plena inspiração verbal. O versículo diz: “homens falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo” (ARA). A

41 Para um esclarecimento excelente deste assunto, remetemos o leitor a Ro- bert M. Adams, “Middle Knowledge”, The Journal o f Philosophy 70 (1973). Veja-se, também, a discussão de Basinger do conhecimento hipotético em seu relacionamento com a teodicéia do livre-arbítrio, e o controle divino sobre o mundo (“Human Freedom”, pp. 506-508).42 Stephen Davis (“Divine Omniscience”) oferece uma quarta solução (pp. 314ss.). Argumenta ele que em face do incompatibilismo, que é correto, Deus não pode conhecer o futuro, no sentido de ver as conexões causais que tornam as coisas determinadas causalmente. Contudo, Deus sabe o que eu, por exemplo, farei (incompatibilisticamente) sendo livre. Ele sabe intuitiva e imediatamente. Davis chama isto de “visão do futuro”, dizendo que difere do conhecimento por inferência, ou conhecimento inferencial do futuro (que se baseia na percepção das conexões causais). Entretanto, a única explicação que ele dá para 

a visão do futuro é que não se trata de conhecimento inferencial. Repito que o problema é: De que maneira pode Deus “ver” o futuro, ou seja, aquilo que vai acontecer, se a verdade está no indeterminismo?43 Os exemplos incluem Dan. 7; 9:27; 2 Tess. 2:3-4; Apoc. 13:17.44 Deus não pode, por exemplo, garantir que o filho da perdição fará aquilo  que está predito a seu respeito, em 2 Tess. 2, ou que os 144.000 judeus de fato aceitarão a Cristo (Apoc. 7:14), se a verdade pende para o indeterminismo. Mesmo que a pessoa rejeite as interpretações futurísticas destas passagens, que tratam de eventos concernentes à segunda vinda de Cristo, ainda terá um problema 

semelhante, concernente às profecias da primeira vinda de Cristo. Estas já se cumpriram, mas eram profecias acerca do futuro quando seus autóres as escreveram.

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 52  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 palavra pheromenoi (“movidos”) contém a idéia de algo ser apanhado pelo portador e levado ao seu objetivo. A verdade é que osescritores bíblicos não escreveram senão dirigidos e movidos pelo Espírito Santo. Esta direção garantiu que eles haveriam de escrever as palavras do Espírito Santo. Se os autores tivessem escrito sem o Espírito Santo, suas palavras retratariam os impulsos einiciativas deles; contudo, Pedro nega que tal coisa houvesse acontecido (2 Ped. 1:20,21). Em face dos detalhes encontrados nesta

 passagem, devemos aceitar a teoria do ditado, segundo a qual Deus

teria ditado exatamente aquilo que os autores escreveram, ou devemos aceitar a teoria da inspiração, que é consistente com o com- patibilismo, que permite tanto a Deus quanto ao homem seremativos no processo, a ponto de garantir que ficasse escrito o queDeus queria comunicar. Em face do significado do livre-arbítrioindeterminístico, e de todas as evidências escriturísticas contra ateoria de uma inspiração baseada em ditado, parece que a única

maneira de afirmar-se a inspiração verbal plenária, conforme estabelece 2 Pedro 1:21, é ater-se ao compatibilismo.Segurança Eterna. O último argumento bíblico baseia-se na

segurança eterna do crente. Se o indeterminismo for correto, sem pre; éjpossível_ao_crenterejeitaraJlM^ Nãoim portaquão forte seja a inclinação a favor de uma fé contínua,os crentes ainda estariam sujeitos a desviar-se, pois, do contrário,

não seriam livres, no sentido indeterminado. Tradicionalmente, osarminianos clássicos têm percebido este ponto nevrálgico e ensinado que o_crente pode perder a salvação. Entretanto, encontroabundante evidênciã"BTblica segundo a qual a apostasia é impossível. Passagens como João 6:37-39: 10:28-30: Romanos 8:28-30;1 Coríntios 1:8-9; Filipenses 1:6; e 1 PedroJ :5£parecem l!upòr-tar a doutrina da segurança do crente. Entretanto, isto só pode ser

"garantido por um conceito determinístico de livre-arbítrio.Argumentos FilosóficosEm adição ao material bíblico, gostaria de apresentar algumas razões de ordem filosófica, além daquelas já mencionadas, que sustentam meu conceito doutrinário. Em primeiro lugar, acho o indeterminismo bastante problemático, porque ele afirma que, em

 bora não haja razão causai suficiente para um agente decidir umaação, esse agente decide. Como argumenta Jonathan Edwards emFreedom o f the Will (“Liberdade da Vontade”), as pessoas agem

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de acordo com certas razões. Em particular, elas agem de acordocom aquilo que a razão determina ser o maior bem .45 Assim, se

 parece que não há um bem maior, o agente deixa de agir. É aquique está o maior problema para o indeterminista. Por um lado,os indeterministas argumentam que não agimos sem que haja razões para isso. Por outro lado, negam que quaisquer razões, ououtras causas, sirvam como condições suficientes para as decisõestomadas. Mas, se nada constitui condição suficiente para inclinara vontade de modo a escolher-se um a coisa em detrimento de ou

tra, então, de que forma se processam as escolhas? Se as influências causais estivessem realmente em ponto morto, não escolheríamos. Além do mais, se as influências causais não são suficientes para mover a vontade na direção de uma decisão, então que é que a move? Alguns indeterministas dizem que a pessoa apenasfaz decisões, ou escolhas. Ótimo, mas com base em quê? Se a res

 posta for que a pessoa simplesmente decide, ou escolhe, é eviden

te que isto não constitui uma resposta. Se o indeterminista argumenta que a decisão é tom ada de acordo com aquilo que pareceser a melhor razão (ou razões), então, na verdade, o ato é causalmente determinado (os motivos funcionaram como causas suficientes para produzir o ato).46 Deste modo, os indeterministas sãoapanhados num dilema. Se rejeitam o determinismo, não podemoferecer uma razão suficiente para o ato. Se podem oferecer umarazão suficiente para o ato, o conceito deles eqüivale, então, aodeterminismo.

Uma segunda faceta relacionada ao assunto diz respeito à res ponsabilidade moral de nossas ações. Em geral, os indeterministas reclamam que o determinismo elimina a responsabilidade moral. Contudo, o indeterminismo suscita problemas que são pelomenos tão difíceis como aqueles levantados pelo determinismo.Os filósofos da moral não atribuem culpa ou elogio moral quando determinado ato é feito sem propósito, ou por reflexo. Contu

45 Jonathan Edwards, “A Careful and Strict Inquiry into the Prevailing No-  tions of the Freedom o f Will”, The Works o f Jonathan Edwards, vol. I (Edin- burg: The Banner of Truth, s.d.).46 Alguns indeterministas apelam para a teoria da causação de agente, o que redunda na mesma problemática: são incapazes de especificar a maneira por 

que os agentes tomam suas decisões sem serem causalmente determinados. Veja- se, por exemplo, BonJour, “Determinism”, pp. 148-153, quanto a problemas a respeito da teoria da causação de agente.

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do, se alguém pratica uma ação com um objetivo, certamente a pratica por uma razão (ou razões) suficiente, causalmente, para

induzi-lo a agir. Portanto, se as únicas ações merecedoras moralmente de louvor ou de culpa são as ações intencionais, e se taisações propositais são praticadas de acordo com condições causaissuficientes, temos, então, um resultado estranho: se o indeterminismo é verdadeiro, as ações propositais são suprimidas e não selhes pode atribuir responsabilidade moral.47

Objeções Contra o D eterminism o TeológicoAs objeções mais comuns, e mais cruciais48 contra a posição teologicamente determinística concentram-se na responsabilidademoral, na do agente e na de Deus.

Primeiramente, como é que uma pessoa pode ser moralmenteresponsável por suas ações, se estas forem determinadas? Para queuma pessoa seja moralmente responsável, duas coisas precisam ser

verdadeiras. Ela deve ser um agente livre, e deve ser um agente moral (isto é, um agente a quem se aplicam as normas morais).49 Deacordo com os indeterministas, as pessoas determinadas podemser agentes morais, mas não podem ser consideradas livres. E senão são livres, não podem ser responsabilizadas por suas ações.50

Tais problemas são difíceis, mas não insolúveis. As pessoassão moralmente responsáveis por suas ações porque as praticam

livremente. Concordo em que ninguém pode ser responsabilizado por ações não livremente praticadas. Contudo, como já se argumentou, o compatibilismo permite que o agente aja livremente. O ponto crucial não é se os atos de alguém são causalmente determinados ou não, mas, de que maneira  são determinados.51 Se

47 Veja-se, por exemplo, Wolf, “Asymmetrical Freedom”, p. 153; e Fethe, “Ra- 

tionality”, p. 196. Há também o problema suscitado por muitos, para quem o indeterminismo significa ações como ocorrências casuais. Entretanto, se nossas ações são aleatórias, de que maneira podem ser livres, e como podemos ser moralmente responsáveis por elas? Veja-se Talbott, “Indeterminism”, para uma réplica interessante a toda esta linha de argumentação.48 Alguns filosófos suscitam o princípio de indeterminação, de Heisenberg, como objeção contra o determinismo. Quanto a uma excelente explanação dos problemas levantados por esta argumentação, veja-se Francis A. Gangemi, “In- determinacy and Human Freedom”,  Religious Humanism  10 (1976).

49 Wolf, “Asymmetrical Freedom”, p. 151.50 Snyder, “Paradox”, p. 353. Veja-se, também, Fethe, “Rationality”, p. 196.51 Basinger, “Human Freedom” p. 493.

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tais atos forem constrangidos, não são livres, e o agente não é moralmente responsável por eles. Porém, se os atos estiverem dentroda vontade do agente, isto é, tiverem sido praticados segundo sua

vontade, então, mesmo que tais atos sejam causalmente determinados, são livres, e o agente é moralmente responsável. A objeção doindeterminista só elimina o determinismo se conseguir provar queo conceito determinístico do livre-arbítrio está errado, ou é impossível. Visto que o compatibilismo não é impossível, e nunca foi conclusivamente refutado, o compatibilista tem uma solução para este problema da responsabilidade moral do agente quanto às suas ações.

A segunda objeção focaliza-se na responsabilidade moral deDeus. Se for verdade a doutrina do teísta determinista de que Deusdecreta todas as coisas (até mesmo o pecado), porque é que Deusnão é moralmente responsável por tal pecado?52 Parece injustoque quando as pessoas são causalmente responsáveis pelo mal, são,também, moralmente responsáveis, porém, quando Deus é causalmente responsável (mediante Sua soberania) pelo pecado hu

mano, Ele não é igualmente moralmente responsável. Por quê deveria Deus ficar isento? Além disso, como é que um Deus de bondade pode decretar o mal?

Esta é a objeção mais difícil. De início, devemos declarar queDeus é santo, e não pode pecar. De acordo com Tiago 1:13-15 Deusnão pode nem mesmo ser tentado a pecar. Mais ainda, Deus a ninguém tenta, nem induz a pecar. O pecado emana da criatura. De

maneira alguma Deus pode estar implicado no pecado. Por outro lado, Efésios 1:11 afirma que Deus decretou todas as coisas,até mesmo o pecado. Como pode ser isso?

Muitos teólogos deterministas (calvinistas) têm afirmado queeste dilema é um paradoxo. Ensinam que tanto o decreto soberano de Deus sobre o pecado, quanto Sua absoluta santidade, devem ser verdadeiros, porque as Escrituras ensinam ambos. Entre

tanto, os calvinistas não podem explicar como estas doutrinas seharmonizam.53 Entendo essa posição, e acho-a desnecessária. Há

52 Wolf, “Asymmetrical Freedom”, p. 162, trata deste ponto muito bem.53 Às vezes, apela-se para Rom. 9:18-21, a fim de demonstrar que este problema é um paradoxo, e que o crente não deve esperar resposta. N o versículo 19o enigma é apresentado, e nos versículos 20 e 21, Paulo responde. Contudo,  a questão apresentada no versículo 19 levanta um problema intelectual, e ou

tro concernente à atitude do inquiridor. Nos versículos 20 e 21, Paulo trata do problema da atitude, mas de maneira alguma isto indica que a indagação intelectual não deve ser feita, ou que ela é irrespondível. Na verdade, a passa

ã f b it d d

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56  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

alguns anos, percebi que esta questão é a mesma relacionada como problema do mal. Neste caso, pergunta-se por que Deus não éresponsabilizado moralmente pela existência do mal, se Ele decretou todas as coisas. O problema do mal resume-se nisto: por queexistiria o mal num mundo criado por um Deus todo-poderoso,um Deus de amor? Obviamente, se o determinismo teológico forcorreto, Deus não criaria um mundo sem que antes houvesse decretado sua existência. Entretanto, é preciso ficar bem claro queas duas maneiras de apresentar a questão resumem-se em: De quemaneira pode Deus ser visto como santo e justo, em face da existência do mal no mundo?54

Em meu livro Theologies and Evil apresento uma resposta detalhada para esta pergunta.55 Aqui, apenas farei um resumo dos

 principais pontos. A estratégia básica de minha defesa é a mesmausada pela maioria dos defensores da justiça divina. Inicia-se pelaobservação de que embora Deus seja onipotente, Ele não realizacontradições. (Por exemplo, Ele não pode fazer um círculo quadrado.) Acrescentam, então, os referidos defensores que ninguém, inclusive Deus, pode ser responsabilizado por não ter feito aquilo quenão poderia fazer, ou por fazer aquilo que não poderia deixar defazer. Este é o ponto central: o agente deve ser livre, para ser moralmente responsável por suas ações. Em seguida, o defensor da

 justiça divina expõe duas coisas valiosas que Deus poderia fazer.Entretanto, ele observa que Deus não pode fazê-las simultaneamente, visto que ambas se contradizem, e Deus não pode realizarcontradições. Finalmente, ele argumenta que a opção tomada porDeus é a de maior valor e, assim, está justificado, embora seja im

 possível para Deus remover o mal.Quanto à minha teodicéia, uso esta estratégia e afirmo que

Deus poderia criar o tipo de seres que Ele criou, quando conce beu os seres humanos (seres que, dentre outras coisas, possuem li berdade compatibilística) ou, como outra opção, poderia ter man

54 Enfatizo que não há, aqui, um ponto calvinista em contraposição a um ponto arminiano. É apenas uma questão concernente à lógica do debate.

55 John Feinberg, Theologies and Evil  (Washington, D.C.: IJniversity Press of  America, 1979), cap. 6.

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tido o mundo perfeito.56 Deus optou pela criação de nosso mundo.57 Portanto, Ele não poderia decidir, ao mesmo tempo, fazerum mundo perfeito. Visto que Ele não poderia fazer ambas as coisas, ao mesmo tempo, Ele não pode ser responsabilizado moralmente pela existência do mal no mundo. A criação de seres humanos é algo do maior valor e, assim, justifica a existência de ummundo em que há o mal.

Aplicações PráticasO Caso de Alfredo. Parece que Alfredo é sensível tan to para comDeus como para com as necessidades alheias. De acordo com minha perspectiva, Deus decreta todas as coisas, inclusive os meiose os fins. Assim, as riquezas de Alfredo, os meios pelos quais foram adquiridas (inclusive o trabalho duro), a pobreza dos outros,e os meios pelos quais essa pobreza instalou-se, são parte do decreto. Como, então, mediríamos o controle divino em relação aoesforço humano neste caso de economia financeira?

Em primeiro lugar, consideremos a prosperidade de Alfredo.Ele tem razão em crer que parte de sua fortuna advém do fato deter nascido num país próspero. Mas, tais fatos também estão nosdecretos de Deus. Portanto, o fato de Alfredo ser próspero foi decretado por Deus. Visto que estes assuntos não são de absoluta necessidade (isto é, este universo não é fatalista e, portanto, Deus nãotinha de criar Alfredo rico), a decisão de Deus é expressão de Seuamor gracioso para com Alfredo. Por tudo isso, ele tem razão emser grato a Deus.

Por outro lado, Deus não fez a riqueza “cair do céu”. Alfredo precisou trabalhar duramente, e como trabalhou! Contudo, segun

56 A argumentação sobre por que Deus não pode remover o mal e ao mesmo tempo deixar intacta a espécie de ser que Ele criou é apresentada no capítulo6 de Theologies and Evil.57 Alguns perguntarão se Deus não deveria ter escolhido o melhor dos mundos possíveis. Certamente, se existisse tal mundo, Ele o teria escolhido; contudo, segundo a posição que adoto, na metafísica (chamo-a de racionalismo modificado) não existe tal coisa como o melhor dos mundos possíveis, mas apenas mundos bons e mundos maus. A obrigação de Deus, então, é a de criar um destes possíveis mundos bons; se alguém puder demonstrar que Deus criou 

de fato um possível mundo bom, terá resolvido o problema do mal que se ergue no sistema teológico. Para mais minúcias, veja-se meu livro Theologies and   Evil.

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 58  PREDESTIN AÇÃO E LIV RE-A RBÍTRIO

do minha perspectiva, o esforço tremendo de Alfredo serviu como o meio designado por Deus para que ele atingisse sua pros

 peridade. Além disso, embora se possa elogiar o esforço de Alfredo, deve ele entender que Deus lhe deu boa saúde e forças, paraque pudesse fazer o trabalho. Visto que Deus não deve nada disto a Alfredo, e que este universo não é fatalista, esse moço deveagradecer a Deus a capacidade de trabalhar duro, e agradecer-Lhe,também, pela bênção da prosperidade sobre seus esforços. M uitos trabalham igualmente com máximo empenho, e nem sempre

 prosperam. O fato de Alfredo ter sido bem-sucedido indica queDeus tem sido bondoso para com ele. Deus é responsável pela criação de sua fortuha, e o jovem está certo em agradecer ao Senhor.

Em segundo lugar, de acordo com minha perspectiva, a pobreza também é decretada. O que quer que seja que causa essa pobreza também foi decretado como meios conducentes a essa po breza. Entretanto, o ponto nevrálgico é que tais causas não cons

trangem os indivíduos em questão. Por exemplo, se alguém chamaa si a pobreza mediante a preguiça ou a imprudência no uso dodinheiro, esse indivíduo não foi constrangido a agir dessa maneira,e a pobreza serve de punição. Por outro lado, se a pobreza ocorrea despeito da operosidade da pessoa, tal pobreza servirá a algumoutro propósito de Deus, como, por exemplo, levar tal pessoa aconfiar mais em Deus do que em si próprio. Qualquer que seja a

causa de tal pobreza, esta foi decretada por Deus, e será usada porEle a fim de atingir determinado objetivo, embora não seja exatamente o objetivo que tenhamos imaginado.

Se Deus decretou tal pobreza e os meios pelos quais se esta beleceu, estão os pobres isentos de culpa, quando suas ações, ousua inatividade, os conduzem à pobreza? Segundo minha perspectiva teológica, eles são moralmente responsáveis, desde que tenham

agido, ou deixado de agir, livres de qualquer constrangimento.Além do mais, Deus não é culpado da pobreza dessas pessoas. Seas criaturas humanas (agentes) fazem coisas que redundam em sua

 própria pobreza, ou na pobreza de outros, Deus não pode impedi-las sem contradizer Seus planos ao criar tais pessoas do jeito quesão. Igualmente, se a pobreza de tais pessoas ocorre como resultado do mal natural, como já argumentamos algures, a questão

do mal natural reduz-se a um problema de mal moral, ou ao pro

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS  59

 blema religioso do mal.58Finalmente, é possível que as riquezas de Alfredo se relacio

nem de algum modo à pobreza de outros, mas é duvidoso que se jam condições suficientes para a pobreza alheia. O fato de Alfredo ter tudo quanto tem não constitui prova de que ele tomou (direta ou indiretamente) alguma coisa de alguém. Portanto, não vejo

 por que Alfredo haveria de sentir-se culpado pela pobreza alheia(independentemente do que a pessoa pense sobre livre-arbítrio esoberania). Entretanto, é bom que ele esteja interessado na sortedos outros. Além disso, a informação que recebeu acerca dos outros, e os sentimentos de simpatia que lhe sobrevieram podem sera orientação de Deus para que faça algo a fim de ajudar os necessitados. Em outras palavras, aquilo que ocupa seus pensamentosagora (e aquilo que fê-los surgir) pode ser o meio criado por Deus

 para induzi-lo a fazer alguma coisa em prol de alguns daquelesnecessitados.

O Caso de Maria.  Do ponto de vista que considera a vontade de Deus como decreto, M aria realmente está dentro da vontade de Deus. De fato, neste sentido, tudo quanto acontece está dentro da vontade de Deus. Porém, é preciso que se faça a distinçãoentre a perfeita vontade de Deus e aquilo que se denomina, comfreqüência, vontade permissiva de Deus.59 A primeira diz respeito àquelas partes do decreto que estão de acordo com os desejosde Deus e as melhores coisas que Ele almeja para nós. A vontade permissiva de Deus refere-se àquelas coisas que, embora integrando o decreto, são contrárias aos desejos de Deus e às melhores coi

5^Veja-se minha dissertação sobre Deus e o mal natural, cap. 7, de Theolo gies and Evil.  Há uma distinção básica entre o problema religioso do mal e o problema filosófico/teológico do mal. O primeiro diz respeito a exemplos específicos do mal (não mal em geral), que confrontam algumas pessoas, e afetam seu relacionamento com Deus. O último é mais geral. Ele levanta a pergunta: Por que haveria de existir qualquer forma de mal num mundo criado  por um Deus de Amor, todo-poderoso? Tal questão é suscitada em abstração de qualquer exemplo de sofrimento, não relacionando-se com algum mal específico que interrompa o relacionamento de alguém com Deus.59 Não gosto da expressão vontade permissiva, porque deixa a impressão de 

que Deus “afasta-se” e entrega o controle ao homem. No entanto, é'termo típico muito usado até por teólogos calvinistas mais ferrenhos do que eu, e duvido que possamos livrar-nos dele.

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sas que Ele almeja para nós.60 Portanto, a pergunta de Maria nãoé se o que aconteceu pertence ao decreto, mas se ela permanece

na perfeita vontade de Deus.Segundo meu conceito teológico, Maria tem razão em ver nosfatos que aconteceram (reprovação no vestibular de medicina, etc.)os meios decretados por Deus para que ela obtivesse o novo em

 prego, e fosse convencida a aceitá-lo. Deus trouxe essas circunstâncias à vida dela, a fim de convencê-la (porém, sem constrangê-la) a aceitar o emprego agora oferecido. Se ela não recebesse essa

 proposta de emprego, ou se o trabalho lhe trouxesse tristeza in-finda, ela poderia ficar imaginando se porventura, ao decidir, ficara fora da vontade de Deus. Entretanto, o fato de ter-se saído

 bem na escola de enfermagem, de ter conseguido um bom empregoe estar indo muito bem nele, tudo isto deveria funcionar como confirmação de que ela escolheu o que Deus planejara de melhor paraela, pelo menos nesta fase de sua vida.

Que se dirá, então, dos “e se” que Maria fica suscitando otempo todo? Talvez, se tivesse feito algumas daquelas outras coisas mencionadas na exposição do caso, ela teria sido adm itida nafaculdade de medicina. Entretanto, ela poderia facilmente concluirque não havia sido decretado que ela passaria no vestibular, naquela época, e por isso, não importando o que fizesse, não entraria na faculdade de medicina. Ou poderia concluir que, se tivessefeito aquelas outras coisas, teria passado no vestibular, mas, visto que Deus decretara que não passaria, a incapacidade de Maria

 para fazer aquelas coisas também fazia parte do decreto de Deus,cujos planos a impediam de entrar na escola de medicina. Maria

 pode discordar, porque ela pensa que o melhor que Deus poderiaconceder-lhe era cursar medicina. Mas, medicina poderia ser umerro para ela, embora ela não consiga entender as coisas assim,agora.

Se minhas sugestões não satisfizerem a Maria, há outra opçãode raciocínio para ajudá-la a aquietar suas dúvidas. Certamente,há outras faculdades de medicina, além daquela onde ela prestou

60 Embora possa parecer estranho que Deus decretasse algo contrário a Seus desejos, é exatamente assim que acontece. É certo que o pecado é algo contrário aos desejos de Deus; no entanto, é uma realidade, e Ele o decreta, se Efé

sios 1:11 é verdade. Quanto a por que decretaria Deus algo contrário a Seus desejos, levanta-se outra vez a questão da existência do mal, com as respostas cabíveis.

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 DEUS DECRETA TODAS A S COISAS 61

vestibular. Ela deve tentar essas outras faculdades. Não fará malque tente outra vez a primeira faculdade. Ela que estude com mais

afinco. Ao mesmo tempo, deve orar a Deus e pedir-Lhe (e aceitar bem esta opção) que feche a porta outra vez, se uma faculdade demedicina não for o melhor que Ele tem para oferecer-lhe. Ela deveria fazer o máximo possível, entendendo que suas ações poderão ser o meio decretado por Deus para seu ingresso na faculdade, e sempre confiar nEle quanto ao resultado, qualquer que se

 ja, tomando-o como o melhor que Deus planejou para ela, em res

 posta às suas orações. Caso não consiga admissão, deveria ficarcontente com o fato de Deus não querer que ela estude medicina, por enquanto (talvez nunca). Deveria procurar saber o que é queDeus está tentando ensinar-lhe através daquela experiência.

E se Maria conseguir passar nos vestibulares? Será que issosignifica que Maria esteve todo esse tempo fora da vontade deDeus? Não necessariamente, porque embora haja a vontade de

Deus, há também o cronograma de Deus, que faz parte de Sua perfeita vontade para nós. Ela poderia ver a reprovação inicial comouma demora inútil, visto que Deus desejava que ela estivesse nafaculdade de medicina. Mas, isto ocorre porque ela não conseguever um propósito da parte de Deus, que Ele quer realizar na vidadela, permitindo que fosse reprovada na faculdade, e fosse trabalhar como enfermeira, durante algum tempo. De fato, é bem pos

sível que Deus tenha usado essa demora para ajudá-la a apreciarmelhor as oportunidades, e avaliá-las mais seriamente quando estivesse na faculdade de medicina. Ou então, Deus poderá ter retardado sua entrada na faculdade, por ter uma posição especial para ela, posição que não poderia ter ocupado se fosse admitidana faculdade, formando-se médica mais cedo. Ou, ainda, Deus poderia ter usado aquele impedimento como meio de fazê-la ponderar no assunto todo, no que concerne a conhecer e praticar avontade de Deus. Antes desse incidente, ela poderia ter deixadoDeus e Seus planos para sua vida lá fora, ao tomar decisões quantoao trabalho em que investiria sua vida. Parece que agora ela reconhece a necessidade de levar em consideração Deus e Seus planos.

Em suma, quer Maria tente ou tra vez, quer não, ela tem razões para crer que está dentro da perfeita vontade de Deus. Poroutro lado, se ela ainda tiver dúvidas, eu a encorajaria a tentar outra vez. Se não conseguir, poderia interpretar isto como confirma

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ção de que ela está, hoje, onde Deus a deseja. Se conseguir entrarna faculdade, deveria agradecer a Deus e procurar descobrir que

é que Ele estava tentando ensinar-lhe ao longo do impedimento.Independentemente do que acontecer, Maria deve agradecer aDeus todos os fatos. Tudo contribuiu para torná-la mais sensívelà necessidade de buscar a orientação de Deus, ao enfrentar decisões significativas.

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Réplica de Norman Geisler 

 JOHN FEINBERG E EU CONCORDAM OS E M UMA POR- ção de pontos. Concordamos em que: (1) a providência de Deuscontrola todas as minudências do universo; (2) Deus conhece, infalivelmente, todo o futuro; (3) Deus (pré) determinou todos oseventos; (4) Deus não é culpável moralmente pelas nossas escolhaslivres; (5) Deus é eterno, isto é, não sujeito ao tempo; (6) Deus éimutável em Seu conhecimento e em Sua natureza; (7) a eleiçãode Deus ao escolher os santos é eterna e imutável.

Feinberg e eu concordamos, ainda, em que, embora tal Deusexista: (1) somos livres; (2) somos moralmente culpáveis pelos nossos atos livres; (3) o verbo “devemos” implica noutro verbo: “podemos” ; (4) os atos livres são incompatíveis com o fatalismo; (5)estes atos livres são feitos por nós.

Prosseguindo ainda, concordamos mais em que: (1) soberania e livre escolha não são contraditórios; (2) as escolhas livres freqüentemente são condicionadas, ou limitadas, por fatores externos; (3) Deus jamais exerce coação nas escolhas livres; (4) a de-icrminação de Deus para os atos livres não é como o determinismo físico; (5) as escolhas livres que Deus prevê são prérdetermi-

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nadas; (6) Deus não pode criar seres livres e ao mesmo tempo eliminar todo o mal.

Além de tudo quanto ficou concordado, acima, nós ambosestamos de acordo em que: (1) Deus é absolutamente livre, não tendo nenhuma necessidade de criar (p. 44); (2) as ações livres de Deussão “autodeterminadas” (p. 44); (3) Deus pode “decretar algo contrário a Seus desejos” (vontade) (p. 60, nota 60).

Entretanto, a despeito desta larga faixa de concordância, parece que há importantes áreas de diferenças entre nossas perspectivas. Meu problema básico com a perspectiva de Feinberg é que,

 pela lógica, ele chega à negação da livre escolha humana e, destemodo, faz Deus jponsável pelo mal.

O primeiro problema que vejo é que Feinberg crê que Deus pode tomar uma decisão (escolher) contrária a Seus desejos, masnós não podemos. Se isto é verdade, então Deus é livre e nós não.Feinberg rejeita a perspectiva de que um agènte pode “agir contra sua vontade, contra seus desejos ou preferências” (p. 39). Eleafirma que ainda que “inicialmente, ele não tinha a intenção nemo desejo de sair... seus desejos mudaram” (mediante a causalidade de Deus). Assim, Feinberg insiste em que o agente “não foiconstrangido a agir contra seus desejos” (p. 41). Para ele, as coisassão realmente assim, embora ele admita que a pessoa “na verdade não deseja” fazê-lo, em primeiro lugar. Assim, para Feinberg,determinado ato está sempre de acordo com os desejos do agente, ainda que tal ato seja causalmente determinado por Deus (p.

t> 52). Contudo, se Deus determinou causalmente o ato, contra oque o agente “realmente” deseja, então, como poderemos culpar o agente por ter praticado aquele ato?

Feinberg identifica sua pósiçãõ^õmo sendo a de Jonathan.Edward.s, acrescentando que, a menos que Deus concedali mudança de desejo (vontade), não há “condições suficientes para inclinara vontade para escolher uma coisa em detrimento de outra” (p.53). Estas condições funcionam como “causas suficientes para

 produzir o ato” (p. 53). Feinberg crê que, a menos que haja taiscondições causais suficientes, nada haverá que cause a ação. Contudo, se este raciocínio estiver certo, nem mesmo Deus poderia agirlivremente. Não há condições causais suficientes, além de Sua vontade, para Suas decisões. Contudo, Feinberg admite que Deus podeagir livremente. Portanto, a perspectiva de Feinberg é inconsistente.Considerando que liberdade significa a mesma coisa em cada ca

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 RÉPLICA DE N O RM AN GEISLER 65

so, deve ele admitir ou que os atos de Deus não são livres, ou quenossos atos livres, à semelhança dos de Deus, são autodetermina-

dos. Obviamente, Feinberg poderia corrigir esta deficiência aplicando seu conceito de liberdade autodeterminativa de Deus paranós, que somos feitos à Sua imagem e semelhança.

Em segundo lugar, Feinberg acredita que todos os atos devemser causalmente determinados por Deus; entretanto, ele acreditatambém que Deus não nos coage. Mas, é isto possível? A dificuldade fica escondida por detrás de alguns eufemismos tais como

“inclinar decisivamente” (p. 40), “desejo mudado” (p. 41) e “garantir” o resultado (p. 41). Contudo, como pode Deus garantiros resultados, decisivamente, sem forçar ou coagir o indivíduo?E se a pessoa rejeitar o impulso não-coercitivo proporcionado porDeus? E se ela decidir que não permitirá que esse novo desejo adomine? Feinberg responde em outro lugar que Deus “não criouas próprias ações dos homens”. 1Quer dizer que Deus concede aos

homens o poder da decisão, mas deixa o desempenho das açõescom eles mesmos. Mas, se as coisas fossem assim, seriamos livres para rejeitar a persuasão, ou os desejos que Deus nos oferece. SeFeinberg admitir que nós podemos contrariar estes desejos susci-lados por Deus, o conceito dele entrará em colapso.

Se Feinberg responder que o desejo despertado por Deus écoercitivo, terá caído na perspectiva do determinismo duro que ele

rejeita. Contudo, se se tomar uma decisão livre, no sentido de nãose aceitar a sedução, motivação ou racionalização suscitada porDeus, não haverá base, segundo o conceito de Feinberg, para queDeus “garanta” os resultados, sem forçar o ato livre. Contudo,Feinberg admite que a liberdade forçada é uma contradição. En-I ão, para evitar esta contradição, Feinberg teria de aceitar um conceito em que a predestinação funcionaria mediante persuasão, sem

coerção, de acordo com as livres escolhas do homem. Esta é a pers pectiva que eu adoto.

Em terceiro lugar, a maior parte dos argumentos de Feinberg baseados em dilemas (isto ou  aquilo), entre o determinismo e oindeterminismo, são resõlvI35spelo seu próprio reconhecimentode uma terceira categoria de liberdade (a autodeterminada), queele aplica a Deus. Mas, se existem três categorias, seus dilemas são

l alsos, e destituídos de conclusões. Feinberg não refutou a perspec

1lrinberg Th l gi s a d E il p 123

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tiva apresentada, de que as decisões humanas são autodetermina-das. Na verdade, qualquer argumento contra o autodeterminismotentaria provar demais. Provaria que o conceito de Feinberg so

 bre o autodeterm inismo de Deus também está errado.É óbvio que Feinberg poderia sempre negar que haja qual

quer similaridade entre a liberdade de Deus e a liberdade do homem. Contudo, se o termo liberdade é usado enganosamente a res

 peito de Deus e a nosso respeito, por que diríamos que somos livres? Por que não admitir-se, simplesmente, como o fazem os hi- percalvinistas, que realmente não somos livres? De fato, a despeitoda descrição que ele faz de si mesmo como sendo “um calvinistamoderado”, Feinberg apresenta conceitos que se reduzem a um forte determinismo calvinista, pelo qual não somos livres de modonenhum. De acordo com este conceito, não poderíamos decidircontrariamente aos desejos que Deus nos concede. Na verdade, oscrentes não podem fazer outra coisa senão o que fazem. Só podem fazer o que desejam, e só Deus concede esses desejos.

Finalmente, parece que Feinberg confunde causalidade eficiente com causalidade final. Ele presume (erradamente) que acausa do livre-arbítrio é uma “razão”. Mas, o agente (a própria

 pessoa) é a causa eficiente de um ato livre, e não a razão ou pro pósito (causa final). Por exemplo, quem criou o mundo (causa eficiente) é uma questão diferente de por que (causa final) o Criador o criou. O propósito (razão) para a ação não causa o ato maisdo que o desejo de ter uma cadeira produz a cadeira. É preciso ummarceneiro (causa eficiente) para que se produza uma cadeira, nãoapenas o desejo de sentar-se. Além disso, tanto as Escrituras (Rom.7) como a experiência demonstram que as pessoas são livres pararejeitar até mesmo o melhor dos desejos, ou das razões.

Outra maneira de enunciar o problema é que Feinberg confunde condições e causas (condições suficientes). Ele demonstracorretamente que Deus condiciona as escolhas humanas. Contudo, ir além disto e declarar que Deus é “causalmente determina-tivo” da escolha é o mesmo que dizer que a nossa escolha não énossa. É necessário que se diga que Deus está determinando açõesmorais mediante Seu conhecimento daquilo que nós, através deescolha totalmente livre, faremos acontecer. Neste caso, nossasações são autocausadas (isto é, causadas por nós), embora Deussoubesse determinativamente (e por pré-conhecimento determinasse) que é que escolheríamos. Mas, Feinberg rejeita esta opção

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 m in .lC A DE N O RM A N GEISLER 67 

e, assim, confunde as pré-condições de um ato livre com suas causas, o agente livre. Contudo, as condições não são as causas, como as folhas secas não são a causa de um incêndio na floresta. Elas

representam meramente uma pré-condição. Da mesma forma, osdesejos suscitados por Deus, bem como o raciocínio e a persuasão,  podem ser as condições de uma livre escolha. Contudo, nãosào a causa. Isto significa que não constituem a condição causaisuficiente de nossa ação. Se constituírem, o agente humano deixa de ser a causa eficiente da ação, mas apenas a causa instrumen-lal através da qual a ação de Deus é exercida. Neste caso, porém,

a culpa moral recai sobre Deus. E neste caso, a perspectiva de Fein berg realmente não é diferente da perspectiva hipercalvinista queele tanto deseja evitar.

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Réplica de Bruce Reichenbach

O ESPAÇO CONCEDIDO À S N O SSAS R ÉP LICA S NÃO PO- de fazer justiça à apresentação cheia de argumentações claras, de

Feinberg. O leitor deverá consultar os capítulos que eu e Clark Pinnock elaboramos, a fim de apanhar o sentido completo dos argumentos que sustentam o outro ponto de vista, que é contrastante.Entretanto, gostaria de dizer algumas palavras a respeito da posição dele, e dos argumentos que usa como apoio ao seu conceito.

A posição de Feinberg

Feinberg argumenta, por um lado, que o determinismo é a verdade. Isto é, para tudo quanto acontece, ou existe, para todos os eventos (p. 37) e para todas as coisas (p. 55), há suficientes condições causais. Por outro lado, deseja ele estabelecer o fato de que,embora nossas decisões sejam determinadas, visto que há condições causais que “inclinam (a vontade) decisiva e suficientemente em dada direção, ao invés de outra” (p. 36), há ocasiões em que

somos livres. Somos livres quando não somos constrangidos porestas causas a agir de modo contrário aos nossos desejos. Isto querdizer que embora haja uma causa que nos impele a agir da forma

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70  PREDESTINAÇÃO E LIVRE AR BÍTRIO

como agimos, somos livres com respeito a determinado ato se, eapenas se, esse ato é aquilo que teríamos praticado, ou decidido

 praticar, ainda que as causas suficientes não estivessem presentes.Além disso, Feinberg afirm a que Deus decreta (deseja) tudoque acontece. Seus decretos seguem os propósitos e desejos quesó Deus pode determinar. Quando a ação praticada por nós é, simultaneamente, algo que Deus decretou e que nós almejamos, agimos livremente. Mas, e se nossos desejos não estão de acordo como decreto de Deus? Feinberg ensina que Deus, tendo decretado tu

do, sabe que fatores e circunstâncias nos persuadirão, sem coer-ção, a escolher aquilo que Deus decreta.Vários problemas sérios se levantam mediante esta posição.

Em primeiro lugar, como pode a persuasão garantir  que a pessoavai desejar agir de acordo com os decretos de Deus? Esta garantia não pode ser obtida mediante alguma forma causalmente coercitiva, visto que tal fato eliminaria a liberdade. Ela deve operar,

então, de maneira não constrangedora. Feinberg nos diz que a garantia advém através de razões que, dentre outras coisas, apelam para nosso interesse próprio.

Entretanto, será que as boas razões, até mesmo as que apelam para o interesse próprio, são sempre eficientes para alterar nossos desejos? Feinberg deverá responder afirmativamente, pois, docontrário Deus disporá apenas de ferramentas coercitivas para mu

dar nossos desejos. Contudo, reflita-se nos inúmeros exemplos desituações nas quais as pessoas simplesmente não são persuadidasa mudar de opinião, nem pela razão, nem pelo apelo às emoçõese nem mesmo pelo interesse próprio. Feinberg deverá afirm ar quetodas as pessoas, de forma final e não coercitiva, poderão ser persuadidas a aceitar a perspectiva de Deus (de acordo com Seus decretos), e que, sendo onisciente, Deus saberia que é que será per-

suasivo, naqueles casos em que as pessoas rejeitam o decreto deDeus.1 Contudo, se todas as pessoas podem ser persuadidas aaceitar o decreto de Deus em qualquer ponto, por que é que Deus

1 Esta posição pressupõe que Deus sabe o que faríamos, se acontecesse algo diferente daquilo que realmente aconteceu; em outras palavras, Deus tem conhecimento das condicionantes contrafactuais do livre-arbítrio. No capítulo de minha lavra, neste livro, argumento contrariamente: nem Deus, nem a hu

manidade possuem tais conhecimentos. Veja-se a explanação do assunto nesse capítulo.

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  71

não decreta que todas as pessoas não apenas farão o bem, sem pre, mas também O reconhecerão como Deus?

De fato, muitas pessoas praticam o mal, e nem todas serãosalvas. E essas que praticam o mal? Segundo a doutrina de Fein berg, depreende-se que é possível que Deus tenha de persuadir alguém a praticar o mal. Isto parece um absurdo, mas considere oque se segue, a partir da perspectiva dele sobre a autoridade. Deacordo com Feinberg, houve um momento em que Deus decretoutudo quanto vai acontecer. Isto significa que Deus decretou tanto o bem como o mal. Além disso, tal decreto ocorreu antes e independentemente de qualquer ação humana. Suponha, então, quealguém deseje praticar o bem, ao invés do mal que Deus decretou(que tal pessoa há de fazer), ou que aceitará a Deus, ao invés dercjeitá-lO, (como também Deus decretou). Visto que tudo há deacontecer segundo o Seu decreto, Deus é colocado na delicada si-l uação de persuadir tal indivíduo que ele deverá fazer o mal, ao

invés do bem, ou rejeitar a Deus, ao invés de aceitá-lO, e isto seria racional, para satisfazer os melhores interesses dessa pessoa.A soberania de Deus foi protegida, mas às custas de Sua sabedoria e bondade.

Em segundo lugar — e isto fere o cerne do conceito compa-i ibilístico — se todos os eventos e coisas são causados, minhas pró prias escolhas, minhas crenças e desejos são causados. Entretanto, se minhas escolhas e meus desejos são causados por causas que,finalmente, descobre-se terem origem anteriormente à existênciade minha própria pessoa, não poderei desejar, escolher ou decidir outra coisa senão aquilo que faço porque há uma causa queme compele a fazer. Nesse caso, a liberdade apregoada por Fein berg é uma ilusão, visto que não há lógica na análise dele de umaliberdade descrita em termos do que a pessoa teria feito, ou decidido fazer, se as causas não estivessem presentes, visto que não existem  eventos onde não existem causas suficientes em ação.

E mais: de acordo com o compatibilismo teísta de Feinberg,o meu desejar e o meu escolher devem ser decretados por Deus,desde que meus desejos e minhas escolhas são eventos. Dessa maneira, não existe um único exemplo em que eu desejo algo diferente daquilo que foi decretado por Deus. Se eu desejasse outracoisa que não o que foi decretado por Deus, esse mesmo desejocontrário teria sido decretado por Deus. Outra vez o livre-arbítriotorna-se uma noção vazia, visto não haver desejo independente dod d D

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72  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Finalmente, não haveria necessidade da persuasão divina, setodas as atitudes e todos os desejos não fossem outra coisa senãoa expressão dos decretos divinos, já que tudo ocorre segundo Deus

decretou.O quadro que Feinberg pinta nos casos de estudo é desnor-

teante. Ele sugere que Maria pode pedir a Deus que lhe feche as portas da faculdade de medicina, se submeta a Deus, e fique contente com aquilo que já obteve, como se o fato de ela pedir, sub-meter-se, e outros atos mentais, como desejar estar de conformidade com a vontade de Deus, de alguma forma dependessem de

la. Mas, se tudo está determinado por condições causalmente antecedentes, aquilo que ela deseja depende dessas condições, nãodela. E se tudo é decretado por Deus, não pode acontecer algo contrário aos Seus decretos. Assim, o livre-arbítrio dela para pedir,submeter-se, ficar contente, e desejar estar dentro da vontade deDeus é uma ilusão. Se Deus decretou que ela fique contente, ela só poderá estar contente; se Deus decretou que ela se submeta, não

há outra escolha para ela senão a submissão. Não existe uma situação contrária, de que ela deve ser tirada mediante persuasão;ou, se houver, essa situação contrária e essa persuasão foram decretadas por Deus. Mas, nesse caso, não haveria situação independente para Maria (como desejar, submeter-se e assim por diante),a partir da qual poder-se-ia avaliar os decretos de Deus, e ver serealmente ela é livre. Dessa forma, o livre-arbítrio dela é uma ilu

são.2

2 A sugestão do professor Feinberg para que ela tente outra vez o vestibular da faculdade de medicina, a fim de obter “confirmação de que ela está onde Deus quer que ela esteja” é algo bem complicado. Por que deveria ela tentar apenas mais uma vez? Será que ela não deveria tentar uma terceira vez, para confirmar as duas primeiras? Deus poderia ter decretado que ela seria bem-sucedida na terceira tentativa. E se ela fracassasse na terceira tentativa, não se

ria bom que ela tentasse pela quarta vez, a fim de confirmar as três primeiras tentativas... e assim indefinidamente? Por quê é que ela deveria ficar contente, que “Deus não a quer na escola de medicina agora”, ao invés de fazer nova tentativa? Em resumo, contrariamente às idéias de Feinberg, o insucesso de Maria no vestibular não diz nada a ela, concernente às relações dela com a vontade de Deus, nem com o melhor que Deus planejou para ela, nem sobre o que ela deve fazer em seguida. Tal insucesso só lhe diz que Deus decretou que  des

 ta vez ela não passaria nos exames.Além do mais, é preciso rejeitar-se a distinção que Feinberg faz entre a von

tade perfeita de Deus e a vontade permissiva de Deus. Por um lado, somos ensinados que os decretos de Deus derivam de Seus propósitos e arbítrio (p. 46);

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  73

Argumentos de FeinbergFeinberg desenvolve cinco argumentos teológicos e dois filosóficos,

em apoio à sua posição compatibilística. O primeiro argumento teológico é que esta perspectiva particular da soberania de Deus encontra-se nas Escrituras, especialmente em Efésios 1:11. Admitimos quese esta fosse a única passagem que tivéssemos sobre a soberania divina, já se estabeleceria uma forte posição favorável à predestinação.Mas, há muitas outras passagens além desta. Os leitores farão o favor de consultar o capítulo de minha autoria, neste volume.

Todavia, outros dois pontos poderão ser levantados. Em primeiro lugar, há outras passagens no Novo Testamento que baseiama eleição na presciência divina.3 Em segundo lugar, quando Efésios 1:11 declara que em Deus “fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as cousasconforme o conselho da sua vontade”, há uma ambigüidade crítica que Feinberg despreza. Será que essa passagem ensina que Deus

faz ou suscita todas as cousas segundo Seus propósitos, ou será queela ensina que todas as cousas que Deus faz, Ele as faz segundo Seus propósitos? A sintaxe gramatical da sentença não nos obriga a adotar uma interpretação ao invés de outra. Por exemplo, um a pessoa pode dizer: “João faz todas as coisas muito devagar!’ Não podemos inferir daí que João faz todas as coisas, mas apenas que todas as coisas feitas por João são feitas devagar. De modo semelhan

te, não se pode inferir deste versículo que Deus faz ou suscita todas as coisas; é igualmente razoável interpretar esta passagem como afirmando que todos os atos de Deus provêm de Seu conselho.

O segundo argumento de Feinberg é que, em face da perspectiva indeterminista do livre-arbítrio humano, Deus não pode prevero futuro. A razão disto, de acordo com a posição indeterminista,é que o futuro é indeterminado, em qualquer porção definida de

tempo. A pessoa poderia praticar determinada ação, ou deixar de

por outro lado, somos ensinados que Deus decreta coisas contrárias a Seus desejos, e contrárias aos nossos melhores interesses. Não se pode encontrar uma boa razão por que Deus haveria de decretar algo contrário àquilo que Ele deseja para nós, e que é o melhor para nós.3 Romanos 8:29; Atos 2:23. Em Atos 2:23 há ambigüidade quanto à relação existente entre o propósito determinado de Deus e Seu prévio conhecimento, ou presciência. Naturalmente, presciência nestas passagens não significa simplesmente conhecimento intelectual, visto que, como tem sido salientado com freqüência, o conhecimento nas Escrituras é experimental. Não obstante, es-i e fato não invalida o relacionamento estabelecido nestas passagens

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74  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 praticá-la. Só se o futuro estiver estabelecido é que Deus pode conhecê-lo

Mas, isto só seria verdade se negássemos que o conhecimen

to de Deus é, efetivamente, presciência, isto é, conhecimento prévio.  Ter presciência é saber o que ocorrerá antes de sua ocorrência, no tempo. Se o conhecimento for definido segundo a sugestão de Feinberg, a saber, crença verdadeira e justificada, então eue você exercemos presciência. Por exemplo, eu sabia ontem que melevantaria, hoje, entre 7 e 8 horas. Ontem eu tinha este conhecimento, e o mesmo era verdadeiro (de fato, eu me levantei às 7hl5,

hoje de manhã), e minha idéia se justificava — baseada numa boainferência indutiva sobre meu comportamento passado, nas manhãs dos dias úteis. Entretanto, não havia uma causa fazendo-melevantar a essa hora (embora eu tivesse razões para agir assim); eu

 poderia ter-me levantado noutra hora, ou poderia não levantar-me. Eu poderia ter agido de modo diferente de como agi hoje demanhã (no sentido indeterminístico de poderia ter feito algo di

 ferente daquilo que fiz).A presciência de Deus difere da minha, é lógico, não quanto

a ser presciência, mas na base do conhecimento de Deus. Minha presciência baseia-se em inferências da experiência passada, enquanto a presciência divina fundamenta-se no próprio fato. Assim,Deus sabe os fatos, e o que Ele sabe é aquilo que efetivamente as

 pessoas fazem. Entretanto, este conhecimento não determina as

ações que praticamos. Esse conhecimento baseia-se nas própriasações. Dessa forma o futuro, como diz Feinberg, está “estabelecido”, contudo, não de maneira trivial: faremos aquilo que Deussabe que faremos, o que significa que faremos aquilo que realmente faremos. Entretanto, isso ainda nos deixa perfeitamente livres (no sentido indeterminista) para fazer ou não fazer.

O terceiro argumento de Feinberg diz respeito a profecias. De

que maneira, pergunta ele, Deus pode garantir o cumprimento das profecias, no futuro, se este está aberto para nós, para fazermosou deixarmos de fazer as coisas? A resposta deriva da presciência de Deus. O que é preciso garantir, contrariamente a Feinberg,não é o evento profetizado, mas a profecia. E a profecia é garantida por causa da presciência dos eventos, da parte de Deus.

Em quarto lugar, argumenta Feinberg, baseado em 2 Pedro

1:21, que a plena inspiração verbal requer uma perspectiva com- patibilística do livre-arbítrio humano. Objetamos, porém, que é

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  75

de duvidar-se que 2 Pedro 1:21 ensine a plena inspiração verbal.O que a passagem diz é que a profecia (não as Escrituras todas)

tem origem em Deus, e não no homem. Ela não afirm a que a ex pressão da profecia em linguagem humana teve tal teor, que Deuscontrolou cada palavra. De modo mais generalizado, porém, po-der-se-ia argumentar que as Escrituras não ensinam essa perspectiva particular de inspiração advogada por Feinberg. A Bíblia certamente ensina a inspiração (2 Tim. 3:16), mas a doutrina da ins piração pode ser entendida em termos da revelação de Deus aos

escritores a quem Ele moveu para escrever. Como tal, em muitoscasos a atividade reveladora de Deus, e o controle dos resultadosestabelecem-se em termos de condições necessárias, e não suficientes. A revelação não precisa incluir as palavras usadas, ou o estilo empregado, mas, antes, as verdades apresentadas.

Finalmente, Feinberg afirma que a doutrina da perseverança eterna implica em que a perspectiva indeterminista é falsa. Se

o crente é capaz de fazer o que bem entende, ele poderia aposta-tar, após ter recebido a graça de Deus. Mas, será que a doutrinada perseverança eterna é verdadeira, ou bíblica? Não há espaço para discutir-se este ponto, contudo, inúmeras passagens das Escrituras ensinam que a apostasia é possível, e contra ela devemos estaralertas (Heb. 6:4-6; 10:26-29; Luc. 8:6-7; João 15; Rom. 11:22;Apoc. 3; At. 5:1-11).4

Quanto à argumentação filosófica de Feinberg, ela se baseiana tese de que o indeterminista pode prover nenhuma razão suficiente, e causai, para nossas escolhas ou ações. Conseqüentemente,não existe uma explicação para nossas ações, nem qualquer m aneira de atribuir-se responsabilidade moral pelos nossos atos. Mas,

 por que todas as explicações das ações humanas precisam ser causais? Asseverar que precisam ser causais eqüivale a criar um cír

culo vicioso.Contrariam ente a Feinberg, é legítimo dizer-se que um a pessoa pode ter uma razão suficiente para fazer determinada coisa,sem que essa suficiente razão funcione causalmente. Quando vouà mercearia comprar um litro de leite, essa compra do leite não causou minha ida, embora seja a razão de minha ida.

4 Quanto a um tratamento cuidadoso, extenso, deste tópico, veja-se Robert Shank,  Life in the Son   (Springfield, Mo.: Westcott, 1960).

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76   PREDESTIN AÇÃO E LIV RE-A RBÍTRIO

Em suma, o compatibilismo tenta reconciliar o determinismo com o livre-arbítrio — sem sucesso. Sob esse ângulo, o livre-ar bítrio torna-se uma ilusão. De modo semelhante, a tentativa de reconciliar um determinismo divino de todos os eventos com o livre-arbítrio destina-se ao fracasso. Devemos abandonar a idéia segundo a qual Deus é visto como um romancista cósmico; Deus não procura determinar os eventos de nossa existência, mas amar-nos,numa aceitação livre de Sua graciosa salvação, e num relacionamento significativo, aprofundado e cheio de realizações.

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Réplica de Clark Pinnock 

 M EDIANTE L EITU RAS DE LIVROS, SEMPRE SOUBE QUE  existem calvinistas inamovíveis. Contudo, jamais pensei que poderia topar um do tipo de Feinberg, em fins do século vinte. Queartigo interessante o dele! Tão admirável na coerência lógica, mastão funesto naquilo que efetivamente propõe. Temos, aqui, um remédio pior do que a doença. É melhor deixar a soberania e o livre-arbítrio sem solução, do que explicar seu relacionamento à maneira de Feinberg.

Eu, em meu artigo, e Feinberg no dele, expomos algumas coisas muito claramente. Ele reconhece que a total onisciência divi

na, ou conhecimento de todas as situações futuras, elimina a li berdade genuína. Ele sente que a abstração do tempo não funcionacomo solução. Então, tragicamente, ele se apega ao modelo de-terminístico da soberania de Deus, e joga fora toda a contingência e novidade do universo. Ao invés de reconsiderar a frieza deseu teísmo, prefere (causalmente determinado, presumo!) culpara Deus por todo o mal que Ele, deliberadamente, decretou, e negar-

nos a liberdade que torna nossa vida na terra distintiva e preciosa. Há uma coisa, pelo menos, pela qual o leitor pode ser grato.

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78   PREDESTIN AÇÃO E LIV RE-ARBÍTRIO

A apresentação do autor é tão honesta e direta, que ele virtualmente refuta sua própria posição, ao falhar em oferecer soluções convincentes para os problemas brutos que, ele mesmo admite, infestam sua posição.

O grande erro de Feinberg consiste em seguir Agostinho, edeste modo, julgar que Deus decreta e controla tudo quanto acontece na história, até os mínimos detalhes. Ele até mesmo evita dizer que Deus apenas “permite” algumas atrocidades como o H olocausto (morticínio de 6 milhões de judeus, durante a segundaguerra mundial, também conhecido como genocídio nazista — N.do T.), como fazem alguns calvinistas menos duros, mas inconsistentemente, visto que tal opinião sugeriria que o fato originou-sefora da soberana vontade de Deus. Longe dos calvinistas negar aDeus a glória de causar todas as coisas! Deveria ficar bem claro

 para o leitor as razões por que o número de calvinistas rigorososé tão pequeno, relativamente. O calvinismo envolve a pessoa emdificuldades agonizantes de primeira grandeza. Faz com que Deusse transforme num tipo de terrorista que vai por aí distribuindotortura e desastre, e até mesmo exigindo que as pessoas façam coisas que a Bíblia diz que Deus aborrece. Há alguns anos, um louco assassinou vinte pessoas numa das casas de lanches McDo-nald, perto de San Diego. De acordo com Feinberg, embora Deusnão goste de coisas desse tipo, Ele a decretou assim mesmo. Nãoseria mais simples dizer que Deus não gosta disso, e deixar as coisasenvoltas em mistério? Feinberg diz que a exigüidade do espaço nãolhe permite dar uma resposta completa, e pede-nos que consultemos seu livro. Ele terá de desculpar-me por eu pensar que isso édesculpa esfarrapada, e que não importa a extensão de seu livro,não há maneira de limpar a reputação de Deus, num caso assim.

 Não é preciso a pessoa pensar muito para responder por que muitagente torna-se descrente, ou ateu, ao defrontar-se com tal teologia. Um Deus assim teria muita coisa por que responder.

 Na minha opinião, a Bíblia não ensina isto. É lógico que Deus persegue energicamente a causa do estabelecimento de Sua vontade para o mundo, em todas as áreas, como diz o texto de provamencionado por Feinberg (Ef. 1:11). Mas, isto não significa quea vontade de Deus seja feita, de fato, em todos os casos. Bem aocontrário, Jesus deixou claríssimo que os fariseus “rejeitaram,quanto a si mesmos, o desígnio de Deus” (Luc. 7:30). Não esta-vam numa posição em que poderiam impedir’ã  consecução da

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 RÉPLICA DE CLA RK PINNOCK  79

vontade de Deus para o mundo todo, mas podiam rejeitá-la totalmente, para si mesmos. Deus não quer que alguém se perca — en

tretanto, alguns se perdem. Deus não quer que os maridos batamem suas esposas — entretanto, algumas esposas apanham. Deusquer que todos se salvem, mas nem todos se salvam. Jesus alme

 java juntar os judeus como uma galinha junta seus pintinhos, maseles não quiseram. Deus não queria que eles resistissem ao Ês~pT-rito, mas eles resistiram. É difícil, para mim, imaginar as razões por quéTembêrg"aceita uma teoria da soberania de Deus que con

tradiz o tema geral das Escrituras. De acordo com a Bíblia, homens e mulheres rejeitam, e podem rejeitar, a vontade e o planode Deus. Deus, em Sua soberania, concedeu-lhes este terrível poder. Contrariamente a Calvino e a Agostinho, a vontade de Deusnão é sempre feita.

O preço que Feinberg está disposto a pagar pela sua perspectiva errônea da soberania divina é ainda mais alto do que apenasarruinar a reputação de Deus. Ele é compelido a aceitar um conceito do livre-arbítrio humano que poucos leitores, imagino, serão capazes de aceitar. Em todos os momentos das decisões, dizele, há um jogo de circunstâncias que tornam certa a direção quea escolha tomará. Os indivíduos estão determinados a seguir o desejo mais forte que abrigam em si mesmos. São causalmente determinados e, apesar disso, livres! Podem sentir que diante delesamontoam-se alternativas, e que há alguma indefinição no ar, masa verdade é outra. Aquilo que foi decretado desde a eternidade éo que vai inevitavelmente acontecer.

Suponho que muitos leitores concordarão comigo em que estamos sendo enganados aqui. O que Feinberg se agrada em chamar de livre-arbítrio não merece este nome. Vamos usar um exem plo para esclarecer a questão. José rouba um banco. Ele não precisava fazer isso. Ninguém o forçou a fazê-lo. Mas, ele queria rou

 bar. O currículo e os desejos de José eram de molde a tornar inevitável, naquele momento, o assalto ao banco. Não havia outra saída para José. Era uma vítima de fatores causais sobre os quais não

 podia exercer o mínimo controle. Um médico poderia tentar re- programá-lo, porém, nenhum juiz tem o direito de condená-lo porfazer algo que ele não podia evitar. Todo o senso de responsabilidade moral voou pela janela fora, em face do conceito de Fein

 berg de livre-arbítrio. A Bíblia nos apresenta um mundo bem diferente desse. Nela, as pessoas tomam decisões que determinam

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o futuro, mediante caminhos não determinados no passado. Tomam decisões de peso, que as envolverão em séria responsabilidade moral. Tudo isto é claro, tanto na Bíblia como na vida co

mum. Mas, Feinberg está disposto a abandonar tudo isso, apenas para apegar-se a um conceito de soberania divina em si mesmo enganoso. É um tributo que ele paga, suponho, por sua tenacidadeem aderir à velha teologia agostiniana±

As implicações práticas do conceito de Feinberg para Alfredo e Maria são predizíveis. Nenhum dos dois, na verdade ninguémno mundo todo, precisa preocupar-se quanto a estar, ou não, den

tro da vontade de Deus. Em face de tal visão da soberania deter-minística, como é que alguém poderia deixar de estar dentro davontade de Deus? Aqui está o ponto central do conceito de Fein berg concernente ao mundo. A vontade de Deus é feita sempre. Omilionário em seu castelo, o mendigo à sua porta, Deus decretouque a história decorresse desse jeito. Deus quis que acontecesse,seja o que for que esteja acontecendo. Seria irracional preocupar-se

a respeito de qualquer fato, no universo calvinista. Simplesmentesubmeta-se à vontade determinística de Deus! Se Deus quiser salvá-lo, Ele certamente o fará, sem que você tenha de levantar umdedo para ajudá-lO. Se Ele quer que você seja pobre, é melhor vocêir-se acostumando, porque você não poderá mudar nada. Alfredo não precisa preocupar-se com a moralidade de sua fortuna,uma vez que a realidade da responsabilidade moral voou pela ja

nela fora. Maria não precisa alimentar dúvidas, porque tudoquanto vem acontecendo foi planejado para acontecer mesmo.

Segundo meu ponto de vista, é óbvio, Alfredo e Maria têmrazão em sentir que a vontade de Deus é assunto dinâmico, nãoalgo feito de pedra. Estão certos em achar que as coisas poderiamter ocorrido de outra maneira. É bom que estejam pensando deque maneira a vontade ideal de Deus para eles poderia concretizar-

se de modo mais perfeito. O pensamento calvinista a respeito desses assuntos está longe da verdadeira experiência das pessoas decarne e osso, até mesmo quando essas pessoas são calvinistas, sendo esta outra razão para suspeitar-se que o calvinismo é um erro.

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Deus Sabe Todas as CoisasII

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Deus Sabe Todas as Coisas

 Norman Geisler 

FAMOSO EXISTENCIALISTA FRANCÊS JEAN Paul Sartre dizia: Se Deus existe, o futuro está determinado e eu não sou livre. fcu~sõuíivre; portanto, Seus não

existe.1Em contraste, o grande teólogo puritano Jonathan Edwards dizia: Se todos os acontecimentos têm uma causa, ás esco-lfias humanas livres também têm: Deus é a Causa Primeira de tudo^ portanto, Deus deve ser a causa de nossas escolhas livres.2Sartre usou o livre-arbítrio para eliminar Deus, e Edwards, aparentemente, usou Deus para eliminar a liberdade, ou o livre-arbítrio. Visto que o cristão bíblico crê tanto na soberania de Deus como na responsabilidade do homem, quanto às suas decisões livres, permanece o problema de como reconciliar as duas doutrinas.

Dados B íblicosSoberania Divina. A  Bíblia ensina claramente que Deus controlao universo inteiro, inclusive os acontecimentos humanos. A sobe

1Jean Paul Sartre, Being andNothingness, trad. Hazel E. Barnes (New York: 

Washington Square Press, 1966), parte 4, cap. 1.2 Jonathan Edwards, “Freedom o f the W ill” em Jonathan Edwards,  ed. Cla- rence H. Faust e Thomas H. Johnson (New York: Hill e Wang), 1962, p. 305.

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rania geral de Deus revela-se em inúmeras passagens. Por exem plo, Jó declarou o seguinte, a respeito de Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42:2,ARA, usada aqui, e em todo o volume). O salmista reconhecia que“tudo quanto aprouve ao Senhor ele o fez, nos céus e na terra, nomar e em todos os abismos” (Sal. 135:6). Disse Salomão: “Comoribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina” (Prov. 21:1).

A exultação de João, no Apocalipse, reconhecia o seguinte,

a respeito de Deus: “Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de recebera glória, a honra e o poder, porque todas as cousas tu criaste, sim, por causa da tua vontade vieram a existir e foram criadas” (Apoc.4:11). Disse Paulo aos colossenses: “Ele é antes de todas as cousas. Nele tudo subsiste” (1:17). Deus controla não apenas o que vemà existência, ou continua a existir, mas dirige de fato o curso dascoisas que existem. De acordo com as Escrituras, Deus “faz to

das as cousas conforme o conselho da sua vontade” (Ef. 1:11). Disse Deus para o Faraó: “Mas, deveras para isso te hei mantido, afim de mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra” (Êx. 9:16). Este mesmo controle divino éexercido sobre toda a criação, inclusive anjos bons ou maus (Jó2:1; Fil. 2:10).

A soberania de Deus não se exerce apenas de modo genéri

co, sobre a criação, mas é manifestada em questões particulares,como a redenção e salvação dos homens. Até mesmo Cristo, o único meio de salvação (At. 4:12; 1 Tim. 2:5), foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus” (At. 2:23). A carta aosefésios diz que Deus “nos escolheu nele (Cristo) antes da fundação do mundo” (1:4). Lucas declara: “Creram todos os que haviamsido destinados para a vida eterna” (At. 13:48). E na passagem

mais forte, talvez, de todas quantas tratam da soberania divina,o apóstolo Paulo declara, atrevidamente, que a salvação “não de pende de quem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a suamisericórdia”. Portanto, “tem ele misericórdia de quem quer, etambém endurece a quem lhe apraz” (Rom. 9:16,18).

 Responsabilidade Humana. A Bíblia também declara que as pessoas, individualmente, são responsáveis por suas decisões mo

rais e até mesmo por seu destino eterno. Adão e Eva receberam aordem de não comer do fruto proibido (Gên. 2:16,17). Quando desobedeceram, Deus perguntou: “Que é isso que fizeste?” (Gên.

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vação ou a condenação das pessoas. Entretanto, as Escrituras tam bém enfatizam que a responsabilidade pelas ações morais permanece totalmente com os agentes morais, livres, e não com Deus.

De fato, às vezes a tensão destas duas verdades é expressa na mesma passagem. Considere a misteriosa relação existente entre a so

 berana vontade de Deus e a escolha humana, livre e culpável, naseguinte passagem: “Sendo este (Jesus) entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes,  crucificando-o” (At. 2:23). Ambos os lados da moeda, o da soberania divinae o do livre-arbítrio humano, manifestam-se na declaração de Je

sus: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo. 6:37).

Há outra passagem interessante, em Atos, que declara que“creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”(At. 13:48). Entretanto, bem pertinho desta passagem Lucas dizo seguinte: “Falaram de tal modo  que veio a crer grande multidão,tanto de judeus como de gregos” (At. 14:1). É assim que a Bíblia

ensina tanto a soberania divina como a responsabilidade hum ana, às vezes na mesma passagem.

Perspectivas TeológicasCristãos evangélicos têm tentado explicar o relacionamento existente entre a soberania de Deus (predeterminação soberana, ou predestinação) e o livre-arbítrio humano de três maneiras básicas.

Estas três perspectivas são representadas pelos arminianos, peloscalvinistas extremados, e pelos calvinistas moderados.

 A predeterminação de Deus baseia-se em Sua presciência. Alguns crentes acham que Deus sabe antecipadamente (por Sua onis-ciência) todas as decisões que as pessoas vão tomar. Por exemplo,se aceitarão ou recusarão a salvação. Daí, com base na escolha livre, pré-conhecida, que essas pessoas farão, aceitando a Cristo,

Deus escolhe (elege) tais pessoas para salvá-las. Assim, os seres humanos são inteiramente livres para aceitar ou rejeitar a Deus, nãosofrendo qualquer coerção da parte dEle. Por outro lado, visto queDeus sabe todas as coisas, Ele Se mantém no controle de todo ouniverso, porque sabe exatamente o que cada pessoa decidirá fazer, antes mesmo de ter criado o mundo. Em suma, as pessoas sãoabsolutamente livres, e apesar disso Deus está no pleno controle

do universo. Todavia, o “controle” não se baseia na coerção doseventos, mas no conhecimento daquilo que os agentes livres vãofazer

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS 87 

Esta perspectiva enfrenta diversos problemas. Em primeirolugar, parece que a Bíblia diz mais do que simplesmente que Deussabia o que haveria de acontecer. Parece que as Escrituras ensinamque Deus na verdade determinou aquilo que haveria de acontecer,e que Ele até mesmo assegura o cumprimento dessa determinação, trabalhando eficazmente a fim de realizar Seus intentos. Pauloestava “plenamente certo de que aquele que começou boa obra emvós há de completá-la até ao dia de Cristo Jesus” (Fil. 1:6). E acrescenta: “porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer comoo realizar, segundo a sua boa vontade” (Fil. 2:13).

Em segundo lugar, se a escolha de Deus para salvar se baseasse naqueles que O escolhessem, então a salvação não se baseariana graça divina, mas no esforço humano. Isto se choca contra todo o ensino bíblico a respeito da graça (compare Ef. 2:8,9; Tito3:5-7). E contraria o ensino claro de várias passagens das Escrituras, segundo as quais a salvação não depende da vontade humana. João disse que os crentes “não nasceram do sangue, nemda vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”(João 1:13). Paulo acrescenta que a salvação “não depende dequem quer, ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rom. 9:16).

Finalmente, a idéia de haver seqüência cronológica, ou mesmo lógica, nos pensamentos de Deus torna-se grave problema paraa teologia evangélica. Choca-se contra a doutrina tradicional dasimplicidade de Deus, da absoluta indivisibilidade, sustentada porAgostinho, Anselmo, Aquino, e legada aos crentes de nossos diasatravés dos reformadores. É como Agostinho disse: “Tampoucoa atenção dEle (Deus) passa de pensamento para pensamento, porque o conhecimento dEle abarca tudo, numa única esfera espiritual!’4 Se Deus é simples, Seus pensamentos não são seqüenciais,mas simultâneos. Ele não sabe as coisas por inferência, mas porintuição.5 Se Deus não é simples, Ele pensaria num a sucessãotemporal. Além do mais, se Deus é temporal, Ele é, também, es

4 Agostinho, Cidade de Deus 11.21. Vejam-se outras passagens selecionadas por Agostinho em What St. Augustine Says,  ed. Norman L. Geisler (Grand Ra- pids, Mich.: Baker, 1982), cap. 3.

5 Tomás de Aquino, Summa Theologiae  1.14.7. Trad. de Thomas Gornall (New York: McGraw-Hill Book Co., 1964), 4:27-28.

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 pacial.6 Na verdade, um Deus assim deveria ser até mesmo material (o que contraria as Escrituras, e.g., João 4:24). E se Deus é limitado pelo mundo espaço-tempo, não poderia pensar em velo

cidade superior à da luz.7 Assim sendo, Ele não seria capaz de conhecer o universo todo num dado momento, para não mencionar-se o fato de Ele ter (ou não) um conhecimento infalível do futuro. Além disso, se Deus é tão limitado, fica sujeito à desordem eà entropia (esgotamento da energia utilizável).

Esta é a teologia processual, para a qual convergem muitos problemas. Entretanto, não é necessário, nem útil, uma perspec

tiva processual, porque lhe falta um embasamento bíblico. O Deusda Bíblia sabe todas as coisas, do princípio ao fim (Is. 46:10). Éum Deus que não pode mudar (Mal. 3:6), nem mesmo nas mínimas coisas (Tiago 1:17).

Predeterminação a despeito da presciência de Deus.  Outromodo de relacionar-se a soberania divina com o livre-arbítrio humano é que Deus opera com uma soberania tão inabordável que

Ele toma Suas decisões com desinteresse total pelas decisões humanas. Por exemplo: Deus determina salvar qualquer pessoa queEle queira salvar, independentemente de a pessoa decidir crer ounão.

Há um importante corolário desta perspectiva. Se o livre-ar bítrio não foi levado em consideração, de modo algum, quandoDeus fez a lista dos eleitos, segue-se que existe a graça irresistível

agindo sobre os que não querem salvar-se. As pessoas não teriamação nenhuma em sua salvação. Conseqüentemente, o fato de alguns (talvez todos) decidirem não amar, nem adorar, nem servir aDeus não faria a mínima diferença jamais para Deus. Ele simplesmente os forçaria, com Seu poder irresistível, e os levaria gritando e esperneando, para dentro de Seu reino, contra a vontade deles. Parece que tanto Agostinho como Calvino criam assim. Vis

to que Agostinho cria que os hereges poderiam ser coagidos a crer 

®Paul Helm, “God and Spacelessness”,  Philosophy 55:212 (março de 1980): 211-21 .7 Veja-se a excelente crítica da teologia processual, de Royce Gruenler, The 

 Inexhaustible God: Biblical Faith and the Challenge o f Process Theism (Grand 

Rapids, Mich.: Baker, 1983).

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS 89

contra sua vontade, ele não via problema nenhum em Deus fazerisso com os eleitos.8

Esta posição está inçada de problemas. Primeiramente, elaencerra a negação do livre-arbítrio. Como o próprio Agostinhoafirmara, anteriormente, “aquele que quer está livre da compulsão”.9 Em última análise, os homens não têm escolha em sua salvação. É como afirmava Jonathan Edwards: “livre-arbítrio” é acapacidade de fazermos o que queremos, mas é Deus quem nosdá o desejo (salvífico). Contudo, visto que Deus só concede tal desejo a alguns (não a todos), isto nos conduz a outro problema. Agraça irresistível (?) operando sobre os que não querem (a salvação) é uma violação do livre-arbítrio. Isto porque o verdadeiroamor é persuasivo, mas nunca coercitivo. Não pode haver “casamentos sob canos de revólver”, no céu. Deus não é um B. F. Skin-ner cósmico, que modifica estruturalmente os seres humanos, contra a vontade deles.10 Não obstante uma metáfora infeliz, a res peito de sua própria conversão (na qual afirm a que foi “levado para o reino gritando e esperneando”), C. S. Lewis apresenta-nosduas passagens magníficas contra o emprego de força irresistívelcoagindo incrédulos. Em A s Cartas do Coisa-Ruim  Lewis concluique o “Irresistível e o Indiscutível são duas armas que a próprianatureza de Seu esquema O proíbe de utilizar. Subjugar simplesmente a vontade humana... não Lhe serve. Ele não pode arrebatar. Pode apenas convidar”.11 Em O Grande Abismo  Lewis

demonstra-nos como Deus em última instância respeita o livre-arbítrio com que dotou Suas criaturas: “Só há duas espécies de

 pessoas no final: as que d izèína Deus: ‘Seja feita a Tua vontade’,e aquelas a quem Deus diz: A tua vontade seja leita. Todos os queestão ho inferno foi porque o escolheram. Sem essa auto-escolhanão haveria jnferno” 12

à despeito de alguma aparente inconsistência neste ponto da

 parte de Calvino (consulte-se o comentário dele sobre Luc. 14:23),ele enfrenta honestamente o ensino bíblico de que o Espírito Santo pode ser resistido. Disse Estêvão a respeito dos judeus: “Homens

8 Geisler, What Augustine Says,  cap. 7.9 Ibid., p. 158 (de Two Souls Against the Manicheans  10.14).10 Veja-se Norman L. Geisler, “Human Destiny: Free or Forced?” Chrístiao Scholar’s Review  9, n“ 2 (1979): 99-100.11 C. S. Lewis, As Cartas do Coisa-Ruim   (Edições Loyola, 1982), p. 42.12 C. S. Lewis, O Grande Abismo   (Ed. Mundo Cristão, 1983), p. 53.

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de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sem- pre resistis ao Espírito Santo, assim como fizeram vossos pais, tam

 bém vós o fazeis” (At. 7:51). Comentando esta passagem, assimexpressou-se Calvino: “Finalmente, são acusados de resistir ao Es pírito, ao rejeitar teimosamente aquilo que o Espírito diz pelos profetas” 13 Calvino descreve esta resistência com frases assim: “re

 jeitar teimosamente”, “rebelar-se intencionalmente” e “guerrearcontra Deus”.

O uso de força irresistível da parte de Deus contra Suas cria

turas livres seria uma violação tanto da caridade de Deus comoda dignidade dos seres humanos. Deus é amor. O verdadeiro amor jamais abre caminho à força. Amor forçado é rapto, e Deus nãoé um raptor!14

Em segundo lugar, é lógico que esta perspectiva parece negar a “onibenevolência” (amor total) de Deus. A Bíblia diz que“Deus é am or” (1 João 4:16) e que Ele ama o mundo (João 3:16).

De fato, “para com Deus não há acepção de pessoas” (Rom. 2:11),não apenas no que concerne à Sua justiça, mas em todos os Seusatributos, inclusive Seu am or (Mat. 5:45). De fato, se Deus é sim ples, Seu amor estende-se por toda Sua essência, e não apenas em parte. Daí decorre que Deus não pode amar parcialmente. Mas,se Deus é todo-amor, de que maneira pode Ele amar apenas a alguns, de modo a conceder-lhes, e somente a eles, o desejo de salvar-

se? Suponhamos que um fazendeiro descubra três garotos afogando-se numa lagoa de sua propriedade, onde há cartazes indicando claramente que é proibido nadar ali. Em seguida, percebendo a patente desobediência, diz ele consigo mesmo: “Eles violaram a proibição, e trouxeram sobre si mesmos as conseqüênciasmerecidas pela desobediência.” Poderíamos, talvez, concordar com

o raciocínio, até este ponto. Contudo, se o fazendeiro prosseguir,dizendo: “Portanto, não farei qualquer esforço para salvá-los”,imediatamente imaginaríamos que está faltando alguma coisa emseu amor. Suponhamos, então, que por qualquer capricho inex

 plicável ele diria o seguinte: “Não tenho a mínima obrigação de

13 João Calvino, Calvin’s New Testament Commentaries, trad. A. W. Morri- 

son (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1972), 6:213.14 Norman L. Geisler, The Roots o fE vil  (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, (1978), pp. 85-88.

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 d e u s   s a b e   t o d a s   a s   c o i s a s  91

salvar um deles, mas por mera bondade de meu coração salvareium deles e deixarei os outros dois afogar-se” Em tal caso, certa

mente diríamos que o amor deste homem é parcial.É certo que não é este o quadro que encontramos na Bíblia,concernente a Deus, que “amou o mundo” (João 3:16), e enviouSeu Filho para ser sacrifício não apenas pelos nossos pecados,“mas ainda pelos do mundo inteiro” (1 João 2:2), tendo Ele morrido “pelos ímpíõs” -(nIo apenas pelos eleitos). Na verdade, o Deusda Bíblia “deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao

 pleno conhecimento da verdade” (1 Tim. 2:4). Pedro fala, até, daqueles que chegam ao ponto de “renegarem o Soberano Senhorque os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição”(2 Ped. 2:1).

Até mesmo João Calvino acreditava que Cristo morreu portodos os pecados do mundo (Col. 1:15), querendo dizer com isso,claramente, “a salvação da raça humana”.15 Comentando a pala

vra “muitos”, pelos quais Cristo morreu, em Marcos 14:24, assimse expressou Calvino: “a palavra ‘muitos’ não significa um a par-te apenas, do mundo, mas toda a raça humana”.1̂

'Ã predeterminação de Deus está de acordo com Sua presciência. Há uma terceira maneira de relacionar-se a soberania divinaao livre-arbítrio humano. Talvez a predeterminação de Deus não se baseie em Sua presciência das livres decisões humanas, e nem

a despeito dessa presciência. As Escrituras declaram, por exem plo, que fomos “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1 Ped.1:2). Em outras palavras, não existe prioridade cronológica, ou lógica, de eleição e presciência. Sendo um Ser simples, todos os atri butos de Deus formam uma unidade com Sua essência indivisível.Daí decorre que tanto a presciência quanto a predeterminação sãouma unidade, em Deus. Assim sendo, seja o que for que Deus sa

 be, Ele o determina. Seja o que for que Ele determina, Ele o sabe.Mais adequadamente, deveríamos falar de Deus como Alguém que determina sabendo e sabe determinando,  des de a eternidade, tudo quanto acontece, inclusive nossos atos livres. É como John Walvoord perspicazmente comentou, a respeito de 1 Pedro 1:2: “não ensina a ordem lógica da eleição, em relação à pres-

15 João Calvino,  Institutes o f Christian Religion  3.1.1.16 Calvino, Calvirís New Testament Commentaries,  3:139. Veja-se, também, os comentários de Calvino sobre João 1:29, Romanos 5:15 e 1 João 2:2.

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ciência, pelo fato de ambas serem coextensivas!’ Em outras palavras, todos os aspectos do propósito eterno de Deus são igualmentedesvinculados do tem po.17 Porque se Deus é um Ser eterno e sim

 ples, Seus pensamentos devem ser coordenados e unificados.Seja o que for que Deus pré-escolhe, não pode basear-Se na

quilo que Ele sabe de antemão. Nem pode aquilo que Ele prevêser baseado naquilo que Ele escolhe de antemão. Tudo isto é açãosimultânea e coordenada de Deus. Assim sendo, Deus conhece-doramente determinou e determinadamente soube, desde a eternidade, tudo quanto haveria de acontecer, inclusive todos os atoslivres. Daí decorre a existência de ações verdadeiramente livres, asquais o próprio Deus determinou que haveriam de ser livres. Então, Deus é totalmente soberano, no sentido de verdadeiramentedeterminar o que acontece, enquanto os seres humanos são com pletamente livres e responsáveis por aquilo que escolhem.

Determ inism o e Livre-ArbítrioAceitando-se a conclusão acima, defrontamo-nos com o mais persistente problema filosófico, que é a alegada contradição, na presciência infalível de Deus, de eventos que os seres humanos efetuamlivremente. O argumento pode ser enunciado como segue:

1. Seja o que for que o Deus onisciente prevê no futuro, deverá acontecer (de outra forma, Ele estaria enganado quanto aoque sabe).

2. Deus sabia por antecipação que Judas haveria de trair aCristo.

3. Portanto, Judas devia trair a Cristo. (Se ele não o traísse,Deus estaria enganado em Sua previsão.)

4. Porém, se Judas devia trair a Cristo, ele não era livre paranão traí-lO (visto que o livre-arbítrio implica em que ele poderiater agido de outra maneira, diferente).

5. Portanto, se Deus prevê o futuro, o futuro não é livre (e vice-versa).

Historicamente, os crentes têm sempre afirmado a verdadeda primeira premissa, de que Deus sabe tudo, inclusive o futurotodo do universo. Recentemente, sob a influência devastadora dateologia processual, alguns teólogos têm-se aventurado além dos

17 Lewis Sperry Chafer e John Walvoord, M ajor Bible Themes (Grand Rapids Mich.: Zondervan, 1980), p. 233.

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limites da ortodoxia histórica, adentrando pela sugestão radicalde que Deus talvez não conheça todo o futuro, com absoluta certeza. Tal conceito significaria, como expressou-se um pensador

 processual, bem ousadamente, que “Deus está observando, coma respiração suspensa”.18

A segunda premissa também é fundam entada na teologia bí blica. Deus afirma: “Desde o princípio anuncio o que há de acontecer” (Is. 46:10). E Jesus sabia de antem ão que Judas haveria detraí-lO, como as Escrituras afirmavam (João 13:2; At. 1:20).

O que muitas pessoas não conseguem perceber é que a pre

missa número quatro decorre logicamente das três primeiras. SeDeus não pode estar enganado a respeito daquilo que Ele sabe, ese Ele sabe que Judas trairá a Cristo, então as coisas não poderãoocorrer de outra forma — Judas deverá trair a Cristo. Se Judashouvesse decidido que não trairia a Cristo, então Deus estariaenganado.

A premissa 5, entretanto, não decorre logicamente das pri

meiras quatro. Não é necessário achar que Judas não era livre emsua traição a Cristo. Em primeiro lugar, o fato de que o ato de traição era necessário, do ponto de vista da presciência de Deus, nãosignifica que tal ato não era livre do ponto de vista de Judas. Disse Aquino que “as coisas conhecidas por Deus são contingentesem face de suas causas contingentes (escolhas livres), embora acausa primeira, o conhecimento de Deus, seja necessária”.19

A Confissão de Westminster  (1646) interpreta bem este ponto quando diz: “Embora, em relação com a presciência e o decreto de Deus, a causa primeira, todas as coisas aconteçam imutávele infalivelmente, pela mesma providência, entretanto, Ele ordenouque essas coisas acontecessem, de acordo com a natureza das causas secundárias, necessária, livre, ou contingentemente!’20

Em suma, Deus determinou que Judas trairia a Cristo, livre

mente. Não há contradição lógica entre o determinismo e o livre-arbítrio. Haveria contradição apenas no caso de Deus forçar  Judas a livremente trair a Cristo. Liberdade forçada é uma contra

18 Veja-se Bernard Loomer, “A Response to David Griffin”, Encounter 36, n®4 (outono de 1975): 365.19 Tomás de Aquino, Summa Theologiãc  1.14.13, Réplica 1. Também Loomer, “Response to Griffin”.

20 The Westminster Confession (“Confissão de Westminster”) (1646; reimpressão, Atlanta: John Knox Press, 1963), 5.2.200.

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dição de termos. Porém, se Deus simplesmente determina que Judas livremente trairá, inexiste contradição. Deus pode determinar,com a mesma certeza, através da escolha livre e sem a escolha livre. Uma mente onisciente não pode enganar-se.

Em segundo lugar, só porque um certo fato foi determinado,isto não significa que esse fato não é livre. Os eventos do passadoestão determinados, não podem ser mudados. Entretanto, reconhecemos que muitos deles resultaram de livre escolha. Por exem

 plo, ontem eu decidi ouvir um pouco de música (coisa que raramente faço). Esse fato pertence, agora, ao passado. Já não possomais decidir não fazer o que fiz. Está determinado para sempre.Entretanto, quando eu o fiz, estava inteiramente livre. Daí, nãoexiste contradição entre um evento resultar de uma escolha totalmente livre e, ao mesmo tempo, ser totalmente determinado. MasDeus sabe todas as coisas, pode saber o futuro, com a mesma certeza que sabe o passado. Assim, o futuro pode ser absolutamentedeterminado, e alguns eventos, totalmente livres.

Em terceiro lugar, não há problema em a presciência de Deus predeterminar eventos, num sentido ainda mais preciso. Visto queDeus é um Ser eterno, Ele na verdade não prevê as coisas. Ele sim

 plesmente sabe eternamente. Só recentemente é que surgiram desvios sumamente perigosos no que tange ao pensamento processual, através de pensadores situados na crista do movimento, masos cristãos ortodoxos, desde Agostinho, passando por C. S. Le-wis, têm ensinado firmemente que Deus é um Ser eterno, não-temporal.21 A despeito de muitos antropomorfismos que retratam a Deus em termos temporais, a natureza não-temporal deDeus é sustentada por inúmeras passagens das Escrituras (porexemplo: Êx. 3:14; João 8:58). É como afirmou Judas: Deus existe desde “antes de todas as eras” (v. 25). Na verdade, Hebreus declara que Deus “fez o universo” (1:2). Uma tradução de Knox, mencionada pelo autor, diz: “criou este mundo de tempo” — N. do T.).

Contudo, se admitirmos que Deus não passa por sucessõestemporais, aquilo que Ele pensa terá pensado para sempre. O pensamento dEle é perfeito e absoluto; não precisa de progresso, nemde melhoria. Assim, Deus apenas sabe (Ele não antecipa o saber)aquilo que faremos com nosso livre-arbítrio. Aquilo que temos,

!21 Veja-se Norman L. Geisler, “Process Theology and Inerrancy”, em Chal- lenges to Inerrancy: A Theological Response, ed. Gordon Lewis e Bruce De- marest (Chicago: Moody 1984) pp 247 284

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aquilo que somos e aquilo que decidiremos está presente diantede Deus em Seu eterno AGORA.22 Assim sendo, não existe pro

 blema sobre como um certo ato pode ser verdadeiramente livre,se Deus determinou por antecipação tudo quanto há de acontecer. A presciência de Deus não significa, para Ele, preordenaçãode qualquer coisa que ocorrerá mais tarde. Toda a extensão do tem po está presente na mente de Deus, por toda a eternidade. Na verdade, Deus não prevê os fatos; Ele os conhece, por estarem em Suaeterna presença. Daí, Deus não está realmente preordenando as

coisas que vê, mas Ele simplesmente ordena aquilo que os sereshumanos fazem livremente. Deus vê tudo quanto fazemos livremente. Aquilo que Ele vê, Ele conhece. Aquilo que Ele conhece,Ele determina. É assim que Deus determinadamente conhece econhecedoramente determina tudo quanto nós por livre-arbítriodecidimos.

Além do mais, não é o determinismo que é contrário ao livre-

arbítrio, mas a coerção. Não é a presciência que elimina o livre-arbítrio, mas a força. A necessidade e a liberdade não são incom patíveis, mas a irresistibilidade e a responsabilidade humana são.

A Natureza do Livre-ArbítrioAté aqui deixamos implícito, mas não explicamos o que significalivre-arbítrio. Pode-se evitar muita confusão mediante a definição

clara deste importante conceito. Primeiramente, vamos delinearas três principais perspectivas: indeterminismo moral, determinismo moral e autodeterminismo moral. Com estes termos, queremos simplesmente dizer que um certo ato humano, moral, é não-causado, causado por outrem, ou causado pela própria pessoa.

Primeiramente, examinaremos o indeterminismo moral.Quando o indeterminismo é definido adequadamente, torna-se di

fícil asseverar que as ações morais são de fato indeterminadas, istoé, que não têm causa eficiente. Um ponto fundamental do pensamento racional é que cada evento tem uma causa adequada. Ascoisas não acontecem sem que haja um propósito. Acreditar queas coisas pulam do nada para a existência espontaneamente, semque haja condições suficientes e necessárias, é ir contra a experiên

22 Agostinho, Confissões  11.6-27. Veja-se, também, Geisíer, “Process Theo- logyl’ pp. 57-70.

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 96   PREDESTINAÇÃO E  L l VKE-AKHI I  KIO

cia regular. Nem mesmo o cético David Hume jamais negou o princípio da causalidade.23

Se o indeterminismo fosse verdadeiro, haveria eventos sem

causas. O universo seria irracional, e seria impossível viver aqui.De fato, seria um universo amoral, porque não haveria forma dedeterminar quem é responsável por uma ação que não tem causaeficiente.

Algumas pessoas tomaram, erroneamente, o “princípio da in-determinalidade”, de Heisenberg, em apoio para a perspectiva queaqui descrevemos como sendo o indeterminismo. O princípio deHeisenberg declara que uma partícula subatômica ocupa uma posição determinada, ou tem determinada velocidade, porém, nãotem ambas ao mesmo tempo. Um dos fatos é indeterminado quando o outro é determinado.

 Não é certo tirar conclusões filosóficas a partir da obra deHeisenberg, pelo menos por dois motivos. O princípio de Heisen

 berg descreve a área subatômica, a qual não pode ser conhecida

sem a interferência do investigador. Os instrumentos mediante osquais a área subatômica é observada bombardeiam as partículassubatômicas a fim de “vê-las”. Daí, o comportamento impredi-zível poderá resultar, em parte, da própria tentativa de observá-las.

Além disso, o princípio de Heisenberg não diz que não hácausa para os eventos mas, simplesmente, que não podemos predizer onde estará determinada partícula num determinado mo

mento. Portanto, tal princípio não haverá de ser entendido como princípio de não-causalidade, mas de imprevisibilidade. Mesmoque a posição de uma partícula não possa ser prevista, o padrãogeral, todavia, pode ser previsto. De qualquer maneira, não há evidências científicas que apóiem a idéia de que os eventos, ou os padrões, na área subatômica, são destituídos de causa. Além disso,mesmo que tais evidências estivessem disponíveis, isto por si mes

mo não justificaria que se estendesse tal “indeterminalidade” daárea física (subatômica), para a área moral. Por definição, a física trata daquilo que é,  enquanto a moral, daquilo que deveria ser.

A segunda maneira possível de entender-se o livre-arbítrio é 

mediante o determinismo moral. De acordo com este conceito, a pessoa não é a causa eficiente de uma ação moral. Num contexto

23 David Hume, The Letters o f David Hume, ed. J. Y. T. Greig (Oxford: Cla- rendon Press, 1932), 1:187.

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS  91

teístico, a causa última seria Deus. O agente humano, então, quando muito seria apenas uma causa instrumental (através da qual fluia causalidade), não a causa eficiente (através da qual a causalidade

se efetua).Este conceito suscita problemas sérios para o crente. Não obs

tante, pensadores importantes, de Jonathan Edwards a GordonClark, têm esposado algumas formas derivadas deste conceito. 0 primeiro problema é que, pela lógica, tal conceito torna Deus acausa eficiente de todas as decisões livres, inclusive as más ações.Se os seres humanos, agentes individuais, não são as causas efi

cientes reais do mal, é Deus, então, quem pratica os raptos, os assassinatos, e outras crueldades, usando seres humanos. Tal conceito é biblicamente herético, e moralmente repugnante.

Em segundo lugar, esta perspectiva teológica do livre-arbítrioelimina toda a responsabilidade moral. Ela enseja que o homemnão é a causa eficiente de suas ações mas apenas o instrumento.Assim, por exemplo, um assassino não poderia ser mais culpado

do que o revólver ou a faca (instrumentos do assassinato). De modo semelhante, não se pode culpar racionalmente um carro dirigido por um péssimo motorista, como criminoso, visto que foiapenas o instrum ento que causou o dano. O responsável é o motorista. Em suma, o determinismo moral faz Deus imoral, e o homem amoral.

A última perspectiva concernente à liberdade de ação é o au-

todeterminismo moral. Segundo este conceito, os atos morais nãosão não-causados, nem causados por outrem. Ao contrário, sãocausados pela própria pessoa (agente). Este conceito enquadra-se melhor dentro dos critérios bíblicos e racionais. Perguntou Deusa Eva: “Que é isto que fizeste?” (Gên. 3:13). Até mesmo pelas decisões tomadas após a queda, Jesus responsabilizou os judeus,quanto à condenação deles, visto que “vós não o quisestes”(Mat.

23:37). Assim continua sendo através das Escrituras e na vida quotidiana.

Vamos considerar, brevemente, os problemas que têm sido levantados contra esta perspectiva teológica. Há várias objeções filosóficas. A primeira diz respeito à causalidade — cujo princípiodetermina que cada evento tem uma causa adequada. Se isto é verdade, diríamos, então, que até mesmo o livre-arbítrio de um ho

mem tem uma causa anterior. Se o livre-arbítrio da pessoa temuma causa anterior, a ação não pode ser causada pela própria pes

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soa. Daí decorre que o autodeterminismo seria contrário ao princípio da causalidade que ele abraça.

 Nesta objeção há uma confusão básica. Tal confusão resul

ta, em parte, de uma expressão infeliz do conceito de autodeterminismo. Os defensores do autodeterminismo moral às vezes falamdo livre-arbítrio como se este fosse a causa eficiente das ações morais. Isto induziria alguém, naturalmente, a perguntar: Qual é acausa do livre-arbítrio da pessoa? Contudo, uma descrição mais

 precisa do processo de uma ação livre evitaria este problema. Tecnicamente falando, o livre-arbítrio não é a causa eficiente de um

ato livre; livre-arbítrio é apenas o poder mediante o qual o agente desempenha o ato livre. A causa eficiente do ato livre é, realmente, o agente livre, não o livre-arbítrio. Não costumamos dizerque as pessoas são vontade livre mas, apenas, que elas têm vontade livre. De maneira semelhante, não costumamos dizer que osseres humanos são pensamento, mas, que detêm o poder de pensar. Assim sendo, não é o poder de exercer o livre-arbítrio que cau

sa o ato livre, mas a pessoa que detém esse poder.Então, se a verdadeira causa de um ato livre não é um ato, mas

um autor, não faz sentido procurar a causa do autor, como se este fosse outro ato. A causa de um desempenho é o desempenha-dor. Não tem o mínimo sentido perguntar qual o desempenho quecausou o desempenho. Semelhantemente, a causa de um ato livrenão é outro ato livre. Ao contrário, é um agente livre. E uma vez

que tenhamos chegado ao agente livre, não tem sentido perguntar que é que causou seus atos livres. Se alguma outra coisa causou suas ações, o agente não é, então, a causa delas e, por isso, deixa de ser responsável por elas. O agente moral livre é a causa desuas ações morais livres. É tão irracional procurar a causa que motivou o agente livre a agir, quanto perguntar quem é que fez Deus.A resposta é a mesma em ambos os casos: nada pode causar a primeira causa, porque ela é a primeira. Nada existe antes da primeira. Semelhantemente, o homem é a primeira causa de suas pró

 prias ações morais. Se o homem não fosse a primeira causa de suas próprias ações livres, tais ações não seriam suas.

Se se argumentar que é impossível vindicar e provar que o homem pode ser a causa primária de suas ações morais, também seria, então, impossível ser Deus a causa primária das Suas açõesmorais. Fazer a primeira causa dos atos humanos recuar até Deusnão resolve o problema de encontrar-se uma causa para cada ato.

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS  99

Isto apenas empurra o problema cada vez mais para o fundo. Maiscedo ou mais tarde os teístas deverão admitir que um ato livre éautodeterminado, não causado por outrem. Em última análise,reconhecer-se-á que todos os atos provêm de autores, mas tais autores (agentes livres) são a primeira causa de suas ações, as quais, portanto, não têm uma causa anterior.

A verdadeira questão, então, não é se há agentes que causemsuas próprias ações mas, se Deus é o único e verdadeiro agente (istoé, pessoa) no universo. Os cristãos têm sempre declarado (como0 panteísmo) sua convicção de que, definitivamente, há somenteum agente (ou pessoa) no universo. Porém, a negação do homemcomo agente livre implica naquela assertiva.

Há um segundo problema filosófico a respeito da afirmaçãode que o homem é a primeira causa de suas próprias ações: ela viola o princípio da causalidade. Se dissermos que as ações de uma

 pessoa não são causadas, não estaremos admitindo que há eventos não-causados no universo? Esta alegação baseia-se numa com preensão deficiente da diferença existente entre atos não-causadose atos autocausados. Os autodeterministas morais não afirmamexistir quaisquer atos morais não-causados. Na verdade, eles crêemque todos os atos morais são causados por agentes morais. Contudo, diferentemente dos deterministas morais, que crêem que todas as ações humanas são causadas por outrem (por exemplo, porDeus), os autodeterministas acreditam que existem outros agentes morais, além de Deus. Não obstante, os autodeterministascrêem que há uma causa para todas as ações morais, e que essacausa é um agente moral, seja ele Deus ou alguma criatura moral.

Contudo, será que esta conclusão não nos conduz a um terceiro problema? Será que os atos autodeterminados não são autocausados? Não seria impossível uma pessoa autocausar-se? Temos aqui, outra vez, uma confusão entre ato e autor. Nenhum au-1or (agente) pode causar sua própria existência. Uma causa é (emseu ser) anterior a seus efeitos. Mas, ninguém pode ser anteriora si mesmo. Um ser  (autor) autocausado é impossível. Mas, umaação autocausada não é impossível, visto que o autor (causa) deve ser anterior à sua ação (efeito). Assim sendo, é impossível a existência autocausada, mas a formação autocausada é possível. Nósdeterminamos aquilo em que nos tornaremos, moralmente. Con-l udo, só Deus determina aquilo que somos. Assim sendo, as pes

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100  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

soas não podem causar sua própria existência, mas podem causar seu próprio comportamento.

Talvez se pudesse eliminar muito da confusão reinante nesta

área se não nos referíssemos ao autodeterminismo como se estivéssemos determinando a nós mesmos. O autodeterminismo moral não se aplica à determinação de si próprio, mas à determinação por  si próprio. Portanto, seria mais apropriado não se falarde uma ação autocausada, mas de uma ação causada por si pró

 prio. Contudo, mesmo sem esta distinção, há uma significativa diferença entre um ser autocausado e uma ação autocausada. Aque

le é total impossibilidade, esta, não. Nenhum ser pode ser anterior a si mesmo, porém, um autor deve ser anterior ao seu ato.

O quarto problema filosófico concernente à perspectiva au-todeterminística da liberdade é este: De que maneira pode Deusdeterminar o futuro sem violar o livre-arbítrio? Uma das dificuldades em ater-se a um determinismo forte (em que Deus infalivelmente sabe e determina tudo quanto acontece) está exatamente em

como é que Deus consegue fazer isso. Não é difícil entender como Deus consegue atingir um objetivo necessário, mediante meiosnecessários (como, por exemplo, determinar por antecipação quea última peça de dominó, numa série de peças que estão caindo,também deverá cair). Contudo, de que maneira consegue Deusatingir um objetivo necessário através de meios contingentes (taiscomo decisões livres)?

Comumente, os que adotam este conceito dizem que se tratade um mistério. Certamente há um mistério, aqui, mas será útilexplicar-se que tipo de mistério é, e por que esta situação é misteriosa. Seguindo-se a distinção tradicional, entendemos que mistério é algo que não contraria a razão, ficando porém além da razão. Com isto, queremos dizer que ambas as verdades (a soberania de Deus e o livre-arbítrio humano) não são contraditórias, mas

incompreensíveis. Podemos apreender ambas as verdades, mas não podemos compreender como ambas se relacionam entre si. Sabemos que ambas são verdade, mas não sabemos como.

Agora que já descrevemos o que quer dizer o mistério do livre-arbítrio humano e o determinismo divino, pergunta-se: por queé um mistério? Ou, perguntando a mesma coisa com outras palavras, por que não podemos saber como as duas doutrinas se en

caixam uma na outra? Por que não podemos saber a maneira como Deus determina os atos livres, sem violar a liberdade deles?

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS 101

Creio que a razão por que não podemos saber com o Deus determina as coisas, é que não há um “como” a ser conhecido. As perguntas que envolvem um “como” implicam em mecanismo, um“modus operandi”, ou uma força intermediária. Entretanto, se ainteração entre a soberania divina e o livre-arbítrio humano é imediata, não há elementos intermediários.

Pela própria natureza do caso, não há elementos intermediários entre Deus (causa eficiente primária) e os homens (causa eficiente secundária) no que concerne às ações livres. Deus é a causa do livre-arbítrio, e os homens são a causa dos atos livres. Deusfez o agente, e os agentes causam as ações. Deus dá às pessoas o

 poder (da livre escolha), e elas o exercem sem coerção. Assim sendo, Deus é responsável por conceder livre-arbítrio, e os homenssão responsáveis pelo seu comportamento dentro dessa liberdade.

Esta perspectiva poderia ser denominada determinismo “suave”, em contraste com o determinismo “duro”. Este ensina que Deusnão apenas concede aos homens o poder do livre-arbítrio, mas tam

 bém desempenha Ele mesmo o livre-arbítrio, mediante as pessoas. No determinismo “duro”, os agentes livres são, na verdade, apenascausas instrumentais, e não causas eficientes de suas próprias ações.Deus causou o fato da liberdade humana e, na verdade, também desempenha os atos da liberdade humana. Em suma, os seres humanos não são humanos, mas apenas bonecos, ou robôs.

Voltemos, então, à questão principal: Se não há causa intermediária entre a determinação de Deus e o livre-arbítrio do homem, a questão do “como” se evapora. A única resposta à pergunta: Como é que Deus fez isso é: Mediante Seu infin ito poder  e sabedoria. Por que (causa final) Deus fez isso é respondível (porexemplo, para Sua glória), porém, como Ele o fez só é respondível pelo Seu poder e sabedoria (causa eficiente), e não por qualquer outro meio (causa instrumental). Isto porque não existe qualquer causa instrum ental entre a soberana vontade de Deus e a livre vontade hum ana. Aquela age sobre esta de modo direto, desde toda a eternidade. Embora Deus aja no tempo, age não obstantedesde a eternidade. Em outras palavras, Deus agiu desde a eternidade, embora os resultados de Suas ações ocorram no mundo emépocas diferentes. Assim como o médico decide que seu pacientedeverá tom ar um a p ílula diariamente, durante 14 dias, Deus de

cretou simultaneamente, desde toda a eternidade, tudo quantoacontece seqüencialmente ao longo do tempo.

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102  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Há, também, um problema bíblico com o autodeterminismomoral. Como pode a salvação ser totalmente oriunda da graça, se

ela depende de nosso livre-arbítrio? A Bíblia ensina que todos osregenerados (justificados) serão salvos (Rom. 8:29). Nenhum de-les perecerá (João 10:26-30), nem mesmo serão separadosTle Ork:ír>(RõmT8:36-39). Na verdade, todos os crentes estão em Cristo(2 Cor. 5:17; Ef. 1:4), sendo parte de Seu corpo (1 Cor. 12:13). Daí,se alguém fosse separado de Cristo, isto significaria que Cristo estaria separado de Si mesmo! Õs homens podem ser infiéis para

com Deus, contudo, Deus não pode negar-se a Si mesmo (2 Tim.2:13). A salvação não depende dos homens, mas de Deus. Portanto,não sepõde perderTsalvaç¥d^'s^üvãcão não é obtida pélãvon-tede humana (Jolo TTOT Rõm. 9:16), portanto, não provém dasobras, para que ninguém se glorie (Ef. 2:8-9).

Contudo, se a salvação está condicionada totalmente à graça de Deus, e não à nossa vontade, de que maneira nossas deci

sões livres exercem qualquer efeito em nossa salvação? A resposta a esta pergunta encontra-se num a importante distinção entreos dois sentidos da palavra condição. Não há condições para a concessão da salvação, da parte de Deus; ela é inteiramente de graça.Mas, há uma condição (e apenas uma) para a recepção desta dádiva — a verdadeira fé salvadora.

 Nada há, em absoluto, no homem, que constitui base para

a ação salvífica de Deus. Mas, havia algo em Deus (amor) queconstitui a base para nossa salvação. Não foi por causa de qualquer mérito, mas apenas por causa da graça, que a salvação foiestendida até nós. Nós não damos início à salvação (Rom. 3:11),tampouco podemos atingi-la. Mas, podemos e devemos recebê-la (João 1:12). A salvação é um ato incondicional de Deus, que elege. Nossa fé não é condição para que Deus nos conceda a salva

ção, mas para que possamos recebê-la. Não obstante, o ato da fé(livre-arbítrio) pelo qual recebemos a salvação não é meritório. É  o doador que recebe o crédito pelo dom, não quem o recebe.

Aplicação PráticaCerta vez um professor de psicologia observou, sabiamente, queuma boa teoria é uma coisa muito prática. Assim acontece com

a boa teologia. As boas doutrinas dão origem a boas obras. Porconseguinte, a adequada compreensão da soberania divina servirá de base para uma compreensão adequada da responsabilida

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS 103

de humana. Agora, vamos relacionar isto com a ilustração a res peito de Alfredo.O Caso de Alfredo. Em primeiro lugar, Alfredo deve reconhecerque tudo quanto ele tem é dom de Deus. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito é lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quemnão pode existir variação, ou sombra de mudança” (Tiago 1:17).É como disse Jó: “Nu saí do ventre de minha mãe, e nu voltarei”(Jó 1:21).

Alfredo deveria, em segundo lugar, ser agradecido por tudoquanto tem. “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deusem Cristo Jesus para convosco” (1 Tess. 5:18). Isto inclui agradecimentos pelo alimento diário, pelo vestuário e pela moradia(1 Tim. 6:8). Na verdade, a Bíblia fala de alimentos “que Deus criou

 para serem recebidos, com ações de graça, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade” (1 Tim. 4:3). As próprias riquezas são uma dádiva de Deus (Ecl. 5:19).

Em terceiro lugar, visto que Deus “tudo nos proporciona ricamente para nosso aprazimento” (1 Tim. 6:17), Alfredo deve usufruir tudo quanto Deus lhe dá. Deus não é um “pão duro” celestial, nem um “desmancha prazeres” cósmico. Ele quer que gozemos a vida. Na verdade, Ele “nenhum bem sonega aos que andamretamente” (Sal. 84:11). Eclesiastes repetidamente nos exorta a“comer, beber e fazer que a (sua) alma goze o bem do (seu) trabalho” (2:24, compare com 3:13; 5:19; 8:15). O fato de que alguns estão famintos não deveria impedir aquele que não é egoísta de usufruir seu alimento. A dor não deveria exercer poder de veto ao

 prazer.Em quarto lugar, Alfredo deve repartir o que tem com aque

les que nada têm. Diz Provérbios: “O generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre” (22:9). Paulo acrescenta isto, para os ricos: “Que pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir (1 Tim. 6:18). A igreja primitiva tinha o cuidado de lembrar-se “dos pobres” (Gál. 2:10). Joãonos traz à memória: “Aquele que possuir recursos deste mundoe vir a seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe o seu coração,como pode permanecer nele o am or de Deus?” (1 João 3:17). Naverdade, Jesus disse: “Sempre que o fizestes a um destes (os po bres, os famintos, os despidos, os presos) meus pequeninos irmãos,a mim o fizestes” (Mat. 25:40).

Alfredo deve saber que Deus soberanamente nos deu a res

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104  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 ponsabilidade humana de ajudar aos outros. A obrigação de desempenhar atos de amor é determinada soberanamente. Como disse Paulo, aos efésios: “(Deus)... nos escolheu (elegeu) nele... para sermos santos e irrepreensíveis perante ele” (Ef. 1:4). Quantoaos crentes, Deus “os predestinou para serem conformes à imagem de Seu Filho” (Rom. 8:29). Há um propósito prático na predestinação. Deus nos escolheu para sermos vasos transportadores, não meramente receptáculos, de Suas riquezas, tanto materiais como espirituais (2 Cor. 4:7). Por outro lado, ser rico não é pecado. Inúmeros grandes homens de Deus (incluindo Abraão, Jóe Salomão) foram muito ricos. Nada há de errado na posse de

 bens. O pecado reside em o rico ser possuído por suas possessões.Porque a “vida de um homem não consiste na abundância dos

 bens que ele possui” (Luc. 12:15).Em resumo, Alfredo deveria reconhecer que um Deus sobe

rano e cheio de graça o tem abençoado com muitas riquezas m ateriais. Ele deveria agradecer tais bênçãos, desfrutá-las e reconhecer sua obrigação moral de reparti-las com os necessitados. Poroutro lado, os pobres deveriam permanecer contentes com aquilo que têm (Fil. 4:11). Não deveriam cobiçar, nem roubar os bensde seu próximo (Êx. 20:15). Deveriam trabalhar duramente, a fimde melhorar sua situação (1 Tess. 4:11,12). Mas, devem reconhecer,também, que Deus em Sua soberania graciosamente concedeu acada um, conforme Seu querer, dons espirituais (1 Cor. 12:21,22)e materiais também (Ecl. 5:19).

Os pobres deveriam, além disso, ser gratos porque são abençoados de modo especial com riquezas espirituais (Luc. 6:20). Deusos vem poupando das tentações das riquezas (1 Tim. 6:9). Assimsendo, deveriam reconhecer que “grande fonte de lucro é a piedadecom o contentamento” (1 Tim. 6:6).

Por mandamento divino, devemos trabalhar no sentido de aliviar as necessidades dos pobres. Mas, por descrição do próprioCristo, “os pobres sempre os tendes convosco” (Mat. 26:11). Antes de Cristo voltar, não terá “cada um da sua própria vide e dasua própria figueira” (Is. 36:16).

O Caso de Maria. Vontade de Deus é  frase problemática, por que, primeiramente, está sobrecarregada de ambigüidades. Em certosentido, tudo quanto acontece, acontece pela vontade de Deus, istoé, pelo decreto soberano mediante o qual Ele governa o universo.Em outro sentido, tudo quanto é pecado é contrário à vontade de

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 DEUS S ABE TODAS A S COISAS 105

Deus, isto é, Seus mandamentos que regem a nossa conduta. Demodo semelhante, Deus quer apenas, em certo sentido, a salvação dos eleitos, porque só eles foram escolhidos em Cristo, de acordo com “o conselho da sua vontade” (Ef. 1:11). Entretanto, noutro sentido do termo, Deus é descrito como “não querendo quenenhum pereça” (2 Ped. 3:9).

Em suma, há uma diferença entre aquilo que Deus decretae aquilo que Ele almeja. Ele decreta tudo, tanto o bem como o mal.Mas, Deus deseja apenas o bem. De modo que Deus almeja apenas o ótimo para Maria. Ele desejou que ela estudasse duramente (Mat. 22:36,37), que ela atingisse seu potencial total, e que elamaximizasse seus talentos para glória dEle (1 Cor. 10:31; Fil. 1:10).Entretanto, o fracasso de Maria, não atingindo estes objetivos, nãoapanhou Deus de surpresa. Deus conhece nossos altos e baixos. Não depende de nós, nem está esperando, com a respiração sus pensa, vendo o que é que vamos fazer. Na verdade, Ele incluiu nossos fracassos em Seu programa geral de sucesso, desde a eternidade, “pois, até a ira humana há de louvar (a Deus)” (Sal. 76:10).

Há três diferentes aspectos da vontade de Deus, detectáveis naBíblia: a vontade determinativa de Deus, a vontade permissiva deDeus e a vontade providencial de Deus. Todas elas formam a vontade soberana (decretos) de Deus para o universo.

Primeiramente, temos a vontade determinativa de Deus. Deushavia prometido a terra de Canaã para Abraão e seus descendentes, como herança (Gên. 12). Ele lhes ordenou que morassem naterra, e a vindicassem como sua herança. De acordo com isto, ordenou Deus a Isaque: “Não desças ao Egito” (Gên. 26:2). Aquiestava a vontade determinativa de Deus. É o que Ele havia dese jado para Seu povo. Este sentido determinativo da vontade deI )eus envolve apenas o bem. Isto porque Deus é tão santo que não

 pode nem mesmo olhar para o pecado com algum ar de aprovação (Hab. 1:13).

Apenas mediante o sentido permissivo da vontade de Deusé que Ele permite que ocorra algum mal. Abraão e seus descendentes deixaram de confiar em Deus, quando sob provação (fome), e saíram da terra prometida à procura de “pastos mais verdes”, no Egito. Deus permitiu, mas não determinou isto. Deus sódá ordens para o bem, mas às vezes permite o mal. Ele jam ais encoraja o mal, embora lhe conceda alguma manifestação. Assimsendo, finalmente disse Deus a Jacó: “Desce agora ao Egito!’ Não

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106   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

era esta a vontade perfeita, nem o desejo permanente de Deus; Eleaprovou a ida ao Egito pela Sua vontade permissiva para aquelemomento, a fim de atingir Seus objetivos últimos para as vidas daquelas pessoas. É como Jesus disse aos fariseus: “Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar vossasmulheres” (Mat. 19:8). Não foi por estar de acordo com a vontade ideal de Deus, mas por acomodação dEle à nossa vontadeteimosa.

Finalmente, temos a vontade providencial de Deus. A despeitodo fracasso de Israel em viver ali, e reivindicar a terra para si, osoberano propósito de Deus para Seu povo não poderia ser frustrado. A vontade determinativa de Deus era que o povo não fosseao Egito. Sua vontade permissiva foi permitir que fossem ao Egito. Contudo, no fim, a vontade providencial de Deus se cumpriuquando Ele declarou: “do Egito chamei o meu Filho” (Os. 11:1).

De maneira semelhante, a vontade determinativa para nossas vidas é que não pequemos. Entretanto, a vontade permissivade Deus é a permissão para que pequemos, de tal maneira que emSua vontade providencial Ele possa suscitar o bem até mesmo denosso pecado. Assim dissera José a seus irmãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém, Deus o tornou em bem”(Gên. 50:20). Entretanto, oxalá jamais pecássemos! Não deveríamos prescrever a alguém que sua cabeça fosse batida contra uma parede, porque tal pessoa se sentiria muito bem quando essa violência cessasse. Contudo, deveremos permitir a dor na cadeira dodentista, para que o dente fique melhor, após o tratamento.

Podemos concluir que no sentido determinativo da vontadede Deus, Maria deveria ter sido obediente a todas as ordens dasEscrituras, dirigidas a ela, inclusive aquelas concernentes ao diligente uso de seus talentos (Mat. 25:28), e de seu tempo (Col. 4:5)na obra de Deus. Neste sentido, ela poderia ter perdido o ótimoque Deus reservara para ela, embora o que ela conseguiu foi bom.É errado, todavia, sacrificar o ótimo no altar do bom. Ela é res ponsável pelo seu livre-arbítrio neste assunto, porque Deus apenas soberanamente lhe permitiu fazer o que ela de fato fez, errando. Os atos dela foram autodeterminados e Deus não pode rece

 ber a culpa pelas decisões erradas que ela tomou em sua vida(presumindo-se que ela devesse estudar medicina).

Por outro lado, Deus é cheio de graça e de perdão: M aria não precisava atravessar a vida toda com um sentimento de culpa e de

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 DEUS SABE TODAS A S COISAS 107 

inutilidade. Deus pode, literalmente, redimir sua vida mediante Sua providência graciosa, e fazer dela uma enfermeira boa e útil. Defato, assim como os ossos tornam-se mais fortes após uma fratu

ra, os crentes podem amadurecer mais depois de ter Deus perm itido que saiam da vontade determinativa dEle. Assim, às vezes,Deus, em Sua providência, restitui “os anos que foram consumidos pelo gafanhoto” (Joel 2:25), enquanto o crente esteve sob Suavontade permissiva. Entretanto, nada neste universo, nunca, nem por um segundo, sai da soberana vontade de Deus. Deus determinou tudo (até mesmo nossas decisões livres), e Seus propósitos úl

timos não podem ser frustrados.

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Réplica de John Feinberg

À MEDIDA QUE LEIO O ARTIGO DE N O R M A N GEISLER, vou ficando feliz pela sua forte posição quanto à soberania de

Deus. De fato, verifico que estou virtualmente de pleno acordocom ele, em suas primeiras páginas. Entretanto, descubro que oartigo dele de modo geral é extremamente problemático. Há pro blemas na maneira como ele apresenta as opções quanto a assuntoscomo a natureza do livre-arbítrio, e a relação existente entre o determinismo e a presciência, pois, parece que Geisler apresenta umacaricatura de conceitos, ao invés de apresentar seus próprios con

ceitos. Por exemplo, que indeterminista descreveria sua posição como Geisler o faz, nas páginas 95,96? De maneira semelhante, suaforma de demonstrar como Deus conhece o futuro é, basicamente, a adoção da problemática resposta boethiana. Entretanto, hádois grandes problemas cruciais para nossa discussão, sobre osquais focalizaremos nossa atenção.

O primeiro grande problema deriva de uma afirmativa que,

de início, parece bastante inofensiva, até vermos o que Geisler fazcom ela. Diz Geisler que, porque Deus é simples, Seus pensamentos não são seqüenciais, mas simultâneos (p. 87). Mais tarde,

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1 1 0  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Geisler aplica este conceito à relação entre presciência e predeterminação. Assim escreve ele: “Em outras palavras, não existe prioridade cronológica, ou lógica, de eleição e presciência. Sendo umSer simples, todos os atributos de Deus formam uma unidade comSua essência indivisível” (p. 91). Esta é a resposta de Geisler para o problema da relação existente entre a preordenação de Deuse Sua presciência. Ao invés de afirmar que Deus preordena aquilo que Ele pré-conhece (ou sabe com antecipação) — como afirmam muitos arminianos — ou que Deus pré-conhece porque Ele

 preordena, como afirmam muitos calvinistas, Geisler não escolhe nenhuma destas duas opções. Ele argumenta, baseado na sim

 plicidade de Deus, que a presciência e a preordenação são simultâneas, igualmente desligadas do tempo, porque Deus é eterno. Nenhuma das duas é, nem temporal nem logicamente, anterior à outra. Este conceito apresenta vários problemas.

O problema fundamental de Geisler deriva de sua compreensão dos atributos de Deus na medida em que se relacionam com

os atos de Deus. Dizer que Deus é simples significa que Seu Ser  não é divisível, não é formado de partes. Contudo, os pensamentos e atos mentais de Deus, como Seus decretos, Sua presciência,e assim por diante, não  são partes de Sua essência, ou de Seusatributos, como também Seus atos neste mundo, tais como o decriar e preservar o universo, não são partes de Sua essência, nemde Seus atributos. Geisler trata dos pensamentos de Deus como

 partes de Sua essência e /o u atributos, e visto que a essência deDeus é simples, Geisler conclui que os pensamentos de Deus nãodevem ser separáveis em partes seqüenciais. Este é um erro de primeira grandeza!

Ao avaliar os conceitos de Geisler, posso concordar que tudo quanto Deus sabe, Ele o sabe de vez, e sempre o soube, comotambém concordo que Deus preordenou tudo, todas as coisas, de

uma só vez. Entretanto, tais fatos são verdadeiros a respeito deDeus não em virtude de Sua simplicidade, mas por causa de Suaonisciência e vontade soberana. Contudo, afirmar que Deus possui este tipo de conhecimento não significa que Ele desconhece aseqüência lógica e as relações existentes entre os itens que Ele conhece. Mais ainda, a afirmação de que Deus preordena todas ascoisas simultaneamente não significa que não há ordem lógica na

quilo que Ele preordena. Por exemplo, Deus sempre soube queCristo haveria de nascer e que haveria de morrer. Mas, Ele enten

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 RÉPLICA DE JOHN FEINBERG 1 1 1

deu também que logicamente (tanto quanto cronologicamente) umdesses eventos deveria antecipar-se ao outro. Isto não significa queDeus conhecia um destes eventos antes de conhecer o outro. Significa, apenas, que ao saber  de ambos simultaneamente, Ele sabeo relacionamento lógico e cronológico entre os dois eventos. Alémdo mais, Deus preordenou ambos os eventos simultaneamente,mas isto não significa que Ele não reconheceu a questão lógica deque ninguém pode ser preordenado para morrer, se não foi preor-denado para nascer. Apresentar vindicações como as que acabei

de fazer só elimina a simplicidade de Deus, se a pessoa confundirSeu ser e Seus atributos com Seus atos (mentais).Vamos aplicar o que foi dito acima ao problema em foco. Se

a pessoa concorda que o ato de Deus de prever não precede tem-  poralmente Seu ato de preordenar, tal pessoa ainda pode perguntar acerca da relação lógica entre os atos de Deus de previsão e de preordenação, sem eliminar nada da simplicidade de Deus. Nou

tras palavras, é legítimo e muito im portante saber se Deus escolhe em função daquilo que Ele prevê, ou se Ele prevê porque preordenou. Parece que Geisler rejeita a primeira opção, mas ele nãoresponde nos termos da segunda. Na verdade, Geisler recusa-se aresponder à pergunta porque, argumenta, ficará comprometido eforçado a afirmar que há uma seqüência nos pensamentos deDeus, e segundo seu julgamento, isso elimina a simplicidade de

Deus. Entretanto, desde que se reconheça o erro de confundir-seos atos de Deus com Seus atributos, não deveria haver a menorhesitação na resposta à pergunta. No entanto, Geisler não lhe res ponde, embora seja de crucial importância para a compreensãototal da soberania de Deus e seu relacionamento com o livre-arbítrio humano. Conseqüentemente, o estudo de Geisler sobre arelação existente entre a presciência e o determinismo nada resol

ve, e ficamos imaginando se ele é arminiano/indeterminista oucalvinista / determinista.

O segundo grande problema diz respeito ao conceito de Geisler de liberdade. Ele opta pelo que denomina de autodeterminismo, mas sua perspectiva nada resolve no debate entre o determinismo e o indeterminismo. O problema básico é sua recusa a discutir um assunto-chave, e isso decorre da recusa a responder a duasquestões separadas. Trocando isto em miúdos, é preciso que se res ponda a estas duas perguntas: (1) qual é a causa de um ato? (2) queé i ? T d idéi d G i l f li

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1 1 2  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

a primeira pergunta, mas a segunda permanece ignorada. Geisler argumenta longa e pesadamente que é o agente que causa o ato;

certamente a maior parte dos deterministas, e todos os indetermi-nistas, concordariam com isto, porque a assertiva parece quase au-to-evidentemente verdadeira: Se eu ajo, sou a causa de minha ação.Entretanto, colocar toda a ênfase apenas nesse ponto não explica por que os deterministas e indeterministas, que concordam comGeisler nesse particular, discordam entre si quanto à noção de livre-arbítrio. A razão disso é que respondem à segunda pergunta

de maneiras diferentes. O indeterminista argumenta que aquilo quecausa o agente a agir não pode ser algo que decisivamente lhe faça dobrar a vontade. O determinista argumenta ao contrário. Geisler rejeita a questão (pp. 98-100).

A despeito das vindicações de Geisler, a questão não é absurda, mas crítica, no contexto geral da soberania de Deus e livre-arbítrio humano. Não é absurda, porque se alguém aponta aqui

lo que induziu o agente a agir da maneira como agiu, isto não significa que outra pessoa diferente, ou outra coisa, praticou  a ação.A ação ainda é ação do agente! Tal ponto é crucial para nossa discussão, porque sem uma resposta àquela pergunta, torna-se im

 possível ver como a soberania de Deus se relaciona com o livre-arbítrio humano. Será que Deus soberanamente faz que nós,  demodo determinado mas sem constrangimento, façamos aquilo que

Ele preordenou? Será que Ele faz que nós constrangidamente obedeçamos ao Seu mandar? Ou será que Ele Se recusa a exercer Seu poder a fim de certificar-Se de que escolheremos uma coisa ou outra? Sem respostas para estas perguntas, não saberemos que é quedeterminado teólogo pensa acerca da natureza do livre-arbítrio,ou sobre a relação existente entre a soberania de Deus e essa liberdade. Geisler deixa de lado tais questões, e enfatiza a causa do ato,

indiferente àquilo que causa o agente a agir e, assim, recusa-se essencialmente a responder à principal questão de que trata este livro. Neste volume oferecem-se três respostas. Cada uma delas é possível, independentemente de qual for aceita. Mas, desde que

„cada uma delas é possível, não há necessidade de chegarmos à conclusão de Geisler, que a resposta à pergunta: Como é que Deus pode determinar todas as coisas e não obstante manter a liberdade

humana, em última instância é um mistério.Em suma, embora haja inúmeros itens problemáticos no ar

tigo de Geisler a dificuldade fundamental reside na recusa a res

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 RÉPLICA DE JOHN FEINBERG 113

 ponder a duas questões: (1) Deus prevê porque Ele preordena, ouEle preordena porque prevê? (2) o agente age por causa de fato

res causais que de modo decisivo inclinam a vontade, ou age semquaisquer fatores que decisivamente inclinem sua vontade? A recusa de Geisler a responder a tais perguntas deriva de outros pro blemas que já abordei. O ponto-chave, contudo, é que sem umaresposta a estas questões torna-se impossível saber de que modoo teólogo concilia a soberania de Deus com a livre vontade humana. Por isso, embora o artigo de Geisler seja interessante, é pou

co útil na resolução de questões substanciais com respeito ao assunto diante de nós.

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Réplica de Bruce Reichenbach

 N O RM AN GEISLER D IZ QUE A H ARM ONIZAÇÃO DA SO-  berania divina com o livre-arbítrio humano é um mistério. Afirma

ele que, num mistério, temos duas ou mais verdades conhecidas, masnão sabemos de que maneira elas se entrosam.1Contudo, nãoobstante sua lógica consistente estar além da razão humana, noinfinito essas duas verdades são consistentes (para Deus).

Contudo, será que a soberania divina e o livre-arbítrio, da es-  pecialíssima maneira como Geisler os entende, poderiam ser considerados mistério, ou seriam, na verdade, inconsistentes? Antes de

responder a estas questões, verifiquemos primeiro o que é que Geisler diz a respeito do significado de cada um daqueles conceitos.Embora ele jamais defina a soberania, ele a caracteriza bem,

ao dizer que Deus controla tudo quanto vem a existir, e tudo quanto acontece, dirige o curso dos eventos, e determina tudo quanto

1 Geisler não afirma que estas duas verdades parecem (ou não) inconsistentes, embora aparentemente isto seja exigido, para que se tenha uma aura de mistério.

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116   PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBITRIO

ocorre e, efetivamente, faz que tudo aconteça. Determina diretamente as atividades humanas, isto é, age imediatamente sobre seres humanos como a causa primária das ações deles (p. 101).

Geisler caracteriza o livre-arbítrio de três maneiras. Um atolivre jamais é forçado, ou coagido. É um ato causado pelo agente(é autodeterminado). Fica bem implícito que a pessoa poderia teragido de maneira totalmente diferente.

Consideradas tais caracterizações, podemos agora perguntarse a soberania divina e a liberdade humana, como Geisler as vê, são realmente consistentes. A fim de explorarmos o conceito, apa

nhemos cada característica do livre-arbítrio e apliquemo-la a umexemplo que Geisler sugere, o de Judas traindo a Jesus. Comecemos com a afirmativa de Geisler de que os atos livres são autode-terminados. Diz ele que o ato de Judas de trair a Cristo foi ao mesmo tempo determinado por Deus (tudo quanto acontece é determinado por Deus) e um ato livre determinado por Judas, não poroutrem (autodeterminado). Contudo, tudo isto é contraditório. Se

o ato de traição é determinado por Judas e não por outrem, não pode ser determinado por Deus, e vice-versa.2Além disso, se a pessoa é livre, é capaz de agir de modo dife

rente, naqueles casos em que age livremente. Se a traição de Judas foi um ato livre, Judas poderia ter agido de modo diferente,

 poderia ter feito outra coisa. Poderia ter decidido não trair a Jesus. Contudo, desde que todos os acontecimentos foram determi

nados por Deus, de acordo com Seu plano eterno, o ato de traição era necessário, e Judas não poderia ter feito coisa diferente daque ele fez, porque, segundo nos diz Geisler, Deus executa Seus

 planos com total certeza (p. 93). Também isto é uma contradição. Se o ato era necessário, não poderia ter sido executado de maneira diferente de como aconteceu, e vice-versa.

Geisler replicaria que só parece contradição, porque fizemos

confusão com dois pontos de vista: o de Judas e o de Deus. Do ponto de vista de Judas, a traição não precisava ocorrer. Judas poderia não ter traído o Senhor. Do ponto de vista de Deus, a traição era necessária. Tinha sido determinada por Deus, e nenhum

2 É lógico que as outras duas opções são, igualmente, inaceitáveis para ele. Seo ato é parcialmente determinado por Deus e parcialmente por Judas, o ato  

não é só de Judas, não sendo ele o único responsável. A responsabilidade é compartilhada com Deus. Se a traição foi determinada por Deus, Judas não era livre.

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  117 

outro fato poderia ter acontecido em seu lugar. Será que isto funciona? Não, porque se Judas pudesse ter decidido não trair Jesus,

o fato de que sua decisão coincidiu com o plano atemporal de Deusfoi um acontecimento casual para Deus. Tal perspectiva deixa decorroborar o conceito de Geisler sobre a soberania divina, segundoa qual Deus é visto como supremo controlador de tudo, determinando com absoluta certeza todas as coisas. Por outro lado, se oato tinha de ocorrer, o fato de Judas ter desejado praticá-lo foi umacircunstância favorável. Para que as coisas corressem diferente

mente, presume-se que Deus deveria ter agido de alguma forma para concretizar a traição, visto fazer parte de Seu plano eterno.Aceita a posição de Geisler, Judas mantém sua liberdade para fazer o que bem entende, porém, apenas se suas decisões estiveremde acordo com o plano de Deus, o que não é liberdade, de modonenhum. Ele não poderia ter agido de maneira não consistentecom o plano determinado de Deus.

Voltemo-nos, agora, para a característica do livre-arbítrio quese relaciona à coerção. Ergue-se aqui, também, uma contradição,embora não tão óbvia. Por um lado, não há evidências de que Ju das foi coagido a trair. Foi algo que ele escolheu livremente. Entretanto, que é que Geisler tem em mente, quando afirma que Deusdeterminou que Judas traísse Jesus? Infelizmente, Geisler não define o que ele chama de determinar. Entretanto, em seu artigo, ele

iguala a autodeterminação com a autocausação (pp. 98-100). Seassim é, determinar significa causar, e se Deus determinou que Judas traísse a Jesus, Ele causou que Judas traísse a Jesus e, outravez temos uma contradição. Judas não foi coagido a agir, entretanto, Deus causou que Judas agisse da forma como agiu.

Mais uma vez Geisler poderia argumentar que entendemosmal sua posição. Ele poderia alegar que nossa crítica confunde-o

com aquilo que ele chama de determinista duro. Posteriormente,em seu artigo, ele sugere que, de acordo com seu determinismo suave, Deus determina porque Ele cria os agentes, e estes, por si mesmos, de modo inteiramente livre, decidem e causam as ações (pp.100, 101).

Contudo, esta caracterização não se enquadra em seu conceito de soberania divina. Se tudo quanto Deus faz é criar pessoas

livres, não faz sentido afirm ar que Deus determina, controla e dirige todas as ações. Se os agentes são livres, embora criados e sustentados por Deus, eles são responsáveis por seus atos, fato que

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118  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 poderia contrariar os planos e propósitos de Deus. Definitivamente não: Se Deus é quem determina, controla e dirige cada ação, nenhuma ação, então, poderá contrariar a determinação de Deus,

e, por esta razão, as ações não são o resultado do livre-arbítrio doagente.Geisler sugere que, embora nossas ações sejam determinadas

 por Deus, elas são livres porque nós desejamos ou quisemos praticá-las. Judas de fato desejou trair a Cristo. Contudo, isto não salvará sua posição, visto que querer ou desejar algo em si mesmoé um ato, um evento. Já que todos os eventos são controlados por

Deus, e por Ele determinados, o fato de Judas ter desejado dinheiro é, em si mesmo, um fato determinado ou controlado por Deus.Assim sendo, Judas não poderia ter querido ou desejado outra coisa senão a traição de Jesus.

Em suma, se Deus meramente determina que existam pessoaslivres, então tais pessoas podem autodeterminar suas ações e são, portanto, livres. Deus não pode controlar soberanamente as ações

das pessoas, no sentido que Ele pode garantir com certeza absoluta tudo quanto tais pessoas farão. Se, por outro lado, Deussoberanamente determina e controla cada ação, as pessoas não podem agir de maneira diferente daquela como agem e não são,

 portanto, livres. A posição de Geisler não constitui um verdadeiro e genuíno mistério; ao invés, envolve duas contradições.

Visto que a posição dele é autocontraditória, precisamos

manter suspeição sobre os argumentos que usa. Dois desses argumentos merecem escrutínio. Em primeiro lugar, alega Geisler queas ações de uma pessoa, uma vez praticadas, tornaram-se determinadas, embora à época em que a pessoa as praticou, fossem livres. Daí tira Geisler a conclusão de que “não existe contradiçãoentre um evento resultar de uma escolha totalmente livre e, ao mesmo tempo, ser totalmente determinado” (pp. 94,95). Contudo,

tal conclusão não é lógica, porque a ação não foi determinada à época em que foi praticada. Tornou-se determinada apenas apóster sido praticada. Tornou-se determinada no sentido que não podealterar-se desde que foi praticada.3 Portanto, o apelo de Geislerao fato de que as ações passadas já não podem mais ser alteradasé irrelevante para demonstrar que um ato pode ser, ao mesmo tem

 po, determinado e livre no mom ento em que fo i praticado.

3 Observe-se que a palavra determinado, aqui, tem um sentido diferente do uso que dela se fez anteriormente. Ela significa, aqui, imutável, ou inalterável.

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  119

 No segundo argumento (p. 91), Geisler alega que, em vistade Deus ser simples, todas as características de Deus formam umaunidade com Sua essência. Assim, as características de (pré) conhecimento e de (pré) determinação são uma unidade em Deus.4Em outras palavras, são coextensivas. Aquilo que Deus determina e aquilo que Ele conhece são coisas idênticas. Mas, não se pode concluir, a partir da simplicidade de Deus, que ambas as características têm o mesmo conteúdo. Por exemplo, a vontade deDeus é também um atributo essencial de Deus. Mas, se Geisler estiver correto, aquilo que Deus quer seria coextensivo daquilo queEle conhece e determina. Então, visto que Deus sabe tudo quanto fazemos, Ele quereria que praticássemos o mal, o que contradiz frontalmente a bondade de Deus, como também a distinçãoque Geisler posteriormente faz entre o decreto divino e o desejodivino.

Em suma, a posição de Geisler é contraditória, e os argumentos que ele usa para sustentá-la, defeituosos.

Finalmente, a posição de Geisler levaria Alfredo a preocupar-se ainda mais, com outros pensamentos. Em primeiro lugar, se ajudar aos outros é uma obrigação soberana, Alfredo poderá ficarimaginando por que é que Deus mesmo não se torna mais ativona tarefa de aliviar a sorte dos pobres. Afinal, segundo Geisler,Deus determina e controla cada acontecimento. Se as duas coisas,as riquezas de Alfredo e a pobreza das pessoas que estão morrendo de fome, vieram de Deus, é lógico esperar-se que o próprio Deusconsertasse a situação. Se Deus almeja o bem para todos, e quer 

4 Geisler cunhou a frase determina conhecedoramente e sabe determinadamen te, para explicar sua posição. Embora seja uma frase intrigante, que é que ela significa? Deus determina conhecedoramente é frase ambígua. Parece significar que Deus determina as coisas com base em Seu conhecimento, mas Seu 

conhecimento de quê? Em certo ponto, diz Geisler que é na base daquilo que Deus vê as pessoas fazendo (pp. 94,95). Entretanto, noutra parte Geisler re jeita o conhecimento como base para a determinação (pp. 91,92,100). Então, que é que significa determinar conhecedoramente, se o conhecimento não é a base? E que quer dizer conhecer determinadamente? Não pode significar o mesmo que na primeira frase, porque na primeira, o verbo  determinar refere-se aos atos de Deus, enquanto aqui refere-se ao conhecimento de Deus. Será que significa que o conhecimento de Deus está definitivamente estabelecido mediante aquilo que Ele quer? Então, o conhecimento dEle é daquilo que Ele quer, ou 

daquilo que Ele decide, sendo, pois, baseado de modo subjetivo, e não objetivo. Será que quer dizer que Deus conhece definitivamente e com certeza? Então, temos aqui uma tautologia, porque quanto Deus sabe, Ele sabe com cer

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1 2 0  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

que todos se salvem, e se Deus efetivamente atinge Seus objetivos,Alfredo poderia começar a duvidar da existência de Deus, ou danatureza de Deus, ou mais provavelmente, duvidaria da interpretação particular de Geisler quanto à soberania de Deus e o livre-arbítrio dos homens.

Geisler tenta evitar esta conclusão infeliz estabelecendo umadistinção entre o decreto de Deus e o desejo de Deus. O primeirodiz respeito à soberania de Deus. Ele decreta tudo. O último dizrespeito à bondade de Deus. Ele só almeja o bem. Mas, será queesta distinção funciona? Vejamos: bem no início do artigo foi-nosdito que Deus faz aquilo que Lhe agrada, e que nenhum plano dEleé frustrado. Se uma pessoa faz tudo quanto Lhe agrada, ela fazo que deseja fazer. E se Deus só deseja o bem, seria lógico concluir que daí só resultaria o bem. Então, de onde procede o mal?

Em segundo lugar, será que esta distinção faz sentido? Fazerum decreto é determinar que algo deverá ocorrer de certa maneira. Visto que o decreto de Deus faz parte de Sua soberania, cadaacontecimento deveria ocorrer e de fato ocorrerá conforme foi decretado. Mas, que é que um Deus de bondade haveria de decretar

 para acontecer? Certamente o que Ele decreta deve derivar tantode Seus desejos (porque de outra forma Ele agiria irracionalmente)como de Seu caráter moral (de ou tra forma Ele não seria bom).É impossível que Deus decrete algo que Ele não deseje, e que sejainconsistente com Sua bondade. Porém, se Deus é bom, e só almeja o que é bom, Ele só poderá decretar o que é bom, e não o bem e o mal. Se assim é, de onde então vem o mal, e o pecado?Como pode Maria perder o que de melhor Deus determinou para ela?

Geisler tenta evitar este problema fazendo uma distinção entrediferentes tipos de vontades de Deus: determinativa, permissivae providencial. Contudo, a primeira não faz sentido, a menos queas pessoas sejam livres, e é exatamente isto que verificamos ser im

 possível no conceito de Geisler. Quanto à segunda, de que maneiraum Deus que é soberano, segundo o conceito de Geisler, poderia permitir o pecado? Se Deus determina e controla todas as coisas,e Seus propósitos não podem ser frustrados, Deus não permitiria,na verdade Ele não pode permitir, uma coisa assim. Isto nos levaao terceiro tipo de vontade de Deus — e também ao determinismo duro que Geisler tentou evitar.

Alfredo teria sido justificado se duvidasse desta interpreta

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH  1 2 1

ção da soberania divina, um conceito que atribui a Deus suas riquezas, e a esse mesmo Deus, a pobreza e a fome dos necessitados; simultaneamente, segundo esse conceito, Alfredo, deverá esforçar-se para aliviar a fome dos pobres com seus bens. Maria nemacreditaria, quando lhe dissessem! Como pode um Deus, que lhe planejou o bem, determinar que ela perca o melhor que Ele mesmo planejou para ela? Alguma coisa não funciona bem: Não é asoberania de Deus, nem o livre-arbítrio. Acho que é a própria análise de Geisler!

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Réplica de Clark Pinnock 

A  BOA NOVA É QUE GEISLER , COMO R EICHEN BACH E  eu, defende um conceito forte da liberdade humana, e um conceitosuave da soberania divina. As pessoas escolhem livremente tudo

quanto fazem, até mesmo a importantíssima decisão de aceitar ounão a salvação. Deus nos criou com livre-arbítrio, e permite queo usemos. Geisler é arminiano.

A notícia ruim é que Geisler tenta combinar este conceito coma metafísica tomista, pondo o livre-arbítrio em sério perigo. Eue Reichenbach procedemos a algumas revisões no teísmo que sederiva de Agostinho, a fim de preservar o livre-arbítrio humano;

Geisler deixou de fazer isto, pondo nossa liberdade sob risco. ODeus de Geisler elimina o livre-arbítrio da mesma form a como ofaz o Deus de Edwards, com ligeira diferença.

Que diferença é essa? Geisler, seguindo seu mentor Tomás deAquino, associa idéias bíblicas e idéias gregas, numa síntese quetende a eliminar a contingência genuína. Pode-se tentar descobriro livre-arbítrio em tal contexto, porém, a realidade desse livre-ar

 bítrio se desvanece à medida que se percebem as implicações doteísmo tomista.

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124  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Primeiramente, segundo a teologia natural tomista, Deus precisa ser a base totalmente imutável do mundo contingente e cheiode mudanças. Embora isto possa servir como boa explicação para a existência do mundo, cria um problema sério quanto ao relacionamento de Deus com a história. Se Deus é imutável, isto é, seEle de modo nenhum pode mudar, de que maneira pode interagir com pessoas livres, a ponto de ser afetado por elas, como o afirma a Bíblia? Como pode Ele contemplar um cenário históricocambiante, sem correr o risco de aprender algo de novo? Ele pode fazer isso tão-somente se os acontecimentos não forem genui

namente contingentes e, assim, não puderem produzir novo conhecimento. O teísmo de Geisler está em guerra com sua dou trina acerca do livre-arbítrio humano.

Para ter livre-arbítrio, a pessoa precisa ter alternativas genuínas. Um indivíduo não pode ser culpado de roubo se ele não tinha outra escolha. Entretanto, de acordo com o teísmo de Geisler, a história inteira, até às mínimas minúcias, está toda fixada

e determinada na mente de Deus, não podendo ser mudada em absolutamente nada, nem por algo que eu ou você venhamos a fazer. A realidade temporal está solidificada, é imutável. Se houvessealguma novidade genuína nessa realidade, como resultado de açõesrealmente livres, a imutabilidade de Deus estaria arrasada. Portanto, não deve haver novidade e, assim, não deve haver livre-arbítrio. Geisler, à semelhança de Aquino, quer manter o bolo in

tacto e comê-lo, ao mesmo tempo. Isto não pode ser. Se Deus éimutável em todos os aspectos de Seu Ser, e sabe a história, não pode existir verdadeira liberdade. Se há contingência real e Deusa conhece, Deus não pode ser imutável em todos os aspectos. Afilosofia de Geisler se contradiz.

Em segundo lugar, Geisler tem esperança de que a difícil categoria da inexistência do tempo venha salvá-lo de seu dilema. Tal

vez, se dissermos que Deus independe do tempo, possamos mantertanto a soberania como o livre-arbítrio, a imutabilidade e a mudança. Oh! Nada ganharemos mediante este passe! Trazer o conceitode Platão sobre o tempo para os domínios da teologia apenas pioraas coisas. Por um lado, de que modo um Deus independentedo tempo deverá agir da maneira como o Deus bíblico age?Um ser abstraído do tempo não pode deliberar, nem antecipar,

nem lembrar-se. Não faz nada, não responde a nada. Não podehaver antes,  nem depois. Em suma, não pode haver o Agente di

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 RÉPLICA DE CLARK PINNOCK  125

vino a Quem amamos e adoramos. Pior ainda para a proposta deGeisler é o fato de que a abstração do tempo destrói as distinçõestemporais e elimina a novidade genuína resultante do livre-arbítrio.

É um mistério para mim que alguém possa supor que a abstraçãodo tempo o ajudaria a defender o livre-arbítrio humano. Seria maisfácil usar a abstração do tempo para condenar o livre-arbítrio. Asdecisões futuras são fixas, tanto quanto as decisões do passado, porque todas elas existem num presente, independente do tempo,em algum lugar. É melhor esquecer as alternativas genuínas exigidas pelo livre-arbítrio. A solução de Geisler é um a pseudo-so-

lução.Em terceiro lugar, a despeito de sua tentativa de resolver o

 problema mediante uma pseudo-explanação, a perspectiva deGeisler quanto à onisciência divina elimina seu próprio conceitode livre-arbítrio. Se Deus conhece a verdade a respeito do universo de modo absoluto, até a mínima minúcia, incluindo todas asdecisões que você e eu haveremos de tom ar no futuro, não pode

remos falar de um livre-arbítrio verdadeiro. O futuro deve ser inteiramente determinado, e nossas decisões já fixadas, e certas.Adeus livre-arbítrio, de nossa parte! Se Deus conhece o futuro atéas minúcias, aquilo que vai acontecer está fixo e é totalmente imutável. Obviamente, esta perspectiva tem implicações sobre a teo-dicéia também — ela perturba a defesa da assim cham ada liberdade de ação, de que dependem Agostinho e Tomás de Aquino.

Adão não poderia ter agido de outra forma, diferentemente de como agiu, se aceitarmos a onisciência nesse sentido forte. A queda em pecado era fato certo antes de Adão ter nascido.

Felizmente, conforme argumentei noutra parte, neste livro, aonisciência de Deus, ou completo conhecimento de todas as contingências futuras, não faz sentido nem é exigida pela Bíblia. Deussabe todas as coisas que podem ser conhecidas, tanto quanto po

de fazer tudo que pode ser feito. Mas, Ele não sabe aquilo que nãoé conhecível, e não pode fazer aquilo que não é factível. As futuras decisões a serem tomadas livremente não são conhecíveis pornenhum ser, pela simples razão que nada há ainda para ser conhecido. As decisões futuras são do futuro — não existem, em nenhumsentido, até serem tom adas e realizadas. Portanto, o fato de Deusnão conhecê-las não implica em deficiência na onisciência deDeus. Ele sabe tudo que é cognoscível. Fiz um estudo do conceito bíblico do conhecimento de Deus em meu artigo, e em minha

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126   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

réplica a Reichenbach. A Bíblia apresenta-nos um Deus que encara o futuro como sendo uma possibilidade aberta. Um poucodo futuro é determinado pelo que já aconteceu, mas, a maior partedele está aberta para a ação de Deus, e para o livre-arbítrio hum ano. Isto significa que podemos ser coparticipantes na determinação de tudo quanto vier a ocorrer.

Se Geisler quiser afirm ar a perspectiva do livre-arbítrio queele defende, precisará de um teísmo mais escriturístico e dinâmico. Sei que ele quer identificar o conceito tomista com o conceitoortodoxo, e colocar outras pessoas, como eu mesmo, que discordam dele, no limite extremo (ou mesmo fora dos limites) da verdadeira fé. Contudo, não podemos aceitar tal dogmatismo. O fato é que o teísmo de Geisler apresenta defeitos bíblicos e filosóficos. O modelo grego da divindade imutável adotado por ele nãoconcorda com o personalismo bíblico. O Deus da Bíblia é um Deusde amor que interage com Suas criaturas, numa situação cambian-te. A experiência que Ele tem do mundo é aberta, jamais fechada. Ele vai aprendendo sobre nossas decisões à medida que vãoacontecendo, não antes de acontecerem. O caráter de Deus permanece o mesmo, mas Sua experiência do mundo está aberta; está envolvido no contínuo fluxo de eventos. Filosoficamente falando, é impossível manter uma divindade estática comandando umuniverso dinâmico. Quando se tenta unir a metafísica grega à história da salvação hebraica, vê-se que “não grudam”.

O conselho de Geisler para Alfredo e Maria é perfeitamenteidôneo, porque Geisler não introduz nele o problema que seu teísmo cria, quanto ao livre-arbítrio das criaturas humanas. Ele acredita na liberdade das pessoas, e aconselha-as nessa base. Infelizmente para tais pessoas, a base teísta do aconselhamento de Geislerestá inçada de dificuldades, logo perceptíveis quando os aconse-lhandos refletem nesse teísmo. Todas as coisas acontecem exatamente da maneira como necessariamente devem acontecer, de modo que não há por que alimentar tais ansiedades.

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Deus Limita Seu Poder

Bruce Reichenbach

S QUEBRA-CABEÇAS SÃO M AGN ÉTICOS E ENIG-máticos ao mesmo tempo. Ficamos excitados ao contem plar todas aquelas peças de variados formatos, espalha

das por sobre a mesa. Não se pode olhar aquele acervo de peçasatiradas ao acaso, sem sentir uma compulsão para juntar algumas

delas em suas conexões próprias. E assim, acabamos “fisgados”,sentindo a obrigação de justapor “só mais uma pecinha”.Os quebra-cabeças também apresentam enigmas. Quando

compramos um deles, não consideramos meramente a beleza, ouarte, do desenho da caixa-embalagem, mas também o desafio queo brinquedo representa. Selecionamos quebra-cabeças com grandenúmero de peças, grandes áreas de colorações semelhantes, ou de

desenhos repetitivos. O quebra-cabeça apresenta um problema quecativa, desafia e, às vezes, frustra as pessoas. É óbvio que todasas peças devem encaixar-se com perfeição; o objetivo do jogo éconseguir encaixá-las.

O problema discutido neste livro é semelhante a um quebra-cabeça. É magnético e ao mesmo tempo enigmático. Teólogos, filósofos e crentes em geral têm sido atraídos constantemente para

o problema do relacionamento entre a soberania de Deus e o livre-arbítrio humano. Alguns tocaram de leve no problema; outros tra

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130  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

taram dele em profundidade, indo às minúcias. Tem sido objetode amarga disputa teológica, como por exemplo, entre Agostinho

e os pelagianos, entre calvinistas e arminianos. Cada erudito de-mora-se quanto pode sobre o quebra-cabeça, na esperança de encaixar “mais aquela pecinha” no conjunto. É possível que o leitor esteja nessa posição, afirmando que encostará este livro apóster dado atenção a só “mais uma perspectiva” do assunto.

O problema da soberania divina e do livre-arbítrio hum anotambém é enigmático. Até parece que não se trata de mero quebra-

cabeça, composto de várias peças diferentes, mas desconfia-se quetais peças não se encaixam bem entre si. Nas páginas seguintes, desejo verificar se podemos construir

um quadro completo, e coerente, juntando todas as peças. Estaschegaram até nós numa sacola, sem pelo menos uma foto do produto acabado. Só o Criador do quebra-cabeça conhece a soluçãodo enigma. Assim, limitados às peças soltas, desconjuntadas, ini

ciamos nossa tentativa de construir um todo unificado. Para alguns, nossa solução parecerá um tanto torcida, como se houvéssemos deixado de lado algumas peças, ou forçado outras a encaixar-se a muque. Outros dirão que fizemos um bom começo. Cada um decidirá por si mesmo.

Quais são as peças do quebra-cabeça? Penso que são seis: olivre-arbítrio humano, a soberania de Deus, a onipotência de Deus,

a onisciência de Deus, o relacionamento de Deus com o tempo,o envolvimento de Deus nas atividades dos homens (providência). Nas páginas que se seguem, desejo virar todas as peças m ostrando o anverso para cima, examinar detidamente cada uma delas,

 para verificar o que significam, pôr em jogo a genuinidade de cadauma delas do ponto de vista cristão, e apresentar minha sugestãosobre a maneira como tais peças se enquadram melhor num con

 junto.

O Livre-ArbítrioA primeira peça do quebra-cabeça diz respeito ao livre-arbítrio.Dizer que uma pessoa é livre é a mesma coisa que afirmar que, emface de determinadas circunstâncias, tal pessoa poderia ter agido(o verbo indica passado, de propósito) de maneira diferente da

quela como agiu. Ela não teria sido compelida a agir assim porcausas internas próprias (estrutura genética ou compulsões irresistíveis), nem externas (outras pessoas, Deus). Embora estejam

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 DEUS LIMITA SEU PODER 131

 presentes certas condições causais, as quais na verdade são necessárias a fim de que as pessoas tomem decisões ou ajam, se tais pes

soas são livres, essas condições causais não são suficientes paradeterminar-lhes as decisões e atos. O indivíduo é a condição suficiente para o curso de ação escolhido.

Vamos ilustrar este ponto. Suponhamos que haja um a fatiade bolo de nozes coberto com chocolate, à minha frente. Se soulivre, posso decidir entre comer e não comer o bolo, dadas as circunstâncias causais do momento. É natural que certas condições

 precisam estar presentes para que haja a possibilidade de eu vira comer o bolo: o bolo tem de ser de nozes, deve estar aqui, deveser apetitoso, devo ter uma boca, e assim por diante. Contudo, noscasos em que eu sou livre, embora o bolo de nozes esteja presente, e embora eu goste demais desse bolo, não é sua mera presença, nem minha especial predileção por nozes que causarão minhadecisão de comê-lo. Por outro lado, se houvesse algo em minha

constituição genética que me tornasse compulsória a ingestão de bolo de nozes, uma compulsão tal que a mera presença de umafatia desse bolo me levasse a devorá-lo, não importando qual fosseminha deliberação, nesse caso, então, eu não seria livre. De maneira semelhante, se houvesse alguém empurrando o bolo pela minha garganta dentro, ou de outra maneira qualquer, obrigando-me, ou coagindo-me a comer o bolo, eu não seria livre.

 Não estou descrevendo, nem advogando uma liberdade radical, em que nossas escolhas são feitas de modo completamente independente de condições causais, ou quando nenhum a restriçãoé impingida contra nós. Liberdade não significa ausência de influências externas ou internas. É preciso que o bolo esteja presente para que eu possa comê-lo. Ao invés, ser livre significa que as influências causais não determinam minha escolha ou ação. A li

 berdade é um conceito relativo, segundo nossa experiência: Há vários graus de liberdade. Contudo, quando somos livres, podemosfazer algo diferente daquilo que realmente fazemos, mesmo queseja extremamente difícil fazer essa mudança (como para mim édifícil resistir aos bolos de nozes).

Em segundo lugar, esta perspectiva de livre-arbítrio não significa que nossas escolhas são arbitrárias, nem que os atos que exe

cutamos são o produto do acaso. Freqüentemente há razões que podem ser apresentadas para explicar nossos atos, as quais variamq anto à lógica e ao apelo de q e se re estem mas sempre são ra

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132  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

zões. Podem incluir os objetivos almejados. Por exemplo, a com pra de um pão seria uma boa razão para eu ir à padaria. As razões poderiam incluir os gostos e aversões da pessoa. Por exem

 plo, eu compro uma taça de sorvete de creme russo, porque gostode creme russo. O fato de eu gostar de determinado tipo de sorvete não foi a causa de eu tê-lo comprado, embora fosse um fatorque influenciou minha decisão não apenas de comprar sorvete,mas aquele sabor particular, também. As pessoas livres podemaceitar razões lógicas e racionalmente persuasivas, ou podem re

 jeitar as razões mais óbvias, para aceitar outras. Seja qual for ocaso, a ação ou decisão pode ser explicada. Não é arbitrária pelasimples razão de ser tomada livremente.

Há dois tipos de evidências que sustentam o livre-arbítrio humano. Por um lado há a evidência universal, introspectiva. Sentimos que podemos tom ar decisões. Eu poderia ter escolhido ir aoclube, hoje, ao invés de trabalhar neste artigo; poderia ter pedido

sopa de tomate, ao invés de macarrão, na lanchonete. Entretanto, uma tom ada de decisão só faz sentido se pudermos, significativamente, escolher entre duas ou mais opções, se pudermos agirde maneiras diferentes.

O outro tipo de evidência é mais filosófico. As pessoas sãoessencialmente capazes de desempenhar atos que são certos ou errados (são chamados atos moralmente significativos), e tais pes

soas são responsáveis moralmente por seus atos. Contudo, paraque as pessoas possam ser responsabilizadas moralmente por suasações, precisam ser capazes de agir livremente, tom ando decisõesdiferentes. Para que determinada pessoa seja responsabilizada porum roubo, é preciso que tal pessoa tenha tido a possibilidade denão roubar, sob aquelas circunstâncias. Generalizando: se ser livre significa que poderíamos ter agido de maneira diferente da

quela como agimos, as pessoas precisam ser livres, então, a fimde poderem agir moralmente. É diferente o caso da pessoa que tevede agir coagida. Nenhuma pessoa é livre se um ato desempenhado por outra pessoa — humana ou divina — empurra-a para pensar, desejar ou agir de determinada maneira.

Verifica-se esta abordagem do comportamento moral em outra esfera. A lei faz distinção entre assassinar uma pessoa (o as

sassino poderia ter agido de maneira diferente) e matar uma pessoa (quando fatores relevantes, críticos, estavam além do controle da pessoa que mata, como quando um motorista não pode evi

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tar atropelar um a criança que surge correndo à sua frente, saindo dentre carros estacionados). Há também o caso da alegação

de insanidade mental, para desculpar pessoas que cometem assassinato. O que se discute não é se a pessoa cometeu ou não o ato.Discute-se se a pessoa o praticou livremente, ou se seu estado psicológico era de tal ordem que não poderia ter feito outra coisa senão matar.

As Escrituras não discutem o livre-arbítrio em si mesmo (em bora discutam-no em relação a outros aspectos de nossa vida, co

mo por exemplo, a lei e o pecado). Contudo, elas estão cheias deexemplos de decisões bem estudadas que pressupõem o livre-arbítrio. Na opção de Adão e Eva para obedecer ou não (Gên. 3);na apresentação que Moisés fez de opção semelhante para Israel(por exemplo, Êx. 32 e 33); no famoso discurso final de Josué,concernente ao serviço (Jos. 24); na apresentação que Jesus fez docaminho largo e do caminho estreito (Mat. 7:13,14), há apelos para

uma decisão bem ponderada. Além disso, como crentes, nós estamos sob certas obrigações morais, sendo a maior delas am ar aDeus acima de tudo, e ao nosso próximo como a nós mesmos. Entretanto, as ordens no sentido de agirmos adequadamente, e as sanções impostas à conduta inadequada, não fazem o mínimo sentido se as pessoas não têm livre-arbítrio. Deus coloca Suas determinações diante de nós; Ele nos criou livres, a fim de aceitá-las

ou rejeitá-las.

Soberania de DeusA segunda peça a ser montada em nosso quebra-cabeça denomina-se soberania divina. Soberania traz à memória o relacionamento político governamental. Implica em que há, pelo menos, dois ti pos de indivíduos: governo e governados, entre os quais paira um

relacionamento regido por leis. O governo, ou soberano, tem autoridade e poderes. A autoridade é legislativa ou executiva. Em seu papel legislativo, o soberano cria leis mediante as quais os governados se mantêm em ordem. O soberano pode criar leis básicas(por exemplo, redigir a constituição), ou pode emitir leis subseqüentes que apóiam determinadas leis anteriores (as quais poderiam ser denominadas leis secundárias, ou reguladoras). Em sua

função executiva, o soberano faz cumprir tais leis. O soberano tam bém possui poderes, limitados ou ilimitados. O relacionamentodo soberano com as leis fundamentais, e a fonte da autoridade des

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se soberano ajudam a determinar que tipo de poderes ele detém,quais são seus limites, e até que ponto podem ser exercidos. Se houver

um corpo orgânico de leis, os poderes do soberano são determinados e limitados por estas leis. Se os poderes do soberano derivam do voto dos governados, tais poderes serão, então, limitados pelos governados, cuja delegação de poderes poderá ser retiradasob certas circunstâncias. Historicamente, impostos e recrutamentos militares não autorizados são exemplos de tais circunstâncias.1

Ser soberano não significa que tudo quanto acontece está deacordo com a vontade do soberano, nem que este pode fazer acontecer qualquer coisa que deseje. A habilidade do soberano na determinação dos fatos depende, em parte, da liberdade concedidaaos governados. Se as pessoas submissas ao soberano tiverem li

 berdade, este poderá fazer que aconteçam algumas coisas. Porexemplo, o soberano não pode obrigar seus súditos a reconhece

rem livremente sua soberania. O soberano pode compelir seus súditos a inclinar-se em sua presença, porém, não pode compeli-losa inclinar-se livremente. Quanto mais liberdade o soberano conceder a seus súditos, menos poderá controlar o comportamentodeles, sem retirar-lhes a liberdade concedida. Ao conceder liberdade significativa a seus súditos, o soberano faz que seja possívelque sua autoridade e vontade enfrentem resistência. Se o sobera

no ordena a seus súditos que façam algo, sendo eles inteiramentelivres, poderão recusar-se a obedecer, embora, ao mesmo tempo,devam arcar com as conseqüências de sua desobediência. O soberano poderá exigir que seus súditos ajam como ele quer, mas aocusto elevado de outros aspectos de sua soberania. Por exemplo,se o soberano procurar eliminar certos males que resultaram diretamente da concessão da liberdade de expressão (por exemplo,

escrever e distribuir material pornográfico), ele poderia simultaneamente limitar de algum modo a disseminação de pensamentos e idéias.

Os crentes ortodoxos crêem que Deus é soberano; Ele exerceautoridade e poder sobre Sua criação. Encontramos afirmaçõesdisto tanto no Velho Testamento (1 Crôn. 29:11; Sal. 115:3) como

1 Soberania também tem conotações de excelência, de glória e majestade, que não são, contudo, parte da definição. Um soberano poderá ser supremamente cruel, mau, ou viver em pobreza e imundícia.

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no Novo (a parábola do dono de casa rico, de Mat. 20:1-6, e a analogia do oleiro, em Rom. 9:19-24). O alicerce da posição de Deus

não está num contrato social, mas no fato de ser Ele o criador emantenedor do universo. Deus fez todas as coisas e continua a sustentar o universo “pela palavra do Seu poder” (Heb. 1:3; veja-se,também, Neem. 9:6; Sal. 104:29; Col. 1:17). Uma noção elevadada soberania divina fundamenta-se num tipo de contrato social.Deus determinou que haveria de celebrar um pacto com certo povo. Todas as nações da terra haveriam de ser abençoadas através

daquele povo. Todas as leis desse estado teocrático eram de origem divina. Assim, a soberania divina era exercida mais diretamente sobre aqueles que se colocavam sob aquele pacto. Quando osisraelitas quiseram um rei mortal reinando sobre eles, de tal maneira que passariam a ser como as nações ao seu redor, Deus ex

 primiu Sua insatisfação, porque só Ele deveria ser rei em Israel(1 Sam. 8:7-9). A igreja, como o novo Israel, permanece num rela

cionamento semelhante quanto à soberania especial de Deus, sobo novo pacto (Gál. 6:15,16; Heb. 7:22).É preciso máxima clareza para distinguir um soberano de um

romancista. Este cria seus próprios personagens, o enredo, a am- bientação e o desenrolar da história. Todos os participantes da novela fazem exatamente aquilo que o autor determinou. Todos eles possuem traços predeterminados, não tendo existência à parte:são o produto do autor. O enredo encaminha-se inexoravelmente para o fim determinado pelo autor. Ocorre apenas aquilo que elequis que acontecesse, com precisão; não pode haver variação.

Deus, em Sua função de soberano, freqüentemente tem sidoconfundido com um autor de novelas. Tem-se afirmado que Deustem a habilidade privativa de determinar as pessoas que serão criadas, de que modo o serão, o que farão, o que falarão, qual será oenredo em detalhes, de que maneira os fatos acontecerão, e nãode modo geral, mas em particular, para cada indivíduo.

Entretanto, tal perspectiva da soberania divina dificilmente poderia considerar-se adequada. Sobre quem é Deus soberano? Segundo tal perspectiva, Ele não é soberano sobre criaturas que podem livremente reportar-se a Ele. Na verdade, neste cenário nãoexiste liberdade nenhuma. Como num romance fictício, os participantes, na melhor das hipóteses, exercem apenas um livre-arbítrio aparente ou ilusório. Pensam que são livres, e que suas escolhas realmente são suas. Na verdade, Deus já predeterminou que

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os personagens não poderão escolher senão de acordo com um padrão. Conseqüentemente, a criação transforma-se numa novelamuito bem coordenada, mas bastante enganadora, visto dar a ilu

são de livre-arbítrio, ao invés de ser a história da soberania divina sobre criaturas responsáveis, capazes de comunicar-se.

OnipotênciaA terceira peça do quebra-cabeça une-se à segunda, e é concernentea outro atributo que crentes ortodoxos atribuem a Deus, isto é, aonipotência. Literalmente, onipotente significa “todo poderoso”.

Costuma-se dizer que um ser onipotente é capaz de realizar qualquer coisa. Entretanto, há boas razões para não aceitarmos istocomo definição adequada de onipotência, visto que há certas coisas impossíveis para este ser — qualquer ser — realizar. Entretanto,tal incapacidade não impugna sua onipotência. Por exemplo, umser onipotente não poderia criar um círculo quadrado, nem causar que uma pessoa execute um ato livre. O primeiro caso é óbvio,

 porque a redondeza é logicamente incompatível com a figura quadrada. No segundo caso, semelhantemente, há uma contradição,visto que um ato não pode ser livre e, ao mesmo tempo, causado por outrem. Em suma, há coisas cuja natureza é absurda, ou auto-contraditória, que nem mesmo um ser onipotente pode realizar. Entretanto, tais impossibilidades não oneram a onipotência, porquedizem respeito a coisas que ninguém absolutamente pode fazer.

Conseqüentemente, pode-se afirmar que uma pessoa é oni potente se satisfizer duas condições: (1) puder realizar qualquerato que não seja contraditório, nem absurdo; e (2) nenhum ser commaior poder puder ser concebido.2

Embora as Escrituras não contenham uma declaração explícita concernente à onipotência de Deus3 nem discutam o assun

2 Quanto a uma análise mais minuciosa de onipotência, veja-se minha obra   Evil and a Good God   (New York: Fordham Univ. Press, 1982), cap. 8.3 O termo  shaddai  do Velho Testamento deve ser entendido como todo-  poderoso, ao invés de onipotente. De modo semelhante, o termo neotestamen- tário pantokrator ou “Senhor de todas as coisas” refere-se “não tanto às atividades de Deus na criação, mas principalmente à Sua supremacia sobre todas as coisas (contra poder sobre todas as coisas). A descrição é mais estática que dinâmica. Daí ter apenas uma conexão fraca com o conceito dogmático 

da onipotência divina, usualmente ligada à onicausalidade de Deus”. Gerhard Kittel, ed., Theological Dictionary o f the New Testament,  vol. 3 (Grand Ra- pids, Mich.: Eerdmans, 1965), p. 915. Veja-se, também, P.T. Geach, “Omnipo- tence ” Philosophy 48 (1973): 7 9

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to de maneira filosófica, há alguns versículos que parecem apoiara idéia de que Deus preenche a primeira condição para a onipotência. Por exemplo, “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus

 planos pode ser frustrado” (Jó 42:2) e “Tudo quanto aprouve aoSenhor, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os abismos” (Sal. 135:6).4 É menos claro se as Escrituras afirmam a segunda condição. Deus Se revela declarando que só Ele é Deus, eque não há outros deuses além dEle. Por exemplo: “Vede agoraque eu sou, eu somente, e mais nenhum Deus além de mim: eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro; e não há quem possa livrar

alguém da minha mão” (Deut. 32:39).5 Embora se mencione sim plesmente que não existe outro ser com mais poder (e visto queDeus é o eterno Eu sou, e sempre será), pode-se racionalmente estender a comparação feita com pretensos deuses a todos os seres possíveis. Não há outro ser, além de Iavé, que seja Deus, e jamaishaverá. Nenhum pretenso deus poderia jamais ser Deus, nem i-gualar-se a Deus. Em suma, um conceito justo do Deus bíblico se

ria que não existe outro ser semelhante a Ele, em poder, e além disso, não pode existir tal ser. Deus é onipotente.

A peça chamada onipotência possui um importante apêndice que a liga a outra peça, denominada livre-arbítrio humano. Emoutras palavras, não há inconsistência no fato de Deus limitar-Sea Si mesmo, ou limitar Suas atividades. De modo particular, DeusSe limita ao criar indivíduos que são livres. Deus não pode con

trolar-nos, ou compelir-nos a agir de modo a estarmos de acordocom Sua vontade ou com Seus planos, sem, com isso, destruir nossa liberdade. Se Deus nos criou livres, a fim de decidirmos por nósmesmos que O amaremos e O serviremos, Ele não poderá causarque ajamos assim. Depende exclusivamente de nós aceitarmos ourejeitarmos Sua graça, que nos é oferecida pelo ato redentor deCristo. Não somos ferramentas que Deus manipula, ou que ou

tras pessoas manipulam, para atingir Seus objetivos. Ao invés, somos seres conscientes que precisam ser persuadidos a viver de acordo com a vontade de Deus, e de acordo com Suas ordens, mas livremente.

Isto não quer dizer que Deus (ou um ser humano) jamais deveria compelir ou coagir outros a agir; que o relacionamento que

4 Veja-se, também, Gên. 18:14; Sal. 115:3; Jer. 32:27; e Mat. 19:26.s Veja-se, também, Deut. 4:35, 39; Is. 43:11; 44:8; 45:5-7.

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temos com os outros não pode jamais limitar, restringir ou mesmo negar o livre-arbítrio dos outros. Às vezes, Deus restringe olivre-arbítrio humano. Por exemplo, quando libertou Pedro da pri

são, Ele restringiu a liberdade do carcereiro. De modo semelhante, restringimos a liberdade de outras pessoas. Quando fecho a porta da sala, restrinjo a movimentação de minha filhinha Raquel,de dois anos. Contudo, quando as pessoas precisam ser manipuladas, ou restringidas (por exemplo, quando precisamos restringir à força, certa pessoa, para que não fira alguém), é preciso reconhecer que tal manipulação e interferência podem destruir a per

sonalidade do indivíduo. Assim, as interferências que restringema liberdade humana não podem ser apoiadas sem que haja umarazão justa e uma causa boa. Por outro lado, as interferências quechegam a remover totalmente a liberdade moral, significativa, aliberdade de tomarmos nossas próprias decisões morais, são totalmente inaceitáveis, porque promovem a desumanização do serhumano. A humanização integral e o crescimento moral só ocor

rem quando existe liberdade.6

OnisciênciaA quarta peça do quebra-cabeça é a onisciência de Deus. Ser onisciente é saber toda a verdade. Dependendo do particular relacionam ento de Deus com o tempo, este conhecimento é concorrente(simultâneo) com todos os eventos (se Deus transcende o tempo,

ou independe do tempo) ou anterior aos eventos (se Deus estiverno tempo, experimentando a duração, ou a seqüência temporal). Neste último caso — que é aquele que discutirei — faz sentido fa-lar-se da presciência de Deus, isto é, que Deus sabe de um acontecimento antes mesmo que aconteça.

A onisciência de Deus está belamente descrita no Salmo 139.O salmista escreve que Deus sabe todas as coisas concernentes àsua pessoa, desde quando estava no útero de sua mãe, até seus pensamentos, antes mesmo de serem formulados. O salmista não poderefugir deste conhecimento — fugas, escuridão, nem mesmo amorte podem interferir nele. “Tal conhecimento”, confessa o salmista, “é maravilhoso demais para mim!’

Algumas pessoas têm afirmado que a onisciência, interpre

6 Quanto a uma discussão sobre por que a autolimitação não compromete a onipotência de Deus, veja-se minha obra Evil and a Good God,  pp. 165-168.

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tada no sentido de presciência, é incompatível com o livre-arbítriohumano. Argumenta-se que visto que Deus em todas as épocas sa be toda a verdade, Ele conhece nossas decisões e ações antes que

ocorram. Mas, se Deus conhece o que vai acontecer antes queaconteça, aquilo que acontece não é diferente daquilo que Deussabe. De outra forma, Deus saberia falsidades, o que é impossível, porque contradiz Sua onisciência. Todavia, se não podemosfazer outra coisa senão aquilo que Deus sabe, então não somoslivres.

Argumentar nesta linha é confundir a ordem das causas (que

é que faz acontecer um fato) com a ordem do conhecimento (a basesobre a qual chegamos a saber algo). Deus conhece o evento emsi. Assim sendo, Deus saberá o evento se, e apenas se, esse eventoocorrer. Isto é, Deus terá certa crença a respeito de um evento se,e apenas se, tal evento realmente ocorrer. Deus acredita que o evento ocorre porque o evento realmente ocorre (num sentido não-cau-sal, relacionado com nosso conhecimento). Contudo, não podemos inverter as coisas, e fazer o evento depender do conhecimento que Deus tem desse evento, como faz meu oponente, que diz quea presciência de Deus determina o fato. Na verdade, a presciênciadepende do acontecimento, e não vice-versa. Por exemplo, Deuscrê que eu escrevo esta sentença porque é verdade que eu a escrevo. É verdade que eu a escrevo por causa do fato que eu a escrevo. Num sentido trivial, é verdade que se Deus crê que eu a escreverei, então eu a escreverei mesmo. Contudo, o conhecimento deDeus não causa o fato de eu escrever. Ao invés disso, o fato de euescrever, faz com que seja verdadeira a crença de Deus em que euescreverei. Em suma, devemos ter cuidado para não confundir ascondições que provêem a base de nosso conhecimento daquilo queacontece, com as condições que causam o fato vir a acontecer. Sa ber que algo é verdade não faz com que o evento aconteça.

Podemos discutir este argumento de outra maneira. O oponente argumenta que ninguém tem o poder de agir, de tal formaa fazer que o passado seja diferente do que foi. Embora isto sejaverdade num sentido não-relacional — não se pode alterar fatosdo passado que não tenham relação intrínseca com o presente —não é verdade num sentido relacionai. Por exemplo, eu tenho o poder de agir de tal modo que Martinho Lutero nasça exatamente502 anos antes de eu escrever este parágrafo, ao escrevê-lo em 10de novembro de 1985. Também tenho o poder de agir de tal mo

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do que Martinho Lutero não tenha nascido exatamente 502 anosantes de eu escrever isto, mediante um atraso de minha parte. Tenho, aqui, o poder de agir de modo que o passado fique diferen

te, porque aquilo que faço acontecer relaciona-se dependentementedo presente. É evidente que meu poder é limitado. Não tenho o poder de agir de tal maneira que, ao escrever este parágrafo agora,Martinho Lutero tenha descido na Lua 502 anos antes de eu escrever. Meu poder relaciona-se àquela parte dos fatos que me concernem. É isto que está envolvido com respeito à presciência deDeus. Aquilo que Deus sabe a respeito dos atos de uma pessoa de

 pende relacionalmente daquilo que a pessoa (que é objeto da presciência) faz. Assim, neste sentido relacionai, uma pessoa tem o poder de agir de tal maneira que o passado é como ele se apresenta,isto é, Deus verdadeiramente crê em algo concernente ao presente. Conseqüentemente, não existe contradição entre meu livre-arbítrio humano e a presciência divina.

Linhas atrás fizemos uma distinção entre Deus como o so

 berano criador, e Deus como um romancista. Tal distinção tam bém tem relevância aqui. Freqüentemente se afirma que Deus prevêtudo que eventualmente poderia ter acontecido, e todos os indivíduos que poderiam eventualmente ter existido e, com base neste conhecimento, pode decidir criar um mundo em que tudo se harmoniza, e onde Seus propósitos e intenções são realizados.

É bem verdade que o romancista possui este tipo de conhe

cimento. Ele sabe o que faria cada um de seus personagens, emcada situação. Mas, isto ocorre porque seus personagens não têmlivre-arbítrio; o que eles “escolherem” terá sido previamente determinado pelo autor. Contudo, Deus não é um romancista de nossa história. Embora conheça todas as verdades, inclusive as verdades a respeito do que as pessoas livres escolhem, Ele não sabeo que as pessoas livres escolheriam se as condições fossem dife

rentes das condições reais, nem que escolhas seriam feitas por indivíduos que poderiam ter existido, mas que jam ais existiram. Arazão disto é que as declarações acerca do que as pessoas decidiriam fazer sob determinadas condições que jamais existiram (asquais são denominadas condicionais contrafactuais do livre-ar bítrio) não são verdadeiras. Por exemplo, não há meios de se sa ber se eu teria ido almoçar no Restaurante do Jorge, se eu tivesse

ido a São Paulo hoje. Visto que eu não fui a São Paulo, ninguém pode dizer qual teria sido minha decisão, embora pudesse fazer 

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conjecturas sobre onde eu teria ido almoçar, com base em meu caráter ou em decisões passadas. Entretanto, a fim de que possam

fazer parte da presciência de Deus, as condicionais contrafactuaisdo livre-arbítrio devem ser verdadeiras. N ão são verdadeiras pornão corresponderem àquilo que verdadeiramente acontece, porque, como contrafactuais, descrevem fatos que jamais acontecerão. Na verdade, não fui a São Paulo, nem almocei no restaurante do Jorge. Visto que decisões desse tipo jamais serão tomadas por pessoas reais, as quais jamais existirão a fim de tom ar essas

decisões, tais fatos deixam de pertencer à presciência de Deus.Tampouco são verdadeiras por decorrerem necessariamente de determinadas condições, porque isto é inconsistente com o fato deserem acerca de escolhas ou ações livres e factíveis. Tampouco sãoverdadeiras porque corresponderiam (ou se seguiriam) ao própriocaráter ou intenções da pessoa, porque uma pessoa livre pode agirindependentemente de seu caráter, ou mudar suas intenções; se ti

vesse ido a São Paulo, poderia não ter tido grande apetite para comer um bom bife, e teria preferido, talvez, um lanche no MacDo-nald’s. Em suma, o conhecimento de Deus a respeito dos caracteres de Sua criação não constitui paralelo ao conhecimento doromancista, porque as condicionais contrafactuais concernentesa ações livres de pessoas que existem, ou de pessoas simplesmente “possíveis”, não podem ser verdadeiras e, daí, não podem fazer parte da presciência de Deus.

Isto significa o seguinte: Imagine um quadro que mostra Deussentado nos céus, sabendo não apenas o que vai acontecer, mastambém, como teriam sido as coisas se as pessoas houvessem tomado outras decisões, diferentes das que realmente tomaram, ouse existissem outras pessoas (que jamais existiram); tal quadro écompletamente errado. Ao conceder-nos livre-arbítrio, Deus tam bém nos concedeu a habilidade de reagir às diferentes possibilidades, e Ele sabe o que vai acontecer. Entretanto, Ele não sabe,nem pode saber, que é que teria acontecido se houvéssemos agido de maneira diferente daquela como agimos de fato. Isto significa que Deus não sabe que decisões você tomaria am anhã se ho

 je você houvesse agido de modo diferente. Isto não ocorre porqueDeus é limitado, mas porque não há maneira de determinar-se oque teria acontecido. A verdade dos fatos não ocorridos não pode ser aquilatada.

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Deus e o TempoA quinta peça do quebra-cabeça liga-se à peça chamada onisciência, e relaciona-se a Deus em face do tempo. Deus não pode sero tipo de Ser que entra e sai da existência. Ele é essencialmente eterno. Contudo, de que maneira haveremos de entender essa eternidade? Na história da teologia cristã, tem-se entendido a eternidadede duas maneiras. Alguns têm entendido que Deus existe fora dotempo, e que Ele jamais experimenta duração. Outros, todavia,crêem que Deus existe no tempo, experimentando duração interminável, isto é, a existência de Deus estende-se indefinidamente

 para trás e para a frente, no tempo.A perspectiva de que Deus não tem duração (abstrai-se do

tempo) entrou na teologia cristã a partir do pensamento grego. Introduziu-se porque alguns eruditos julgavam-na mais consistente com o fato de ser Deus imutável e perfeito. Visto que a mudança exige que o objeto que está mudando seja diferente em dois momentos do tempo, um ser independente do tempo é incapaz de mu

dar. Isto se aplica não somente à natureza de Deus fora do tempo(em que nenhum de Seus atributos essenciais pode ser alterado,ou perder-se) mas, a todos os Seus atributos. Podemos chamar istode imutabilidade máxima.

Entretanto, este Deus que Se abstrai do tempo é o Deus da filosofia grega, não da Bíblia. As ações produtivas são necessariamente dependentes do tempo, e seqüenciais. Há uma época, an

teriormente ao evento causativo, em que a pessoa ainda não havia agido a fim de produzir um efeito, e há uma época subseqüente,em que a pessoa age para produzi-lo. De outra forma, não se pode explicar a produção de um efeito num dado tempo. Conseqüentemente, a imutabilidade máxima e a total abstração do tempo sãoatributos incompatíveis com um ser que é produtivo.7 O Deus ju-deu-cristão é produtivo, tanto em termos de Sua criação original

como de Sua atividade criativa contínua. Numa determinada época, Ele fez surgir o universo pela Sua palavra. Ele continua a tra

 balhar criadoramente nesse mundo mediante atividades que denominamos de miraculosas. De modo particular, Ele responde às petições de Seu povo, uma ação necessariamente seqüencial, visto que Ele age após as petições. Ele também Se revela, e a Sua von

7 Nelson Pike, God and Timelessness  (New York, Shocken Books, 1970) pp. 104-110.

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tade, de modo seqüencial (Ef. 3:1-12). De form a importantíssimaisto mesmo ocorreu quando Deus Se encarnou num tempo determinado (Gál. 4:4), isto é, no tempo certo.

Além do mais, um Deus abstraído do tempo é incompatívelcom a descrição escriturística de alguns atos mentais de Deus.8Çonsideremos apenas um exemplo: as Escrituras declaram queDeus Se lembra de nossos pecados, ou esquece-os (Sal. 25:7; 79:8;86:5; Luc. 11:4). Ou, para dizê-lo de maneira mais teológica, a redenção conseguida por Cristo altera nossa posição diante de Deus,de tal maneira que, embora em certa ocasião nos considerasse pe

cadores, agora Ele não o faz (Rom. 5:8,9). Contudo, lembrar-seou esquecer-se e perdoar, são atos sem sentido se a pessoa que selembra, ou se esquece e perdoa não experimenta o que seja antes e depois.

Alguém poderia argumentar, naturalmente, que tal linguagemcontém antropomorfismos, ou analogias. Entretanto, se se tratade antropomorfismo, sobra pouquíssimo na revelação para infor

mar-nos a respeito do caráter de Deus, visto que a maior parte dosatributos que as Escrituras atribuem a Deus relacionam-se como tempo. Se se tra ta de analogias, alguém deverá mostrar-nos queDeus e os seres humanos não compartilham o aspecto temporalda analogia. Contudo, não existe uma boa razão para esta mudança, visto que os atributos temporais que não podem ser facilmenteremovidos encontram-se em outros contextos. Por exemplo, Deus

não poderia ter presciência de um evento num ponto do tempo queantecedesse sua ocorrência (Rom. 8:29), nem poderia ter-nos escolhido antes da fundação do m undo (Ef. 1:4), se Ele não existisse no tempo. Mas, o mais importante de tudo isto é que nos parece inteiramente impossível que se possa eliminar o aspecto tem poral de Deus, sem que se altere o significado essencial dos termos usados para descrevê-lO. Que poderia significar, então, porexemplo, que Deus Se lembra, perdoa, ou Se revela a menos que

8 Um Deus que Se abstrai do tempo é capaz de saber toda a verdade, e tudo quanto acontece, porque o ato de conhecer não é, essencialmente, um ato orientado para o tempo. É evidente que conhecer algo pode ser um fato localizável no tempo: Por exemplo, uma pessoa pode dizer que eu sei algo hoje, embora 

não o soubesse ontem. Contudo, o saber não é essencialmente orientado quanto ao tempo. Entretanto, outros atos mentais que as Escrituras atribuem a Deus são essencialmente orientados para o tempo.

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Deus, à semelhança de quem se lembra, se esquece ou se revela,experimenta a duração seqüencial?

Em suma, a total abstração do tempo é inconsistente com oDeus escriturístico. Deus, soberana e providencialmente, intervémna natureza e nas atividades humanas, e esta intervenção é seqüencial.

Que se dirá, então, da imutabilidade de Deus? Será que estadoutrina deve ser negada por alguém que acredita que Deus ex

 perimenta a duração? Não o creio. Deus é imutável, mas Sua imutabilidade deve ser entendida corretamente. Por um lado, Deus éimutável em Sua natureza e caráter básicos. Ele era, é e será umEspírito divino, eternamente existente, onisciente, bom, misericordioso, amoroso e justo (Sal. 102:27; Tiago 1:17). Visto que Ele jamais muda de caráter, pode-se confiar nEle (Mal. 3:6).

Por outro lado, Deus muda em Sua natureza conseqüente; istosignifica que Deus muda pela maneira como estes atributos divinos se manifestam no mundo. Deus está em relacionamento constante e criativo com o mundo. Interage com indivíduos livres aquem criou, a fim de manter Seu senhorio sobre esse mundo. Assim, à medida que o mundo e as pessoas mudam em relação a simesmos, e entre si e Deus, assim também Deus muda em relaçãoa eles. Com respeito à Sua onipotência, Deus voluntariamente limitou Seu poder quando criou criaturas livres. No que concerneao amor, Ele demonstrou isto de várias maneiras, em diversas épocas, às vezes mediante a piedade (Joel 2:18; Sal. 103:13; Is. 63:9),às vezes mediante a disciplina (Sal. 118:18; Heb. 12:6), e às vezes,mediante bênçãos (Sal. 23:5). Com respeito aos Seus propósitos,

 permanecem os mesmos em essência, embora quanto às minúciase à maneira como Deus opera para realizá-los, Ele esteja em constante diálogo com as pessoas a quem procura persuadir, a fim deque transformem Seus objetivos em realidade, aqui na terra. Vamos mencionar apenas dois exemplos. Em várias ocasiões, Deusarrependeu-Se da ação punitiva que havia decidido executar contra Seu povo, porque este não obedecera à Sua orientação, e re

 jeitara Sua direção. Em tais casos, Deus escolheu outros veículos para realizar Seus planos (1 Sam. 15-16). Em outros casos, Deusdeterminou que tomaria algumas decisões retributivas. Porém,quando os transgressores se arrependem, Deus exprime Sua tris

teza por ter pensado em puni-los, e assim perdoa aos que se arre pendem (Êx. 32:12, 14; Sal. 106:45; Jon. 3:10).

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 DEUS LIM ITA SEU PODER 145

Em tudo isto, as Escrituras revelam um Deus imutável em Seucaráter, envolvido dinamicamente na criação, procurando execu

tar Seus planos e propósitos. Ele persuade, pune, recompensa, promove pactos e novas alianças, tudo isto para realizar Seus objetivos. Estas coisas todas nos unem, de certa forma, à últim a peçade nosso quebra-cabeça: a providência de Deus. Vamos discuti-la em seguida.

Providência

Originalmente, providência queria dizer “prever”. Entretanto, aplicada a Deus, a providência refere-se à Sua orientação e cuidadoquanto à criação. A providência divina inclui dois aspectos. Deum lado, envolve a sabedoria de Deus revelada em Seus planos e propósitos, mediante a qual Ele nos dirige para aquilo que é bom para nós. De outro lado, refere-se ao poder de Deus, pelo qual Eletenta executar Seus propósitos, mediante Suas ações no cosmos

e, de modo especial, nas atividades dos homens.Contudo, quando dizemos simplesmente que Deus tem pro pósitos e planos, nada dizemos sobre o escopo desses objetivos.(Será que cada minúcia da história humana, e de nossa experiência, teve um propósito, ou constitui parte desses objetivos?) De modo semelhante, nada dizemos sobre o governo, ou o modo peloqual estes propósitos e planos serão executados (por exemplo: Será

que Deus os realizará de modo direto, ou indireto?) Nada dizemos,tampouco, sobre se os propósitos serão necessariamente realizados (ou se os propósitos de Deus'podem ser frustrados). E nadadizemos, ainda, sobre se Deus pode alterar Seus planos a fim delevar em conta determinados fatores. A resposta a estas questõessolucionará o quebra-cabeça.

As Escrituras nos revelam que Deus tem propósitos que envolvem tanto o universo, no todo, como também as pessoas, individualmente. Quanto ao cosmos, Deus pretende unificar todasas coisas nos céus e na terra, em Cristo (Ef. 1:10). Quanto aos seres humanos, Ele deseja que todos se salvem (2 Ped. 3:9), de maneira a ficarem semelhantes a Cristo (Rom. 8:29), para que Ele possa “mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza de Sua graça,em bondade para conosco” (Ef. 2:7). Ele tem propósitos e vocações especiais para certas pessoas. Jeremias foi escolhido como profeta a fim de comunicar a palavra do Senhor (Jer. 1:5-9); Paulo havia sido escolhido para ser mensageiro de Deus aos gentios

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(At. 9:15-16); Pedro foi escolhido para pastorear o rebanho de Cristo (João 21:15-17). Deus também tem intenções ou propósitos paragrupos de indivíduos, para nações e para Sua igreja. Por exemplo,

Ele pretende trazer os gentios para a família de Deus, a fim de serem co-herdeiros juntamente com Israel (Ef. 2).Para concretizar Seus propósitos, Deus estabelece certos pla

nos de ação, os quais podem envolver pessoas individualizadas,ou nações. Através de Abraão, Ele pretendeu formar uma naçãomediante a qual todas as nações seriam abençoadas (Gên. 12:1-3).Deus providenciou, através de Faraó, a libertação de Israel do ca

tiveiro (Êx. 9:16); através de Nabucodonosor e dos babilônios, puniu Judá por ter este povo abandonado a Deus; e através de Ciro,restaurou a Israel, levando-o à sua terra (Is. 44:28). Deus encarnou-Se a fim de redimir a humanidade e destruir as obras do diabo(1 João 3:8).

Pode-se ver, nestas ações, a atuação direta e indireta de Deus.Por um lado, Deus freqüentemente trabalha mediante as leis na

turais que Ele mesmo estabeleceu para Sua criação. Às vezes, Eleopera (e tem poder para isto) de maneiras que se superpõem às leisnaturais. Entretanto, se Deus consistentemente estivesse interrom

 pendo tais leis naturais, o mundo logo se tornaria um caos, no quala ação moral humana seria impossível. Sem a regularidade e a ordem, não poderíamos planejar nem calcular racionalmente asações que deveríamos executar, a fim de atingir nossos objetivos.

Seria impossível predizer os resultados de nossas ações, e de outras pessoas. Suponhamos que estamos vendo uma pessoa numlago, gritando por socorro. Devemos agir? Se sim, de que maneira? Se não houvesse leis naturais, ou se tais leis fossem freqüentemente violadas pela intervenção divina (e direta) não saberíamosse deveríamos ou não pular na água para tentar salvar a pessoa. Não saberíamos se a pessoa se afogaria ou não naquele lago, se

ela seria capaz ou não de erguer-se e caminhar por sobre as águas,ou se ela flutuaria como uma rolha. Como deveríamos agir depende de como podemos agir, e como podemos agir depende de nosso conhecimento. Neste caso, depende de nosso conhecimento das propriedades naturais da água e como se relacionam com o cor po humano. Contudo, sem este tipo de conhecimento, nossa pró pria atividade moral se torna impossível. Embora isto não signi

fique que Deus não pode agir diretamente sobre a natureza, certamente significa que Deus não pode agir de maneira que redun

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 DEUS LIM ITA SEU PODER 147 

daria na destruição da ordem natural e, conseqüentemente, emnossa própria incapacidade para agir de modo racional, prudente e moral. Isto seria um indício de que Deus age, em geral, através da natureza e suas leis, a fim de executar Seus propósitos.

Deus também Se envolve direta e indiretamente nos assuntoshumanos. Exatamente como nós fazemos, Deus também às vezescompele as pessoas a agirem de determ inada maneira, limitandoa importantíssima liberdade moral de tais pessoas, isto é, pareceque Deus, nesses casos, intervém diretamente. Por exemplo, Êxodo registra que Deus endureceu o coração de Faraó (9:12), embora não fique bem claro se aqui houve uma ação direta de Deus,ou se se trata da conseqüência indireta das decisões anteriores deFaraó. Entretanto, não se pode crer que Deus sempre opera diretamente a fim de atingir Seus objetivos. Fazer isto seria equivalente a eliminar a liberdade humana, o que tornaria impossível para nós achegarmo-nos a Ele de boa mente em amor e, com a ajuda do Espírito Santo, escolher o bem por nós mesmos. É atravésda persuasão que as intenções de Deus se concretizam, na m aioria das vezes, visto que a persuasão é bem consistente com o livre-arbítrio humano, e com o desenvolvimento moral e espiritual queela mesma induz. Deus nos chama, nos seduz, nos estimula, nosdisciplina, nos inspira e nos ama. É assim que temos a história contada por Jesus, a parábola do fazendeiro que continuamente envia mensageiros e, finalmente, envia seu próprio filho, a fim de persuadir seus arrendatários a fazerem sua vontade. É claro que, nofim, o próprio fazendeiro vem julgar os arrendatários. Mas, o ju lgamento se faz quanto ao fato de terem sido livres na maneira detratar seus mensageiros.

Deus é soberano, não um romancista. Ele não determina, nemfaz acontecer todas as coisas; os propósitos dEle são gerais e aomesmo tempo específicos, porém não incluem todas as minúciasda existência humana.9 Ele não apenas opera através de Suas leis

9 As implicações disto para a experiência humana quanto à dor e ao sofrimento são significativas. Embora Deus nos permita sentir dor e sofrimento, isto  é, embora nem sempre intervenha a fim de prevenir o mal, isto não significa que Deus determinou, ou pretendeu, que o sofrêssemos. Quanto aos males mo rais, este conceito significa que embora Deus permita que cometamos males  

morais, e nos tenha concedido livre-arbítrio mediante o qual possamos escolher dentre o bem e o mal, Ele não planejou que viéssemos a usar rrlal nossa  liberdade a fim de pecar. Com respeito aos males naturais, isto significa que

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naturais, criadas por Ele mesmo, como também (e isto é sumamente importante) Ele confiou Seu programa, em parte pelo menos,às pessoas. Isto significa, naturalmente, que às vezes os planos e

 propósitos de Deus são frustrados. Antes do grande dilúvio, Deusexpressou exasperação em face daquilo em que a humanidade sehavia tornado, e se propôs a reiniciar tudo outra vez, senão no to do, pelo menos através da linhagem de Noé (Gên. 6:5-8). O rei Sauldemonstrou que era desobediente, desacatando as ordens divinas,e Deus determinou que estabeleceria nova linhagem, começandocom Davi (1 Sam. 15 e 16). Até mesmo o propósito último de Deus,

que todas as pessoas O reconheçam como Senhor, parece irreali-zável. Deus está tom ando providências para a separação das ovelhas e dos cabritos, e para uma espécie de julgamento final queimplica na separação eterna de Sua presença (Mat. 25:31-46; 2 Tess.1:7-9). Estas passagens, e muitas outras mais, sugerem que os pro

 pósitos imediatos de Deus, bem como Seus planos, nem sempresão executados e realizados, porque Ele os confiou a mãos hum a

nas. 10 Assim sendo, em épocas diferentes, Deus precisa adotar planos e estratagemas diferentes, de tal maneira que Seu propósito último, a unificação do cosmos sob Cristo, possa ser atingido. Embora os planos de Deus para o estabelecimento real de Seus

 propósitos sejam diferentes, em épocas diferentes, em reação aosatos das pessoas com quem Ele estabeleceu alianças, existe um fiode eternidade ligando Seus propósitos, baseados em Sua onisciên

cia (At. 2:23; Ef. 3:8-11). “Deus jam ais fica perplexo diante da recusa da parte do homem para cooperar. Há coisas que Deus po

embora Deus tenha permitido que experimentássemos dor e sofrimento, tendo criado um mundo governado por leis naturais que tornam tais aflições possíveis, Ele não intencionou para nós essas aflições. Embora Ele intervenha a 

fim de eliminar os males naturais, Ele não pode intervir para eliminar todos os males naturais sem que, ao mesmo tempo, destrua a ordem natural, necessária para calcular as ações morais. Quanto a um desenvolvimento mais amplo deste conceito, veja-se minha obra Evil and a G ood God,  caps. 4 e 5.

Podemos ver Paulo lutando com este problema em Romanos 9. Por um lado, ele vê que Israel não permaneceu fiel à aliança, frustrando o plano de Deus de salvação, através desse povo. Por outro lado, ele não quer ver nisto um fracasso da Palavra de Deus. Assim, Paulo faz o relacionamento da aliança depender da descendência espiritual, ao invés da física. Nem todos os que des

cendem de Israel são israelitas. Isto nos conduz ao seu segundo ponto: a implementação dos propósitos de Deus é feita através de uma seleção de Seus servos, não com base em seus méritos, mas, unicamente com base na escolha do 

ó i D

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de fazer, a fim de produzir o bem a partir do mal — sendo o paradigma disto a encarnação e a cruz de Cristo. Contudo, em tudoe por tudo percebemos que Deus não brinca de faz-de-conta, na

história de cada indivíduo, e na história humana. Ele poderá, nofim, assumir soberanamente as obras dos homens, mas Ele o fará mediante o perdão, a redenção e a graça!’11

Em resumo, Deus está envolvido neste mundo por váriosmeios, os quais promovem Seus propósitos providenciais e esca-tológicos. Contudo, Deus está simultaneamente envolvido commétodos que usam as leis naturais. Tais métodos são consistentescom o livre-arbítrio que Ele nos concedeu; na verdade, empregam o livre-arbítrio.

O Quebra-Cabeça MontadoO enigma deve estar resolvido, por esta altura. Deus é soberanoem autoridade e poder. Entretanto, Ele resolveu, por Si mesmo,limitar Seu poder e criar-nos dotados de livre-arbítrio, para que pudéssemos escolher entre o bem e o mal, entre Deus e nós mesmos. É necessário que haja um mundo em que sejamos livres, paraque haja ações morais e atendimento significativo aos apelos deamor, da parte de Deus. Ele procura agora concretizar propósitos e intenções através de nós. É claro que Deus não está limitadoa tais métodos; Ele pode agir, e realmente age, diretamente, em Sua

criação. O crente pode muito bem argumentar que se Deus não estivesse agindo diretamente em Sua criação, este mundo seria umlugar muito pior para viver-se do que é hoje. Entretanto, visto quemuitos dos principais propósitos de Deus relacionam-se com nossodesenvolvimento moral e espiritual, e nossa reabilitação, Deus opera através de leis naturais, e por nosso intermédio, a fim de atingir Seus objetivos. A soberania de Deus não exige, por necessida

de, que todo ato humano ou não seja predeterminado, faça partede Seu plano, ou seja muito desejado. O soberano não pode ordenar a obediência livre. E assim é que Deus resolveu agir de m odo tanto direto como indireto (ao enviar Seu Filho), chamando as pessoas ao arrependimento, para tornarem-se Seus servos na obrade implantar Seu reino.

11 Brian Hebblethwaite, “Some Reflections on Predestination, Providence and Divine Foreknowledge” Religious Studies 15 n° 4 (dezembro de 1979):437

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150  PREDESTIN AÇÃO E LIVREA RBÍTRIO

Deus precisa existir dentro do tempo, para ser capaz de agirsignificativamente. Visto que Deus está no tempo, pode agir notempo, e operar criativa e persuasivamente para a concretizaçãode Seus objetivos. O mais significativo é que Ele pode operar na

 plenitude do tempo, a fim de reconciliar pessoas humanas que, emface de sua livre vontade, pecaram e se alienaram entre si e de Deus.Contudo, a despeito do máximo esforço humano no sentido dequebrar alianças, desobedecer a Deus e perseguir objetivos egoístas, podemos ter plena certeza de que Deus, em Sua onisciência,conhece nosso beco sem saída, e por isso, continua a agir nas es

feras humanas. Continua a responder às petições humanas, a conceder Sua graça e, finalmente, a chamar todos a Si mesmo.

Antes de voltarmo-nos para a crítica dos casos de estudo, per-mitimo-nos uma nota de advertência. A tentativa de aplicar raciocínio teológico e filosófico a casos concretos está inçada de perigos. Na verdade, as conseqüências práticas de uma teoria dependem dos fatos específicos do caso individual e, freqüentemente,

fica difícil catalogar todos os fatos relevantes concernentes a cada caso. Quais têm sido as relações de Alfredo com as pessoas, noque concerne às riquezas que ele acumulou? Qual é o verdadeiro

 potencial intelectual de Maria? Por outro lado, os planos específicos de Deus para determinada pessoa são conhecidos apenas porDeus, a menos que Ele os revele. Pode-se, é claro, falar a respeitodos planos gerais de Deus: que todos venham a conhecê-lO e amá-

ÍO. Mas, Seus propósitos para pessoas específicas são menos claros. Em certo sentido, é este o ponto central quanto ao segundocaso para estudo. De que maneira se consegue decifrar as intenções de Deus, ou mesmo delinear Sua vontade? Sejam quais forem as respostas, as expectativas de respostas definitivas provavelmente encontrariam desapontamentos. Só Deus pode conceder aMaria aquela certeza e convicção íntimas que eliminarão a dúvi

da que ela sofre: está ela servindo ao reino no lugar onde as circunstâncias a levaram? Nestes dias de turismo moderno, esperamos que a vida nos seja como uma excursão, em que a estrada foi pavimentada por Deus, e por Ele bem guarnecida e protegida, comtodas as sinalizações e todos os confortos em seus devidos lugares e, à semelhança do “Guia do Turista”, que essa excursão turística contenha indicações quanto à melhor rota para atingirmos

nosso destino. Ora, a vida humana é uma peregrinação. A estrada, embora corte inúmeros caminhos, não foi aberta nem percor

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 DEUS LIM ITA SEU PODER 151

rida antes, as sinalizações são alguns vagos acidentes da própria paisagem, e tanto a viagem como o destino final não são claros

em seus detalhes. O que necessitamos não é um mapa definitivo,mas a certeza de que Deus é nosso companheiro durante todo otrajeto, e “quem efetua em (nós) tanto o querer como o realizar,segundo a sua boa vontade” (Fil. 2:13).

Alfredo e as RiquezasAlfredo deveria agradecer a Deus as bênçãos materiais que rece

 beu, e atribuir sua fortuna ao fato de ter nascido numa prósperanação do ocidente, e a ter trabalhado diligentemente. Tais coisasnão são incompatíveis. Por um lado, as bênçãos materiais que ele possui resultam dos bens gerais que Deus concedeu como bênçãoà Sua criação. O mundo que Deus criou, em virtude da ordem enatureza com que foi dotado, torna possível a Alfredo a obtenção de bens. Deus permitiu que Alfredo existisse, que ele tom as

se decisões livremente, podendo pensar, agir e ponderar e, assim,Deus tornou possível a Alfredo (e a outros) a prosperidade que obteve. Assim, neste sentido bem geral, Alfredo tem muita coisa queagradecer a Deus. Por outro lado, é difícil determinar se Deus esteve mais diretamente envolvido na prosperidade de Alfredo. É possível que, a fim de atingir Seus objetivos, Deus tenha usado causas diretas ou indiretas para levar a prosperidade a Alfredo, da

mesma forma como nós usamos as leis da natureza para produzir o bem mútuo entre nós. É ensino bíblico que Deus realmenteabençoa aqueles que O amam, e buscam Sua vontade. Entretanto, Alfredo precisa despir-se do erro de julgar que sua prosperidade material é um sinal definido, uma indicação clara da bênção de Deus. O sol brilha e a chuva cai sobre justos e injustos (Mat.5:45). Visto que as bênçãos de Deus são um ato de graça, e nãodependem de méritos, não existe um a conexão necessária entre ariqueza material e o estar bem com Deus.

H á vários aspectos a serem discutidos. Em primeiro lugar, serfilho de Deus não é sinônimo de repousar em pétalas de rosas, nemmaterial, nem psicológica nem espiritualmente. Um estudo dos“gigantes” da Bíblia torna evidente este fato. José passou um bocado de tempo num poço vazio, e numa prisão escura, tanto quanto num palácio lindo. Moisés, que sofreu a angústia de liderar um povo que se mostrou rebelde contra seu próprio líder, e contraDeus, jamais entrou na terra prometida. Davi enfrentou perigos

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físicos, arriscou a própria vida e sofreu a traição da parte de seu próprio filho. Paulo faz uma lista de seus sofrimentos, que inclui perigos em rios, entre ladrões, entre seus próprios patrícios, nomar, sentindo frio e fome (2 Cor. 11:24-27). Nossa peregrinaçãoinclui tanto o vale da sombra da morte como o cume das montanhas, a pobreza e privações tanto quanto riquezas e abundância.O favor de Deus para conosco não deve ser considerado sinal deaprovação, mediante tempos de refrigério e prosperidade material.

Da mesma maneira, a pobreza não deve ser considerada desfavor da parte de Deus. Deus não quer que as pessoas sofram dor,nem quaisquer formas de degradação. Entretanto, as pessoas sofrem. Em alguns casos, trata-se da punição de Deus por suas másações; Deus disciplina Seus filhos. Entretanto, mesmo nesta função judicial, Deus não deseja seu sofrimento, tanto quanto nãodesejou o pecado deles. Contudo, se Deus não punisse a práticado mal, poder-se-ia questionar o caráter dEle. Mas, com muita freqüência, o sofrimento humano e a degradação moral são devidosaos males que as pessoas infligem-se mutuamente. As causas dosmales que a humanidade traz sobre si mesma são complexas. Vamos considerar apenas um exemplo, que Alfredo deveria ponderar bem: Há inúmeros fatores que resultam na subnutrição e morte pela fome, como superpopulação, guerras, corrupção (no sistemadistributivo e no governo), preguiça, exploração, desperdício, mávontade para compartilhar, e outros males morais. Freqüentemente, são as próprias pessoas que trazem tais males sobre si mesmas,ou sobre o próximo, ou são moralmente culpáveis por não ten tarem resolver os problemas, por agirem ou deixarem de agir.

Alfredo poderia, com muita razão, perguntar por que Deus permite isto. A resposta é que Deus considera muito mais im portante que haja pessoas livres que possam praticar o bem, e achegar-se a Ele em amor, do que não haver ações boas (ou más) moral

mente, e não haver amor responsivo. Como vimos, ações moraisexigem que as pessoas sejam livres. Contudo, a concessão de livre-arbítrio a nós, seres humanos, torna possível que façamos o bem,e nos acheguemos a Deus, e ao nosso próximo, em amor, mas permite, também, que pratiquemos o mal, e demonstremos nossa lu-xúria, nosso egoísmo e nosso caráter explorador do próximo.

De que maneira, então, Deus Se envolve nesta situação em que

 jaz o mundo? Às vezes, Ele age diretamente. Há ocasiões em queDeus age de modo direto a fim de alterar o curso da natureza e,

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 DEUS LIM ITA SEU PODER 153

assim, beneficiar o homem, ou atingir Seus propósitos. Entretanto,como sugerimos acima, esta não pode ser a maneira normal daoperação divina, visto que, do contrário, seria eliminada a rele

vante liberdade moral com que Deus nos dotou. É mais freqüente Deus usar, indiretamente, as mãos e os pés de Seus servos, queatenderão de modo específico às necessidades das pessoas. Assim,Alfredo deveria agradecer a Deus as oportunidades e a prosperidade que recebeu. Contudo, Alfredo está sob a obrigação de usarseus bens na ministração efetiva àqueles que, por esta ou aquelarazão, não são afortunados.

Contudo, pergunta Alfredo, será que Deus não poderia pro-videncialmente eliminar pelo menos os piores males? Ele deu omaná aos israelitas: por que não o dará também aos esfomeadosnativos da Somália? H á inúmeras respostas a esta pergunta, mas,devido à falta de espaço, vamos mencionar apenas duas delas. A primeira já foi discutida. Se Deus decidisse intervir com regularidade na ordem natural, a fim de remover o sofrimento, o mundo deixaria de ser um teatro de ação moral. Não poderíamos pro por objetivos a serem atingidos, nem calcular nossas ações, como propósito de atingir esses objetivos. Aceitemos o fato de queDeus intervém; Sua intervenção em geral é consistente com Sua permissão para que as pessoas determinem racionalmente suasações, de tal maneira que estas sejam respostas morais e espirituais

 perante Deus e o próximo. Em segundo lugar, vamos salientar o princípio que sublinha essa dúvida: Deus, sendo bom, deveria intervir para eliminar os piores males do mundo. Mas, o termo “piores males” contém uma noção comparativa. Suponhamos queDeus eliminasse todos os males da magnitude 107. Ainda assim,haveria exemplos de “piores males” em nosso mundo, a saber,aqueles da magnitude 106. O mesmo raciocínio, então, se aplica

ria a tais males, e se exigiria que Deus os eliminasse também. Emseguida, porém, os males de magnitude 105 seriam os “males piores”, e o mesmo princípio deveria ser aplicado. Sumarizando: seaplicarmos consistentemente o princípio de que um Deus bondosoestaria sob a obrigação de intervir, a fim de remover os piores males, chegaríamos à conclusão de que Deus precisaria eliminar todos os males. Contudo, isto exigiria a remoção do livre-arbítrio

humano, tornando impossível, como conseqüência, a prática deações morais e a consecução do bem moral. Entretanto, temos visto que Deus considera a ação moral e a realização do bem coisas

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154  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

intrinsecamente valiosas. Deus decidiu que haveria de operar através das pessoas que criou, inspirando-as, persuadindo-as, encorajando-as e ordenando-lhes que façam Sua obra na terra. Ele decidiu assim, porque esta é a única maneira pela qual as virtudesmorais e espirituais podem ser convertidas em realidades.

Maria na Segunda-feira Pela ManhãTodos nós sofremos a síndrome da segunda-feira pela manhã. Setudo vai bem, ficamos imaginando se algo que poderíamos ter feito teria tornado as coisas ainda melhores. Se alguma coisa não vai bem, ficamos igualmente imaginando: “E se..;’ Na verdade, as perguntas que se iniciam por “e se..!’ são importantes, visto que nos permitem analisar com maior cuidado as causas de tudo quantoacontece. H á um truísmo segundo o qual os que deixam de prestar boa atenção ao passado estão condenados a repetir seus erros.Assim sendo, é importante que M aria reflita bem nas várias condições causais que a conduziram circunstancialmente a ser reprovada no vestibular da Faculdade de Medicina. Assim procedendo ela aprenderá a tornar-se uma estudante mais eficiente, atomar decisões mais sábias, e a descobrir onde estão seus verdadeiros talentos.

Por outro lado, há a tirania do “e se..!’. Provavelmente Maria jamais saberá com exatidão por que foi reprovada nos exames. Emesmo que viesse a conhecer as circunstâncias que resultaram em

sua reprovação, as tirânicas questões do tipo “e se...” permanecerão irrespondíveis, visto que nem ela, nem mesmo Deus, jamaissaberão as condicionais contrafactuais acerca do que teria acontecido se... Existe uma conexão (contudo, não se trata de conexãode necessidade) entre estudar duramente, haver muitas vagas para determinado curso, e a pessoa conseguir classificação nosvestibulares.

Então, qual é o lugar de Deus neste quadro? Penso que fazsentido dizer-se que Deus abre e fecha portas, ao orientar-nos naconsecução daquilo que nos realizará, e que servirá bem ao reinode Deus. Deus pode fazer isso de modo direto, como no caso dePaulo (embora até nesse caso Ele tenha operado através de pessoas). Ou pode operar indiretamente, mediante os talentos comque Ele nos dotou, mediante as oportunidades que nos são ofe

recidas ou negadas, pelas pessoas ao nosso redor, ou medianteeventos naturais que experimentamos, e pessoas que encontramos.

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 DEUS LIM ITA SEU PODER 155

É lógico que podemos aceitar ou rejeitar essa orientação, em qualquer ponto ao longo de nossa peregrinação. E se decidirmo-nos

 por tomar uma direção diferente, a orientação de Deus se ajustará automaticamente (como aconteceu com Balaão e Jonas).Seria devastador para Maria passar o resto da vida olhando

 para trás, para um fato do passado, imaginando qual teria sido“o melhor que Deus havia reservado para ela”. Mediante uma com

 binação de suas próprias ações, as ações de terceiros, e as circunstâncias em que ela se encontrou na ocasião, ela atravessou uma

 porta, dentre inúmeras outras que lhe estavam abertas. Ela não pode voltar atrás; ela está, agora, num lugar novo. Abrem-se-lheagora novas oportunidades para desenvolvimento de seu potencial, e para serviço a terceiros. É verdade que ela, talvez, tenha perdido algumas oportunidades que a teriam conduzido a um crescimento maior, e que teriam influenciado e afetado outras pessoasde maneira muito mais significativa. Contudo, Maria não pode

 permanecer parada atrás das portas não escolhidas, imaginandocoisas. Ela tem, agora, diante de si, novas oportunidades que Deusdireta e indiretamente lhe proporciona, as quais ela deve agarrare, desse modo, ficar aberta à orientação de Deus para sua vida.

Tapeçaria HumanaA oração dominical contém as seguintes palavras candentes: “Seja

feita a tua vontade!’ É assim que oramos. Parece-nos claro quenem sempre é feita a vontade de Deus, talvez nem mesmo de vezem quando. Isto, porque quando voltamos nossas costas a Deus,e ao nosso próximo, ao recusarmo-nos a amar à maneira ensinada e exemplificada por Cristo, ao fracassar na produção do frutodo Espírito, rejeitamos aquilo que Deus quer que façamos. Assimsendo, as palavras daquela oração incitam-nos a alterar nosso es

tilo de vida, de tal maneira que aquilo que fazemos, pensamos edizemos esteja em harmonia com as expectativas de Deus paraSeus filhos. Por outro lado, Deus é soberano. Ele tem autoridade, e exige respeito e obediência, e tem poderes para fazer cum prir Seus propósitos, mediante Sua sabedoria eterna, mas utilizando métodos consistentes com a criação de pessoas livres que vivem sob a ordem natural. O objetivo final de Deus é uma peça de

tapeçaria intrincada, tecida por bilhões de pares de mãos. Deusconhece os tecelões individuais — os talentos deles, os defeitos queapresentam, e sabe que peça artesanal irregular, multivariegada,

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156   PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 pequenina, acabarão tecendo. Compondo miríades de peças, Deusestá criando uma grande peça de tapeçaria. Esta apresentará manchas da imperfeição e do vício humanos, e também a beleza dos

dons e das virtudes humanas, transform ada em obra-prima quetoma forma vagarosamente sob a mão orientadora de Deus, atéaquele dia quando Ele a terminar, mostrando-a em todo seu es

 plendor, nos novos céus e na nova terra.

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Réplica de John Feinberg

 BRUCE R EICHENBACH APRESENTA UMA AN ÁLISE D A  soberania divina e do livre-arbítrio humano sob uma perspectivaindeterminística. Visto que grande parte daquilo que ele diz não

difere, substancialmente, das perspectivas de Pinnock, vouconcentrar-me num pequeno punhado de itens.

Como ocorre no caso de Pinnock, tenho problemas com oconceito de Reichenbach de livre-arbítrio em relação ao controlede Deus. Reichenbach afirm a que Deus pode executar Seus p ro

 pósitos últimos (p. 149), mas fico imaginando como é que Deus p o de garantir que Seus objetivos sejam atingidos, em face da liber

dade contracausal. Concedida tal liberdade, sempre será possívelque alguém frustre os planos de Deus ao escolher outro curso deação, diferente daquele desejado por Deus.

Outra preocupação minha é a afirmação de Reichenbach deque Deus limitou Seu poder, a fim de conceder-nos livre-arbítrio(liberdade contracausal, é lógico). Entretanto, como no caso dePinnock, fico aguardando, em vão, um versículo que afirme tal

coisa. Naturalmente, Reichenbach julga que já provou tal conceito,ao mencionar alguns versículos que ensinam o livre-arbítrio. Coti-

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158  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

tudo, eles só constituem prova se se presumir que a noção de li berdade de Reichenbach é a única espécie de liberdade que exis

te; e tal idéia, evidentemente, encerra a questão, para ele.Esta minha última afirmativa levanta outro problema que tenho com Reichenbach. Ele encerra a questão quanto ao significado de livre-arbítrio, injustificadamente. Ao definir livre-arbítrio,assim escreve Reichenbach (p. 131): “Ao invés, ser livre significa queas influências causais não determinam minha escolha ou ação!’Ao explicar seu conceito de onipotência (p. 136), afirma que Deus

não pode fazer coisas contraditórias, explicando, em seguida, queo fato de alguém causar  que outra pessoa execute um ato livre éuma contradição, visto que “um ato não pode ser livre e, ao mesmo tempo, causado por outrem”. Poderíamos mencionar outrosexemplos, mas estes bastam. As assertivas de Reichenbach seriamverdadeiras, inquestionavelmente, se, e unicamente se, o livre-arbí-trio contracausal for o único tipo possível de livre-arbítrio. Entre

tanto, sendo contraditórias as afirmativas de Reichenbach sobreliberdade e determinismo, verifica-se que ele se recusa a permitira possibilidade de um determinista poder falar, legitimamente, so bre liberdade. Como já demonstrei, uma forma de determinismosuave envolvendo o livre-arbítrio não é uma impossibilidade. É assim que Reichenbach encerra a questão arbitrariamente.

A argumentação anterior faz levantar outro ponto, com que

mantém alguma relação. Parece que Reichenbach julga que ou a pessoa é livre (de acordo, é claro, com a definição dele) ou a pessoa é causalmente determinada (não livre, de acordo com sua definição). Entretanto, quando leio suas palavras a respeito do livre-arbítrio humano, encontro inúmeros pontos com os quais concordo. A razão disto é que a argumentação de Reichenbach a  favor  de sua forma de liberdade é argumentação contra uma forma dura 

de determinismo, de acordo com a qual todas as ações humanassão coagidas e compelidas. Como resultado, os deterministas destafaixa usualmente admitem que seu conceito não tem lugar reservado para a liberdade. Visto que não é esta a posição que m antenho, concordo com Reichenbach na rejeição do determinismo duro. Contudo, o problema é que nada do que Reichenbach diz emseu artigo contém uma prova sequer contra uma noção suave do

determinismo no que tange ao livre-arbítrio (na verdade, Reichen bach nem sequer cogita desta noção), pois seu artigo bombardeiaapenas o determinismo duro.

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 RÉPLICA DE IO H N FEINBERG 159

Outro motivo de preocupação minha é: de que maneira uma pessoa toma decisões, segundo a noção contracausal de livre-arbítrio? A explicação fornecida por Reichenbach contém mais

substância que a de Pinnock, mas eu a acho problemática. Ao ex plicar que a pessoa não toma uma decisão sem razões, Reichen bach diz que “as pessoas livres podem aceitar razões lógicas e racionalmente persuasivas, ou podem rejeitar as razões mais óbvias, para aceitar outras” (p. 132). À página 149, Reichenbach explica queDeus pode executar Seus propósitos, de maneira a manter a liberdade das pessoas, mas persuadindo-as a agir da forma que Ele

quer. É isto, basicamente, que eu próprio diria. O problema reside no fato de Reichenbach não achar, aparentemente, que taisações são determinadas. Entretanto, quer-nos parecer, pela pró pria explanação dele, que as razões a que faz menção formam uma parte da explicação causai que o próprio Reichenbach proporiaquanto a por que se praticou determinada ação, ao invés de outra qualquer. Se isto não for determinismo, precisamos de uma ex

 plicação sobre suas diferenças. É provável que Reichenbach diriaque não, visto que razões não são causas. Sem dúvida esse é umassunto para discussão, não uma questão que poderíamos resolver aqui. Entretanto, cham o a atenção para o seguinte ponto: Parece que tais razões inclinam a vontade de modo decisivo na direção de certo ato, ao invés de outro qualquer. Se isto é verdade, parece-nos claro que esse ato é determinado. Se Reichenbach respon

der que tais razões não influem de modo decisivo na vontade, devo, então, pedir-lhe uma explicação sobre como as pessoas chegam a uma decisão! Se a resposta for que as pessoas simplesmentedecidem, desejo saber como, e quero uma resposta que não dê ensejo ao determinismo. Não vejo tal resposta em Reichenbach.

O último ponto, que tem algum significado, é a forma comoReichenbach trata da presciência divina. Reichenbach afirma que

Deus não tem presciência de eventos futuros. Ele nos dá uma ex plicação de como a presciência harm oniza-se com sua noção deliberdade, mas não acho que funcione. A maior parte do artigode Reichenbach (pp. 140,141) preocupa-se com negar que Deus tenha conhecimento hipotético, porém esta preocupação apenas demonstra que Reichenbach não iria tentar resolver o problema. Aexplanação dele aparece nas páginas 138-140.

Reichenbach dá tremenda ênfase à distinção entre á ordemdas causas e a ordem do conhecimento. Conforme observa esse

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160  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

autor, o fato de Deus ter presciência de um evento não é a causa que faz tal evento acontecer. Deus não pode saber de um eventose este não ocorrer, porém, isso não significa que o conhecimen

to da ocorrência do fato faz com que este aconteça. Assim sendo,“devemos ter cuidado para não confundir as condições que provêem a base de nosso conhecimento daquilo que acontece, comas condições que causam o fato vir a acontecer. Saber que algo éverdade não faz com que o evento aconteça” (p. 139).

A distinção acima é o cerne da explicação de Reichenbach arespeito do livre-arbítrio e da presciência, sendo uma distinção de

grande importância. Contudo, será que funciona? Creio que não.O primeiro problema suscitado por esta explanação é que ela erra o alvo completamente. Reichenbach tem razão, é claro, quando afirm a que o conhecimento que alguém possui (incluindo-seo próprio Deus) de algo que vai acontecer não faz com que essealgo aconteça, e o calvinista/determinista concorda com isto. Aquestão proposta pelo calvinista/determ inista é a seguinte: Co

mo pode Deus realmente saber (no forte sentido epistemológico)que algo vai acontecer, se esse fato ainda não está estabelecido?Obviamente, o fato não foi estabelecido, ou causado, pelo conhecimento que alguém possui dele; contudo, o fato de alguém ter conhecimento dessa ocorrência sugere que ela verdadeiramente vaiacontecer. Aqui jaz o problema do livre-arbítrio contracausal, porque Deus não pode garantir que algo aconteça mesmo, se o livre-

arbítrio contracausal for o conceito correto. Se Deus não pode garantir o fato, na melhor das hipóteses, Ele pensa que o fato nãoacontecerá, mas não sabe se acontecerá. Assim, a distinção feita

 por Reichenbach é extremamente importante, de modo geral, mas bem irrelevante para a discussão em pauta.

Um exame mais cuidadoso da perspectiva de Reichenbach demonstra que seus problemas são mais graves. Ele afirma reitera-

damente (pp. 139,140) que o que torna verdadeira a crença de Deusé a ocorrência do fato. “Deus conhece o evento em si. Assim sendo, Deus saberá o evento se, e apenas se, esse evento ocorrer. Istoé, Deus terá certa crença a respeito de um evento se, e apenas se,tal evento realmente ocorrer” (p. 139). Na verdade, este conceitoé muito problemático. Dizer que Deus somente crê que algo váacontecer, e não sabe que ocorreu enquanto não ocorrer, é a mes

ma coisa que dizer, então, que Deus não tem presciência a respeito dos eventos futuros.

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 RÉPLICA DE JOHN FEINBERG 161

Para sermos justos para com Reichenbach, ele não usa linguagem temporal, como as palavras quando e enquanto, embora pareça que este seja o sentido. Alguém poderia interpretar suas palavras atemporalmente, mas minha opinião é que se interpretarmos seus argumentos atemporal ou temporalmente, de qualquermodo Reichenbach continua com o problema. Afirma ele queDeus sabe um determinado fato se este ocorrer. Isto faz sentido,mas nega que Deus tenha presciência de fatos futuros. Por outrolado, vamos interpretar a afirmativa de maneira atemporal. Tal interpretação pareceria presumir que Deus na verdade conhece o futuro (esqueçamos, por enquanto, as discussões sobre quando Deuso conhece). Entretanto, se é isso que Reichenbach tem em mente,devo perguntar como é que Deus pode saber  o futuro, em face dolivre-arbítrio contracausal defendido por Reichenbach. Ele poderia ter uma explicação sobre como Deus pode saber  o futuro se ateoria do livre-arbítrio contracausal for correta. Porém, náda dissoaparece em seu artigo.

Em suma, os conceitos de Reichenbach enfrentam o seguinte dilema: Ou interpretamos seus argumentos temporalmente, eDeus não sabe o futuro enquanto este não ocorrer (o que significa que Ele não sabe o futuro enquanto for futuro), ou interpretamos suas afirmativas atemporalmente e, nesse caso, Deus realmente exerce presciência, sabe o futuro. Então, o livre-arbítrio contracausal de Reichenbach se vê em apuros.

Por causa de considerações semelhantes a estas, devo concluirque, a despeito de Reichenbach afirm ar que crê na presciência divina quanto aos eventos futuros, suas palavras e argumentos nãoexplicam de modo satisfatório a forma como ele encaixa esta noção em seu conceito de livre-arbítrio. Minha avaliação geral do artigo de Reichenbach é a seguinte: Trata-se de peça muitíssimo bemredigida, com muitos argumentos cuidadosamente concatenados,das melhores encontráveis, partindo da posição arminiana /inde-terminista; contudo, ainda não estou convencido por sua argumentação.

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Réplica de Norman Geisler 

A  Á R E A BÁSICA EM QUE M AN TEN H O CONSONÂNCIA  com Feinberg é seu conceito de Deus. Quanto a Reichenbach, m inha área de consonância é o livre-arbítrio. Ambos concordamos

em que: (1) o livre-arbítrio implica em que poderíamos ter  agidode modo diferente; (2) uma decisão, ou escolha livre, está livre decompulsão interna ou externa; (3) há influências sobre os atos livres; (4) o agente humano é a causa do ato livre; (5) nenhum atoé feito ao acaso, ou fortuitamente. Isto é o que chamo de ato au-todeterminado (causado por outrem), ou indeterminado (não causado).

As áreas de maior diferença entre meus conceitos e os de Reichenbach estão na natureza de Deus. Primeiramente, por r a z õ e s  

 já discutidas anteriormente, não concordo com seu conceito de quesoberania “não significa que tudo quanto acontece está de a c o rdo com a vontade do soberano” (p. 134).

Em segundo lugar, embora eu concorde com ele em que Deus  “não pode compeli-los (os súditos) a inclinar-se livremente”, dis

cordo em que “quanto mais liberdade o soberano conceder a seussúditos, menos poderá controlar o comportamento deles” (p. 134).

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164  PREDESTIN AÇÃO E LIVREARBÍTRIO

Um Deus soberano e onisciente pode determinar as coisas tão bem,mediante Seu conhecimento das decisões livres, como de outra ma

neira qualquer. Ele não pode estar errado acerca daquilo que sa be, mesmo que saiba que tais fatos ocorrerão livremente.Em terceiro lugar, discordo da perspectiva de Reichenbach se

gundo a qual Deus não tem tanto controle sobre Seus súditos livres, quanto um romancista sobre seus personagens. Do ponto devista eterno de Deus, a história está tão estabelecida, ou determinada, como o enredo de uma novela. Entretanto, as ações morais

da história foram todas livres. Um Deus onisciente vê “para a frente” com a mesma certeza com que vê “para trás”. Assim sendo, para uma mente onisciente que conhece toda a história, num “agora” separado do tempo, todos os atos e eventos livres também estão determinados. Usando uma ilustração do próprio Reichen bach, o dia do aniversário de Martinho Lutero jamais mudará, nãoimporta quão longe no tempo e no espaço estejamos desse even

to. Está fixo para sempre, embora seus pais possam ter exercidodecisões livres para que esse fato ocorresse.Em quarto lugar, Reichenbach enfraquece consideravelmente

a doutrina evangélica tradicional da onipotência divina, quandoa reduz a algo em que “nenhum ser (tem) maior poder” (p. 136).Tal conceito não dá a Deus o maior poder possível, mas apenaso maior poder real. Reichenbach julga que a onipotência de Deus

significa que “não existe outro ser semelhante a Ele, em poder,...não pode existir tal ser” (p. 137). Mas, isto pode significar queDeus não pode ter iguais, e não que Seu poder não pode ter limites. Se assim for, esta não é a compreensão histórica de onipotência, nem calvinista nem arminiana.

Reichenbach não nos oferece uma boa razão por que deveríamos desistir do forte sentido de onipotência que está no cerne

da teologia ortodoxa. Ainda que esteja na moda rejeitar o clássico conceito ortodoxo de Deus, muitos ainda não perceberam as desastrosas conseqüências que isto terá na teologia cristã, como umtodo.

Em quinto lugar, Reichenbach redefine o conceito tradicional da onisciência de Deus. Ao invés de mostrar-nos um Deus quesabe tudo, inclusive aquilo que acontecerá, ele conclui que “Deus

saberá o evento se, e apenas se, esse evento ocorrer” (p. 139). Contudo, tal Deus está severamente limitado em Seu conhecimento, por eventos contingentes, por depender de eles ocorrerem, a fim

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 RÉPLICA DE N O RM A N GEISLER 165

de poder adquirir a verdade quanto a esses eventos. Contudo, tallimitação não se coaduna com a assertiva de que Deus é ilimita

do no conhecimento, como está implícito na onisciência de Deus.Em sexto lugar, levanto uma objeção contra a afirmativa deReichenbach, segundo a qual um ato livre ou é causado pelo conhecimento de Deus ou o conhecimento de Deus é causado peloato livre (p. 139). Esta é um a disjunção falsa. Existe uma terceiraalternativa: o conhecimento eterno de Deus pode determinar queo ato seja causado livremente. Neste caso, nem Deus produz o ato,

nem o ato produz o conhecimento de Deus. Deus simplesmentesabe (eterna e determinadamente, que decisões tomaremos. Assimsendo, o ato pode ser ao mesmo tempo determinado, do ponto devista do conhecimento de Deus, e livre, do ponto de vista da decisão do agente.

Em sétimo lugar, discordo também de Reichenbach, quandoele afirma que o conhecimento de Deus pode ser mudado, da mes

ma maneira que podemos mudar verdades a respeito do passado(relacionalmente). Essa conclusão se baseia em sua falsa idéia deque “aquilo que Deus sabe... depende relacionalmente daquilo quea pessoa... faz” (p. 140). Contudo, um Ser independente, a causade tudo quanto existe, ou existirá, não depende de Suas criaturas

 para absolutamente nada. Elas é que dependem dEle. Como atémesmo Reichenbach admite, tudo que é necessário para que um

evento seja determinado é que Deus tenha presciência infalível deque esse evento acontecerá. Seria necessário provar que Deus não pode ter presciência infalível de atos livres. Tal conceito ainda nãofoi provado. Portanto, se é possível a um Deus onisciente conhecer os futuros atos livres, é impossível provar que Ele não pode determinar o futuro. E não faz a mínima diferença se Deus pode conhecer aquilo que poderia vir a ser, visto que Ele sabe o que virá

a ser. Se Ele sabe o que vai acontecer, isso mesmo acontecerá, vistoque um Deus onisciente não pode enganar-Se a respeito daquiloque sabe que vai acontecer livremente.

Em oitavo lugar, discordo da implicação de que a perspectiva teísta clássica de um Deus independente do tempo está errada, porque é “do pensamento grego” (p. 142). O ensino de um C riador eterno do mundo temporal (Gên. 1), o Eu Sou de Moisés (Êx.

3) surgiram muito antes dos filósofos gregos. Além disso, a lógica também foi desenvolvida pelos gregos. Tenho certeza, porém,de que Reichenbach não está disposto a jogar fora a lógica só por

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166   PREDESTIN AÇÃO E LIVREARBÍTRIO

que tem origem grega. Rejeitar algo simplesmente por causa desua origem é falácia genética. Entretanto, não se apresentou ne

nhum argumento que prove que a essência de Deus subordina-seao tempo. Quando muito, tudo que Reichenbach e outros conseguiram demonstrar é que “as ações produtivas são necessariamentedependentes do tempo, e seqüenciais” (p. 142). Eles não conseguiram dem onstrar que, por essa razão, o Autor e Produtor tambémdeve depender do tempo.

Parece que Reichenbach também deixa implícito (erroneamente) que Deus cria em épocas diferentes (para Deus). Mas, seDeus é eterno Ele não criou em épocas diferentes (para Ele). Deusage no tempo, mas age desde a eternidade. Daí, o Deus que criouo tempo não pode estar preso ao tempo. Se o Criador deve com

 partilhar a natureza de Sua criação, Ele deveria, então, ser criatura, porque Ele criou. Ou teria que ter começo, porque o mundo que Ele fez teve começo.

Em nono lugar, quanto a que elementos nos antropomorfis-mos e analogias aplicam-se à essência ilimitada de Deus, e que elementos não se aplicam, eu surgeriria o seguinte: seja o que for que

 Deus tenha criado, que necessariamente implica numa limitação,não pode aplicar-se a um Deus ilimitado; mas, quaisquer perfei-ções que tenha produzido que não implicam em limitações a Ele,aplicam-se-Lhe. Assim sendo, mesmo que Deus crie seres finitos,mutáveis, Ele próprio não pode mudar de modo nenhum, nem terelementos limitados, como braços, ouvidos e olhos. Contudo,Deus é bom, verdadeiro, santo, justo, inteligente e poderoso, visto que tais atributos constituem perfeições que não implicam, necessariamente, em limitações. Assim, pois, Deus é uma essência,mas muitos títulos (atributos) são verdadeiros a respeito dEle. Damesma forma como todos os raios são um, no centro do círculo,assim também os inúmeros atributos diferentes de Deus referem-se à Sua essência absolutamente singular. Nada do que se pode dizer a respeito de Deus exaure a profundidade de Sua natureza infinita. Assim, inúmeros atributos são mencionados a respeito deDeus, mas, na verdade, são apregoados com respeito a Deus apenas analogicamente.1Desta maneira, Deus pode ser absolutamente um e, assim mesmo, ter muitos nomes. A menos que se possademonstrar que há uma contradição real entre a definição de um

1 Veja-se nossa discussão sobre analogia em Philosophy ofReligion (Grand Raid Mi h Z d 1974) 12

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 RÉPLICA DE N O RM AN GEISLER 167 

atributo e a definição de outro atributo (coisa que não se fez), nãoexiste inconsistência em afirmar-se mais de uma coisa, analogi-

camente, da essência absolutamente simples de Deus.Em décimo lugar, não concordo com a assertiva de Reichen bach segundo a qual desde que “o mundo e as pessoas mudam emrelação a si mesmos, e entre si e Deus, assim também Deus m udaem relação a eles” (p. 144). É a falácia da conversão ilícita. Só porque todos os cavalos têm quatro pernas, não significa que todasas criaturas de quatro pernas são cavalos! Quando uma pessoa

muda em relação a um pilar, o pilar não muda. Semelhantemente, quando mudamos em relação Deus, Deus permanece imutável.Por último, um Deus absolutamente simples não pode ser

“imutável em Seu caráter” (p. 145) e, ao mesmo tempo, mutávelem Sua essência. O caráter de Deus e Sua essência são um. Entretanto, Reichenbach deixa implícito que Deus não é absolutamente um, mas possui duas naturezas opostas, uma “natureza primor

dial”, que é imutável e não temporal, e uma “natureza conseqüente”, que é mutável e temporal (p. 144). Entretanto, esta posição nãoé, de maneira alguma, uma posição histórico-cristã, mas uma pers

 pectiva neoclássica de um Deus processual. Um Deus que podemudar em Sua essência, na verdade não é Deus; trata-se de um sercontingente, composto, que necessita de um Criador. É um ser que

 pode vir a ser, ao invés dAquele QUE É, o grande “EU SOU”. Um

Deus que está ainda no processo de tornar-se não é o Deus deAbraão, de Isaque e de Jacó, nem o Deus de Agostinho, de Anselmo, de Tomás de Aquino, de João Calvino e de Martinho Lutero. De fato, tal Deus não é o Deus do cristianismo, que nos fezà Sua imagem. Trata-se de um conceito não-cristão de um deusque nós fizemos à nossa imagem.

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Réplica de Clark Pinnock 

CERTAMENTE ESTE É O M ELH OR DE TODOS OS AR TI- gos, segundo meu ponto de vista; e merecedor de meus aplausos.

O autor está no caminho certo, tendo produzido um modelo que poderíamos considerar correto. Ele preconiza um livre-arbítrio significativo, define soberania e onipotência de maneira consistentee bíblica, e apresenta uma perspectiva da eternidade de Deus e Seugoverno providencial muito sensata. Todavia, num determinado ponto sua lógica falha.

Tal ponto é nossa compreensão da onisciência de Deus. Rei

chenbach continua a pensar na onisciência em termos clássicos,como que envolvendo um conhecimento exaustivo de todas as contingências futuras, coisa que não funciona, simplesmente. Usemosa imagem que ele criou, a de um quebra-cabeça: cinco peças harmonizam-se e enquadram-se com perfeição, porém, a quarta peça, a onisciência, tomada segundo o conceito de Reichenbach, éesquisita e não se encaixa bem. O artigo é coerente, no seu todo,menos neste ponto. M inha sugestão, que repensemos o que significa a onisciência divina, fará com que o modelo de Reichenbachfuncione.

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170  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

Todos os outros três articulistas concordam entre si, e contra mim, atribuindo a Deus conhecimento exaustivo de todos oseventos futuros, inclusive aqueles que resultam das escolhas de

cisivas de pessoas livres. Feinberg e eu enxergamos as implicaçõesdisto, mas Reichenbach e Geisler não. Se Deus vê todo o futuro,este, então, é fixo, imutável, e estamos errados em crer que temosa liberdade de escolher um ou outro caminho. Deus já sabe o queReichenbach fará com seu pedaço de doce. Assim, o futuro nãoé como ele pensa, um reino de possibilidades abertas no qual ele

 pode, mediante sua liberdade, determinar a verdade. Esta não pode

aparecer de jeito diferente daquele em que Deus, desde a eternidade, sabe infalivelmente como será. Reichenbach só pode escolher a prática daquelas ações que Deus sempre soube que ele haveria de praticar. Portanto, ele não pode agir de modo diferentedaquele a que está destinado. Ao enunciar seu conceito de onisciência, o autor estragou uma exposição sobre a soberania divinae o livre-arbítrio que, de outra forma, seria promissora.

Para mim, o assunto é perfeitamente claro, tanto filosóficacomo teologicamente. Em termos de lógica, é óbvio que uma decisão futura, definida à maneira que Reichenbach e eu a definimos, não pode ser conhecida antes da horà, nem por Deus, nem por outro ser qualquer. Sendo uma decisão que deverá ainda sertomada, nada existe para Deus conhecer. As futuras decisões nãoexistem em parte alguma, para serem “pinçadas” por alguém, mesmo que seja um Ser onisciente. A idéia toda de um ato livre é queo futuro está aberto para ser determinado por aquela escolha decisiva, quando ela for feita. Se o futuro é conhecido à exaustão,não está aberto no sentido exigido, sendo o livre-arbítrio apenasuma ilusão. Ao assumir o conceito que exprimiu, Reichenbach delineia um futuro fixo, imutável em todos os sentidos, o que a rruina toda sua argumentação.

Falando teologicamente, concordo com os calvinistas neste ponto. Aquilo que Deus sabe por presciência é tão fixo e certo como aquilo que Deus determina por predestinação. Tanto um como outro se opõem à genuína contingência e ao livre-arbítrio. A

 preordenação faz com que os eventos sejam certos, enquanto a presciência pressupõe que os eventos sejam certos. Aquilo queDeus sabe por presciência não pode vir a ocorrer de maneira diferente, mas, a liberdade implica em que as coisas poderão ser diferentes. Concordo com os calvinistas estritos em que os arminia-

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 RÉPLICA DE C LA RK PINNOCK  171

nos, se quiserem ser consistentes, precisam rever a doutrina tradicional da onisciência bem como da onipotência de Deus. É o que

Reichenbach se recusa a fazer.Entretanto, a solução não está muito longe. Com respeito àonipotência, o autor observa que não significa poder para executar coisas impossíveis, como fazer um quadrado redondo. Pois bem, o mesmo ocorre com a onisciência. Onisciência não pode significar conhecimento de coisas que não podem ser conhecidas.Deus sabe todas as coisas que podem ser conhecidas, contudo, as

decisões livres, futuras, não são conhecíveis nem mesmo paraDeus. Assim sendo, o fato de Ele não saber coisas não conhecíveis, de antemão, jamais seria uma imperfeição de Sua onisciência. O fato de Deus não conhecer o que não é pré-conhecível re presenta, simplesmente, uma situação criada pelo próprio Deus,de criar um mundo com um futuro aberto. Eu adm oestaria Reichenbach e outros arminianos a serem mais corajosos intelectual

mente, e assumir uma posição nesta direção.Infelizmente, alguns não farão isso, porque o costume tradicional de ler a Bíblia, concernente à onisciência divina, é forte demais. Pode-se verificar isso no próprio artigo de Reichenbach. Ele

 julga que o salmo 139 fecha a questão, forçando-nos a ficar na posição incômoda que Reichenbach propugna. Ainda que o leitor possa atribuir-me altas notas para minha clareza, poderia rejei

tar a clareza, favorecendo aquilo que ele concebe como sendo fidelidade bíblica. Admiro muito isto.Contudo, considere o leitor algo que pareceria uma possibili

dade quase herética. Eu afirmaria que a Bíblia não nos apresentaum Deus que possui conhecimento exaustivo de todas as contingências futuras. Ao contrário, ela nos apresenta Deus como um Agentedinâmico, que lida com o futuro como se este fora uma questão

aberta. Pode-se ver isso claramente no livro de Jonas. Deus pretendia destruir Nínive; porém, algo inesperado aconteceu: Níni-ve arrependeu-se. Nem Deus, nem Jonas, sabiam que isto haveria de acontecer. Deus aprovou a cidade, mas Jonas desaprovou-a. Como resultado, Deus mudou Seus planos, e decidiu não maisdestruir a cidade. Encontra-se o mesmo padrão em toda a Bíblia.Deus planeja punir Israel, mas Moisés intercede pelo povo, e Deus

relaxa Sua determinação (Êx. 32). Ele diz a Jeremias que se o povo se arrepender, acontecerá uma coisa; mas, se ele não se arre pender, outra coisa bem diferente acontecerá. Agora eu lhe pergun

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172  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

to, leitor: faz sentido supor que Deus já sabia, o tempo todo, o quefinalmente aconteceria nestas situações? Não faz sentido nenhum.De fato, estraga o ponto central das narrativas, e a realidade dahistória. Penso que a perspectiva tradicional da onisciência deDeus é filosoficamente inviável, e biblicamente mentirosa.

O leitor poderia perguntar, então: E a profecia bíblica quecontém previsões? Muito bem, se olharmos cuidadosamente estas profecias, vamos descobrir que a maior parte delas é explicada facilmente: Deus predisse — com base naquilo que Ele sabe —o que vai acontecer. Ou Deus anuncia, antecipadamente, o que Ele planeja fazer em tal e tal circunstância, ou usa uma combinaçãodestes dois fatores. Afinal, profecia é algo profundamente condicional, estando condicionada à nossa resposta a Deus. Não estamos acorrentados a uma corrente de acontecimentos, em que aquilo que decidimos fazer nada tem a ver com os resultados finais.

Ao tratar dos casos de Alfredo e Maria, Reichenbach faz umexcelente trabalho, visto que sua exposição total é, como já disse,quase perfeita. O único problema decorre da inconsistência quevimos discutindo. Se Alfredo e Maria descobrirem que a perspectiva de Reichenbach, sobre a onisciência de Deus, implica numafixidez maior dos eventos futuros, mais grave do que ele mesmoquer admitir, teriam toda razão para ficarem preocupados, e precisariam pensar seriamente no assunto. Assim sendo, esperemosque Alfredo e Maria não venham a ler meu artigo neste livro.

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l>eus Limita Seu Conhecimento

IV

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Deus Limita Seu Conhecimento

Clark Pinnock 

 P AR EC E QUE A BÍBLIA APRESENTA UMA ABOR- dagem pré-teórica do relacionamento entre a soberania divina e o livre-arbítrio humano. Algumas passagens parecem apoiar a idéia de que Deus determina as coisas. Porém,

tras passagens, com a mesma força, enfatizam um livre-arbítrio

muito significativo para os seres humanos. Certa tensão permeiaos textos bíblicos; em parte alguma se vê uma tentativa de resolução definitiva.

Deveríamos então tentar, pelo menos, uma resolução? Algunsteólogos acham que não. Dizem eles que o relacionamento entrea soberania divina e o livre-arbítrio hum ano é um mistério impenetrável que transcende a lógica humana; portanto, deveríamos

reprimir as exigências imperiosas da razão e submeter-nos à antinomia. Num apelo aos evangélicos conservadores, J. I. Packer conclui dizendo que, em face de a Bíblia ensinar ambas as verdades,sem perigo de erro, o crente deve aceitar ambas, baseado na autoridade da Bíblia.1

1 J. I. Packer, Evangelism and the Sovereignty o f God  (Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 1961), cap. 2.

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176   PREDESTINAÇÃO E LIV RE-ARBÍTRIO

Infelizmente, é mais fácil dizer que fazer — até mesmo nestecaso. Em diversos níveis vem à tona a necessidade de tentar-se relacionar a soberania e o livre-arbítrio — necessidade que não se pode submergir. Num dado nível, há os crentes pensantes, nãoacostumados a aceitar contradições na Bíblia; eles poderiam perguntar se devem aceitar esta aparente contradição, como se lhesexige. Ficam imaginando se os termos foram devidamente definidos, ou se foram já bem exploradas todas as possíveis maneiras de relacioná-los.

 Num segundo nível situam-se os céticos, que perguntarão seo teísmo cristão é coerente, ao afirmar a soberania de Deus e o livre-arbítrio humano, ambos ao mesmo tempo. Não se impressionarão, se lhes dissermos que se trata de uma antinomia. Os apologistas da fé perguntarão se é necessário sacrificar a credibilidade do evangelho quanto a esse ponto. Nas mentes de alguns ateus,a crença na divina soberania elimina a liberdade humana, tornan

do impossível a explicação do mal neste mundo. Será alto o preço a ser pago, em termos de evangelismo, se não pudermos oferecer uma hipótese racional que explique a soberania em face dolivre-arbítrio.

 Num terceiro nível, encontramo-nos face a face com as im plicações práticas que este livro focaliza. Os crentes querem saber por que Deus planejou tragédias que os atingiriam, e por que o

mundo está cheio de misérias. Perguntarão eles: Que liberdade tenho eu, se Deus sabe todas as coisas que decidirei fazer? O comichão para entender melhor a relação porventura existente entre asoberania de Deus e o livre-arbítrio do homem não vai desaparecer.

Contudo, não nos desesperemos. Há maneira de entender esserelacionamento, de modo a satisfazer os dados bíblicos e as exi

gências da inteligência, uma teoria que não precisa postular umacontradição básica entre soberania e liberdade. Vou resumi-la agora, e expô-la em detalhes, em seguida.2

Como Criador do mundo, Deus é soberano, no sentido fundamental. Ele decidiu trazer à existência um mundo cheio de agen

2 Outro teólogo que adota o conceito que estou defendendo, e fornece-nos uma 

exposição mais longa sobre o assunto, é Richard Rice. The Openness o f God: The Relationship o f Divine Foreknowledge and Human Free Will  (Minnea- polis: Bethany Pub., 1985).

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIM ENTO 177 

tes significativamente livres. De acordo com Sua decisão, Deus governa o mundo de maneira a sustentar, e jamais negar, o caráter

e as estruturas desse mundo. Visto que o livre-arbítrio foi criado,está aberta a realidade, e não fechada. O relacionamento de Deuscom o mundo é dinâmico, não estático. Em bora isto exija de nósque repensemos os aspectos do teísmo clássico, ou convencional,receberemos ajuda para relacionar a soberania e o livre-arbítriomais coerentemente, na teoria, e mais satisfatoriamente, na prática.

A Soberania de DeusDeus é soberano, de acordo com a Bíblia, no sentido de ter o poder de existir por Si próprio, e o de chamar o universo à existência, a partir do nada, pela Sua Palavra. Contudo, a soberania deDeus não precisa significar o que alguns teístas e ateístas afirmam,a saber, que Deus tem o poder de determinar cada minúcia da his

tória do mundo. Antony Flew está errado ao dizer que qualquercriador soberano deve controlar todos os pensamentos e ações deseu universo dependente.3 Ao contrário, soberania quer dizer o

 poder de criar qualquer universo possível, inclusive um universoque envolve agentes significativamente livres. Tal universo deveria sua existência inteiramente à vontade de Deus, mas, o que acontecesse poderia conformar-se, ou não, com os valores e intenções

de Deus. Deus poderia criar um mundo em que Ele determinassecada minúcia, porém, Ele não é obrigado a fazer isso; no caso denosso mundo, Deus não o criou assim.

Quando dizemos que Deus criou o mundo, queremos dizerque Deus existe por Si próprio, independentemente da criação, eque Ele chamou o mundo à existência mediante um ato livre e so berano. Isto significa que acreditamos ser Deus ontologicamente

outro: o mundo depende de Deus, Deus não depende do mundo.A essência de Deus é existir; Ele existe por necessidade. Contudo,o mundo existe pela graça, e deve sua existência a Deus. Ficariareduzido a nada, se Deus decidisse deixar isso acontecer. Assimsendo, rejeitamos o dualismo — a idéia de dois princípios fundamentais, Deus e o mundo. No mundo antigo, Platão afirmava queDeus tinha de enfrentar um universo que Ele não criara. No mun

do atual, W hitehead concorda com essa assertiva. Entretanto, de

3Antony Flew, Go d and Philosophy  (London: Hutchinson, 1966), p. 47.

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178  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

acordo com a Bíblia, toda a realidade depende de Deus, o Criador, e não há limites ao poder de Deus, exceto aqueles que o pró

 prio Deus decidiu aceitar. Todos os seres, menos Deus, receberamsua existência do próprio Deus, como uma dádiva, sendo que qualquer autonom ia que porventura possuam devem-na também como dádiva.4

Dizer que Deus é o soberano Criador significa que Deus éa base da existência do mundo, e a fonte de todas as suas possibilidades. Contudo, Ele não é necessariamente um manipulador de

 bonecos fantoches, que fica puxando os barbantes. É perfeitamente possível para Deus criar um mundo em que haja alguma relativa autonomia, para si mesmo, mundo esse com certas estruturas inteligíveis, racionalmente independentes, e agentes finitos quetenham a capacidade de tom ar decisões livremente. Assim, Deusconcede à criação certo grau de realidade e poder, não retendo monopólio de poder para Si mesmo. Sua soberania não é do tipo que

determina tudo, mas do tipo que é competente em tudo. Certamente Deus é capaz de manejar quaisquer circunstâncias que possamsurgir, e nada, ninguém, tem a capacidade de destruir ou derrotara Deus. Contudo, Ele não controla tudo quanto acontece. Deushonra o grau de relativa autonomia que concede ao mundo.

Mas, de que maneira pode Deus fazer cumprir Sua vontadenum mundo em que seres finitos são livres para resistir-Lhe? Ele

 pode fazê-lo por causa de Sua habilidade para antecipar as obstruções que as criaturas podem atirar em Seu caminho e, assim,resolver cada novo desafio de maneira eficiente. Israel pode resistire rebelar-se contra os propósitos de Deus, contudo, ao longo dosanos, os planos de Deus terão sucesso real. Um indivíduo pode optar por rejeitar o plano de salvação proposto por Deus, e entristecer o coração divino, mas isto não impedirá a vinda do reino de

Deus. É possível conceder-se uma faixa de livre-arbítrio significativo à humanidade, sem temer-se que os planos de Deus não se jam executados. Nada jamais aconteceu, ou acontecerá, que Deusnão tenha antecipado, ou que Ele não saiba como manejar.

Antes de passarmos à análise do livre-arbítrio e da soberania de Deus, comentemos três outros tópicos. Em primeiro lugar,a criação é uma expressão da atividade cheia de propósito, de

4 Um excelente livro a respeito da criação é Maker o f Heaven and Earth,  de Langdon Gilkey (New York: Doubleday, 1959).

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIM ENTO 179

Deus, no tempo. Deus projetou uma obra e, em seguida, executou-a. E importante que notemos não apenas que a criação é um even

to, e não um mito, mas também que Deus age no tempo, não seabstraindo temporalmente. Uma coisa que jamais deveríamos fazer, se quisermos entender o livre-arbítrio de Deus e nosso própriolivre-arbítrio, é pensar em Deus como um Ser que Se abstrai dotempo. Voltarei a este assunto mais tarde.5

Em segundo lugar, Deus não é independente do mundo emtodos os sentidos. Ele não é, por exemplo, como o Deus de Aristóte

les, que foi descrito como estando preocupado consigo mesmo,não sendo cognoscível pelas pessoas. De acordo com a Bíblia, écerto que Deus Se interessa pelo mundo, e dele cuida. Portanto,Ele é dependente do mundo, pelo menos no sentido de conhecê-lo. Deus registra o que está acontecendo no mundo e age de modo apropriado. Assim, em certo sentido, Deus depende do mundo quanto às informações sobre o que acontece. Contudo, não se

muda a natureza de Deus por causa disto. Muda apenas o conteúdo de Sua experiência sobre o mundo. Tal dependência cognitiva é algo aceito por Deus, desde que Ele criou um universo significativo fora de Si mesmo. Deus continua a amar o mundo e aodiar a injustiça, mas a maneira de Ele expressar Seu amor e Suasantidade varia de forma apropriada, de acordo com as circunstâncias. Surgem novas informações, e Deus as registra. Neste pon

to, o teísmo convencional precisa ser corrigido. Também voltareia este assunto, mais tarde.Em terceiro lugar, a fim de afastar a suspeita de que eu seja

um teísta processual, vamos esclarecer a situação. Tenho simpatia por algumas facetas do teísmo processual. Eu também vejo arealidade como estando aberta, jamais fechada. E penso em Deuscomo um Ser que Se relaciona com os eventos à medida que acon

tecem, e não independente do tempo. Contudo, afirmo tambémcom o teísmo clássico a doutrina da criação e da independênciaontológica de Deus em relação ao mundo. Creio num teísmo dinâmico que aceita o retrato de um Deus que opera seqüencialmen

5 Gordon D. Kaufman trata com muita profundidade do assunto de Deus como Agente cheio de propósitos na história do mundo, em sua obra Systema-  tic Theology: A Hístoricist Perspective  (New York: Scribner’s 1968).

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180  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

te, num processo temporal que não constitui simples ilusão.6

Livre-Arbítrio das Criaturas

De acordo com a Bíblia, não foi apenas possível a Deus criar ummundo com agentes finitos, livres, importantes: Deus o fez exatamente assim. Torna-se isto aparente ao lermos duas asserções bí blicas, básicas, a respeito dos seres humanos: (1) são agentes históricos que podem achegar-se a Deus, em amor; e (2) são pecadores que deliberadamente rejeitaram o plano de Deus. Nenhuma destas duas declarações teria sentido se não postularmos a dá

diva do livre-arbítrio, em seu sentido mais forte.A Bíblia nos apresenta a criação dos seres humanos à ima

gem e semelhança de Deus, e fala deles como sendo agentes morais que deveriam exercer domínio sobre o mundo, e atender livremente às ordens de Deus (Gên. 1:27,28; 2:15-17). São como Deusno sentido de refletir Sua capacidade criadora, na capacidade detraçar planos e executá-los. Têm a capacidade de transformar omundo, e a si próprios, e de agir conscientemente para a glória deDeus. Significa que é possível um relacionamento pessoal, a maiormaravilha deste universo, entre estas criaturas e seu Criador. O homem é capaz de achegar-se (ou de rejeitar) a seu Criador, em amor,e celebrar uma comunhão com Deus. Esta aliança de comunhão,

 por sua própria natureza, não pode ser coagida, mas trata-se dealgo celebrado voluntariamente por ambas as partes. À luz desta

 possibilidade, devemos concluir que o livre-arbítrio humano é algosignificativo e real. A obediência em fé e amor não pode ser forçada. Embora a liberdade hum ana seja limitada e finita, quandocomparada à liberdade de Deus, ainda assim é uma realidade preciosíssima. O futuro todo jaz aberto, diante de nós, e podemos decidir por nós mesmos se caminharemos ao lado de Deus.7

O livre-arbítrio das criaturas não deixa de ter, evidentemente, seus limites e restrições. Nossa liberdade vai chegando gradual

6 Royce G. Gruenler criticou o teísmo processual da perspectiva do teísmo clássico. Tenho mais simpatia que este autor pelo teísmo processual. Veja-se sua obra The Inexhaustible God: Biblical Faith and the Challenge of Process Theism (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1983).'Sobre a humanidade como história, veja-se Wolfhart Pannenberg, What is 

 Man? (Philadelphia: Fortress, 1970). Sobre a humanidade como tendo capacidade para achegar-se a Deus, veja-se Hendrikus Berkhof, Christian Faith (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1979), cap. 25.

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIM ENTO 181

mente, tomando forma nos primeiros cinco anos de vida. Somosamoldados, em grande escala, por nossos pais, que tomam por nós

a maior parte de nossas decisões, no começo. E prosseguimos, sendo afetados pelas demais pessoas, e afetando-as também. Podemos trancar-nos dentro de situações em que nosso livre-arbítriofica sensivelmente diminuído, ou podemos tom ar decisões que ex

 pandem a faixa de alcance de nossa liberdade. O passado exerceinfluência sobre nós, e somos levados por uma onda de históriaque não podemos controlar. Muitos fatores e variáveis determi

nam as decisões que tomamos. Assim sendo, o livre-arbítrio é, definitivamente, algo limitado e finito. Contudo, no final das contas, a maravilha resultante é que não somos um bloco de pedra tra balhado inteiramente por fatores externos. Somos agentes da história, podemos contribuir significativamente para a história, efazê-lo para a glória de Deus.

Certamente é óbvia a razão por que Deus tomaria a arrisca

da decisão de criar seres como nós. É que alguns valores de grande importância só existiriam se Ele nos criasse assim. Qualidadestais como o amor e o heroísmo só podem existir se houver criaturas livres, para assumi-las. Não haveria muito sentido num animal que fosse programado para amar, e não pudesse deixar deamar. Exige-se livre-arbítrio finito para amar no sentido total. DizC. S. Lewis, num trecho bem conhecido: “Por que Deus deu en

tão o livre-arbítrio? Porque o livre-arbítrio, apesar de tornar o mal possível, é também a única coisa que faz com que todo amor, bondade ou alegria valham a pena. Um mundo de autômatos, de criaturas que trabalhassem como máquinas, não valeria a pena sercriado.”8 As pessoas precisam ser livres, a fim de poderem adentrar aquele relacionamento salvífico com Deus, o qual o próprioDeus planejou para nós. Devemos adm itir que foi arriscada para

Deus a decisão de criar um mundo como o nosso. Suponho queDeus sabia que esse risco valia a pena, em face dos benefícios quecolheria. Era preciso conceder-se liberdade ao homem a fim de vira existir a possibilidade de uma aliança pessoal entre ele e Deus. Nenhuma outra coisa proporcionaria esta aliança.9

8 C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples  (ABU Editora S/C, 1979), p. 26.9 John Hick,  Evil and the God o f Love   (New York: Harper and Row, 1966), pp 311-313

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182  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

De acordo com a Bíblia, os homens são criaturas que rejeitaram a vontade de Deus e desviaram-se de Seus planos. Este fato constitui outra prova importante de que Deus fez os homens ver

dadeiramente livres. É evidente que os homens não são marionetes presas a um barbante. São livres até o ponto de lançar suas vontades contra a vontade de Deus. Na verdade, nós nos desviamosdo plano que Deus esboçou, ao criar-nos, e atravessamo-nos diantedos propósitos de Deus, bloqueando-os. Obviamente somos livres,

 porque agimos como uma raça, de maneira a quebrar a vontadede Deus, e destruir os valores que Deus considera altíssimos para

nós. Certamente não nos é possível acreditar que Deus planejouem segredo nossa rebelião contra Ele. É certo que nossa rebeliãoé prova de que nossas ações não são determinadas, mas significativamente livres. Embora não sejamos dualistas, devemos admitir que a história, hoje, se nos apresenta à semelhança de umaluta entre forças conflitantes, ao vermos as criaturas em franca re belião contra Deus. De acordo com a narrativa bíblica, o confli

to entre Deus e os homens é muito real. Podemos não ser capazesde frustrar os planos de Deus para o mundo, mas, é certo que podemos arruinar o plano que Ele traçou pessoalmente, para nós,e, semelhantemente aos escribas, podemos rejeitar os propósitosde Deus para nossas vidas (Luc. 7:30).10

As evidências bíblicas conduzem-me, então, a uma forte definição de livre-arbítrio. Não é suficiente dizer-se que uma esco

lha livre é aquela que não sofreu compulsão externa, mas foi determinada pelo estado psicológico do cérebro do agente, ou pelanatureza dos desejos do agente. Dizer-se que José roubou o doce porque ele o desejava é coisa óbvia; a questão é se ele poderia ter-se reprimido, abstendo-se de roubá-lo, a despeito de seu desejo.A idéia da responsabilidade moral exige que acreditemos que asações não são determinadas, nem interna nem externamente. A

Bíblia concorda com nossas intuições a respeito de nossas decisões e nosso com portamento moral. O amor que Deus deseja denós é um amor que não somos obrigados a dar. O pecado pelo qualDeus nos condena é aquele que não tínhamos de cometer. Trata-se de ações para as quais não havia condições anteriores que astornassem certas e determinadas ações resultantes de escolhas genuínas de agentes históricos.

10 Veja-se Roger T. Forster e Paul Marston, G od’s Strategy for Human His- tory (Wheaton 111 : Tyndale 1973)

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 DEUS LIMITA SEU CONHECIMENTO 183

 Naturalmente, há condições que existiam antes de tomarm osnossas decisões, e que as afetaram, e nossas ações não são todaslivres por igual. Mas, o ponto central é que temos realmente a ca

 pacidade, no momento de decidir, de executar atos que poderiamter sido substituídos por outros, e tom ar decisões para as quais havia outras alternativas. O verdadeiro amor implica na possibilidade de não cometer-se pecado. Não faz sentido afirmar-se queagimos livremente se, de fato, estamos fazendo aquilo que Deus,desde a eternidade, nos predestinou para fazer. Tanto a Bíblia como a razão não vêem sentido em tal proposição.11

Uma importante implicação desta forte definição de livre-arbítrio é que a realidade permanece, em certa extensão, aberta,e não fechada. Isto significa que uma novidade genuína pode aparecer na história, que não poderia ser prevista por ninguém, nemmesmo por Deus. Se à criatura foi concedida a habilidade de decidir por si própria como serão determinadas coisas, estas não poderão ser conhecidas de antemão, de modo infalível. Tal conceito

implica em que o futuro realmente está aberto, e não disponívelà exaustiva presciência nem mesmo da parte de Deus. Fica bemclaro que a doutrina bíblica do livre-arbítrio humano exige de nósque reconsideremos a perspectiva convencional da onisciência deDeus.

Como foi que Agostinho conseguiu manter a doutrina dolivre-arbítrio humano, como sendo sua resposta para o problemado mal, sem precisar, no entanto, fazer uma revisão em sua doutrina da onisciência e da onipotência de Deus? Ouso dizer que arazão é que Agostinho não foi inteiramente coerente neste assunto. É verdade que ele julgou que poderia absolver a Deus da res ponsabilidade do mal, ao enfatizar a queda de Adão em pecado pelo mau uso do livre-arbítrio. Entretanto, a fidelidade de Agostinho a certo tipo de teísmo ameaçou a defesa que ele preparou

 para a justiça de Deus. À semelhança de Filo, que o antecedeu,Agostinho se prendera a um retrato bíblico de Deus, pintado comcertas tintas gregas, ou pressuposições a respeito da perfeição divina, de modo especial a imutabilidade divina. Isto fez com queAgostinho ficasse impossibilitado de pensar num Deus que apren

11 Estou ciente de que calvinistas como Donald A. Carson acham que isto faz sentido para eles. Veja Divine Sovereignty and Human Responsability (Atlanta: John Knox, 1981), pp. 206-209.

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184  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

deria alguma coisa (que já não soubesse desde a eternidade), ouque fosse capaz de mudar, reagindo a novas circunstâncias. Eleimaginou um Deus que existia além da possibilidade da m udan

ça e do tempo, que sabia todo o passado, todo o presente e todoo futuro, como se houvera apenas um presente desligado do tem po. Todavia, se a história é conhecida de modo infalível e certo desde a eternidade, segue-se que o livre-arbítrio é uma ilusão. Porexemplo, não haveria outra alternativa para Adão, senão pecar, eele pecou. Mas, de acordo com o pensamento bíblico, se não tivesse havido uma genuína possibilidade para Deus ter agido cor

retamente, naquela circunstância, ele não teria sido, de forma alguma, um agente livre.12

Ao dizer isto, coloco-me contra o teísmo clássico, que vemtentando provar que Deus pode controlar e prever todas as coisasnum mundo em que os homens são livres. Todavia, a liberdade só

 pode existir, neste contexto, num sentido verbal apenas. Não existelugar para o tipo de livre-arbítrio de que a Bíblia nos fala, se hou

ver um Deus que sabe e /o u controla todas as coisas, num presentedesligado do tempo. Livre-arbítrio significa que a realidade estáaberta, mas não aberta para tal tipo de teísmo clássico.13

Governo de DeusSe Deus criou agentes finitos com certo grau significativo de li

 berdade, segue-se que Ele haveria de levar tal fato em considera

ção ao exercer Seu governo no mundo. Na verdade, é isto mesmoque a Bíblia sugere.

A Bíblia nos apresenta Deus como sendo a força superior quenão se fixa em Seu direito de dominar, mas recua para dar lugaràs Suas criaturas. Ele nos convida para dominar o mundo, masvê-nos tentando subtraí-lo do próprio Deus. Chama Israel para serSeu servo, a fim de mostrar ao mundo o caráter de Deus, mas a

nação fracassa, errando cada vez mais. Quando Deus enviou Seu próprio Filho, fez o papel de um servo, e não empurrou as pessoasna direção da obediência. O Espírito de Deus pode ser entristecido, extinguido e resistido. A Bíblia não nos fornece o retrato, deum Deus determinador de todas as coisas, mas de um Deus que

12 Veja-se Langdon Gilkey,  Reaping the Whirlwind: A Christian Interpreta-  tion o f H is tory  (New York: Seabury, 1976), cap. 7.13 Concordo com a posição de David R. Griffin em God, Power and Evil: A  P Th di (Phil d l hi W t i t P 1976)

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIM ENTO 185

abre espaço para os seres humanos, e aceita as conseqüências, boase más, dessa decisão. Até mesmo quando nos rebelamos contraDeus, Ele permite que trilhemos esse mau caminho. Todavia, Ele

nos chama de volta, e vigia nosso retorno (Luc. 15:11-32). Deus abremão de parte de Seu poder, a fim de ganhar nossa participaçãovoluntária, coisa que Ele almeja ardentemente. Podemos falar deuma autolimitação voluntária de Deus, quando Ele decidiu criaro tipo de mundo que de fato criou.14

O reino de Deus é a expressão chave usada por Jesus paraexprimir a soberania de Deus. O Senhor proclamou a vinda do rei

no, uma época em que a vontade de Deus será feita na terra comono céu. Ele contemplava ao longe, como o fizeram os profetas antes dEle, aquele período de paz e justiça. O governo de Deus recebia resistência selvagem e destrutiva. O reino estava presente deforma misteriosa, porém não em pleno poder, ainda. A soberania integral seria algo que se estabeleceria no futuro, após muitaluta. O reino de Deus demonstra a natureza do governo de Deus:

 permite oposição, e opera em meio aos desafios que vai encontrando.15

A oração também ilustra meu conceito. Deus promete ouvirnossas orações e lhes responder. Tiago o diz ousadamente: “Nada tendes, porque não pedis” (4:2). A oração pode mudar o fu turo. Por causa da oração, as coisas podem ser diferentes do que seriam sem ela. “Pedi, e dar-se-vos-á” (Mat. 7:7). Isto deve querer

dizer que Deus nos chama para exercer nossa coparticipação, aoSeu lado, no governo do universo. O plano de Deus está aberto.Verdadeiramente, Deus aceita a influência de nossas orações para as decisões que Ele vai tomar. A oração é prova de que o fu turo está aberto, e jamais fechado. Demonstra que os acontecimentos futuros não estão predeterminados e fixos. Se você crê que aoração muda as coisas, todo o meu conceito já está estabelecido.

Se você não crê, é que você está longe da religião bíblica.A soberania de Deus, então, não deve ser considerada plan

ta arquitetônica de tudo quanto vai acontecer, um decreto pré-temporal, singelo, que fixa tudo, cada coisa em sua posição, an

14 Veja-se Langdon Gilkey, Message and Existence: An Introduction to Chrís-  tian Theology  (New York: Seabury, 1979), cap. 5, especialmente pp. 91-93.15 Dois mais proeminentes teólogos de nosso tempo, Wolfhart Pannenberg e Jürgen Moltmann, crêem firmemente que a soberania de Deus virá a ser efetiva no futuro.

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186   PREDESTINAÇAO E LIVRE-ARBÍTRIO

tes mesmo de a história iniciar-se. A soberania de Deus refere-se,ao invés, à atividade de Deus, o qual estruturou o mundo, e estádesenvolvendo Seu plano salvífico na esfera da história. Os obje

tivos do plano são imutáveis (por exemplo, convocar as pessoas para virem ter comunhão com Deus). Todavia, a execução desse plano é flexível, e adapta-se aos acontecimentos. Deus está constantemente tomando decisões relacionadas com a implantação deSua vontade. Deus reage aos eventos no tempo e faz com que to das as coisas cooperem para o bem. Porém, não se trata de umasituação controlada, em que nada inesperado acontece, e tudo sai

exatamente como Deus quer. Seria relativamente simples administrar um mundo em que Deus pudesse contar com todas as coisasacontecendo conforme Ele as decretou. Trabalhar num mundo emque as criaturas são livres exige um bocado a mais da atenção deDeus.16

Mas, é Deus onipotente mesmo? Alguém certamente objetaráque Deus seria finito, se Ele não controlasse cada detalhe deste

mundo. É claro que Deus é onipotente. O poder para criar ummundo com agentes livres certamente é um “poder onipotente” !Só um ser onipotente, como disse Kierkegaard, teria o tipo de poder necessário para concretizar tal projeto. O poder da tirania podefazer que as pessoas obedeçam sob ordens, mas exige-se um tipode poder muito superior, para criar-se a delicada flor do livre-arbítrio humano, e com ele trabalhar.17

Deus exerce o tipo de onipotência compatível com a decisãotomada por Ele próprio, de criar um mundo de agentes livres. Jamais os teístas afirmaram que Deus poderia fazer coisas impossíveis, ou contraditórias. Deus usa Seu poder para sustentar o mundo que Ele criou, e para promover a salvação dos homens, masde maneira não-coercitiva. Onipotência quer dizer que Deus pode fazer aquilo que Ele decidiu que fará. Ele poderia criar uma

raça de autômatos, se Ele assim o desejasse. E poderia criar serescapazes de praticar atos de livre-arbítrio. Ao decidir-Se por esta

16 Richard Swinburne, TheExistence o f Go d  (Oxford: The Clarendon Press, 1979), caD. 10; Michael J. Langford, Providence  (Londres: SCM Press, 1981).17 Sõren Kierkegaard,  Journals  (New York: Harper and Row, 1958), p. 113.

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIM ENTO 18 7

última alternativa, Ele revelou — não negou — Sua onipotência.18

Entenda-se que minha perspectiva não nega a onipotência,quando adequadamente definida, mas nega a onipotência que temsido aceita pela teologia ocidental, tradicional, desde Agostinho.Embora falasse em livre-arbítrio humano, Agostinho era duríssimo ao afirmar que a vontade de Deus sempre é feita, e que a criatura humana nada pode fazer para contrariá-la. Diz Agostinho,numa de suas muitas sentenças sobre o assunto: “Deus não é ver

dadeiramente o Todo-Poderoso, se Ele não puder fazer tudo quanto quiser, ou se o poder de Sua vontade onipotente for prejudicado pela vontade de qualquer criatura, em qualquer tempo!’19 Oteísmo clássico presume que a vontade de Deus é sempre e invariavelmente feita. Contudo, tal presunção não é escriturística. Eintroduz problemas enormes, de todo tipo, na teologia e na vida.Tal conceito implica em que o mal não é mal, porque Deus o quis.

Implica em que o livre-arbítrio não é livre, porque não existem alternativas genuínas. Esse conceito nos diz que tudo quanto viermos a decidir, no futuro, já havia sido decidido. Reconheço queesta crença na forte onipotência dá à pessoa forte senso de segurança, mas comunica, também, a negação da realidade dinâmicadas vidas que vivemos. Fico perplexo ao pensar que os eruditosconservadores são tão relutantes em abandonar a estrutura clás

sica teísta, nesta questão, preferindo continuar lutando inutilmente.20

Natureza de DeusSe se começa a explorar este assunto da soberania divina e livre-

18 Concordo inteiramente com Axel Steuer, “The Freedom of God and Hu- 

man Freedom”, Scottish Journal of Theology  36 (1983): 163-180; e Richard Swinburne, The Coherence o f Theism  (Oxford: The Clarendon Press, 1977), cap. 9.19 Agostinho, The Enchiridion, cap. 96, em Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. 3, ed. Philip Schaff (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1956), p. 267.20 Por exemplo, excelentes teólogos como Bloesch, Erickson, Fackre, e até mesmo Packer fazem concessões que exigem que eles rompam com a onipotência forte de Agostinho e de Calvino, mas eles se recusam a fazê-lo. Atribuo esta timidez à posição privilegiada que o calvinismo desfruta entre os adeptos do 

evangelicalismo (como eles mesmos se definem). Veja-se Harry Buis,  H is to rie Protestantism and Predestination  (Philadelphia: Presbyterian and Refor- med, 1958).

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188  PREDESTINAÇAO E LIVRE-ARBÍTRIO

arbítrio humano, termina-se discutindo a doutrina de Deus. Em última análise, o debate neste livro gira em torno da natureza do teís

mo cristão.O perfil de Deus que traço a partir de minhas leituras da Bí blia se caracteriza pela flexibilidade e dinamismo. Deus é o Deusvivo que age e reage a favor de Seu povo. Ele não existe longe denós, retirado em esplêndido isolamento, abstraído do tempo e dasmudanças, mas relaciona-Se com Suas criaturas e compartilha suasvidas. Poderíamos comparar o Deus de Aristóteles a Satanás, na

narrativa bíblica, pois, vive isolado, solitário, não Se relacionando com nada, e contemplando-Se apenas a Si próprio. Que ironia,o Deus de Aristóteles, tão isolado, ter sido capaz de influenciara doutrina cristã de Deus, causando-lhe tanto mal. Eu creio queDeus Se relaciona com Suas criaturas em todas as dimensões desuas vidas. Esta perspectiva, longe de constituir negação da transcendência e do poder de Deus, ao contrário, explica a maneira por

que o poder e a transcendência de Deus se manifestam. Numa palavra, Deus é amor. Ele não jaz inativo e impassível, mas constantemente envolvido no tempo e na história.

A Bíblia está cheia de versículos que retratam Deus reagindo sensivelmente àquilo que acontece na terra. Os teístas clássicos inclinam-se a torcer as passagens sobre tal fato, dizendo quetais expressões são apenas quadros antropomórficos, ou infantis,

que não devem ser tomados literalmente. Na verdade, estão fazendo isto: estão tentando evitar o que a Bíblia ensina. A Bíblia apresenta Deus de forma muito dinâmica, mas eles querem negar esse fato. Tomemos, por exemplo, Jeremias 18. Deus é comparadoa um oleiro lidando com o barro. Visto que o modelo se estragara, Deus pensa em começar tudo de novo. Dirigindo-se a Israel,através de Jeremias, Deus diz que o que fará com o povo é ques

tão aberta. Se o povo se arrepender, haverá bênçãos; se não se arrepender, Ele o abandonará, e enviará o julgamento. Isto nos parece muitíssimo um Deus dinâmico que estrutura Sua vontade, emreação àquilo que acontece na história, nada havendo parecidocom um Deus encerrado na total abstração do tempo, incapaz demudar, seja no que for.

Segue-se, então, que se quisermos conhecer o Deus da Bíblia,

teremos de desenvolver novo modo de pensar, no que tange aosatributos de Deus. Gostaria de apresentar quatro sugestões quesão, ao mesmo tempo, necessárias e intrigantes.

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 DEUS LIM ITA SEU CONHECIMENTO 189

Primeiramente, rejeitemos o modelo grego de imutabilidade.Embora seja Deus imutável em Sua essência e caráter, Ele é mutável em Seu conhecimento e em Suas ações. Um Deus imutável

em todos os sentidos não pode ser o Deus da revelação, que reagedinamicamente diante de cada nova situação. Se Ele fosse imutável, segundo o sentido de Platão, o retrato bíblico de um Deus ativoestaria em frangalhos. É claro que Deus é amor; isto jamais m udará. Contudo, o amor de Deus em ação está continuamente mudando em relação ao Seu povo. Louvamos a Deus por Suas obrasmaravilhosas, feitas a nosso favor. Esta capacidade para mudar

não significa que Deus é caprichoso, ou volúvel. Significa, sim plesmente, que Deus é capaz de operar na história cambiante, reagindo a tudo quanto vai acontecendo. Glória a Deus pela Sua imutabilidade que está sempre mudando!21

Em segundo lugar, devemos tom ar com ceticismo a afirm ativa de que Deus é impassível — outro axioma da teologia platônica. Este atributo significa que Deus não pode experimentar tris

teza, dor ou amor. Até mesmo H. P. Owen admite a precariedadedesta posição, como se o teísmo clássico tentasse equilibrar-se numfio de aço. Como é possível afirmar-se que Deus é amor, e que emCristo Ele sofreu pelos nossos pecados, se Deus é impassível?Owen esforça-se demais, sugerindo que Deus pode imaginar o quedeve ser a dor para Suas criaturas, todavia, esse erudito enfrentaenorme problema tentando convencer até a si próprio.22 O fato é

que o teísmo estava errado ao impor esta noção tão especialmente inútil à teologia cristã, e é necessário que alguém o diga. Gostodos esforços de Moltmann nesse sentido.23

Em terceiro lugar, devemos adm itir que a categoria grega daausência ou abstração do tempo, embora aparentemente ofereçaalgumas vantagens ao teísta cristão, encerra muito mais problemas do que vantagens. A Bíblia diz meramente que Deus é eter

no, não tendo começo nem fim. Isto significa que Ele é capaz de

21 Karl Barth estava no caminho certo em Church Dogmatics I I /I (Edinburg- T. & T. Clark, 1957), pp. 490ss.22 H. P. Owen, Concepts o f D eity (New York: Herder and Herder, 1971) pp 23-25.23 Jürgen Moltmann, The Crucified God  (Londres: SCM Press, 1974), cap. 6. Deus não é imutável em Sua essência, no sentido que Ele é triúno — um dínamo de amor e atividade. Veja-se também de Moltmann: The Triníty and the 

 Kingdom   (San Francisco: Harper and Row, 1981).

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190  PREDESTIN AÇAO E LIVRE-A RBÍTRIO

envolver-Se no tempo, e na história. Deus planeja e executa Seus planos. Deus executa atos e assegura suas conseqüências — tudonuma seqüência temporal. Pensar em Deus como Alguém que se

abstrai do tempo é ameaçar todo o conceito bíblico.24 Sugere queDeus não pode ser agente que trabalha seqüencialmente, no tem

 po, e que a mudança temporal é uma ilusão. Se Deus conhece ahistória como sendo presente, fora do tempo, nossa impressão deque algumas coisas pertencem ao passado e outras ao futuro é mera ilusão. Aquilo que aconteceu no ano 1240 A.D., e aquilo que vaiacontecer no ano 2097 A.D. ficam igualmente no presente, em al

gum lugar na terra onde não existe o tempo. Não gosto deste conceito por duas razões: primeira, porque é destituído de sentido;e segunda, porque destrói a mensagem da Bíblia.25

Em quarto lugar, precisamos reconsiderar o que significa aonisciência de Deus. Alta porcentagem dos crentes acredita queDeus sabe todas as coisas, até mesmo o futuro, exaustivamente,em minúcias. Isto significa que tudo quanto você e eu fizermos

 já foi registrado no livro das coisas que certamente haverão deacontecer. Assim sendo, a idéia de que de fato estamos fazendoescolhas, ponderando ações alternativas, é um erro, uma ilusão.Se Deus sabe que amanhã você vai escolher a alternativa A, e nãoa B, a idéia que você tem, então, de que estará tomando uma decisão genuína é errada. Concordo com os calvinistas tradicionaisem que a onisciência forte pressupõe uma predestinação forte, e

concordo também com Lutero, que dizia exatamente isto a Erasmo.26 Não há ajuda no apelo à abstração do tempo, como o fazem C. S. Lewis e Tomás de Aquino. Se Deus sabe eternamente que

24 Alegro-me de poder compartilhar esta convicção com um filósofo evangélico que muito admiro, Nicholas Wolterstorff, “God Everlasting”, em Contem- 

 porary Philosophy o f Religion, ed. Steven M. Cahn e David Shatz (New York: 

Oxford Univ. Press, 1982), pp. 77-98.25 Stephen T. Davis concorda, em sua Logic and the Nature o f G od  (Grand Rapids, Mich.; Eerdmans, 1983), cap. 1. Ronald H. Nash é tentado a concordar, também, em The Concept o f God  (Grand Rapids, Mich.; Zondervan, 1983), p 83.

Concordo com Loraine Boettner em que a presciência presume pré- ordenação. E preciso questionar ambas, juntas e separadamente. Veja-se The 

 Reformed D octn ne o f Predestination (Philadelphia: Presbyterian and Refor- med, 1965), pp. 42-46. Lutero atou este rigoroso nó em Bondage o f the Will. Veja-se Harry J. McSorley, Luther: Right or Wrong? New York: Newrtian Press, 1969).

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 DEUS LIMITA SEU CONHECIMENTO 191

a decisão será A, e não B, subsiste então a ilusão de que há umagenuína alternativa, no momento da tom ada de decisão. Parece-me que as ações que são pré-conhecidas infalivelmente, ou que independem do tempo, mas pertencem à presciência, não podem serlivres de acordo com o sentido bíblico.27

Se assim é, em que sentido é Deus onisciente? Deus é onisciente no sentido que Ele sabe tudo que pode ser conhecido, damesma forma que Deus é onipotente, no sentido que pode fazertudo que é factível. Contudo, atos livres não são entidades que podem ser conhecidas antecipadamente. Não existem, literalmente,e por isso não podem ser conhecidos. Deus pode conjecturar so

 bre o que você fará na próxima sexta-feira, mas não saberá comcerteza, porque você ainda não agiu.

Apelo ao leitor que leia o texto bíblico com este conceito emmente. O problema é que os leitores dificilmente lêem assim, em bora no meu entender, o desenrolar da história na Bíblia presume meu conceito. De acordo com a Bíblia, Deus antecipa o fu turo de maneira semelhante à nossa. Deus testa o patriarca Abraão para ver o que ele fará e, em seguida, diz através de Seu mensageiro: “Agora sei que temes a Deus” (Gên. 22:12). Deus ameaça destruir Nínive, e depois cancela a ameaça, quando a cidade se arre pende (Jon. 3:10). Ao ler a Bíblia, não fico com a impressão deque o futuro está todo estabelecido, e no domínio da presciência.O futuro é visto como um campo em que importantes decisões ainda poderão ser tomadas, as quais poderão mudar o curso dahistória.28

Mas, que diremos das profecias, das previsões de acontecimentos futuros? Será que elas não provam que Deus sabe tudo arespeito do futuro? Não, não provam. Alta porcentagem das profecias pode ser explicada mediante um dentre três fatores: anúncio antecipado daquilo que Deus pretende fazer, profecias condi

27 Concordo com Nelson Pike, “Divine Omniscience and Voluntary Action” em Cahn and Shatz, Contemporary Philosophy,  pp. 61-76.28 Eruditos evangélicos que têm tido coragem suficiente para afirmar este conceito (alguns dirão: que têm sido tão tolos) incluem os seguintes: L. D. McCabe, 

 Divine Nescience o f Future Contingencies  (New York: Phillips e Hunt, 1882) e The Foreknowledge of God and Cognate Themes in Theology and Philosophy 

(New York: Hitchcock e Walden, 1878)/ Gordon C. Olson, “The Foreknow-  ledge of God”, artigo não publicado, 1941; Roy Elseth, D id G od Know? A Study  o f the Nature o f God  (St. Paul: Calvary United Church, 1977); e Rice, Openness.

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192  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

cionais que deixam os resultados em aberto, e predições baseadasno exaustivo conhecimento de Deus sobre o passado e o presente.

Acho que essa variedade de onisciência divina denominada “bola de cristal” não tem origem bíblica, nem foi cogitada pelos autores bíblicos. Portanto, não devemos pressupor tal tipo de onisciência. Precisamos ler a Bíblia mais literalmente.

O vigoroso tom de meu artigo dará a entender, ao leitor, queeu penso ser urgente que os crentes reconsiderem os vários aspectos de seu teísmo. Se vamos pregar a Bíblia, e relacioná-la de modo eficaz às necessidades das pessoas, torna-se imperativo, então,que salientemos a amorosa relatividade de Deus perante um mundo em mudança, e que diminuamos nosso apego à noção de umadivindade imutável, implícita na filosofia grega. O teísmo clássico tentou combinar estes dois ideais de perfeição e não conseguiufazê-lo de forma coerente, entregando-nos uma série enorme de

 problemas desnecessários.29Concluindo, a Bíblia contém vários milhares de versículos.

 Não estou afirmando que nenhum deles poderia ser mencionadode modo a perturbar meu conceito, ou qualquer outro conceitoa respeito da soberania de Deus e o livre-arbítrio humano. Estouapenas afirmando que a tremenda impressão que a Bíblia nos deixa é que existe um livre-arbítrio humano significativo, im portante e uma soberania de Deus muito dinâmica. Deus nos concede es

 paço para tomarmos decisões genuínas, enquanto vai trabalhando a nosso lado, no processo temporal. Deus Se interessa pelo quesomos, e pelo que fazemos. Deus reage para conosco, da mesmamaneira que um dançarino diante de sua parceira: o rapaz vai movimentando-se em perfeito sincronismo, em perfeita coordenaçãoe equilíbrio, acompanhando o ser vivo que é sua companheira.Gordon Kaufman diz o seguinte: “A capacidade de Deus decorresponder-Se conosco com perfeição é a qualidade que Lhe pos

sibilita tratar de cada novo acontecimento, na ordem da criação,com frescor e criatividade, conduzindo-a na direção de Seus ob

 jetivos fundamentais, mas sem violentar a própria integridade des

29 Já afirmei coisas semelhantes num artigo: “The Need for a Scriptural, and Therefore a Neo-Classical Theism”, em Perspectives on Evangelical Theology, ed. Kenneth S. Kantzer e Stanley N. Gundry (Grand Rapids, Mich.: Baker,  1979), pp. 37-42. Minhas atuais idéias foram antecipadas, também, em Grace Unlimited   (Minneapolis: Bethany Fellowship, 1975), que eu próprio editei.

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 DEUS LIMITA SEU CONHECIM ENTO 193

sa criação!’30 Contudo, se quisermos capacitar-nos para pensar nasoberania e livre-arbítrio desta maneira bíblica, atraente, não po

deremos deixar de reconsiderar a doutrina de Deus, de modo a e-levarmo-nos à altura daquela compreensão.31

Aplicação PráticaO Caso de Alfredo. Em minha opinião, o grande número de dificuldades práticas que as pessoas enfrentam, nesta área, deve-se auma estrutura teológica defeituosa. Se a pessoa crê que Deus é

imutável, onipotente e onisciente, no sentido forte destes termos,criam-se-lhe todos os tipos de dificuldades práticas. Por que é queDeus quis esta tragédia? De que maneira Deus nutre alguma sim

 patia por mim, em minhas lutas? Como é que eu sou livre, se tudo quanto eu vier a decidir, já está fixo e estabelecido no presentedesligado do tempo, de Deus, ou por Seu decreto eterno? Comoé que Deus me ama, se Ele não pode sentir coisa alguma? Pergun

tas deste tipo só podem ser respondidas com imensa dificuldade,e na base do teísmo convencional.Por outro lado, se a pessoa crê que Deus é um agente dinâ

mico, interessado, que opera no tempo, tais dificuldades não se erguem. O livre-arbítrio é real, e o futuro jaz aberto. Deus permitetragédias que Ele próprio não deseja; na verdade, Ele Se entristece com tais tragédias. Aquilo que constitui minhas decisões não

está fixado num decreto desligado do tempo. Deus é capaz de sentiralegria e tristeza, e reajusta Seus planos em resposta às circunstâncias cambiantes.

 Nenhum dos dois casos para estudo que nos foram apresentados contém alguma dificuldade maior, no que concerne à minha compreensão de Deus, de Sua soberania e de nosso livre-arbítrio. No caso de Alfredo, ele está certo, de início, em agradecer a Deus por tê-lo colocado na América do Norte (creio que está implícito), onde há condições apropriadas para pessoas produtivas e operosas de progredirem. Refiro-me às condições de umaatitude protestante concernente à vocação secular da pessoa, e àliberdade política e econômica. Tal combinação de fatores vem

30 Kaufman, Systematic Theology,  p. 239.

31 Nash, Concept, cap. 2. Ronald Nash discute dois tipos de teísmo, o clássico e o processual, e verifica que está faltando algo, no meio. Tentei expressar qual poderia ser essa posição intermediária.

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194  PREDESTINAÇÃO E LIV RE-ARBÍTRIO

 produzindo tremendas riquezas, onde quer que tenham existido,nos últimos dois séculos, e Alfredo beneficiou-se por viver sob tais bênçãos. Por ser amigo da poupança, dedicado e operoso, nesse

contexto favorável, é natural que Alfredo tenha prosperidade. Nãoestou certo quanto à crença de Alfredo, no que respeita ao controle soberano de Deus. Em minha opinião, o que explica a pros

 peridade dele é a estrutura criativa geral, estabelecida por Deus,a qual atribui recompensas a determinado tipo de comportamento,e penaliza outros tipos. Deus concedeu prosperidade a Alfredo,de modo miraculoso e arbitrário, porém, mediante a forma como

Ele criou o mundo. Alfredo deveria ser grato, por ter nascido e sidoeducado num lugar onde seus próprios esforços poderiam florescer, e jamais serem esmagados por fatores além de seu controle.

A certa altura, em sua vida, Alfredo tornou-se ciente da po breza de outras pessoas, em outros lugares. Sendo discípulo de Jesus, ficou perturbado e interessado, tentando imaginar como poderia ajudar. Parece que lhe disseram que a pobreza em outros lu

gares de alguma forma se devia à sua própria prosperidade. É bemcompreensível que ele ficasse confuso, perturbado, e começassea sentir muita culpa. Na minha opinião, o problema básico de Alfredo é que ele estava mal informado. É mentira, simplesmente,que as riquezas da América do Norte foram adquiridas mediantea injustiça, ou às custas dos países mais pobres. Ao contrário, aAmérica do Norte obteve sua riqueza porque, como cultura, al

mejou o progresso material, e possuía os elementos político-eco-nômicos que produzem riquezas, de modo dinâmico, e isto de forma inusitada na história da humanidade. Creio que Alfredo leu,talvez, certos materiais evangélicos, de orientação esquerdista, queo levaram a crer na hipótese da culpa do ocidente; tal conceito foi

 proposto, primeiramente, por Marx e Lenin, constituindo uma teoria que é bem o oposto da verdade. P. T. Bauer vem argumentan

do há décadas, de modo eficiente, penso, que os países mais po bres são justamente os que não tiveram qualquer contato (ou muito pouco) com a cultura ocidental, enquanto os que não estão tãomal, são os que mantiveram algum contato. Um fato contristadoré que grande número de países do assim chamado Terceiro Mundo, mantém atitudes culturais, ou religiosas, e sistemas políticosque impedem seu desenvolvimento econômico. Costumam culpar

os Estados Unidos, porque isto é mais fácil do que enfrentar a realidade dos fatos. Além disso, têm inveja dos Estados Unidos, pe

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 DEUS LIMITA SEU CONHECIM ENTO 195

lo enorme sucesso deste país, em relação a si mesmos, como países mais pobres. Meu conselho para Alfredo seria que leia literatura sadia, não envenenada, e que pare de autotorturar-se desnecessariamente.32

Que é que Alfredo deverá fazer, em seguida? Primeiramente, procurar conhecer melhor os fatos quanto à pobreza mundiale suas causas reais. Em segundo lugar, deverá abrir seu coraçãoaos necessitados e pesquisar as possibilidades de praticar caridade — contribuindo ou agindo. Em terceiro lugar, ele deveria apoiaro tipo de teologia da libertação que não estiver ligada a pseudo-soluções marxistas, teologia que prega a Cristo como a única m aneira de transform ar a cultura moral-religiosa, que encoraja a li berdade empresarial nas esferas econômicas e políticas. Tal conceito de teologia da libertação nos apresenta pouca esperança de progresso. A teologia da libertação atualmente em voga ofereceapenas promessas vazias, e quando consegue sucesso, acaba emtirania e pobreza socializada.

O Caso de Maria. Tudo que Maria precisa compreender é quea vontade de Deus, à semelhança da própria vida, é dinâmica e flexível. Ela precisa descartar a idéia que teístas convencionais im plantaram em sua cabeça, de que a vontade de Deus é uma planta arquitetônica aprovada pelas autoridades municipais, na qualestá previsto tudo quanto se fará. Se existisse tal planta aprovada, é claro que ela não precisaria preocupar-se com nada — o que

estiver para acontecer, há de acontecer, e terá o selo da aprovaçãode Deus. Deus deve ter decidido que M aria não passaria nos vestibulares de medicina, em Sua soberana sabedoria. Não existe, deforma alguma, um expediente pelo qual a pessoa possa evadir-sede qualquer aspecto de uma vontade certa, e irresistível. (Até mesmo meus argumentos contra a predestinação estavam predestina

32 Veja-se Peter T. Bauer, Dissent on Development (Cambridge: Harvard Univ. Press, 1976), e seu famoso artigo “Western Guilt and Third World Poverty”, em Commentary  61 (1976): 31-38. Um economista evangélico que tem a mesma perspectiva é Brian Griffiths, Morality and the Market Place (Londres: Hod- der and Stoughton, 1982), cap. 5. Só posso especular, isto é, conjecturar, que Alfredo estaria lendo demais os escritos provenientes [da ala progressista da Igreja Católica, as obras de Boff, os artigos dos mancomunados com o Partido dos Trabalhadores, com os partidos comunistas, e alguns que aparecem no 

 Expositor C ristão.(N.T.)]. Ele poderá ter lido, inclusive, alguns artigos que eu próprio escrevi, antes de ver os erros em que vivia.

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dos!) Entretanto, este retrato da vontade de Deus não é escriturís-tico. Não existe, em parte alguma, uma planta aprovada na qualestá determinado que Maria deverá ser uma enfermeira, e não médica. A vontade de Deus para M aria é que ela deverá crescer à semelhança de Cristo, e trazer à realidade seu potencial máximo,dentro das circunstâncias que a cercam.

Pode ser que Maria não tivesse conseguido entrar na Faculdade de Medicina porque lhe faltou a devida motivação para estudar bastante, talvez lhe faltem os talentos necessários a uma médica. Pode ser, também, que havia um número extraordinário deexcelentes candidatos ao curso de medicina, muito mais talentosos que Maria, os quais ocuparam todas as vagas das várias Faculdades, sobrando, pois, os menos talentosos. O pastor de Maria revelou-se um teísta dinâmico e sábio, que a aconselhou a nãoculpar a Deus pela sua frustração, mas empenhar-se ao máximode suas possibilidades em enfermagem. Ele poderia ter adicionado que se, de alguma forma, alguma injustiça fora cometida contraela, certamente Deus cuidaria com afeto de seu pedido de justiça. Estou contente porque ele não disse: “Maria, Deus deve ter desejado que você fracassasse no vestibular de medicina.” Só os deterministas poderiam ter certeza assim, porque para eles tudoquanto acontece tinha de acontecer. Quem sabe, talvez, um dia,Maria terá outra chance de prestar o vestibular e ser bem-sucedida,e tornar-se médica. Visto que a realidade está aberta, sempre, qualquer coisa que envolva decisões livres pode vir a ocorrer.

Há uma perspectiva adequada que Maria, e todos nós, deveríamos assumir, nesta área de busca e conhecimento da vontadede Deus: confiança. Deus está conosco enquanto estamos plane

 jando, e à medida que progredimos. Ele enxerga muitíssimo melhor do que nós as coisas que estão acontecendo, pois somos seres finitos. Talvez não consigamos enxergar o bem que pode serresgatado após um desastre, em face dos desencontros que sofremos ao longo dos anos. Contudo, nós nos colocamos nas mãosde um Perito, que pode fazer as coisas cooperarem juntamente para o bem de todos nós e, por isso, não precisamos ficar ansiosos.Os caminhos de Deus são melhores do que os nossos caminhos,e podemos colocar todos os nossos fardos sobre o Senhor. Maria precisa ver sua vida no contexto dos propósitos amorosos de Deus,

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 DEUS LIMITA SEU CONHECIMENTO 197 

delineados para ela, e dessa forma, poderá liberar-se de preocu pações que hoje a perturbam.33

33 Gary Friesen está no caminho certo ao ver a vontade de Deus e descrevê-la em termos dinâmicos, e de desenvolvimento. Contudo, ele estraga todo o efeito, 

em minha opinião, ao prender-se à idéia de uma planta arquitetônica aprovada, mas escondida de nós. Veja-se Decision Making and the Will o f God: A   Biblical Alternative to the Traditional View (Portland: Multnomah Press, 1980)- 

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Réplica de John Feinberg

CLARK PINNOCK APRESENTA-NOS UM EXEMPLO D E   posição indeterminista. De forma global, seus conceitos poderiam

ser caracterizados como arminianos, embora o conceito que elefaz de Deus evidentemente afasta-se das noções que em geral osarminianos mantêm. Embora eu discorde de grande parte do queele diz em seu artigo, vou concentrar-me nos pontos mais críticos.

Um dos maiores problemas que sublinham todo o artigo é quea forma como Pinnock entende o livre-arbítrio, e a forma comoele o apresenta, constituem declaração sem comprovante, uma

questão fechada pela presunção da verdade. Pinnock fala reitera-damente de “verdadeiro livre-arbítrio”, “livre-arbítrio significativo”, e “genuíno livre-arbítrio”, expressões com que ele define, é claro, sua própria noção contracausal de livre-arbítrio, ou liberdade. Ele se recusa a reconhecer qualquer outra noção de livre-ar- bítrio, nem mesmo como uma possibilidade. Assim, julga ele queo conceito de determinismo causai, automaticamente e por defi

nição, contradiz o conceito de livre-arbítrio (isto, no sentido emque emprego a palavra impossível no texto a seguir). Todavia, aexplanação de Pinnock constitui um arrazoado sem provas, pois,

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 200  PREDESTIN AÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

como demonstrei, há uma forma de os deterministas falarem delivre-arbítrio. Minha intenção não é a de cometer o mesmo erro,isto é, afirmar que só minha noção de livre-arbítrio é a correta e

a única possível; desejo, apenas, observar que ninguém tem o direito de monopolizar um debate, recusando-se a adm itir que possahaver qualquer outra noção possível de livre-arbítrio, senão a sua

 própria noção, antes que as provas que favorecem outros conceitos de livre-arbítrio tenham sido apresentadas.

Será que Pinnock de fato comete este erro de lógica? Váriosexemplos bastarão para demonstrar que ele o comete mesmo. À

p. 182. Pinnock apresenta, como prova do livre-arbítrio humano,o fato de as pessoas serem capazes de rebelar-se contra Deus. Assim escreve ele: “Certamente não nos é possível acreditar que Deus

 planejou em segredo nossa rebelião contra Ele. É certo que nossarebelião é prova de que nossas ações não são determinadas, mas significativamente livres” (grifo meu). Aqui está uma ilustração óbvia do problema. De acordo com Pinnock, se as ações forem de

terminadas (não importa que haja várias formas de determinismo), tais ações não podem ser significativamente livres. Mas, deacordo com Pinnock, que é livre-arbítrio significativo? Obviamente, nada que se relacione com o determinismo causai, mas, isto vem

 justamente demonstrar meu ponto de vista: Pinnock encerra aquestão arbitrariamente! Mais adiante, às páginas 182 e 183, Pinnock argumenta que não podemos ser moralmente responsáveis

 por nossas ações, a menos que tais ações “não sejam determinadas, nem interna nem externamente” (p. 182). Quando Deus noscondena por nossos pecados, é que cometemos “ações para asquais não havia condições anteriores que as tornassem certas e determinadas — ações resultantes de escolhas genuínas de agentes históricos” (p. 182). Aqui, outra vez, o mesmo problema é evidente.Pinnock deixa bem claro que se as ações forem determinadas por

um fator interno, ou externo, em relação ao agente, de ta l maneira que as condições prévias tornem as ações certas, o agente não pode ter livre-arbítrio genuíno. Outra vez a questão é fechada ar bitrariamente, visto que, como demonstrei, é pelo menos possívelque a noção de livre-arbítrio do determinista seja uma noção genuína de livre-arbítrio. Finalmente, ao resumir seu conceito de li berdade, Pinnock argumenta que se Deus controla e prevê todas

as coisas, não pode haver livre-arbítrio para as criaturas. Depois,ele escreve o seguinte: “Não existe lugar para o tipo de livre-arbítrio

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 RÉPLICA DE JOH N FEINBERG  201

de que a Bíblia nos fala, se houver um Deus que sabe e/o u controla todas as coisas, num presente desligado do tempo” (p.Estas declarações giram em círculo, de duas maneiras. Primeira

mente, é óbvio que para Pinnock o determinismo causai não p0_ de misturar-se com o livre-arbítrio, razão pela qual afirma que não pode haver livre-arbítrio e controle de Deus, simultaneamente. Todavia, a argumentação de Pinnock gira em círculo, porque presume que o conceito do determinista sobre o livre-arbítrio é algo im possível. Em segundo lugar, ele presume que a noção bíblica delivre-arbítrio é o livre-arbítrio contracausal. É certo que isto estáimplícito na afirmação que citei. Todavia, visto que os escritores bíblicos apenas dizem que as pessoas têm livre-arbítrio, mas nãoespecificam o tipo de livre-arbítrio, por que alguém haveria de concluir que se trata do livre-arbítrio contracausal, a menos que essealguém já haja presumido que este tipo é o único tipo existente delivre-arbítrio? Tenho certeza de que Pinnock não percebe, de m aneira nenhuma, que vai encerrando a questão em seu artigo, açam- barcando a verdade arbitrariamente, como também tendo certeza de que, não sendo seu conceito de livre-arbítrio o único conceito possível, Pinnock comete reiteradamente o erro de argumentar em círculo.

O segundo problema que encontro no artigo de Pinnock é seurelacionamento com as Escrituras. Por exemplo, afirma Pinnockque Deus voluntariamente decidiu autolimitar o exercício de Seu próprio poder, a fim de conceder-nos o tipo de livre-arbítrio quedesfrutamos (p. 185). Leio a declaração, e fico esperando, em vão,que ele indique a passagem bíblica que diz que Deus fez tal coisa.Talvez Pinnock pense que a realidade do livre-arbítrio humano sejaum a prova de que Deus deve ter limitado Seu próprio poder. Todavia, é claro que quando uma pessoa afirma que temos livre-arbítrio, tal pessoa não informa automaticamente que tipo de livre-arbítrio, nem prova que Deus tenha autolimitado Seu poder, a menos que presuma que se de fato temos livre-arbítrio, este deva serdo tipo indeterminístico. Seja como for, este é apenas um exem plo em que o apoio escriturístico específico teria ajudado muito; porém, nenhum apoio é dado.

Por outro lado, há casos em que parece que Pinnock deixa delado algumas passagens importantíssimas das Escrituras. Por exem plo, nas pp. 184 e 185 Pinnock escreve o seguinte: “A Bíblia não nosfornece o retrato de um Deus determinador de todas as coisas, mas

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 202  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-A RBÍTRIO

de um Deus que abre espaço para os seres humanos, e aceita asconseqüências, boas e más, dessa decisão.” Onde encontramos isso na Bíblia? É certo que não em Ef. 1:11! Posteriormente, Pin

nock afirm a (p. 187) que “o teísmo clássico presume que a vontade de Deus é sempre e invariavelmente feita. Contudo, tal presunção não é escriturística. E introduz problemas enormes, de todotipo, na teologia e na vida”. Se , ao dizer vontade de Deus, Pinnockquer dizer vontade preceptiva de Deus, concordo que nem sem

 pre a vontade dEle é feita. Por outro lado, se o que Pinnock querdizer (e estou certo de que é isso mesmo que ele tem em mente, pelo

conteúdo geral de seu artigo) é que a vontade decretatória de Deusnem sempre é feita, então, eu discordo. Meu ponto central é quese Pinnock está se referindo a um decreto de Deus que está sendoexecutado, como pode afirm ar que tal idéia é anti-escriturística,em face de passagens como Efésios 1:11? Francamente, gostariade vê-lo analisar tais passagens escriturísticas, mas ele não o faz.

Em terceiro lugar, tenho um problema fundamental com to

dos os conceitos de livre-arbítrio, e o indeterminismo de Pinnocknão o resolve. Pinnock afirm a (p. 181) que muitos fatores e variáveis entram no processo de tomada de decisão. Entretanto, é bemclaro para Pinnock que tais fatores não influem de modo decisivo na orientação da vontade nesta ou naquela direção, porque talocorrência, na opinião dele, elimina o livre-arbítrio. Nas páginas182 e 183 explicitamente declara que a responsabilidade moral é

eliminada, se as ações são determinadas de modo interno, ou externo, e que para um ato ser livre ele não pode ser considerado certo (que acontecerá) por nenhuma condição que lhe antecede. So-mando-se tudo isto, chego à compreensão de seu significado: Em

 bora haja fatores que influem na tomada de decisões, nenhum deles influencia tanto, a ponto de determinar tais decisões, ou de fazer com que sejam consideradas fatos reais. Tudo isto é bagagem

 padrão arminiana/indeterminista e constitui, sem dúvida, umaexplanação do livre-arbítrio. Meu problema é que jamais pudecompreender como é que a vontade escolhe algo, se ela não estiver decisivamente inclinada numa determinada direção. Se me disserem que nós simplesmente escolhemos, sem uma razão decisiva, gostaria de saber como isso acontece. Será que agimos a esmo? Então, nesse caso, que é do “precioso” livre-arbítrio? Será que

agimos movidos por uma razão desconhecida? Então, no fim decontas, somos causalmente determinados. Não encontro em Pin-

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 RÉPLICA DE JOHN FEINBERG  203

nock uma explicação sobre como um agente chega a escolher algo, sem que haja uma razão decisiva para essa escolha, isto é, um

motivo para tomar esta ou aquela alternativa. Só encontro declarações de que a realidade é assim.Em quarto lugar, preocupa-me muito o conceito que Pinnock

tem sobre Deus; o espaço exíguo permite apenas um breve comentário sobre um aspecto apenas desse conceito. Afirma Pinnock(veja-se, por exemplo, p. 178) que embora os planos específicos deDeus possam ser frustrados pelo livre-arbítrio humano, Deus pode

ter certeza de que Seus planos gerais não serão frustrados. Todavia, levando em consideração o conceito de Pinnock de livre-arbítrio contracausal, Deus jamais pode garantir que Seus planos específicos e Seus planos gerais venham a ser executados, vistoque qualquer coisa que fosse necessária para a execução de tais planos (gerais ou específicos) eliminaria o livre-arbítrio. Levando em consideração o livre-arbítrio contracausal, um a pessoa, ouum grupo de pessoas podem sempre fazer algo diferente daquiloque Deus quer que seja feito e assim transtornar os planos de Deus,quer sejam específicos ou gerais.

Para terminar, fico perturbado diante da negação que Pinnock faz da presciência de Deus, quanto aos acontecimentos futuros, embora ele consiga ver, penso eu, de modo correto, as im plicações do livre-arbítrio contracausal no que tange à presciência. Embora se possa dizer muita coisa a respeito desse assunto,comentarei apenas a afirmação de Pinnock segundo a qual as pre-dições proféticas não comprovam a presciência divina do futuro.Argumenta Pinnock que tais profecias não comprovam que Deussabe tudo a respeito do futuro, porque “alta porcentagem das profecias pode ser explicada mediante um dentre três fatores: anúncio antecipado daquilo que Deus pretende fazer, profecias condicionais que deixam os resultados em aberto, e predições baseadas

no exaustivo conhecimento de Deus sobre o passado e o presente”(pp. 191 e 192). Examinemos cada menção individualmente. Quanto à primeira, mesmo que muitas das profecias são anúncios deDeus daquilo que Ele pretende fazer, de que forma esse fato com prova a afirmativa de Pinnock? Se Deus nos diz o que Ele pretendefazer, então o que Ele disse não se cumprirá? E se Deus pretende fazê-lo, por que não saberia Ele de antemão o que pretende fazer?

Se aquilo que Deus pretende fazer não será feito, então, que é quePinnock quer dizer ao afirmar que Deus pretende fazer algo? Se

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 204  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

rá que quer dizer que Deus está apenas manifestando Seu desejoa respeito de algo que poderia acontecer? Se assim for, fica difícil crer que quando Deus predisse, através dos profetas, o primei

ro advento de Cristo, por exemplo, que Ele estava apenas manifestando algo que Ele esperava viesse a acontecer. Se Deus nos dizo que pretende fazer, Ele está nos dizendo o que acontecerá, e seEle pretende fazê-lo, sabe que o fato acontecerá. A primeira indicação de Pinnock não nos leva a parte alguma.

Tenho diversas objeções contra a segunda sugestão de Pinnock. Fica difícil concordar com sua declaração, visto que ele não

fornece exemplos de profecias condicionais que deixam os resultados em aberto. O argumento dele fica ainda mais difícil de seengolir em face de todas as profecias que não parecem conterquaisquer elementos condicionais. Por exemplo, onde estão as condições que deixaram em aberto (acontecerá ou não?) o segundoadvento de Cristo, ou o julgamento final? Q uando Pinnock afirma que grande parte das profecias é condicional, dependendo seu

cumprimento daquilo que vai acontecer, fico imaginando que profecias tem em mente.

Além do mais, se as profecias são condicionais, dependendo seu cumprimento daquilo que ainda vai acontecer, de que forma podem ser consideradas profecias do futuro? Se o resultadoé deixado em aberto, como se poderá dizer, então, que o resultado foi profetizado? E ainda há mais: Meu problema fundamen

tal é saber o que significa a expressão “as profecias são condicionais”, porque Pinnock não nos explica. Se significa que é precisoque as condições ocorram, para que o evento profetizado possaacontecer (nesse caso, o resultado final, a partir do evento, fica emaberto), a coisa tem sentido. Contudo, nem assim há prova de queDeus não sabe de antemão o evento que vai ocorrer, nem os meios(condições) determinantes de sua ocorrência. Se, por profecia con

dicional, Pinnock quer dizer que certo evento vai ocorrer, o qualem seguida estabelecerá condições, a partir das quais inúmeras alternativas de resultados poderão ocorrer (o resultado ficou emaberto), tal conceito também deixa de ajudar a argumentação dePinnock. Será que isto não indica, pelo menos, que Deus conhece determinado evento futuro, que foi profetizado, o qual estabeleceria condições para qualquer fato que viesse a acontecer?

Pinnock afirma que o terceiro grupo de profecias pode ser ex plicado pelo conhecimento exaustivo de Deus quanto ao passa

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 RÉPLICA DE JOHN FEINBERG  205

do e o presente. Esta opinião enfrenta dois problemas. Em primeiro lugar, mesmo que isto fosse verdade, será que tal fato torna ofuturo menos certo, ou menos conhecido por Deus (coisas consi

deradas impossíveis, segundo o ponto de vista de Pinnock sobreo livre-arbítrio)? Todavia (este é o segundo problema), será queesta sugestão não implica, essencialmente, em que o futuro emergedas condições do presente e do passado? E não é isto que substancia a tese de algumas das mais severas formas de determinismo? Assim sendo, se Pinnock estiver certo quanto a esta terceiracategoria de profecias, na verdade ele arranjou um argumento fa

vorável a uma forma de determinismo forte.Resumindo: Embora eu aprecie o fato de Pinnock ter enca

rado honestamente as implicações decorrentes de seu ponto de vista sobre o livre-arbítrio, em relação à presciência divina, permaneço completamente não convencido de que suas afirmações a res peito das profecias eliminam quaisquer problemas decorrentes desua opinião de que Deus não conhece o futuro. Além de tudo, emface de minhas outras convicções doutrinárias, permaneço nãoconvencido no que concerne à posição global de Pinnock.

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Réplica de Norman Geisler 

EM PRIMEIRO LUGAR, CONCORDO COM PINNOCK  quando ele observa que “em última análise, o debate neste livrogira em torno da natureza do teísmo cristão” (p. 188). Em segundo lugar, ele está certo ao observar que “o teísmo clássico presume que a vontade de Deus é sempre e invariavelmente feita” (p.187). Isto porque o teísmo clássico, como era aceito pelos teólogos medievais e reformados, aceita os atributos da natureza deDeus negados por Pinnock, os quais incluem a imutabilidade, asimplicidade, a eternidade e a infalibilidade da presciência. Em terceiro lugar, Pinnock manteve alguns elementos do conceito clássico de Deus. Concordo com ele, de fato, em que “Deus existe porSi próprio, independentemente da criação, e... chamou o mundoà existência mediante um ato livre e soberano” (p. 177). Em quarto lugar, dou pleno apoio ao julgamento de Pinnock, segundo oqual a aceitação de qualquer hipótese de antinomia supra-racional,

 para explicar-se o livre-arbítrio e a soberania, é um preço elevadodemais a ser pago. Em quinto lugar, concordo com o entendimento

 básico da natureza de uma decisão livre, como sendo autodeter-minativa, a qual se opõe à forma de determinação divina (causalidade), proposta por Feinberg.

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 208  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

A maior parte de minhas diferenças com Pinnock resulta desua rejeição do conceito clássico de Deus. Em primeiro lugar, is

to explica por que ele é dissidente do ponto de vista historicamenteortodoxo da infalibilidade (e inerrância) das Escrituras.1Se o futuro não pode ser conhecido infalivelmente, de antemão, por Deus,como acredita Pinnock, então nem mesmo as predições bíblicasfeitas por Deus são infalíveis. E mais, se Deus não puder conhecer o futuro com certeza, até mesmo o arminianismo tradicional se torna algo impossível, porque os arminianos acreditam que

a predestinação se baseia na presciência infalível de nossas açõeslivres. Assim sendo, se a noção de Pinnock estiver correta, no sentido histórico, quanto à natureza de Deus, ele não pode ser, então, nem mesmo um arminiano!

Em segundo lugar, a opinião de Pinnock a respeito de Deusrejeita o teísmo clássico, por uma perspectiva mais neoclássica, natradição de Whitehead, Hartshorne e Ogden.2 De acordo com es

ta perspectiva, Deus é temporal, mutável, falível e complexo, emSua natureza. Entretanto, quando se aceitam tais mudanças tãoradicais no conceito clássico de Deus, toda a estrutura interrela-cionada da teologia historicamente ortodoxa entra em colapso. Éminha profunda convicção que este preço é elevado demais paraaquilo que o próprio Pinnock chamou de “namoro temporáriocom um Deus temporal”.

Em terceiro lugar, há problemas sérios na perspectiva neoclássica de Deus. Se Deus é temporal, Ele deve ser também espacial, visto que tempo e espaço estão interrelacionados. Se Deus éum Ser no tempo-espaço, está sujeito à entropia (degeneração),como está todo o universo no tempo-espaço. Além disso, se a natureza de Deus estiver limitada pelo espaço e pelo tempo, Seus pensamentos não podem viajar, então, mais rápidos do que a luz —

a velocidade máxima de qualquer ser no universo delimitado pe

1Veja-se Rex A. Koivisto, “Clark Pinnock and Inerrancy: A Change in Truth Theory”,  Journal o f the Evangelical Theological Socie ty  24, n° 2 (junho de 1981): 139-151.2 Quanto a uma crítica do teísmo neoclássico (teologia processual) veja-se o que escrevi em “A Teologia de Processo”, em Stanley N. Gundry, Teologia Con

 temporânea (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1983), pp. 193-220; e em “Pro- cess Theology and Inerrancy”, em Challenges to Inerrancy: A Theological Res

 ponse,   ed. Gordon R. Lewis (Chicago: Moody Press, 1984), pp. 247-284.

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 RÉPLICA DE N O R M A N GEISLER  209

lo espaço-tempo.3 Todavia, se as coisas são assim, Deus não poderia nem mesmo dar orientação geral (menos ainda providênciaespecífica) ao universo. Ele não seria capaz de abranger todo o universo num dado momento, como os teístas neoclássicos inconsistentemente afirm am que Deus pode fazer. Para coroar tudo isto,se Deus é identificado com o universo do espaço-tempo, Ele deveter tido, então, um começo, visto que se pode demonstrar cientificamente que o universo do espaço-tempo teve um começo.4 Finalmente, se este Deus neoclássico teve um começo, Ele não é umCriador, mas apenas uma criatura. Contudo, visto que Pinnockcrê que Deus criou o mundo do nada, deveria logicamente rejeitar este conceito neoclássico de Deus, inclusive o atributo da tem-

 poralidade. Se Deus criou o mundo temporal, isto significa queDeus está além do tempo. Por outro lado, se Deus é temporal, pornatureza, Ele não criou, então, o universo temporal todo. Ele não pode criar a Si mesmo!

Em quarto lugar, Pinnock argumenta que a oração é comprovante de que o futuro está aberto, e não fechado. Todavia, isto apenas confunde a visão eterna de Deus (que é completa) com nossavisão (que não é completa). Deus determinou todas as coisas, porém determinou também que a oração seria um meio para atingir-se alguns fins. Tal fato não prova, de maneira alguma, que não estamos livres para orar. Deus sabia quem iria orar livremente, quan

do Ele determinou de antemão, que iria usar a oração para executar Seus planos, e atingir Seus fins. Dessa forma, está abertadiante de nós a oportunidade de mudar o mundo através da oração, porém, não pegaremos Deus de surpresa, quando orarmos.

Em quinto lugar, a afirmativa de Pinnock de que, em vistade Deus saber o tempo, Ele deve ser temporal, é confusa. Se istofosse verdade, poder-se-ia também argumentar (erradamente) que

em vista de Deus conhecer as criaturas, Ele deve, então, ser criatura. Deus sabe a sucessão temporal, mas isto não significa queEle sabe como os seres temporais o sabem. Trata-se de um antro-

 pocentrismo injustificável. Além disso, é impossível que um Serindependente, como Pinnock diz que Deus é, saiba as coisas demodo dependente. Deus deve saber as coisas de acordo com Seu

3 Veja-se Royce Gruenler, The Inexhaustible God  (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1983), pp. 75, 764 Robert Jastrow, God and the Astronomers  (New York: Norton, 1978), p. 14.

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 210  PREDESTINAÇÃO E LIVRE-ARBÍTRIO

 próprio Ser, que até mesmo Pinnock admite tratar-se de um “Serontológico”, diferente do mundo temporal (p. 177). Assim, Deussabe o que os seres dependentes, temporais, sabem, porém, sabe-o de maneira bem diferente.

Em sexto lugar, a confusão na perspectiva neoclássica de Deus parece causada pela incapacidade de fazer distinção entre os atri butos de Deus e as atividades de Deus. A natureza de Deus estáacima do tempo, porém, os atos de Deus estão no tempo. Deus éeterno, porém, Ele realiza coisas temporais. Daí dizer-se que Deusage desde a eternidade, mas os resultados aparecem no tempo.

Além do mais, visto que as ações do Deus eterno ficam continuamente manifestas no mundo temporal, é inteiramente falsaa declaração de que um Deus independente do tempo não é produtivo nem dinâmico. As ações de Deus são perpetuamente produtivas. Todavia, um Deus eterno não pode ser reduzido às Suasações temporais, como um Criador não pode ser reduzido à Suacriação. Pinnock admite que Deus é o Criador não-criado de ummundo que não é não-criado. Se assim é, Deus pode ser a causaeterna daquilo que não é eterno. É lógico que Deus age no tem

 po; isto, porém, não faz que Sua essência fique dependente do tem po, como também, a criação de seres dependentes não faz queDeus Se torne um ser dependente.

Em sétimo lugar, por ironia, Pinnock não evita o dualismogrego que desaprova. O moderno pai desse conceito neoclássico,Alfred North Whitehead, admitia que sua perspectiva era apenasuma atualização de Platão.5 Em face da reconhecida origem grega deste conceito, é bastante estranho, na verdade, que Pinnockrejeite a conceituação clássica, só porque é grega! Esta queixa éum velho fantasma freqüentemente solicitado, quando alguém deseja rejeitar algum aspecto de teologia ortodoxa. Contudo, já chegou o momento de banir os estereótipos “ad hominem”, as caricaturas e fantasmas que procuram atacar a perspectiva clássica,ortodoxa, de Deus, e revelar a dissidência radical que estas pers

 pectivas neoclássicas oferecem, contra o EU SOU de Moisés, deJesus, de Agostinho, de Aquino, de Calvino, de Lutero e de Wes-ley. As pessoas têm o direito, todo o direito, de desviar-se quantoqueiram do conceito ortodoxo, contudo, não têm o mínimo direitode auto-considerar-se ortodoxas.

5 Veja-se Alfred North Whitehead, Process and Reality (New York: Harper and 

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 RÉPLICA DE N O RM AN GEISLER  211

Em oitavo lugar, há outros problemas envolvendo a perspectiva clássica. Pinnock acredita na vitória final de Deus sobre o mal.

Entretanto, sua perspectiva neoclássica de Deus coloca limitaçõesestritas sobre aquilo que Deus pode predizer e realizar. De fato,Deus não pode predizer infalivelmente nenhum evento futuro queenvolva criaturas dotadas de livre-arbítrio. Então, como é que Pinnock pode ter certeza de que Deus vencerá o mal, no fim? De quemaneira isso poderá ser algo mais que uma esperança, ou um desejo (freudiano)? Disse uma vez William James: “O mundo é mui

to mais rico por haver nele um diabo, desde que mantenhamos um pé em seu pescoço? 6 Todavia, se Deus não é onipotente, e se Deusnão é amor, no sentido clássico, não pode haver qualquer garantia. Um articulista admitiu que o Deus neoclássico “precisa ficaresperando, com a respiração suspensa, até que a decisão (humana) seja tomada”.7 Pinnock e todos quantos adotam esta perspectiva devem suspender a respiração, também, enquanto todos quan

tos abraçam o Deus que conhece tudo: “Desde o princípio anuncio o que há de acontecer” (Is. 46:10), podem livremente dar umlongo suspiro de alívio.

O que está em jogo, aqui, não é um debate intramuros, a res peito de predestinação e livre-arbítrio. De fato, toda a estruturadoutrinária do cristianismo ortodoxo, seja calvinista ou arminia-na, está revestida com estas verdades a respeito da natureza do

Deus dos cristãos. Em vista disto, ficamos estarrecidos em face deum Pinnock que se diz perplexo porque “eruditos conservadoressão relutantes em abandonar a estrutura clássica” (p. 187). Na verdade, a razão é muito simples: abandonar o teísmo clássico significa abandonar a verdadeira base das doutrinas ortodoxas. Pinnock deveria preocupar-se com isto, bem como todos quantos le-rem este diálogo.

6 William James, Varieties ofReligious Expeiience  (New York: Mentor Books, 

1958), p. 55.7 Bernard Loomer, “A Response to David R. Griffin”, Encounter 36, n“ 4 (outono de 1975): 365.

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Réplica de Bruce Reichenbach

 H Á BEM POUCA COISA COM QUE DISCORDO, N A APRE- 

sentação teológica de Pinnock, excetuando-se a forma como esseautor trata a presciência de Deus. Ele apresenta de modo claro edireto a perspectiva da soberania de Deus, como algo que não podeser entendida segundo a analogia do dono de fantoches, que manipula os barbantes. Ele enxerga, corretamente, que embora sejaimutável em Sua essência, Deus Se relaciona dinamicamente como mundo que criou, mundo que permanece verdadeiramente aber

to ã ação humana, e à importantíssima intervenção divina.Quanto ao ponto teológico em que discordamos, não se trata de má definição da onisciência de Deus, da parte de Pinnock.Ele observou, com acerto, que a onisciência de Deus deve ser definida paralelamente à onipotência de Deus. Assim como Deus éonipotente, no sentido que Ele pode fazer tudo que não seja absurdo, ou contraditório, Ele é onisciente no sentido que sabe tu

do quanto é cognoscível. Nossa divergência relaciona-se com aquilo que é cognoscível. Pinnock afirma que em face de os atos livres,futuros, não poderem ser conhecidos, o fato de Deus ignorá-los não

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 214  PREDESTINAÇÃO E LIVREARBÍTRIO

compromete Sua onisciência. Mas, por que os atos livres, futuros,não podem ser conhecidos? Pinnock argumenta como segue:

1. Atos livres, futuros, são eventos que ainda não aconteceram.2. Tudo quanto ainda não aconteceu não pode ser conhecidoantecipadamente.3. Portanto, os atos livres não podem ser conhecidos antecipadamente (p. 191).

Contudo, a declaração número 2 não é verdadeira. O mero fatode um certo evento não ter ainda ocorrido não significa que não

 possa ser conhecido antecipadamente. Por exemplo, o eclipse solar de amanhã ainda não ocorreu; entretanto, o astrônomo sabeantecipadamente que ele vai ocorrer.

Pinnock poderia refazer sua argumentação, levando em consideração eventos que podemos conhecer de antemão, porque decorrem necessariamente de leis naturais que conhecemos. Poderia argumentar, por exemplo, como segue:

4. Ações livres, futuras, são eventos que ainda não aconteceram,e que não decorrem, necessariamente, de condições causais anteriores, ou de leis naturais.5. Os eventos que ainda não aconteceram, e que não decorremnecessariamente de condições causais prévias, nem de leis naturais, não podem ser conhecidos antecipadamente.6. Portanto, as ações livres, futuras, não podem ser conhecidasantecipadamente.

Infelizmente, a declaração número 5 também é falsa, como premissa. Por exemplo, o fato de eu ter decidido tomar meu desje-

 jum em casa, hoje pela manhã, não é decorrente, necessariamente, de condições causais prévias, nem de um jogo de leis físicas ounaturais; entretanto, eu ainda poderia ter sabido, ontem, que istohaveria de ocorrer, com base nas evidências de meus padrões com-

 portamentais do passado. Tais padrões de comportamento, todavia, não constituem causa para que eu tome o desjejum em casa,nem lei natural concernente à minha decisão e escolha de um certolugar para comer, embora provejam uma justificativa para minhacrença em que eu iria tomar o desjejum em casa.

Em suma, Pinnock não embasou sua declaração de que nãose pode conhecer as ações futuras de pessoas livres e, por isso, nãodemonstrou que este tipo de conhecimento é inexeqüível para

Deus.

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 RÉPLICA DE BRUCE REICHENBACH   215

Pinnock apresenta outro argumento em apoio à sua caracterização particular da presciência divina: há contradição, diz ele,

entre a presciência divina e o livre-arbítrio humano. Argumenteiem algum lugar, neste livro, que tal declaração é falsa; que pensar que existe contradição traz confusão entre a ordem das causas (aquilo que faz surgir o evento) e a ordem do conhecimento(aquilo em que se baseia o conhecimento do evento). Visto quePinnock não elabora argumentação para demonstrar esta contradição, simplesmente remeto o leitor ao meu artigo sobre o assunto.

Para finalizar, toco noutro tópico: Pinnock caracteriza a so berania de Deus em termos da auto-existência de Deus, de Seu atode criação (tanto o ato original como o de sustentação), e do estabelecimento final do Seu reino. Diz ele que Deus inclina Sua criação de maneira a ser capaz de atingir Seus objetivos últimos. Como é que Deus a inclina, e até que ponto? Pinnock rejeita, acer-tadamente, a perspectiva da soberania em que Deus determina,

sem perigo de falha mas com toda certeza, tudo quanto acontece, em obediência a uma espécie de planta arquitetônica eterna.Todavia, talvez se pudesse dizer muito mais acerca dessa linha finíssima que separa o Deus ativo na criação — um Deus que dese

 ja, que planeja, que tem poder para executar Seus planos — e a humanidade, criada livre, a fim de cooperar com Deus, ou a resistira esse Deus.

Mais especificamente, a perspectiva escriturística também estende a soberania de Deus ao indivíduo, em sua existência atual.Parece que Pinnock reconhece isto ao observar que Deus colocou Alfredo na América do Norte (p. 193), num país onde a prosperidade é possível. De modo semelhante, sugere que Deus tem pro pósitos plenos de amor, para Maria, e que ela pode colocar-se “nasmãos de um perito” (p. 196). Isto levanta a questão quanto ao grau

em que Pinnock vê Deus em atividade, de maneira soberana e providencial, em nossas vidas aqui.O leitor poderia replicar que pedir especificações mais cla

ras é pedir muito. Penso que não. Nós, crentes, procuramos conhecer a vontade e os planos de Deus para nossas vidas, e pedimos-Lhe que nos conduza por caminhos que sejam consistentes comtais planos. A discussão deste fato é o que transforma a mera teo

logia abstrata na teologia viva que guia nossa existência.

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 216   PREDESTIN AÇÃO E LIV RE-ARBÍTRIO

COLABORADORES

 David Basinger  atualmente é professor assistente de filosofia, no

Roberts Wesleyan College, em Rochester, Minnesota. Obteve seuM.A. e Ph.D. em filosofia na Universidade do Nebraska. Escreveu inúmeros artigos para vários órgãos e revistas, sendo co-autor,com seu irmão Randall, de um novo livro sobre milagres.

 Randall Basinger  exerce, agora, funções de professor assistente defilosofia no Messiah College, em Grantham, Pennsylvania. Obteve seu M.A. em filosofia da religião no Trinity Evangelical Di-vinity School, e seu Ph.D. em religião na Northwestern Univer-sity. Escreveu inúmeros artigos para vários órgãos e revistas, sendo co-autor, com seu irmão David, de um novo livro sobre milagres.

 John S. Feinberg é professor assistente de Teologia Bíblica e Sistemática na Trinity Evangelical Divinity School de Deerfield, Il

linois. Formou-se pela University of Califórnia, Los Angeles(B.A.), pelo Talbot Theological Seminary (M. Div.), pela TrinityEvangelical Divinity School (Th.M.), e pela University o f Chicago (M.A., Ph.D.). Escreveu inúmeros artigos para vários órgãosteológicos, e várias antologias e publicou um livro: Theologies and  

 EviL

 Norman L. Geisler  é autor, ou co-autor de mais de vinte livros,

incluindo Introduction to Philosophy, Philosophy ofReligion, Mi- racles and Modern Thought, The Roots ofE vil  e Christian Apo- logetics. Obteve seu B.A. e M.A. do Wheaton College, seu Th.B.do William Tyndale College, e seu Ph.D. (em filosofia) da LoyolaUniversity. Trabalhou como Chefe do Departamento de Filosofia da Religião no Trinity Evangelical Divinity School, sendo,atualmente, professor de teologia no Dallas Theological Seminary.

Clark H. Pinnock  atualmente é professor de teologia no McMasterDivinity College, em Hamilton, Ontario. Anteriormente, lecionouno Regent College, no Trinity Evangelical Divinity School, no NewOrleans Baptist Theological Seminary, e na University of Man-chester, onde obteve seu doutorado em Novo Testamento. Publi-

’ i  ■■- — ,--------------------------------------------- --------------------------------------------;---------------------------.-------

cou vários livros, inclusive Biblical Revelation, Reason Enough eThe Scripture Principie.  Já foi calvinista.

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COLABORADORES  217 

 Bruce R. Reichenbach é professor de filosofia no Augsburg College, em Minneapolis. Terminou seus estudos, formando-se peloWheaton College, tendo obtido seu doutorado na Northwestern

University. Trabalhou como professor visitante no M orija Theological Seminary de Lesotho, África, e no Juniata College. Alémde vários artigos em vários órgãos e periódicos, publicou The Cos- mological Argument: A Reassessment, Is Man the Phoenix? A  Study o f Immortality e Evil and a Good God.