No Fluir das Coisas Algo Permanece. Uma Família, Três Gerações
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Colaboração
www.fluirperene.comFluir Perene
O mês de dezembro é, em geral e também no Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia, compreensão.O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear a família.Dando cumprimento a este desiderato, procuramos materializar e corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.
(do Prefácio)
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Associação Portuguesa deEstudos Clássicos (APEC)
Colecção Fluir PereneVolumes já publicados
N.º 1 José Ribeiro Ferreira, Mitos das Origens - Rios e Raízes (2008).
N.º 2 Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomio-maquia: a Guerra das Rãs e dos Ratos (2008).
N.º 3 Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta e a Lira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia (2008).
N.º 4 José Ribeiro Ferreira, Os Sons e os Silêncios – A Memória, a Culpa, a Valsa (2008).
N.º 5 José Ribeiro Ferreira, Labirinto e Minotauro - Mito de Ontem e de Hoje (2008).
N.º 6 José Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - A Poesia de Sophia e o Fascínio da Grécia (2008).
N.º 7 Rui Morais, A Colecção de Lucernas Romanas do Norte de África no Museu D. Diogo de Sousa (2008).
N.º 8 Armando Nascimento Rosa, Antígona Gelada (2008).
N.º 9 José Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A Busca da Beleza: Vol. 1 - Arquitectura Grega (2008).
N.º 10 José Jorge Letria, Os Lugares Cativos (2009).
N.º 11 José Ribeiro Ferreira, Três Mestres Três Lições Três Caminhos (2009).
N.º 12 Carlos A. Martins de Jesus, Anacreontea. Poemas à maneira de Anacreonte (bilingue) (2009).
N.º 13 José Ribeiro Ferreira, Gaivotas (2009).
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No Fluir das CoisasAlgo Permanece
Uma Família Três Gerações
No fluir das Coisas Algo permanece
Uma Família Três Gerações
NO FLUIR DAS COISAS
ALGO PERMANECE
UMA FAMÍLIA TRÊS GERAÇÕES
COIMBRA –2009
AUTOR J. A. Sansão Coelho e José Ribeiro Ferreira
TÍTULO
No Fluir das Coisas Algo permanece: Uma Família Três Gerações
EDITOR
José Ribeiro Ferreira
CONCEPÇÃO GRÁFICA Fluir Perene
IMPRESSÃO
Simões & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, nº 83 - Loja 4
3030-185 Coimbra
PEDIDOS Rotray Club de Coimbra
Rua Dr. Manuel Rodrigues, 1 – 3º Sala F 3000-258 COIMBRA
e Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC).
Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra Tel.: 239 859 981 / Fax: 239 836 733
3000-447 COIMBRA ISBN: 978-989-96078-5-9Depósito legal: 303877/09
Rotary Club de Coimbra
e Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,
prestam Homenagem à Família
17 de dezembro de 2009
O F U T U R O D O R O TA RYESTÁ EM SUAS MÃOS
Rotary Club de Coimbra
e Rotary Club de Coimbra - Santa Clara,
prestam Homenagem à Família
17 de dezembro de 2009
As duas gerações.
Agosto de 2009.
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Prefácio
O mês de dezembro é, em geral e também no Movimento Rotário, dedicado à família. Estamos num mês e numa época do ano – muito por ser o mês do Natal e sob o efeito do nimbo que parece emergir dos olhos sorridentes do Menino Jesus e nunca pelo ar comercial, balofo e adiposo do Pai Natal – em que pairam nas mentes, nos corações, nas palavras sensações e desejos de paz, concórdia, harmonia, compreensão.
Essa compreensão e harmonia aparece simbolizada na família de Nazaré. Daí a escolha do mês de dezembro.
O Presidente do Rotary Internacional e o Governador do nosso Distrito Rotário estabeleceram como uma das ênfases homenagear a família. Mas alargando o seu âmbito também aos que connosco convivem e labutam por determinados objectivos e princípios, como se pode ver na mensagem de Dezembro que cada um divulgou e que a seguir se transcreve. E, de facto, além da família particular de cada um, existem as empresas ou as instituições em que cada um trabalha e procura fazer progredir. Há também, no que aos clubes rotários diz respeito, a grande Família Rotária que se alarga aos três ou quatro milhões de pessoas, se contarmos cônjuges e filhos. E todos mais ou menos empenhadamente procuram servir, seguindo o ideal de Paul Harris de se dar sem pensar em si. Procuram minorar o sofrimento e carências das crianças, através de
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campanhas de vacinação contra poliomielite, Dando cumprimento a este desiderato, procuramos
materializar e corporizar a nossa homenagem numa família que elegeu determinados valores como norma de conduta para a sua vida, toda ela dedicada ao serviço dos outros – como vimos um dos grandes lemas de Rotary. O texto do Pároco da freguesia em que habitam, Ançã, e algumas das respostas da entrevista elucidam bem essa sua característica.
O pequeno opúsculo que publicamos, com as biografias de pais e filhos e com uma entrevista conduzido pelo nosso Companheiro Sansão Coelho, a quem estou sinceramente reconhecido, mostra essa vida de dedicação e de doação.
A todos os contribuíram para que a publicação fosse possível nesta data endereço, em nome do Ratary Club de Coimbra e do Rotary Club de Coimbra – Santa Clara, os meus sinceros agradecimentos. Devidos em especial à Doutora Margarida Miranda que, ao coordenar a nível familiar as respostas e as biografias, quase poderia ser considerada coautora deste volume.
A todos um feliz Natal, vivido na harmonia e no calor fraterno da família.
Coimbra, dezembro de 2009
José Ribeiro Ferreira
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Presidente do Rotary Internacional Mensagem de Dezembro
Caros Rotários:
Em Dezembro celebramos o Mês da Família Rotária. Todo rotário faz parte desta família, que na realidade é muito maior que 1,2 milhão de pessoas. Esta família inclui todo homem, mulher e criança ligados ao nosso trabalho, como os cônjuges e filhos dos associados, os participantes e ex-participantes de programas da Fundação e as centenas de milhares de pessoas quem têm contacto com nossas iniciativas.
Os jovens de nossa família estão nos Interact e Rotaract Clubes, nos seminários RYLA, nas Bolsas Educacionais e no Intercâmbio de Jovens. Assim como em qualquer família, eles são a esperança de um futuro promissor. Desejo que eles se tornem rotários no futuro, mas já basta saber que hoje o Rotary faz parte da vida deles.
Estou casado com minha esposa June por mais de 40 anos, quase a mesma quantidade de tempo que sou rotário. As mulheres não podiam entrar no Rotary naquela época, entretanto, a June tem sido parte da família rotária desde o primeiro dia em que pus os pés no Rotary Club de Grangemouth. Meu trabalho no Rotary tem exigido muito de nós desde então, mas a verdade é
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que o que recebemos em troca vale muito mais do que o que demos.
Acredito que a associação a um Rotary Club pode e deve melhorar nossos lares. Conforme nos concentramos em atrair mais jovens qualificados a nossas fileiras, devemos nos lembrar que hoje em dia as pessoas estão mais e mais tendo que equilibrar trabalho e família. Assim, o Rotary deve somar à vida da pessoa, e não competir com suas outras responsabilidades. Se marcarmos reuniões rotárias que não coincidam com o trabalho das pessoas e convidar os familiares dos associados a nossas actividades sempre que possível, estaremos contribuindo para que todo núcleo familiar faça parte da grande família rotária.
Todo clube deve oferecer uma interacção equilibrada entre família, trabalho e Rotary. Somente se trabalharmos juntos, como família, é que o Rotary irá crescer e ser ainda mais forte no futuro.
John Kenny Presidente, Rotary International
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Mensagem de Dezembro do Governador
Caros(as) companheiro(as)
Em Dezembro celebramos o Mês da Família
Rotária. Somos uma família muito numerosa, pois agrega
os rotários de todo o mundo e todos aqueles que
connosco trabalham no sentido de cumprir o objectivo de
rotary, apoiar todos os que necessitam de ajuda, estejam
onde estiverem, professem que religião professarem,
sejam de que cor forem.
São também parte integrante da nossa família todos
os que já participaram em programas de rotary, os que já
se associaram a nós na implementação de projectos,
enfim, somos muitos mais do que a soma do número de
sócios dos clubes de todo o mundo.
O facto de sermos muitos, cria-nos dificuldades
pois, por vezes, não é fácil conciliar as opiniões de todos.
No entanto esta diversidade de pensamentos permite que
haja sempre algum de nós disponível para levar a cabo as
tarefas a que rotary se propôs.
É minha opinião que se os rotários tiverem uma
família bem estruturada, transportarão para o interior dos
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seus clubes o espírito de família e estes constituirão um
pólo aglutinador de todos os que o compõem incluindo os
respectivos familiares. Rotary tem que ser uma família.
Só assim conseguirá compreender os problemas de quem
não tem casa, comida, acesso à saúde, água potável,
educação e tudo o que um ser humano necessita para ter
uma vida condigna.
Desde muito jovem me habituei a ajudar os muitos
pobres que procuravam a casa de meus pais onde sempre
havia cama e comida para todos. Muitas vezes apareciam
com problemas de saúde. Nunca o apoio lhes foi negado.
Talvez por isso cultivo um espírito de família que sempre
me tem acompanhado ao longo da minha vida. Tento
passar este espírito para rotary. Peço-vos que façais o
mesmo. Todos juntos vamos dar mais força ao espírito de
família em rotary. Assim seremos mais solidários e mais
fortes. Consequentemente estaremos em melhores
condições de prestar ajuda a muitas mais pessoas.
Recebei um grande abraço do vosso amigo e
companheiro,
Manuel Cordeiro
FAMÍLIA MIRANDA
UNIDOS PELO EXEMPLO,
SOBRIEDADE E AMOR
A família em Janeiro 2009 (Sem o Rafael).
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Era uma vez... E assim começam as histórias de encantar.
Encantado com o “Espírito NATALÍCIO” que caracteriza
A “FAMÍLIA MIRANDA”, O ROTARY CLUB DE
COIMBRA FOI PROCURAR CONHECER A SEIVA
QUE PERCORRE ESTA ÁRVORE GENEALÓGICA
QUE TÃO BONS FRUTOS TEM DADO. QUIS O
DESTINO QUE O COMPANHEIRO ENCARREGUE
DA ENTREVISTA AOS VÁRIOS MEMBROS DO
AGREGADO, PARA FAZER A “REPORTAGEM-
FOTO DE FAMÍLIA”, FICASSE IMPEDIDO DE UM
CONTACTO PRESENCIAL QUE VEIO A SER
SUBSTITUÍDO, EM EMERGÊNCIA E URGÊNCIA,
PELA FRIEZA DE UMA ENTREVISTA COLECTIVA
FEITA PELA INTERNET. A MOBILIZAÇÃO DE
TODOS OS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”
ABRIU A PORTA AO ROTARY CLUB DE
COIMBRA E AQUECEU DE FORMA
SENSIBILIZANTE O NOSSO PROPÓSITO. CADA
UM DOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”
DEU UM PRECIOSO CONTRIBUTO. LOGO SE
PERCEBEU, PELO EXEMPLO, QUE A FAMÍLIA É
UM INDISSOCIÁVEL COLECTIVO.
QUEREM CONHECER TODA ESTA HITÓRIA DE
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ENCANTAR? LEIAM CONNOSCO AS RESPOSTAS
DE VÁRIOS MEMBROS DA “FAMÍLIA MIRANDA”.
«A PALAVRA PODE ARRASTAR...O EXEMPLO
CONVERTE» - ASSEGURA A MATRIARCA MÃE-
AVÓ LISETE.
EIS A EXEMPLAR CÉLULA DAS SOCIEDADES...
...ERA UMA VEZ UMA FAMÍLIA: A “FAMÍLIA
MIRANDA”.
1. Como era o dia a dia em vossa casa?
Mãe: Dias de trabalho. Eu ia para a escola, levando os
que estavam em idade escolar. Os outros ficavam com os
meus pais, que foram viver comigo pois eu era filha única.
Ficava ainda uma afilhada, a Catarina, órfã de pai, que cresceu
com os meus filhos desde a idade dos cinco anos, e que foi
para eles uma irmãzita mais velha. Naquele tempo, não havia
fraldas descartáveis nem máquinas de lavar. Tudo era feito
manualmente, e cuidar das roupas levava muito tempo. Os
bibes eram uma boa solução para poupar as roupas.
Além da Catarina, havia ainda os dois irmãos rapazes,
o Tá e o Jorge. Ao todo eram três afilhados, a quem o pai
faltara muito cedo, e por quem eu me responsabilizei, pois me
uniam com o pai laços de grande amizade. Hoje adultos, são
ainda a nossa família, não do sangue mas do coração, e
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povoam as mais doces memórias infantis dos meus filhos,
como se fossem os seus irmãos mais velhos.
Apesar de termos muito que fazer, não faltava o tempo
para nos darmos aos outros. Ao domingo, visitávamos alguns
doentes. Uma de cada vez, as filhas eram levadas pela minha
mão, a participar daquelas visitas e a aprender a dar-se.
A uma vizinha que tinha uma perna chagada, lá ia eu
diariamente fazer o curativo, ou dar a injecção, quando
regressava da escola.
Havia um pobre doente, sem família, a cuja casa eu ia
fazer limpeza. Era o Sagradas, um bem falante, homem bem
nascido e bem criado, em boa casa, mas tinha acabado por
cair em desgraça. Já idoso, sofria de úlceras varicosas nas
pernas e ia curar-se diariamente ao Hospital de Celas, onde
fazia a barba aos doentes. De carteira debaixo do braço, lá ia
ele à boleia, de Ançã para Coimbra. Era um sem-ninguém.
Vivia numa nesga de casa, junto do Campo de Futebol. Ao
longo dos anos, as bolas foram partindo as telhas sem forro, e
já lhe chovia em casa como na rua. Fizemos por ele tudo o que
pudemos até que, tendo caído à beira do caminho, foi levado
para o Hospital de Cantanhede, onde veio a morrer
dignamente, assistido pelos Sacramentos dos doentes, bem
vestido e barbeado – já que tinha barbeado tantos doentes.
Outra família protegida, era uma família de dois
alcoólicos que tinham já quatro filhos pequenos e outro para
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nascer. Fui visitá-la a pedido de uma Assistente Social e fiquei
impressionada com a miséria em que viviam. Chão de terra
batida, sem camas para as crianças. Dias depois fomos lá
montar as duas camas de bebé que tinham sido dos meus
filhos e remediámos como pudemos a situação. Convenci o
marido a ir comigo até ao Centro de Alcoologia de Coimbra.
Como esperámos muito pela consulta, fui à praça comprar pão
e queijo e lá comemos os três, sentados no jardim da Sá da
Bandeira. Dali fomos para os Covões e lá ficou o homem
internado, para fazer a cura. Depois, foi preciso arranjar-lhe
trabalho. Apresentei-o em dois lugares diferentes, mas a
resposta era “Não; esse homem é um bêbado!”. Passei a dar-
lhe um dia por semana, a ele e à mulher, nos trabalhos da
nossa vinha. Os meus filhos tornaram-se padrinhos da bebé
que nasceu (e que veio a morrer de tenra idade) e ficámos
amigos e compadres. Os meus filhos eram conhecedores e
participavam de perto desta realidade. Nas férias escolares, o
mais velho chegou a dar serventia de pedreiro, gratuitamente,
para que fosse possível dar um pequeno arranjo na casa, com
uns dinheiritos que consegui na Assistência social. Hoje só
estão vivas duas irmãs, e a casinha já foi bem arranjada pela
Câmara.
Morávamos um pouco distantes de uma família de dois
irmãos solteiros e doentes, que viviam com grandes
dificuldades e diariamente havia sempre algo que levar à Maria
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ao Zé. Quando da morte deste, foi o Tiago que ficou lá em
casa a dormir, para fazer companhia à irmã, já velhinha. O
Tiago não se esquecerá das baratas que o acompanharam
durante a noite. Estes nossos amigos não tinham connosco
laços de sangue mas de verdadeira amizade. Acarinhámo-los
até à morte não guardando em troca nada do que era seu,
embora eles o quisessem. Já no final das suas vidas,
indicámos alguém que por eles se responsabilizasse, em troca
dos seus bens de outrora, mas fomos o seu suporte e o seu
carinho.
Eu fiz parte da Conferência Vicentina e o amor pelos
pobres e desprotegidos da vida ocupou sempre um lugar
importante nas nossas vidas. Os filhos acompanhavam-me
sempre, primeiro pela mão, e depois livremente. A nossa
palavra pode arrastar, mas o nosso exemplo converte.
2. O facto de a Mãe ser professora implicou uma maior incidência pedagógica em casa, junto dos filhos?
Mãe: No início sim. Desde pequenitos começavam a
rabiscar e a soletrar. Quando se matriculavam na 1ª classe, já
sabiam ler. O ambiente escolar era-lhes familiar. Na sua
linguagem infantil, a escola era o A-O (Também hoje, os meus
netos mais novos dizem que andam na escola da avó Lizete).
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O meu pai era alfaiate de profissão e servia de guarda aos mais pequenitos. Era bem disposto, homem culto, e teve na sua educação muita influência. Nunca andaram por mãos alheias, e isso foi importante.
José Carlos, Tiago, Pedro e Margarida
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VIDA SÓBRIA COM EQUILÍBRIO
SEM RECORRER A EMPRÉSTIMOS
3. Cinco filhos correspondem a um maior dispêndio financeiro num lar? Houve consciência de dificuldades? E se as houve, como foram superadas?
Mãe: Sim. Levámos sempre uma vida muito sóbria. Os
ordenados eram modestos. Eu como Professora do Ensino
Primário, e o pai como Chefe de Secretaria de uma Câmara.
Mas com algum equilíbrio, conseguimos construir a nossa casa
quando já íamos no terceiro filho, sem recorrer a empréstimos.
O meu pai deu-nos o terreno e, sem luxos, construímos uma
casa para que todos crescessem. O recheio veio aos
pouquinhos, aproveitando e reciclando tudo o que tínhamos
desde o nosso casamento, em 1959. A única coisa comprada
imediatamente para a casa nova, foi um frigorífico, que era
então uma novidade tecnológica. Os nossos passeios, que os
dávamos, eram sem compromissos de despesas. Nessa altura
não era obrigatório ter um monovolume para a família inteira,
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nem cintos, nem cadeirinhas, e os meninos viajavam muitas
vezes ao colo dos avós.
No Verão, sempre foram passar o mês de Julho à praia,
no mês em que as rendas eram mais baratas, pois vivemos
sempre sem prestações nem empréstimos.
Demos aos nosso filhos uma alimentação sadia. Sopinha
ao almoço e ao jantar, feita pela avó. O peixe fresco, os ovos e
a carne do galinheiro, o leitinho de duas cabrinhas – foi um
consolo – sem esquecer os seus cabritinhos, por ocasião da
Páscoa.
Não fomos frequentadores de cafés, nem de cinemas.
Os fins de semana eram para os nosso filhos. Com
sobriedade, todos tinham o seu espaço, os meus pais, os
meus filhos e afilhados e os amigos que, desde muito cedo os
filhos traziam lá para casa. Foi sempre uma casa aberta, desde
a infância até aos seus tempos universitários. Entre as muitas
visitas lá de casa, lembro-me de alguns amigos de sempre. A
Teresa Campos, a Ângela, o Nuno Braz, o Magalhães, o João
Carlos. O Magalhães era do Norte. Não podia ir sempre passar
o fim de semana a casa, e vinha com o Tiago. O João Carlos
era colega do Pedro dos tempos do Colégio. Viveu connosco
cerca de dois anos, até obter uma bolsa dos serviços sociais
para uma residência.
Carlota, o quinto filho
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NEM SEMPRE FÁCIL MAS ACABOU POR SER POSSÍVEL O EQUILÍBRIO ENTRE A
BRANDURA DA MÃE E A DUREZA DO PAI
4. Os pais tinham um conhecimento preciso da evolução de cada filho?
Mãe: Como professora e como mulher, eu tinha mais
atenção e mais brandura para os problemas que iam surgindo
e que passaram mais pela minha mão. Ainda em solteira,
durante sete anos, fui responsável diocesana de um
movimento infantil da Acção Católica. Frequentei várias
actividades sobre psicologia infantil e atraíam-me muito esses
livros. Recordo, entre outros, A arte das artes, de educar uma
criança. Tudo isso teve em mim influência, não apenas na
relação com os meus filhos como na minha vida profissional.
Quando chegavam à pré-adolescência, punha-lhes nas mãos
uns livrinhos em voga - Já és um homenzinho / Já és uma
mulherzinha – que os ajudavam a iniciar-se nos mistérios da
vida.
Nem sempre foi fácil manter o equilíbrio entre a brandura
da mãe e a dureza do pai, mas parece que foi possível.
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A VIDA CRISTÃ RESULTA
INTENSAMENTE COMUNITÁRIA
“Os nossos pais tinham também um compromisso responsável e constante com
a Igreja, mais discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais intenso à
medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa mãe. O pai, antigo seminarista,
sempre foi um dos homens de confiança dos párocos, consultor, não tanto um
homem de acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em actividade
profissional, como político assumidamente católico, sem aspirações de poder, mas
consciente da importância de que todas as sensibilidades políticas participem do
debate democrático, para que este seja genuíno”
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5. Os filhos – tal como os Pais – tiveram um compromisso com a Igreja local colaboran-do com o serviço paroquial. Porquê? Reflexo de uma formação católica de antepassados?
Filho: A vida cristã, quando intensa, resulta
intensamente comunitária e, por isso, desde muito cedo, os
que se apresentam com dons úteis à comunidade são
espontaneamente chamados para o serviço ou oferecem-se,
mesmo. Para o coro, todos naturalmente nos oferecemos e
acabámos por vir a ter influência decisiva no desenvolvimento
da superação do desnorte instalado no gosto músico-litúrgico
do pós-concílio Vaticano II. Nele navegámos entusiasticamente
na adolescência, mas o apelo das referências mais antigas do
Colégio onde nós, os rapazes, tínhamos andado, e depois
aquele das referências do estudo musical mais sério, que
começámos ali pelos 16-17 anos, foi mais forte.
Para a catequese fui convidado, mas aceitar foi
instintivo. As referências familiares inspirariam confiança ao
pároco, e supririam a muito pouca idade. Depois, foi tomar o
gosto, sobretudo pela aventura da preparação da exposição
oral.
Naturalmente que o exemplo que se recebia da família
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fazia do serviço à comunidade algo de natural e nobre ao
mesmo tempo. Desde muito pequenos tínhamos sido
habituados a prezar e enaltecer a consagração religiosa de
duas tias, carmelitas, e a consagração missionária de um tio,
padre missionário, naquela altura em Moçambique e depois no
Brasil, onde se encontra. Os nossos pais tinham também um
compromisso responsável e constante com a Igreja, mais
discreto quando éramos pequeninos, naturalmente, mais
intenso à medida que fomos crescendo, sobretudo a nossa
mãe. O pai, antigo seminarista, sempre foi um dos homens de
confiança dos párocos, consultor, não tanto um homem de
acção. A acção desenvolveu-a mais, enquanto ainda em
actividade profissional, como político assumidamente católico,
sem aspirações de poder, mas consciente da importância de
que todas as sensibilidades políticas participem do debate
democrático, para que este seja genuíno.
Por todo este ambiente, todos crescemos envolvidos em
diversificados compromissos de participação eclesial bastante
intensos, que perduram, embora oscilando de intensidade,
consoante a fase da vida familiar em que cada um se encontra
– o que é indispensável que aconteça. Até porque a família é
agora, para os que a constituíram, a sua prioritária participação
na missão da Igreja (já se vê quem escreve: o pregador
encartado...).
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(A Banda de Ançã) ...”tinha um mestre de solfa, o Sr.
Artur, que tinha ficado paraplégico num acidente e
ensinava meritoriamente os rudimentos necessários aos
principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a
frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá
fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos,
na alfabetização musical”.
6. Como aparece a formação musical em todos os filhos? Quem lhes deu essa formação?
Filho(a): Foi-se bem cedo manifestando em cada um de
nós uma apetência pela formação musical, que procedia
espontaneamente do gosto de cantar. O meio em que vivíamos
e em que acedemos à alfabetização era, desse ponto de vista,
muito pobre e satisfeito. Mas não era atraso. Era decadência.
O culto divino fora para os nossos avós e ainda para os nossos
pais uma janela aberta para a Fé a para a Cultura. O nosso
avô paterno, sem descurar a habitual produção de batatas e
milho, tinha podido ensaiar polifonia de Palestrina ao coro da
sua igreja num tempo em que havia violinos! O nosso avô
materno tocava flauta na Banda e ainda tinha conhecido, no
coro alto da Igreja, um Órgão! Os últimos tubos, já nosso
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tempo, ainda andaram muitos domingos a elevar o espírito
religioso do povo; só que a religião era a da bola, e o coro era
a claque do rapazio. Enfim, tudo isso, evidentemente, foi antes
de se descobrir o conceito de património. Mas em casa, o
nosso pai, que tinha sido formado no seminário, debitava latim
e lia pautas. Quando cantava pelo Liber Usualis, ficávamos
orgulhosos e percebíamos que pertencíamos a um mundo
mais amplo.
Em anos de fortuna, chegava-nos a casa o tio
missionário e gravava em bobines os serões familiares. O
nosso pai comprou um gravador e instituiu esse registo, com
entrevistas, histórias dos mais velhos, orações, e muitas
canções. Lá cantávamos para o microfone tudo o que
sabíamos. E foi assim que começámos as primeiras tentativas
de cantar a vozes.
Nunca ninguém nos empurrou para estudar. Era uma
aspiração natural, vinda talvez desse sentido de pertença a
melhores tempos. Felizmente, a Banda de Ançã conseguiu
atravessar o deserto desse período e, mesmo contra a maré
da moda, nunca deixou de recrutar a juventude. Tinha um
mestre de solfa, o Sr. Artur, que tinha ficado paraplégico num
acidente e ensinava meritoriamente os rudimentos necessários
aos principiantes. Graças à nossa mãe, que via sempre para a
frente e parece que adivinhava as nossas necessidades, lá
fomos ao Sr. Artur para sermos iniciados, os mais velhos, na
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alfabetização musical.
Depois, mesmo por pouco tempo, como ainda
apanhámos bons músicos e grandes intelectuais no Colégio de
Cernache, (Domingos Peixoto, Abílio Queirós), lá chegámos a
conhecer ao vivo a música sacra e aprendemos a distinguir o
ouro do pechisbeque. Andámos para lá uns anos a arranhar
violas, porque era o que nos pedia o vento do tempo, mas
sabíamos que queríamos mais. Tínhamos, por exemplo, uma
fixação na música coral, sobretudo na polifonia. Com o
primeiro dinheiro que ganhámos nas férias do liceu, sobretudo
com um ordenado de um mês de trolha, comprámos um
gravador de cassetes, que encostávamos ao rádio, para
recolher selectivamente os trechos corais que apareciam. De
modo que, quando veio a universidade, lá fomos todos, cada
um a seu modo, pedindo para entrar no conservatório. O
primeiro foi, salvo erro, o mais novo dos rapazes que desde o
princípio se revelou mais dotado e persistente. Aliás, foi o
único que chegou a ser músico profissional por primeira opção
pois, antes de entrar para o Seminário, tocou na Banda, fez o
curso superior de flauta e foi professor do conservatório.
Quanto aos demais, nos estudos do conservatório, fomos até
onde os nossos outros cursos e múltiplas actividades o
permitiam. Ficámos com os canudos da formação geral, todos,
e superior, dois dos mais velhos.
Não era fácil porque, quando vinham os exames, era
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tudo a dobrar. E se fosse só pela cenoura do sucesso juvenil,
já o tínhamos de sobejo, até na missa, com roques e
guitarradas que na altura se aprendiam com o vento, sem
dispêndio de notas musicais (nem das de escudos, que
custavam ao erário familiar…) Mas a formação a que todos
dávamos sem dúvida mais importância foi a da fé e da cultura.
E a música teve a sorte de não entrar em concorrência com
essa formação. Pelo contrário, ela faz parte da interiorização, e
também da expressão, da nossa fé e cultura católicas.
“No espírito de família, deve ter tido grande influência o facto de vivermos todos juntos,
com os avós. Estes já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais”
7. Como define o espírito de família na vossa família?
Filho(a): Definiria o nosso espírito de família nos
seguintes termos: uma Fé a transmitir, uma memória a
perpetuar, uma festa a celebrar, uma rede natural de mútuo
auxílio, e um não, definitivo, a qualquer ressentimento. “Não se
ponha o sol sobre o vosso ressentimento” (Ef. 4. 26)
Mãe: No espírito de família, deve ter tido grande
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influência o facto de vivermos todos juntos, com os avós. Estes já tinham sido muito dedicados com seus próprios pais. A minha mãe era muito bondosa e dedicada. Os filhos foram crescendo e o espírito de inter-ajuda e de partilha foi-se acentuando, cada vez mais.
Duas gerações: pais, filhos, genros e noras.
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PALAVRAS FEIAS – PIMENTA NA LÍNGUA
8. De que forma eram ou foram corrigidos
eventuais desvios comportamentais por parte dos filhos?
Filho(a): Na mais tenra infância, a Mãezinha punha-nos
pimenta na língua quando dizíamos palavras feias ou de outro
modo prevaricávamos pela palavra. Depois havia também a
colher de pau, o castigo de não ter esta sobremesa, ou de não
dar aquele passeio. Na infância e na primeira adolescência, o
Paizinho aplicava pesadas palmadas em lugar adequado, mas
não tantas quantas as que achava necessárias, nem sempre
que achava necessário, porque a Mãezinha se opunha e a
Avozinha se interpunha.
Mais tarde, em situações de maior conflito entre a
Autoridade dos Pais (quiçá mais a da mãe, protectora e
proibitiva) e pretensões ousadas dos filhos rapazes, mormente
dos dois mais velhos, discutia-se fortemente, por vezes com
muita emoção e algum excesso nos juízos.
Um entre todos, teve adolescência mais rebelde. Sem
embargo de acesas altercações em que aquele era mais
34
provocador e o Pai nem sempre se dominava quanto gostaria,
a memória que ficou do modo como ambos os pais lidaram
com aquela rebeldia, é a da longanimidade com que foi
tolerada a contestação e a sabedoria com que, sem
ressentimento algum, esperaram dias e atitudes mais serenas.
“ELES” NASCERAM PRIMEIRO
O QUE DIZIAM AOS RAPAZES:
“DEIXEM ISSO PARA AS MENINAS E O ISSO PODIA SER O RESTO DO
BOLO DE DOMINGO”
9. Qual é a amplitude etária entre os filhos: a diferença de idades entre o mais novo e o mais velho? Qual o papel dos mais velhos em relação aos mais novos?
Mãe: Os dois mais velhos são muito próximos. Têm 13
meses de diferença. Com estes foi preciosa a ajuda dos avós.
As noites, sobretudo, não foram fáceis. Naquele tempo não
havia 4 nem 5 meses de maternidade. Ao fim de 15 dias ia
trabalhar, mas alcofa com o bebé lá ia no carro para a escola,
35
e todos foram amamentados ao peito até aos 10 meses. Até
aos 3 meses iam para a escola. “Eram mansinhos”, diziam.
Recordo o mais velho em Mondim de Basto, e o Pedro em
Tábua. Eram o bebé da festa.
Filho(a): Os rapazes nasceram primeiro. O Zé Carlos e o
Tiaguito muito próximos, pouco mais de um ano de diferença, e
depois o Pedro. Desenvolveriam, por isso, grandes
cumplicidades. As meninas, mais novas, podiam talvez irritá-
los um bocadinho. A frase: “Deixem ficar isso para as
meninas!”, vinda da Avozinha (a avó Aurora), da mãezinha ou
da Catarina, era muito, mas mesmo muito frequente. E o ‘isso’
podia ser o resto do bolo de Domingo, as primícias das
tângeras, as bananas (mais raras que hoje), as Bolas de
Berlim que vinham de Coimbra ou o ‘cavalinho’ que o avozinho
trazia da feira de Cantanhede. Apesar disso, eles ficavam-se
pelos protestos e davam a prioridade ‘às meninas’.
A Margarida, mais próxima dos rapazes pela idade,
envolvia-se nas brincadeiras deles, julgando-se, por isso,
promovida. A Carlota, naturalmente mais mimada, pedia-lhes
para ‘andar a cavalo’ (com eles ‘de gatas’ no chão), o que
faziam com paciência… se ela se magoava, eles é que ouviam
o raspanete. Mas as duas manas divertiam-se também a
brincar às casinhas e aos teatros, com as amigas da
vizinhança.
36
Como os rapazes, a partir de certa altura, estavam
internos no CAIC em Cernache, as manas sentiam-lhes a falta.
Talvez por isso, era raro zangarem-se (as férias, e aquele fim-
de-semana por mês tinha de ser bem aproveitado). Mas o
internato foi acabando e os manos vieram estudar para o liceu
de Cantanhede. Quando elas chegaram ao mesmo liceu, já os
rapazes tinham deixado a sua marca, num tempo em que os
professores se mantinham mais tempo numa mesma escola e,
por isso, as expectativas estavam criadas e as comparações
eram inevitáveis. A influência dos mais velhos nos mais novos
ultrapassava, assim, a da convivência natural dentro da
mesma casa, passava para a escola, e também para os
ambientes que, anos depois, os mais novos também
frequentariam. Alguns interesses e gostos pessoais tiveram
ocasião de se manifestar e desenvolver, graças ao convívio
entre os irmãos.
Foi certamente por influência dos rapazes que as
raparigas passaram pelo Conservatório de Coimbra. Aliás, a
iniciação à leitura musical das meninas foi feita pelo Tiago que,
com muito pouca paciência mas bastante persistência, lhes
deu as primeiras lições. Até nas opções que viriam a permitir
determinadas escolhas profissionais, essa influência se fez
sentir. A mais nova, por exemplo, despertou para o ‘bichinho’
do Latim e do Grego graças à Margarida, que lhe ia à frente.
As semanas de Verão que os irmãos, já mais
37
crescidinhos, faziam no ‘campismo selvagem da Praia de Mira’,
com visitas frequentes dos pais e dos avós, semanas quase
totalmente dedicadas à leitura, também estimularam
certamente as mais novas. Curiosamente, até as amizades se
partilharam nesta fratria. Desde o tempo em que no Otiarium,
vulgo ‘Ociário’, espécie de ‘santuário’ sem luz natural,
decorado com material reciclado, dedicado à leitura, à música,
ao convívio e, na época dos exames, ao estudo, os rapazes
conviviam com muitos amigos. E desde então, até aos dias de
hoje, as causas e amigos comuns geram amizades que ainda
perduram.
“Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com
as camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas
pelo avô Zé Carlos”.
10. Como era vivida a quadra do Natal nos vossos verdes anos? E actualmente?
Mãe: O Natal sempre foi uma grande festa para todos.
Dias antes, os mais velhos iam ao musgo com o pai. O
presépio estava sempre a seu cargo, não faltando a fogueirita
dos pastores, avermelhada pelo celofane. Aos poucos,
ganharam gosto e entravam em concursos de presépios da
cidade. Este era sempre feito na sala, e tínhamos que tolerar
38
as ambições crescentes de espaço, para os bonequitos de
barro que eram acrescentados ano a ano. Na consoada, não
faltavam os filhós de abóbora e as broas feitas pela avó
Aurora. Para a Missa do Galo, lá iam todos asseados, com as
camisolas tricotadas à mão, pela mãe, e as calças feitas pelo
avô Zé Carlos.
Era certa a visita ao Seixo, onde não faltava o jantar em
casa da Madrinha Anita e onde convivíamos com todas as tias,
tios e primos (éramos, pelo menos, 27 a 30). Eram também
saborosos os filhós da avó Albina que, por serem lêvedos,
eram diferentes. Por influência da escola da Mãe, desde
sempre fizeram Autos de Natal, da Revista Escola Portuguesa.
Ensaiava na escola e eles aprendiam de cor e repetiam em
casa. Ensaiavam cânticos de Natal e animavam assim os
nossos serões. Temos desses serões algumas gravações
históricas, feitas por um antigo gravador de bobines que o pai
comprou, e que fazem o meu encanto.
Quando o pai passou da Câmara para o Banco Borges e
Irmão, o Natal era enriquecido com a tradicional Festa de Natal
e com os presentes do Banco. Íamos todos ao Porto, ver os
palhaços, e eles vinham encantados com os presentes que
recebiam, adequados à sua idade.
Actualmente, tudo é diferente. O presépio é sempre feito
mas já não é pelo avô. Os netos grandes já fazem engenhocas
à sua maneira. Na consoada ou no dia de Natal juntam-se
39
todos cá em casa (29, a caminho dos 30, das três gerações);
por isso, na cozinha, as panelas aumentaram muito de volume.
É a avó Lizette que cozinha a ementa tradicional (as couves,
batatas e bacalhau, os obrigatórios filhós de abóbora e os “da
Serra”) e as tias fazem as outras lambarices. Ainda há galinha
da capoeira para a canja e o fricassé.
Filho(a): Na consoada havia sempre mais gente à mesa.
Cultivava-se a intimidade mas era uma intimidade aberta e
partilhada e, nesse dia, precisamente por ser esse dia, havia
convidados naturais pela proximidade à família. Essa
sensibilidade levei-a sempre comigo para os natais longe da
família. Uma vez tive de gramar muita incompreensão por
causa do espírito “comunitário”, decerto mal-entendido, que se
cultivava no colégio universitário em que eu me integrei
durante os anos da Gregoriana de Roma. Era costume que os
estudantes inscrevessem até cinco convidados por dia para
jantar. E eu tinha convidado para a consoada, um músico
brasileiro absolutamente solitário que ainda não tinha ninguém
lá em Roma. Só que, como era Natal, nesse dia não podia
haver convidados! E eu não consegui convencer a autoridade.
Lá levei o meu puxão de orelhas por rifar a comunidade, mas a
nossa consoada foi num restaurante chinês e ao meu amigo
saiu a sorte grande, porque dali fui para S. Pedro com função
de cantor e tive tal lata que ele, à minha palavra, pôde entrar e
cumprimentar o papa. Só o voltei a ver quando o Ançã-ble foi
40
cantar a São Paulo, cinco anos mais tarde. Soube pelo jornal e
veio ao concerto com um presentinho que me deixou babado,
para a nossa filha recém-nascida.
Neta: Actualmente, vivemos o Natal em família alargada
e procuramos que ele esteja centrado no essencial daquilo que
nos une.
O local de encontro é em casa da avó Lizette, que no dia
23 já está em grande rebuliço com os preparativos. Jantamos
no salão do avô Tiago, decorado com os enfeites que a tia
Carlota fez, junto ao presépio construído pelo tio Tiago com um
resto de tempo e paciência, e com a “ajuda” dos mais
pequenos… O bacalhau com batatas, mais todas as
tradicionais iguarias que se seguem, é fruto do esmero de
todas as tias e sobretudo da avó Lizette. Há sempre um molho
exótico do tio Isaías para acompanhar, que só alguns têm
coragem de experimentar.
Estamos quase todos presentes; por vezes há algum
casal de tios que passa a consoada com o outro lado da
família e vem depois para a missa do Galo, ou só no dia 25. No
meio do corrupio de servir crianças, levantar pratos e trazer
travessas, vai-se estando e conversando, às vezes discutindo
– temas elevados e temas comezinhos – como não deixa de
acontecer sempre que nos sentamos todos à mesa. Como “a
máquina é pesada” (expressão que costumamos usar para nos
41
recordarmos mutuamente de que somos muitos e a logística é
complicada), mal acabamos a sobremesa já são horas de ir
para a missa do Galo, onde não podemos chegar atrasados,
sob pena de ela começar sem cântico de entrada, visto que
alguns de nós constituímos uma percentagem razoável dos
elementos do Coro da paróquia…
Termina a missa da meia-noite com um cântico ao
menino Jesus que cantamos diante do presépio da igreja; um
momento que se repete todos os anos e que recordo sempre
belo e comovente. A música ajuda a parar um pouco diante do
Mistério que é afinal a razão de ser de toda a festa, e
consegue dizê-lo melhor aos nossos corações. Há um sorriso
em todas as caras, quando abandonamos a igreja com muita
vontade de continuar a fazer festa. Passamos por casa do Sr
Prior para beber com ele um porto que já não se dispensa, e
depois vamos para casa, para cumprir o muito esperado ritual
da abertura das prendas. Dado o avançado da hora, os
principais interessados estão normalmente reduzidos a
metade, pois foram sucumbindo ao sono durante a missa, mas
lá vão ressuscitando aos poucos ao som da palavra “prendas!”.
42
NOVOS TEMPOS (NO NATAL)
PARA MEDITAR
SÓ UM PRESENTE PARA CADA UM, MAS
AOS MAIS PEQUENOS DÁ-SE SEMPRE O
MIMIMHO DE MAIS UM OU DOIS...
Desde há uns anos para cá, cada um recebe apenas um
presente, de uma outra pessoa da família a quem coube em
sorteio oferecer-lhe. Impôs-se adoptar este modelo, pois
oferecermos todos prendas a todos tornou-se a partir de certa
altura um verdadeiro pavor! Aos mais pequenos, porém, dá-se
sempre o miminho de mais uma ou duas. A avó Lizete não se
esquece!
Lá em casa foi sempre o Menino Jesus que trouxe as
prendas (de vez em quando pode mandar o seu “empregado”,
o Pai Natal) … Saem, pois, as crianças da sala e esperam que
o Menino Jesus venha encher o sapatinho de cada um,
colocado junto ao Presépio. E começa então a festa de
43
descobrir, mostrar e usufruir dos presentes, que dura ainda
pela noite dentro, até o sono nos ir vencendo.
No dia 25 vamos todos à missa de manhã e almoçamos
de novo em casa da avó Lizete. A tarde é preenchida por
várias coisas: as crianças apresentam um teatrinho de Natal
que as primas mais velhas tentam organizar; abre-se a mala
das partituras e cantamos a quatro vozes cânticos ao Menino
Jesus; e faz-se por fim o tradicional jogo de distribuição das
prendas da tia Irene, que é uma amiga íntima da família que,
embora não esteja presente, compra prendas para todos e
encarrega as primas mais velhas de inventar uma maneira
divertida e formativa de as fazer chegar aos destinatários. E
assim estamos todos juntos até cair a noite. Á medida que ela
avança vai-se esvaziando a sala, vai esmorecendo a música
(há sempre muito que arrumar…). E ficou mais um Natal para
trás.
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SOLIDARIEDADE RECÍPROCA E A
MEMÓRIA DO FESTIVAL DA
CANÇÃO DO CAIC
(Colégio Apostólico da Imaculada
Conceição, de Cernache)
11. Actos positivos realizados pelos irmãos? E quais os Actos Negativos que estejam na memória?
Mãe: Actos positivos, foram tantos, Graças a Deus! A
vida de estudante, sempre certinha, as suas licenciaturas, a
sua inserção na vida da Igreja, as suas actividades musicais e
o seu Coro, a sua união familiar, a sua inter-ajuda no dia a dia
é uma bênção de Deus para mim. Graças a Deus, os
casamentos não mudaram o espírito de irmandade. As noras e
os genros foram escolhidos a dedo. Todos se inseriram e se
tornaram filhos e filhas.
Um dia, na época de Natal, estando eu professora em
Balsas (Febres), acompanhavam-me, em idade escolar, o Zé
Carlos e o Tiago. Naquele dia, o entusiasmo era maior, porque
45
tínhamos acabado de fazer o presépio na escola. Por isso, os
manos decidiram que o mais novo, o Pedrito, também tinha
que ir. Sem ninguém perceber, o Pedrito foi metido no
cafarnaum do Wolksvagen (assim chamavam à mala do carro)
para poder ver o Presépio, na sala de aula. Quando estava já
perto da escola, vejo a cabeça do garoto a surgir nas traseiras
do carro! Imaginei a aflição dos avós à procura do menino, e fui
imediatamente pedir à Fábrica de Serração, próxima da escola,
para telefonar a avisá-los. Eram todos muito solidários. O
menino lá passou o dia na escola e foi uma festa para os três.
Filho(a): A memória voa logo para o Festival da canção
do CAIC, em que os “Irmãos Miranda” entravam com as suas
composições e arrancavam os 1ºs prémios. Além das
tradicionais taças e medalhas, a primeira máquina fotográfica,
a primeira cana de pesca, vieram, por este meio, diversificar os
tempos livres da garotada.
A solidariedade era recíproca. Os manos, porque cedo
queriam incluir as manas nas suas proezas. Estas, porque,
quando os mais velhos entraram para o internato do Colégio
dos Jesuítas, guardavam todos os mimos e doçuras que
recebiam, para terem alguma coisa «para levar aos manos»,
na visita que se fazia em família, ao fim de semana.
Durante os anos da Escola Secundária de Cantanhede,
sem acesso a mesada ou semanada que fosse além das
estritas despesas semanais com as senhas de almoço na
46
cantina, e os bilhetes de autocarro para o regresso a casa, um
dos manos foi comprando, mês a mês, os 19 volumes da
História Universal, de Carl Grimberg (Europa-América), com
que a biblioteca da casa foi sendo alargada. Os livros
apareciam tão discreta e lentamente que ninguém
compreendia a sua proveniência. Só quando já preenchiam
demasiado espaço na estante é que o autor da proeza teve de
confessar os verdadeiros destinos do dinheiro que recebia.
Com boleias e com sandwishes nos bolsos, a livraria
“Hortícula” de Cantanhede tinha acabado por se sobrepor aos
serviços sociais da escola e aos transportes da “José Maria
dos Santos”, na captação das magras finanças do adolescente
sem cheta.
Outro episódio ‘edificante’ foi o encontro com o Bobi, um
cão rafeiro e sem dono, atropelado à porta de casa. Era este o
destino de todo os gatos que ali cresciam. Desta vez era um
cão abandonado. Ficou em tal estado que o seu ganir suscitou
a comiseração dos manos e das manas. Ninguém acreditava
que aquele ventre que expunha as entranhas pudesse
recompor-se, e que o cão voltasse à vida. Mesmo assim, o cão
vadio recebeu guarida à sombra do quintal e iniciou um
tratamento intensivo de comida, afectos e litros de água
oxigenada, que era comprada na farmácia e simplesmente
despejada sobre as suas vísceras. Apesar do cepticismo inicial
dos adultos, o certo é que o Bobi se curou e se tornou o
47
companheiro inseparável de todos, até morrer de velho lá em
casa.
Actos negativos, também os havia. Afrontavam a
paciência paterna, causando a maior indignação, mas hoje
arrancam sorrisos espontâneos. Os rapazes sempre tiveram a
mania de construir barracas para as seus tempos livres - no
extremo do quintal, longe de casa, ou mesmo no pinhal do
Chão-do-Risco, onde faziam fogo de campo, como nos
Escuteiros. Nisto, tinham o auxílio cúmplice do avô Zé Carlos,
a cuja autoridade a mãe se rendia. No entanto, nem assim lhes
era permitido passar ali as noites, fosse verão ou fosse
inverno. Pois, já que lhes era proibido dormir na sua ‘barraca’,
esperavam pela noite e, à hora em que a autoridade
adormecia, atavam à varanda do quarto do 1º andar uma corda
feita com os lençóis da cama, pegavam nas almofadas e por ali
desciam. Os mais velhos ajudavam os mais novos. Nos bolsos
levavam lanternas e, nas cabeças, os livros dos Cinco, da Enid
Blyton, lidos na íntegra.
Além disso, os rapazes mais velhos gostavam de
receber os amigos com vinho do Porto, bebida que,
naturalmente, estava sujeita a um regime de restrições, se não
de proibição. Mas os jovens anfitriões não se resignavam.
Achavam piada à indignação paterna, que reparava logo no
buraco vazio da garrafeira e não poupava os sermões! Então,
serviam-se do precioso líquido e depois voltavam a encher
48
cuidadosamente a respectiva garrafa com um líquido qualquer,
de transparência semelhante. À hora de servir o vinho do Porto
às visitas, o pai não tinha senão zurrapa, e ninguém por perto,
para explicar o sucedido.
12. Qual foi o momento mais difícil no seio da vossa família e como o superaram?
Mãe: Um dos momentos mais difíceis foi o
desaparecimento de uma netinha – que depois apareceu.
Temos, no Seixo de Mira, uma casa que fizemos com tudo o
que conseguimos juntar depois que todos casaram. É num
pinhal, um pouco afastada da povoação. Num certo Sábado de
Maio, ao findar do dia, a menina Guidinha, de dois anos e
meio, deixou as manas e outros amiguitos mais crescidos, que
se encontravam de visita, e saiu de casa. Os últimos a vê-la
diziam-na a brincar ali fora, com eles. Mas, à hora do jantar
ninguém sabia da Guida!
Talvez tivesse ido no carro com os avós, que já tinham
partido… Não, diziam. Talvez estivesse adormecida nalgum
canto da casa… O instinto levou então os pais a procurar de
imediato na piscina e nos poços em redor, que naquela terra
não faltam. A aflição ia crescendo. Caiu a noite. Foi a hora de
chamar a restante família, de Ançã. Os tios partiram com
lanternas, as tias ficaram a rezar e a sossegar as crianças, que
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choravam de medo (havia exactamente um ano que o país, e
todos eles, tinha vivido o drama da Madeleine McCan)! Quem
tinha carro entrava pelos pinhais com os faróis. Vieram os
primos e os tios do Seixo, para ajudarem; veio a freguesia
inteira; veio a Guarda, vieram os Bombeiros de Cantanhede. O
telefone não parava de tocar. Quem estava em casa,
procurava não perder a calma e tranquilizar as outras crianças,
sobretudo as da mesma idade, a quem era difícil explicar o
sucedido. A esperança ia-se consumindo, entre sentimentos de
culpa e de angústia, que cresciam com o alvoroço do povo
solidário. Era noite como breu. Entre os pinhais e os milheirais
só se ouvia silêncio. Uma pequena lomba impedia os carros de
continuarem o caminho e, do lado de lá, uma pequena vala
causava os maiores receios.
Por fim, foi a mota do Sr. Castro, o vizinho, que permitiu
encontrar qualquer coisa. Depois de muito chorar, a menina
tinha adormecido de cansaço e estava por terra, deitada num
caminho de cabras. Quando sentiu figura humana, saltou-lhe
ao peito e, de olhos fechados, apenas disse: “Pai! Eu
chamava, chamava… mas o pai nunca não vinha!”. Depois, o
Sr. Castro apressou-se a entregar a menina aos pais e foi
indescritível a alegria de todos.
Hoje, é à luz de momentos como esse que todos
olhamos as pequenas contrariedades da vida, quando
involuntariamente deixamos desfocar a realidade. No lufa-lufa
50
da vida, episódios como este (ou a longa convalescença do
Pedrito, com dez anos de idade, ou a doença da mãe, durante
algum tempo sem diagnóstico), ajudam-nos a refazer a
hierarquia das coisas, a recuperar a paz e a confiar em Deus.
“Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande ligação familiar, em que
o nosso pai entrevistava formalmente os presentes e os punha a falar de si mesmos.
Dava especial destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para dizer, e
tinham de repetir o seu repertório de histórias e orações”.
13. Qual o momento ou momentos mais agradáveis no seio familiar?
Filho(a): Momento particular da infância, muito
emocionante mas nem por isso menos agradável, foi a visita
de homenagem a sua Alteza Real D. Duarte Nuno, um 1º de
Dezembro, no seu exílio de S. Marcos. Fomos vê-lo os dois
mais velhos com os nosso pais (andaríamos entre os seis e os
sete anos) com expectativas um tanto equívocas, pois a nossa
educação nacional era a do Estado Novo, que ensinava a
venerar os nossos reis mas sempre no passado. Quando nos
51
dispusemos sob as arcadas e vi ao longe aquele senhor tão
humilde e delicado, lembro-me de ter ficado desconcertado,
defraudado, até. Mas quando chegou a nossa vez e o olhei de
perto, vibrei tanto por ser o Rei que se me apagou tudo à volta
e ficámos numa luz especial, como se estivesse a sonhar.
Momentos muito agradáveis, que punham no ar uma
alegria especial, eram os da expectativa do regresso, de três
em três anos, do nosso tio missionário e também, noutra
medida, claro, outras visitas, sobretudo do Padre Camarinha,
primo e padrinho do nosso pai, e alguns padres do colégio,
como o Padre Jorge Oliveira e Padre Faria, que foram ficando
amigos da família e davam direito a jantar na sala.
Os serões das férias de Natal eram ocasiões de grande
ligação familiar, em que o nosso pai entrevistava formalmente
os presentes e os punha a falar de si mesmos. Dava especial
destaque aos mais velhos que, naturalmente tinham mais para
dizer, e tinham de repetir o seu repertório de histórias e
orações. Também eram de grande expectativa os dias de
férias que íamos passar a sós com a avó e as tias do Seixo.
Brincávamos na capela da Madrinha Anita, adivinhávamos as
histórias dos azulejos da sala, explorávamos uma gigantesca
moreia de milho e dávamos à bomba por gosto, no poço do
quintal. Até a visita à latrina rústica nos deixou um certo
fascínio, ao ponto de termos o cuidado de posar diante da
“casinha”, antes da triste demolição.
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Mesmo no inverno, íamos muitas vezes ao Seixo, aos
domingos, de onde regressávamos a dormir, após o que nos
parecia uma interminável viagem de carro. Do que lá mais
gostávamos, muito para além das padas e das batatas-a-
molhar, era de ver o nosso pai a pedir a bênção e beijar a mão
da Avó Albina. Enfim, eram momentos especiais.
Mas havia também uma rotina de momentos agradáveis,
sob o comando dos avós de Ançã. Gostávamos muito de
comer na casa do forno com a avó e de fazer os deveres na
oficina de alfaiate do avô, que, a seu modo, era um erudito,
pois dominava com gosto retórico a língua e tinha uma
curiosidade superior à sua formação. Recebia lá muitas
senhoras de Ançã a quem lia e escrevia a correspondência, da
guerra ou da emigração. Aliás, como o tinham por sábio, era
frequentemente requisitado por herdeiros prudentes, no
delicadíssimo momento das partilhas.
Mas a oficina de alfaiate não passava do que hoje
chamaríamos um emprego. Por dentro, os nossos avós
maternos eram agricultores. A vindima e o envasilhamento, a
apanha e limpeza da azeitona, a debulha do milho e do feijão
na eira, eram para nós outras tantas festas. No “monte”,
enquanto não fomos úteis, era brincar no pinhal todo o santo
dia. Até já grandes, aproveitávamos para brincar com o burro.
E a magia do pinhal arraigou-se tanto em nós que, já
espigadotes, fomos, os rapazes mais um amigo, com o burro
53
carregado de mantimentos e uma mala de livros, passar uma
semana ao Pinhal do Chão do Risco a matar saudades e a ler
de manhã à noite. No “monte” da infância, dava muito gosto
também o farnel do almoço. Mesmo quando a faina metia
pouco pessoal, o Alípio, jornaleiro escriturado, acendia uma
fogueira para assar chicharro e deixava-nos beber agua-pé
pela quartola. E quando o rancho fosse maior, havia jantar na
adega. Mais com os avós, tínhamos também as festas dos
santos, os populares dos solstício e das fogueiras espontâneas
na rua, e os padroeiros das capelas, S. Sebastião, S. Tomé, S.
Bento… O arraial de S. Bento dava direito a pão benzido com
queijo, mais um chupa de açúcar queimado e um ió-ió de
serrim.
Quando a juventude nos dispersou, servia-nos
precisamente o S. Tomé, a 25 de Julho, para inaugurar o
período do reencontro. Enquanto viveram neste mundo os
avós, iam sempre connosco a passeio, quanto mais não fosse,
à Praia de Mira, com farnel na floresta. Ele pagava o melão e
ela um gelado. A propósito, também a matança do porco, dava
azo a momentos muito agradáveis, tanto mais que enquanto o
pôde criar, havia sempre umas notas da avó para os netos.
O mês de Agosto foi sempre passado em família e era
uma série quase diária de banquetes no pátio, que a nossa
mãe nunca regateou. Pode dizer-se banquetes, já que havia
sempre alguns “penduras”, isto é, amigos com quem sempre
54
sentimos a necessidade de partilhar a nossa família. Uma vez
até veio casar a Ançã um casal de amigos italianos e a festa,
depois, foi no pátio.
Já antes, fosse pelas saudades, que costumam apertar
de antemão os que partem, fosse pelo cansaço dos pequenos
conflitos, que a partilha de espaços e de responsabilidades
sempre agudiza, o declínio do verão trazia o seu quê de
tristeza. Falava-se por graça, em tom eclesiástico, em
Septembrina depressio, um incipit que depois glosávamos a
modo de esconjuro. Hoje as moções de ânimo da septembrina
depressio são mais complicadas porque naturalmente
multiplicadas foram as relações humanas de cinco famílias
que, se cabem no pátio, já dificilmente caberiam em casa.
Mas os nossos pais levantaram, num pinhal dos nossos
avós, a casa do Seixo. Uma certa visita alcunhou-a de kibutz
Miranda, por lá caberem à sociedade os filhos de todos, sem
excluir os “penduras” de nova geração. Aí, o verão continua
ainda a oferecer-nos os “momentos mais agradáveis no seio
familiar”. Pelo menos os miúdos não duvidam. A Aurora até
compôs uma cantiga elucidativa: Para mim o verão/é
realmente uma diversão/ mas quando ele acaba/ a tristeza
reina com lágrimas/ sobre a minha face/ Ooó não, o Verão…
Mãe: Nesta caminhada de 50 anos, não faltaram
algumas amarguras, mas também houve muitas alegrias. A
última foi a celebração das nossas Bodas de Ouro.
55
Celebrámos esse acontecimento no passado dia 8 de
Agosto, na companhia da família mais alargada e de
muitos velhos amigos, com seus filhos e netos. Foi uma
festa maior que a do nosso casamento. Preparada pelos
nossos filhos, nela puseram todo o seu enlevo. Desde a
Missa, aos cânticos, à parte recreativa preparada pelos
netos, à beleza que a tudo quiseram dar, foi uma grande
consolação, de tantas que Deus nos concedeu neste meio
século!
14. No campo escolar, os irmãos inter-
-ajudavam-se? Filho(a): Entre os mais novos, bastava conhecer a boa
fama dos mais velhos para despertar sentimentos de
emulação. Cada um recebia a pesada herança do irmão mais
velho, sobretudo se os professores eram os mesmos, como
acontecia na Escola Secundária de Cantanhede. Além disso,
fora do âmbito estritamente escolar, o saber dos mais velhos
era ocasião de estímulo para os mais novos: os livros que
compravam, os livros que liam, a música que ouviam e que
tocavam, as conversas que tinham. Antes mesmo de
frequentarem o Conservatório, o Pedro, que havia de ser o
nosso músico e musicólogo, chegou a dar às manas
verdadeiras aulas de História da Música, com actividades
56
práticas de audição, por períodos artísticos. Tinha criado uma
antologia musical, gravada domesticamente a partir da Antena
2, no pequeno leitor de cassetes que tinham comprado com as
suas magras economias..
No âmbito estritamente escolar dos TPC’s, não havia
grande necessidade de inter-ajuda, a não ser para o melhor
conhecimento da biblioteca da casa. Havia uma interessante
partilha de meios, sobretudo de livros (de Direito, para uns,
para outros de História, para outros de Estudos Clássicos, para
todos, de Literatura) e do próprio espaço de estudo. O
OTIARIUM, cujo letreiro se podia ler por cima da garagem e
cujo espaço fora conquistado ano a ano, cm a cm, ao espaço
da casa, à custa de móveis, tapetes, candeeiros e tecnologia
áudio literalmente “roubados” ao pai e à mãe, dava-nos a
ilusão de afirmarmos uma gostosa independência, sem sair de
casa. Servia para receber os amigos nas horas de ócio, mas
também para praticar as artes humaniores, tal qual Cícero as
entendia.
15 Havia disciplina na realização dos trabalhos de casa e no estudo feito em casa?
Filho(a): No estudo, não era preciso, como agora, a
vigilância activa dos pais sobre os deveres de cada um. Nos
57
trabalhos de casa, embora houvesse uma avó Aurora sempre
presente e uma Catarina que assumiam a retaguarda da vida
doméstica, as manas começaram desde cedo a ter as suas
pequenas responsabilidades. O forte não era de todo a
cozinha. Quando as manas reclamavam mais autonomia no
fogão, a mãe respondia (profeticamente!) que haveríamos de
ter tempo de nos fartarmos de panelas! E poupava-nos à
culinária do quotidiano. Sobravam apenas aquelas
experiências excepcionais para as ementas melhoradas ou as
sobremesas das ocasiões especiais. O resto era a arrumação
e as limpezas da casa, que as manas partilhavam, nem
sempre pacificamente, mas como quem não tinha alternativa.
E a casa era grande, e cheia. Os manos? Bom, para ninguém
ficar mal na fotografia, admitamos que não eram tão prontos
neste tipo de actividades que a vida agora a todos impõe (a
eles inclusivamente). Mas nem por isso ficavam alheios ao
muito que fazer. A nossa infância estava povoada de horta, de
quintal e de vinha, e era nessas actividades que eles mais
facilmente colaboravam, durante aqueles longos quatro meses
de férias, chegando mesmo a haver uma leira de morangos de
sua exclusiva propriedade. A época das vindimas e do vinho,
na adega da casa, dava trabalho para todos – os de casa e os
muitos de fora (das três gerações) que vinham ajudar, sob o
governo do avô Zé Carlos e do Alípio.
58
CAMPISTAS, CANTORES E BONS LEITORES
NAS FÉRIAS GRANDES
16. Como viviam o período de férias?
Filho(a): Vivíamos quatro meses de férias (!) sem nos
apercebermos do privilégio que tínhamos. Na primeira infância,
passávamos o mês de Julho numa casa na Praia de Mira, com
os avós, enquanto os pais ainda trabalhavam. Por vezes, a
estadia prolongava-se por Agosto. A praia era aguardada com
expectativa, e desfrutada na companhia de algum primo, ou
dos filhos dos amigos dos pais, que também ali passavam a
temporada. Com eles partilhávamos brincadeiras e
travessuras. Mas ainda havia tempo para passar uma ou outra
semana no Seixo, em casa da Madrinha Anita, da avó Albina e
das tias, apreciar o leitinho fresco da vaca, apanhar as peras e
os figos mais doces e comê-los da árvore, tirar água do poço e
andar de bicicleta em liberdade, mas sobretudo ouvir as
quadras populares e o humor bizarro das histórias da avó
Albina, como a Princesa do vestido da pele de piolho… e
admirar o exemplo daquelas mulheres alegres, piedosas e
generosas, a quem todos olhavam com tanto respeito e que
59
eram para nós o testemunho de um avô que não tínhamos
conhecido.
Quando os rapazes cresceram, os pais fizeram um acto
de confiança e deixavam ir os cinco filhos, ora sozinhos, ora na
companhia de um jovem prefeito do Colégio, muito amigo da
família (hoje, P. Jorge Oliveira S. J.), acampar, na Mata da
Praia de Mira (não sem a visita frequente da família). Nessa
altura, os hábitos já eram outros. Da bagagem, para além de
uma velha tenda, sacos cama e material de cozinha, fazia
parte indispensável uma grande mala de livros que os rapazes
escolhiam a dedo para levar e ler durante a temporada. Na
praia, só o banho de mar e uma ou outra concessão
interrompia as leituras. Acabava um livro e os rapazes
sugeriam o título do seguinte. À noite havia muita música:
viola, flauta, violino e as nossas vozes, a cantar quase todo o
Camptilena, atraindo assim, até nós, outros campistas que
acabavam por se sentar connosco. Depois, já com carta de
condução, foram os acampamentos em Rio Longo (Vieira do
Minho), já com a companhia da nossa cunhada Manela, e do
Isaías, que viria, mais tarde, a entrar para a família. Foi aí que
começámos a fazer música mais a sério.
Além dos passeios em família (que incluíam os avós), o
Paizinho organizava connosco expedições mais longas, e
assim nos mostrou o país de Norte a Sul. Cedo ganhámos o
vício de fazer turismo sério e fotografar arte e paisagem, em
60
diapositivos que, mais tarde, contemplávamos com os amigos,
nos longos serões, debaixo da latada da casa materna, ora
calmamente, ora no meio das mais acesas discussões
histórico-filosóficas que os vizinhos sempre toleraram
admiravelmente.
As vindimas, no começo do Outono, já sabiam a
despedida de férias. Partiam os que já estavam fora, levando
também os amigos que tinham vindo ajudar, e ficavam os mais
novos a aguardar o regresso às aulas.
17. O que levou os filhos a fazerem as suas escolhas profissionais?
Filho: No meu caso, a escolha profissional resultou
simplesmente da necessidade de arranjar emprego. Fui
alguém que se deu sempre ao luxo de estudar aquilo de que
mais gostava. No momento de procurar o emprego, fui à bolsa
e tirei de lá o que podia. No entanto, posso dizer que fui mais
escolhido do que escolhi.
Hoje, vive-se no reino da flexiciência e posso dizer que
levo com muito gosto as mudanças constantes no meio
universitário.
Filho: No meu caso, optei por cursar Direito em
Coimbra, em vez do curso de Filosofia e Humanidades, da
Faculdade de Filosofia da UC em Braga. Nesta decisão fui
61
condicionado pelas limitações financeiras de uma família
numerosa vivendo de dois salários médios mas, sobretudo,
influenciado por um conselho prático, se não pragmático, do
Paizinho, que já vinha de longe, logo que terminei o curso geral
dos liceus. Antes do curso mais apreciado, estava o que mais
provável e brevemente me oferecesse a autonomia social e
económica. A passagem pelo ensino superior foi breve, quer
porque, francamente, me sentia bem “pequenino” ao pé dos
companheiros de curso que começavam a mesma carreira na
Faculdade de Coimbra, quer porque a Universidade da Beira
Interior não oferecia grandes meios e futuro a um professor de
Direito, quer porque cedo acalentara a hipótese de entrar na
magistratura do Ministério Público, então no início da sua
afirmação como magistratura autónoma e pró-activa na defesa
da Res Publica, dos incapazes, dos menores etc. Por fim, a
passagem à magistratura judicial decorreu de uma
oportunidade legal que se me ofereceu, de fazer a experiência
da judicatura na área científica em que me licenciara e,
debalde, sempre almejara trabalhar: Ciências Jurídico-
políticas.
Filho: A minha primeira escolha profissional (professor
do Conservatório de Música de Coimbra) não foi minha.
Escolheram-me. E eu, que, na adolescência tinha sonhado
com aquela possibilidade mas sempre a tinha visto como
impossível, por saber ter começado a estudar tarde, não
62
hesitei. Como vim a dar em padre, mas em qualquer caso
padre-músico, é uma história muito longa que não cabe nos
limites e no género literário destes apontamentos. Retenha-se,
no entanto, que tudo o que disse na resposta à pergunta 5 faz
parte dessa história, bem como as referências às minhas
actividades apostólicas na paróquia e na universidade.
Filha: Com uma mãe professora, desde cedo olhei para
a docência como a minha profissão. Depois, no 9ª ano, houve
uma professora de Português, cuja formação vasta e integral
me chamou a atenção. Pessoa tímida e discreta, era porém
uma das professoras mais cultas que conhecia, cujo saber e
exigência tomei como modelo. À minha apetência natural pelas
humanidades, somou-se então o interesse pelas línguas
clássicas, (este herdado do pai, que sabia latim e era homem
de muitas leituras), o interesse ‘exótico’ por um alfabeto novo e
uma civilização nos arquétipos da nossa. Sabia que os estudos
clássicos me abririam portas novas ao conhecimento da
história, da filosofia e da literatura, que eu não queria
abandonar. A opção do curso superior estava, por isso, feita
desde cedo, sem a preocupação de escolher uma profissão,
porque ela viria a dar, certamente no ensino. Arrastada
também pelo exemplo de excelentes professores que tive,
quando acabei o curso não tinha dúvidas. Nessa altura, não
era, aliás, difícil aceder a esse mundo profissional. Pude
realmente optar entre uma proposta da área científica da
63
linguística, em Coimbra, ou da área da Cultura Clássica no
Porto, ou em Évora. Mas o amor primeiro falou mais alto e
levou-me até ao Porto.
Filha: Desde o 5º ano que, quando estudava, gostava de
imaginar que dava aulas. Voltava-me para uma turma
imaginária e explicava a matéria que estava a estudar. Talvez
porque a minha mãe era professora ou porque, na altura, tinha
uma professora de quem eu gostava muito (a D. Maria Luísa).
O certo é que depois daqueles sonhos mais infantis de querer
ser bailarina, por exemplo, foi ficando a ideia de ser professora.
No entanto, ensinar uma criança a ler parecia-me tarefa muito
difícil para mim. Ficava então de fora a hipótese de ser
professora no ensino primário.
Também desde cedo senti mais gosto pelas
Humanidades, por isso, e por influência da irmã mais velha, a
Margarida, que tinha gostado muito do Grego e do Latim, fiz
por ter colegas em nº que permitisse abrir uma turma de Grego
no liceu de Cantanhede. Quanto ao Latim, a turma era
garantida. Desde o 10º ano que ficou mais ou menos assente
para mim a escolha de uma licenciatura em Estudos Clássicos,
curso em que ganhei verdadeiro gosto pela investigação e
confirmei o gosto pelo ensino.
64
“A paixão por uma interpretação histórica, ou por
uma tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a
levantar a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte
a parte. Mas nunca nos zangámos. As manas é que
sempre saíram a perder porque, em caso de berraria, a voz
feminina não se impõe da mesma maneira”.
18. Havia “sabatinas”, “debates” entre os membros da família?
Filho(a): Já de pequenos tínhamos, com muitas pessoas
que frequentavam os nossos pais, a actualidade eclesiástica à
mesa. E nós confrontávamos sempre com o nosso pai o que
nos ensinavam no colégio, não fossem por lá andar a enganar-
nos com doutrinas humanas e não divinas. Tivemos desde
sempre o gosto espontâneo da religião como fonte da
Verdade, e com a Verdade era preciso muito respeitinho. De
miúdos, além de brincar aos pais e às mães, brincávamos
também aos missionários (um fazia de bispo e os outros eram
mandados às missões) e não faltava a missa na adega,
utilizando como retábulo ad orientem o rebordo do batoque das
pipas, que sugeria um sacrário em forma de arco românico. O
Colégio dos Jesuítas prolongou esse horizonte, mas a partir de
75, no culto sobretudo, os tempos eram de grande desordem,
pois vivia-se numa atitude refundacionista, como que de
recomeço da História… Enfim, era mais ingenuidade do que
65
qualquer outra coisa, mas não é isso que agora vem ao ponto.
O certo é que, desse confronto, resultava de facto uma espécie
de sabatina.
Nunca nos faltaram amigos no Colégio, mas nós
tínhamos justamente um ferrete, paradoxal, de livres-
pensadores. Foi muito significativo o episódio de uma
“assembleia geral” (era no rescaldo do golpe de 74 e
macaquear a democracia era uma pedagogia compulsiva) em
que protestámos contra os abusos litúrgicos insistindo que,
“mesmo nas piores condições, o sacerdote deveria usar ao
menos a estola”. Ninguém via o problema, aliás, ninguém sabia
o que era a estola, e fomos o pratinho da chacota geral, por
causa da “pistola”.
Com o tempo, as nossas leituras, primeiro de romance e
depois, sobretudo de História, a ajuntar às especializações
científicas de cada um, foram dispersando e enriquecendo os
nossos temas de interesse, de modo que as conversa post
prandium resultavam por vezes num processo, não isento de
custos emocionais e de conflito, de aprofundamento e de
conciliação de pontos de vista. Numa profética ocasião –
andávamos pelos 10 anos – fomos até ao “derramamento de
sangue”. Enquanto a nossa mãe fazia de júri do então
severíssimo exame da IV Classe, na Gala, Figueira da Foz, cá
fora, no átrio da sala, envolvemo-nos os dois mais velhos
numa causa decisiva. Um estava por D. João II, outro pela
66
Princesa Santa Joana. E como o de D. João II falhasse de
argumentos, disse tais sarcasmos ad hominem, que o de
Santa Joana não se conteve que lhe não esmurrasse o nariz
em toda a extensão. Para os dias seguintes, a nossa mãe lá
providenciou que o marido de uma colega nos levasse à
pesca…
A paixão por uma interpretação histórica, ou por uma
tese teológica, levou-nos muitas vezes (hoje menos) a levantar
a voz e a “rasgar as vestes” com insultos de parte a parte. Mas
nunca nos zangámos. As manas é que sempre saíram a
perder porque, em caso de berraria, a voz feminina não se
impõe da mesma maneira.
Depois, da dispersão fizemos uma riqueza. As noites do
pátio, para além de conversas à saciedade, deram em ocasião
de partilha dos nossos percursos e interesses artísticos,
através da projecção e comentário de diapositivos. Tivemos a
nossa fase da arte da antiguidade clássica, da arqueologia
cristã, da pintura italiana, mas o que nos cativou
duradouramente foi a paisagem e o património plástico das
igrejas e conventos arruinados de Portugal. O costume era
caro mas pegou. A fotografia electrónica trouxe uma crise mas
actualmente, com a vulgarização do video-projector,
continuamos a partilhar a vida de cada família nos serões de
verão.
67
“A família Miranda tem este privilégio extraordinário
de ser constituída por pessoas de temperamentos e de
talentos muito diferentes, mas que têm em comum uma
vontade férrea de serem verdadeiros cristãos. É esta a
âncora que dá segurança nas pequenas borrascas do
quotidiano e também nos vendavais um pouco mais
aparatosos que, no fim de contas, nunca deixam marcas
de destruição…”
19. Como interagem hoje os irmãos e os seus cônjuges? Mantém-se o “espírito de família”? Foi interiorizado pelos que foram chegando à Família?
Nora: O casamento é uma opção de vida que implica
não só a aceitação daquele com quem decidimos partilhar a
nossa vida mas também de toda a sua história pessoal e da
sua família. Foi aos 20 dias do mês de Setembro de 1986 que
eu, Maria Manuela dos Santos Gonçalves, e Tiago Afonso
Lopes de Miranda, contraímos vínculo matrimonial e demos
início, com a graça de Deus, a uma comunidade de vida e de
amor. O nosso pequeno lar começou por ser um anexo da
casa patriarcal da família Miranda onde, com o justo equilíbrio,
tínhamos a privacidade e autonomia a que todos os jovens
68
casais aspiram, mas também o apoio incondicional daqueles
que passaram a ser “os meus sogros” e os “meus cunhados”.
A chegada da primeira filha, que era também a primeira
neta e a primeira sobrinha, foi vivida com uma alegria imensa
(e intensa) por todos os membros da família. Hoje, decorridos
vinte e dois anos, numa altura em que todos vivemos a
expectativa da chegada do décimo nono neto dos avós
Miranda, atrevo-me a dizer que o sentimento partilhado por
todos continua a ser de grande contentamento porque, afinal
de contas, o que nos une na profundidade é a mesma Fé num
Deus que se fez Homem para nos trazer o segredo da “vida
em abundância”.
A família Miranda tem este privilégio extraordinário de
ser constituída por pessoas de temperamentos e de talentos
muito diferentes, mas que têm em comum uma vontade férrea
de serem verdadeiros cristãos. É esta a âncora que dá
segurança nas pequenas borrascas do quotidiano e também
nos vendavais um pouco mais aparatosos que, no fim de
contas, nunca deixam marcas de destruição…
20. Como é hoje o dia a dia das vossas famílias, dos membros da Família Miranda?
Filho(a): Durante a semana, o quotidiano é mais ou
menos marcado pelo ritmo escolar dos filhos que, entre as
69
várias famílias, abrange da primária à Universidade. Os que
andam na escola primária, basta-lhes atravessar a rua ou
andar meia dúzia de metros, pois são todos vizinhos. À
excepção da família do Zé Carlos, que vive em Braga e, por
isso, tem um ritmo de vida mais ‘urbano’, todos moram perto
da escola. Ao almoço, a avó Lizete alimenta três netos que
vêm da escola, mais três que ainda estão em casa. A sua
preocupação da manhã é “ter o almoço pronto para os
meninos”, depois de ter ido ao outro lado do bairro levar a
comida às galinhas e às pombas, com mais duas netas pela
mão. À tarde, depois da escola, dá-lhes a merenda e dedica-se
às suas lições. Sim, porque depois de fazer os trabalhos da
escola, os garotos ainda têm a composição, ou a tabuada, ou
as contas de dividir ou de multiplicar, que são os ‘trabalhos da
avó Lizete’. Durante a manhã, de preferência, ou depois de
almoço, as que não andam na escola já fizeram uns
trabalhinhos, uns desenhos, ou começaram a ler umas
palavrinhas.
Os que andam no segundo ou no terceiro ciclo passam
mais tempo fora. Como os pais decidiram escolher para os
filhos escolas católicas, com cujo projecto educativo se
identificam, têm de fazer mais alguns quilómetros. Uns vão
para Cernache, para o Colégio dos Jesuítas, outros para
Mogofores, o Colégio dos salesianos. Os pais levam-nos de
manhã (às vezes roda o condutor), e assim se aproveita a
70
viagem para a oração da manhã e para as recomendações
necessárias (que nunca se repetem vezes demais). À tarde,
para o regresso, pode ser de novo o pai, ou a camioneta, ou o
comboio…. Para os que dão os primeiros passos no 5º ano, há
sempre um irmão ou um primo mais velho para ajudar na
integração na escola, para ensinar onde apanhar o autocarro,
dar segurança, etc…
O fim do dia pode ser ocupado com as aulas do
Conservatório, o que significa mais uma organização de
boleias com um tio ou um avô, ou ainda um amigo. Também
em Braga assim funciona: ajudando e deixando-se ajudar,
entre família e amigos.
À sexta-feira à noite, já cheira a fim de semana, por isso
pode haver uma sessão de cinema para os mais novos em
casa da tia Margarida. Se ao Sábado cada um toca as suas
rotinas para a frente, uns dando, outros indo à catequese e aos
escuteiros (nova ronda de boleias!) ao Domingo, sempre que
possível, depois da Missa e da conversa no adro da igreja,
almoça tudo em casa da avó Lizete. Se não vem o Zé Carlos,
somos 23, se vem o Zé Carlos somos 28. O Pedro, esse, com
as obrigações da paróquia, só vem ao Domingo à noite. Os
almoços são ruidosos, mas já foram mais difíceis…. depois de
servir a criançada, almoça-se com ‘algum sossego’ e ainda se
aproveita o resto da tarde para dar um passeio com os miúdos,
ir a casa dos outros avós, a alguma pastoral, ou até mesmo, se
71
os testes apertam, para o pai estudar com o filho, o tio com o
sobrinho ou um primo com outro primo.
Requisitado por todos, o Tio Pedro vem ao Domingo à
noite, mas já os garotos estão mais para lá que para cá, e no
dia seguinte é Segunda-feira… Por isso, à Segunda, que é o
seu dia de folga, o Tio Pedro janta alternadamente em casa de
cada irmão, para ‘ir estando’ com todos. Nem Braga fica de
fora, porque vai havendo sempre algum afazer eclesiástico na
Roma portuguesa, e, quando assim é, não se perde a
oportunidade da viagem. Vão também o avô Tiago, a avó
Lizete e as netas que não têm escola, para poderem estar,
nem que seja por umas horas, com as primas de Braga.
Filho(a): Nós, os de Braga, somos uns desgraçados
porque, como hei-de dizer… Olhe, em linguagem de Assistente
Social, diria que não temos retaguarda familiar nem rede
vicinal de apoio. Ainda por cima, no trabalho, padecemos
ambos de “isenção de horário”, e com horário lectivo dobrado
em diurno e pós-laboral, um na universidade e outro na escola
e na formação de adultos; de maneira que programar uma
semana com os horários de base dos pais mais as incógnitas
todas e os escolares das filhas, duas em escolas diferentes
mais a pequenita no “Centro de Dia”, e juntar a tudo a música
extracurricular e as catequeses… é uma autêntica batalha
naval. O que ainda nos tem valido, para além de uma
vizinhança tão aflita como nós que vai calçando alguma
72
emergência, é uma associação de geração espontânea a que
chamamos ADAREB (Associação dos Ançanenses Residentes
em Braga), com uma família reencontrada em Paris e depois
em Braga, que tem uma filha da idade da nossa mais velha, a
frequentar a mesma escola e tudo. A associação não tem
personalidade jurídica, aliás, nem pode, porque os dois
associados só dão para presidente e secretário e os
candidatos a tesoureiro ainda são menores… mas mesmo sem
letra de forma tem sido providencial. Com pouco tempo no dia-
a-dia para estar com as miúdas, esforçamo-nos por pôr em
prática o conselho que a Florbela ouvia a um sábio professor,
que é aproveitar muito bem o tempo passado no carro, que é
muito! Tem que dar para rezar a oração da manhã e para os
relatos do fim da tarde. Foi no carro que elas aprenderam as
mesmas orações que aprendemos de pequenos, com as
essenciais em latim, a que aderem com muita espontaneidade.
Nas viagens longas, aproveitamos para rezar o terço, um ritual
diário que nos moldou nas nossas famílias de origem e na vida
que levamos não conseguimos integrar na vida quotidiana.
Antes da oração da noite, lá se vai arranjando tempo para uma
história. Como o repertório popular é limitado, se for o pai, que
não tem paciência para literatura infantil (que o mais das vezes
é mais imbecil do que infantil), vão indo as da Bíblia, que têm
sempre muito sucesso. Agora, a Aurora já vai ajudando nessa
função e compensa as irmãs mais novas com um pouco da
73
sorte dela, que foi ter os pais todos os dias em casa, à hora de
deitar. Aos domingos, em média, tendencialmente, visitamos
as duas famílias de origem uma vez por mês; noutro, pomos
em dia alguma amizade ou, especialmente no domingo em que
canta a Capela Musical de Stª Cruz, descansamos com as
miúdas. Além dos domingos de ir a Ançã, que para as nossas
filhas são sempre um salutar banho de primos, também temos
às vezes umas Segundas de festa, quando o tio Pedro
aproveita a folga de pároco e vem a Braga tratar de tricas lá
das igrejas e capelas da sua jurisdição. Traz sempre a avó
Lizete e/ou o avô Tiago, com presentes, mais duas ou três
primitas pré-escolares, e é sempre uma noitada esfusiante
para nós e as nossas filhas. Nas férias de natal, para quebrar o
inverno, também gostamos de ir comer e seroar às rodadas,
nas casas uns dos outros. O rebuliço também deixa saudades
e a gente só não as sente na hora fugaz de apanhar cacos e
brinquedos e pôr móveis no sítio. Temos que aprender com o
avô Tiago e a avó Lizete, que têm lá todos os dias o que em
nossa casa é só de vez em quando.
74
GRUPO ANÇÃ-BLE
FONOLOGIA ADEQUADA PARA
REPRODUZIR AS NOTAS
AFINADAS DO FAMILIAR SENTIDO
DE CONJUNTO
21. O que os une hoje – e sabemos que
constituíram um grupo musical? Outros exemplos?
Filho(a): O que nos une, não é propriamente o grupo
musical, que é mais efeito do que causa. Aliás, é
extremamente difícil fazer música à altura das nossas
aspirações, pois isso requereria trabalho regular, que não é
conciliável com as nossas vidas familiares nem profissionais.
Temos um repertório quantitativamente vasto porque os ançã-
ble que moram em Ançã, todos menos o maestro e um baixo,
cantam e tocam no coro paroquial e têm que alimentar a
liturgia de um ano inteiro, sem falhar, domingo após domingo.
75
Se não fosse isso, dificilmente teríamos capacidade de
resposta às solicitações litúrgicas ou concertísticas que vamos
aceitando. Claro, concertos propriamente ditos não seriam
possíveis sem a semana anual dos “Encontros de Música
Antiga de Rio Longo” e a respectiva gravação. “Os Encontros”
chamam-se assim por terem começado lá para 87, nuns três
ou quatro acampamentos, em anos consecutivos, numa ilhota
rústica situada na freguesia de Rio Longo, perto de Vieira do
Minho.
Actualmente, são na casa do Seixo, e, com tanto
cachopedo à solta, só se têm aguentado graças aos avós e às
duas cunhadas não cantoras, Manuela e Florbela, que
organizam para os pequenos, com uma paciência infinita, um
programa análogo ao de um campo de férias. Nessa semana,
temos tido a tempo inteiro a Srª Beleza, uma exímia cozinheira
e esteio de apoio da família lá em Ançã, porque um rancho
diário para trinta pessoas, com todos os adultos ocupados,
requer dedicação especializada. Aí a lotação da casa fica
esgotada. Parece que em breve já não haverá beliches que
valham. Um dia surpreendemos a Ana Lizete e a Aurora a
torcer por que fosse menino o novo bebé da Tia Margarida.
Perguntámos por que estavam tão determinadas por um primo
e não por uma prima. Concluímos que era só por bater certo lá
pelas contas delas nas camaratas do Seixo.
76
Enfim, não é propriamente assim que se trabalha nos
estágios na Casa da Música… Não, o que nos une, é, aos
cinco, a herança afectiva dos nossos pais e avós, e aos
nove, com os nossos cônjuges, a herança comum da fé,
da esperança e da caridade. Tivemos todos a felicidade de
encontrar para casar pessoas que acolhem a graça de ser
fiéis à Igreja Católica. E por isso, para os nossos casais,
mesmo quando as diferenças pesam e a virtude escasseia,
a Verdade e o Bem são objectivos. E isso, tanto dá
segurança como humildade.
...E SÃO UMA FAMÍLIA
FELIZ.EXEMPLAR.UMA FAMÍLIA (FAMÍLIA
MIRANDA) À QUAL O ROTARY CLUB DE
COIMBRA PRESTA HOMENAGEM.
HÁ HISTÓRIAS DE ENCANTAR QUE SABE
BEM CONTAR...
OU ANTES: ESCUTAR COM INCONTIDA
TERNURA E EMOÇÃO.
AS BIOGRAFIAS
Avós com 17 dos netos (2005). Baptismo da Guidinha e da Irene.
79
Tiago da Rocha Miranda
Memória
A contagem dos 80 anos de vida, que já cumpri, iniciou-se no dia 21 de Maio de 1929 – gandarês, de pais gandareses, no lugar (hoje freguesia) do Seixo, no
80
concelho de Mira. Foram meus pais Afonso de Miranda
Catarino e Albina de Jesus Rocha.
Tive uma infância feliz, com meus sete irmãos e,
aos 7 anos, entrei na escola primária, sorte que não era
extensiva a todas as crianças.
Brincalhão que era, certo dia, o meu
comportamento com o colega de carteira mereceu, da
parte do Professor, um pequeno tabefe, tipo “enxota-
moscas”. Foi o suficiente para me recusar a voltar à
escola. Até que, certa manhã, meu pai tomou-me pelo
braço com energia e, ignorando os meus protestos, lá me
levou; entregou-me ao Sr. Professor, Raul de seu nome,
que me acompanhou depois até à conclusão da 4ª classe.
Em Outubro de 1941, a meu pedido e por mão de
minha saudosa Tia, Maria Evangelina, dei entrada no
Seminário da Imaculada Conceição, na Figueira da Foz,
em que fiz os dois primeiros anos preparatórios,
transitando depois para o Seminário Maior de Coimbra,
onde os concluí e cursei ainda Filosofia e três anos de
Teologia.
O período de cerca de 15 anos da adolescência e
juventude foi fundamental para a minha vida. Foi no
Seminário que adquiri a minha formação moral e
intelectual, modelando a minha personalidade e carácter,
caldeados na Fé e nos valores cristãos. Embora tenha
81
desistido de alcançar a meta inicial do Sacerdócio, nunca
me arrependi dos anos ali passados, e estou sumamente
grato à Providência, pelos caminhos que me levou a
percorrer.
Em Outubro de 1953, tomei o caminho de
Salamanca, para completar os estudos de Filosofia na
Universidade Pontifícia, mas, nesse mesmo mês e ano,
declarou-se-me uma “Fiebre Tifoidea”, numa época em
que não haviam chegado ainda, a Espanha, os
antibióticos que a poderiam ter debelado. A doença
atirou-me então para o Hospital, quase até à fronteira da
Vida. Durou o internamento cerca de um mês. Regressei,
então, a Portugal para um largo período de
convalescença.
Apanhado pelo Serviço Militar, novo período de
internamento, agora no Hospital Militar em Coimbra,
onde uma inspecção médica, no dia em que completava
27 anos de idade, me declarou inapto, libertando-me,
assim, da obrigação de me incorporar no Exército.
Regressado a Salamanca, pude então concluir o
Bacharelato e, no ano seguinte, em 1958, a Licenciatura
em Filosofia. De volta a Portugal, em 1958, munido de
“Canudo”, ainda pensei em prosseguir estudos, cursando
uma licenciatura em Direito – ramo que sempre me
seduziu – mas, considerando a idade e duração dos
82
estudos, pus de parte a ideia.
Obtive entretanto, do Ministério da Educação, uma
certidão de equivalência do meu curso e um Diploma
para o Ensino Particular, com competência para ensinar
Latim, Português, Filosofia e História. Tentei a carreira
do Ensino num Colégio Particular, mas ao fim de um mês
de experiência, convenci-me de que não era esse o meu
caminho, e despedi-me.
Decidi então, enveredar pela carreira da Função
Pública, como funcionário administrativo. Após sete ou
oito meses na Câmara Municipal de Mira, preparei-me
para os concursos abertos pela então Direcção Geral de
Administração Política e Civil: logo de seguida coloquei-
me como Chefe de Secretaria da Câmara Municipal de
Mondim de Basto, em 20 de Maio de 1959.
Entretanto já tinha conhecido a Mulher que Deus
colocou no meu caminho, uma simpática moça, de olhos
verdes, professora por vocação. Em Agosto de 1959
selámos, no Altar da Igreja Matriz de Ançã, o nosso
compromisso Matrimonial, cujo cinquentenário tivemos
a graça de celebrar no dia 8 de Agosto deste ano de 2009,
rodeados dos nossos 5 filhos, genros, noras e 18 netos –
Graças a Deus!
Em Mondim de Basto permaneci até 24 de Maio de
1961, já na companhia de minha Mulher, Maria Lizette,
83
colocada na Escola de Parada, freguesia de Atei.
Como o nosso desejo era aproximarmo-nos de
Ançã, concorri para a vaga aberta na Câmara Municipal
de Tábua, onde fui colocado e permaneci até Fevereiro
de 1966, quando teve lugar a minha última transferência
na Função Pública, para a Câmara Municipal de Miranda
do Corvo. Ali permaneci até Abril do mesmo ano de
1966.
Ocorreu então uma alteração de vulto na minha
vida profissional. Eram os anos 60 do século passado. O
crescimento exponencial da economia e do Sistema
Financeiro permitiu a abertura, em Cantanhede, de uma
Agência do Banco Borges & Irmão. A minha admissão
nesta Agência proporcionou-nos, além da aproximação a
Ançã – por que tanto ansiávamos – uma notável melhoria
das condições de trabalho e estabilidade profissional.
Depois de uma permanência de 17 anos em
Cantanhede fui, a meu pedido, transferido para o mesmo
Banco em Coimbra. Na minha deslocação diária, levava
para as aulas os meus filhos, que entretanto já
frequentavam a Universidade.
Aos 63 anos de idade e com uma vida profissional
de cerca de 35 anos de trabalho, pedi e obtive a minha
Reforma.
84
Olhando para trás e avaliando estes 80 anos de vida,
sinto-me feliz e realizado na companhia de minha
Mulher. Sem ela eu não teria sido o que fui – feliz!
Somos uma família alargada, em que se cultiva a
amizade, a entreajuda e a solidariedade entre as três
gerações, já com 18 netos (quase 19) que, todos na idade
infantil, passaram pela “Escola da Avó Lizette”, onde
tomaram contacto com as primeiras letras. Rendo muitas
graças a Deus pela Mulher e os filhos que nos deu. Todos
eles e seus cônjuges acolhem e guardam os valores da Fé
e moral cristãs que procurámos incutir-lhes. É essa a
maior alegria. Dela nos orgulhamos e por ela damos
imensas graças a Deus.
Resta-me agora, nos oitenta… aguardar a vinda do
Senhor.
Vigiai e orai. Não sabeis o dia nem a hora…
Ançã, 09.12.2009
85
Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda
Esboço Biográfico
Maria Lizette Carlos Lopes, da Rocha Miranda por casamento, nasceu no dia 26 de Fevereiro de 1932, em Ançã, na Rua dos Trovões (hoje R. Dr. Lino Cardoso),
86
filha única de José Carlos da Costa e de Maria Aurora
Lopes. O Pai era alfaiate de profissão e a mãe, doméstica,
colaborava com o marido nos pontos de mão. Nessa
primeira casa cresceu, até aos dois anos de idade, data em
que seu pai comprou outra casa, na R. do Espírito Santo.
Era oficina de seu pai uma pequena sala do rés do chão
onde, no Inverno, se juntavam os amigos a conversar. Ali
passou pois os primeiros anos da sua infância, tirando
alinhavos aos fatos e aprendendo a ler. Aos 5 anos, seu
pai deu-lhe as primeiras lições e, quando entrou na
escola, o seu livro de leitura foi o Jornal Infantil Pim,
Pam, Pum.
Era visita assídua de seu pai, um Regente escolar,
irmão da Professora local, que muito influenciou a sua
vocação. No entanto, apesar de todos exortarem seus pais
a mandá-la estudar, os rendimentos não o permitiam. Aos
10 anos fez a 4ª classe e, no ano seguinte, foi forçada a
interromper os estudos. Ia até à escola e gostava de
ajudar a professora com as meninas da 1ª classe,
enquanto acalentava, por dentro, o desejo de ser
professora.
Com um esforço suplementar de seus pais, retomou
os estudos no ano seguinte em Coimbra, no Colégio
Alexandre Herculano, como aluna externa, ficando a
residir em casa de um tio, que morava então junto à
Estação Velha. Durante os seis anos do Colégio,
87
deslocava-se diariamente a pé, desde a Estação Velha até
ao Colégio, levando o cestinho com o almoço que, por
meio de um operário da Fábrica de Cerâmica, todos os
dias, a mãe lhe mandava de Ançã. Aos fins de semana, ao
sol ou à chuva, as viagens para casa dos pais eram de
bicicleta.
Em 1948 (a 2 de Fevereiro) tocou a fronteira da
Vida quando caiu à cheia do Mondego, tendo sido salva
pela coragem de um desconhecido, natural de Tentúgal,
que ali passava naquela ocasião. Todos os anos evoca
aquela memória e dá glória a Deus por essa graça.
Feito o 5º ano do Liceu, fez exame de admissão à
Escola do Magistério Primário, e foi colocada na cidade
da Guarda, para onde partiu na madrugada do dia
seguinte, como quem vai para a maior aventura,
amedrontada pelos penedos da Serra que, à medida que o
dia nascia, lhe pareciam gigantes.
Chegada à Guarda a 1 de Dezembro de 1950, foi
recebida pelo Sr. Director da Escola do Magistério (Sr.
Dr. Manuel Elísio Dias Vieira, falecido há poucos anos)
que lhe deu as primeiras informações. No mesmo dia,
cruzou-se casualmente com uma sua amiga de infância, a
quem já não via há muitos anos, a Belinha do Sr. Pires,
natural de Celorico da Beira. Foi ela que a convidou a
instalar-se numa residência dirigida por uma tia sua, o
Lar da Acção Católica, que recebia raparigas estudantes,
88
e que haveria de marcar definitivamente a sua formação
humana e todo o seu rumo futuro. Filiou-se na J.E.C.F.
(Juventude Escolar Católica Feminina), de que foi
presidente. Era querida por todos os colegas, rapazes e
raparigas, e ali granjeou muitas amizades.
Acabou o curso em 1952 e foi sua primeira escola a
escola de Fajão, no Concelho de Pampilhosa da Serra,
onde chegou no dia 10 de Outubro. Esperavam-na 55
alunos, das quatro classes, os quais havia já um ano que
não tinham escola. Esta, era muito pequena e
desaconchegada, mas o seu sonho de professora era
maior. Terminado o ano lectivo, foi a cavalo que
acompanhou os seus alunos e os apresentou a prestar as
provas de exame da IV classe, na Vila da Pampilhosa.
Em Fajão, fundou também uma Secção da J.A.C.F.
(Juventude Agrária Católica Feminina), pois tinha
prometido a si mesma criar, para onde quer que fosse, um
grupo da Acção Católica.
Em 1953-1954, veio para Sepins, no Concelho de
Cantanhede. Nesse ano, a festa de Natal serviu para criar,
na aldeia, uma Conferência Vicentina, destinada à
assistência aos mais pobres. Apresentou, então, os seus
alunos ao exame da IV classe, em Cantanhede, para onde
se deslocou com todos, dessa vez de charrette.
Em Outubro de 1954, ao contrário do que estava
garantido, não voltou a ser lá colocada, mas sim no Seixo
89
de Mira, e assim, sem que ela quisesse, antes bem
contrariada, a providência, pela decisão do Inspector
Neves, a foi aproximando do noivo que havia de
conhecer. No Seixo, já ela era conhecida como “Senhora
da Valeira”, pois ali participara numa actividade da A.C.
(Acção Católica), enquanto dirigente. E foi assim que
conheceu o Tiago, natural do Seixo, então estudante em
Salamanca.
Em 1955, para evitar mais uma vez o Seixo de
Mira, ao qual a prendiam razões inefáveis, efectivou em
Vidual de Cima, Pampilhosa da Serra, vindo a adoecer ao
fim de 15 dias. Depois de o Médico de Cabril
diagnosticar um problema pulmonar, teve de deixar a
escola e voltar à casa de seus pais, para ser seguida por
um especialista. Regressaria em Outubro do ano seguinte,
já totalmente recuperada, para retomar o lugar na escola e
fundar mais um grupo de A.C. Não lhe faltou então o
queijo fresco e os peixes do lago da Barragem, que o
Bernardino pescava com uma narsa
No ano seguinte, 1957/1958 até 1959, foi colocada
nas Cochadas, Concelho de Cantanhede, onde começou
também a dar catequese às crianças, para que elas não se
deslocassem à Tocha.
Sempre ligada à A.C. e fazendo parte da sua
Direcção Diocesana, frequentou numerosos cursos que
muito contribuíram para o seu enriquecimento e granjeio
90
de grandes amizades, de norte a sul do país.
Constituiu família em 1959, e foi logo depois
colocada efectiva em Mondim de Basto, no lugar de
Parada de Atei, para onde se deslocava não já a cavalo
nem de charrette, mas de automóvel, depois de tirar a
carta de condução. Na vila de Mondim, dedicou-se
também aos trabalhos da L.A.C.F (Liga Agrária Católica
Feminina) e as amizades foram crescendo.
Pouco depois, acompanhou o marido, colocado na
Câmara de Tábua, e voltou ao Centro do país, para dar
aulas em Covão do Lobo, já com o primeiro filho nos
braços, seguindo-se a escola de Espadanal (Tábua). Ali
viveu com os seus três filhos mais velhos, até obter
transferência para Balsas (Febres), onde os seus filhos
fizeram a primeira escolaridade. Tendo fixado residência
em Ançã, permaneceu naquela escola ao longo de 11
anos, tendo colaborado também na docência das recém-
criadas 5ª e 6ª classes e, posteriormente, na chamada
Telescola, em que leccionou Português, Francês e
História.
Passou então para o lugar da Granja (de Ançã) até
conseguir vaga na escola da sua terra natal, situada
mesmo em frente de sua casa. Em Ançã trabalhou
durante 15 anos, até à sua aposentação, quando perfez 60
anos de idade e 40 de serviço.
Entretanto, fora inúmeras vezes solicitada para a
91
realização de exames da IV classe, da 5ª e da 6ª. Foi
membro de Júri em Coimbra, Cantanhede, Figueira da
Foz, tendo também participado na elaboração das provas
de exame.
Manteve sempre boa relação com os seus colegas,
alunos e suas famílias. Foi com enorme surpresa e
consolação que recebeu, há quatro anos, a visita de um
aluno que o fora há 50 anos, na escola de Fajão, e a quem
nunca mais vira, o qual partiu de Lisboa, onde reside, a
fim de procurar a sua professora da 1ª classe.
Presentemente, aposentada há 17 anos, a sua vida
tem sido de doação aos seus cinco filhos, quatro noras e
genros e 18 netos (à espera do 19º). Muda fraldas, dá
biberons e papas, ensina as primeiras letras e acompanha
os maiorzitos na realização dos TPC’s. Por sua mão,
todos aprenderam a ler, antes de entrar na escola.
Manteve-se sempre ligada à A.C.R., movimento a
que ainda pertence, e distribui mensalmente mais de uma
centena de jornais deste movimento: o Mundo Rural.
Continua a viver para todos e afirma só se sentir bem
quando a todos vê à sua volta. Ajudam muito a manter
esta cadeia de amor, que a todos une, afirma, as refeições
em conjunto, com todos os filhos e netos, ao Domingo e
dias de festa. “Em tudo, amar e servir”. É servindo que se
sente feliz.
Friso de sete netas.
Agosto de 2009.
93
José Carlos Lopes de Miranda
Nasceu em Coimbra, em 1961 (3 de Junho).
Natural do Seixo de Mira por parte do pai, e de Ançã, por
parte da mãe e da pia baptismal, foi criado numa família
em que coabitaram por opção as três gerações.
Beneficiou, por isso, da dedicação dos avós e da
Catarina, jovem afilhada deles. Obteve Diploma da IV
classe, na Escola de Balsas (Freguesia de Febres), onde
era professora sua mãe, pela mão do Professor José
Manuel Barreira.
Por essa altura teve a oportunidade de uma preciosa
iniciação ao solfejo com o Maestro Artur Salguinho, que
regia do seu leito de paraplégico os aprendizes da Banda
Phylarmonica de Ançã. Entre 1971 e 1976, assentou
praça no Colégio Apostólico da Imaculada Conceição
(Cernache), da Companhia de Jesus, seguido ano após
ano, para gáudio comum, pelos dois irmãos, juntamente
com quem já se habituara, entre outras coisas, a cantar a
vozes. Além da formatação estatal obrigatória, iniciou-se
nos três primeiros anos, por mão de generosos Mestres, à
94
Religião Verdadeira, à Literatura, ao Teatro, à Música, e,
posto que a contragosto, ao desporto. Nos dois últimos
anos, Calderón de la Barca deu lugar a sketches e a
Música Sacra foi trocada por rapaziadas, de sorte que
cedo se habitou à falácia do sucesso fácil da guitarra e da
pastoral de superfície (os então ditos “irmãos Miranda”
cantavam nos Festivais do Colégio e animavam o que
fosse preciso mas só fizeram algo de jeito quando
começaram a estudar e integraram as duas manas
entretanto crescidas).
Todavia, a sombra benfazeja dos mestres nunca se
dissipou. De sorte que, após os estudos secundários na
nova escola de Cantanhede - onde aprendeu finalmente
latim - e do Ano Propedêutico na RTP - entrou no
Noviciado da Companhia de Jesus, Ordem a que ficará a
dever grande parte da sua formação superior. Assim, de
1981 a 1986, licenciou-se em Filosofia e Humanidades
Clássicas, na Pontifícia Faculdade de Filosofia de Braga.
Ao mesmo tempo, por providencial impulso de um dos
seus antigos mestres de Cernache, então a lançar os
fundamentos do CCM (um Conservatório regional no
Colégio das Caldinhas) – e graciosamente preparado por
uma colega de Filosofia que aí então ensinava Solfa –
propôs-se como externo ao exame do 2º ano do
Conservatório do Porto. Pôde assim frequentar e concluir
95
no CCM os Cursos Gerais de Canto e Composição.
Como por essa altura também os irmãos e as irmãs
estudassem música e se andassem “da lei do sucesso
libertando”, começa com eles a subir além do fado.
Datam por isso de Braga os primeiros concertos
polifónicos dos “irmãos Miranda”.
Leccionou de seguida, em Lisboa, todos os níveis
da disciplina de Religião no Colégio de S. João Brito,
concluindo paralelamente, em 1988, o Curso Superior do
Conservatório Nacional (disciplina nuclear-Canto). Em
Roma de 1988 a 1996, licenciou-se em Teologia (Univ.
Gregoriana, Roma, 1991 e Univ. Lateranense Roma,
1993) com vista à ordenação sacerdotal e concluiu o II
Ciclo em Letras e Ciências Patrísticas pelo Instituto
Patrístico Augustinianum, em 1996, com uma Tese sobre
Orósio de Braga (séc. V).
Ao mesmo tempo, leccionou sucessivamente
Literatura Portuguesa, Introdução à Política e Francês na
Escola Portuguesa de Roma, bem como um Curso
Propedêutico de Latim na Faculdade de História
Eclesiástica da Univ. Gregoriana (1993-94). Ainda em
Roma, exerceu paralelamente uma regular actividade
concertística e discográfica, quer como barítono solista
ou director de coro, quer como membro da Capela
Musical Pontifícia (Sistina, 1990 – 96).
96
Além da assídua dedicação apostólica nos campos
de férias e em numerosas iniciativas pastorais, próprias
ou dos Superiores, as outrora longas férias de verão
permitiam, por essa época, uma plena reconstituição
familiar. O certo é que o costume de cantar juntos acabou
por ter de se ritualizar com cadência anual, até aos dias
de hoje.
De 1996 a 98, foi Assistente do Centro de Estudos
Clássicos da Faculdade de Filosofia de Braga, onde
leccionou o Curso Propedêutico de Latim e regeu a
cadeira de Latim I.
Em 1996, iniciou também uma assídua colaboração
com o Astra Opera Theater e com o University Center of
Gozo, Malta, aonde se deslocou com frequência
trimestral, quer para conferências e master classes, quer
para produções de ópera, recitais e gravações.
Regressado a Roma, integrou diversos complexos vocais
e instrumentais (salientando-se, além da Cappella
Sistina, o Coro e Orquestra da Accademia di Stª Cecilia)
e efectuou digressões concertísticas na Europa, nas
Américas e na Ásia.
Em 1999, alcançada do Papa João Paulo II a
dispensa das obrigações conexas com as sagradas ordens,
celebrou o sétimo sacramento com Maria Florbela da
Silva Rosa Baptista, jovem professora de Física então na
97
Póvoa de Lanhoso e formadora assídua dos Jovens da
Mensagem de Fátima. Deu-lhes Deus até hoje cinco
filhos, sendo vivos três, todos meninas, baptizadas com
os nomes de Aurora, Ana Lizete e Margarida.
Em 2000, integrou, na qualidade de consultor para
os textos latinos, uma equipa de bolseiros da Comissão
Nacional dos Descobrimentos no Arquivo Secreto
Vaticano para a inventariação da documentação relativa a
Portugal e ao seu Padroado. Ainda em 2000, foi bolseiro
da FCT no Instituto Patrístico Augustinianum, onde
concluiu o Doutoramento, em 2003, com uma tese sobre
o confronto e interacção entre os modelos socio-políticos
pagão e cristão, em Tertuliano (séc. II – III).
Em Portugal desde então, leccionou, até 2007,
Canto e Classe de Conjunto no CCM das Caldas da
Saúde, onde, além de dirigir o Coro de Câmara Manuel
Faria, participou como Barítono solista nas suas
produções de Ópera.
Actualmente é docente da Faculdade de Ciências
Sociais do Centro Regional de Braga da UCP. Dirige
ainda a Capela Musical de Santa Cruz (Braga), dedicada
ao Canto Gregoriano e à liturgia dominical, no pouco
tempo que lhe sobra das gratificantes ocupações de pai e
de “marido de professora”, de cuja síndrome já padece
em grau moderado. Entre os seus mais importantes
98
contributos à edificação da sociedade, gaba-se hoje de, nos longos tempos de motorista escolar, ensinar as filhas em rezar.
99
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Esboço biográfico
É o segundo dos filhos de Tiago da Rocha Miranda
e de Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda, neto
paterno de Afonso de Miranda Catarino (Seixo de Mira)
e de Albina de Jesus Rocha e materno de José Carlos da
Costa e de Maria Aurora Lopes (Ançã).
Nascido a 20/8/1962, em Coimbra, Freguesia da Sé
Nova, na hoje Maternidade Bissaya Barreto, viveu a
primeira Infância na Vila de Ançã, hoje concelho de
Cantanhede, mas frequentou e completou o ensino
primário na Escola Primária de Balsas, freguesia de
Febres, concelho de Cantanhede, onde a mãe leccionava.
Em Ançã fez os primeiros estudos musicais com o
Mestre Artur Salguinho, com quem aprendeu solfejo e os
primeiros rudimentos de Violino.
Dos pais e avós e do pároco de então, Álvaro de seu
nome, mas por todos tratado por Senhor Arcipreste,
recebeu a Fé e o catecismo católicos.
100
Os então chamados ciclo preparatório e curso geral
dos liceus fê-los como aluno interno do Colégio
Apostólico da Imaculada Conceição (CAIC), da
Companhia de Jesus, em Cernache, Coimbra, entre 1972
e 1977. Aqui lhe foram ministradas sólidas instrução e
educação, inclusivamente, tanto quanto o permitiram
tempos conturbados do PREC e de alguma desorientação
pós conciliar, a catequese e a piedade necessárias a um
desenvolvimento humano integral. Também foi aqui que
com os dois irmãos, a estímulo de professores e colegas
mais velhos, começou a cantar polifonias clássicas
ligeiras, sacras e profanas, no grupo de rapazes cantores
do Colégio e num anual festival da canção que ali se
organizava.
O curso complementar dos liceus foi obtido na
então recentemente fundada Escola Secundária de
Cantanhede, na secção de Letras.
Em 1985 conclui a licenciatura em Direito pela
Universidade de Coimbra. Na passagem pela
Universidade, foi determinante no seu desenvolvimento
integral a frequência do Centro Universitário Manuel da
Nóbrega e a estreita convivência com jesuítas como os
Padres António Vaz Pinto, Alberto Teixeira de Brito,
Vasco Pinto de Magalhães e Luís Rocha e Melo. Com
eles aprendeu o que se pode chamar o nível universitário
101
da catequese e conheceu os Exercício Espirituais de
Santo Inácio de Loiola: uma relação pessoal com Jesus
Cristo e uma visão do mundo e do nosso lugar nele,
mediante a qual todas as contradições são superadas e
descansamos, enfim, no Único Sentido que é Deus.
No verão participou e animou campos de férias para
adolescentes, ligados aos Jesuítas, inicialmente na
associação “Mocanfe”, depois na “Camptil”, de que foi
sócio fundador.
Paralelamente aos estudos universitários frequentou
o Conservatório Regional de Coimbra, onde obteve
aprovação no então quarto ano de formação musical e do
curso de violino.
Em Novembro de 1985 tomou posse como
assistente estagiário na Universidade da Beira Interior,
então Instituto Universitário da Beira interior, onde
leccionou as disciplinas de Direito do Trabalho e Direito
Fiscal.
Em Outubro de 1986 deu entrada no Centro de
Estudos Judiciários e em 1989, tendo optado pela
Magistratura do Ministério Público, tomou posse como
Procurador Adjunto, em Penacova. Em Setembro de
2002 foi promovido a Procurador da República e em
Outubro de 2008 abandonou a magistratura do
Magistério Público para ingressar, por concurso, na
102
Magistratura Judicial dos Tribunais Administrativos e
Fiscais. Presentemente é juiz de Direito do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Coimbra.
Em 20 de Setembro de 1986, contraiu matrimónio
com Maria Manuela dos Santos Gonçalves de Miranda,
licenciada em Filosofia e então, como hoje, professora de
religião e moral católicas na Escola Secundária de
Cantanhede, estabelecendo residência em Ançã. Foi o
matrimónio abençoado com seis filhos. Maria Cecília:
nasceu em 27/6/1987, estuda medicina dentária na
faculdade respectiva da Universidade do Porto (4º ano).
Fez também estudos musicais, tendo concluído o curso
de Formação Musical do conservatório e o 5º grau de
Piano. Dá catequese na paróquia de Ançã. Maria Beatriz:
nasceu em 6/8/1988, estuda Direito na Universidade de
Coimbra (4º ano). Obteve o 8º grau do curso de Violino
do Conservatório de Música de Coimbra. Dá catequese
na paróquia de Ançã. José Carlos: nasceu em 5/10/1990,
estuda Engenharia Informática na Universidade de
Coimbra (segundo ano). Completou o 5º grau de
formação musical e estudou violino e canto no
conservatório de Música de Coimbra. Maria Isabel:
nasceu em 25/5/1993 e, tal como os irmãos, a seu tempo,
frequenta o 11º ano no CAIC (cf. supra). Frequenta ainda
o 5º ano do curso de violoncelo do conservatório de
103
música de Coimbra. Integra o Grupo de Animação
Pastoral (GRAPA) do Colégio. Dá catequese na paróquia
de Ançã. Pedro Carlos: Frequenta o 9º ano de
escolaridade no CAIC e o 5º grau do curso de Piano no
Conservatório Regional de Coimbra. Integra o Grupo de
Animação Pastoral. Maria Madalena: nasceu em
30/9/2002, frequenta a escola básica de Ançã (2º ano) e a
classe de violino da Academia de Música de Ançã.
É associado e integrou os órgãos sociais da Real
Associação de Coimbra, movimento monárquico
apartidário com sede em Coimbra. Com os quatro irmãos
e um cunhado, Isaías Hipólito, e os seus quatro filhos
mais velhos integra o grupo vocal Ançãble. Em 1998 e
em 2007 foi mandatário nacional do grupo de cidadãos
denominado “Aborto a Pedido, Não” constituído com
vista á defesa do não nos referendos sobre a legalização
do aborto. É sócio fundador e integra a direcção da
“Associação de Defesa e Apoio da Vida de Coimbra
ADAV – Coimbra”, que desde 1999 apoia grávidas e
mães e pais em dificuldade, na ordem dos mais de
trezentos casos anuais. Na paróquia de Ançã, integra o
conselho económico e o conselho pastoral e ensaia o coro
litúrgico da Igreja Matriz, fundado algures por 1980 pelo
hoje Padre Pedro Carlos Lopes de Miranda. Em 2003,
numa iniciativa partilhada por todos os irmãos e cunhado
104
Isaías Hipólito, que o Padre Dr. Manuel de Jesus, pároco há mais de trinta anos e grande amigo, esclarecidamente apoiou e possibilitou, foi importado da Alemanha e montado no coro alto da mesma Igreja um Órgão de Tubos, instrumento de 13 registos, dois teclados e pedaleira, único no distrito de Coimbra.
105
Pedro Carlos Lopes de Miranda
Esboço biográfico
Nasceu em 17 de Maio de 1964, terceiro filho de
Tiago da Rocha Miranda e de Maria Lizette Carlos Lopes
da Rocha Miranda. De 1970 a 1975.Fez o ensino
primário e a então 5ª classe, na Escola Primária de
Balsas, freguesia de Febres, onde a mãe leccionava.
Desde o então 2º ano do ciclo até ao 9º ano de
escolaridade, de 1975 a 1979, estudou no Colégio
Apostólico da Imaculada Conceição, da Companhia de
Jesus, em Cernache dos Alhos.
Os 10º e 11º anos, 1979-81, fê-los na Escola
Secundária de Cantanhede, na área de Humanidades, e o
12º ano, 1981-82, na Escola Secundária José Falcão, em
Coimbra.
De 1982 a 1986 frequentou e obteve a Licenciatura
em História da Arte, na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra. Ao longo destes sete anos
desenvolveu intensa actividade na paróquia de Ançã,
quer como catequista, quer como colaborador do Coro,
106
sobretudo como organista, cuja habilitação tinha
desenvolvido no Colégio Apostólico da Imaculada
Conceição. Na Pastoral Universitária, conheceu e foi
colaborador próximo dos jesuítas do Centro Universitário
Pe. Manuel da Nóbrega.
Entretanto, desde 1981, desenvolvia estudos
musicais, mais especificamente o curso de Flauta
Transversal, sucessivamente no Conservatório Regional
de Coimbra, na Escola de Música de Coimbra e no
Conservatório de Música de Coimbra, onde completou o
então chamado Curso Completo de Flauta Transversal
com Bernard Ravel-Chapuis, em 1987. De 1981 a 1985
foi elemento da banda da Sociedade Filarmónica
Ançanense. Em 1986 foi convidado para leccionar Flauta
Transversal, História da Música e Classe de Conjunto, no
Conservatório de Música de Coimbra: nessa leccionação
se manteve até 1989, ao mesmo tempo que frequentava,
na nascente Escola Superior de Música de Lisboa, a nova
Licenciatura em Flauta Transversal, tendo estudado com
Carlos Franco, Ricardo Ramalho, Olga Pratz, Álvaro
Salazar, Amílcar Vasques Dias, entre outros.
Em 1988 fez também um curso de verão de
iniciação à direcção coral com José Robert.
Durante aqueles três anos de actividade como
músico profissional, foi elemento do Grupo de
107
Instrumentos de Sopro de Coimbra, dirigido pelo Prof.
Adelino Martins, com o qual realizou numerosos
concertos em Portugal, Bélgica e Polónia. Como solista,
realizou também vários concertos, despedindo-se dessa
actividade com um concerto em Agosto de 1989, a
convite da Câmara Municipal de Coimbra, com o pianista
Jorge Ly, na Fundação Bissaia Barreto.
Em 1989 entrou para o Seminário Maior de
Coimbra e para o correspondente estudo de Teologia,
cuja licenciatura pela Universidade Católica terminou em
1996, com uma tese subordinada ao tema A problemática
teológica da religiosidade popular: um caso prático de
teologia da religião e das religiões.
Em 1995 foi ordenado presbítero e incardinado na
diocese de Coimbra. Desde então foi sucessivamente
pároco de Serpins (1995-96), Midões, Covas e Candosa
(1996-99), Pedrógão Grande, Graça e Vila Facaia (1999-
2005) e, desde 2005, de Penela, Espinhal, Podentes e
Rabaçal.
Entre 1992 e 1995, completou o I Curso Nacional
de Música Sacra, sob a presidência do Con. Ferreira dos
Santos, onde estudou direcção coral com Hubert Velten,
da Escola Superior de Musica Sacra de Regensburg.
Desde 1991, ano da fundação da Escola Diocesana
de Música Sacra de Coimbra, desenvolve actividade
108
lectiva nas áreas de Formação Musical, Harmonia,
Direcção Coral e Canto Coral.
Desde 1989 mais sistematicamente, dirige o grupo
vocal Ançãble, com o qual tem desenvolvido uma intensa
actividade de recolha, transcrição e execução, em
primeira audição moderna, de música sacra portuguesa,
desde o séc. XVI ao XVIII, em numerosos arquivos
eclesiásticos e públicos de Portugal e Itália. Entre os
compositores beneficiários desta actividade contam-se D.
Francisco de Stª Maria (†1597), D. Pedro de Cristo
(†1618), Henrique Carlos Correia (1680- ), Carlos Seixas
(cujo catálogo acrescentou já de uma obra vocal sacra),
João Rodrigues Esteves (c. 1700- ) Francisco António de
Almeida (c. 1702- ), António Teixeira (1707- ). O mesmo
grupo vocal Ançãble permite-lhe ainda desenvolver uma
discreta mas persistente actividade de compositor, que se
pode conhecer sobretudo através da discografia do
Ançãble, mas também na Revista da Academia
Martiniana.
Em 2001 obteve o grau de Mestre em Ciências
Musicais na Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra com uma tese intitulada D. Francisco de Santa
Maria: Cantor-Mor de Santa Cruz de Coimbra.
Desde 2002 foi-lhe cometida a catalogação dos
manuscritos musicais do Arquivo do Seminário das
109
Missões de Cernache do Bonjardim, trabalho que se
encontra muito próximo de terminar.
Os seus trabalhos científicos, distribuídos pelas
áreas da Teologia e Musicologia, encontram-se dispersos
pela Revista Brotéria, Estudos (CADC), Estudos
Teológicos (do Instituto Superior de Estudos Teológicos
de Coimbra), Pastoral Catequética: revista de catequese
e educação, e ainda por algumas Actas de Congressos.
Neste momento, a sua actividade, tipicamente de
padre, reparte-se entre: pároco de Penela e seu termo,
vigário episcopal da Região Pastoral Sul da Diocese de
Coimbra, professor na Escola Diocesana de Música
Sacra, professor de Arqueologia e Arte Cristã no Instituto
Superior de Estudos Teológicos, formador para a música
litúrgica do Seminário Maior de Coimbra, professor de
História das Formas Musicais Sacras no Curso Nacional
de Música Sacra e, a partir deste ano lectivo, estudante de
Direito Canónico na Universidade Pontifícia de
Salamanca, ao serviço da diocese.
110
Maria Margarida Lopes de Miranda
Esboço Biográfico
Nasceu em 09 de Junho de 1966 e é a quarta filha
de M.ª Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda e de
Tiago da Rocha Miranda. Constituiu família a 15 de
Fevereiro de 1997 com Isaías Alfredo Fragoso dos
Santos Hipólito e hoje é mãe de 5 filhos, baptizados com
o nome de António Carlos (de 11 anos), Francisco Marto
(9 anos), Maria do Rosário (Rosarinho, de 6 anos), Maria
Irene (de 4 anos) e um Benjamim, sobre cujo nome ainda
não há acordo e cujo nascimento se aguarda para
Fevereiro próximo.
Após um período de leccionação, de cerca de três
anos, como Assistente Estagiária, na Faculdade de Letras
da Universidade do Porto, passou a residir em Ançã e
presentemente é Professora Associada da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, onde ensina há cerca
de 16 anos, na área dos Estudos Clássicos.
Fez a instrução primária na escola de Balsas
(Febres) onde a mãe, de quem também foi aluna,
111
leccionava. Nos dois anos seguintes, já em Ançã,
frequentou o ensino particular em casa da Srª. D.ª Maria
Luísa de Matos Roseira Campos, tendo feito assim o
“Ciclo Preparatório”. Frequentou depois a Escola
Secundária de Cantanhede (do 7º ao 11º ano), onde foi
membro da Associação de Estudantes. No 12º ano
transitou para Coimbra, para a Escola Secundária José
Falcão, para poder continuar os estudos da área de
Humanidades que escolhera, ao mesmo tempo que
iniciava os estudos no Conservatório de Coimbra, na
classe da Canto, vindo a obter, em 1988, o 1º lugar
naquela classe, nas provas regionais do Concurso
Nacional da Juventude Musical Portuguesa.
Ao longo daqueles anos, frequentou ainda as
actividades oferecidas pelo Clube dos Arcos, onde não só
aprofundou a sua formação humana e cristã, como pode
viajar, alargar o número de amigos e desenvolver talentos
(ali representou Gil Vicente pela primeira vez, por
exemplo, descobriu que tinha uma voz para cantar…).
Ao mesmo tempo, colaborava na paróquia, nas
actividades de catequese, nos serviços musicais litúrgicos
e na organização de Campos de Férias.
Em 1984, ingressou na Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra e em 1988 concluiu a
licenciatura em Estudos Clássicos e Portugueses, sendo
112
distinguida com uma viagem de estudo a Roma,
oferecida pela União Latina. O Mestrado, em 1992, e o
doutoramento em Literatura Latina do Renascimento, em
2002, fê-los na mesma Universidade, sob orientação do
Senhor Professor Américo Costa Ramalho, a quem deve
o interesse pelo Humanismo português.
O início da actividade profissional na Faculdade de
Letras do Porto, em 1989 (após três meses de aulas de
Português na Escola Secundária Jaime Cortesão, em
Coimbra), fê-la cruzar-se de perto com homens de valor
como o Padre João Abranches S. J. (†2000) e o Padre
João Cabral S. J., cujo encontro foi fundamental para
abrir horizontes ao seu desenvolvimento integral. Com
este último (o P. João Cabral), acompanhou a fundação e
os primeiros anos de actividades do CREU no Porto.
Em 1996-1997 e 1998-1999 foi bolseira da
Fundação Calouste Gulbenkian e permaneceu em Roma
onde, acolhida pelo Instituto Português de Santo António,
desenvolveu a sua investigação com vista ao
doutoramento e aperfeiçoou estudos vocais com o
Maestro Marcos Pavan, tendo também tido oportunidade
de participar, como solista, em diversos recitais de
música barroca.
É membro do Grupo Vocal Ançã-ble, que há cerca
de 20 anos se tem dedicado regularmente à polifonia
113
clássica portuguesa do período áureo, tendo já publicado
diversos CD’s e realizado inúmeros recitais, em Portugal,
Espanha, Itália, e Brasil.
É sócia da Real Associação de Coimbra
(movimento monárquico apartidário), da “Associação de
Defesa e Apoio da Vida” de Coimbra (ADAV) e do
C.A.D.C., de cuja Direcção fez parte em 2007-2009.
Na FLUC, foi secretária e presidente da Comissão
Científica de Grupo de Estudos Clássicos, secretária do
Instituto de Estudos Clássicos e membro da Comissão
Coordenadora do Conselho Científico. Actualmente,
pertence à Direcção da Associação Portuguesa de
Estudos Clássicos e é membro do Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos.
A sua investigação, em áreas que vão desde a
Antiguidade Clássica até ao Humanismo Renascentista
em Portugal, tem conduzido à apresentação de numerosas
conferências e publicações. Além de diversos títulos
publicados em revistas nacionais e internacionais, em
Actas de Congressos, bem como em livros de autoria
colectiva, publicou ainda alguns livros, de que se
salientam os seguintes títulos: Teatro nos Colégios dos
Jesuítas. Lisboa: FCG, 2006; Latineuropa. Latim e
cultura neolatina no processo de construção da
identidade europeia. (Coord. Nair Castro Soares,
114
Margarida Miranda e Carlota M. Urbano), Coimbra,
2008; Código Pedagógico dos Jesuítas. Ratio Studiorum
da Companhia de Jesus – Regime escolar e Curriculum
de estudos. Edição bilingue latim-português. Versão
portuguesa de Margarida Miranda. Lisboa, Esfera do
Caos, 2009, pp. 290.
115
Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano
Esboço biográfico
A mais nova dos cinco irmãos, Carlota Maria Lopes
de Miranda, Urbano por casamento, nasceu no dia 12 de
Agosto de 1969, em Coimbra, e foi baptizada na Igreja
Matriz de Ançã no dia 22 desse mês. Foram seus
padrinhos Maria Irene Corregedor Abegão e José Carlos
Travassos Relva. Desde a alcofa acompanhou a mãe para
a escola de Balsas (Febres), por isso aí fez parte da
instrução primária, que concluiu na escola de Ançã, com
a professora D.ª Maria Luísa de Matos Roseira Campos.
Foi com a mesma professora que fez o 5º e 6º ano de
escolaridade antes de entrar na Escola Secundária de
Cantanhede, onde estudaria do 7º ao 11º ano.
Na adolescência, pela mão da madrinha, começou a
frequentar campos de férias e actividades formativas da
ACR (Acção Católica Rural), actividades que depois
passou a animar, especialmente com jovens e pré-jovens,
assumindo mais tarde responsabilidades a nível
116
diocesano e nacional. Também na adolescência,
frequentou o Clube dos Arcos, um centro feminino de
formação humana e espiritual e de ocupação de tempos
livres, do Opus Dei, junto aos Arcos do Jardim em
Coimbra, casa onde muito recebeu. Nessa altura
participava anualmente no Festival da Canção ‘Darca’,
em que vários clubes e colégios ligados àquela obra,
apresentavam as suas canções inéditas e originais para
que a canção vencedora representasse Portugal num
Festival similar em Barcelona.
Para fazer as disciplinas de Literatura Portuguesa,
Latim e Grego, a fim de ter acesso ao Curso de Estudos
Clássicos, fez o 12º ano em Coimbra, no Liceu José
Falcão, onde teve como mestres de Latim o Prof. Veiga e
Moura e de Grego, o Prof. Margarido. Nesta altura
começou a frequentar o CUMN (Centro Universitário
Manuel da Nóbrega) casa da Companhia de Jesus, à
altura, na Couraça de Lisboa, onde viria a passar grande
parte do seu tempo de estudante na Universidade. Desses
anos datam a entrada nas CVX (Comunidades de Vida
Cristã, a que pertence até hoje), de que foi animadora e
membro da equipa regional; e as primeiras experiências
de EE (Exercícios Espirituais de St. Inácio). Foi também
animadora do CUMN, serviço em que muito recebeu, no
contacto com variadíssimos estudantes e com pessoas da
117
casa como a doroteia Ir. Bourbon ou os jesuítas Irmãos
Adão e Zé Ribeiro e os padres José Craveiro, Vasco
Magalhães, Alberto Brito, António Amaral, Luís Rocha e
Melo e Dário Pedroso.
Enquanto estudante na Universidade, frequentou o
Conservatório de Música de Coimbra, onde fez estudos
de Formação Musical e de Canto.
Em 1985, na Festa da Senhora das Dores de Vale
de Estêvão (Anadia) conheceu o Miguel (Fernando
Miguel Vidal Urbano), natural de Coimbra, um rapaz de
19 anos, irmão do Tó Zé Urbano, por sua vez grande
amigo do seu irmão Tiago. O Miguel estudava Gestão de
empresas no Porto, fazia EE e também pertencia a uma
CVX.
Em 1991 terminou a licenciatura em Línguas e
Literaturas Clássicas e Portuguesa e começou a trabalhar
como professora de Português na Escola Secundária de
Tábua. Ao mesmo tempo, começou a frequentar o Curso
de Mestrado em Línguas e Literaturas Clássicas. Em
Setembro de 1992, casou com o Miguel Urbano e fixou
residência em Vale de Estêvão. Em Março de 1993,
começou a ensinar na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto como assistente estagiária, função
que desempenhou até Abril de 1995. Nesta altura veio
ensinar para Coimbra, como assistente estagiária do
118
Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras.
No dia 17 de Abril de 1996, veio ao mundo o primeiro
filho vivo, José Miguel de Miranda Urbano, baptizado
com o nome de José Miguel da Anunciação de Miranda
Urbano, na Basílica de N. Srª Auxiliadora de Mogofores,
no dia 18 de Maio do mesmo ano. Desta altura data o
início da colaboração do casal com a pastoral familiar, na
paróquia de Mogofores e, mais tarde, no Centro de
Preparação para o Matrimónio do arciprestado da Curia,
equipa em que ainda hoje trabalha.
Ainda em Junho de 1996, defendeu a tese de
Mestrado em Literatura Latina, com a dissertação “ A
oração de Sapiência do Padre Francisco Machado SJ.
1629”, sob a orientação do grande Mestre do Humanismo
Português, o Prof. Doutor Américo Costa Ramalho.
No dia 17 de Abril de 1998, vieram ao mundo o
segundo e terceiro filhos, David Gabriel de Miranda
Urbano e Alberto Rafael de Miranda Urbano, que foram
baptizados na igreja matriz de Ançã no dia 25 de Junho,
dia de S. Tiago e S. Tomé. Entretanto preparava o
doutoramento em Literatura Neolatina, sob orientação do
Prof. Costa Ramalho, com uma dissertação sobre Épica
hagiográfica neolatina no Humanismo Português.
Defendeu a sua dissertação em Julho de 2004 e nesse
mesmo ano viu a luz a sua primeira filha, a 24 de
119
Novembro, Maria de Nazaré Miranda Urbano, que foi
baptizada na igreja matriz de Ançã a 19 de Dezembro.
Desde então mudou residência para Ançã, onde vive
ainda hoje.
No dia de Natal de 2008, nasceu a sua segunda
filha, Maria do Carmo de Miranda Urbano, baptizada na
igreja matriz de Ançã no dia 30 de Janeiro de 2009 com o
nome de Maria do Carmo da Natividade de Miranda
Urbano.
Para além do gratificante serviço do ensino na
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
desenvolve a sua investigação no âmbito do Centro de
Estudos Clássicos e Humanísticos, sobretudo na Linha de
Estudos Medievais e Renascentistas. Os seus trabalhos e
publicações têm por objecto principal a literatura
neolatina da Companhia de Jesus em Portugal nos séc.
XVI e XVII, com especial relevo para a poesia
hagiográfica, mas também para a oratória, textos que têm
levado o seu estudo a campos como o perfil literário do
herói no séc. XVII, a recepção da cultura clássica, cultura
clássica e cristianismo, espiritualidade inaciana, missões
jesuítas no Japão, martírio e identidade, pedagogia
inaciana, etc…
Conta, ao momento, 40 anos e o seu tempo reparte-
se entre os deveres profissionais e a difícil missão de,
120
com o Miguel, acompanhar o crescimento dos filhos com os risos e lágrimas que lhe são naturais, e sobretudo na fé e esperança de lhes deixar o bem essencial. Nesta missão educativa incluem também a participação de ambos na sociedade, quando os movem causas de bem maior e por elas lutam em família, seja na igreja seja no mundo.
Os Avós e os 19 netos.
Ançã-ble versão inicial.
123
Grupo Vocal Ançã-ble
Apresentação
O Grupo Vocal Ançã-ble, constituído por uma
família de Ançã, (de onde retira o nome pelo qual se
designa, num jogo de palavras que dispensa explicações),
é um conjunto vocal que se tem dedicado à música sacra
portuguesa, com natural incidência sobre o período áureo
da música vocal em Portugal (séculos XVI-XVII,
segundo uma classificação comummente aceite). Tem-se
apresentado em público com uma frequência regular em
Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Para além dos seus
regulares encontros com o público, iniciativas o mais das
vezes, de paróquias e autarquias (Coimbra, Braga,
Aveiro, Esposende, Póvoa do Varzim, Monção, Trofa,
Matosinhos, Alcobaça, Ourém, Lisboa, Fátima, Porto, Stª
Marta de Penaguião, Vila Real, Vilar Formoso,
Cantanhede, Barcelos, Chaves, Anadia, Mondim de
Basto), são também de referir, em particular, duas
antologias de polifonia portuguesa nas Catedrais de Tuy
(1999 e 2000) e Aprilia (Itália, 2005), bem como uma
124
série de concertos temáticos – acompanhados por vezes
das respectivas comunicações científicas – em várias
ocasiões académicas: Edição do Livro Preto do Arquivo
da Universidade de Coimbra (1977), III Centenário da
morte do Pe António Vieira (1998), o duplo congresso
sobre Anchieta (em Coimbra e em S. Paulo, Brasil,
1999), Congresso Internacional sobre Damião de Góis,
com a execução integral da sua obra (Coimbra, 2002),
Sessão Solene de Apresentação da miscelânea de estudos
de homenagem ao Cardeal Saraiva Martins (Roma,
2004), Congresso Internacional sobre o “O órgão e a
Liturgia” (Fátima 2005), Congresso Internacional sobre
“Retórica e Teatro” (Porto, 2007). No Congresso
Internacional sobre “Teatro Jesuítico” (Lisboa, 2004), o
Ançã-ble assumiu ainda a reconstituição, com base numa
parte do cantus (MM 70 da BGUC) da música de cena,
composta com toda a probabilidade por D. Francisco de
Santa Maria, para a tragédia Sedecias, do P. Luís da
Cruz, e para a Tragédia de Acab, de Miguel Venegas
(séc. XVI), bem como a respectiva execução no âmbito
do mesmo Congresso.
Mais fecunda e exigente tem sido, porém, a
actividade desenvolvida pelo Ançã-ble em colaboração
com o Instituto Português de S. António em Roma, onde,
a partir de 1995, tem apresentado, em primeira audição
125
contemporânea, um número conspícuo de composições
inéditas, recolhidas e transcritas pelo seu Director
artístico em arquivos musicais significativos, tais como a
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Biblioteca
Nacional, Arquivo da Sé Patriarcal de Lisboa, Arquivo
Capitular de Viseu, Arquivo do Seminário da Missões de
Cernache de Bonjardim, Arquivo do Instituto de Stº.
António dos Portugueses em Roma, Arquivo Capitular de
Ciudad Rodrigo, Biblioteca Vaticana, Arquivo do Cabido
de S. João de Latrão e Biblioteca do Conservatório de Stª
Cecília, em Roma. Também a divulgação dos actuais e
principais compositores de música sacra portugueses lhe
tem merecido atenção, fazendo parte do seu repertório
obras a si dedicadas pelo compositor bracarense Joaquim
dos Santos.
Da sobredita actividade resultam numerosas
gravações e publicações discográficas: Erreffe, (Roma,
1996), Public-art (Coimbra, 2000 e 2002), a banda
sonora para o CD ROM das Crónicas de D. Manuel e do
Príncipe D. João, de Damião de Góis (edição da
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Fundação
Gulbenkian e Comissão do Congresso Damião de Góis e
o Humanismo Europeu, (1502 – 2002), Lisboa, 2002),
bem como a gravação do concerto que realizou naquele
Congresso, a pretexto da execução integral da obra
126
musical deixada por aquele humanista e músico português. Também o seu contributo para o Congresso sobre “Retórica e Teatro” foi gravado com a Public-art (Coimbra, 2009), constituindo um anexo musical das respectivas Actas. Mas é sobretudo graças ao mecenato do Instituto Português de S. António em Roma, que o Ançã-ble tem podido contar com o registo e publicação sistemáticos do seu labor musical (IPSAR, Roma, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2009). A Direcção é de Pedro Miranda.
Ançã-ble. Versão actual.
127
CERTÍSSIMO
Testemunho do Pároco Sendo-me pedida, pelo Rotary Club de Coimbra,
uma opinião sobre a homenagem que esta Associação deseja prestar à "Familia Miranda", de Ançã, a primeira palavra que saltou, à nossa língua, foi esta: certíssimo, à qual se podem juntar muitas outras, como justíssimo, muito bem, etc.
Num tempo de tanta injustiça e num tempo em que a própria justiça parece não se entender, é lindo que uma associação, como o Rotary de Coimbra, cumprindo os seus objectivos, tenha decidido homenagear uma família que, logicamente, possa servir de estímulo para tantas outras que, também, não se querem deixar arrastar por "modelos" que, no nosso entender, corroem e destroem a Família.
Sem querer canonizar ninguém, em vida, nós que temos o privilégio de conhecer esta Família, há 33 anos, sabemos parte do caudal de bem que tem construído nesta bonita terra de Ançã e não só.
Porque ninguém dá o que não tem, a Família Miranda procurou, sempre fazer a sua vida sob a orientação dos princípios cristãos e humanos que, nem modas novas, nem correntes novas, conseguem abalar.
128
São cabeça de Casal os Srs. Dr. Tiago da Rocha Miranda e D. Maria Lisette Carlos Lopes da Rocha Miranda. Do seu amor, nasceram três rapazes e duas raparigas; tendo uma vida económica a que poderíamos chamar de muito razoável, sensibilizou-nos, à partida, a forma simples como os filhos, então muito jovens, vestiam, não porque os meios económicos não existissem, mas porque parte dos mesmos era investida na formação extra escolar dos filhos! Todos eles são excelentes músicos, bons cristãos, abertos à solidariedade e líderes, na prossecução do bem comum.
Beberam estes princípios no ambiente familiar, mas não só; quantos cursos, retiros, horas e horas passadas em encontros de formação crista, em casas da especialidade, ainda hoje existentes, em Coimbra. Como é evidente, estas coisas custam dinheiro, mas o Senhor Dr. Tiago e D. Lisete, sua esposa preferiram investir na formação dos filhos, de preferência a luxos que, muitas vezes denunciam pobreza interior.
Como é normal a Família Miranda cresceu e multiplicou-se: quatro casaram, trazendo para a Família dois genros e duas noras, também eles e elas gente de princípios cristãos e de grande humanidade. Amantes da beleza duma família numerosa, deram à família 18 netos e véspera de 19. Mas falta um filho! Este, Pe. Dr. Pedro Miranda, entregou a sua vida a Deus e aos irmãos, no serviço do Sacerdócio.
Como Pároco de Ançã, tive e tenho a sua melhor colaboração; por isso os encontro no Conselho de Pastoral, no Conselho Económico, na Catequese, no
129
Coro, nas Equipas de Casais e, até, quando fui presidente do Ançã Futebol Clube, tive o Senhor Dr. Tiago como Presidente da Assembleia Geral.
Embora correndo o risco de alongar estas simples, mas verdadeiras palavras, não posso deixar de dizer que D. Lisette, quando sai à rua, é uma verdadeira conselheira para as inúmeras mulheres que, no cominho, a interpelam, procurando um conselho, fazendo um desabafo e, também, dando uma boa notícia.
A sua presença é notável na Acção Católica Rural (A.C.R.), orientando e apoiando as Militantes.
Só me resta dizer: obrigado Senhor por esta Família pertencer à minha Paróquia.
Pe. Manuel de Jesus
131
ÍNDICE Pág. Prefácio ………………………………...... 7 Mensagem do Presidente do RI (Dezembro) 9 Mensagem do Governador (Dezembro)….. 11 A família Miranda: unidos pelo exemplo, sobriedade e amor (entrevista) ……...... 13 Biografias ................................................... 77
Tiago da Rocha Miranda ....................... 79 Maria Lizette Carlos Lopes da Rocha Miranda ............................................. 85 José Carlos Lopes de Miranda ............... 93 Tiago Afonso Lopes de Miranda ........... 99 Pedro Carlos Lopes de Miranda ............. 105 Maria Margarida Lopes de Miranda ....... 110 Carlota Maria Lopes de Miranda Urbano 115
Grupo vocal Ançã-ble ................................. 123 Certíssimo (testemunho do Pároco) ............ 127