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    cadernos Nietzsche 6, p. 11-30, 1999

    Dcadence artstica

    enquanto dcadence fisiolgicaA propsito da crtica tardia de Friedrich Nietzschea Richard Wagner*

    Wolfgang Mller-Lauter**

    Resumo: A partir da anlise da crtica que Nietzsche faz a Wagner em seusltimos textos, o autor investiga a concepo nietzschiana de dcadence. Exa-minando seus aspectos artsticos, religiosos e filosficos, pretende mostrar suantima relao com a fisiologia.Palavras-chave: dcadence arte fisiologia Wagner

    I

    No h coisa alguma, sobre a qual eu admita oposio. Sou, emquestes de dcadence, a mais alta instncia que agora existe sobre aTerra (carta 1131), escreve Nietzsche de Turim, em 18 de outubro de1888, a Malwida von Meysenbug, com cuja resposta ao envio do Caso

    Wagner se sentira ofendido. J no prefcio a este escrito ele observaraque aquilo com que se ocupou mais a fundo foi o problema da dcadence;tivera razes para tanto (WA/CW; carta de Turim de maio de 1888). Asrazes atingem at a sua prpria personalidade. Ele se compreende en-quanto dcadent, e isto com respeito a trs aspectos: hereditrio, num

    * Traduo de Scarlett Marton** Professor emrito da Humboldt Universitt de Berlim.

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    olhar retrospectivo sobre a morbidez do pai; biogrfico, j que expostode forma desmedida ao estar doente (EH/EH, Por que sou to sbio); e,

    por fim, enquanto filho de sua poca, de um tempo de declnio (FW/GC,Prefcio da segunda edio, 2-3). Experiente em questes de dca-dence, soletrou-a, como escreve no Ecce Homo, de trs para a frente ede frente para trs.

    Nietzsche compreende-se ao mesmo tempo como opostode umdcadent,como sadio no fundamento. Por serambos, pode trans-trocarperspectivas; pode a partir da tica de doente olhar para omais sadio e, inversamente, a partir da riqueza da vida olhar para baixo

    e ver o secreto trabalho do instinto de dcadence. Se que em algo, foineste exerccio, segundo o testemunho no Ecce Homo, que se tornoumestre (EH/EH, Por que sou to sbio).

    Desde cedo, Nietzsche refletiu sobre a questoda dcadence, mass em 1888, em seu ltimo ano de atividade, a palavra converteu-senum dos conceitos centrais do seu filosofar. Para tanto, concorreu a lei-tura que fez do primeiro volume dos Essais de Psychologie Contempo-raine (1883) de Paul Bourget, onde encontrou o conceito empregado demaneira especfica.

    Nietzsche tinha em alta conta a capacidade analtica de Bourget.Ainda numa de suas ltimas anotaes (de dezembro de 1888/ janeirode 1889), ele o denomina algum da raa profunda (...), aquele que porsi mesmo mais se aproximou de mim. Isso deve significar que Bourgetse engajara, em seu prprio caminho, bem prximo daquilo que Nietzschetambm pensava(1). Bourget descreveu um movimento de desagregao,

    em particular na literatura francesa contempornea. Desagregao des-sa espcie o prprio Nietzsche discutiu em mltiplos contextos. Que assuas prprias anlises aprofundassem aquelas em que Bourget perma-neceu reservado, em nada altera que por ele se sentisse no s estimula-do mas tambm confirmado. Impressionara-o, pois, a caracterizao queBourget faz da dcadence literria no ensaio sobre Baudelaire(2). LBourget explica a dcadence enquanto processo pelo qual se tornamindependentespartes subordinadas no interior de um organismo. Esse

    processo tem por conseqncia a anarquia. A lngua, como a socieda-

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    de, constitui um tal organismo. Escreve Bourget: Um estilo de dca-dence aquele em que a unidade do livro se decompe para dar lugar

    independncia da pgina, em que a pgina se decompe para dar lugar independncia da frase e a frase, para dar lugar independncia da pa-lavra. Na literatura atual, multiplicam-se os exemplos que corroboramessa fecunda verdade (Bourget 1, p. 25).

    Nietzsche julgou essa caracterizao apropriada para designar oestilo artstico de Richard Wagner. J no inverno de 1883/ 84, ele obser-va: Estilo dadecadncia em Wagner:cada andamento particular tor-na-se soberano, a subordinao e classificao tornam-se aleatrias.

    Bourget p. 25! (24 [6] do inverno de 1883/1884) Numa carta da prima-vera de 1886 a Carl Fuchs, ento se l sobre a msica de Wagner: Aparte torna-se senhora sobre o todo, a frase sobre a melodia, o instantesobre o tempo (tambm sobre o ritmo), o pathos sobre oethose, porfim, o esprit sobre o sentido. (...) V-se o particular muito ntido, v-se o todo muito embotado (...) Mas isto dcadence, uma palavra, que,como entre ns se compreende por si mesma, no deve censurar, masapenas designar (carta 688). No caso Wagner, encontramos uma varia-o do texto de Bourget citado: Como caracterizar toda dcadence li-terria? Com isto: a vida no mais anima o todo. A palavra torna-sesoberana e irrompe para fora da frase, a frase transborda e obscurece osentido da pgina, a pgina ganha vida em detrimento do todo o todo

    j no mais um todo. Mas isto seria a imagem para todo estilo dadcadence(3), acrescenta Nietzsche.

    II

    Antes de mais nada, sigo a descrio que Nietzsche faz da dca-denceartstica de Wagner. Ela deve preparar a exposio de suas rela-es com os dados fisiolgicos. Com isso, trata-se para mim apenasde apresentar uma contribuio para a compreensoque Nietzsche temda dcadenceacima de tudo. Por isso descarto todos os outros aspectos

    de seu multifacetado trato com Wagner(4). Oriento-me principalmente

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    pelo Caso Wagner e pelos pstumos de 1888. No so poucas as obje-es de Nietzsche contra Wagner, relevantes para o meu tema, que j

    se encontram nos seus escritos ou anotaes anteriores (j nos aponta-mentos de 1874 existem primeiras indicaes a esse respeito), antes poisde serem subsumidas no conceito de dcadence. Alguns dos textosanteriores, como se sabe, foram retomados na coletnea Nietzschecontra Wagner.Uma vez que a ltima fase ativa de Nietzsche ganhaespecial significado para a problemtica aqui discutida, remeto-me (empoucos casos) a essa seleo tardia de textos, sem mencionar a publica-o anterior.

    Que no estilo da dcadence a parte se torna independente em rela-o ao todo, que se torna soberana, manifesta a falta de fora organi-zadora. A censura da incapacidade para formas orgnicas constituiassim a principal objeo de Nietzsche contra a arte de Wagner. Wagnerno podia criar a partir do todo; ele no tinha escolha; precisava fazeruma obra fragmentria. Enquanto miniaturista, que criou pequenaspreciosidades, s curtos trechos de cinco a quinze compassos, Wagnerpode ser grande. Mas as pequenas unidades, separadas umas das outras,que ps em movimento, produzem em sua sucesso uma perturbao datica, que obriga a uma mudana contnua de atitude face a sua obra(WA/CW 7 e 10. Cf. 11 [322] de novembro de 1887/ maro de 1888 e15 [12] da primavera de 1888). So no fundo gestos musicados, atitudesreforadas pela msica, a partir dos quais se compe a selvagemmultiplicidade (WA/CW 7), uma grandiosa massa que confunde ossentidos (10 [37] da primavera de 1888). De acordo com Nietzsche,

    Wagner est, enquanto msico, entre os pintores (cf.JGB/BM 256).Indicar a multido das pequenas unidades , porm, insuficien-te, para caracterizar a compreenso que Nietzsche tem da dcadence deWagner. Mais importante ainda o excesso de vida nas menores coi-sas (WA/CW 2oposfcio; cf. 7), o dispndio de significados a que eleimpele. O gesto particular arrastado na durao (WA/CW 8), repeti-do e aumentado. Seria ambio de Wagner coagir at os idiotas a com-preenderem Wagner (14 [62] da primavera de 1888). Ele diz uma

    coisa tantas vezes at que se chegue ao desespero at que se creia

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    nela. Sob a lente de aumento, que nos oferece, as coisas crescemat o gigantesco. Sentimentos extremos devem surgir e abalar nossos

    nervos: o sublime e o passional e, em verdade, na forma que o ideal dadcadence exige: o espressivo a qualquer preo. Tais sobrecargasartsticas devem compensar a falta de organizao. Mas a prpria com-posio a partir dos gestos que entram em cena como importantes resul-ta apenas num artefato e no num todo vivo (WA/CW 1, 3, 6, 11 e 7).Para substitui-lo de algum modo, Wagner oferece a idia de infinitude,que sua msica significa, a que ela remete o pressentir(5).

    Com tudo isso, Nietzsche busca tornar evidente a falta de unidade

    interna e de coeso na arte de Wagner. Ele faz mais do que o necessrio,quando a ela ope a completude da msica de Bizet. Esta rica. precisa. Constri, organiza, perfaz; por isso o oposto do plipo

    namsica, da melodia infinita(6).

    III

    Que Nietzsche no se atenha dcadence de Wagner enquantofenmeno esttico, fica claro quando recorre sua personalidade. A es-ttica estaria ligada a pressupostos biolgicos, l-se no eplogo do CasoWagner. Os princpios e prticas de Wagner so todos eles redutveis acalamidades fisiolgicas; constituem a sua expresso (histerismo en-quanto msica) (16 [75] da primavera/ vero de 1888; cf. WA/CW 7).Isto deve referir-se a cada perverso particular da arte inaugurada por

    Wagner. Em que consiste a dcadence agora no mais apenas da arte,mas do artista Wagner? Nietzsche rene essas caractersticas no con-ceito de comediante. J em sua Quarta Considerao Extempornea,ele falara do talento originrio de comediante em Wagner,

    que se for-ou o acesso violento s outras artes, para poder, enfim, comunicar-se efazer-se compreender com cem vezes mais clareza e forar compreen-so o maior nmero de pessoas

    (WB/ Co. Ext. IV 7; WA/CW 7 e 9).Mas isto j no considerado to positivo quanto soa no contexto. A

    mobilidade na pluralidade que Wagner tem deixa de ser para Nietzsche

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    um sinal de fortaleza, mas de fraqueza ou, mais precisamente, de umafraqueza, que se arvora em fortaleza. Uma vez que Wagner se pe para

    a msica como um comediante, ento ele poderia de certo modo falar apartir de diferentes almas musicais e justapor o totalmente diverso. Deacordo com Nietzsche, ele seria inconsistente, o que nos permite, poranalogia ao que diz respeito sua obra, assim interpretar: a unidade desua personalidade no lhe dava nenhuma fora organicamenteconstitutiva.

    O que dessa maneira inconsistente encontra naquilo que faz efeitode modo mais veemente o substituto para o verdadeiro efetivo. Wagner

    no quer nada alm do efeito. A partir da, compreende-se sua ret-rica de teatro, de que fazem parte meios como o reforo dos gestos ea sugesto. Em todos os outros estados que no os dos mais elevadosafetos, ele v fraqueza e falsidade. Tirano pelo seupathos, dotado deuma conscincia quase inquietante de todo elementar no efeito da m-sica, Wagner , por fim, para Nietzsche, o maior mestre do hipnotis-mo (WA/CW 8; 15 [6] da primavera de 1888).

    Da resulta seu amplo efeito, que Nietzsche tambm v como pro-fundo. Ele no se esgota em mera ressonncia esttica. O comedianteWagner um sedutor em grande estilo: No h, nas coisas do espri-to, nada de cansado, de extenuado, nada de perigoso para a vida e decaluniador do mundo, que no seja tomado em segredo sob proteopor sua arte. (...) Ele lisonjeia todo instinto niilista (budista) e o travesteem msica; lisonjeia toda forma de cristianismo, toda forma religiosaque exprime a dcadence. Sua arte, enraizada na dcadence fisiolgi-

    ca, auxiliaos outros modos de expresso da vida declinante; mais ain-da, promove o declnio. O que prejudicial atrai o esgotado. (...) Wagneragrava o esgotamento; por issoque atrai os fracos e esgotados (WA/CW posfcio e 5). Pois isto vale para todo tipo de dcadence: o fracoprejudica instintivamente a si mesmo e tanto fisiolgica quanto psico-logicamente; o instinto de reparaoe plasticidade no atua mais. Oinstinto desencaminhado escolhe at o que acelerao esgotamento (WA/CW 5; 14 [102] e 14 [210] da primavera de 1888; 17 [1] e 17 [6] de

    maio/junho de 1888).

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    IV

    Notamos quo longe Nietzsche leva a reduo do artstico ao fisi-olgico. Segundo ele, Wagner no apenas representa suas prprias ca-lamidades fisiolgicas, mas para elas tambm transfere seus ouvintes. a partir da prpria experincia que Nietzsche fala, quando mencionaas conseqncias de ouvir a msica wagneriana: respirao irregular,perturbao da circulao sangnea, extrema irritabilidade com comarepentina. Anota o que muito pessoal: Como se explica que a msi-

    ca de Wagner me debilita, que suscita em mim uma impacincia fisiol-gica, que por fim se manifesta numa leve transpirao? Depois de um,depois no mximo de dois atos de Wagner, dele corro. Generalizandosua vivncia, Nietzsche encontra causas para o esgotamento extremoque a arte de Wagner traz consigo na tica mutvel e na resistnciafisiolgica, com que conduz expressamente o respirar e o andar;no constante exagero dessa msica descobre a tirnica segundainteno: a excitao dos nervos mrbidos e dos centros por meios ter-roristas. O efeito de Wagner , por causa de seu pathos, profundo; sobretudo muito pesado. A necessidade de respirar que se sente redu-zida durao dessepathos; o prender o flego musical de Wagner o que a provoca (16 [75] da primavera/ vero de 1888; 15 [111] e 15[12] da primavera de 1888; 16 [37] da primavera/ vero de 1888; WA/CW 7 e 8;NW/NW, L onde fao objees).

    Nietzsche contrape sua resistncia fisiolgica refutaofisio-

    lgica de Wagner (15 [111] da primavera de 1888; 16 [75] e 16 [80] daprimavera/ vero de 1888. Cf. WA/CW posfcio e eplogo). O doentetorna doente (WA/CW 5; 16 [75] da primavera/ vero de 1888); ento,ele tem de ser combatido. De acordo com Nietzsche, as heronas deWagner so, todas elas, casos de doena (WA/CW 5) (at Eva nosMestres Cantoresteria de submeter-se sem falta inspeo psiquitri-ca), que decerto, apesar de sua verdade natural

    at o repugnante,devem ter importncia tambm no futuro para uma anlise psicofisio-

    lgica de estados doentios (15 [99] da primavera de 1888). Mesmo

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    quando Nietzsche considera os dcadentscomo excrementos da socie-dade (16 [22] da primavera/ vero de 1888), um tal excesso (como mui-

    tos outros) de expresso no permite que haja engano quanto a isto: elesempre considerou os dcadents como tambm o decadente em si como indispensveis para as possibilidades humanas de crescimento.

    V

    Por isso, o filsofo, em especial, no () livre, para ignorar

    Wagner. Pois, o filsofo tem de ser a m conscincia de seu tempo e, para tanto, tem de ter a melhor cincia de seu tempo. Ele no pode-ria encontrar um guia mais bem iniciado no labirinto da alma mo-derna do que Wagner(7).

    No apenas nos modernos que o filsofo deve poder constatar osfenmenos psicolgicos, e por fim os fisiolgicos, de declnio. A pr-pria filosofia j est, desde Scrates, na via da perverso. O esquema deinterpretao, que se confirma no que diz respeito dcadence artsticade Wagner, deve tambm ajudar a desmascarar a dcadence filosficados gregos. Nietzsche evidencia a falta de unidade orgnica, que deveremeter por fim dcadence fisiolgica, em O problema de Scratesno Crepsculo dos dolos, cuja publicao ele fez suceder do CasoWagner. Ali, indo alm de suas declaraes anteriores sobre a inimizadedo instinto de Scrates, ele fala de sua desordem e anarquia nos instin-tos (GD/CI, O problema de Scrates, 4; 14 [92] da primavera de

    1888).J no Caso Wagner, logo aps a parfrase de Bourget, Nietzschefalara da anarquia dos tomos e da desagregao da vontade comocaractersticas de toda dcadence (WA/CW 7). Ele as encontrara, emWagner, por trs do volume de unidades musicais separadas, por trs daselvagem pluralidade. O movimento da dcadence em Wagner levariaao exagero do sentimento, ao xtase. O movimento socrtico vai na di-reo oposta, mas tambm um movimento de decomposio. Wagner

    tirano atravs de seupathos; Scrates tirano atravs da dialtica de

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    sua razo fundada na moral. No apenas ele prprio precisava dessatirania; toda a velha Atenas que estava a findar comeou a padecer da

    mesma doena. Seu caso era, no fundo, apenas o caso extremo, apenasaquele que mais saltava aos olhos, daquilo que naquele tempo comea-va a tornar-se a indigncia geral: que ningum mais era senhor de si,que os instintos se voltavam uns contra os outros.

    Scrates torna-se senhor dos instintos, na medida em que produzcontra os desejos sombrios uma permanente luz do dia. Nietzschefala nessa relao, retomando um conceito doNascimento da tragdia,da superfetaodo lgico em Scrates (GT/NT 13). A razo que se

    expande anmala luta contra os instintos e os enfraquece. Perturba-secom isso a cooperao orgnica das funes fisiolgicas. Esta permane-ce em dcadence; apenas recebe uma outra forma de expresso. Scrates um mdico, que s cura em aparncia. Seus meios at preservam doperecimento no confronto dos instintos, mas apenas protelam a deca-dncia. O mdico, que pe um fim dcadence, no Scrates, mas amorte. Por fim, Scrates queria morrer; talvez porque soubesse que as-sim correspondia mais ntima inteno da dcadence(GD/CI, O pro-blema de Scrates).

    VI

    Scrates aparece no Crepsculo dos dolos como o representantedo cansao vital dos mais sbios de todos os tempos. Para ele, para o

    que Nietzsche diz dele, encontram-se correspondncias essenciais nodomnio da dcadence religiosa. E isto vale, em especial, para opadreasctico, posto em evidncia por Nietzsche enquanto tipo, a respeito doqual se l na Genealogia da Moralque teria servido, at a poca maisrecente, como repulsiva e tenebrosa lagarta, nica forma sob a qual afilosofia podia viver e rastejar (GM/GM III 10). Quando fala dapraxis do padre asctico, Nietzsche tem diante dos olhos todo efeitoretardado, que mais tarde descreveu tendo em vista Scrates: evitar a

    desintegrao repentina atravs da mudana do movimento numa deca-

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    dncia gradual. Enquanto pastor de um rebanho de doentes, o padrecomporta-se ao mesmo tempo como mdico. Os meios que emprega

    no sero aqui enumerados por completo(8)

    . Consistem basicamente, deacordo com Nietzsche, no fato de que com sua medicao de afetono cura. Ele apenas atenua o sofrimento com prticas de espcies mui-to diferentes, como por exemplo o hipnotismo, que amortece o senti-mento de vida, ou com a intensificao de um afeto, que leva confusode sentimentos, atravs da qual se reprime temporariamente o desprazer.As correspondncias com o artstico, como Nietzsche destaca em rela-o dcadence de Wagner, so evidentes. O padre asctico no com-

    bate as causas do sofrimento dos doentes, na medida em que ele no mdico. Para poder ser enfermeiro(no sentido em quepode s-lo), eleprprio tem de ser doente: aos doentes tem de ser aparentado desde ofundamento, para entend-los para se entender com eles (GM/GM III 15-20). Tambm a este aspecto Nietzsche recorreu para compreen-der o efeito de Wagner, como foi exposto acima.

    Diante da radicalidade da tarefa, que o padre asctico tem de colo-car-se, para Nietzsche diminui a importncia da dcadence artstica. Paraele, trata-se de dar, atravs de sua interpretao, um sentido ao sofri-mento para fechar a porta a todo niilismo suicida. Decerto, no lugardo fim rpido vem agora um novo sofrimento (...), mais profundo, maisntimo, mais venenoso, mais corrosivo da vida. Nele eficaz a vontadede nada (GM/GM III 28).

    O artista pode, sem dvida, ostentar sua eficcia particular a ser-vio do ideal asctico. o caso do Wagner tardio. Na Genealogia da

    Moral, Nietzsche examina o seu caminho de Feuerbach a Schopenhauer.Este ltimo, enquanto um esprito realmente assentado em si mesmo(...), um homem e cavaleiro de olhar de bronze, que tem a coragem deser ele mesmo, que sabe estar s, afasta-se claramente de Wagner, queenquanto um seguidor nunca teria tido a coragempara um ideal ascti-co sem o amparo que a filosofia de Schopenhauer lhe ofereceu. Adcadence artstica de Wagner, no que diz respeito sua gravidade, re-cua ainda uma vez diante da dcadence filosfica, na medida em que

    Nietzsche a esta subordina Wagner; ele teria aceito os ideais filosficos

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    de Schopenhauer indiretamente, apenas por causa de seu elevado apre-o pela arte, em particular pela msica, que deve falar a lngua da pr-

    pria vontade. Com a elevao do valor da msica promovida porSchopenhauer, com sua soberania em relao s outras artes, tam-bm a cotao do msico subiu prodigiosamente, observa Nietzschecom sarcasmo; ele tornou-se um orculo, um padre, mais que um pa-dre, uma espcie de porta-voz do em-si das coisas, um telefone doalm, j no falava apenas de msica, esse ventrloquo de Deus, falava de metafsica: como admirar que um dia falasse de ideaisascticos? (GM/GM III 2-5).

    Com Schopenhauer, Wagner foi salvo, l-se no Caso Wagner.O benefcio que Wagner deve a Schopenhauer imenso. Precisamenteofilsofo da dcadencerevelou o artista da dcadence para si mesmo(9).

    VII

    Tal polmica de Nietzsche, que quer atingir o demasiado humanode Wagner, oculta por certo a pergunta pela relao entre a dcadenceartstica e a fisiolgica, a que se deve chegar aqui. Essa questo exigesobretudo um esclarecimento acerca do conceito de fisiologia emNietzsche. E este no de modo algum inequvoco. Trs determinaesgerais deixam-se evidenciar; elas se sobrepem com freqncia. A rela-o entre elas apresenta-se como inteiramente plausvel, mas aqui setem de renunciar a tratar de que maneira isso se d.

    Em primeiro lugar, Nietzsche segue o uso da palavra fisiologiafeito pelas cincias de sua poca. Ele familiarizou-se bastante com aliteratura, de diferentes nveis, a esse respeito. Embora lhe faltassemconhecimentos especializados das cincias da natureza, procurou, comajuda de sua conscincia dos diferentes problemas metodolgicos, res-ponder de algum modo questes bsicas relevantes do ponto de vistaterico-cientfico, cuja importncia at agora no se apreciou o bastan-te. Em segundo lugar, para Nietzsche o fisiolgico o que determina de

    modo somtico (e por isso fundamental) os homens. Est na base, em

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    sua respectiva auto-compreenso, dos ocultamentos ideais taticamen-te j dados.

    O conceito remete, com freqncia, s funes orgnicas ou

    ao afetivo no sentido do imediato corpreo. Posso observar apenas queas prprias experincias de Nietzsche relativas ao corpo trazem esta com-preenso de fisiologia e que, levado por elas, tanto acolheu muitos deseus estudos das cincias da natureza quanto elaborou alguns conceitosfilosficos fundamentais. Estes ltimos levam terceira determinaode fisiologia em Nietzsche. Ele chega a interpretar os processos fisio-lgicos como a luta de quanta de potncia que interpretam. Ao des-crever a complexidade de toda simplicidade, apenas aparente, dos da-

    dos ltimos, escapa tanto dos esquemas de pensamento mecanicistasdas discusses cientficas de sua poca quanto dos teleolgicos (10). Apartir do confronto dos quanta de potncia determinam-se suas respec-tivas fora e fraqueza. De acordo com consideraes tardias de Nietzsche,tambm os macroprocessos sociais determinam-se fisiologicamente.Assim a civilizao acarreta o declnio fisiolgico de uma raa; a sequestiona a corrupo da maioria dos homens em seu carter fisiolgico.

    preciso estar atento a esta trindade, quando se l as considera-es dispersas de Nietzsche sobre a dcadence fisiolgica. Nos seusescritos e manuscritos de 1888 em particular, o corporal aparece comoirredutvel e, por sua vez, constitutivo. Se no se remete declaraesdessa espcie terceira determinao acima mencionada, chega-se ine-vitavelmente concepo de que a filosofia de Nietzsche acaba, emltimo lugar, num fisiologismode cunho limitado(11). Sem dvida, elesempre atribuiu ao corpo prioridade em relao ao esprito, consci-

    ncia, em particular na polmica contra as concepes idealistas.Muitas de suas convices quanto criao (Zchtung)de um tipo dehomem mais elevado partem deste ponto: o espiritual seria conseqn-ciado corporal. Mas isto apenas o primeiro plano, em que Nietzsche,por certo, amide se detm. O prprio corpo, porm, , segundo consi-deraes suas diferenciadas, uma prodigiosa sntese de seres vivos eintelectos; existem, pois, no homem tantas conscincias quanto seres(...) que constituem o seu corpo (37 [4] de junho/ julho de 1885).

    Nietzsche concebe, por fim, o homem como uma pluralidade de von-

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    tades de potncia, cada uma com uma pluralidade de meios de ex-presso e formas (1 [58] do outono de 1885/ primavera de 1886). A

    melhor imagem para a cooperao delas o que ns denominamoscorpo (37 [4] de junho/ julho de 1885).Portanto, agora corpo apenas um nome; no de modo algum

    um dado ltimo. O que assim denominamos no uma unidade estvel,mas reunies temporrias de muitos. Com isso, a pluralidade ao mes-mo tempo interpretao e, na verdade, num duplo sentido. Ela interpre-ta a si mesmano estar-em-relao interpretante dos muitos uns com osoutros e com o que a ela se ope. Isto ela compreende por si mesma.

    Mas ela tambm interpretao num outro sentido, ou seja, interpreta-o do corpo atravs do filsofo Nietzsche. Este sabia bem mais docarter de interpretao de suas suposies bsicas do que geralmentese supe. Procurou pensar em conjunto o efetivo dos processos fisiol-gicos e o carter interpretante de toda existncia. Fica aqui em suspensose, nesse pensar em conjunto, ele teria ou no tomado um terceiroponto de vista da interpretao, que supusesse ultrapassador(12).

    Se se examinar a fundo a fala de Nietzsche sobre o fisiolgico,percebe-se (por certo, contra a sua auto-compreenso temporria) que,por fim, a estrutura da organizao hierarquicamente sintonizada determinante e no uma interpretao fisiolgica da efetividade, numsentido estreito, que estaria ela prpria subordinada a uma interpreta-o distinta. Quando Nietzsche descreve o corpo como edifcio sociale como formaes de domnio, orienta-se para omais exterior, a or-ganizao social,para compreender o maisinterior, os organismos bio-

    lgicos(13)

    .Temporrio, o dominante reducionismo de Nietzsche, em seu lti-mo ano de atividade, ao fisiolgico, num sentido grosseiro e numa pri-meira aproximao, depende de fazer valer seu conhecimento do car-ter da estruturao globalizante de tudo o que , que se achou confirma-do por sua leitura de Bourget. Nietzsche corrigido pelo prprioNietzsche, especialmente quando reduz a obra de Wagner em certa me-dida de modo monocausal sua constituio fisiolgica, como ocorre

    no Caso Wagner.Ainda na Genealogia da Moral se l que se faz certa-

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    mente o melhor ao separar o artista da obra, a ponto de no tom-lo toseriamente como a obra. Ele seria, pois, por fim apenas a sua pr-

    condio, o tero, o cho, o esterco e o adubo no qual e do qual elacresce. Com tal exposio, Nietzsche tem em conta as prprias cons-trues da obra. Adiante escreve que se deveria guardar da confuso,em que, por contiguity fisiolgica, para falar como os ingleses, um ar-tista cai facilmente: como se ele mesmofosse o que pode representar,imaginar, expressar. Na verdade, seele o fosse, simplesmente no po-deria represent-lo, imagin-lo, express-lo; um Homero no teria cria-do um Aquiles, um Goethe no teria criado um Fausto, se Homero tives-

    se sido um Aquiles e Goethe, um Fausto. Na medida em que reconduztal distncia do efetivo tpicaveleidade do artista, Nietzsche podeesclarecer o aperfeioamento do Parsifal de Wagner. Que ele caia emcontradio consigo mesmo, quando estende ao artista em geral e aGoethe em particular toda veleidade (pode compreender-se, pois, afisiolgica como nada alm do que uma espcie de dcadence), a esteponto ainda se voltar a seguir. Se se procurar extrair de tudo isso umresultado, pode-se dizer to-s que Nietzsche v o que chama dedcadence artstica numa relao de dependncia e, ocasionalmente,tambm apenas numa relao de correspondncia com o que descrevecomo dcadence fisiolgica. A espcie de dependncia ou a particulari-dade de correspondncia nele no encontram uma explicao unnime.

    VIII

    Tal informao , por certo, insatisfatria que no se deixe apartir dela de referir aos respectivos significados de Nietzsche em suaparticularidade.

    A partir das trs determinaes de fisiologia apresenta-das na ltima seo, pode-se descrever dcadence como perda da capa-cidade de organizao. Segue-se da desorganizao ou desagregaode uma pluralidade reunida num todo: desintegrao de uma estrutura

    disposta em ordem.

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    Poucas indicaes sobre o tipo contrrio do dcadent em Nietzschedevem compor a concluso destas consideraes. Na longa histria da

    patologia humana, existiram, como ele expe na Genealogia da Moral,os casos raros de pujana do corpo-alma, os casos felizes do homem(GM/GM III 14). E ele os descreve como os (fisiologicamente) bem-constitudos. No Crepsculo dos dolos, apresenta Goethecomo um talcaso feliz. A respeito dele se l que combateu o divrcio entre razo,sensibilidade, sentimento, vontade. Ele se disciplinou para a totalida-de; ele se criou. Atingiu e preservou a totalidade, na medida em que secercou de horizontes limitados (GD/CI, Incurses de um extempo-

    rneo, 49). J na Segunda Considerao Extempornea, Nietzscheops doena histrica, que desloca continuamente as perspectivasde horizonte (HL/Co. Ext. III 9), afora plsticados homens sadios,que se cerca de um horizonte limitado. Essa fora transforma o passadoe o desconhecido, incorpora-o a si ou elimina-o atravs do esquecimen-to (HL/Co. Ext. III 1 e 10). O bem constitudo, assim se l mais tardena expressa auto-descrio de Nietzsche, adivinha meios de cura con-tra danos, utiliza acasos ruins em sua vantagem; o que no o derruba,torna-o mais forte (EH/EH, Por que sou to sbio, 2). Em resumo, namedida em que se organiza e constri dessa maneira a partir de si mes-mo e, alm disso, traz a ordem, que obtm fisiologicamente, para assuas relaes com homens e coisas (GD/CI, Os quatro grandes erros, 2), o bem constitudo representa, ao contrrio de um dcadent, a vidaascendente.

    De acordo com Nietzsche, tal vida s , em verdade, ascendente,

    se no apenas se preservar desse modo, mas tambm se ultrapassar noimensurvel. Poder-se-ia pensar que Nietzsche encontrou em Goetheum passar-alm rumo a tal ampliao ou elevao. J no incio deum dos aforismos do Crepsculo dos dolos acima mencionado, l-sesobre Goethe que ele se teria cercado de horizontes limitados e, naconcluso, que enquanto um esprito que se tornou livrese poria nomeio do universo, com a crenade que s o individual condenvel, deque tudo se redime e afirma no todo ele no mais diz no...Mas essa

    crena Nietzsche batizou com o nome deDioniso (GD/CI, Incurses

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    de um extemporneo, 49). Contudo, a palavra Dioniso significa maispara Nietzsche, quando na concluso do livro mencionado recua at as

    Dionisias gregas. Nelas encontra o dizer-sim vida acentuado ao ex-tremo, o eterno prazer do vir-a-ser ser ele mesmo, aquele prazer, quetambm encerra em si at oprazer de aniquilar... (GD/CI, O que devoaos antigos, 5) Isto levar a crena dionisaca de Goethe to longequeNietzsche pode escrever aqui que no duvida de que Goethe teriaexcludo fundamentalmente das possibilidades da alma grega oorgistico, a partir do qual cresce a arte dionisaca. Conseqente-mente Goethe no entendeu os gregos (GD/CI, O que devo aos anti-

    gos, 5 e 4).Em comparao com o verdadeiro dionisaco poderamos tam-

    bm dizer, com o extremo da vida ascendente , Goethe perde o lugar,que Nietzsche em geral lhe atribui de bom grado. Goethe no souberanem por um instante respirar na monstruosa paixo e altitude, que,segundo Nietzsche, s o seu Zaratustra atingiu. EmAssim falava Zara-tustra, o conceito de dionisaco se teria tornado a mais alta ao(EH/EH, Assim falava Zaratustra, 6). Entre o fatalismo alegre e con-fiante da crena dionisaca de Goethe (GD/CI, Incurses de umextemporneo, 49) e o dionisismo do Nietzsche tardio pe-se a suaincondicional vontade que diz-sim ainda ao ocaso. Por isso, quando pensanum fortalecimentodo tipo, que poderia ter como conseqncia apurificaodogosto em seu sentido ltimo, Nietzsche encontra emGoethe apenas a mais bela expresso do tipo do homemmltiploede modo algum um olmpico! (Fragmento pstumo 9 [119] do outono

    de 1887)

    Na idia de alm-do-homemdeve realizar-se a boa constituio.Mas, tambm ao descrever o caminho para que se realize, Nietzschecoloca-se contra Nietzsche(14). Por um lado, exige o homem da grandesntese, que rene em si um mximo de experincias contrrias, inclusi-ve as da dcadence; por causa dessa extenso, ele teria o mais alto va-lor, mesmo quando fosse sublimado e frgil. Por outro lado, desenvolve

    o pensamento da formao seletiva do horizonte, separando-se no orga-

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    nismo as partes sadias e as degeneradas; o homem mais poderosodeveria ser bem-sucedido na segregao ou at na eliminao das lti-

    mas. Aquela sublimao e essa radical (negadora e at aniquiladora)robustez todavia se excluem. Na medida em que, em seu ltimo ano deatividade, Nietzsche se declara partidrio da ltima, estreita-se seu n-gulo de viso no que diz respeito utilidade e desvantagem dos fen-menos de dcadence para a vida bem constituda.

    Abstract:Starting from the analysis of the critic which Nietzsche addresses toWagner in his last texts, the author investigates the Nietzschean conception ofdcadence. Examining its artistic, religious, and philosophical aspects, he in-tends to show its close relationship to physiology.Key-words:dcadence art physiology Wagner

    Notas

    (1) 25 [9] de dezembro de 1888/ incio de 1889. Antes do rompimento com Malwidavon Meysenbug, a que leva a carta citada logo no incio, Nietzsche aconselhara-se com a amiga em sua procura de um tradutor doCaso Wagner para o francs. Aesse propsito escrevera-lhe: Decerto, teria de ser um fino e mesmo refinadoestilista, para reproduzir o tom do escrito; e entre parnteses observara: Duran-te todo o vero, eu teria tido a oportunidade de aconselhar-me com outra pessoa,o Senhor Paul Bourget, que morava nas proximidades; mas ele no entende nadain rebus musicis; no fossepor isso,seria o tradutor de que preciso (carta de 04/10/1888).

    (2) Sobre Nietzsches Baudelaire Rezeption, cf. com esse ttulo as consideraes deKarl Pestalozzi (Pestalozzi 9). Cf. tambm a discusso dessa conferncia que aela se segue.

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    (3) WA/CW 7. Discutiu-se com freqncia o fato de Nietzsche aqui ter utilizado emsilncio a formulao de Bourget. Cf. a propsito J. Kamerbeek. (Kamerbeek 2,p. 273 e seguintes). Em 1938, Westernhagen acusou Nietzsche de plgio

    (Westerhagen 10). Montinari chamou ateno para a variante de Nietzsche: (...)no Caso Wagner,o movimento vai do particular para o geral, da palavra para otodo; nos Essais de Bourget, vai do todo e do geral, do livro, para o particular,para a palavra. Devemos falar em plgio como era costume no final do sculo (e,ainda depois, entre wagnerianos pouco inteligentes como Curt von Westernhagen)?Ou incomodar o direito que o gnio tem de pilhar, com a referncia de rigor aGoethe? Montinari reclama, em vez disso, que a problemtica da dcadencedeveria submeter-se, face a Nietzsche, Bourget e outros de seu tempo, conside-rao histrica (Montinari 3, p. 145).

    (4) Aqui se tem de prescindir inclusive da estreita relao (significativa para a pro-blemtica da dcadence) que Nietzsche estabelece entre Wagner e o romantismofrancs tardio. As abalizadas determinaes para a compreenso que Nietzschetem da dcadence artstica precisam apartar-se de suas apreciaes musicais pes-soais. Estas talvez tenham de ser deixadas de lado, por exemplo, quando se lnuma anotao da primavera de 1888 que as melhores peras modernas so as deKselitz, em seguida a Carmem de Bizet e, em terceiro lugar, osMestres Canto-res de Wagner, uma obra-prima do diletantismo (15 [96] da primavera de 1888).

    (5) WA/CW 10; cf. 6; cf. tambm a carta de Nietzsche a C. Fuchs do inverno de

    1884/ 85. Surpreende ler que Wagner seria tributrio de Hegel no que diz respeito idia de infinitude. Westernhagen viu, tambm aqui, a influncia de Bourget naobra. Uma vez que, para este, o que havia de nebuloso no esprito alemo estavarepresentado no hegelianismo, Nietzsche teria combinado Wagner e Hegel e, emtal retrato, teria visto apenas o alemo em Wagner (em comparao com o fran-cs outrora em evidncia) (Westernhagen, p. 513 e seguinte).

    (6) WA/CW 1. Ocasionalmente, Nietzsche vai alm dessa oposio polmica e peem dvida a capacidade da msica em geral para chegar ao grande estilo. O gran-de estilo despreza os belos sentimentos; no quer persuadir. Ele ordena. Pelo

    seu querer, o caos dominado. Tornar-se forma (...): lgico, simples, inequvo-co. Matemtica, tornar-se lei: eis a a grande ambio, com a qual no seagrada, mas se rechaa. Nietzsche pergunta: Por que faltam os ambiciosos dogrande estilo precisamente na msica? Nenhum msico jamais construiu comoaquele construtor que criou o Palazzo Pitti. Faria parte do carter de toda nossamsica ser contra-Renascimento na arte e dcadence enquanto expresso dasociedade (14 [61] da primavera de 1888).

    (7) WA/CW prefcio. A refutao fisiolgica da arte de Wagner no diminui o inte-resse de Nietzsche por ela. O caso Wagner para o filsofo um caso feliz; ele

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    permite um diagnstico da alma moderna em sua contraditoriedade de instin-tos (WA/CW eplogo).

    (8) Cf. a respeito Mller-Lauter 4, p. 72-80.

    (9) WA/CW 4. Nietzsche volta-se contra o mau gosto de tentar subsumir Wagner eSchopenhauer aos doentes de esprito. O que correspondia inteiramente ver-dade era salientar o forte trao de dcadence fisiolgica nesse tipo (14 [122] daprimavera de 1888; cf. tambm 15 [35] do mesmo perodo).

    (10) Cf. a respeito Mller-Lauter 5, p. 205 e seguintes.(11) Como exemplo de que Nietzsche defende um tal reducionismo em sua filosofia

    tardia, estaria uma anotao da primavera de 1888 (14 [155]). L ele recomendao tratamento do remorso pela cura Mitchell (cf. a propsito GM/GM I 6). Ereclama que toda prtica do restabelecimento psquico teria de ser recoloca-

    da sobre uma base fisiolgica: o remorso enquanto tal seria um obstculo convalescena. Fica patente assim o procedimento estreito e dogmtico, deque Nietzsche por fim se tornou obstinado. De acordo com esse texto, a prticapsicolgica e a religiosa levam apenas mudana dos sintomas. Numa outraanotao da primavera de 1888, ele descreve as religies niilistas todas juntascomo histriaspatolgicassistematizadascom uma nomenclatura moral-reli-giosa. O cristianismo vale aqui apenas enquanto sintoma de dcadence fisi-olgica: a crena enquanto uma forma de doena do esprito; o arrepen-dimento, a redeno, a orao tudo neurastnico; o pecado enquanto uma

    idia fixa (14 [13]). Nietzsche cai numa oposio, quando, de um lado, conce-be a histria do niilismo como conseqncia imanente da auto-supresso damoral, do cristianismo e da verdade e, de outro, coloca-os sob uma grosseirarepresentao fisiolgica. Cf. Mller-Lauter 4, p. 106 e seguintes.

    (12) Em todo caso, o Nietzsche da franqueza interpretativa pe-se contra o dofisiologismo limitado. Coloquemos aqui este ltimo frente exposio de Para-alm de Bem e Mal, segundo a qual atrs de um filosofia se esconde uma outra.Cada opinio seria um esconderijo, cada palavra tambm uma mscara (JGB/

    BM 289). Em tal abertura do filosofar, que no se pe de modo algum aberta

    para a popularidade, mas, ao contrrio, exige um verdadeiro rigor de conscin-cia, reside, em minha opinio, a importncia singular do pensamento deNietzsche.

    (13) Cf. a respeito o trabalho do autor, Der Organismus als innerer Kampf DerEinfluss von Wilhelm Roux auf Friedrich Nietzsche in loc. cit., p. 220 e ss.

    (14) Quanto ao que se segue, cf. o livro do autor, Nietzsche. Seine Philosophie derGegenstze und die Gegenstze seiner Philosophie, Berlim, Walter de Gruyter,1971, p. 116-34.

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