NGHD NA VANGUARDA da gastrenterologia · retamente nos ganhos de saúde da população em geral. A...

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Os problemas de saúde ligados ao tubo digestivo são bastante frequentes e um dos principais motivos pelos quais os doentes procuram assistência médica ou optam por uma medicação inconsciente e sem prescrição devida. Estas questões têm sido devidamente observadas pelo Sistema Nacional de Saúde e pelos próprios profissionais de saúde? Existem atualmente as medidas necessárias para promover uma melhor atuação em casos clínicos ligados a esta especialidade? Os problemas estão identificados. Trata-se sobre- tudo de um problema de informação e educação da população. Existirá também, no global, um pequeno défice de gastrenterologistas e sobretu- do uma distribuição muito assimétrica pelo país com enorme carência nos hospitais periféricos - representados pelo NGHD (Núcleo de Gas- trenterologia dos Hospitais Distritais). Muitos estão fora dos hospitais SNS (trabalhando nas grandes unidades privadas de saúde de Lisboa e Porto) e a sua atividade não se repercute tão di- retamente nos ganhos de saúde da população em geral. A flexibilização da gestão hospitalar (hos- pitais SA/EPE) veio fragilizar os hospitais das zonas de baixa densidade populacional (hospitais menos apetecíveis para os jovens especialistas). Há necessidade de voltar a regular os concursos atribuindo as vagas áquelas instituições efetiva- mente mais carenciadas. Num contexto mais grave, o Cancro do Cólon e Reto (CCR) é uma situação cada vez mais preocupante e que afeta membros múltiplos de uma mesma família. Aliás, estima-se que 10% da população adulta possua pelo menos um familiar de primeiro grau afetado pelo CCR, tendo deste modo uma maior predisposição para, no futuro, ter o mesmo problema. De que modo as instituições de saúde em Portugal têm olhado com o devido respeito para esta problemática? E como tem o NGHD tem apoiado esta causa? O enfoque no rastreio do CCR tem sido um dos esteios não só do NGHD como de outras so- ciedades como a SPG e a SPED. Os Cuidados de Saúde Primários vêm desde há alguns anos a fazer o rastreio através de um dos métodos pos- síveis: a pesquisa de sangue oculto nas fezes em utentes assintomáticos entre os 50 e 70 anos. O NGHD tem desenvolvido campanhas de sensi- bilização e através dos hospitais afiliados orienta e trata os doentes e famílias de maior risco. Não quero deixar de referir o rastreio efetuado há uns anos na ARS do Algarve, a 12500 utentes, no qual o Serviço de Gastro do Centro Hospitalar do Algarve teve um papel preponderante. O NGHD surgiu pela urgente necessidade de lutar por mais e melhores condições no âmbito No âmbito da XXX Reunião Anual do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais (NGHD), que se realizará no Évora Hotel a 20 e 21 de novembro, a Revista Pontos de Vista falou com João Baranda, que se irá candidatar a Presidente deste organismo. O objetivo da conversa foi compreender as expectativas e as temáticas que serão abordadas durante o evento, mas não deixámos de querer saber mais sobre os constrangimentos da gastrenterologia no panorama português. NGHD NA VANGUARDA da gastrenterologia 88 da gastrenterologia nos Hospitais Distritais. O que mudou nas instituições de saúde que se mostravam mais frágeis no contexto da gastrenterologia desde a fundação deste núcleo? Através da força agregadora e motivadora que constituiu a criação do NGHD foi possível a dinamização de Serviços de Gastrenterologia nos Hospitais Distritais e o apetrechamen- to dos mesmos com Unidades de Endoscopia Digestiva capazes de oferecer serviços de qua- lidade. Como corolário do desenvolvimento da gastrenterologia nesses hospitais passaram a formar-se especialistas nesses mesmos locais, algo que até então só ocorria nos hospitais cen- trais. Mencionar aqui os médicos desse grupo original onde a ideia germinou: Vasco Trancoso, Castel Branco da Silveira, Carlos Pinho (já não entre nós) e Duarte Costa. Pensando de um modo mais generalizado, qual tem sido o papel do NGHD nestas três décadas de existência? O que mudou nos serviços de saúde e nos tratamentos concedidos aos doentes? Podemos referir a melhoria da qualidade assis- tencial da gastrenterologia nos hospitais mais periféricos, a formação de jovens especialistas, o desenvolvimento de técnicas e, no fundo, a de- mocratização da qualidade assistencial da gas- trenterologia pelo todo nacional. O caráter mais informal da associação e a sua génese regional têm permitido uma interação mais profícua com a Medicina Geral e Familiar, nomeadamente através de reuniões conjuntas. A partilha de informações e conhecimento é um dos objetivos da entidade, que procura, desta forma, uma interligação mais forte entre profissionais da especialidade. Podemos afirmar que esta é uma missão de máxima importância, uma vez que promove a qualidade e uma maior aprendizagem dos médicos? Sem dúvida. O momento alto para essa partilha é a Reunião Anual que já vai na trigésima edição. Trata-se de um evento científico já clássico no panorama gastrenterológico nacional para o qual são submetidos todos os anos um número cres- cente de comunicações científicas oriundas não só dos hospitais afiliados mas por vezes também dos hospitais centrais. A colaboração e intercâm- bio com a associação congénere francesa ANGH (Association Nationale des Hepato-Gastroen- terologues des Hôpitaux Generaux), nomeada- mente para a realização de estudos conjuntos, têm sido também proveitosas. O conselho científico do NGHD procura apoiar e alavancar o desenvolvimento investigativo da área, tendo neste momento diversas publicações ligadas às mais distintas subespecialidades da “A flexibilização da gestão hospitalar (hospitais SA/EPE) veio fragilizar os hospitais das zonas de baixa densidade populacional (hospitais menos apetecíveis para os jovens especialistas). Há necessidade de voltar a regular os concursos atribuindo as vagas àquelas instituições efetivamente mais carenciadas” JOÃO BARANDA SAÚDE EM PORTUGAL

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Os problemas de saúde ligados ao tubo digestivo são bastante frequentes e um dos principais motivos pelos quais os doentes procuram assistência médica ou optam por uma medicação inconsciente e sem prescrição devida. Estas questões têm sido devidamente observadas pelo Sistema Nacional de Saúde e pelos próprios profissionais de saúde? Existem atualmente as medidas necessárias para promover uma melhor atuação em casos clínicos ligados a esta especialidade?Os problemas estão identificados. Trata-se sobre-tudo de um problema de informação e educação da população. Existirá também, no global, um pequeno défice de gastrenterologistas e sobretu-do uma distribuição muito assimétrica pelo país com enorme carência nos hospitais periféricos - representados pelo NGHD (Núcleo de Gas-trenterologia dos Hospitais Distritais). Muitos estão fora dos hospitais SNS (trabalhando nas grandes unidades privadas de saúde de Lisboa e Porto) e a sua atividade não se repercute tão di-retamente nos ganhos de saúde da população em geral. A flexibilização da gestão hospitalar (hos-pitais SA/EPE) veio fragilizar os hospitais das zonas de baixa densidade populacional (hospitais menos apetecíveis para os jovens especialistas). Há necessidade de voltar a regular os concursos atribuindo as vagas áquelas instituições efetiva-mente mais carenciadas.

Num contexto mais grave, o Cancro do Cólon e Reto (CCR) é uma situação cada vez mais preocupante e que afeta membros múltiplos de uma mesma família. Aliás, estima-se que 10% da população adulta possua pelo menos um familiar de primeiro grau afetado pelo CCR, tendo deste modo uma maior predisposição para, no futuro, ter o mesmo problema. De que modo as instituições de saúde em Portugal têm olhado com o devido respeito para esta problemática? E como tem o NGHD tem apoiado esta causa?O enfoque no rastreio do CCR tem sido um dos esteios não só do NGHD como de outras so-ciedades como a SPG e a SPED. Os Cuidados de Saúde Primários vêm desde há alguns anos a fazer o rastreio através de um dos métodos pos-síveis: a pesquisa de sangue oculto nas fezes em utentes assintomáticos entre os 50 e 70 anos. O NGHD tem desenvolvido campanhas de sensi-bilização e através dos hospitais afiliados orienta e trata os doentes e famílias de maior risco. Não quero deixar de referir o rastreio efetuado há uns anos na ARS do Algarve, a 12500 utentes, no qual o Serviço de Gastro do Centro Hospitalar do Algarve teve um papel preponderante.

O NGHD surgiu pela urgente necessidade de lutar por mais e melhores condições no âmbito

No âmbito da XXX Reunião Anual do Núcleo de Gastrenterologia dos Hospitais Distritais (NGHD), que se realizará no Évora Hotel a 20 e 21 de novembro, a Revista Pontos de Vista falou com João Baranda, que se irá candidatar a Presidente deste organismo. O objetivo da conversa foi compreender as expectativas e as temáticas que serão abordadas durante o evento, mas não deixámos de querer saber

mais sobre os constrangimentos da gastrenterologia no panorama português.

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da gastrenterologia nos Hospitais Distritais. O que mudou nas instituições de saúde que se mostravam mais frágeis no contexto da gastrenterologia desde a fundação deste núcleo?

Através da força agregadora e motivadora que constituiu a criação do NGHD foi possível a dinamização de Serviços de Gastrenterologia nos Hospitais Distritais e o apetrechamen-to dos mesmos com Unidades de Endoscopia Digestiva capazes de oferecer serviços de qua-lidade. Como corolário do desenvolvimento da gastrenterologia nesses hospitais passaram a formar-se especialistas nesses mesmos locais, algo que até então só ocorria nos hospitais cen-trais. Mencionar aqui os médicos desse grupo original onde a ideia germinou: Vasco Trancoso, Castel Branco da Silveira, Carlos Pinho (já não entre nós) e Duarte Costa.

Pensando de um modo mais generalizado, qual tem sido o papel do NGHD nestas três décadas de existência? O que mudou nos serviços de saúde e nos tratamentos concedidos aos doentes? Podemos referir a melhoria da qualidade assis-tencial da gastrenterologia nos hospitais mais periféricos, a formação de jovens especialistas, o desenvolvimento de técnicas e, no fundo, a de-mocratização da qualidade assistencial da gas-trenterologia pelo todo nacional. O caráter mais informal da associação e a sua génese regional têm permitido uma interação mais profícua com a Medicina Geral e Familiar, nomeadamente através de reuniões conjuntas.

A partilha de informações e conhecimento é um dos objetivos da entidade, que procura, desta forma, uma interligação mais forte entre profissionais da especialidade. Podemos afirmar que esta é uma missão de máxima importância, uma vez que promove a qualidade e uma maior aprendizagem dos médicos?Sem dúvida. O momento alto para essa partilha é a Reunião Anual que já vai na trigésima edição. Trata-se de um evento científico já clássico no panorama gastrenterológico nacional para o qual são submetidos todos os anos um número cres-cente de comunicações científicas oriundas não só dos hospitais afiliados mas por vezes também dos hospitais centrais. A colaboração e intercâm-bio com a associação congénere francesa ANGH (Association Nationale des Hepato-Gastroen-terologues des Hôpitaux Generaux), nomeada-mente para a realização de estudos conjuntos, têm sido também proveitosas.

O conselho científico do NGHD procura apoiar e alavancar o desenvolvimento investigativo da área, tendo neste momento diversas publicações ligadas às mais distintas subespecialidades da

“A flexibilização da gestão hospitalar (hospitais SA/EPE) veio fragilizar os hospitais das zonas de baixa densidade populacional (hospitais menos apetecíveis para os jovens especialistas). Há necessidade de voltar a regular os concursos atribuindo as vagas àquelas instituições efetivamente mais carenciadas”

JOÃO BARANDA

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gastrenterologia. De que forma têm alterado o paradigma desta área médica, de forma a apoiar não apenas o serviço de saúde, mas os próprios doentes?

Foram publicados até ao momento sete livros ver-sando as mais variadas áreas, desde as hepatites, doença de refluxo, até aos cuidados paliativos. Há a preocupação de interagir muito com a Medicina Geral e Familiar o que é favorecido por uma maior proximidade. Essa maior interligação favorece em última análise o doente.

O NGHD marca a sua presença junto dos profissionais de saúde, mas não descura a sua missão para com os doentes. Deste modo, partilha regularmente informações com a sociedade em geral, apresentando casos clínicos concretos e explicações sobre as distintas doenças ligadas ao aparelho digestivo. Esta postura da instituição tem sido uma forte mais-valia para a população no âmbito da prevenção e, numa fase mais avançada, da procura adequada de ajuda?De facto, estão disponíveis na página do NGHD 19 brochuras informativas elaboradas em lingua-gem pouco técnica e acessível à maioria da popu-lação relativas a áreas tão diferentes como a hepa-tite C, hemorroidas, divertículos do cólon e úlcera gastroduodenal.

A XXX Reunião Anual NGHD realiza-se nos próximos dias 20 e 21 de novembro e pretende abordar a “Gastrenterologia para um Futuro Sustentável”. Quais são as expectativas para este evento? De que modo influenciará o futuro da especialidade?As expectativas são as melhores. Todos os anos temos vindo a assistir a um número crescente de trabalhos enviados obrigando a organização e a

direção do NGHD à seleção dos melhores casos. Anualmente o reavivar de conhecimentos e a dis-cussão das “novidades” científicas trazidas amiúde pelos mais novos (internos da especialidade) traz--nos fundadas esperanças na manutenção ou mes-mo melhoria dos cuidados assistenciais.

O evento contará com um programa complexo e abrangente, com oradores especializados e integrados na área. O que podemos esperar destes dois dias dedicados à gastrenterologia?Para além da discussão dos temas incontornáveis como o rastreio do CCR e a Doença Inflamatória do Intestino a reunião tem o mérito de dedicar algum espaço a doenças raras.

No mesmo mês realiza-se também o Curso Anual de Gastrenterologia e de Endoscopia Digestiva para Enfermeiros. Qual é a importância desta formação? Que benefícios trará ao dia-a-dia dos serviços de saúde?Os Serviços de Gastrenterologia e as Unidades de Endoscopia em particular são sede de um trabalho de equipa em que a colaboração entre médicos e enfermeiros é crucial. A existência de enfermei-ros motivados, treinados e atualizados redunda em benefício para os doentes e este curso parece-nos alcançar esses objetivos. É pretensão do NGHD aliciar para o seu seio estes profissionais.

Acredita que estes eventos, promovidos e orga-nizados pelo NGHD e com o intuito de melhor qualificar a gastrenterologia, mudam mentalida-des e trazem vantagens concretas para os profis-sionais e doentes? Sem dúvida que sim. Aliada à qualidade científica das reuniões assiste-se, por regra, a uma interessante discussão dos temas e partilha de experiências o que é benéfico para os

profissionais e consequentemente também para o doente.

Vai candidatar-se à presidência do NGHD, tendo a importante missão de continuar o bom trabalho dos seus antecessores e de criar uma medicina cada vez mais inovadora e benéfica para todos os intervenientes. Que planos programáticos tem já delineados?Aproveitar a dispersão pelo todo nacional dos hospitais afiliados no NGHD para promover a realização de estudos multicêntricos; manter e potenciar a colaboração com a ANGH nomeada-mente na área de estudos conjuntos; consolidar o perfil da Reunião Anual nestes moldes com a re-alização prévia do Curso Anual para enfermeiros.

Enquanto especialista, como prevê o futuro da gastrenterologia? De que modo o NGHD influenciará esses tempos vindouros?A subespecialização tenderá a manter-se mas nos centros mais pequenos (com menos médicos) será importante a existência de gastrenterologistas com uma vocação polivalente que saibam dar resposta à maioria dos casos não complexos das diferen-tes áreas da gastrenterologia. O papel do NGHD deverá continuar a ser o de pugnar por cuidados gastrenterológicos de qualidade em todo o país alertando para alguns desequilíbrios.

Numa última análise, que conselho dará aos leitores de forma a prevenir casos graves de saúde no sistema digestivo?Estilo de vida saudável incluindo o exercício físico e uma dieta equilibrada, evitando o excesso de peso (não esquecer a sopa!). Ingestão regrada de bebidas alcoólicas e evicção do tabaco. Não esquecer as visi-tas regulares ao seu médico de família.

“A subespecialização tenderá a manter-se mas nos centros mais pequenos (com menos médicos) será importante a existência de gastrenterologistas com uma vocação polivalente que saibam dar resposta à maioria dos casos não complexos das diferentes áreas da gastrenterologia. O papel do NGHD deverá continuar a ser o de pugnar por cuidados gastrenterológicos de qualidade em todo o país alertando para alguns desequilíbrios”