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NEWSLETTER #12 outubro de 2019 Sumário 1. Introdução 2. Circular n.º 4/2019, de 08-10-2019, e Instrução de Serviço n.º 20005/2019, de 09-10-2019 – Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais 3. Acórdão STA, de 11-09-2019, processo n.º 0203/17.9 BEVIS – Obras em moradia dos sócios suportadas pela empresa 4. Informações Vinculativas – Dedutibilidade em sede de IRC de gastos incorridos em benefício de trabalhadores a. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 3224 (PIV 16152) – Dedutibilidade de gastos relativos a despesas de saúde com pessoal b. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 2006 (PIV 15662) – Enquadramento fiscal de gastos com ginásios c. Ficha doutrinária – Processo n.º 2017 3139 (PIV n.º 12659) – Realizações de Utilidade Social – Seguro de Saúde d. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 001289 (PIV n.º 15354) – Atribuição de "vales infância" ao sócio gerente não remunerado

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NEWSLETTER #12 outubro de 2019

Sumário

1. Introdução

2. Circular n.º 4/2019, de 08-10-2019, e Instrução de Serviço n.º 20005/2019, de 09-10-2019 –

Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais

3. Acórdão STA, de 11-09-2019, processo n.º 0203/17.9 BEVIS – Obras em moradia dos sócios suportadas pela empresa

4. Informações Vinculativas – Dedutibilidade em sede de IRC de gastos incorridos em benefício de

trabalhadores

a. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 3224 (PIV 16152) – Dedutibilidade de gastos relativos

a despesas de saúde com pessoal b. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 2006 (PIV 15662) – Enquadramento fiscal de gastos

com ginásios

c. Ficha doutrinária – Processo n.º 2017 3139 (PIV n.º 12659) – Realizações de Utilidade Social

– Seguro de Saúde d. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 001289 (PIV n.º 15354) – Atribuição de "vales infância"

ao sócio gerente não remunerado

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1. Introdução

Tendo em conta que na newsletter anterior (n.º 11 / setembro) foi abordado o tema dos Residentes

Não Habituais (RNH), inicia-se a presente com a Circular e Instrução de Serviço referenciadas no ponto 2 do sumário, publicadas nos passados dias 9 e 10 de outubro (posteriormente à publicação da

newsletter de setembro), relacionadas com o reconhecimento do exercício de atividades de elevado

valor acrescentado, para efeitos de aplicação do respetivo regime.

Os pontos seguintes têm um elemento comum, pretendendo-se, a partir da jurisprudência e doutrina analisadas, refletir sobre o adequado tratamento fiscal de alguns tipos de vantagens acessórias (fringe

benefits) concedidas pelas empresas a sócios e/ou colaboradores, tema que se encontra numa zona

de interseção entre o IRC e o IRS (ou, por outras palavras, numa zona de interseção entre a esfera empresarial e a esfera pessoal) e que, de acordo com a nossa experiência, possui uma grande

aplicabilidade prática, constituindo, por vezes, o foco da Inspeção Tributária, logo, uma fonte de

litigância entre a AT e os contribuintes.

Exemplo disso mesmo, entre muitos outros, é o acórdão do STA proferido no passado mês de setembro, incluído no ponto 3, o qual, embora tenha subjacente uma situação antiga, numa altura em

que a lei vigente era diferente da atual (especialmente em sede de IRS), permite retirar ilações quanto

ao tratamento jurídico-tributário a dar às referidas vantagens proporcionadas pelas empresas aos

respetivos sócios.

Destaca-se a utilização, na fundamentação do acórdão, das expressões “lucros informais” e “lucros formais”, para distinguir o tipo de vantagem que estava em causa no processo judicial em apreço

(obras em moradia dos sócios suportadas pela empresa) da distribuição de lucros propriamente dita.

Por outro lado, no passado dia 10 de outubro, foram publicadas três Informações Vinculativas (referenciadas nos pontos 4.1, 4.2 e 4.4), oriundas da Direção de Serviços de IRC, nas quais se procede

ao enquadramento, em sede deste imposto (e de IRS), de alguns tipos de vantagens proporcionadas

pelas empresas a sócios, administradores e colaboradores, aferindo-se aí sobre a sua dedutibilidade fiscal em sede de IRC, bem como, inevitavelmente, sobre o modo de tributação em IRS.

2. Circular n.º 4/2019, de 08-10-2019, e Instrução de Serviço n.º 20005/2019, de 09-10-2019 – Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais

Tal como referido na introdução, a doutrina administrativa em apreço está relacionada com o reconhecimento, por parte da AT, do exercício de atividades de elevado valor acrescentado

(Categorias A e B), sendo que, até aqui, estava instituído um procedimento de reconhecimento prévio

que corria em simultâneo com o pedido de inscrição como RNH.

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Sucede que, segundo a circular da AT, o referido procedimento de reconhecimento prévio tem vindo a revelar-se excessivamente moroso, sem que obvie a necessidade de controlo a posteriori da

manutenção da verificação dos pressupostos subjacentes àquele reconhecimento (o que se compreende dado o regime ser aplicável durante dez anos).

Por outro lado, refere-se na Circular (e bem, a nosso ver), que as normas constantes Código do IRS (n.º 10, artigo 72.º e n.º 5, artigo 81.º), consubstanciam benefícios fiscais de caráter automático (pois os seus efeitos resultam direta e imediatamente da lei pela simples verificação dos respetivos

pressupostos), não estando a sua aplicação dependente de qualquer ato de reconhecimento por parte

da AT.

Assim, deve entender-se que com o ato de inscrição como residente não habitual o contribuinte adquire o direito a ser tributado nos termos do respetivo regime fiscal, nomeadamente do regime

aplicável a rendimentos das Categorias A e B decorrentes do exercício de atividades/profissões de

elevado valor acrescentado constantes das Portarias (1).

Consequentemente, caso o contribuinte, em algum dos dez anos de direito ao regime, aufira rendimentos da Categoria A e/ou B de atividades que estejam elencadas nas Portarias, adquire o

direito a ser tributado de acordo com o regime especial no momento da verificação dos respetivos

pressupostos legais, devendo a observância dos mesmos manter-se para efeitos de manutenção do

regime.

Deste modo, para exercer o direito ao regime fiscal, basta que o contribuinte proceda à sua invocação na declaração anual de rendimentos (mediante a inscrição do adequado código de atividade de

elevado valor acrescentado no anexo L da declaração modelo 3), sem necessidade da obtenção de reconhecimento prévio por parte da AT do exercício da atividade invocada.

A verificação dos factos/pressupostos ocorre através das provas a apresentar pelos contribuintes, em fase posterior à entrega da declaração de rendimentos, e não mediante o averbamento do respetivo

código na aplicação do cadastro (Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes - SGRC), tal como ocorreu até ao presente momento.

Na parte final da Circular em apreço (ponto 7) são elencados os documentos idóneos para efeitos de comprovação do exercício de atividades de elevado valor acrescentado previstas na Portaria n.º

12/2010, destacando-se, entre outros, o contrato de trabalho ou de prestação de serviços (que identifique objetivamente as funções exercidas), bem como o documento comprovativo de inscrição

em ordem profissional (se for caso disso).

(1) Portaria n.º 12/2010, de 07/01, e Portaria n.º 230/2019, de 23-07, sendo esta aplicável a partir de 01-01-2020, conforme explicado mais detalhadamente no ponto 3 na newsletter n.º 11 (setembro).

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Refere-se na Circular que, no caso de “Quadro Superior de Empresa” (ponto 7 da Circular n.º 2/2010, de 06-05), é necessário o documento comprovativo do exercício do cargo de direção (por exemplo,

contrato de trabalho) e procuração onde conste que o requerente possui poderes de vinculação da pessoa coletiva (2), bastando, para o efeito, esclarece-se, uma procuração com poderes conjuntos.

Alude-se, também, aos meios de prova a apresentar no caso de “Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo” e de “sócios e gerentes”, bem como no caso de “atividades independentes”, mencionando-se, neste caso:

“(…) a declaração de início de atividade com indicação de um código CIRS ou CAE compatível com código da Tabela de atividades EVA, bem como o descritivo de faturas emitidas, acompanhados de

documento comprovativo de inscrição em Ordem Profissional, no caso de a atividade exercida carecer dessa inscrição”.

Na última alínea do ponto 9 da circular, refere-se, como, aliás, não poderia deixar de ser, a possibilidade de serem apresentados “Outros documentos idóneos que comprovem o exercício efetivo

da atividade invocada”.

Quanto à comprovação do exercício das atividades elevado valor acrescentado previstas na nova Portaria n.º 230/2019, de 23-07 (em vigor a partir de 01-01-2020), afirma-se, no último ponto da

circular, que os elementos de prova relevantes serão oportunamente divulgados em instruções

especificamente relacionadas com a aplicação daquela portaria.

No que se refere às instruções a publicar, cumpre constatar que a AT está agora, em 2019, a divulgar o seu entendimento quanto aos meios de prova a apresentar relativamente ao exercício das atividades

previstas numa Portaria datada de 2010, ou seja, nove anos depois, adiando a sua pronúncia relativamente à nova lista constante da Portaria n.º 230/2019.

Sendo certo que o entendimento vertido na Circular agora publicada permite retirar ilações quanto aos meios de prova adequados para comprovar o exercício das atividades constantes da nova tabela,

a verdade é que as alterações desta tabela, face à anterior, são de tal monta que se impõe a publicação de instruções específicas com a brevidade necessária.

Finalmente, quanto à Instrução de Serviço n.º 20005/2019, tendo em conta que o entendimento expresso na Circular é de aplicação imediata, limita-se a retirar da Circular as conclusões pertinentes

para efeitos de implementação pelos serviços da AT do novo entendimento, nomeadamente, dando instruções sobre como proceder relativamente a situações que se encontrem pendentes.

(2) A propósito das dúvidas suscitadas por esta interpretação (que exige a posse de poderes de vinculação da

pessoa coletiva), referiu-se na newsletter anterior, a título de exemplo, a decisão arbitral do CAAD, no processo n.º 514/2015-T, de 17-08-2016.

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Quanto a estas, refere-se na Instrução de Serviço, em síntese, o seguinte:

a) Pedidos de reconhecimento pendentes nos Serviços Centrais da AT ® Devem ser objeto de

arquivamento por inutilidade superveniente, independentemente do ano a que respeitem.

b) Procedimentos de divergências da modelo 3 pendentes ® Devem ser apreciados e concluídos,

uma vez que o novo entendimento não prejudica que o contribuinte deva estar munido dos

elementos comprovativos do efetivo exercício da atividade e dos demais pressupostos legais do direito invocado.

c) Processos de contencioso pendentes (designadamente recursos hierárquicos interpostos pelos contribuintes na sequência do indeferimento de pedidos de reconhecimento do exercício de

atividade) ® Devem ser apreciados e decididos (tal como referido na alínea anterior).

3. Acórdão STA, de 11-09-2019, processo n.º 0203/17.9 BEVIS – Obras em moradia dos sócios

suportadas pela empresa

Objeto do litígio

Na génese do litígio encontra-se a qualificação, por parte da AT, como rendimentos de capitais, à luz da noção geral enunciada no n.º 1 do art.º 5.º do Código do IRS, (tributados, à data dos factos, por

englobamento obrigatório), na esfera dos Impugnantes (cônjuges), do valor de 151.375,45 EUR,

resultante de obras realizadas na sua moradia e pagas ao empreiteiro pela Sociedade D…, SA (em nome de quem foram emitidas as faturas), da qual os Impugnantes eram sócios e administradores,

resultando numa liquidação de IRS referente ao ano de 2013 e respetivos juros compensatórios, cuja

impugnação, em 1.ª instância, havia sido declarada totalmente improcedente.

Posição da AT

De acordo com o extrato do relatório da Inspeção Tributária, não constava da escrita da D…, SA, qualquer registo de faturação desta obra aos administradores, nem tão pouco nenhuma conta

corrente que evidenciasse qualquer débito dos administradores a esta sociedade.

Sabendo-se que D…, SA, pagou uma dívida que era encargo dos sujeitos passivos (obra de

remodelação da moradia), estaríamos na presença de uma vantagem económica, de valor equivalente

aos referidos encargos, que beneficiava os referidos sócios/administradores, qualificando a mesma como rendimento da categoria E (rendimentos de capitais) à luz da cláusula geral contida no n.º 1 do

art.º 5.º do Código do IRS.

Nessa medida, como à data dos factos o art.º 71.º do Código do IRS remetia a tributação por via de

retenção na fonte à taxa liberatória de 28% para, nomeadamente, alguns dos rendimentos

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especificados no n.º 2 do art.º 5.º e já não para o seu n.º 1, aquele rendimento seria objeto de

tributação por via de englobamento e, consequentemente, tributado na esfera dos Impugnantes às

taxas gerais do art.º 68.º do Código do IRS, bastante mais gravosas no caso em apreço.

Posição dos Impugnantes (Recorrentes)

À luz do que nos é dado a ver na decisão em apreciação, os Impugnantes não contestaram a qualificação daquela vantagem económica como rendimento de capitais.

No entanto, defendiam que a mesma devia ser qualificada como lucros ou adiantamento por conta

de lucros nos termos da alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º do respetivo Código e, como tal, por via do art.º

71.º, n.º 1, alínea c) (na redação anterior à republicação do CIRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31-12), tributados através de retenção na fonte à taxa (liberatória) de 28%, com recurso ao mecanismo da

substituição tributária, invocando, assim, a consequente anulação da liquidação de IRS.

Alicerçavam, em síntese, a sua posição no facto de a noção de lucros do art.º 5.º, n.º 2, alínea h) do

Código do IRS não se esgotar no tipo formal (lucros distribuídos segundo as regras formais do Código

das Sociedades Comerciais), mas estende-se ao tipo funcional – distribuição informal aos sócios de qualquer valor residual gerado pela empresa (coberto ou não por um modelo jurídico típico).

Decisão

Suportando a sua argumentação, em grande medida, na sentença recorrida (proferida pelo TAF de

Viseu), o STA defendeu que é incontrovertido que a factualidade se subsumia à previsão legal

constante do n.º 1 do art.º 5.º do CIRS, constituindo aquela vantagem patrimonial rendimento de capitais sujeito a IRS (“lucros informais”), considerando não ter ficado demonstrado que constitua

distribuição de dividendos (“lucros formais”) dado não existir qualquer distribuição de lucros, mesmo

antecipada ou informal, atenta a ausência de deliberação nesse sentido ou escrituração contabilística

que o revele.

Acrescenta, ainda, aquele Tribunal que estamos na presença de fluxos monetários da sociedade D…, SA para a empresa que efetuou as obras no imóvel dos Impugnantes, suportados na faturação das

mesmas, “(…) não se podendo afirmar que foi por conta de distribuição antecipada de lucros de uma

forma informal pois que nada nos autos revela essa decisão societária nem sequer se apurou a

existência de lucro no exercício em causa (…)”.

Notas e comentários

A questão em apreço retrata uma situação de interseção da esfera patrimonial da sociedade com a esfera patrimonial dos seus sócios, assumindo a sociedade despesas em benefício direto destes, ao

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pagar as respetivas faturas, não existido propriamente um fluxo financeiro da sociedade para o sócio,

mas daquela para um terceiro (no caso o empreiteiro).

Antes de mais devemos destacar o facto de anteriormente à publicação da Lei n.º 30-G/2000, de 29-

12, a regra de incidência desta categoria centrava-se na enumeração do que se considerava rendimentos de capitais, não incluindo qualquer noção geral.

Posteriormente, o Código do IRS apresenta-nos uma cláusula geral, mais abrangente (art.º 5º, n.º 1), e uma enumeração exemplificativa de alguns rendimentos que se consideram como sendo de capitais

(art.º 5º, n.º 2).

Assim, consideram-se rendimentos de capitais, nos termos no art.º 5º, n.º 1, os frutos e demais

vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações

jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com

exceção de ganhos e outros rendimentos que sejam tributados noutras categorias de rendimentos.

No entanto, desde a ocorrência dos factos subjacentes à decisão em análise, constatamos uma

alteração ao art.º 71.º do Código do IRS promovida pela Lei da Reforma do IRS (Lei n.º 82-E/2014, de 31-12).

Na sequência daquela alteração legislativa, o art.º 71.º, n.º 1, que determina a retenção na fonte a uma taxa liberatória de 28%, remete, na alínea a), para a generalidade dos rendimentos de capitais

obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades

que aqui tenham sede e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, pelo que, pelo menos a este nível, seria, atualmente, indiferente a qualificação do rendimento em causa como “lucro

formal” ou “lucro informal”. Não obstante, à luz daquela decisão, seria sempre lucro e, como tal,

rendimento de capitais, algo que importa realçar.

Esta distinção já não será indiferente se equacionarmos a aplicação do mecanismo de eliminação da

dupla tributação económica, consignado no art.º 40.º-A do Código do IRS (que, na prática, é um mecanismo de mera atenuação – tributação em 50%), o qual, a nosso ver, apenas seria de aplicar aos

“lucros formais” conforme definidos por aquele acórdão.

Por outro lado, não podemos ignorar a natureza do rendimento em causa, tratando-se, em nosso

entendimento, de um rendimento em espécie, sendo que a tributação deste tipo de rendimentos, por

via de retenção na fonte, não se mostra muito prática (3), especialmente num cenário, como sucede

(3) Razão pela qual ocorreu a alteração ao Código do IRS, introduzida pela Lei da Reforma do IRS, que conduziu

a estarem, agora, dispensados de retenção na fonte (com natureza de pagamento por conta) todos os rendimentos da Categoria A obtidos em espécie (artigo 99.º, n.º 1, al. a) do Código do IRS). Note-se, todavia, que a dispensa

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no caso em apreço, em que o beneficiário do fluxo financeiro é pessoa distinta daquele onde se

materializa o benefício económico e a consequente tributação.

Acresce, ainda, que não vimos explorada a possibilidade de, sendo os Impugnantes, para além de

sócios, administradores, a referida vantagem económica ser suscetível de ser tributada como rendimento de trabalho dependente (remunerações acessórias), uma vez que nelas se compreendem

os benefícios e regalias que sejam devidos à prestação de trabalho ou em conexão com a mesma.

Aliás, refere-se no art.º 5.º, n.º 1, do Código do IRS, conferindo, de certa forma, à noção de rendimento

de capitais um carater residual, que a sua qualificação como tal está excecionada no caso “(…) de

ganhos e outros rendimentos que sejam tributados noutras categorias de rendimentos”.

Entendemos, no entanto, salvo melhor opinião, que o rendimento em causa está mais próximo da sua fruição enquanto sócio, do que propriamente como administrador, em função do poder de decisão e

natureza das funções inerentes a cada estatuto (abordar o tema nesta perspetiva já seria inevitável se

a vantagem económica se materializasse na esfera de um gerente ou administrador que não fosse

sócio).

Uma nota para o facto de, tal como descrito no Relatório de Inspeção, não existir qualquer registo de faturação desta obra aos administradores, nem tão pouco nenhuma conta corrente que evidencie

qualquer débito dos administradores a esta sociedade.

Esta observação estava certamente relacionada com a faculdade do recurso à presunção legal prevista

no n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS (que a Inspeção Tributária pretendia afastar, para fazer valer a

sua tese de englobamento), de acordo com a qual, os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando

não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se

feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros

Efetivamente, a presunção de adiantamentos por conta dos lucros só poderia operar se existissem

lançamentos em conta-corrente dos Impugnantes, escriturados na sociedade, pois só estes se presumem (4), ainda que estivéssemos na presença de cheques emitidos a favor do sócio gerente, por

clientes da sociedade, relacionados com aquisições efetuadas à mesma.

de retenção na fonte não é aplicável nas situações em que são aplicáveis retenções na fonte a título definitivo,

nomeadamente no caso de lucros distribuídos em espécie.

(4) Entre outros: Acórdão do TCA Sul, proferido em 31-03-2016, processo n.º 6368/13; Acórdão do TCA Norte, de 27-11-2014, processo n.º 279/09.2; Acórdão do TCA Sul, de 08-02-2018, processo n.º 6934/13.

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A este propósito destacamos um excerto da decisão do TCA Sul que, julgamos nós, se pode intersetar

com a decisão aqui em análise.

Refere-se naquele aresto, numa circunstância em que, apesar de demonstrado que tinha sido o sócio

a receber importâncias relacionadas com vendas da sociedade, o seguinte:

“No caso, não tendo a AT provado a base dessa presunção não pode, então, a mesma fundar a liquidação na presunção que dela resultava, que assim é ilegal, por inexistência de facto tributário. E

isto é assim, sem que para aqui importe apurar se os ditos depósitos para os sócios em causa se

poderiam subsumir em outra norma de incidência ou se existiria outra factualidade relevante que de

forma diversa permitisse qualificar tais entregas de valores, questões que se encontram fora do âmbito do conhecimento do presente recurso e mesmo do objeto da impugnação judicial, já que não fazem

parte do concreto ato de liquidação de IRS impugnado.”

Como se constata, o tema em questão deve sempre se aferido de forma casuística, tendo em conta a

particularidade de cada caso, podendo, no entanto, adiantar-se alguns cenários possíveis.

i. Na ausência do pressuposto para o recurso à presunção de atribuição de lucros, num cenário

de pagamento de despesas pela sociedade em benefício do sócio, vimos que o STA se posicionou na qualificação como rendimento de capital a título de “lucro informal”.

ii. Não obstante, ainda na ausência daquela presunção, num cenário em que o fluxo financeiro

reverte a favor do sócio, por exemplo, na sequência de pagamentos de compras à sociedade

depositados diretamente na conta do sócio (nomeadamente num contexto de omissão de

proveitos), julgamos que a mesma conclusão é suscetível de ser retirada (adiantamento/atribuição de lucros efetivos e não presumidos, embora informais), sem

prejuízo, como se compreende, de incumbir ao sócio o ónus de demonstrar que os montantes

em causa, indiscutivelmente depositados na sua conta e por si recebidos, o foram a qualquer

outro título (5).

(5) Sobre a consideração de lucro presumido versus lucro efetivo, ver o acórdão do STA, processo n.º 0769/13,

de 13.-11-2013. No mesmo refere-se que: “Ora, pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, como antes

se explicitou, e dele se tendo apropriado o ora recorrido – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe

ser imputado como um seu rendimento, obtido em cada um destes exercícios, subsumível na alínea h) do art.º 6.º

(atual al. h) n.º 2 art.º 5.º) do CIRS, como rendimento da categoria E, como adiantamento por conta de lucros.”.

Note-se, ainda assim, que, neste caso, o STA qualificou o rendimento como adiantamento por conta de lucros e não, genericamente, como rendimento de capital subsumível na cláusula geral, posição esta que, transpondo para

o caso subjacente ao acórdão do STA em análise, equivaleria a dar razão à Recorrente/Impugnante e não à AT,

como sucedeu. Na verdade, caso os rendimentos tivessem sido qualificados pelo STA como lucros distribuídos (no caso em análise), aplicar-se-ia uma retenção na fonte a título definitivo, logo, o imposto teria que ser exigido,

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iii. Errado será lançar mão da presunção legal, consagrada no n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS,

sem que se verifique o estrito cumprimento dos seus pressupostos, ou seja, o lançamento

contabilístico a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escriturados nas respetivas sociedades (6).

iv. Não obstante, atente-se que as presunções constituem as ilações que a lei ou o julgador tira de

um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Em nossa opinião, no caso de ficar demonstrado que houve um efetivo ingresso na esfera patrimonial do sócio, em circunstâncias

como as analisadas, ainda que o lançamento contabilístico exista (facto conhecido) não existe

propriamente um facto desconhecido que justifique o recurso à presunção, sendo suscetível a

qualificação do rendimento à luz do próprio art.º 5.º.

Na verdade, na vida real, tal como referido anteriormente, estão normalmente em causa pagamentos de faturas emitidas em nome da sociedade mas em benefício direto dos sócios (como sucedeu no caso

em análise), ou recebimentos pelos sócios de dinheiro proveniente de vendas omitidas pela sociedade

ou, ainda, recebimentos pelos sócios de dinheiro proveniente de vendas contabilizadas pela sociedade

(gerando, neste caso, saldos devedores de clientes fictícios), situações estas, por norma, todas elas, não devidamente contabilizadas e, como tal, apenas detetáveis no âmbito de uma auditoria tributária

(realizada pela Inspeção Tributária ou por auditores privados).

E, nestes casos, como já afirmado anteriormente, não haverá que lançar mão da presunção prevista

no n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS, dado tratar-se de “lucros informais distribuídos” que configuram

vantagens económicas na aceção do n.º 1 do art.º 5.º do Código do IRS, sendo que, atualmente, do ponto de vista substancial, contrariamente ao que sucedeu no caso em análise (fruto de alterações

legislativas posteriores), será indiferente saber se se trata de lucros distribuídos, ou não (ressalvada a

particularidade da eliminação/atenuação da dupla tributação económica), dado tratar-se, em

qualquer dos casos, de rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte a título definitivo.

em primeira linha, à sociedade e não ao sócio, padecendo as liquidações desta ilegalidade, para além de que não existiria englobamento, o que constituiria mais uma ilegalidade.

(6) Sobre este assunto ver o acórdão do TCA Sul, de 30-09-2019, processo n.º 2314/07, o qual tem subjacente

uma ação inspetiva na qual se verificou que, no exercício de 2003, os adquirentes de diversas frações de prédios procederam à emissão de cheques, em nome do sócio gerente da empresa que os alineou. Conclui-se neste

aresto: “No caso, não tendo a AT provado a base dessa presunção não pode, então, a mesma fundar a liquidação

na presunção que dela resultava, que assim é ilegal, por inexistência de facto tributário. E isto é assim, sem que

para aqui importe apurar se os ditos depósitos para os sócios em causa se poderiam subsumir em outra norma

de incidência ou se existiria outra factualidade relevante que de forma diversa permitisse qualificar tais entregas

de valores, questões que se encontram fora do âmbito do conhecimento do presente recurso e mesmo do objecto

da impugnação judicial, já que não fazem parte do concreto acto de liquidação de IRS impugnado.”.

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4. Informações vinculativas

a. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 3224 (PIV 16152) – Dedutibilidade de gastos relativos a

despesas de saúde com pessoal

A entidade requerente solicitava informação vinculativa sobre a aceitação fiscal de gastos relativos ao pagamento de uma futura operação cirúrgica e exames médicos de um empregado, que se dispunha

a suportar na totalidade.

b. Ficha doutrinária – Processo n.º 2019 002006 (PIV 15662) – Enquadramento fiscal de gastos com ginásios

No caso em apreço, estava em causa uma empresa que, não podendo proceder à gestão direta de infraestruturas/equipamentos sociais e desportivos para os seus colaboradores, pretendia

proporcionar-lhes a possibilidade de frequentarem ginásios, cujo gasto seria diretamente suportado pela mesma, a titulo de reembolso das despesas, ou, em alternativa, celebrar um acordo com um ou

vários ginásios que permita a frequência das suas instalações mediante a apresentação do cartão da

empresa.

c. Ficha doutrinária 2017 3139, (PIV n.º 12659) – Realizações de Utilidade Social – Seguro de Saúde

A questão em apreço prende-se com o enquadramento fiscal de um seguro de saúde a atribuir aos colaboradores da empresa, num contexto em que seria atribuída aos gerentes e diretores uma apólice

de maior cobertura e maior capital e, aos colaboradores que estivessem no quadro há mais de um ano, seria atribuída uma apólice de menor cobertura e de menor capital.

d. Ficha doutrinária 2019 001289, (PIV n.º 15354) – Atribuição de "vales infância" ao sócio gerente não remunerado

O presente caso prende-se com a dedutibilidade fiscal, ao abrigo do art.º 43.º do CIRC, dos “vales infância” previstos no Decreto-Lei n.º 26/99, de 28 de janeiro, que uma entidade pretendia atribuir

aos seus sócios, marido e mulher, não remunerados pela empresa, sociedade esta que não tinha

colaboradores, tendo-se verificado que apenas um dos sócios se encontrava designado como gerente.

Enquadramento legal

Na continuidade do tema subjacente ao acórdão supra analisado, o elemento comum a todas as fichas doutrinárias supra elencadas, que justifica o seu agrupamento nesta análise, assenta em despesas

suportadas pela empresa em benefício dos seus colaboradores.

O enquadramento legal das questões suscitadas passa pela análise dos seguintes articulados:

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i. Ao nível do Código do IRC

Art.º 23.º Gastos e Perdas

N.º 1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

N.º 2, d) - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas: De natureza administrativa, tais como remunerações, incluindo as atribuídas a título de participação nos lucros, ajudas de custo, material de consumo corrente, transportes e comunicações, rendas, contencioso, seguros, incluindo os de vida, doença ou saúde, e operações do ramo 'Vida', contribuições para fundos de poupança-reforma, contribuições para fundos de pensões e para quaisquer regimes complementares da segurança social, bem como gastos com benefícios de cessação de emprego e outros benefícios pós-emprego ou a longo prazo dos empregados

Art.º 43.º Realizações de utilidade social

N.º 1 - São também dedutíveis os gastos do período de tributação (…) relativos à manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respectivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

N.º 2, b) - São igualmente considerados gastos do período de tributação, até ao limite de 15 % das despesas com o pessoal contabilizadas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao período de tributação, os suportados com: Contratos de seguros de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, de doença ou saúde, (…) a favor dos trabalhadores da empresa;

N.º 4, a) - Aplica-se o disposto nos n.ºs 2 (…) desde que (…) os benefícios devem ser estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para as classes profissionais onde os trabalhadores se inserem;

N.º 4, b) - Os benefícios devem ser estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;

ii. Ao nível do Código do IRS

Art.º 2.º Rendimentos da Categoria A

N.º 3, b) - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente (…)

iii. Ao nível do Decreto Lei n.º 26/99, de 28/01 (vales sociais)

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Art.º 10.º n.º 1 - Os encargos previstos no artigo 2.º suportados pelas entidades empregadoras são considerados custos ou perdas de exercício nos termos do n.º 9 do artigo 43.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Notas Finais

Em todas as fichas doutrinárias elencadas era questionado se os gastos em causa, suportados pelas empresas, eram suscetíveis de serem aceites fiscalmente, para efeitos de apuramento do lucro

tributável em IRC.

Como veremos, somos confrontados com uma resposta comum a todas elas, isto é, os gastos em causa

seriam aceites para efeitos de IRC, no pressuposto da sua qualificação como rendimento de trabalho dependente na esfera de IRS dos seus beneficiários, facto que determinaria a dedutibilidade fiscal do

gasto.

Por regra, a despesa incorrida pela empresa, em benefício direto e individualizado do seu colaborador,

é suscetível de configurar um rendimento tributado em sede de IRS a título de remunerações acessórias, nos termos do art.º 2.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRS, tal como sucedeu na ficha

doutrinária assinalada em 4.1., com os encargos relacionados com a operação cirúrgica e exames

médicos de um empregado.

Nessa medida, a qualificação da despesa em referência como remuneração do empregado determina, por si só, a dedutibilidade do respetivo gasto em IRC (art.º 23.º, n.º 2, alínea d), do respetivo Código).

Já no que se refere às restantes três informações vinculativas, foi equacionada, ainda, a aplicação do

artigo supramencionado do Código do IRC referente às “realizações de utilidade social”.

Sob a epígrafe “realizações de utilidade social” o legislador fiscal elencou no art.º 43.º do Código do IRC um conjunto de contribuições efetuadas pelas empresas com o objetivo de beneficiar, indireta e

indiscriminadamente, os trabalhadores e, nalguns casos, também os seus familiares (7).

Na redação do respetivo preceito o legislador, através da consagração do regime de dedutibilidade ao lucro tributável, terá pretendido consagrar preocupações, de natureza extrafiscal, designadamente de

melhoria da segurança social dos trabalhadores e familiares, igualmente ponderando a hipótese de

haver trabalhadores sem direito a pensões da segurança social.

A preocupação da lei é a de que tais encargos tenham como contrapartida exclusiva as regalias sociais que se visa promover, sentindo o legislador, igualmente, a necessidade de prevenir abusos, desde

logo, no sentido de evitar a existência de remunerações ocultas, não tributadas em sede de IRS.

(7) Ver, entre outros, o acórdão do TCA Sul, processo 74/01.7BTLRS.

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Embora os gastos a elas associados pudessem não passar no crivo da noção de gasto fiscal do n.º 1 do art.º 23.º, a verdade é que, atendendo ao caráter social que os mesmos encerram, o legislador vem

considerá-los como gasto do período de tributação, desde que:

i. Estejam relacionados com a manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas (incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis);

ii. Ou com outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela AT; iii. Feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares;

iv. Tenham caráter geral;

v. Não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de

difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários.

Face a este enquadramento, a AT, no que se refere ao caso concreto das despesas com ginásios, referidas na ficha doutrinária assinalada em 4.2., entende que, não obstante o caráter geral das

mesmas, o art.º 43.º é, sobretudo, aplicável a realizações que sejam prestadas diretamente pela

entidade patronal, admitindo-se, todavia, excecionalmente, que nela também pode caber a prestação de realizações de utilidade social efetuada por uma terceira entidade, desde que preste esses serviços

apenas às entidades que a constituíram para esse efeito, o que não sucederia no caso em apreço.

Em face dessa interpretação, retirou aquele encargo da previsão legal do art.º 43.º. Ainda assim, uma

vez que não estão tipificadas na 1.ª parte do n.º 1 (conforme item i. supra assinalado), o seu reconhecimento como “outras realizações de utilidade social” sempre estaria condicionado à

aceitação prévia da AT (item ii.).

Não obstante, uma vez que o trabalhador usufrui do benefício, estando perfeitamente quantificado o montante da despesa, considerou a AT que os gastos correspondentes poderão ser aceites

fiscalmente na medida em que configuram uma remuneração acessória do trabalhador, tributada em

IRS.

Por sua vez, na ficha doutrinária assinalada em 4.3., as despesas estavam relacionadas com contribuições efetuadas pela empresa para seguros de saúde a atribuir aos trabalhadores.

Como vimos, no que se refere, nomeadamente, aos contratos de seguros de vida ou acidentes pessoais (que garantam exclusivamente os riscos de morte ou invalidez), de doença ou saúde, a sua

aceitação como gasto ao abrigo da consideração como realização de utilidade social está circunscrita a duas regras basilares, ou seja:

i. estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores permanentes da empresa ou no âmbito de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho para as classes profissionais onde os

trabalhadores se inserem

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ii. estabelecidos segundo um critério objetivo e idêntico para todos os trabalhadores ainda que

não pertencentes à mesma classe profissional, salvo em cumprimento de instrumentos de

regulamentação coletiva de trabalho.

Sucede, no entanto, que, no caso em apreço, o capital e a cobertura da apólice era diferenciada consoante o seu destinatário fosse gerente/diretor (nestes casos superiores) ou colaborador, não

resultando tal diferenciação de qualquer convenção coletiva de trabalho, pelo que, considerou a AT, que não se verificava aquele requisito de “critério objetivo e idêntico”.

Já no que se refere ao critério da “generalidade”, entende a AT que o mesmo está cumprido, desde que colocadas à disposição de todos os trabalhadores permanentes da empresa (podendo estar

excluídos os trabalhadores com contrato a termo), sem qualquer distinção, podendo, no entanto, as mesmas visar só os trabalhadores inseridos em determinadas classes profissionais, mas, neste caso,

apenas em cumprimento de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Mantém-se ainda o caráter geral quando não beneficiem das realizações de utilidade social os

trabalhadores abrangidos que comuniquem por escrito tal intenção à empresa.

Face ao referido, conclui a AT, na ausência de um “critério objetivo e idêntico”, que os gastos suportados com tais contratos de seguros não são fiscalmente dedutíveis, nos termos da alínea b), do

n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRC.

Ainda assim, em consonância com o que temos vindo a referir, na hipótese daquele seguro de saúde ser tributado em sede de IRS, o mesmo já seria um encargo fiscalmente aceite em IRC.

No entanto, estabelece o art.º 2.º-A do Código do IRS (Delimitação negativa dos rendimentos da Categoria A, que não se consideram rendimentos do trabalho dependente, as importâncias suportadas pelas entidades patronais com seguros de saúde ou doença em benefício dos seus

trabalhadores ou respetivos familiares desde que a atribuição dos mesmos tenha caráter geral.

Ora, como vimos, não foi o critério da generalidade colocado em crise no caso em apreço, mas sim o

da objetividade na repartição do benefício, pelo que, tudo indica, a dedutibilidade em IRC das referidas contribuições para o seguro de saúde destinado à generalidade dos trabalhadores, não sendo

consideradas remuneração (ao abrigo da alínea e), n.º 1, art.º 2.º do Código do IRS), não seriam,

também por esta via (ou seja, enquanto remuneração), aceites como gasto fiscal em sede de IRC.

Na ficha doutrinária assinalada em 4.4. a AT desconsiderou, desde logo, a possibilidade de, ao “vale infância” atribuído ao sócio que não exercia quaisquer funções na empresa (“sócio não gerente”), ser

aplicável o regime do DL n.º 26/99, afastando assim a dedutibilidade do gasto em sede de IRC, sem

que, no entanto, se tenha pronunciado sobre as implicações em sede do sócio deste facto.

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Trazendo para aqui a análise que anteriormente efetuámos ao acórdão do STA, supramencionado, seria, a nosso ver, suscetível de ser qualificado como rendimentos de capitais (“lucro informal”) à luz

do n.º 1 do art.º 5.º do Código do IRS.

Já no que se refere ao “sócio gerente”, não obstante o mesmo se enquadrar no conceito de “trabalhador”, sendo este o único trabalhador da empresa, considerou a AT, numa posição que não

nos parece de todo pacífica, que não estaria reunido o pressuposto do “caráter geral”.

Nessa medida, constituindo um benefício de carater individual perfeitamente identificável, o mesmo é suscetível de constituir um rendimento acessório, tributado em IRS na categoria A e,

concomitantemente, aceite como gasto à luz do art.º 23.º do Código do IRC.

Aqui chegados, interessa realçar um aspeto transversal à generalidade das fichas doutrinárias em apreciação, que motivou a sua análise integrada na presente newsletter.

Não sendo suscetível de se aplicar o regime do art.º 43.º do Código do IRC e na presença da despesa incorrida pela empresa traduzida num benefício de caráter individual do seu trabalhador,

perfeitamente identificável, aquela será, ainda assim, aceite como gasto em IRC, nos termos do art.º 23.º, n.º 2, alínea d) do respetivo Código, uma vez que o benefício se qualifica como rendimento

acessório tributado em IRS de acordo com do art.º 2.º, n.º 3, alínea b), salvo se se aplicar alguma das

exclusões consignadas no art.º 2.º-A, ambos do Código do IRS (sem prejuízo, ainda, da aplicação da

isenção prevista no artigo 18.º do EBF, no caso de contribuições para fundos de pensões ou seguros de vida, nas condições aí previstas).

Alerta-se, no entanto, que, a nosso ver, o acréscimo voluntário do gasto em causa ao lucro tributável de IRC, não desqualifica o benefício como rendimento acessório do trabalhador e, consequentemente, não afasta a tributação em sede de IRS.

Ou seja, o facto de uma remuneração acessória apenas ser gasto em sede de IRC se for considerada rendimento em sede de IRS (salvo aplicação do artigo 43.º do Código do IRC), não permite retirar a

ilação de que não sendo gasto em IRC (acréscimo do gasto), então não haverá tributação em sede de IRS, podendo existir, isso sim, é uma dupla penalização.

A ideia a retirar é outra, reforça-se, isto é, a qualificação como rendimento em sede de IRS não está dependente do tratamento que vier a ser dado ao gasto em sede de IRC, sendo certo que, sendo

rendimento tributado em IRS será sempre gasto em sede de IRC.

Finalmente, importa frisar que se trata, em qualquer dos casos abordados, de remunerações em espécie, logo, não sujeitas a retenção na fonte por via do disposto no n.º 1 do art.º 99.º do Código do

IRS.

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Braga, 06 de novembro de 2019

Luís Filipe Esteves