Neuropolítica: o papel das emoções

28
ANTONIO LAVAREDA Neuropolítica: o papel das emoções

description

Neuropolítica: qual é papel das emoções?

Transcript of Neuropolítica: o papel das emoções

  • antonio lavareda

    Neuropoltica: o papel

    das emoes

  • ANTONIO LAVAREDA presidente do Conselho Cientfico do instituto de Pesquisas Sociais, Polticas e econmicas (ipespe) e autor de, entre outros, A Democracia nas Urnas (revan).

    e do inconsciente

  • RESUMO

    aps resumir a evoluo da abordagem das emoes e do inconsciente na psicologia e nos estudos recentes da neurocincia e, do mesmo modo, con-densar o espao que esses tpicos ocupam nas principais teorias do sculo XX que procuraram explanar o comportamento poltico, com nfase no voto , o texto apresenta quatro vertentes analticas do campo que pode ser denominado de neuropoltica: a poltica entendida como disputa moral; o modelo de inteligncia afetiva; a avaliao das estratgias emocionais das campanhas; e a mensurao direta das respostas emocionais e inconscientes a estmulos polticos.na ltima etapa, o artigo apresenta a sntese dos resultados preliminares de um estudo pioneiro no Brasil, de carter experimental, que, usando eletroen-cefalografia e eye tracker, buscou avaliar as respostas psiconeurofisiolgicas de um grupo de eleitores da classe C diante de imagens dos candidatos pre-sidenciais na eleio de 2010.

    Palavras-chave: neuropoltica, emoes, comportamento eleitoral.

    ABSTRACT

    This article first presents a summary of the evolution of the approach to emotions and the unconscious in psychology and recent studies of neuroscience, and thus it shows where those topics belong within the main theories of the 20th century which sought to explain the political behavior with an emphasis on voting beha-vior. Then it presents four analytical approaches of the field that can be named neuropolitics: politics viewed as a moral dispute; a model of emotional intelli-gence; the evaluation of emotional strategies of the campaigns; and the direct measurement of the emotional and unconscious responses to political stimuli. In its last part, the article presents a summary of the preliminary results of a pioneering study of experimental nature in Brazil, meant to evaluate the psycho--neuro-physiological responses of a group of voters from the C class confronted with images of presidential candidates in the 2010 election, by making use of electroencephalography and eye-tracker.

    Keywords: neuropolitics, emotions, electoral behavior.

  • UMA BREVE INTRODUO

    conflito no pensamento ocidental entre razo e emo-o, que hoje vai se dissipando, tem uma longa traje-tria. O vu de rejeio ou, no mnimo, de suspeita

    em relao aos sentimentos, no que toca ao comportamento e

    organizao poltica das sociedades, atravessa desde os fundadores

    da filosofia poltica clssica, chegando forma mais acabada no

    Iluminismo francs, especialmente com Descartes. No Ocidente,

    ao menos, as emoes, que Plato chamava de cavalos selvagens,

    eram um lembrete incmodo de etapas menos sofisticadas da

    trajetria evolutiva da espcie, os impulsos emotivos vistos como

    uma potencial ameaa qualidade das decises polticas, embora

    algumas abordagens reconhecessem seu papel instrumental,

    como as que encontramos em Maquiavel e Hobbes.

    A marcha da psicologia poltica e, sobretudo, o desenvolvimento

    da neurocincia foram desmentindo o suposto conflito. A viagem

    ao crebro que a humanidade empreendeu a partir do final dos anos

    90 a dcada do crebro , ganhando impulso no sculo XXI, j

    produziu mais conhecimento do que em toda a histria anterior da

    humanidade (Pradeep, 2010)1. A cada dia sabemos mais sobre esse

    rgo metabolicamente to oneroso e complexo (que, tendo apenas

    cerca de 3% do peso corporal, consome 20% da nossa energia),

    que evolucionariamente atingiu seu tamanho e configurao atuais

    h apenas 100 mil anos, quando surgiram as primeiras expresses

    de subjetividade humana, como a arte e a religio (Mithen, 2003).

    Esses estudos tm contribudo para o avano do conhecimento

    em diversas reas afora as conquistas abertas neurologia, psi-quiatria e mesmo psicanlise , emprestando base neuroeconomia,

    ao neuromarketing e ao que podemos chamar de neuropoltica.

    O

    1 A expresso dcada do cre-bro deve-se ao grande volume de recursos para pesquisas na rea, viabilizado nesse perodo pelo Congresso norte-ameri-cano.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011124

    DEFININDO EMOES

    Emoes so reaes complexas,

    imediatas diante de estmulos variados,

    em um processo extremamente rpido

    que no requer esforo consciente. Elas

    engajam nossas mentes e nossos corpos.

    So reaes subjetivas (como raiva ou

    medo) e neurofisiolgicas (sudorese, tenso

    muscular, batimentos cardacos acelerados,

    contrao do estmago, dilatao da pupila,

    sorriso, nusea, entre outras). Essa a viso

    predominante nos dias correntes.

    O neurocientista Joseph LeDoux as con-sidera como funes biolgicas do sistema

    nervoso, afirmando que enfoc-las como

    uma funo cerebral mais eficaz do que

    estud-las apenas como estados psicol-gicos, sem levar em conta os mecanismos

    cerebrais subjacentes tpico enfoque da

    investigao psicolgica (LeDoux, 1996).

    Mas nem sempre foi assim. A trajetria

    da abordagem desse objeto abriga uma di-versidade de modelos e teorias conflitantes,

    discutidas h mais de um sculo.

    No interior desses campos esto agrega-dos autores e argumentos, alguns bastante

    conhecidos. Desde William James (1884) e

    Carl Lange (1885) se discute a tese de que

    a experincia consciente da emoo resulta

    da percepo que se tem da estimulao

    autnoma. Voc sente medo porque sua

    pulsao aumentou, e no o contrrio.

    Recuperemos o paradigma de William

    James, que influenciou esse campo de

    estudos at os anos 20 do sculo passado.

    Segundo ele, ao contrrio do que era ento

    senso comum, que a percepo mental de

    certos fatos estimula a disposio mental

    chamada emoo, e que este estado de

    esprito d origem expresso corpo-ral ou seja, fugimos porque sentimos

    medo , sua tese sustentava que as mu-danas corporais decorrem diretamente

    da percepo do fator estimulante, e que

    nossa sensao das mesmas mudanas no

    momento em que ocorrem a emoo.

    Na fuga diante do perigo ocorre um ca-taclismo fisiolgico; disparam a presso

    sangunea e os batimentos cardacos, as

    pupilas se dilatam, ficamos com as palmas

    midas e com os msculos contrados. Essas

    reaes corporais originam as sensaes

    internas. Ou seja, sentimos medo porque

    fugimos; assim como ficamos tristes porque

    choramos (James, 1884).

    Esse paradigma seria depois posto

    prova. O fisiologista Walter Cannon afirmou

    que as respostas corporais que compem a

    reao de emergncia, conceito criado por

    ele que a resposta fisiolgica especfica

    diante de um estado que requeira dispndio

    de energia fsica, redistribuindo o fluxo

    sanguneo para que o suprimento energtico

    alcance os msculos e rgos fundamentais

    para aquele esforo tais respostas eram me-diadas pelo sistema nervoso simptico, um

    ramo do sistema nervoso autnomo (SNA),

    uma rede de neurnios e fibras nervosas que

    controla a atividade de rgos e glndulas

    internas o meio interno em resposta aos

    comandos do crebro. E, segundo ele, as

    respostas do SNA so razoavelmente lentas

    para produzirem sensaes uma pessoa j

    est sentindo a emoo quando as reaes

    fsicas acontecem (Cannon, 1990).

    Sendo assim, a chave da emoo es-taria inteiramente dentro do crebro, no

    dependendo de nenhuma espcie de leitura

    das reaes fsicas. LeDoux (1996) chama

    ateno para o fato de que, embora James e

    Cannon divergissem, eles concordaram na

    constatao de que as emoes produzem

    sensaes diferentes dos estados no emo-cionais em razo de suas reaes fsicas.

    Depois, durante a fase de predomnio do

    behaviorismo na psicologia, que perdurou

    at os anos 60, o conceito de emoo como

    estado subjetivo no era visto como algo

    relevante, mas contemplado como uma es-pcie de ideia confusa, que em nada ajudava

    a explicar o comportamento.

    Com a revoluo cognitiva, pesquisas

    como as de Shachter-Singer e Stuart Valins,

    tentando explanar a natureza do fluxo da

    cognio emoo, terminariam por recu-perar um conceito que j estava implcito

    em clssicos como Aristteles, Descartes

    e Spinoza e que associava as emoes

    s interpretaes cognitivas de situaes

    concretas (LeDoux, 1996).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 125

    Nessa perspectiva, sentimos uma deter-minada emoo quando definimos para ns

    mesmos estados fsicos, emocionalmente

    ambguos, com base em atribuies para

    as causas internas e externas de condies

    fsicas. Esse foi o ponto adotado por Al-bert Ellis (1962): A interpretao de uma

    situao mais importante para determinar

    a reao das pessoas do que a situao

    objetiva. As crenas sobre si prprio e o

    mundo formam as emoes.

    O conceito de avaliao (appraisal), de Magda Arnold, continua a ser um dos

    principais pilares das anlises cognitivas

    contemporneas da emoo. Avaliao

    a apreciao mental do dano ou benefcio

    potencial de uma situao (Arnold, 1960),

    conceito adotado por outros psiclogos,

    como Richard Lazarus, dando lugar a uma

    teoria de avaliao que propunha o seguinte

    fluxo: estmulo avaliao sentimento. No

    resumo de sua tese, Lazarus afirmou que a

    cognio uma condio ao mesmo tempo

    necessria e suficiente da emoo. Essa

    seria o que denominou a implacvel lgica

    das emoes que, segundo ele, raramente,

    ou nunca, seria violada: a emoo decorreria

    inexoravelmente de uma avaliao do que

    nos tenha sido benfico ou prejudicial de

    um modo particular. E avaliao envolve

    inteligncia e raciocnio (Lazarus, 1994).

    At os anos 80 essa era praticamente a

    nica viso corrente. Um estudo que cau-sou uma reviravolta nesse campo foi o de

    Robert Zajonc (1980). Logo no incio desse

    trabalho, publicado em fevereiro de 1980,

    ele sublinhava que a psicologia cognitiva do

    seu tempo simplesmente ignorava o afeto,

    observando que palavras como afeto, ati-tudes, emoo e sentimento no apareciam

    nos ndices de quaisquer dos principais

    trabalhos sobre cognio.

    Zajonc argumentou que as reaes

    emocionais que servem de base s prefern-cias podem ocorrer sem qualquer registro

    consciente de estmulos. E que as reaes

    afetivas so primrias em ontogenia: uma

    criana de doze dias pode imitar expresses

    emocionais. E que o afeto primrio, tam-bm, em filogenia: o sistema lmbico que

    controla as reaes emocionais preexiste

    na nossa espcie ao desenvolvimento da

    linguagem e da atual forma de pensamento.

    Estava ali antes do neocrtex. improv-vel, ele diz, que o sistema afetivo tenha se

    tornado dependente de uma nova funo. O

    mais provvel que ele tenha mantido sua

    autonomia e, no mximo, tenha aceitado

    uma espcie de aliana com o novo sis-tema para perfazer conjuntamente algumas

    funes adaptativas (Zajonc, 1980).

    Alguns enfoques, a partir da consta-tao de que ambas ocorrem em grande

    medida inconscientemente, situaram a

    emoo como uma forma de cognio. Mas

    note-se que a ausncia de reconhecimento

    consciente no justifica retirar-se, de todo,

    a cognio do processamento emocional.

    De fato, George Lakoff (2009) estima que

    98% do processo cognitivo se verifica de

    forma inconsciente.

    Com o desenvolvimento da neurocin-cia, tomou lugar a compreenso, resumida

    por LeDoux (1996), de que emoo e cog-nio so mais bem compreendidas como

    funes mentais interativas mas distintas,

    mediadas por sistemas cerebrais interativos

    mas distintos.

    Os pontos bsicos desse enfoque so:

    a) a percepo de um objeto e a avalia-o do seu significado emocional so

    processadas em separado pelo crebro

    ( o que se verifica quando h leses

    de determinadas regies do crebro de

    homens ou animais);

    b) o crebro pode identificar o que bom

    ou mau (o sentido emocional), antes

    que o estmulo tenha sido inteiramente

    processado;

    c) a memria do significado emocional

    dos estmulos registrada, armazenada

    e recuperada por mecanismos cerebrais

    diferentes dos que processam a memria

    cognitiva dos mesmos estmulos;

    d) a avaliao emocional tem uma rela-o direta com os sistemas de controle

    das respostas emocionais. Quando feita

    uma avaliao, a resposta automtica,

    frequentemente acompanhada de sensaes

    fsicas, que se tornam parte da experincia

    consciente das emoes (as emoes se

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011126

    convertem em pensamentos). O processa-mento cognitivo diferente. Sua marca

    a flexibilidade. Dessa forma, a cognio

    amplia o leque de escolhas.

    E como especificar as emoes?

    Simon Baron-Cohen (apud Steve, 2004) interessou-se em descobrir quantas delas

    existem e so mencionadas pelas pessoas.

    Elaborou uma listagem extrada de dicio-nrios, e verificou que havia milhares de

    palavras relacionadas. Com a ajuda de um

    lexicgrafo, removeu os sinnimos, che-gando a um nmero menor de conceitos

    distintos: 412.

    Mas houve esforos de simplificao.

    Lazarus (1994), por exemplo, props seis

    emoes bsicas, cada uma com sua

    histria particular. E colheu exemplos da

    psicologia clnica para ilustr-las.

    A raiva (uma emoo desagradvel:

    ele cita como exemplo a briga de marido

    e mulher); a culpa, que uma emoo

    existencial (ele menciona o caso de um

    tenente que no pde salvar seus soldados

    na batalha); o medo/ansiedade (uma

    emoo existencial motivada pelo perigo:

    a iminncia da primeira viagem de avio);

    a tristeza (causada por condies des-favorveis de vida: a mulher enlutada); a

    esperana (derivada tambm de condies

    desfavorveis de vida: a expectativa do

    condenado morte); e a felicidade (uma

    emoo despertada por condies de vida

    favorveis: o dia do casamento). Logica-mente, no so as nicas.

    Entre as emoes desagradveis h

    outras, como a inveja (amiga solteirona

    da noiva); e o cime (o marido da mulher

    bonita). Em meio s emoes existenciais

    est a vergonha (o alemo em relao a seu

    parente judeu). Entre aquelas provocadas

    por condies desfavorveis de vida situam--se, tambm, o alvio (sentido pelo pai do

    filho prdigo que volta) e a depresso (o

    aprofundamento da tristeza).

    Entre as emoes despertadas por con-dies de vida favorveis, comparecem,

    ademais, o orgulho levando-se em

    conta que o que nos d orgulho no a

    mera satisfao pessoal, mas o senso pessoal

    de valor e o amor (afeio, amizade,

    paixo: Romeu e Julieta).

    Haveria, ainda, as emoes empticas,

    despertadas por experincias com os outros,

    e as emoes estticas. No primeiro caso,

    a gratido (de um aluno em relao ao

    professor); e a compaixo (da voluntria

    no hospital). No segundo, a experincia

    esttica (no cinema ou a visita ao museu).

    Antonio Damsio (2000), que, ao lado

    de Joseph LeDoux, uma das maiores

    referncias internacionais na rea de neuro-cincia, avanou bastante na distino das

    emoes. Dividiu-as em trs categorias:

    emoes primrias, emoes sociais e

    emoes de fundo.

    As emoes primrias so as mais

    simples de identificar. Quase todo o nosso

    repertrio de ideias sobre emoes est

    associado a elas. No apenas porque foram

    as mais estudadas. que elas podem ser

    reconhecidas com relativa facilidade em

    diferentes culturas e mesmo em diferentes

    espcies. A listagem dessa categoria inclui,

    entre outros, medo, felicidade, tristeza e

    asco. No se pode esquecer, a respeito, o

    trabalho de Charles Darwin sobre a expres-so das emoes no homem e em outras

    espcies2.

    Mais difceis de se perceber so as emo-es de fundo: fadiga, energia, bem-estar,

    tenso, descontrao, mal-estar, entusiasmo

    e ansiedade. O observador precisa estar aten-to a manifestaes sutis do corpo, incluindo

    a voz e a expresso facial para detect-las.

    Podem ser at confundidas com o humor,

    mas humor diferente porque diz respeito

    a emoes que se repetem muito, ou se

    mantm durante longos perodos. Impre-visveis, as emoes de fundo resultam do

    desencadeamento simultneo no organismo

    de diversos processos de regulao. E in-teragem, em nveis ainda no conhecidos,

    com o temperamento e estado de sade de

    cada um de ns (Damsio, 2000).

    As emoes sociais tambm no so

    privilgio da nossa espcie. Esto presen-tes dos elefantes aos golfinhos, passando

    pelos ces e gatos. No nosso caso, a lista

    razovel: simpatia, compaixo, embarao,

    vergonha, culpa, cime, inveja, gratido,

    2 Faz todo sentido os polticos se preocuparem com sua aparncia. A face humana o objeto visual para o qual nossa espcie est mais treinada em detectar, reconhecer e interpretar. Isso foi fundamental na sua evoluo. Sobre o assunto ver : Albuquerque, 2007.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 127

    admirao, espanto, indignao e o despre-zo. O autor assinala que o duplo padro de

    reaes emocionais inatas e aprendidas

    realiza, de certa forma, o encontro dos

    testamentos intelectuais de Darwin e de

    Freud (Damsio, 2000).

    Os locais do crebro onde as emoes

    so deflagradas variam segundo a sua

    natureza. A partir do aparecimento do

    estmulo competente, as imagens mentais

    desse estmulo apresentam-se atravs de

    sinais eletroqumicos nas respectivas re-gies cerebrais. a atividade, a cadeia de

    acontecimentos que tem lugar, que produz

    o estado emocional verificado no crebro

    e no corpo. As reas mais associadas at o

    momento com essa funo so: a amgdala,

    o crtex pr-frontal ventromedial, rbito--frontal e dorsolateral; o circuito gnglio da

    base tlamo-cortical; o crtex do cngulo e

    a rea motora suplementar3.

    A mais estudada delas, e que interessa

    muito comunicao poltica, a amgda-la, um elo importante entre os estmulos,

    visuais e auditivos, e o desencadeamento

    de emoes, principalmente o medo e a

    raiva. E no apenas na nossa espcie: ela

    se encarrega das reaes ao medo em todas

    as espcies dela dotadas.

    A amgdala entra em ao independen-temente da conscincia que se tenha da

    presena do estmulo. Estejamos atentos

    ou no, o crebro registra a possibilidade

    de perigo ou de prazer. Depois, a mente

    pode mobilizar ateno e raciocnio para

    o objeto que o provocou. A viso de uma

    imagem j associada na mente a uma emo-o desagradvel coloca em ao de modo

    subliminar a amgdala direita.

    E quanto aos sentimentos? A maioria dos

    autores se refere de forma indiscriminada

    s emoes e aos sentimentos. Porm, Da-msio procurou distingui-los. Argumentou

    que, embora ambos sejam mecanismos

    que contribuem para a regulao da vida,

    as emoes ocorrem no teatro do corpo,

    e por conta da evoluo biolgica prece-dem e servem de base aos sentimentos, os

    quais, por sua vez, so o pano de fundo

    da mente. Um tipo de percepo, cuja

    especificidade o fato de que os objetos e

    3 Observar que a meno a reas no implica defender o enfoque localizacionista. Na verdade, a cada dia mais pesquisas revelam que os fenmenos cerebrais se do simultaneamente em diversas reas.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011128

    situaes que a originam esto colocados

    no corpo, e no fora dele, como em outros

    tipos de percepo, a exemplo da visual. O

    objeto que nossa viso percebe est sempre

    fora de ns. A consequncia disso que,

    no caso dos sentimentos, o corpo pode atuar

    sobre a estrutura do objeto que est sendo

    observado (Damsio, 2000).

    Os sentimentos no so uma percepo

    passiva. So uma espcie de conscincia

    subjetiva das emoes e de outros estados

    do corpo, que servem de alerta mental para

    circunstncias positivas e negativas. E que

    surgem, como diz LeDoux (1996), quando

    a atividade dos sistemas especializados de

    emoo representada no sistema que d

    origem conscincia.

    Os sentimentos de felicidade, ou o de

    frustrao, por exemplo, decorrem de uma

    leitura com maior ou menor conscincia dos

    estados de bem-estar, ou de decepo e triste-za, gerados por objetos particulares. Leitura

    que pode ser, no todo ou em parte, alterada

    a qualquer momento por novas percepes,

    independentemente dos objetos e situaes

    que iniciaram o estmulo emocional.

    Vindo aps as emoes, do ponto de

    vista evolutivo, e tendo a capacidade de

    prolongar o seu impacto, promovendo a

    ateno e a memria delas, os sentimentos

    levam o crebro a operar de forma saliente

    as representaes dos objetos e situaes

    que foram capazes de ocasion-las. Com-binando memria, imaginao e raciocnio,

    ajudam a registrar o que foi relevante no

    passado, o que importante no presente, e

    o que poder s-lo no futuro.

    Damsio, no livro Em Busca de Espinosa (publicado dez anos aps O Erro de Descartes, em 1994), no qual modificaria com base em novas pesquisas de neuroimagem

    algo de sua abordagem original, definiu

    sentimento como sendo uma percepo

    de um certo estado do corpo, acompanhado

    pela percepo de pensamentos com certos

    temas e pela percepo de um certo modo

    de pensar. Um conjunto naturalmente

    ligado causa (subjetiva) que o originou

    (Damsio, 2004).

    Assim, com menor ou maior conscin-cia, emoes e sentimentos tm capacidade

    discriminatria e, desse modo, capacidade

    de interferir nas nossas escolhas.

    No terreno da memria afetiva, se-gundo Damsio (2004), ns temos sinais

    emocionais automticos os marcadores

    somticos , que assinalam com carga po-sitiva ou negativa as opes feitas na nossa

    existncia e suas consequncias. Eles so

    acionados quando uma emoo do passa-do aparece novamente. Ento, o leque de

    decises v-se reduzido, e cresce a chance

    de uma escolha orientada pela experincia

    anterior do sistema.

    Ele insiste em que esse sinal emocional

    no deve ser visto como um substituto do

    raciocnio. Em geral ele tem papel auxiliar,

    aumentando a rapidez e a eficincia do

    raciocnio. Mas, em alguns casos, pode

    torn-lo suprfluo, a exemplo de situaes

    em que rejeitamos automaticamente uma

    escolha que seria desastrosa. A pessoa que

    toma as decises na maioria das vezes no

    sabe como esse processo est ocorrendo,

    apenas intui e pe em prtica sua escolha.

    Aps essa breve introduo na seara

    da psicologia e da neurocincia, hora de

    resgatar como as emoes so referidas no

    campo da poltica.

    RAZO E EMOO NAS TEORIAS

    DO SCULO XX

    O reflexo daquele cisma conceitual, ci-tado na introduo, nas teorias explicativas

    das atitudes polticas e do voto, era, assim,

    obrigatrio. Como se constata dirigindo-se

    o olhar, embora de relance, sobre os trs

    principais veios explicativos do complexo

    itinerrio de fatores que conduzem ao

    comportamento poltico, originados em

    pesquisas desenvolvidas no sculo XX.

    A escola sociolgica de Colmbia, ao

    privilegiar as predisposies sociocultu-rais dos eleitores, que se viam ativadas

    ou reforadas durante as campanhas, com

    destaque para o status socioeconmico, as relaes pessoais dentro dos grupos

    primrios (familiares, amigos, lderes de

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 129

    opinio), o local de residncia e a religio

    dos eleitores, deixava pouco espao para a

    dimenso afetiva dentro do modelo desen-volvido por Paul Lazarsfeld e sua equipe.

    Embora, na ltima pgina do seu livro, ao

    mostrar a relevncia dos contatos pessoais

    durante a campanha, ele afirme que nada

    mais importante do que pessoas para mover

    pessoas, e que o lado que tem adeptos mais

    entusiasmados, capazes de mobilizar as

    comunidades, tem mais chances de sucesso

    (Lazarsfeld, Berelson & Gaudet, 1944).

    Na segunda fase de pesquisas dessa

    escola (em outro painel que deu lugar

    obra Voting), a suposta racionalidade dos cidados receberia um golpe contundente.

    Grande parte deles, descobriu-se, no tinha

    informaes sobre os detalhes de propostas

    ou acerca do posicionamento dos polti-cos. Em suma, em qualquer sentido mais

    rigoroso ou estrito os cidados no so

    altamente racionais. Estava estabelecido

    o paradoxo. Embora a teoria democrtica

    de ento tivesse como suposto a racio-nalidade do pblico, e ele no o fosse, a

    democracia norte-americana ainda assim

    funcionava bem (Berelson, Lazarsfeld &

    McPhee, 1954).

    Pouco tempo depois, para preencher

    o vazio decorrente da constatao de um

    pblico de massas desinformado sobre as

    questes em tela nas disputas eleitorais, os

    autores da escola psicolgica de Michigan,

    frente Campbell e Philipe Converse, intro-duziram, respectivamente, os conceitos de

    identificao partidria e de sistema de

    crenas. Corroborando as concluses da

    escola sociolgica, a radiografia dos elei-tores americanos na dcada de 60 mostrava

    que apenas 3,5% possuam um sistema de

    crenas razoavelmente abstrato e ideolgi-co; 12% faziam uso desses conceitos, mas

    no entendiam exatamente seu significado;

    e 84,5% eram totalmente estranhos a esses

    termos ideolgicos. Assim, concluiu Con-verse (1964), o sistema de crenas do pas

    era instvel e desprovido de coerncia.

    Nessa linha, mais do que as predis-posies socioculturais, o que orientaria

    as escolhas seriam os laos psicolgicos

    dos eleitores com os partidos polticos a

    preferncia partidria , surgidos na fase

    de socializao poltica dos indivduos no

    seu ambiente familiar. isso que ajudaria a

    estruturar e dar certa regularidade s opes

    eleitorais dos indivduos a longo prazo.

    Mas pesquisas subsequentes mostraram

    mundo afora o declnio do partidarismo

    e, desse modo, chegamos ao paradigma,

    fundado no individualismo metodolgico,

    que introduziu o conceito de racionalidade

    econmica do voto, a Teoria da Escolha

    Racional. Os cidados vistos como maxi-mizadores utilitaristas de seus interesses,

    votando segundo o diferencial de utilidade

    esperada dos partidos, com base j que

    no d para se ter todas as informaes

    necessrias no desempenho atual do

    partido no governo, versus os benefcios imaginados caso a oposio nele estivesse

    (Downs, 1957).

    Essa escola seria enriquecida, ainda,

    por trabalhos como o de Morris Fiorina,

    que props que a avaliao retrospectiva

    mais econmica do que a avaliao

    prospectiva mais fcil avaliar o que foi

    feito do que avaliar planos ou promessas.

    A avaliao do passado seria baseada na

    relao com os partidos, mas no aquela

    relao de mera identificao da escola

    psicolgica, e sim um acompanhamento

    racional do seu desempenho quando se

    encontraram no governo. Essa avaliao

    serve de informao para projetar o futuro.

    o voto prospectivo baseado na avaliao

    retrospectiva (Fiorina, 1981; Key, 1966).

    No entanto, as evidncias colhidas em

    inmeras pesquisas de poltica e psicologia

    quanto aos limites da razo no processo de

    avaliao de governo e de deciso de voto

    levaram formulao de que os cidados se

    valem de heursticas, processos incons-cientes de tomada de deciso, um caminho

    intuitivo de racionalidade que, para alguns,

    se baseia nos esquemas mentais, nos arran-jos de armazenamento de informaes na

    memria.

    Popkin (1994) terminaria por introdu-zir o conceito de racionalidade de baixa

    informao e destacar a importncia das

    caractersticas pessoais dos polticos. Sexo,

    raa, classe, renda, relaes familiares e

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011130

    itens de imagem, como honestidade,

    inteligncia, simpatia, que permitiriam ao

    cidado prever o desempenho futuro do

    candidato, fazendo uso dessa representati-vidade heurstica.

    Mas at que ponto processos desse tipo

    so apenas racionais? possvel imaginar

    tais heursticas sem um componente emo-cional? Afinal, a afetividade despertada

    pelo carisma do candidato no pode ser

    encarada como um shortcut para o eleitor intuir seu desempenho futuro? Ser mesmo

    que os eleitores perseguem sempre o seu

    melhor interesse?

    Como foi observado, as abordagens mais

    recentes da psicologia e da neurocincia

    cognitiva j abrem mo do requisito da

    conscincia at para a cognio, que diz

    respeito a aspectos da mente, como ateno,

    percepo, memria, linguagem, aprendiza-do, raciocnio, avaliao e conceituao, ao

    contrrio da psicologia e da cincia poltica

    tradicionais, que descreviam a cognio

    como o processo consciente das atividades

    mencionadas.

    A emergncia do reconhecimento do

    papel das emoes e da dimenso do in-consciente no processo decisrio foraria

    a constatao dos limites dos mtodos

    declarativos para o entendimento do

    comportamento poltico. Mesmo psiclogos

    cognitivos reconhecem que os surveys tm um excelente desempenho para registrar a

    deciso do voto, mas so um veculo pobre

    para estudar como se atinge a deciso,

    uma vez que a memria, sozinha, fornece

    apenas um trao vago a respeito de como

    a deciso foi alcanada (Lau & Redlawsk,

    1997). A crtica fica mais fcil de ser en-tendida ao lembrarmos que nosso crebro

    consciente a parte que pensa sobre o que

    estamos pensando s pode processar

    no mximo quarenta bits de informao

    por segundo, o que no pouco. Porm,

    nossos sentidos (principalmente a viso,

    mas tambm a audio, o tato, o paladar, as

    sensaes espaciais e o olfato to podero-so, embora s 1% do crebro seja dedicado

    a ele) captam, por segundo, 11 milhes

    de bits de informaes. Ou seja, cerca de

    99% so processados inconscientemente

    (Pradeep, 2010). Desse modo, sabe-se hoje

    que podemos no ter conscincia no s das

    causas de nossas emoes, mas tambm da

    nossa prpria reao emocional, mesmo

    que ela tenha sido intensa o suficiente para

    alterar nosso comportamento (Winkielman

    & Berridge, 2003).

    AS EMOES, O INCONSCIENTE E

    AS ELEIES

    No h convergncia sobre uma teoria

    especfica acerca do papel que as emoes

    e o inconsciente, de forma geral, desem-penham nas atitudes e no comportamento

    poltico. Neuman e seus colaboradores,

    em 2002, chegaram a elencar 23 teorias

    independentes sobre os efeitos da afetivi-dade. Portanto, apresentamos aqui quatro

    modelos de abordagem que tm assumido

    progressiva relevncia na literatura da rea

    (Neuman et al., 2007).

    Poltica como moralidade

    O primeiro deles tem como cerne as

    narrativas morais. Na descrio de Lakoff

    elas tm duas partes. A primeira sendo a

    estrutura dramtica da narrativa em que

    se distribuem os papis como o do heri,

    do vilo, da vtima, do salvador e outros.

    A segunda a estrutura emocional (por

    exemplo, medo, raiva ou alvio), inseparvel

    da primeira. Quando narrativas simples so

    compostas, formando narrativas complexas,

    diz o autor: [...] as texturas emocionais

    simples se tornam emocionalmente muito

    complexas. Desse modo, as narrativas

    terminam sendo estruturas cerebrais, vi-vidas por ns, reconhecidas nos outros e

    imaginadas, porque as mesmas estruturas

    cerebrais so usadas para os trs tipos de

    experincia: vivncia, reconhecimento e

    imaginao (Lakoff, 2009).

    As metforas primrias ocorrem quando

    dois tipos diferentes de experincia tm

    lugar juntos, ativando, simultaneamente,

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 131

    duas diferentes reas do crebro. E isso

    se d reiteradas vezes, em dades que se

    apresentam desde a infncia. Moralidade

    pureza, imoralidade podrido. Moralidade

    fora, imoralidade fraqueza. Moralidade

    obedincia, imoralidade desobedincia.

    Moralidade generosidade, imoralidade

    egosmo.

    H muitas outras metforas primrias

    para moralidade, a maioria das quais

    inconscientes, formatadas dia a dia, na

    famlia, na cultura. Esse pensamento me-tafrico termina governando o pensamento

    moral, inclusive na poltica. assim que ele

    produz efeitos comportamentais. O autor

    encaminha sua reflexo para propor que na

    sociedade norte-americana h uma moral

    dos progressistas baseada no sentimento

    de empatia , e uma moral dos conserva-dores baseada no sentimento do medo. E

    afirma que os polticos progressistas fariam

    melhor se falassem repetidamente usando os

    conceitos do seu mundo moral empatia,

    responsabilidade, esperana ao invs de

    aceitar o frame, o enquadramento dos con-servadores, baseado no medo. O framing precede a poltica, como vimos na guerra

    ao terror, que terminou por legitimar a

    invaso do Iraque.

    Segundo ele, as instituies governa-mentais, nos EUA, so associadas famlia

    (pais fundadores, a famlia americana).

    E h dois modelos de famlia: o provedor

    e o autoritrio. Para cada um deles h uma

    metfora central de moralidade. De um lado,

    moralidade cuidado; de outro, moralidade

    obedincia.

    Mas Lakoff nos lembra que bastante

    generalizado o biconceitualismo. Muitos

    temos dentro de ns vises de mundo

    progressistas e conservadoras, aplicadas a

    diferentes objetos, em diferentes caminhos.

    Algum pode ser progressista em polti-ca domstica e conservador em poltica

    externa. Pode ser progressista em todas

    as reas polticas, mas culturalmente ser

    conservador quanto a filmes, novelas

    e arte em geral. A propsito, pesquisa do

    New York Times/CBS focada nos 18% de americanos que se identificaram, no incio

    de 2010, como apoiadores do Tea Party, os

    quais tendem a ser republicanos, brancos,

    homens, casados e com mais de 45 anos de

    idade, mostrou que muitos deles, mesmo

    sendo a favor da reduo do tamanho do

    governo, no queriam a diminuio dos

    impostos ou o corte dos programas sociais

    (como o Medicare ou o Seguro Social).

    A disputa poltica, nessa perspectiva,

    com grande e profunda emocionalidade,

    sobre moralidade; sobre que viso moral vai

    governar. E, portanto, o discurso pblico

    tem um grande efeito sobre o resultado

    das eleies.

    At 2008, diz Lakoff, os conservado-res levaram grande vantagem no uso de

    linguagem, ideias, imagens e smbolos

    repetidamente veiculados na mdia (talk shows, rdios, etc.), disseminando o modo conservador de pensar e de sentir, e inibindo

    o modo de pensar progressista, principal-mente nos eleitores biconceituais. Isso teria

    aumentado a fora sinptica dos neurnios

    nos circuitos que concernem ao pensamento

    conservador e feito o contrrio em relao

    aos do pensamento progressista.

    O papel das metforas, ao definirem a

    forma de estruturao das questes e o papel

    que assumem na formao dos sentimentos,

    destacado por outros autores. Um deles,

    muito conhecido, Drew Westen (2007).

    Westen resgata, entre outros exemplos, a

    titulao que o governo de Ronald Reagan

    empregava referindo-se aos esquadres da

    morte, que atacavam o regime sandinista na

    Nicargua: longe de serem grupos rebeldes,

    ou mesmo terroristas, eles eram citados

    como Combatentes da Liberdade, com

    bvia consequncia na opinio pblica

    sobre eles.

    O autor, escrevendo antes da vitria de

    Barack Obama, criticava duramente a gra-mtica poltica dos democratas, chegando a

    oferecer a receita de uma narrativa poltica

    persuasiva, em que os elementos impres-cindveis seriam:

    a estrutura que o nosso crebro espera

    de qualquer narrativa, para que possa ser

    facilmente entendida, contada e recontada;

    protagonistas e antagonistas: definidos

    claramente os pontos que o partido e o

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011132

    candidato defendem, e o que o partido e o

    candidato adversrio representam;

    uma moral clara e subordinada aos

    valores do partido;

    um contedo vvido, memorvel e atra-ente;

    elementos centrais facilmente visuali-zados ou imaginados, para maximizar sua

    memria e impacto emocional;

    riqueza de metforas emocionalmente

    evocativas, criando e reforando as analo-gias intencionais;

    elementos da histria contada pelo

    adversrio, reformulando-a com o seu

    enquadramento;

    a narrativa padro do partido deveria ser

    do tipo que os eleitores gostariam de contar

    a seus filhos como aquelas ilustradas, nos

    livros infantis , clara e atraente, com o lado

    certo e o lado errado. Uma narrativa que eles

    desejassem que seus filhos internalizassem.

    Predisposio e vigilncia

    Uma segunda abordagem terica o

    modelo da inteligncia afetiva, publicado

    no livro Inteligncia Afetiva e Avaliao Poltica, que veio dar um passo significa-tivo, ajudando a melhorar a compreenso

    das atitudes polticas e do comportamento

    eleitoral. A denominao escolhida pelos

    autores foi deliberadamente provocativa,

    para sinalizar que os dois termos no devem

    ser vistos como incompatveis. Afeto e razo

    devendo ser vistos como complementares

    (Marcus, Neuman & Mackuen, 2000).

    A partir dos estudos anteriores sobre

    a biologia das emoes, comprovaram

    o que Aristteles (uma exceo entre os

    clssicos) havia intudo: emoo e razo

    se inter-relacionam de forma cooperativa

    e mutuamente vantajosa para enfrentar os

    desafios da existncia. No h o tal confli-to entre paixo e razo, popularizado no

    mundo ocidental.

    A neurocincia permitira um passo

    adiante. A suposta primazia da cognio,

    que sobrevivia, mesmo sob fogo cerrado

    nos ltimos tempos, naufragava. O pensa-mento no precede a emoo. No sentimos

    porque pensamos, nessa ordem. As reaes

    emocionais que precedem a percepo

    consciente. Elas no esto presentes apenas

    no que ns sentimos, mas, tambm, em

    como e no que ns pensamos.

    Assim, o pensamento do cidado se volta

    para a poltica quando as suas emoes o

    levam a faz-lo. E em que momentos isso

    ocorre? O argumento dos autores tem a ver

    com hbitos e novidades.

    Diante do que normal, esperado, as

    pessoas recorrem, sem pestanejar, aos

    smbolos polticos familiares. Utilizam,

    automaticamente, os raciocnios, clculos

    e avaliaes feitas no passado.

    Mas, quando surge um evento novo,

    que signifique alguma ameaa potencial,

    seja ligada a um fato ou uma nova questo

    colocada, ou mesmo a um personagem

    que aparea no horizonte poltico, ento,

    dispara-se um processo de avaliao e de

    julgamento com base em novos dados.

    Essa abordagem prope a existncia de

    dois sistemas neuropsicolgicos distintos,

    localizados nas regies lmbicas do crebro,

    que funcionam em paralelo: um de predis-posio e outro, de vigilncia.

    O primeiro combina os scripts incons-cientes do nosso comportamento padro

    com os feedbacks do corpo e as informaes externas, e compara o resultado com o que

    estava programado pela rotina, recorrendo

    memria processual. Quando isso funciona

    bem, ocorrendo o esperado, o sistema gera

    emoes de satisfao e entusiasmo. Quan-do isso no ocorre, o nimo positivo diminui.

    Nesse caso, vamos do grande entusiasmo

    ausncia de entusiasmo, com as emoes

    de frustrao e depresso.

    Quando o entusiasmo elevado, aumen-ta o envolvimento do indivduo e crescem

    as chances de que seu comportamento siga

    a habitualidade, ou seja, se baseie na iden-tidade social, nos preconceitos correntes,

    nas lealdades e rejeies polticas, e nas

    preferncias partidrias. Em suma, espera--se um voto normal, parecido com o de

    eleies passadas.

    O sistema de vigilncia, como o nome

    indica, age de forma diferente. Examina

    nossas rotinas e os estmulos do ambiente.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 133

    Quando tudo vai bem, e no h indcios

    de perigo, o sistema alimenta emoes de

    calma e relaxamento.

    Mas, quando aparece uma ameaa, ele

    aciona um sinal de alerta. E gera emoes

    de ansiedade e desconforto. A partir da, a

    ateno direcionada para o novo estmu-lo. Aumenta a motivao para a busca de

    novas informaes, o que leva a um maior

    esforo cognitivo. A ansiedade pode alterar

    a salincia de fatores especficos na deciso

    de voto, dando maior peso, por exemplo, aos

    traos de personalidade dos candidatos, ou

    s posies em torno de questes relevantes,

    e diminuindo, em contrapartida, o papel

    das lealdades polticas e da preferncia

    partidria.

    Em outro trabalho, seguidores do mode-lo mostraram de que maneira, em eleies

    muito disputadas, como a de Clinton versus Bush, em 1992, a defeco de eleitores

    partidrios (no caso, republicanos) contri-buiu mais para a vitria de um candidato

    do que os eleitores volteis (swing voters) (Neuman et al., 2007).

    Importante, nessa perspectiva, consta-tar que as emoes, sobretudo condensadas

    no sentimento de ansiedade, diferentemente

    do que o senso comum estabelece que

    causariam o embotamento do raciocnio,

    confundindo os eleitores , fazem, ao contr-rio, as pessoas pensarem mais, abandonando

    por um tempo as convices estabelecidas.

    O que as leva a buscar mais informaes, ler

    o noticirio poltico nos jornais, pesquisar

    na Internet, assistir aos debates entre os

    candidatos, e prestar mais ateno na propa-ganda na TV e no rdio. E, provavelmente,

    a trocar opinies sobre temas, propostas e

    denncias sobre os candidatos no ambiente

    familiar, conversando tambm sobre esses

    assuntos com os amigos, com os vizinhos

    e com os colegas de trabalho.

    Estratgias emocionais

    Um terceiro veio de abordagem da

    dimenso afetiva na literatura baseia-se na

    anlise da comunicao utilizada durante

    as campanhas eleitorais, procurando-se

    examinar as emoes especficas que as

    campanhas tentam mobilizar. Isso requer

    discernir os aspectos cognitivos e os emo-cionais das mesmas peas. Ted Brader

    (2006) fez isso, trazendo pela primeira

    vez uma compreenso terica e um teste

    emprico (em laboratrio) dos efeitos dos

    apelos emocionais. Procurou identificar

    como, recorrendo a diferentes emoes, os

    spots polticos da TV podiam influenciar a escolha dos eleitores.

    Brader concluiu que, de fato, como a

    teoria da inteligncia afetiva preconiza,

    os apelos de entusiasmo motivam os elei-tores na direo das lealdades existentes,

    enquanto os apelos de medo incentivam a

    buscar novas informaes e reconsiderar

    suas escolhas. O entusiasmo polariza os

    campos de eleitores governo e oposio.

    Os apelos ao medo so mais persuasivos, no

    sentido de que estimulam a reavaliao

    e a comparao entre os candidatos.

    Quando a comunicao provoca ansiedade,

    enfraquece as predisposies e aumenta a

    salincia das novas informaes na escolha

    do candidato. Curiosa a constatao do

    autor: os mais suscetveis manipulao

    emocional so os cidados mais informa-dos; ao contrrio da suposio usual, so

    eles que mais prontamente sentem desejo

    de saber mais e vo em busca de novas

    informaes.

    Fazendo uso das mesmas categorias de

    anlise no quinto captulo do livro Emoes Ocultas e Estratgias Eleitorais examinei os spots eleitorais das campanhas presiden-ciais brasileiras de 1998, 2002 e 2006 e os

    comparei, seguindo basicamente os mesmos

    critrios de medio. Constatei que as

    emoes negativas (medo, raiva e tristeza)

    so bem mais utilizadas pelos candidatos

    norte-americanos do que pelos brasileiros,

    coerente com o fato de que nossas campa-nhas so mais positivas do que as deles

    (67% a 33% contra 58% a 42%), o nosso

    sendo um padro quase britnico, 69% a

    31%. Ao passo que, no campo positivo,

    igualamo-nos no que toca a divertimento

    (embora l o mais frequente seja o uso do

    humor e, aqui, o do jingle); utilizamos mais a compaixo (at pelo discurso reiterado

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011134

    da incluso), enquanto eles evocam bem

    mais o orgulho do que as nossas campanhas.

    No quesito entusiasmo, praticamente nossos

    spots polticos se equivalem em frequncia (Lavareda, 2009).

    Quando foquei as campanhas brasileiras,

    identifiquei que os spots dos candidatos vencedores ultrapassaram em muito os dos

    candidatos derrotados nos apelos de entu-siasmo, orgulho e compaixo; praticamente

    se equivaleram em divertimento, medo

    e tristeza; mas as campanhas perdedoras

    usaram bem mais a raiva como ferramenta

    emocional durante a eleio.

    Aps analisar os principais spots das campanhas, esbocei o que chamei de

    frmulas emocionais vitoriosas das trs

    campanhas examinadas. Sobre isso, vale

    lembrar que frequentemente h uma leitura

    poltica posterior s eleies, que termina

    se impondo na avaliao retrospectiva do

    que teria se passado com as estratgias

    eleitorais dos concorrentes.

    A respeito disso, uma meno obrigat-ria o que se deu na Gr-Bretanha, em 1991,

    quando tudo fazia crer que os trabalhistas

    ganhariam as eleies no ano seguinte.

    John Major, o primeiro-ministro conser-vador, havia assumido o cargo, sucedendo

    a Margaret Thatcher, e o pas atravessava

    uma fase difcil. O desemprego atingia 9%

    e afetava a classe mdia, que o apoiava

    (Lavareda, 2009).

    Mas os conservadores reagiram. Le-vantaram bandeiras tradicionais do Partido

    Trabalhista, como educao e sade, e

    foram para o ataque. Fizeram o clculo

    de quanto dinheiro seria necessrio para

    custear a implementao das propostas

    dos trabalhistas, e a cifra era repetida: De

    onde sairo os 35 bilhes de libras?. Era

    a bomba dos impostos do Partido Traba-lhista (Lavareda, 2009).

    No incio da campanha, o primeiro

    slogan conservador foi: Voc no pode confiar no Partido Trabalhista. Trs meses

    antes da eleio, perdiam por doze pontos.

    Ganharam por cerca de dez. O candidato

    trabalhista derrotado, Neil Kinnock, co-mentando as estratgias dos dois partidos,

    cunhou a frase: Foi uma campanha do

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 135

    medo sobre a esperana, atribuindo a vi-tria conservadora explorao do temor

    da populao, contraposto s propostas do

    seu partido (Lavareda, 2009).

    No fora bem assim. Os trabalhistas

    no haviam recorrido apenas ao entusiasmo

    dos eleitores com base em suas propostas.

    Apelaram, tambm, raiva e ao medo. Asso-ciavam, sempre, os adversrios recesso.

    E procuraram despertar a ansiedade dos

    eleitores, afirmando que os conservadores

    iriam privatizar parte do Sistema Nacional

    de Sade.

    Sua derrota teve vrias explicaes: o

    fato de que Major atingira um elevado grau

    de popularidade; a escolha de Kinnock no

    tinha sido consensual; o Partido Liberal

    Democrata conquistou uma grande fatia de

    votos (17,8%); e os eleitores no confiavam

    nos trabalhistas desde a sua ltima passagem

    pelo poder, e tinham receio do que poderiam

    fazer no governo.

    Ou seja, o medo em relao aos traba-lhistas foi maior do que a raiva em relao

    aos conservadores. Mas a frase do candidato

    derrotado sobrevive at hoje.

    No Brasil, em 1998, aparentemente

    houve o Bicampeonato do Real. O entusias-mo teria vencido com Fernando Henrique

    sendo reeleito. De fato, o mapa dos apelos

    emocionais dos spots analisados mostra que 86% das suas mensagens buscaram

    despertar o entusiasmo dos eleitores; 60%

    exploravam o orgulho pelas realizaes do

    pas; 32% mostravam o quanto o candidato e

    o governo se preocupavam com as pessoas,

    principalmente as mais humildes; e em 5%

    das peas, o divertimento incorporado

    na forma de jingles se fazia presente (Lavareda, 2009).

    Porm, as emoes convocadas no

    foram s as positivas. Das mensagens, 45%

    tentavam mobilizar a insegurana, o medo

    das pessoas de voltarem ao passado, ou de

    enfrentarem a crise internacional sem um

    comandante experiente e seguro.

    Do lado da campanha de Lula, apelou-se

    explicitamente raiva, talvez em demasia.

    Os comerciais com esse propsito (68%)

    ultrapassaram levemente at mesmo as suas

    mensagens de entusiasmo (63%).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011136

    Foi uma vitria significativa. Durante a

    campanha na televiso Fernando Henrique

    cresceria de 42% para obter 53,1% nas

    urnas; Lula passou de 25% para 31,7%; e

    Ciro foi de 5% a 11%.

    Como afirmei no livro,

    certo que o real tinha sido a base de tudo.

    Foi sobre ele que se construiu a imagem

    do carter do candidato, desde a eleio

    anterior. Mas impossvel deixar de reco-nhecer que apenas o entusiasmo no seria

    suficiente para decidir a eleio, ao menos

    no primeiro turno. Nesse caso, o medo deu

    uma ajuda importante para derrotar a raiva

    (Lavareda, 2009).

    Sobre 2002, ecoar bastante tempo o

    slogan: A esperana venceu o medo. Emprestado da frase de Kinnock, s avessas.

    Quatro anos depois da reeleio de FHC, o

    cenrio era diferente daquele de 1998. A cri-se se agravara antes mesmo da posse. Nem

    terminara o primeiro ms do novo mandato,

    e o dlar rompeu a barreira psicolgica

    dos dois reais. Mencionei no livro que, em

    viagem a So Paulo para visitar o gover-nador Mrio Covas, o presidente Fernando

    Henrique experimentou uma sensao que

    no conhecia. Como escreveu depois nas

    suas memrias, ele viu rancor nos olhos

    do povo (Lavareda, 2009).

    Durante todo o segundo mandato os

    percentuais da avaliao negativa do go-verno seriam superiores aos da avaliao

    positiva. No final de 2001, s vsperas de

    comear o ano da sucesso, pesquisa do

    Ibope apontava 37% de ruim ou pssimo,

    40% de regular, e 21% de timo ou

    bom. Olhando para trs, fcil entender

    por qu.

    O impacto das crises internacionais; so-mado crise energtica; mais os efeitos do

    11 de setembro no comrcio internacional;

    mais a diviso barulhenta da base poltica;

    mais alguns escndalos; agravados pelo

    temor dos investidores devido ascenso

    de Lula nas pesquisas. E tudo, mas sobre-tudo os fatos econmicos, era consciente

    ou inconscientemente confrontado pelos

    eleitores com suas expectativas de quatro

    anos atrs, quando reelegeram Fernando

    Henrique no primeiro turno. No segundo

    mandato tucano, no plano objetivo, o real

    fora desvalorizado diante do dlar, o desem-prego era recorde, a economia se encontrava

    estagnada e o pas batia s portas do FMI.

    Pior, no plano subjetivo a percepo era de

    que as promessas no haviam sido cumpri-das (Lavareda, 2009).

    Coerente com a teoria, os eleitores

    tinham votado em FHC, numa situao de

    turbulncia, em parte para afastar o medo

    que tinham do desconhecido, representado

    naquela campanha pelos candidatos de

    oposio. Mas o que sobreviera no era

    exatamente o que lhes fora prometido.

    Era um cenrio frtil para sentimentos

    negativos. Situaes como essa haviam

    desafiado o modelo da inteligncia afetiva,

    levando seus autores e seguidores a concluir

    que a dimenso negativa da afetividade

    precisava contemplar a manifestao inde-pendente de seus dois tipos de emoo. No

    bastava considerar apenas o sentimento de

    ansiedade, associado a emoes como o

    medo, o desconforto ou o nervosismo. Era

    preciso levar em conta que a averso

    ligada raiva, ao ressentimento, mgoa,

    indignao pode desempenhar um papel

    especfico em determinadas circunstncias

    polticas.

    Quando enfrentamos uma questo ou

    personagem que nos ameaa, respondemos

    com ansiedade, se ela ou ele forem algo

    incerto, se representarem uma novidade.

    Com a averso diferente. Ela a res-posta emocional quando o personagem,

    ou qualquer objeto digno de repreenso,

    conhecido, familiar.

    O PT, com o vento a favor, soube ca-pitalizar as circunstncias. O apelo raiva

    no surtira efeito em 1998. Em 2002 seria

    diferente.

    Como destaco no livro, a oposio

    passou quatro anos estimulando a averso

    dos brasileiros em relao ao governo e ao

    governante. No focando apenas a base, o

    seu eleitorado, mas atraindo, tambm, os

    eleitores arrependidos de 1998. Isso era

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 137

    feito, dia aps dia, no Congresso, na im-prensa, na Internet, nos programas gratuitos

    de TV e rdio, nas campanhas sindicais e

    nos comerciais na TV e no rdio de que

    dispunham a cada semestre.

    Na longa pr-campanha cabiam desde

    comerciais na TV, em que aparecia uma

    bandeira brasileira atacada por ratos fa-mintos, na campanha X, corrupo,

    at mensagens menos chocantes, mas com

    fortes componentes emocionais negativos4.

    certo que Lula estimulou o entusiasmo.

    Cumpriram essa funo 81% dos seus spots. Afinal, fundamental para um candidato

    motivar positivamente os seus eleitores.

    Mas vinham em segundo lugar, presentes

    em quase a metade das mensagens (45%),

    os estmulos para reforar a indignao, a

    repulsa e a raiva, na dimenso da averso.

    Em terceiro, vieram os apelos compaixo

    (42%), focados na preocupao com os

    trabalhadores e a populao mais pobre

    (Lavareda, 2009).

    Sob a tica dos apelos emocionais,

    Serra fez uma campanha padro para as

    circunstncias. Para transmitir qualidades

    pessoais, suas mensagens privilegiaram

    uma combinao de apelos ao entusiasmo

    (66%), ao orgulho (46%) e compaixo

    (39%), destacando suas realizaes e a

    preocupao com as pessoas, com uma

    dose reforada de apelo ao divertimento

    (21%). E procuraram despertar a ansiedade

    (34%) e, em menor escala, a raiva (15%)

    em relao aos adversrios. A campanha

    foi eficaz contra Ciro, com a ajuda do pr-prio. Mas de pouco valeu no segundo turno

    contra Lula. Pouco adiantaram menes

    Argentina, Venezuela, ou apelos explcitos

    ao medo, como no spot estrelado pela atriz Regina Duarte.

    Ao contrrio da verso mais propagada,

    que diz que o resultado foi em parte fruto

    do novo personagem o Lulinha Paz e

    Amor , e parte resultado do predomnio

    da esperana sobre o medo, a anlise da

    campanha alimenta uma hiptese diferente.

    Alm de uma importante manobra de

    triangulao (Carta aos Brasileiros),

    do ponto de vista dos apelos emocionais,

    ressalvado o papel do entusiasmo, na ver-

    dade, em 2002, aconteceu a revanche da

    raiva. Mudadas as circunstncias, foi a sua

    vez de vencer o medo (Lavareda, 2009).

    E quanto a 2006? Teria o entusiasmo

    vencido a indignao?

    A economia do pas caminhava bem no

    final do primeiro governo Lula, beneficiado

    por um ciclo de expanso internacional sem

    precedentes e pelo esforo que fizera para

    manter as linhas gerais da poltica macro-econmica, o que lhe possibilitou reduzir

    a inflao. O Bolsa Famlia, a partir de um

    programa anterior, foi ampliado de cinco

    para onze milhes de famlias. Aumentara

    em 25% o valor do salrio mnimo. E dera

    incio a vrios outros programas sociais,

    cujo reconhecimento pelos brasileiros

    resultava em elevada aprovao.

    Porm, o governo tinha problemas srios

    no campo da moralidade pblica. Um dos

    muitos escndalos, o do mensalo, no

    ano anterior ao da eleio, esteve prximo

    de ameaar o mandato do presidente. A

    oposio definiu sua campanha: Por um

    Brasil Decente.

    Vejamos apenas o que ocorreu entre o

    primeiro e o segundo turno de 2006. Os

    spots positivos de Lula recuaram de 86% para 55%, os de Alckmin, de 62% para 51%.

    Os comparativos de Lula (emoes positivas

    e negativas) foram de 11% para 38%; os

    puramente negativos, de 3% para 7%. J

    os comparativos de Alckmin recuaram de

    7% para 3%, e os somente negativos foram

    de 31% para 46%.

    Lula foi vitorioso ao final, com 60,8%

    dos votos. Mais uma vez, o entusiasmo

    que despertou, principalmente entre os

    mais pobres, seria fundamental. Mas,

    alm disso, as crticas do adversrio

    voltadas para mobilizar a indignao dos

    brasileiros foram enfrentadas de forma

    contundente no segundo turno. Nele, a

    campanha petista respondeu com uma

    esperta combinao de ansiedade nova

    (Alckmin: desconhecido) e averso anti-ga (FHC). Pelo que conclu que, naquela

    eleio, medo e raiva, juntos, venceram

    a indignao. Era uma nova equao

    que se juntava s frmulas emocionais

    vencedoras (Lavareda, 2009).

    4 Na campanha X, cor-rupo, em que muitos ratos roam vorazmente a bandeira, a frase final era: Ou a gente acaba com eles, ou eles acabam com o Brasil (cf. Mendona, 2001).

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011138

    Mensurando diretamente as

    emoes e o inconsciente

    Alm de caminhos indiretos como o

    que utilizei para qualificar e quantificar o

    componente afetivo das mensagens polti-cas, h uma srie de estudos que lanaram

    mo de experimentos de carter laboratorial,

    e muitos surveys que buscaram avaliar a resposta emocional dos eleitores5. Nesse

    ltimo caso, h uma acesa polmica sobre a

    capacidade de introspeco dos indivduos

    entrevistados para fazerem um relato acura-do acerca do estado emocional investigado

    pelo pesquisador ou responderem ao objeto

    de estmulo especificado por ele. Westen

    (2007) chega a afirmar que

    [...] no sculo XXI a confiana exclusiva

    nas pesquisas e focus groups no mais convincente. Esses mtodos no podem

    ir fundo o bastante para avaliar redes

    (esquemas mentais), as quais as pessoas

    desconhecem ou no querem admitir, quer

    para um pesquisador, para uma discusso

    no grupo, ou para si mesmas.

    Como afirmaram Russel Neuman e

    seus colegas editores do volume The Affect Effect, as questes metodolgicas vo consumir a energia dos estudiosos

    por muito tempo. Ligada a elas est um

    desafio ainda maior: o de fazer avanar

    a compreenso terica mais aprofundada

    da conexo entre emoes, pensamento e

    ao. Lembrar que atualmente as teorias

    disponveis so de mdio ou mesmo de

    curto alcance e se distribuem segundo os

    diferentes nveis de anlise: neurolgico,

    pessoal e social.

    Tal desafio no apenas da cincia e

    da psicologia poltica. A indstria do marketing destina milhes de dlares a esse objetivo, desde que, a partir do final do

    sculo XX, substituiu seu modelo AIDA

    (ateno interesse desejo ao)

    de explicao do comportamento para

    algo que corresponde grosso modo a um percurso sentir-pensar-fazer, ou s vezes

    sentir-fazer-pensar. Somente o marketing sensorial, com destaque para a explora-o dos estmulos olfativos suscitando

    memrias involuntrias na rea explorada

    cientificamente a partir do incio dos anos

    90, movimentou mais de 200 milhes de

    dlares em 2010. Como j foi observado,

    a lembrana involuntria, conceito im-portante na psicologia moderna, tem sua

    fonte literria na lembrana proustiana

    do incio do sculo passado. O narrador,

    que logo no incio de Em Busca do Tempo Perdido, estimulado pelo perfume e pelo sabor do ch da flor de limoeiro misturados

    a madeleine, v-se remetido s memrias de sua infncia h muito esquecidas (Gu-guen, 2011).

    Eu me referi a polmicas no campo

    metodolgico. De fato, h vrias que, em

    parte, resultam das diferenas tericas.

    Como exemplo, no que concerne dimen-sionalidade do afeto, h trs enfoques.

    A abordagem de valncia emocional

    prope uma estrutura binria, em que, de

    um lado, se situam sentimentos positivos

    e, de outro, os de valncia negativa (amor--dio o exemplo clssico), estabelecendo

    uma relao de excluso entre sentimentos

    negativos e positivos.

    Opondo-se a essa viso, a teoria discre-ta das emoes nos diz que impossvel

    generalizar. Cada emoo gerada em um

    contexto especfico, no qual as interpretaes

    dos eventos, mais do que eles por si mesmos,

    determinam qual emoo ser sentida.

    Veja-se o exemplo da carteira desaparecida:

    o indivduo pode sentir medo de que usem

    seus documentos, carto de crdito, etc.; pode

    se sentir angustiado por ter sido desatento;

    mas se ela foi roubada, e s vezes ele no

    sabe, pode ter raiva ou dio pelo gatuno que

    a furtou. Depende de como, cognitivamente,

    esse desaparecimento foi interpretado (Ro-seman apud Marcus et al., 2000).

    Em direo contrria s duas abordagens

    citadas, a teoria dimensional nos diz que a

    estrutura das emoes composta por duas

    dimenses, uma negativa e outra positiva, e

    que a relao entre sentimentos negativos e

    positivos no necessariamente excludente.

    Ou seja, saber o impacto positivo de um

    5 Duas teses, at o momento, na USP se debruaram sobre os aspectos no racio-nais do voto. Uma de dou-toramento, de Flvio Silveira, sobre O Novo Eleitor No Racional, defendida em 1996, e outra de mestrado, de Jairo Pimentel, orientado por Maria Dalva Kinzo, e de cuja Banca de Avaliao, em setembro de 2007, fiz parte. Jairo trabalhou com o mo-delo de inteligncia afetiva, lanando mo de dados de surveys para mostrar que os eleitores que mais sen-tiram o impacto dos fatos negativos divulgados sobre o presidente Lula em 2006, ou sobre o seu partido, eram exatamente os que tinham uma boa avaliao do seu governo.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 139

    estmulo no possibilita automaticamente

    (como reverso) conhecer o impacto negativo

    desse mesmo objeto. O modelo de inteli-gncia afetiva adota essa viso dimensional,

    e utiliza largamente a anlise fatorial com

    dados de respostas de surveys para analisar a estrutura das emoes (Marcus et al., 2000).

    No mundo prtico da comunicao, o

    impacto emocional dos comerciais tem

    sido investigado com o uso intensivo de

    novas tecnologias. Como diz Westen, que,

    juntamente com Joshua Freedman, um dos

    precursores do uso da neurometria,

    [...] o uso da tecnologia de ponta voltado

    para medir associaes inconscientes, de

    forma que os consultores possam testar quo

    bem um anncio, um slogan ou um apelo poltico est funcionando, de uma maneira

    que as pessoas no conseguem informar

    conscientemente6.

    O uso das imagens de ressonncia mag-ntica funcional, desde o final do sculo XX,

    deu uma contribuio inestimvel nesse

    campo (Lindstrom, 2008). Mas, levando-se

    em conta as dificuldades de utilizao da

    fRMI, usa-se o EEG (eletroencefalgrafo),

    que monitora a atividade das ondas cerebrais

    produzidas pelo crtex, permitindo iden-tificar com excelente resoluo temporal

    (um milsimo de segundo) as emoes

    positivas e negativas a cada momento.

    H, ainda, diversas outras tecnologias

    utilizadas para monitoramento de sinais

    psiconeurofisiolgicos em respostas emo-cionais. Sinais que so gerados pelo sistema

    nervoso central (SNC) crebro e medula

    espinhal, dentro da coluna vertebral, mas

    que se expressam no sistema nervoso peri-frico (SNP), formado pelo sistema nervoso

    somtico , que usado para controlar

    voluntariamente o corpo e a recepo de

    estmulos externos, como ouvir, tocar, olhar,

    etc., e pelo sistema nervoso autnomo, que

    controla as funes involuntrias.

    O GSR (galvanic skin response) mede a condutividade da pele para indicar o nvel

    de excitao fisiolgica do indivduo diante

    de estmulos. A HRV (heart rate variability) faz uma medio da frequncia cardaca do

    indivduo. Alteraes na frequncia e na

    presso arterial refletem respostas a situaes

    mais empolgantes e/ou estressantes. O eye tracker monitora a direo do olhar (tempo e trajetria) e o envolvimento emocional com

    estmulos testados. O FER (facial expression recognition) analisa as expresses faciais, ou ainda o perception analyzer, que detecta, segundo a segundo, a likebility do material visual ou sonoro testado.

    O avano da tecnologia est longe de

    significar que haja consenso na sua uti-lizao entre os especialistas. Mesmo o

    instrumento de maior status nesse campo, a ressonncia magntica funcional, que s

    tem praticamente uma dcada e ocasionou

    quase uma revoluo ao permitir que se

    examinasse o crebro em funcionamento,

    obtendo um corte transversal cerebral em

    menos de dois segundos, mapeando a maior

    parte do crebro em um ou dois minutos,

    ela contestada, porque, afinal, s pode

    medir a atividade neuronal indiretamente,

    detectando o aumento do fluxo sanguneo

    em reas associadas atividade examinada

    (poderia haver neurnios mais eficien-tes, consumindo menos sangue, dizem

    os crticos), ou ainda contestada porque

    seus usurios enfatizam a localizao

    das atividades no crebro, deixando em

    segundo plano a natureza interligada

    e distributiva do seu funcionamento, a

    comunicao entre as regies, que mais

    importante para a funo mental, como

    acentua David Dobbs (2009).

    Juntamente com a tecnologia e a pesquisa,

    o avano do conhecimento do crebro amplia

    o universo de informaes disponveis sobre

    o processamento cognitivo e emocional. Esse

    avano impressionante. Durante cinquenta

    anos pensava-se que as glias s serviam

    de apoio aos neurnios. Recentemente se

    descobriu que participam ativamente do

    processamento das informaes, sobretudo

    nos atos de reagir, aprender e lembrar. Ou

    a evoluo do que era conhecido sobre o

    cerebelo. Antes, pensado apenas como um

    coordenador enceflico dos movimentos

    corporais, hoje reconhecido como um

    participante ativo de diversas atividades

    cognitivas e perceptivas, desempenhando

    6 Ver os exemplos de pesqui-sas de neuropoltica com o uso de fMRI citados em: Lavareda, 2009. Cf. tambm This Is Your Brain on Poli-tics, in The New York Times, 18 de janeiro de 2005.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011140

    um papel importante na memria de curta

    durao, na ateno, nas funes cognitivas

    superiores e, tambm, nas emoes.

    UM EXPERIMENTO COM

    INVESTIGAO DE RESPOSTAS

    PSICONEUROFISIOLGICAS

    Na eleio presidencial de 2010 foi

    realizado, ao que se sabe, o primeiro ex-perimento com essa tcnica no Brasil no

    campo da neuropoltica. Essa investigao,

    cujo relatrio ainda no est concludo,

    buscou testar e validar parmetros psico-mtricos, biomtricos e neuromtricos que

    pudessem avaliar a capacidade de influncia

    de apoios e transferncia de afetividade a

    candidatos (Lula/Dilma; Marina/Dilma;

    Marina/Serra)7.

    No primeiro turno daquela eleio pre-sidencial, a pergunta obrigatria era: qual o

    grau de transferncia afetiva do presidente

    Lula para sua candidata Dilma Rousseff, at

    ento desconhecida e pouco carismtica?

    No segundo turno, a questo que emergiria

    era: a qual dos dois candidatos restantes

    (Dilma e Serra) poderiam ser transferidos

    com maior facilidade os 19,33% da votao

    que Marina Silva, candidata do PV, obtivera

    no primeiro turno?

    Para tanto, foram estudadas as princi-pais regies cerebrais responsveis pelas

    reas da emoo e cognio, considerando

    estmulos ligados aos temas em questo, e

    analisado o sistema da memria associativa

    visando observar o poder da capacidade de

    associao e fixao entre o candidato e

    lderes que o apoiam.

    O estudo foi concebido a partir da hi-ptese de que a presena de emoes sus-citadas por lideranas de peso pode induzir

    alterao do comportamento emocional

    do eleitor diante do candidato por elas

    apoiado, potencializando ou minimizando

    emoes positivas e negativas, que podem

    ser transferidas de um personagem poltico

    para o outro. Do ponto de vista das hip-

    teses neurofisiolgicas, considerou-se que

    poltica um tema relacionado a modelos

    de julgamento e tomadas de deciso usados

    para regular e ativar os processos emotivos,

    tendo como regies cerebrais envolvidas:

    o crtex rbito-frontal; o crtex pr-frontal

    ventromedial; e a rea do cngulo anterior

    e posterior.

    Metodologia

    Este experimento foi desenvolvido em

    duas fases, nas quais o perfil dos partici-pantes (1o e 2o turno) foi composto por 18

    indivduos, sendo 9 homens e 9 mulheres,

    de 25 a 45 anos, segmento de classe C. A

    primeira fase foi realizada em 20 a 25 de

    setembro (1o turno); e a segunda em 18 a

    23 de outubro (2o turno) de 2010. Dessas

    pessoas, 9 eram simpatizantes do PSDB e

    9 do PT. Ambas as fases foram realizadas

    no Recife. Os participantes do estudo

    preencheram alguns critrios adicionais

    de incluso8.

    Primeiramente, foi mostrada uma tela

    em cor cinza, com um ponto preto ao cen-tro, a ser observado por dois minutos, para

    registro da atividade eltrica basal com

    olhos abertos. Nesse estgio, os indivduos

    j eram monitorados pelos equipamentos

    descritos a seguir. Aps esse momento, foi

    apresentada foto de Dilma Rousseff sozinha,

    em seguida com Lula e depois novamente

    sozinha, por vinte segundos em cada etapa.

    Aps concluir essa etapa, o indivduo foi

    submetido a um questionrio psicomtrico

    visando identificar a intensidade de suas

    reaes, de acordo com uma escala de

    emoes primrias (modelo de Plutchik).

    Para finalizar, o indivduo era encaminhado

    para outra sala, onde era entrevistado mais

    uma vez, com base num roteiro de pesquisa

    qualitativa, para avaliar o seu comportamen-to mais cognitivo ou consciente.

    Utilizou-se para anlise dos experimen-tos psicofisiolgicos ou de contedo emo-cional/afetivo os seguintes equipamentos:

    EEG com cap ou touca com cabos de car-bono para 21 canais de eletroencefalografia

    acoplado ao skin conductante (SC) de alta

    7 O experimento foi re-alizado pelo Centro de Neurocincia Aplicada, do Instituto de Pesquisas Sociais, Polticas e Eco-nmicas (Ipespe), sob a coordenao do cientista poltico Antonio Lavareda e da neurocientista Silvia Gomes Laurentino, em duas fases, sendo a primeira delas em 20 a 25 de setembro (primeiro turno); e a segun-da em 18 a 23 de outubro (segundo turno) de 2010.

    8 Entre eles, no apresen-tar nenhum tipo de le-so cerebral preexistente, no fazer uso de qualquer medicamento inibidor ou estimulante do sistema nervoso central, bem como no utilizar cafena ou refri-gerantes 24 horas antes do experimento. Para registro da atividade psicofisiolgica, durante a realizao das tarefas, os indivduos fizeram um lanche leve para evitar qualquer interferncia quan-to baixa de glicose (sabe-se que isso pode lentificar a ati-vidade eltrica cerebral). Foi feita a explicao de como o experimento seria conduzi-do sem, no entanto, revelar o contedo dele. Todos os indivduos preencheram um termo de consentimento livre esclarecido.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 141

    resoluo 1/10.000, frequncia cardaca,

    frequncia respiratria e eletrocardiografia,

    sendo todos os registros captados de forma

    sincronizada. Os estmulos foram apresen-tados atravs do eye tracker, que rastreia a direo do olhar e avalia o tempo de fixao

    e observao do olhar com diferentes formas

    e anlises estatsticas.

    A anlise do registro eletroencefalo-grfico foi feita com estudo analo-digital,

    excluindo-se os artefatos de movimento

    ocular e piscamento tanto manualmente

    quanto com recurso automatizado do pr-prio software. Posteriormente foi feito o estudo espectral das diversas frequncias

    cerebrais e uma mdia das potncias dos

    diversos ritmos cerebrais tanto em regio

    anterior quanto posterior, considerando

    que os resultados apresentados definiriam

    a lateralizao da frequncia cerebral e,

    consequentemente, classificando a resposta

    emocional positiva ou negativa diante do

    estmulo apresentado.

    A definio da lateralizao e a resposta

    emocional seguiram o approach/withdrawal motivational model of emotion. A anlise das ondas beta se refere ao proces-samento cognitivo; o padro acelerado e

    irregular de frequncia de 13 a 30 ciclos/seg

    indica nvel alto de ateno. J as ondas alfa

    se referem ao processamento emocional; e

    a relao entre ondas alfa e beta define a

    intensidade do padro emocional. A ativida-de alfa em regies frontais e parietocciptais

    corresponde s respostas emocionais: alfa

    direita, emoo negativa, e alfa esquerda,

    emoo positiva.

    A resposta emocional foi classificada

    no apenas quanto valncia, uma vez que

    a intensidade do estmulo no era suficiente

    para gerar um arousal, porm, tambm quanto relao de aproximao ou afeto

    com o candidato, que podia gerar uma

    resposta emocional positiva ou negativa

    do tipo approach/withdrawal.Consoante esse modelo, as respostas

    emocionais positiva ou negativa, segundo

    a valncia figuras ou cenas que causam

    reaes emocionais intensas , devem

    ser observadas com maior intensidade

    nas regies parietocciptais (negativa

    direita e positiva esquerda), enquanto

    as respostas emocionais do tipo approach/withdrawal (aproximao e averso para uma emoo positiva/negativa) devem ser

    observadas com maior intensidade nas

    regies frontais.

    No primeiro turno, com o objetivo de

    avaliar o potencial de transferncia de afe-tividade de Lula para sua candidata Dilma,

    os eleitores foram estimulados a observar

    fotos em trs momentos diversos.

    MOMENTO 1 MOMENTO 2 MOMENTO 3

    1o TURNOEstmulo esttico: apresentao de fotos

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011142

    As concluses iniciais do estudo, ex-

    tradas da anlise apenas do EEG e do

    eye tracker, apontam que, no primeiro momento, diante do estmulo da foto de

    Dilma Rousseff, sozinha, havia um baixo

    engajamento, com maior resposta emocio-nal negativa.

    Depois, expostos foto de Dilma junto

    a Lula, dava-se uma inverso de reao,

    com aumento de 50% na resposta emocio-nal positiva.

    Quando, no terceiro momento, retirou-se

    a imagem de Lula, e Dilma voltou a ficar

    s, houve uma forte reao de reduo do

    engajamento e intensificao da resposta

    emocional negativa, que cresce 80% em

    relao ao segundo momento. Nos questio-nrios psicomtricos, os eleitores expressa-ram sentimento de abandono ao sentirem

    como que subtrados o apoio e o prestgio de

    Lula, anteriormente transferidos em termos

    de afetividade a Dilma.

    1o TURNO

    Tal deciso fora provavelmente baseada

    em pesquisas convencionais que estariam

    indicando a necessidade de fortalecimento

    da imagem autnoma da candidata, re-comendando, assim, minimizar a presena

    do ex-presidente Lula na comunicao do

    partido, para vender a independncia e

    liderana da candidata petista.

    Eu j vira interpretaes semelhantes

    antes, quando opinies colhidas em focus groups e surveys, interpretadas mecanica-mente, haviam direcionado campanhas a

    decises equivocadas.

    Para lembrar alguns exemplos emble-mticos, em 1996, em eleies municipais

    nas cidades de So Paulo, Rio de Janeiro

    e Fortaleza, os candidatos apoiados por

    prefeitos bem avaliados eram atacados

    pelos candidatos de oposio como paus

    mandados. Nos focus groups era comum a cobrana de que os candidatos tinham

    que ter autonomia, ideias prprias,

    Aps o incio da campanha do segundo

    turno, com base nessas evidncias, apontei

    o equvoco da campanha petista da qual, no

    final do primeiro turno e incio do segundo,

    Lula havia desaparecido praticamente da

    TV. E isso prejudicava Dilma9.

    liderana pessoal, etc. Uma observao

    razovel e tipicamente cognitiva. Pois bem,

    medida que mais as campanhas adver-srias mostravam Celso Pitta, Luiz Paulo

    Conde e Antonio Cambraia como meros

    dependentes, transportados na garupa,

    9 Cf. entrevista do autor ao portal Terra Magazine, ou-tubro de 2010. Disponvel em: http://noticias.terra.com.br/ele icoes/2010/noticias/0,,OI4715741-EI15315,00Lavareda+supor+vitoria+de+Dilma+no+turno+foi+ precipitado.html.

    Engajamento motivacional nos trs momentos do experimento

    positivo

    Foto Dilma Foto Dilma/Lula Foto Dilma

    neutro negativo10

    9

    8

    7

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 143

    respectivamente, dos ento prefeitos Paulo

    Maluf, Csar Maia e Juraci Magalhes, mais

    eles cresciam nas pesquisas, at ganharem

    as eleies, tendo iniciado a campanha com

    percentuais de inteno de voto prximos a

    zero. A oposio ajudava, assim, a realizar

    o trabalho dos governistas: garantir para os

    eleitores a continuidade das administraes.

    Aps o incio ainda equivocado do se-gundo turno, essa postura logo seria rever-tida e Lula voltou a ter espao significativo

    na campanha de Dilma Rousseff.

    Segundo turno

    No segundo turno, o objetivo foi avaliar

    a resposta emocional e atencional (engagement) de eleitores que, independente da simpatia partidria, votaram no primeiro

    turno em Dilma, Serra ou Marina, de modo a

    investigar o potencial de maior transferncia

    de afetividade da candidata do PV para um

    dos dois competidores.

    Foram utilizadas como estmulo fotos

    dos dois candidatos ao lado de Marina Silva,

    em rodzio.

    Na anlise do eye tracker, observou--se que o tempo de fixao e observao

    significativamente maior para a candidata

    Marina do que para o candidato Serra, que

    fica secundarizado. J na comparao entre

    Dilma e Marina, as mdias de tempo so

    bastante aproximadas.

    Enquanto a mdia de tempo de obser-vao foto de Jos Serra de 3 segundos

    e 44 centsimos de segundo (3,44), essa

    mdia, no caso de Marina Silva, 50%

    maior do que isso (5,21). Quanto mdia

    do tempo em que os pesquisados fixaram o

    olhar na rea que aparece em destaque no

    heat map, a diferena cai um pouco, mas Marina continua apresentando uma mdia

    superior (4,74 contra 3,22 de Jos Serra).

    A rea em vermelho no heat map indica a prevalncia da observao e da fixao

    do olhar no rosto de Marina. Tambm

    interessante notar um pequeno desvio da

    ateno para o colar que a candidata usava.

    O heat map uma das representaes visuais

    possveis dos dados do eye tracker, na qual se visualiza o comportamento do olhar do

    grupo de pesquisados. Consiste do estmulo

    como imagem de fundo e uma mscara de

    calor (a mancha colorida sobreposta) que

    destaca as reas do estmulo para onde as

    pessoas olharam e fixaram o olhar. As cores

    e sua intensidade variam de acordo com a

    escala de durao absoluta, ou seja, quanto

    mais intenso o vermelho, maior a durao da

    fixao dos olhares. Os grficos mostram

    a mensurao do tempo em que observaram

    a imagem e o tempo das fixaes.

    J na apresentao da foto de Dilma ao

    lado de Marina, o tempo de observao e

    fixao nas duas personagens praticamen-te equivalente. No caso da observao, a

    foto de Dilma obteve mdia de tempo de 4

    segundos e 1 centsimo de segundo (4,01)

    ao passo que a de Marina foi de 4,18; j a

    mdia do tempo de fixao do olhar nas reas

    destacadas no heat map foi respectivamente de 3,79 e 3,89, sem diferenas significativas.

    2o TURNO

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011144

    Serra

    dilma

    mdia do tempo de observao

    mdia do tempo de observao

    mdia do tempo de fixao

    mdia do tempo de fixao

    tempo de fixao

    Serra

    tempo de observao

    Serra marina

    tempo de observao

    dilma marina

    marina

    tempo de fixao

    dilma marina

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

    3,22

    3,793,89

    4,74

    3,44

    4,01 4,18

    5,21

    A anlise dos dados no heat map mostra evidente equilbrio da ateno direcionada

    a ambas. At mesmo um uma pequena

    frao de tempo de fixao dedicado ao

    adereo que cada uma est usando. Ou seja,

    haveria nitidamente uma maior simetria

    de engajamento entre as candidatas do PT

    e do PV do que entre esta e o candidato

    do PSDB. Mesmo no tendo Marina Silva

    apoiado um candidato no segundo turno,

    constatou-se que emocional e cognitiva-mente havia maior adequao entre ela

    e Dilma Rousseff.

    UMA LTIMA OBSERVAO

    O experimento sucintamente relatado

    acima mais uma evidncia da utilidade do

    novo enfoque dessa disciplina emergente na

    tentativa de colher respostas que no estejam

    afetadas por fatores cognitivos tangenciais

    e/ou por vieses contextuais10.

  • REVISTA USP, So Paulo, n.90, p. 120-146, junho/agosto 2011 145

    O maior desafio e justificativa da neu-ropoltica a tentativa de identificao

    dos processos emocionais e cognitivos

    inconscientes que impactam nas atitudes e

    no comportamento dos cidados. E h quase

    um consenso de que a melhor estratgia para

    essa busca a mensurao sob mltiplos

    ngulos, pois os dados obtidos apresentam

    melhor rendimento quando utilizados em

    conjunto psicometria, neurometria e

    respostas psiconeurofisiolgicas combi-nados a dados provenientes das tcnicas

    tradicionais, nesse caso com questionrios

    de surveys e roteiros de focus groups ne-cessariamente adaptados para dialogar com

    as outras metodologias11. Ou seja, em uma

    abordagem holstica, que componha um rico

    painel biopsicossociocultural. Naturalmen-te, tudo isso com a prudncia necessria para

    que nessa nova seara tenha-se a humildade

    de reconhecer as limitaes decorrentes do

    seu estgio inicial e evite-se incorrer nos

    desvios da neuromitologia12.

    Cautela que no deve desestimular os

    pesquisadores acadmicos ou profissio-nais de marketing poltico a empreende-rem esse trajeto. Afinal, para darmos um

    passo adiante nessa rea, a viagem ao

    crebro do cidado parece um convite

    irrecusvel.

    BIBLIOGRAFIA

    alBUQUerQUe, ana Cristina taunay Cavalcanti. O Fenmeno Muitas Faces: Estudo Comparando a Percepo do Fenmeno Quando Utilizamos Estmulos de Face e Cadeira. dissertao de mes-trado em neuropsiquiatria e Cincias do Comportamento. recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2007.

    arnold, m. B. Emotion and Personality. nova York, Columbia University Press, 1960.BerelSon, Bernard r.; laZarSFeld, Paul F.; mCPhee, William n. Voting: a Study of Opinion Forma-

    tion in a Presidential Campaign. Chicago, the University of Chicago Press, 1954.BeYerStein, Barry. mitos relacionados s estruturas e Funes Cerebrais, in Revista Viver Mente &

    Crebro Scientific American. ed. especial no 19, pp. 65-71, 2009.Brader, ted. Campainging for Hearts and Minds: How Emotional Appeals in Political Ads Work. Chica-

    go, the University of Chicago Press, 2006.Cannon, Walter B. Bodily Changes in Pain, Hunger, Fear and Rage. new York, d. appleton & Co.,

    1920.CBS/nYtimeS. Poll: national Survey of tea Party Supporters, in New York Times, 12 de abril de

    2010.ConverSe, P. e. the nature of Belief Systems in mass Publics, in d. e. apter (ed.). Ideology and

    Discontent. Glencoe, Free Press, 1964, pp. 206-61damSio, antonio. Em Busca de Espinosa. So Paulo, Companhia das letras, 2004._______. O Mistrio da Conscincia. So Paulo, Companhia das letras, 2000.doBBS, david. limites da imagem, in Revista Viver Mente & Crebro Scientific American, ed. especial

    no 19, 2009, pp. 65-71.doWnS, antonhy. An Economic Theory of Democracy. nova York, harper and row, 1957.elliS, albert. Reason and Emotion in Psychotherapy. oxford, lyle Stuart, 1962.Fiorina, morris. Retrospective Voting in American National Elections. new haven, Yale University

    Press, 1981.Green, a. o duplo e o ausente, in a. Green. O Desligamento. rio de Janeiro, imago, 1994.GUGUen, nicolas. Psychologie du Consommateur. Paris, dunod, 2011.

    10 Ver exemplos em: Lavareda, 2009. O Laboratrio de Neuromarketing da FGV Projetos, do qual o autor membro do Conselho Cientfico, realizou aps a posse da presidente Dilma, entre os dias 25 de fevereiro e 2 de maro de 2011, um experimento semelhante, no qual tambm foram utilizados o EEG e o eye tracker.

    11 Nessa perspectiva, por exemplo, acredito que os analistas de focus groups precisam ter quase os mesmos cuidados de um psicanalista ao interpretar os participantes: O analista no ouve apenas com o ouvido, mas com todo o corpo. Ele sensvel no apenas s palavras, mas tam-bm entonao da voz,