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A enlutada Família do nosso prosado e chorado Amigo dedicamos estas toscas li­

nhas. Elias só têem o valor do sentimento, que a amizade inspira.

Na dor ha sempre linitivo, quando se sabe, que outros corações a compartem.

UM AMIGO.

Em

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D R . PEDRO WENESCOP CAHAMIEDE.

Que fais-tu, ó mon âme! que pense-tu ? Vers qui regarde tu en arrière dans ee temps qui ne peut-plus ravenir!

Aliens chercher au del ce que nous ne pouvous plus trouver sur la lerre 1

(PET. TRAD. DE LAM.)

No clia 12 do corrente mez mais uma illustre vi clima caiu, derribada pela mão da morte.

Foi uma existência ainda reverdecida, ceifada precocemen­te, uma vida que se extinguiu, como a alampada que, no meio do templo, derramando seu almo clarão, o rijo soprar do vento apagou, antes que os raios do sol viessem espancaras trevas da noute.

A vida, que para tfns é triste e afflictiva, para outros ale­gre e risonha como um rosto de virgem a sonhar amores; a vida, que é umas vezes uma perspectiva bella e cambiante, uma successão de phases, subindo gradualmente para as re­giões da ventura, um riso succedendo a outro riso, tima luz,

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NECROLOGIA,

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á que suecede outra luz mais brilhante, um horizonte, d’on de I se descortinam outros horizontes superiores; é outras vezes um lago amortecido, cujas aguas não lançam frescores, senão efíluvios, e emanações mórbidas.

No primeiro caso, ella é a felicidade, é o afago de Deus buscando o homem.na te rra , é a predestinação para o bem e para o gozo, o mundo transformado em édem.

Mas, ao reverso deste quadro, para quantos não é a vida pe­sada como a montanha de Prometheo, um martyrio longo e doloroso, em que as horas se contam por annos, e estes se calculam por séculos; o abutre que corroe as vísceras sem­pre recrescentes para o soffrimento e para a d ô r !

Felicidade ou ventura, que és t u ? . . . Mais um sonho do que realidade na terra. Quem tepossue plena e in teira, sem que, no fundo da taça que lhe offertas, não sinta resaibos am ar­gos, sem que lhe não venham os desgostos ennuviar-lhe a fro n te? !

Quando menos o espera, a tempestade se levanta medonha, e expande suas negras azaspor sobre esse horizonte, que vira esplendido, trocando-lhe as luzidas cores pelo carregado bulcão.

A perspeetiva seductora da vida lá se vai envolver em escuro manto; o riso se funde em lagrim as, e essa luz que nos al- lumiava, como um p h an a l, m ostrando-nos, nos longes do porvir, o vergel florido de nossas esperanças, some-se na amplidão do espaço e nos deixa a vagar por entre escolhos. Felicidade ou ventura! . . . . verdadeiro phenomeno na vida humana, meteoro que luz, e bem depressa se desvanece ao mais ligeiro sopro da adversidade.

A sua duração é a do sonho, a sua estabelidade é caduca como os falsos brilhos da lentejoula, bastando a acção do ar para os marear e ennegrecer.

O caminho que trilham os em nossa peregrinação é escor­regadio e inclinado. Se na marcha que levamos, célere ou

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pausada, perdemos o compasso, tarn necessário ao equilíbrio do corpo, como o rhythmo e a cadencia sam indispensáveis á poesia, tombamos sobre o solo.

Felicidade ou ventura, que és tu ? um ideal que se não realisa na vida, nota longínqua de um canto angélico, que mal attinge a terra , e o homem menos comprehende. Esvoaças por sobre nós, impalpável como uma sylphide, sõ te exhi- bindo em distancia como as estrellas que bordam o firma* -mento.

Vária e enganosa como a miragem, quanto mais pareces que te facelitas, quanto mais pareces que adejasem derredor de nós, como a pomba que esvoaça, procurando poiso, tanto menos te alcança a nossa mão, e menos segura és e estável. Foges ao nosso contacto como o fum o, e mais medras em inspirar desejos do que em satisfazel-os.

Nesta incerteza das cousas humanas, pesado o bem e o mal, quem se poderá dizer feliz, e ao abrigo do mal que por toda a parte nos segue como a nossa propria sombra?

Os lances prósperos, na vida humana, sam como ligeiros episodios, e não constituem o fundo delia. O bem é como o ligeiro sopro, que nos vem beijar a face e se retira, dei* xando-nos um profundo sentimento de o haver perdido.

Sem pretendermos profundar mysteries contra os quaes, como em um rochedo, se vam espedaçar todas as especula* çoes da philosophia, fraca e impotente ante o segredo da creação, diremos que, se fosse permettido ao espirito oppòr-se aos desígnios de -Deus, contente elle renunciara a vida terrena, a sua união á materia, porque é trocar o infinito pelo finito, descendo de um mundo superior a partilhar as vicissitudes das cousas falliveis e perecedoras.

Em verdade, valle de lagrimas ou terreno coberto deossa* das e tumulos, eis o que é o mundo com todas as suas gran­dezas, com todo o seu orgulho e vaidade, com todos os seus vícios que invadem e degeneram o coração humano, destru

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indo-lhe os germens da virtude, que deve to rnar menos an- Iguslioso o rápido perpassar da vida.,

O que resta do homem que cae ferido pela morte e é ar­rastado á beira da cova, onde o arremessam para nunca mais

[se erguer?'Com esse cadaver desapparece urna intelligeneia, que con­

cebe e que cria, um espirito que se enlljusiasmou pela ver­dade e pela justiça. Resta o vácuo, e vem depois o tempo es­tender por sobre essa cova o véo do esquecimento.

Mas, se o mundo o deslembra, no coração d’aquelles que | o conheceram de perlo, que o comprehenderam e admira- j ram, que o amaram com as affeições do céo ,.eum a amizade

jsancta, a sua memória perdura, e lhe sobrevive a saudade.Pais, Irmãos e Amigos, para vós não pereceu de todo o ente

I querido, porque não vos morreu o sentimento, que pela au- i sencia vos cria saudade, reílectindo em vossa imaginação a I sua imagem.

O tempo que tudo póde sobre a natureza physica, é fraco je impotente sobre o sentimento, que pertence á alma. O I que e da alma a acompanha em seu destino, e nenhum tri-1 jbuto paga ao tempo.

Não basta que a campa se erga, como uma fauce para devo» jrar o corpo.,

Dentro de si não recolhe e sella as lembranças que ficam, jos pezares e as dôres, que sobrevivem ao finado.

Ha existências, que passam no mundo, Iam caras e iam | angelicas, que deixam na alma, no seu adeus de separaçãoe ausência eterna, um golpe tam profundo e doloroso, que

I maior não póde ser o da hora do passamento, em que o es-1 I pirito lucla para se libertar da materia. Quizeramos, se fos­se possivel, ser presentes ao supremo momento, em que uma alma pura, mostrando a fronte limpa do estigma do crime e I

j errando-lhe nos lábios o riso da virtude satisfeita, tivesse de responder em juizo final, dando conta do seu itenerario en- l

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ire nós; uma alma que mais adejou como a ave do que poisou sobre a te r r a , lastimando em sua consciência as tropelias, oppressões e horrores, as vans jactancias, o nada da vida, a que se agarram os homens carnacs, os quaes as paixões ruins embrutecem, limitando o seu destino ao viver de um dia e ao I somno da morte, que não é para elles, senão a cessação do movimento, que os impelle para as iniquidades, e do pulsar do coração, que os escravisa ao mundo.

Quizeramos, dizemos, ser presentes a este prostremo mo­mento, e vêro nosso amigo, sereno e calmo, revestido de pia- eida candura, encarar o quadro de suasacções sem estreme­cimento, sem que lhe fugisse a firmeza, que alenta a virtude, em quanto o vicio fraqueja aterrado.

Esta alma inoífensiva, que se apartou de nós, ainda vive no sentimento, que nos deixou. E’ como a flôr, que ainda rescende o seu perfume no sitio em que se balouçava na haste, depois de arrancada d'alli; e como o da flôr, foi também transi­tório e breve o seu viver.

Nasceu o nosso illustre amigo, nesta província, em 11 de março de 1825. Filho legitimo do Capitão Raymundo Joaquim Cantanhede e de sua mulher a Exm.a S r.a D. Carolina Anto­nia Launé.Cantanhede, pertencia a uma antiga e das primei­ras famílias do Maranham..

Oriundo de Pais abastados e lavradores distinctos, mas a quem a fortuna ultimamente, como por provaçao, havia res­tringido seus favores, encontrou em seus extremosos irmãos a protecção mais ampla, em nada inferior aos carinhos e so­licitude paterna.

Qollocados na sociedade maranhense em posições elevadas, mais por mérito e esforço proprios do quepoi influencia aa venlicia, ou de sua mesma família, não obstante ser esta mm distincta e relacionada; alem de outras qualidades que os re~ commendam á estima geral, possuem os irmãos do nosso fal- lecido amigo uma virtude eminentemente grande a fraterm-

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dado, que os prende entre si, pondo-os em relevo aos olhos [de lodos.

Mostrando elle, desde os primeiros annos, grande iiítellí |gencia e vocação para as letras, seus solícitos irmãos o destina­ram á carreira scientiíica, na qual manifestou sempre uma

j aptidão e desenvolvimento fóra do commum.Começou no Lyeeu desta capital o seu tirocínio [literário,

aln estão os seus collegas, que mui bem podem altestar o |que levamos dito.

Em todo o tempo que frequentou o curso jurídico, na Aca Jdemia de ôlinda, ramo já crescido e desenvolvido não de* jmemiu a tenra vergou tea, fazendo com exito e distiueção os jdiíiei entes aclos, para o bacharelato, tomando o grão em 5 jde dezembro de 1850,

Regressando a sua província, foi recebido no grémio de sua família com as alegrias que uma longa ausência motiva e a satisfação de um pensamento realísado.

0 Dr. Pedro Wenescop Cantanhede, resfolgando por algum J tempo do árduo trabalho de sua formatura, trabalho que"la 1-

jv e z contribuiu a que tivesse no mundo uma existência Iam curta, occupou o lugar de Advogado da Sancta Casa da Mize

jh ^ o id ia , por nomeação da respeetiva Meza Administrativa de 1 ° de juIho ,le l851 , e encetou o funccionalismo publico, ac- ^eilaudo a nomeação de Prom otor da comarca do Ilapecurú- ! nnnm , em 13 d’agosto do mesm armo, sendo. Presidente da | provinda o Br. Eduardo Olimpio Sachado.I Dispensamo-nos de lodo o esclarecimento, respeilo ao mo­do, porque desempenhou este cargo. Moço honesto, estranho

jaos impulsos do odio, e aos rancores da malevolência de I1!"1? ‘“ '««iíSenda esclarecida e elevada, para se não transviar, do dever, nenhuma censura lhe cabe no exercício do seu emvo.

I . a J"st'5a henevoia que corrige, não a perseguição A jo p p n m eea lo rm e .u a . Dotado de uma alma com placence Um C° m a ° 'M m ’ minca tinha maldição pllra p,.n|.,fil. „

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nem o rugir da raiva lhe echoava no peito. Sem os estampi­dos da ameaça ensinuava e persuadia.

Sua indole, branda como a viração da tarde que cicia do- I cemente por entre a ramagem e vai depois afagar as ílôres do prado, nos lembra essas aves, cujo canto, terno e saudoso, chama o pensamento para D eus, sem os estremecimentos e abalos do rouquejar do trovão.

Em 15 de janeiro de 1:852, foi nomeado Advogado da Gama­ra Municipal da villa do Rosario, lugar que bem serviu, bem merecendo da mesma Gamara, que o nomeou.

Em l& d ’outubro de 1855, foi interinamente nomeado, pe­lo vice-Presidente em exercicio , o Commendador José Joa­quim Teixeira Vieira Belfort, para o lugar de ofíieial-maior do

I Tribunal do Commercio desta província, entrando em efle- clividade em 6 de maio de 1856, sob proposta do Dezembarga- j dor Cypriano José Vèlloso, então Presidente do mesmo Tri­bunal, e continuou no exercicio deste cargo até outubro de' 860.

Em 19 de março de 1856, foi nomeado 3.° substituto do Juizo | I Municipal da 2 .“ vara desta capital, na presidência do Exm. Sr.I Antonio Cândido da Cruz Machado.

A província também não esqueceu esta hella intelligencia, quando teve de mandar ao seu parlamento os deputados do

I povo.Ahi o vimos concorrer com os recursos de sua illuslração,

Je do seu talento para o progresso de sua terra natal. Repre­sentante do povo não iIludiu o seu mandato, não Ransegiue não desceu ao lodo do aviltamento, trocando o brio do ho­mem e a dignidade do Deputado pelo injurioso renome deganhador politico.

Na cadeira de legislador não abdicou sua honestidade e nem | a venalidade e o sinismo lhe conspurcaram o iosto.

Ha certos espíritos, para os quaes a deshonra e a infamia | | causam horror, e como aseusitiva, se retraem ao seu aspecto -

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Gomo a garça que adeja por sobre o paul dos mangues e o limo das coroas, sem manchar suas brancas azas, assim pas­sou eile entre nós.

Esíes sam os espíritos, que não vivem só para o mundo; vi­vem para sua consciência e para Deus, porque têem um ideal elevado. Sam aquelles para quem a justiça não é um nome vão. Creem n’uma Providencia que retribue e que pune, e que, assim como ha no mundo uma lei de equilíbrio physi- co, ha lambem uma lei de equilíbrio moral, que se resume no divino preceito de Jesus Christo: «Não faças a outrem o que não queres que te façam a ti» ; e é por esta lei de equi- ibrio que se póde explicar essa outra sentença, que condeinna

| nos filhos os crimes dos pais até a terceira ou quarta geração Cada familia, cada tribu, cada povo é responsável solida-

ri a mente por suas iniquidades e por seus crimes, por si, no presente, e nas gerações que se succedem. O equilíbrio se ha de

! restabelecer, e a reparação, cedo ou tarde, será feita.O Evangelho não mente; Christo é a sabedoria e a verdade! Em 19 de outubro de 1860, foi nomeado Juiz Municipal e

d’0rfãos dos termos reunidos de Caxias eS . José, desta pro- j vincia, pelo Conselheiro Paranaguá, e Delegado de Policia dos

mesmos termos, pelo Presidente Dr. Joao Silveira de Sousa, em portaria de 20 de dezembro do mesmo anno.

Uma terrível enfermidade, que a principio suppunha-se uma leve affecção, que a medicina podia combater e destruir, foi se açgravando de dia em dia, obrigando-o a retirar-se para a capital, deixando o exercício de sua judicatura. Fora ella tal­vez, como dissemos, o resultado de sua applicação durante os estudos, e que arruinou a sua compleição debil, roubando-o a sua familia.

Ha affecções que, quando atacam annunciam desde logo ao paciente, no seu desenvolvimento e progresso, que a sua ul­tima hora breve soará; e que a vida que lhe resta não é se­não uma antecipação da morte, o tempo de terrível provação,

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em que o espirito carece de toda a coragem, e o coração de uma resignação evangélica.

Sam estes momentos da vida, que o sabio encara impassí­vel, obdecendo a uma lei immutavel, e o justo vê passar sem terrores, conlando-os um a um.

0 Dr. Pedro Cantanhede também conversava comas Musas. Fatiava a linguagem sublime e divina, com que o Poeta se eleva a Deus.

Entre suas composições poéticas muitas lia de grande mé­rito, impregnadas de um profundo sentimento de tristeza, re­velando o estado calmo e resignado de sua alm a, que pre­sente declinar para o occaso o sol da existência.

 sua poesia— Olindina— que vem publicada no Parnaso Maranhense, é uma inspiração de sua alma, já em 1848 entre­vendo 1862.

Esse aniquilamento gradual da vida, esmorecendo aos pou­cos, em quanto a razão se conserva vigorosa e robusta no meio dos estragos da moléstia, que é, senão a lugubre pro-

eeia que o Poeta faz de si mesmo, e que o tempo bem de­pressa vem realisar?

Não podemos resistir ão desejo de apresentar aqui este seu trabalho poético, com o qual arrematarem os esta breve ne­crologia.

De suas poesias se vê que o Dr. Pedro Cantanhede presen- tia a proximidade da morte. Para elle não ha esperança que não m urche, illusão fagueira que se não desvaneça, sonho que se não dissipe ao despertar do espirito, desejos que nãovão embater contra a dureza da sorte.

Seus versos, que têem as vezes o accento da lamentaçao, não mostram comtudo a atribulação que confrange; sam a al­ma sentindo e revelando o sentimento pela palavra, suave e complacente, sem queixumes que desabafem o soffnmento ou que digam a d o r -b a s ta . O Poeta acceila os rigores dasorte sem se revoltar contra ella.

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Entretanto a enfermidade caminha. Brevemente seu co­ração deixará de bater e seus olhos se fecharão para a luz. j Todos os desvelos empregados por sua família, afim de im-j

Ipedir o avanço da moléstia sam baldados. ]O solde 12 de j.ulho raiou em fim cercado de uma aureolai

abrasadora, e vem pôr termo ás agonias do m oribundo. jPara sua extremosa familia, para seus amigos, para aquel- :

les, que amam a bondade no homem,, e asua pureza d’alma, e que deixando de parte o estado do enfermo, para só altendc- rem a sua idade, em que ai nda ha muito a percorrer no es­tádio da vida, o dia 12 de ju lho deve ser, e com razão, um dia fúnebre, de luto e de dôr, e em que a alma seabysm a na mais funda saudade. Neste dia vê a Mãi, com angustia que mata, a morte arrancar-lhe o filho, em que por tantos annos empregou seus desvelos e seus carinhos, desde os prim eiros risos da infancia até que se torne homem de sciencia ,

[pensador e reftectido.Os irmãos vêem tornado em frio cadaver, que o tumulo vai

recolher, o amigo por quem tanto se estremaram com auspicios naternaes.

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Á voz com que lhes respondia está extincta. Retirou-se dentre elles esse bello espirito com que se entretinham ecom- muni cavam reciprocamente.

Pela voz do irmão responde-lhes o bronze da to rre , annun- ciando que mais uma ascensão se effectuou para a eternidade.

Mas também para o moribundo esse dia trouxe o termo Idos soffrimentos, o repouso e a paz.I Quando o mundo não offerece remedio que refrigere a dôr, Saquelleque soífre sollicita a morte como um bem appeteci- & do e um acto de bondade divina.1 Que seja assim, nem por isso é menos doloroso o golpe jq u e a amizade sente, ea fraternidade experimenta. Seja as- js im para o que m orre, não para os que ficam, que lambem Isentem e lambem sofírem na perda do amigo ou do irmão.

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Para estes lambem ha dô re dôr irremediável, que carece de consolação e de allivio. j

Assim pois, a consternação é bem natural, o lucto e as lagrimas justificáveis, como um tributo sagrado, que se vai 'pagar ao morto junto á campa, sobre os restos queridos de I ‘um amigo ou de um irmão.

Não diremos á Mãi desolada, que carpe lamentosa a perda tio filho: refreia! a vossa dôr; ao seu coração que se desfaz! ■em pranto: não choreis.

Para os que padecem, não de dôr physica, mas dessa ou­tra dôr maior e rnaís vehemente, que se conseritra no cora- íção e se resume n’alma, as lagrimas sam um lenitivo e mes­mo urna necessidade. Sam como um respiradouro ás lavas •que enchem o peito, as quaes comprimidas e recalcadas po-

f cleriam rebentar em explosão.I Que importa qup ellas não aproveitem ao morto e o nao pevoqnem á vida f Por mais ardentes que sejam, bem o sa*- I hemos, não podem communicar-lhe o calor vital, porque o I pranto não accorda ao que dorme no remanço do tumulo. I Porém, se carpimos junto ao inerte cadaver, nosso espi- I ri to destacando-se delle, se eleva como o fumo do incenso, I unindo as lembranças cia terra ás contemplações cio ceu.I Campa que encerras os caros despojos do amigo, no it- ivnão e do filho , adormecido antes que houvesse transposto Sua vida a linha do occaso; quando para eile ainda era dm, e I um porvir ridente enlevava seu espirito, não te posso enca- I r a r sem c o mm o ver-m e, sem que me venha assaltai a alma I um tropel de recordações! Uma família inteira te ueeicu, I procurando com tristes olhares descobrir, atravez cie tua e>- gpessura, o seu thesouro que lhe guardas, para o não i tstiíui i-res jamais. Toda esperança immurchece ao teu contacto, t I nenhum gemido tem echo. Â mudez e o silencio, que desola go coração dos que de ti se aproximam, sam a liiiguucc.m com i-que respondes ao pranto, e o consolo, que óffereces a doí.

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Eu. afasto de ti os meus olhos, levantando-os para o ceu, |onde ha verdadeira consolação para quem soffre, doçuras I para todas as magoas e remedio para todos os males,

Maranham, 23 de julho de 1862,

OLINDINA.

(hectica.).

pars, et des ormeau-x qui.bordent le chernin. J’ai passeies premiers à peine...

(A. Chénieh.)

, . . . et fugit velut «mbra.(Job.)

Por força da moléstia se m irrarão Minhas carnes, e a côr trago perdida;E como pouco a pouco expira a cltamma

Assim fugiu-me a v o z .. .

E' duro ver a vida ir-se extinguindo Conservando a razão vigor inteiro !Mas não, meu D eus! bem é que a razão mostre

O caminho da m orte . . .

Tu só, tu só, razão ! nos dás alento Neste mar de miragens enganosas,Celeste em anação! tu nos amparas

Neste valle de lag rim as.. .

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Tão breve a vida—com desgostos tantos! Ephemero o prazer.. .longas as dores.. . Rara a affeição sincera. . . o fingimento

Esparso como o m ar! . . .

E sôbre tudo isto—a enfermidade Alem de triste e má, isoladora ! Ninguém, excepto tu, ó mãi querida,

Se chega á pobre enferma. . .

Não mais lamentações.. .não mais, meus lábios í Vem, ó morte, eu te aguardo—vês ? bem calma; Não te temo—que é filha da saudade

Esta minha tristeza. . .

Ó mãi, ó doce mãi vem a meus braços; Dá-me o ultimo amplexo; o béijo extremo Na face me depõe cavada e pallida

Como a face da morte. . .

Adeus! . . . e quando a aurora alem desponte; Ou quando, á noite, sôbre a terra desça O anjo do silencio, ó mãi querida,

Te recorda de mim. . .

D isse.. . Sua voz sumida semelhava O cicio da brisa entre a folhagem.. A fronte inclina no materno seio,

Beija-o.. . suspira e m orre..

Recife, 15 de Novembro de 1848.

Typ. do—Progresso—rua da Paz, 4 A.—1862.

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