NE#2_OK

76
Mangabeira Unger: “Nordeste precisa se rebelar!” Josué de Castro e Fome: Persistência onde mais falta educação ECONOMIA SOLIDÁRIA Região ensina o que fazer pelos excluídos do crédito SONHO E DESPERTAR SEM FIM PELO DESENVOLVIMENTO R$ 9,90 CIêNCIA&TECNOLOGIA CADERNO ESPECIAL A PARTIR DESTA EDIçãO NORDESTE, SÉCULO XXI

description

Josué de Castro e Fome: - Mangabeira Unger - Meio Ambiente: Caatinga o paraíso de Euclides - Cultura x Lei Ruanet - Crédito para todos - R$ 9,90 - Edição 02

Transcript of NE#2_OK

  • Mangabeira Unger:Nordeste precisa

    se rebelar!

    Josu de Castro e Fome:Persistncia onde mais falta educao

    Economia SolidriaRegio ensina o que fazerpelos excludos do crdito

    Sonho e deSpertar Sem fim pelo deSenvolvimento

    R$ 9,90

    CiNCia&TeCNologiaCaderNo esPeCial a ParTir desTa edio

    nordeSte, Sculo XXi

  • Cliente Consulta | Ouvidoria: 0800 728 3030 - www.bnb.gov.br

    A gente no mede esforos para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

    Desenvolvimento financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.

    Desenvolvimento fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.

    No importa a dificuldade.No importa a distncia.

    BN012-08-AN_REV_410x275.indd 1 09/07/09 10:41

  • Cliente Consulta | Ouvidoria: 0800 728 3030 - www.bnb.gov.br

    A gente no mede esforos para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

    Desenvolvimento financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.

    Desenvolvimento fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.

    No importa a dificuldade.No importa a distncia.

    BN012-08-AN_REV_410x275.indd 1 09/07/09 10:41

  • O que divide os homens no so as coisas, so as ideias que eles tm das coisas, e as ideias dos ricos so bem diferentes das ideias dos pobres

    Metade da humanidade no come; e a outra metade no dorme, com medo da que no come

    Josu de Castro (1908 - 1973). Viso de mundo

    Um dos traos fundamentais de Josu de Castro era a sua clarividncia. A clarividncia uma virtude que se adquire pela intuio, mas sobretudo pelo estudo. tentar ver a parte do presente que se projeta no futuro.

    Antes de qualquer um de ns falar em fome, ele j dizia que era preciso criar uma poltica de renda mnima para garantirmos que todos tivessem o direito de comer e de sobreviver

    Acho que foi ele que disse: - existe fome no Brasil. Ele que deu fome o estatuto poltico e cientfico quando levantou essa questo. ... este um crime poltico que a ditadura militar tem que debitar na sua imensa conta. A morte dele no exlio.

    O Josu, nunca vi tamanha desgraa. Quanto mais misria tem, mais o urubu ameaa... ...tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem Josude Castro,...rapaz!

    Sou fascinado por Josu de Castro como pelos profetas, especialmente Jeremias. Devo a ele o conceito de que

    um crime contra a humanidade ver gente passando fome. Josu tinha a cabea lcida e o corao generoso. Foi s razes da fome e apontou as solues

    Josu uma das pessoas que eu mais admirei. Eu digo mesmo que Josu o homem mais inteligente e mais brilhante que eu conheci. ... o diabo que me dava uma inveja enorme - Josu era brilhante em todas as lnguas... Incrvel! ... mas, isso, do intelectual mais eminente do pas, a figura mais importante do territrio brasileiro, a mais visvel... esse, ser levado morte em tristeza, querendo vir...

    Betinho, socilogo

    Chico Science, msico e compositor

    Dom Mauro Morelli, bispo emrito de Duque de Caxias (RJ)

    Darcy Ribeiro, antroplogo

    Milton Santos, Gegrafo

    Lula

    Insigths

    5Junho/2009Nordeste VinteUm

  • CaRta Do EDitoR

    Criar viver duas vezesP

    Albert Camus

    or sculos, o fado nordestino tem sido sonhar com prosperidade e acordar atarantado pelos espectros da sua prpria misria. Eterna parece

    ser a luta da regio na tarefa de se equilibrar das verti-gens do seu arraigado subdesenvolvimento.

    Embora a gente do lugar nunca se quede em defini-tivo ante as foras do atraso, um certo complexo de in-ferioridade e derrotismo, s vezes, quer se aplacar sobre conscincias empreendedoras menos providas de capa-cidade financial.

    Isso acontece de maneira contumaz naqueles nichos de capitanias que no deram to certo. Aonde iniciati-vas, projetos e negcios inovadores acabam vindo luz natimortos, porque prevalecem de pancada o inexorvel ceticismo poltico, a desconfianas dos regionalismos exclusivistas e o pobrismo das idias.

    Expresses conceituais como perspectivas de de-senvolvimento sustentvel, por exemplo, ainda pas-sam longe da semntica anacrnica de setores cujo ni-co dialeto possvel o da naturalizao de misrias. Da perptua negao de vez e voz a quem nasce pobre. Sem dinheiro para bancar as primeiras letras.

    Aqui, entre ns: revoltante, porm inegvel a persis-tncia de mitos e verdades, ora em mistura, ora em alter-nncia implacvel, na conspirao pelo malogro de um novo veculo de comunicao nessas bandas do Brasil.

    Em nosso meio, o exguo lastro regional na forma-o de competncias tcnico-profissionais e a ausncia de polticas pblicas em conjunes scio-econmicas e culturais favorveis a qualquer surto de atrevimen-to empreendedor, por exemplo, ainda teimam em soar como critrios de pronto descrdito e excluso.

    Tudo a perpassar e prejudicar nossos ambientes j to castigados pelas hostilidades do clima e do tempo, pelos descasos da histria. Mas, isso so outros 500 anos. E, na contramo do contedo dessas leituras de contextos, eis que surgiu em nosso mercado grfico-editorial a Nordeste VinteUm.

    Em dois meses, uma verdadeira aragem de vitalidade e ousadia. Em plena saudao. A transcender as cenas jornalsticas local e regional. Afinal, j fazemos sucesso em Braslia e at em So Paulo. E, porque no mencio-nar, at o talo de orgulho, como fomos tratados ao nvel da grata surpresa, atestada e manifestada por quem faz o cotidiano do pensamento sobre o Nordeste?

    Assim, aconteceu nas dezenas de e-mails, cartas, entrevistas, telefonemas, editoriais e notas de jornais, rdio e televiso, bem como nos contatos, visitas tc-nicas, institucionais e de cortesia em rgos como universidades, faculdades, autarquias, empresas p-blicas e privadas, centros de pesquisa, parlamentos estaduais e municipais.

    Estreamos com a coragem e a cara de quem acredita que confiar em si mesmo o primeiro segredo do xi-to, da sobrevivncia. Assim como o sertanejo, rfo das polticas de Estado e de governo, que nem por isso dei-xa de empreender e inovar. Ser antes de tudo um forte, como descreveram Euclides da Cunha, em Os Sertes, e Graciliano Ramos, em Vidas Secas. Resistindo e mor-rendo, morrendo e resistindo, como o Rio Jaguaribe. Do Cear, de Demcrito Rocha.

    Agradecidos, inclusive para quem duvidou em al-gum instante, temos o prazer de levar s suas mos o segundo nmero da nossa revista. da cepa deste bando de filhos de retirantes do interior cearense e at de Toledo, no Paran e Caador, Santa Catarina. Todos metidos a jornalistas, designers e administra-dores, mas com valentia talento e honestidade de propsitos. Aptos a desvendar-lhes nesta edio: a exuberncia da caatinga, os sonhos insurrecionais de Mangabeira Unger, a atualidade do cientista per-nambucano Josu de Castro, os desequilbrios da poltica cultural brasileira, as lies de economia solidria do Nordeste, os avanos da cincia e da tecnologia na regio e muito mais. Confira e cresa junto com a Nordeste VinteUm.

    QUEM SOMOSA Nordeste VinteUm nasceu do know-how da Editora Assar na produo e publicao de veculos impressos, dirigida por uma equipe experiente composta por (1) Francisco Bezerra (Relaes Institucionais e Negcios), (2) Claudemir Gazzoni (Diretor de Arte), (3) Orlando Jnior (Financeiro) e (4) Marcel Bezerra (Jornalista). Alm disso, a editora trouxe ainda para a revista a competncia dos jornalistas (5) Wilton Bezerra Jnior (Editor-chefe), (6) Luclio Lessa (Chefe de Reportagem) e o editor de arte (7) Vladimir Pezzole (Programao Visual).

    63 5

    1 27

    4

    6 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • SumrioA reforma de um mecenato desigual

    Cultura

    42

    Nordeste ensina incluso pelo crdito

    Economia52

    Voz, letra e Nordeste Gilmar de Carvalho e Francisco Sousa

    Instante

    40Editora Assar Ltda MERua Waldery Ucha, 567 A n BenficaFortaleza, Cear n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

    Josu de Castro flagelo persiste por falta de educao

    Mangabeira Unger desenvolvimentismo volta a marcar passo

    Fome Projeto Nordeste

    08 22

    Conhea o bioma brasileiro em risco de desertificao

    Caatinga32

    20. Caleidoscpio 50. Saberes&Sabores 62. Ateli

    Sees

    39. Sobre a feira da Caatinga Maria Tereza Jorge Pdua

    48. A descaracterizao do mecenato e a regionalizao de recursos Ubiratan Aguiar

    60. Rudos no Andar de cima Luiz Carlos Antero

    Artigos

    Francisco Bezerra Diretor de Negcios e Relaes Institucionais [email protected]

    Orlando Jnior Diretor Administrativo Financeiro [email protected]

    Wilton Bezerra Jnior Editor Executivo [email protected] [email protected] [email protected]

    Marcel Bezerra Editor Adjunto [email protected]

    Flamnio Araripe Editor Adjunto de Cincia e Tecnologia [email protected]

    Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte [email protected]

    Vladimir Pezzole Editor de Arte [email protected]

    Luclio Lessa Chefe de Reportagem [email protected]

    Paulo Rocha Reprter Fotogrfico [email protected]

    Imagem Assessoria de Comunicao Marketing [email protected]

    Colaboradores ABA Film, Barros Alves, Luiz Carlos Antero Mino Castelo Branco, Tiago Santana

    Impresso Pouchain RamosTiragem 16.000 exemplares

    Edio N 02Ano I Junho/2009Revista Nordeste VinteUmPoltica, Economia, Culturawww.revistanordestevinteum.com.br

    Jos Cruz_Abr/Centro Josu de Castro

    Mangabeira Unger:Nordeste precisa se rebelar!

    Josu de Castro e Fome:Persistncia onde mais falta educao

    Economia SolidriaRegio ensina o que fazerpelos excludos do crdito

    Sonho e deSpertar Sem fim pelo deSenvolvimento

    R$ 9,90

    CiNCia&TeCNologiaCaderNo esPeCial a ParTir desTa edio

    nordeSte, Sculo XXi

    TODOS OS DIREITOS SO RESERVADOS. proibida a reproduo total ou parcial, especialmente por sistemas grficos, microflmicos, fotogrficos, reprogrficos, fonogrficos e videogrficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado.

    7Junho/2009Nordeste VinteUm

  • ESPECIAL

    Conspirao do silncio

    Fome Persiste.E agora, Josu?

    CARL

    INHO

    S ALC

    NTA

    RA

    8 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Por Luclio [email protected]

    Seis dcadas aps a publicao do seu mais famoso livro, Geografia da Fome, o cientista pernambucano Josu de Castro ainda a grande referncia sobre o assunto. No toa. At porque quase 850 milhes de pessoas 16,6% (FAO-2005) da populao mundial ainda passam fome e 27,3% delas esto no Brasil. Embora os atuais mtodos e contextos de anlise scio-antropolgica, econmica e tecnolgica guardem radicais transformaes dos abordados pelo pesquisador, o fato que o flagelo ainda permanece como um dos grandes dilemas do Nordeste. Um fenmeno social implacvel que no tolera a lentido das polticas pblicas. Afinal, quem tem fome tem pressa, ensinava o socilogo Herbert de Sousa, o saudoso Betinho. Diante disso, resta a dvida sobre quais fundamentos Josu de Castro elegeria hoje, como principais motivadores dessa face da misria no pas e, principalmente, nas terras nordestinas. As desigualdades regionais do acesso educao certamente seriam o ponto de partida para se desvendar esse enigma. Sobre a crucialidade desse enfoque, confira nessa reportagem como nem todo mundo cala diante do irrefutvel.

    Quando se fala em fome no Brasil comum associar o tema a regio Nor-deste. Palco dos piores ndices de sub-desenvolvimento do pas, esse mesmo Nordeste, no por coincidncia, tam-bm bero de uma figura emble-mtica sobre o assunto: o mdico, escritor, poltico, gegrafo, cien-tista social e professor Josu de

    Castro. Nascido em uma famlia pobre do Recife, o cientista tornou-se uma celebridade mundial ao rom-per com o que ele classificava como conspirao do silncio e, finalmente, denunciar a fome, suas verda-deiras causas e consequncias.

    Como fenmeno social, a desmistificao do as-sunto um processo que tem data de incio: 1946, quando ele escreveu o livro Geografia da Fome. Considerada um raio X da realidade alimentar do pas, a obra desarticulou a idia de que a fome es-tava associada raa. Dizia-se que o Brasil era um pas de indolentes, mestios, de gente de cor e que, por isso, a fome deveria fazer parte do dia-a-dia do brasileiro, comenta a professora universitria Ana Maria Castro, filha de Josu.

    Na verdade, o Brasil surgido das pesquisas do cientista mostrava que no existiam causas naturais para o problema, mas econmicas, sociais

    e polticas. Mais ainda: o pas estava dividido em cinco regies, das quais trs seriam de fome.

    No recorte geogrfico realizado por Josu de Castro, o Centro-Oeste e o Extremo Sul ocupa-vam uma posio privilegiada, estando fora da zona de fome permanente. Na contra-mo dessa realidade, estavam a rea amaznica e o Nordes-te. Este era divido ainda em duas sub-regies, a aucareira e a do serto. As diferenas no eram apenas geogrficas, e sim biolgicas, culturais, ecolgicas, geolgicas e sociais. No entanto, em uma coisa elas comungavam: a m administra-o dos governantes, que levavam essas regies fome e misria.

    Defensor de uma reforma agrria que con-templasse no apenas a posse da terra, mas a pro-moo da agricultura familiar e o apoio ao seu de-senvolvimento, Josu potencializava a fome como resultado da explorao colonialista, associando o

    problema deficincia do consumo ali-mentar resultante desse perodo.

    Ao explicar um tema tabu para a sociedade da poca, ele jogou holo-fotes sobre a m distribuio das ri-quezas de um pas ainda fortemente agrcola, e que hoje apresenta um perfil bem mais industrializado. Diante dessa nova realidade, o que ser que Josu de Castro elegeria como principal causa para a fome hoje no pas?

    9Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Fontes: IBGE / Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) / Centro Josu de Castro / pesquisador Srgio Buarque

    ndices mais graves convergem para zonas de analfabetismo e desemprego

    a edUCao, Cara plida!

    Para o economista e scio-funda-dor do Centro Josu de Castro, em Recife, Srgio Buarque, tendo em vista o quanto a economia do Brasil j avanou nas ltimas dcadas, a resposta ao enigma de persistncia da fome no pas simples: a desigual-dade do acesso educao. O ponto central da discusso da fome hoje a educao. s ver, os piores ndices de analfabetismo e desemprego do pas esto nas regies onde a fome mais grave, avalia Srgio Buarque.

    Nmeros ilustram a opinio do economista. Segundo pesquisa di-vulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (Ibge), foca-da no pblico a partir de 5 anos de idade, 11,75% da populao brasilei-ra so analfabetos. Destes, 21% es-to no Nordeste. Em segundo lugar, vem o Norte do pas, com 14%. O Sul est em ltimo, com 7%. Agora, se focarmos no pblico acima de 15 anos, a mdia de analfabetos na po-pulao brasileira de 10%. Destes, 19,9% esto no Nordeste, seguido do Norte, com 10,8%.

    Em termos econmicos, as esta-tsticas desfavorveis para a terra de Josu de Castro avanam no mesmo levantamento. Pesquisa do Ibge, que compara a taxa de desocupados com a das pessoas economicamen-te ativas, denuncia que o Nordes-te possui 8,25% de sua populao desempregada. O Sudeste aparece com 9,04%, mas possui quase o do-bro de habitantes.

    No de espantar que, da mes-ma forma que as pesquisas sobre analfabetismo e desemprego confir-mem a desvantagem da regio nor-destina, outro estudo apresentado pelo Ibge denuncie que, na compara-o das prevalncias de insegurana alimentar grave, os piores resultados tambm ficaram com o Nordeste.

    Desempregados no Brasil

    Milhes de pessoas

    Populao Economicamente

    Ativa(PFA)

    Populao Ocupada

    Populao Desocupada

    Taxa de desocupao em % (pessoas desocupadas/pessoas

    economicamente ativas)

    Brasil 98.846 90.781 8.065 8,16%

    Norte 7.302 6.735 567 7,76%

    Nordeste 25.772 23.647 2.125 8,25%

    Sudeste 42.785 38.917 3.868 9,04%

    Sul 15.704 14.792 912 5,81%

    Centro-Oeste 7.285 6.696 589 8,09%

    Cear 4.145 3.859 286 6,90%

    % de analfabetos de 15 anos ou mais

    de idade por regiao

    Enquanto a insegurana alimentar grave ocorre em 3,5% dos domiclios da regio Sul, o Nordeste apresenta um ndice de 12,4%. O maior entre

    todas as regies. Das 840 milhes de pessoas que passam fome no mundo, 27,3% esto no Brasil.

    Pessoas de 5 anos ou mais

    10 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Fontes: IBGE / Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) / Centro Josu de Castro / pesquisador Srgio Buarque

    Em 65,2% dos 51,8 milhes de domiclios particulares brasileiros, havia

    segurana alimentar.

    Dentre os 18 milhes com insegurana alimentar,

    3,4 milhes foram classificados em situao de insegurana alimentar grave e 1,6 milho destes domiclios estavam no Nordeste.

    PERFIL DA SEGURANA ALIMENTAR TRAADO PELO IBGE EM 2004

    NordesTe - 12,4%sUl 3, 5% - NorTe 10,9% - CeNTro-oesTe 4,7%sUdesTe 3,8%

    QUADRO DE INSEGURANA ALIMENTAR GRAVE NO BRASIL

    Ao ou po/Po ou educao

    dileMas e desCoMpensaes

    Srgio Buarque argumenta que o dilema do Brasil para Josu de Castro era o descompasso entre o processo de industrializao e a modernizao agr-cola (sub-ttulo da Geografia da Fome). Ou seja, em uma sntese de sentido figurado: ao ou po. Hoje, o dilema ver o pas entre o imediatismo do Fome Zero e o atraso na oferta de educao de qualidade para a populao de baixa renda. Ou seja: po ou educao.

    Em palestras que realiza pelo pas, com o tema O pensamento de Josu de Castro e os problemas do novo milnio, Srgio Buarque destaca que os programas apresentados pelo governo, hoje, so meramente compensatrios, e que ao invs de ser focada simplesmente a transferncia de renda, deveria haver uma projeo maior para a transferncia de conhecimentos. Isso quer dizer apostar na reduo da desigualdade via distribuio do ativo conheci-mento. O que deveria haver tambm uma distribuio de recursos de acor-do com as carncias. Se o Nordeste tem os piores ndices, deve ser tratado diferente, com prioridade, acrescenta.

    O economista amplia a esteira dos dilemas ao lembrar que fome pede urgncia e se reduz rapidamente com assistncia. Mas, embora desejvel, sua eliminao no sustentvel apenas com isso. J a educao pede urgncia (jovens ociosos e despreparados), so requeridos anos para gerar resultados (elevao da escolaridade e democratizao de conhecimento) e o investimen-to tem grande impacto transformador da sociedade, oferecendo sustentabili-dade ao processo de reduo da pobreza e da fome.

    Do ponto de vista do secretrio Nacional de Segurana Alimentar e Nutri-cional do Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS), Crispim Moreira, verdade que o Brasil precisa produzir polticas que reco-nheam a diversidade scio-territorial, mas isso no quer dizer que programas como o Fome Zero no estejam no caminho certo. A proposta do Bolsa Fa-mlia a universalizao. Ele um programa massivo. Este ano, 12 milhes e 400 mil famlias de todo o Brasil sero atendidas. Agora, no caso das polticas no universais, devemos de fato criar fatores que protejam determinadas po-pulaes, corrigindo distores, avaliou o secretrio.

    Sobre a questo da difuso do conhecimento, Crispim considera impor-tante que todos tenham acesso educao formal, mas ressalta a necessida-de de serem respeitados os valores e a cultura de cada lugar. Os pais rurais sabem o mal que faz uma escola urbana para a reproduo do seu modo de vida e do conhecimento po-pular. Na distribuio do conhecimento, imprescindvel que uma cultura no se so-breponha a outra, disse ele.

    Srgio Buarque destaca em suas palestras, que os programas apresentados pelo governo hoje, so meramente compensatrios, e que ao invs de ser focada simplesmente a transferncia de renda, deveria haver uma projeo maior para a transferncia de conhecimentos

    11Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Sem choque de cincia e tecnologia escola mdia o elo fraco da rede pblica

    ensino seCUndrio x foMe

    Josu de Castro certamente estaria hoje debruado so-bre o ensaio da mais recente tentativa do poder pblico de sair do discurso e ir prtica na elaborao de um novo projeto desenvolvimentista voltado para o Nordeste.

    O ex-ministro de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, Mangabeira Unger, at que tentou emplacar uma proposta de governo com ares de Projeto de Estado, mas viu malograr seus esforos num suspiro. Pior para o Nordeste e seu ensino secundrio.

    1. Criao de uma nova escola mdia, a partir dos institutos federais de educao, cincia e tecnologia. Para o ministro, a educao mdia o elo fraco da educao pblica no pas. A proposta ampliar o acesso e mudar o seu enfoque, com-binando o ensino geral com o tcnico. Capacitar os nordestinos, providenciar um choque de cincia e de tecnologia, dar meios e oportunidades inventividade tecnolgica popular.

    2. Esta nova escola reuniria novo tipo de ensino geral e nova espcie de ensino tcnico. O geral substituir o enciclopedismo informativo superficial a decoreba por ensino analtico e capacitador. Usar a informao, de maneira seletiva e aprofundada, como instrumento de capacitao analtica. Ao man-ter o foco no bsico, de anlise numrica e verbal, ficar longe dos modismos pedaggicos, assinalava Mangabeira em seu projeto.

    3. O Projeto Nordeste aponta dois caminhos para alcance de resultado. O caminho curto: ampliar as escolas tcnicas federais para que se transformem nessas novas escolas m-dias. E mesmo que a rede dessas escolas alcance toda a dimen-so desejada, elas no ocuparo mais do que 10% do universo de matrculas na populao de estudantes secundrios. Da, tam-bm, a necessidade de trilhar o caminho longo: apoio aos governos estaduais, bem como trabalho em comum entre eles para trans-formar, progressivamente, a natureza das escolas mdias estaduais pr-existentes, sugeriu o ex-ministro.

    4. Para Mangabeira, ao governo federal caberia no s preparar materiais de ensino, mas tambm organizar, a partir do ciclo secundrio, a carreira nacional de professo-res. Em resumo, ele acredita que no basta reformar a educao. preciso providenciar um choque de cincia e de tecnolo-gia no Nordeste. Ainda hoje continua o Nordeste a cair muito abaixo da mdia nacional em matria de uso dos fundos setoriais de cincia e de tecnologia. A poltica industrial voltada para redes de pequenas e mdias empresas industriais, e tanto para a agri-cultura irrigada como para a de sequeiro, so provocaes naturais para mobilizar cincia e tecnologia.

    ENTRE As 11 PRINCIPAIs PROPOsTAs ELENCAdAs POR MANGABEIRA, EsTO

    12 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • 840 milhes de pessoas hoje, passam fome no mundo / 27,3% esto no Brasil A fome atingia 2/3 da populao brasileira em 1946. eram 31,2 milhes de pessoas.em 1946, eram 03 as reas geogrficas com mais de 50% da populao em estado de fome: Norte, Serto e Zona da Mata do Nordeste (permanente e endmica na

    Zona da Mata, cclica e epidmica no Serto)

    11,75% da populao brasileira hoje, so de analfabetos / 21% esto na regio Nordesteem 1975, seriam 46,5 milhes de pessoas com dficit alimentar (cerca de 50% da populao)o Fome Zero estima que, hoje, 27,3%

    NMEROS DA MISRIA

    NOVA GEOGRAFIA DA FOME

    da populao brasileira no tem renda suficiente para garantir uma alimentao satisfatria. Isso representa 38,6 milhes de pessoas.De acordo com o Plano Plurianual (PPA) 2008-

    2011, os investimentos do programa Fome Zero alcanaro r$ 80,4 bilhes, beneficiando anualmente mais de 45 milhes de pessoas. em 2009, sero r$ 18,5 bilhes. 12% da populao brasileira so miserveis, segundo IPEA, o que eqivale a 21,7 milhes de pessoas17,6% era o ndice de desnutrio crnica de crianas que viviam no Semi-rido em 1996, segundo a Universidade de So

    Paulo (USP). Hoje, esse nmero gira em torno de 6,6%.

    Fontes: IBGE / Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) / Centro Josu de Castro / pesquisador Srgio Buarque

    Fonte: FAO Statistics Division, Fao Statistics Yearboo 2004 Vol.1 13Junho/2009Nordeste VinteUm

  • JosU de Castro

    Gosto de buscar razes histricas

    e situaes que demonstram porque as coisas acontecem

    No se morre apenas de enfarte,

    ou de glomero-nefrite crnica...

    Morre-se tambm de saudade

    14 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • A desnaturalizao da fome por um nordestino cidado do mundo

    Figura brasileira emblemti-ca, com seu legado sobre estra-tgias para o desenvolvimento humano, o nordestino Josu de Castro nasceu no Recife, em 5 de setembro de 1908. Formado em Medicina pela ento Univer-sidade do Brasil, hoje Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1929, o cientista an-tecipou em dcadas teorias que focavam no apenas a viso sobre as milhes de pessoas vtimas da fome, mas sobretudo a realidade social em torno do assunto.

    Alm de mdico, era professor, gegrafo, socilogo e poltico. Seu trabalho cientfico foi pautado na multidisciplinaridade e inserido em um contexto econmico, so-cial e ambiental, que oportunizou para realizar com grande acuidade o primeiro inqurito de consumo alimentar do pas.

    Intitulado Condies de Vida das Classes Operrias do Recife, o trabalho serviu de base para a instituio do salrio m-nimo no Brasil. A idia era destacar a necessidade de au-mento da renda do trabalhador.

    No por acaso, tambm foi a partir de iniciativas suas que surgiram programas como os restaurantes po-pulares, da Previdncia Social, e a merenda escolar modelo de sucesso na assistncia alimentar no s do Brasil, mas da Amrica Latina.

    Segundo pesquisador Malaquias Batista Filho, a verdade que Josu sabia dos problemas decorrentes da m nutrio nas crianas. Com a merenda escolar, foi possvel corrigir as deficincias do cardpio domstico

    Homens e Caranguejos, romance de josu de Castro histria de um menino em meio misria dos mangues.

    e criar uma estratgia peda-ggica para promover hbitos alimentares saudveis.

    Entre os mritos de Josu, h ainda o fato de ter fundado a Comisso Nacional de Alimen-tao, da qual surgiu o atual Conselho Nacional de Segu-rana Alimentar, e de ter criado

    o primeiro curso de nutricionis-tas do pas, na antiga Universida-de do Brasil. Na carreira internacional, o cientista fi-gurou por duas vezes como Conse lhe i ro Del iberat ivo da Organizao das Naes Uni-

    das para Agricul-tura e Alimentao (FAO).

    Na ocasio, fundou com os chamados 20 cidados do mundo, a Associao Mundial de Combate Fome (Ascofam). O objetivo principal era prestar ajuda r-pida aos pases em situao de crise de abastecimen-to alimentar, entre outras providncias amparadas na mesma concepo de solidariedade.

    Das 22 obras de Josu de Castro, traduzidas para 25 idiomas e recomendadas pela FAO, esto, alm da c-lebre Geografia da Fome, os livros Geopoltica da Fome, que traz uma anlise panormica da fome no mundo, e o romance Homens e Caranguejos, que conta a histria de um menino em meio misria dos mangues.

    Em 2008, o Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) criou o Prmio Josu de Castro de Boas Prticas em Gesto de Projetos de Segurana Alimentar e Nutricional. O objetivo foi comemorar o centenrio de nascimento do pesquisador.

    CENT

    RO JO

    SU D

    E CAS

    TRO

    15Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Obra antecipa temas como ecologia, globalizao e subdesenvolvimento

    Professora titular da UFRJ, doutora em Sociologia Aplicada e filha de Josu de Castro, Anna Maria de Castro, diz que seu pai percebeu, prematura-mente, as agresses que sofria o meio

    ambiente e colocou-se como um com-batente ecolgico, em tempos em que at a expresso ainda era novidade.

    Ela tambm destaca que o cientis-ta foi capaz de prever a ampliao da

    chamada globalizao, na qual a vida econmica comandada pelas empre-sas, representando os Estados como meros executores da poltica territorial e econmica das mesmas. Processo que aumenta a concentrao geogrfica e acentua as diferenas regionais, contra-riando o desenvolvimento humano.

    A escolha da fomecomo temtica central de sua obra tem expressividade tanto cientfica como poltica. Aparece em toda sua obra como principal gan-cho da crtica ou denncia das relaes sociais existentes.

    Sua fase mais crtica estende-se at a publicao de O Livro Negro da Fome (1957), onde adota uma inter-pretao do fenmeno atrelada aos conceitos de subdesenvolvimento. nesse perodo que aflora mais clara-mente a influncia da atividade polti-ca que Josu de Castro desempenhou de 1952 a 1955 na FAO e de 1956 at 1962 como deputado federal pelo Es-tado de Pernambuco.

    AS CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES DA OBRA DE JOSU DE CASTROFASES TEMAS PUBLICAES RELAO COM A GEOGRAFIA

    Fase

    Expli

    cativ

    a

    Estudo da alimentao da populao brasileira atravs da medicina, sociologia e antropologia: os problemas da alimentao.

    O Problema Fisiolgico da Alimentao no Brasil(1932), Condies de Vida das Classes Operrias do Recife (1932), Alimentao e

    Raa (1935)

    Superao da leitura mdica no estudo da alimentao

    Consolidao do mtodo geogrfico na obra do autor. Diviso regional do Brasil conforme os hbitos alimentares.

    Combate ao determinismo geogrfico que apontava o clima como responsvel pela m alimentao da populao

    A Alimentao Brasileira Luz da Geografia Humana (1937), Geografia Humana (1939) -

    finalidades didticas

    Do exerccio do mtodo geogrfico (Escola Francesa de Geografia - Possibilismo)

    sintetizao dos princpios da geografia; princpio da casualidade - Humboldt;

    princpio da extenso - Ratzel; princpio da coordenao - Ritter e La Blache;

    princpio da conexidade - La BlacheDocumentrio do Nordeste (1937) - seleo de contos

    Fase

    Crti

    ca

    Dos problemas da alimentao ao fenmeno da fome coletiva (endmica ou epidmica, total ou parcial oculta).

    Superao do tabu que cerca o tema da fome. Fundamentao do fenmeno da fome enquanto fenmeno social e no

    natural. Fundamentos econmicos do fenmeno da fome; monoculturas;

    latifndios; esturturar de ocupao. Denncia do papel exercido pelas grandes potncias mundiais no

    crescimento da fome no mundo. Indicao para a necessidade de uma economia humanizada.

    Incio do embate com as teses malthusianas

    Geografia da Fome (1946) Regionalizao da fome no Brasil: do mapa das reas alimentares ao mapa da fome.

    Geopoltica da Fome (1951) Regionalizao da fome no mundo.

    Da geografia s teses malthusianas e a concepo de desenvolvimento

    Fase

    De

    senv

    olvim

    entis

    ta Identificao do fenmeno da fome com o subdesenvolvimento econmico.

    Propostas para a construo de uma economia humanizada. Fortalecimento do embate com as teses malthusianas.

    O Livro Negro da Fome (1957)Ensaios de Geografia Humana(1957)

    Ensaios de Biologia Social (1957)A Exploso Demogrfica e a Fome no Mundo

    (1968)Interlocuo com uma Geografia do

    Subdesenvolvimento.

    Mudana conceitual: do desenvolvimento econmico ao desenvolvimento humano. A Estratgia do Desenvolvimento (1971)

    Sete Palmos de Terra e um Caixo (1965) e Homens e Caranguejos (1967) - romances* Pesquisa desenvolvida atravs do programa de bolsas de iniciao cientfica CNPQ-PIBIC no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas (USP), sob orientao da Professora Doutora Amlia Luisa Damiani.Fonte: IHU ON-LINE, Revista do Instituto Humanistas Unisinos./ Jos Raimundo Sousa Ribeiro Junior

    16 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • JOSU DE CASTRO:Contexto profissional de suas obras1908 Nasce em Recife no dia 5 de

    setembro1929 Forma-se na Faculdade de

    Medicina do Rio de janeiro1932 Livre-docente de Fisiologia da

    Faculdade de Medicina do Recife1933 Professor Catedrtico de Geografia

    Humana da Faculdade de Filosofia e Cincias Sociais do Recife (at

    1935)1935 Professor Catedrtico de

    Antropologia da Universidade do Distrito Federal (at 1938)

    1936 Membro da Comisso de Inqurito para Estudo da

    Alimentao do Povo Brasileiro realizado pelo Departamento

    Nacional de Sade1940 Professor Catedrtico de Geografia

    Humana da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do

    Brasil (at 1964)1942 Presidente da Sociedade Brasileira

    de Alimentao (at 1944)1946 Idealizador e diretor do Instituto de

    Nutrio da Universidade do Brasil1947 Delegado do Brasil na

    Conferncia de Alimentao e Agricultura da Naes Unidas,

    convocada pela FAO; Membro do Comit Consultivo Permanente de

    Nutrio da FAO1952 Presidente do Conselho da FAO

    (at 1956)1956 Deputado Federal pelo Estado de

    Pernambuco reeleito em 1960 (at 1962)

    1957 Funda a Associao Mundial de Luta Contra a Fome (Ascofam)

    1962 Embaixador do Brasil na ONU, em Genebra (at 1964)

    1964 Aps o golpe militar de 31 de maro, atravs do Ato Institucional n 1, tem cassados seus direitos

    polticos1965 Fundador e presidente do

    Centro Internacional para o Desenvolvimento (at 1973)

    1968 Professor estrangeiro associado ao Centro Experimental de Vincennes, Universidade de Paris (at 1973)

    1973 Falece em Paris no dia 24 de setembro

    Trs indicaes ao Prmio Nobel, exlio e morte em Paris

    Considerado pelo escritor fran-cs Andr Malraux como uma das quatro celebridades mundiais que demarcaram as idias e os movi-mentos sociais do sculo XX, Josu de Castro era figura freqente em homenagens pelo mundo. Delas, destaca-se o recebimento do Prmio Internacional da Paz, alm de duas indicaes ao Prmio Nobel da Paz, e uma indicao ao Prmio Nobel de Medicina.

    Injustia maior que o fato de no ter sido premiado nessas ocasies, ape-nas a da cassao de seus direitos pol-ticos pelo regime militar, em 1964. Motivo que o obrigou a exilar-se em Paris, onde passou a lecionar na Sorbone. L, fundou e coordenou

    o Centro Internacional do Desen-volvimento. Jamais pde voltar ao Brasil, tendo falecido em 1973, de-primido, antes de receber oficial e nominalmente a anistia.

    SUPERPOPULAO E FOME Em Josu de Castro, a tese de maior po-lmica trata da relao entre fome e o fenmeno da superpopulao. Pelo princpio de causalidade, ele entendia que superpopulao no a causa da fome, e sim o inver-so. imprescindvel destacar esse debate que ele trava com o pensa-mento malthusiano (Thomas Robert Malthus(17661766) economista britnico que apontava o excesso po-pulacional como causa de dos males da sociedade populao cresce em progresso geomtrica e alimentos em progresso aritmtica), principal-mente aps 1948.

    Josu de Castro no via o cres-cimento da populao como uma varivel independente, mas sujeito a fatores polticos e econmicos e dinmica da conjuntura social. A viso de Malthus ignora ou rebaixa os benefcios da industrializao ou do progresso tecnolgico, que pro-varam que o crescimento da produ-o de alimentos pode acompanhar o crescimento da populao.

    A contribuio de Josu, por-tanto, est em convencer o mundo sobre a desnaturalizao das cau-sas da fome, polemizando com os

    neo-malthusianos ao tratar o fenmeno como o pro-

    duto das relaes scio econmicas, e no da acelerada exploso demogrfica.

    obras. Josu de Castro deixou vrias obras em 65 anos de existncia

    * Pesquisa desenvolvida atravs do programa de bolsas de iniciao cientfica CNPQ-PIBIC no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas (USP), sob orientao da Professora Doutora Amlia Luisa Damiani.

    Fonte: IHU ON-LINE, Revista do Instituto Humanistas Unisinos./ Jos Raimundo Sousa Ribeiro Junior

    17Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Centro JosU de Castro

    Na falta de um novo Josu, sobrou para o Centro de Estudos e Pesquisas Josu de Castro, em Recife, dar continuidade a proje-tos inspirados na obra do cientista. Fundado em 1979 por pesquisadores pernambucanos alguns exilados pela ditadura, o centro uma entidade de direito privado sem fins lu-crativos, que contribui para a construo e fortalecimento da democracia e da cidadania atravs da pesquisa e da interveno social.

    Nos ltimos 30 anos, o CJC influiu na elaborao de polticas pblicas e na mobili-zao da sociedade para a conquista de direi-tos. Destaque para o apoio aos movimentos populares voltados a questes como planeja-mento participativo e gesto do meio ambien-te, entre outros.

    As linhas de pesquisa e atuao do centro so segurana alimentar e nutricio-nal, descentralizao de polticas pblicas, gerao de trabalho e renda, educao e incluso social. Um projeto de destaque o de apoio pesca artesanal. Desde a fundao, o centro mantm um grupo de apoio melhoria de gesto da tecnologia de pesca no litoral de Pernambuco e Nordeste brasileiro. Inicialmente voltado para a capacitao e inovao tecnolgica da pesca artesanal, abrange o conceito de se-gurana alimentar dentro da concepo de Josu de Castro.

    O centro ainda possui todo o acervo pessoal de Josu de Castro, doado em 1987 pela famlia do pesquisador. So revistas, diplomas, fotografias, mapas, cartas, anotaes, ob-jetos pessoais e recortes de jornais. Ao todo, cerca de 6 mil livros e 600 peridicos.

    acervo. Estante com livros de Josu publicados no estrangeiro, sua mesa de reunio e mesa de trabalho que pertenceu a Josu de Castro.

    Memria preservada no Recife inspira pesquisa, polticas pblicas e cidadania

    18 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Memria preservada no Recife inspira pesquisa, polticas pblicas e cidadania

    Resultados comprovam progressoseMi-rido e Bolsa faMlia

    A presidente do Centro Josu de Castro, Teresa Sales, uma defen-sora do projeto Fome Zero. Para ela, h tambm um trabalho panfletrio negativo sobre o assunto atrelado incontestvel permanncia da pro-blemtica da fome. A transformao foi imensa. O Bolsa Famlia de fato mudou as estatsticas de fome no pas, assegura.

    Na educao, os nmeros re-fletem esse progresso. Segundo o Cento de Desenvolvimento e Plane-jamento Regional (Cedeplar/Ibge), a taxa de freqncia escolar no pas entre o pblico de 7 a 14 anos aten-dido pelo Bolsa 3,6% acima do que se observa no conjunto dos no beneficirios. No Nordeste, a taxa ainda maior, 7,1%. Em relao taxa de abandono da escola, entre os alunos beneficirios do Bolsa, a de evaso chega a 2,1% menor no conjunto das crianas em situao de extrema pobreza.

    O Ministrio do Desenvolvimen-to Social e Combate Fome (MDS) considera a iniciativa um divisor de guas no alvio da pobreza e da fome

    no pas. Um estudo recente do Ins-tituto de Pesquisa Econmica Apli-cada (Ipea) tambm aponta nessa direo, ao constatar que a taxa de pobreza no Brasil caiu de 42,7% para 30,7%, entre 2004 e maro de 2009.

    De acordo com a Fundao Ge-tlio Vargas (FGV), nos ltimos cin-co anos, a taxa de pobreza no Brasil caiu bem mais que nos 10 anteriores. Ao todo, 35% contra 24%. A pesquisa destaca ainda que o Bolsa Famlia foi responsvel por 21% da queda da de-sigualdade no pas. Quanto ao ndice de desnutrio crnica de crianas que vivem no Semi-rido, a Universi-dade de So Paulo (USP) afirma que em 1996 esse nmero era de 17,6%. Hoje, ele gira em torno de 6,6%.

    Em pesquisa da Universidade Fe-deral Fluminense, 94% das crianas e 82% dos adultos beneficirios do Bolsa Famlia fazem trs ou mais refeies por dia. Segundo 87% das famlias, o gasto com a alimentao o principal destino do recurso. Em segundo lugar vem o material escolar (46%), vestu-rio (37%) e remdios (22%).

    Conforme o Ibge, entre os be-neficirios do Bolsa, o ndice de pes-soas trabalhando de 77%. Os no beneficirios na mesma condio so 73%. De acordo com o Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Eco-nmicas (Ibase), 99,5% dos benefi-cirios do programa no deixaram de fazer algum tipo de trabalho aps passarem a receber o recurso.

    Bolsa Famlia

    Regio Municpios Atendidos Famlias R$% famlias

    pobres atendidas

    CENTRO-OESTE 466 612.775 48.703.611,00 77,66NORDESTE 1.793 5.840.085 525.875.153,00 95,77NORTE 449 1.171.916 112.483.260,00 91,33SUDESTE 1.668 2.952.442 236.725.562,00 82,88SUL 1.188 984.352 76.962.270,00 77,96Total Geral 5.564 11.561.570 1.000.749.856,00 88,97

    www.mds.gov.br

    A taxa de freqncia escolar no pas entre o pblico de 7 a 14 anos atendido pelo Bolsa 3,6% acima do que se observa no conjunto dos no beneficirios. No NE, ela de 7,1%

    Fonte:

    19Junho/2009Nordeste VinteUm

  • O Cariri cearense, a partir das cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha ir receber no ms de setembro de 2009 o i Seminrio Cariri Cangao. Pesquisadores, historiadores, escritores, documentaristas e cineas-tas estaro no tringulo do Crajubar, discutindo um dos fenmenos mais con-troversos da histria do Nordeste brasileiro e suas implicaes e ligaes com a histria de nossa gente. O evento sem dvida uma das primeiras iniciativas

    rumo consolidao do conceito de uma Regio Metro-politana. Equipes de trabalho foram formadas

    pelas trs prefeituras e em conjunto com a Universidade Regional do Cariri (Urca),

    Instituto Cultural do Cariri (ICC) e grupo tcnico da Sociedade Brasileira de Estudos do Canga-o (SBEC) trabalham firme na

    realizao do maior evento do gnero j realizado no pas.

    O deputado federal Jos Guimares (PT-CE) apresen-

    tou projeto de lei que cria o Fundo Especial para Aes Emergenciais de Defesa Civil (Fundec). O objetivo oferecer o pronto atendi-mento aos municpios que decretarem estado de emer-

    gncia ou calamidade pbli-ca. A proposta visa tambm

    acabar com a burocracia nas esferas federal, estadual e muni-

    cipal no socorro a municpios atingi-dos por enchentes ou estiagens, entre outras ocorrncias. No podem os municpios ficarem neste corredor infernal da burocracia estatal, que leva, muitas vezes, at dois anos para liberar os recursos, afirma Guimares. O Fundec seria alimentado por recursos da Unio, que devero ser aportados durante a construo da Proposta Oramentria. O fundo poder receber ainda doaes nacionais e interna-cionais. De acordo com o parlamentar, o fundo dispensaria ainda a edio de medidas provisrias (MPs), que em geral bem recebidas no Congresso Nacional.

    Os problemas das regies ri-das e semiridas do planeta se agudizam e muitos ainda no tem solues claras. Isso se aplica ao interior do Nordeste do Brasil, no obstante 150 anos de po-lticas contra as secas e de experincias de promoo do desenvolvimento regio-nal. ainda mais vlido para longas extenses da frica sub-sahariana, bem como do sul e do sudeste asiticos. Estes alertas so do diretor da Icid + 18 (Confern-cia Internacional sobre Impactos de Variaes Cli-mticas e Desenvolvimento Sustentvel), Antnio Rocha Magalhes, em artigo publicado pelo jornal O Povo (16/6/2009). O evento, lanado em 17 de junho ltimo, ter Fortaleza como sede em agosto de 2010 e dever reunir 2 mil pessoas de 50 pases, 18 anos depois da primeira edio. Magalhes lem-bra que essas regies concentram a maior parte da pobreza e da degradao ambiental no mundo, com todas as suas consequncias inclusive a pres-so migratria para o mundo desenvolvido. Se a primeira gerou bons resultados, precisa-mos ir mais adiante agora. preciso chamar a ateno do mundo; gerar mais conhecimentos e coloc-los dispo-sio dos tomadores de deciso; unir os pesquisadores, estudiosos e outros interessados, atravs de redes de comunicao e de intercmbio; influenciar as instituies interna-cionais, os governos e a sociedade local para que tomem as medidas certas para o desenvolvimento sustentvel dessas regies, afirma.

    Cariri sede do maior evento sobre cangao do pas

    Jos Guimares quer criarFundo de Defesa Civil

    Rocha Magalhes e o alerta da icid+18

    [email protected]

    Caleidoscpio

    20 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Ela uma das maiores autoridades mundiais em mora-dia. Tanto que se tornou relatora especial para o Direito Moradia da Organizao das Naes Unidas (ONU). Sem

    meias palavras, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista da Universidade de So Paulo

    (USP), condena a poltica habitacional do governo Lula. Para ela, o Ministrio das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma esquizofrnica e s pensa

    em resultados rpidos e quantitativos. A qualidade, como no plano Minha Casa

    Minha Vida, foi totalmente descartada. Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violncia e sem acesso ao trabalho e educao. A alternativa que ela defende a criao de um modelo de gesto democrtica para alm dos requi-sitos formais. O objetivo incor-porar a totalidade dos habitantes

    e moradores em uma condio de cidadania.

    O ministro da Previdncia, Jos Pimentel, cumpre exten-so priplo de audincias pblicas pelo Brasil para divulgar a importncia do Programa Empreendedor Individual. Desde o dia 1 de julho, quando o sistema entrou em operao no Distrito Federal, a contagem regressiva e a meta, audacio-sa: tirar da informalidade, em 12 meses, mais de 1 milho de brasileiros. Piau e Maranho sero os primeiros estados do Nordeste na agenda do ministro, para quem o Empreende-dor Individual ser o grande debate do Brasil nos prximos anos. medida que os estados forem entrando na rede, cada vez mais trabalhadores podero se formalizar. Segundo o mi-nistro, o pas s atingir a meta inicial se todos os entes do pacto federativo e as entidades de classe envolvidas trabalha-rem unidos. Prefeitos dos 5.561 municpios e governadores receberam correspondncias do Ministrio para que se en-gajem no mutiro de formalizao. As agncias da Previdn-cia j distribuem cartilhas de bolso com informaes, e para este segundo semestre ser veiculada campanha publicit-ria dirigida aos empreendedores, com explicaes sobre os benefcios da formalizao. No Brasil, 11 milhes de pessoas trabalham na informalidade.

    O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e a Associao Nacional de Ps-graduao em Economia (Anpec), abriram, desde o ltimo dia 1 de julho, as inscries para o Frum BNB de Desenvolvimento 2009 / XIV Encontro Regional de Economia) a ser realizado entre os dias 16 e 17 deste ms, no Centro Administrativo do BNB (Av. Pedro Ramalho, 5700 Passar), em Fortaleza. O evento dar nfase aos 20 anos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Segundo o superintendente do Escritrio Tcnico de Estudos Econmicos do Nor-deste (Etene/BNB), Jos Sydrio de alencar, o objetivo mobilizar a comunidade acadmica e poltica em torno de questes relevantes para o desenvolvimento regional. Na programao, acontecem os painis Bolsa Famlia e Crediamigo: insero produtiva, Cenrios para o Nordeste no novo contexto nacional e internacional e Desen-volvimento do Nordeste como Projeto Nacional. O Etene participa com a sesso especial de Instrumentos de interveno no Nordeste e com as mesas sobre avaliao do FNE e estudos regionais.

    Raquel Rolnik critica Minha Casa, Minha Vida

    Pimentel e a fora-tarefa contra a informalidade

    SaiBa MaiS SoBRE o PRoGRaMa EMPREENDEDoR iNDiViDUaL

    >> Contribuio mensal R$ 51,15 (11% do SM) + R$ 1 (se comrcio ou indstria) ou + R$ 5 (se for prestador de servios)

    >> Pblicos Empreendedores de mais de 170 ocupaes, como borracheiro, doceiro, pipoqueiro, arteso, caminhoneiro, costureira, jardineiro, lavador de carros, vassoureiro, verdureiro, vidraceiro e rendeira

    >> direitos Aposentadoria por idade (180 contribuies), aposentadoria por invalidez (12), salrio-maternidade (10) e auxlio-doena (12). Famlia fica protegida por penso por morte e auxlio-recluso

    >> Como se inscrever Com acesso nico ao Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br), o trabalhador j sai com o seu CNPJ, sua inscrio na Junta Comercial, no INSS e um alvar de funcionamento, que precisar ser validado pela prefeitura, de acordo com as regras do municpio.

    Fonte: www.portaldoempreendedor.gov.br

    20 anos do FNE em debate no BNB

    21Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Falta um projeto para o Nordeste capaz de instrumentalizar esse dinamismo, essa vitalidade desmesurada, esse capital social, que a identidade cultural forte

    22 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • DDepois de dois anos frente da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, Roberto Manga-beira Unger deixou o cargo no final do ms de junho. Ofi-cialmente, o motivo at pareceu plausvel. A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, teria negado a prorroga-o de sua licena de professor titular da escola de Direito da instituio, onde leciona h 37 anos. Segundo fonte do prprio ministrio, a equipe j trabalhava h alguns meses com essa possibilidade. Outras verses davam conta da de-terminncia de componentes polticos para o fato.

    Ilaes parte, a notcia da sada de Mangabeira seria logo esquecida pelo noticirio poltico, no fosse a premn-cia das grandes questes do Nordeste e do pas por uma luz no futuro globalizado. O adeus do ministro acabou por assomar desconfianas, e acima de tudo incertezas. Havia alguns meses, Unger dedicara grande parte do seu tempo a construir as bases do documento intitulado O Desenvol-vimento do Nordeste como Projeto Nacional, cuja discusso prevista com o presidente e governadores foi substituda

    a marcar passoDesta vez, o acaso no favoreceu uma mente mais preparada.

    Involuntariamente, ao citar o filsofo, fsico e matemtico francs Henri Poincar, nessa entrevista exclusiva concedida nE VinteUm, no incio de junho, Mangabeira Unger parecia prever seu futuro frente da Secretaria

    Nacional de Assuntos Estratgicos. Na poca, ainda ministro aguardava incidentes polticos capazes de lhe abrir mais portas em seu quixotesco priplo

    pela construo de um novo projeto desenvolvimentista no Nordeste. Talvez tenha esbarrado em histricas circunstncias sempre suscetveis e

    prontas a afastar qualquer um da materializao do intento j ensaiado, de maneira cientfica, h mais de meio sculo, por Celso Furtado. Com ele fora do governo, mais dvidas do que certezas continuam a rondar o futuro de uma regio que j no pode mais esperar, a cada surto de debates e projetos, por

    infindveis desconfianas polticas e ponderaes legtimas ou no, sob o risco de continuarmos atolados no imobilismo das idias.

    Mangabeira Unger

    ENTREVISTA

    Por Marcel Bezerra, com entrevista a Francisco [email protected]

    pelo anncio de um pacote de medidas econmicas e pela confirmao de que o ministro deixaria a pasta.

    Quando de sua ltima passagem pelo Cear, em junho deste ano, Mangabeira se dizia aflito em relao neces-sidade de deslanchar o projeto ainda este ano. Afinal, uma iniciativa do gnero alvo fcil de literal atropelamento pelo embate sucessrio Presidncia. Para ele, caso o Pro-jeto Nordeste se afirmasse a partir de 2009, ajudaria inclusi-ve a pautar o debate eleitoral em 2010. Nesse caso, arrema-tava, as campanhas lhe serviro como instrumento em vez de o ameaarem como interrupo.

    Do presidente e dos chefes de executivos estaduais, o cientista dizia esperar uma deciso poltica. Ao final de uma das entrevistas, deixou uma frase que talvez sirva como pista na busca por explicaes para sua sada: A mi-nha tarefa no a de alocar recursos. Noutro momento, fi-losofava sobre sua ambiciosa viso: Como em tudo neces-srio ao casamento entre audcia e imaginao, precisa ter calor, que a vontade poltica, e luz, que a clareza sobre

    Bye Bye, Nordeste!DeseNvolvimeNtismo

    ELzA

    FIz

    A/Ab

    R

  • o caminho. Luz e calorA partir de janeiro ltimo, Mangabeira iniciou viagens

    pelo Nordeste para explicar e divulgar o projeto, formatado em visitas anteriores regio. A agenda incluiu municpios, projetos e iniciativas, encontros com parlamentares, gover-nadores e entidades classistas. Delegada a misso de pen-sar aes de longo prazo, tentou enfrentar o ceticismo que permeou as expectativas sobre a efetividade do que a pas-ta sob seu comando poderia significar. Afinal, o Nordeste padece h pelo menos meio sculo de projetos capazes de subverter sua condio de subdesenvolvimento. De rumo srio e aprumado, apenas um foi traado em Uma poltica de desenvolvimento para o Nordeste, por Celso Furtado, h

    50 anos. De resto, apenas iniciativas pontuais que no fo-ram adiante.

    Em 740 dias de governo, Mangabeira variou com su-gestes entre ambiente, educao, trabalho e defesa na-cional. do ministro a iniciativa que regularizou cerca de 400 mil propriedades rurais na Amaznia, tambm conhe-cida como MP da Grilagem. Hoje, a secretaria trabalha na elaborao de propostas para mudar as relaes entre em-presas e trabalhadores, com a criao de uma legislao para proteger terceirizados e autnomos. A vitrina de Man-gabeira, contudo, foi o Plano Nacional da Amaznia Susten-tvel, com 16 compromissos assumidos pelo governo em maio do ano passado para desenvolver a regio.

    A orfandade da poltica de estado e as pretenses de um amparo intelectual

    O Nordeste o maior rfo do modelo de desenvolvimen-to concebido h meio sculo, Com essa frase, Mangabeira pode at ter chovido no molhado, mas comeou a desanuviar a percep-o de premissas que levam a uma lgica consensual: no h soluo para o Brasil sem soluo para o Nordeste. Para ele, fundamental-mente, falta hoje, projeto para a re-gio, e sua iniciativa acabava tendo o mrito de construir e sistematizar uma proposta sbria, sem a pre-tenso de solues milagrosas ou obtusas redues.

    A chamada grande mdia na-cional trata com certo desdm a figura de Mangabeira, a comear pelo seu sotaque de gringo, passan-do pelas crticas de primeira hora desferidas ao governo Lula em plena crise poltica. Por outro lado, no se pode desmerecer sua credibilidade acadmica, principalmente em mbito internacional. Formado na Facul-dade Nacional de Direito, obteve o doutorado na Universida-de de Harvard. L, comeou a lecionar aos 24 anos. Em pouco tempo, tornou-se um dos professores titulares mais jovens na histria de Harvard. Foi eleito membro vitalcio da Academia de Artes e Cincias dos Estados Unidos. Sua obra de pensa-mento poltico, econmico, jurdico e filosfico publicada e discutida em todo o mundo, traduzida para vrias lnguas.

    Para Mangabeira, seu trabalho se caracteriza pela pro-posta de mtodos e de idias contrrias s concepes in-

    telectuais dominantes e pela imaginao de alternativas ins-titucionais para as sociedades contemporneas. Esse lastro de erudio, ele trouxe para a concepo do Projeto Nordeste que, no se pode negar, tem o seu DNA e vinha at angariando apoios, incluindo um pretenso estmulo presidencial.

    O cientista exaltava em suas palestras a ambincia polti-ca extremamente favorvel ao Nordeste de hoje, com a popu-laridade presidencial e as gran-des obras estruturantes. Numa regio historicamente marca-da pela fratura litoral/interior e a falta de unidade poltica en-tre os Estados - vide guerra fis-cal e a falta de consenso entre

    governadores sobre a constituio do fundo de desenvol-vimento da regio a ser administrado pela Sudene, recria-da em 2003 tentava driblar certas desconfianas quanto a qualquer projeto que diga respeito ao desenvolvimento do Nordeste.

    Ao reconhecer o forte capital social, o empreendedo-rismo emergente e uma inventividade tecnolgica popular, aliada s grandes obras estruturantes em curso e a uma ambi-ncia poltica favorvel, ele erigiu na instrumentalizao dessa vitalidade nordestina o esboo de um projeto abrangente e orientador do desenvolvimento regional. Para Mangabeira, hora de rebeldia, conforme mostra a entrevista a seguir.

    ANTONIO CRUz/AbR

    24 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • O que eu quero que ele [Projeto Nordeste]

    seja capaz de sobreviver ao governo Lula, de se impor ao futuro governo e ajudar a pautar o debate na sucesso

    presidencial

    NoRDEStE ViNtEUM De imediato, nas lti-mas incurses pela regio, o que o senhor enxer-gou e sentiu no Nordeste de hoje?MaNGaBEiRa UNGER Eu andei no inte-rior do interior de todos os nove esta-dos. E o que eu vi, antes de mais nada, uma verso concentrada do enigma brasileiro. Um enorme dinamismo, um turbilho, uma criatividade, que se manifesta por meio das duas grandes foras construtivas no Nordeste hoje. A primeira um empreendedorismo emergente, sobretudo no Semi-rido. E a segunda uma inventividade tecno-lgica popular, difusa, porm desequi-pada. Ambas manifestaes da mesma coisa, que essa vitalidade desme-surada, o atributo mais salien-te do Brasil. E no Nordeste, como em todo o Brasil, esta vitalidade est enclausura-da numa camisa de fora de instituies, de prticas, de idias que a suprimem, em vez de instrumentaliz-la. Esse meu sentimento maior sobre o Nordeste. Como exemplo desse paradoxo brasileiro. Mas, no Se-mi-rido, eu vejo outra coisa que no to comum no Brasil. Um grande ac-mulo de vnculos associativos, daquilo que os cientistas sociais chamam o ca-pital social. Que por sua vez se baseia num sentimento de si, numa identida-de cultural muito forte. E eu entendo que essa identidade foi formada histo-ricamente numa sociedade de homens e mulheres pobres, porm livres, que se manteve relativamente inclume dentro da ordem escravocrata em voga. Isto uma imensa fora que o Nordes-te tem, mas que s conseguir poten-cializar se construir um projeto capaz de instrumentalizar esse dinamismo.

    NVU No documento, est dito que talvez o ni-co grande projeto para o Nordeste tenha partido da lavra ou do conhecimento de Celso Furtado. Ele foi a realmente a ltima grande proposta?MU O Nordeste fervilha de iniciativa empreendedora e cultural. Tem pen-sadores vivos de primeira ordem. Vive uma renovao de sua cultura poltica. At demonstra uma coeso poltica sur-

    preendente, apesar das fraturas que, de fato, existem entre o litoral e o interior, entre estados maiores e menores. E h grandes obras de infra estrutura em curso que vo unificando o Nordeste pela primeira vez. Apesar de tudo isso, porm, o Nordeste no tem tido um projeto abrangente e orientador do seu desenvolvimento h meio sculo.

    NVU O senhor atribui isso elite poltica?MU Eu atribuo isso a um malogro que no s do Nordeste, mas do Brasil. Nada substitui as idias. No basta ter condies favorveis, se no so mobi-lizadas por um projeto claro e contun-dente. E sinto que isto tem faltado. E que esse momento para fazer isso. H uma concatenao de circunstn-cias singularmente favorvel. Porque a todas essas mudanas a que eu me referi, h um presidente vindo do Nor-deste, que tem um grande respaldo po-pular no pas. Passar muito tempo at que se repita uma combinao de cir-

    cunstncias to favorveis como essa. Mas, o tempo fica muito curto, muito escasso. Ns s temos agora 2009 para consolidar uma dinmica de aes con-cretas que encarnem, e prefigurem o caminho que queremos trilhar. E que transformem esse projeto num projeto do Estado brasileiro, e no apenas num plano do governo Lula. O que eu quero que ele seja capaz de sobreviver ao governo Lula, de se impor ao futuro governo e ajudar a pautar o debate na sucesso presidencial. Eu tenho dito que o Nordeste no se deve dar de ba-rato s foras em embate na sucesso presidencial. O Nordeste o maior

    rfo do modelo de desenvolvimen-to construdo no pas no ltimo

    meio sculo, e no convm ao Brasil que se contente com concesses pontuais. Uma estrada ali, um hospital acol, uma transposio de

    gua. O Nordeste tem que se rebelar.

    NVU O senhor considera o Bolsa Famlia isso?

    MU No. H muitas aes positi-vas, inclusive os programas de trans-ferncia como o Bolsa Famlia. E eu proponho um desdobramento desses programas, um prximo passo. Mas, eles no se juntaram, no convergi-ram, no se cristalizaram num projeto abrangente. E este no pode ser um projeto visto como compensao para uma regio pobre. O Nordeste no deve aparecer para o imaginrio do Brasil como uma regio pedindo favo-res e compensaes. Ele deve apare-cer aos olhos do pas como uma van-guarda potencial na reconstruo do nosso modelo de desenvolvimento.

    NVU Em que aspecto o Nordeste pode ser vanguarda?MU O que o Brasil busca hoje um novo modelo de desenvolvimento ba-seado em ampliao de oportunidades econmicas e educativas. Historica-mente, o Brasil cresce a partir dos se-tores favorecidos e internacionalizados em sua economia. Eles geram um excedente, e parte dele usado para

    25Junho/2009Nordeste VinteUm

  • financiar programas sociais. Essa foi uma estratgia bsica. Agora, o pas quer mais do que isso. Quer trans-formar a ampliao de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir no motor do crescimento. Com isso, anco-rar o social na maneira de organizar o econmico. E eu entendo que o lugar para comear, avanar em muitas fren-tes simultaneamente, por inovaes institucionais que encarnem a demo-cratizao dessa economia de merca-do, o Nordeste. Em todo lugar tenho repetido um refro, que o Nordeste a nossa China, e que pode ser a nossa China no bom ou no mau sentido. No mau sentido, se for apenas um manan-cial de trabalho barato. E num bom sentido, se virar uma grande fbrica de engenho e de inovao. Para isso, o Nordeste no se deve contentar ape-nas com incentivos, subsdios pontu-ais, ainda que eles sejam necessrios, e no deve procurar ser uma verso encolhida e tardia da So Paulo de me-ados do sculo passado.

    NVU O que o senhor chama de sopaulismo...MU Isso. O Nordeste no para ser isto. para ser algo diferente, que ajude a apontar caminho para o pas. Para desbravar o caminho rumo a esse novo modelo de desenvolvimento que o Brasil todo est buscando. E a ma-neira de iniciar isto dar braos, asas e olhos quelas duas foras construtivas que eu descubro no Nordeste hoje. O empreendedorismo emergente e a in-ventividade tecnolgica popular.

    NVU O que diferencia essa inventividade do restante do pas?MU No que ela no exista no resto do Brasil. Mas, aparece numa forma muito concentrada no Nordeste, in-clusive por conta dessa identidade cul-tural muito forte e desse acmulo de capital social. E aparece tambm de uma forma muito dramtica, porque a originalidade e a natureza surpreen-dente dessa ao ressaltam em meio pobreza. Eu digo, por exemplo, aludin-do a uma das minhas viagens, quando fiquei sacudido de ver no interior de

    Pernambuco, na rea do plo de con-feces de Caruaru e Toritama, milha-res de empreendimentos familiares, em diferentes escalas. Como se ali co-existissem todas as etapas do capitalis-mo europeu do sculo XVII ao sculo XX. Um imenso fervor de dinamismo empreendedor, carente de quase todos os instrumentos.

    NVU O senhor acha que o Nordeste deve fazer a sua revoluo industrial?MU Mas com o cuidado de faz-la de uma forma que seja original, que apon-te o caminho do futuro. No de uma forma que caia sob o fascnio hipntico do modelo industrial do Sudeste do s-culo passado. Isso o que eu chamo de sopaulismo. Os grandes projetos in-dustriais, nas indstrias de base como as siderurgias e as refinarias so teis e at indispensveis, mas elas s sur-tiro o seu efeito transformador se, em primeiro lugar, atenderem a dois requi-sitos. O primeiro que no se cinjam a uma lgica de enclave, mas que sejam concebidos e incrementados de ma-neira a transformar a vida econmica e social em volta. E o segundo requi-sito que sejam escolhidos pelo crit-rio de uma vantagem comparativa que no seja apenas a disponibilidade de trabalho barato. Se a nica vantagem comparativa que justifique for que tra-balho no Nordeste mais barato que o trabalho em So Paulo, arriscamos construir no Nordeste um paradigma de produo viciado em trabalho bara-to e desqualificado.

    NVU Isso pode ser o grande inimigo do Nor-deste? MU Vamos enumerar um rol de males, de equvocos, de desvios. Primeiro des-vio: os incentivos e subsdios, instru-mentos indispensveis, porm meios, e no fins, viram fins. Eles no so fins, eles so apenas meios de um projeto estratgico. Na falta do fim, degeneram num pontilhismo poltico, cada Estado e cada setor busca o seu. Segundo des-vio: focar o desenvolvimento do Nor-deste na Zona da Mata e no Cerrado. O Nordeste tem quatro macrorregies:

    26 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • a Zona da Mata, o Semi-rido, o Cerra-do do Oeste da Bahia, do Sul do Piau e do Sul do Maranho, que a parte do Brasil que mais cresce nos ltimos anos, e a pr-Amaznia. H uma gran-de tentao de focar o desenvolvimento no litoral e no Cerrado, e abandonar o Semi rido, para iniciativas de pequena escala. Eu acho que seria uma calami-dade. Metade da populao vive ali. Se no se soerguer o Semi rido, tudo que se fizer na Zona da Mata e no Cerra-do ser contaminado por foras con-centradoras da renda, da riqueza e do poder. Terceiro desvio: no Semi-rido, focar s as aes que eu chamo de po-bristas. Aes de pequena escala, es-cala artesanal, em vez de organizar as pequenas e mdias empresas, que so a parte potencialmente mais rica, mais vanguardista, e levant-las. Quarto des-vio: entrar na cantilena de que o Nor-deste no tem potencial agrcola. No verdade. H um imenso potencial de agricultura irrigada e de agricultura de sequeiro. Agricultura de sequeiro como agricultura tecnificada, no como agri-cultura de subsistncia. Lembramos que no Mato Grosso, hoje, talvez o nos-so maior celeiro, toda a lavoura ocorre em 7,8% do seu territrio. Quinto des-vio: cair sob o fascnio dos megaproje-tos industriais, entendidos sob a tica da lgica de enclave, no sob a tica da transformao da vida circundante por um conjunto de vnculos.

    NVU O calendrio eleitoral pode frustrar o novo projeto?MU Esse o maior problema. Foi isso que eu disse l em Natal, que eu es-tou ao mesmo tempo entusiasmado e aflito. Entusiasmado porque eu identi-fico nesse projeto um grande potencial de reimaginao, de reorganizao do pas. um projeto de construo na-cional. No um projeto de compen-saes para o Nordeste. Mas eu estou ao mesmo tempo aflito, porque a janela de oportunidades temporal ficou mui-to estreita, e ns temos que correr. E veja como a concepo bsica que eu tenho no a de uma planilha tecno-crtica que se v executar sistematica-

    mente. Sempre quando se tenta mudar o mundo, duas tarefas so prioritrias. A primeira tarefa construir um ide-rio que demarque um caminho. O pensamento programtico e a poltica transformadora tem a ver com conse-qncias, no com planilha. So m-sica, no so arquitetura. E a segunda tarefa definir com preciso os primei-ros passos que vo nos colocar naquele caminho. O possvel que conta o pos-svel adjacente, o que fazer amanh. O nico longo prazo que vale o longo prazo que comea a curto prazo.

    NVU O senhor fala num novo projeto de indus-trializao, sem cair no fordismo, remetendo-se ainda questo da educao. Uma educao que prepare e qualifique as pessoas. Agora, o que o senhor pensa sobre o turismo?MU Primeiro, isso (o projeto Nordest ) no trata de todos os problemas, de todas as possibilidades do Nordeste. Isso aqui uma escolha draconiana do caminho para avanar. No uma enciclopdia de polticas pblicas. So-bre o turismo, eu penso, em essncia: uma vocao evidente do Nordeste. Ao contrrio de muitas coisas discu-tidas nesse texto. O turismo em geral no mundo, como tenho dito nas dis-cusses no Nordeste, uma maravilha como complemento a um projeto eco-nmico e social forte, mas pode ser um desastre como alternativa. O turismo atrai porque pode gerar muito dinheiro em pouco tempo de uma forma fcil, mas se usado para substituir um pro-

    jeto econmico forte, constri-se uma sociedade de garons alienados. E h pases que eu no vou nomear, que caram nesse abismo de dependncia desse dinheiro.

    NVU Ns temos, no caso de Fortaleza, para citar um caso mais concreto, nos anos 1970 ela tinha uma populao de 800 mil habitantes. Hoje, quase trs dcadas depois, estamos com 2,5 milhes. A Regio Metropolitana chega a 3,5 milhes. Um inchao, porque os governos no priorizaram o setor primrio. O senhor pensa em refluxo dessa populao?MU Est ligado ao projeto agrcola no Nordeste. Tanto a agricultura irrigada como a agricultura de sequeiro. Eu entendo o soerguimento da agricultu-ra de sequeiro e a definio do modelo institucional da agricultura irrigada no Nordeste como uma ponta de lana do projeto estratgico da agricultura brasi-

    o projeto Nordeste no trata de todos os problemas, de todas as possibilidades do Nordeste. isso aqui uma escolha draconiana do caminho para avanar. No uma enciclopdia de polticas pblicas

    27Junho/2009Nordeste VinteUm

  • H uma grande tentao de focar o desenvolvimento do Nordeste no litoral e no Cerrado, e abandonar o semi-rido, para iniciativas de pequena escala. eu acho que seria uma calamidade. metade da populao nordestina vive no semi-rido

    leira. um projeto desse nvel por trs alvos entrelaados. Primeiro comear a superar o contraste meramente ide-olgico entre agricultura empresarial e agricultura familiar. Ao assegurar atri-butos empresariais para a agricultura familiar. O segundo alvo aprofundar a industrializao rural, um conjunto de formas de agregao de valor no cam-po para evitar o contraste entre cidade cheia e campo vazio. E o terceiro alvo construir em todo o pas, no apenas no Sul, uma classe mdia rural forte, como vanguarda de uma massa de agricultores mais pobres que avanar atrs dela.

    NVU E qual seria o papel, por exemplo, de um Movimento dos Sem Terra (MST), para participar ou contribuir com a construo de um projeto agrcola que seja includente?

    MU Os movimentos sociais existem, porque ns, historicamente, no cum-primos essa tarefa no Brasil. Ns no criamos uma em geral, apesar de exce-es como as cooperativas do Paran que eu visitei recentemente. Em geral, ns no criamos uma agricultura que seja democratizada e vanguardista ao mesmo tempo. E isso que em geral ns queremos, um produtivismo de-mocratizante, uma democratizao da economia de mercado. Esse um dos temas subjacentes, uma das premissas dessa proposta. No est explicitada ali, mas fundamental. A premissa : no basta regular a economia de mer-cado, no basta contrabalanar as de-sigualdades geradas no mercado, recor-rendo a polticas sociais. necessrio reorganizar o mercado para torn-lo mais includente por meio dessas alter-nativas industriais, agrcolas e educa-tivas. No vocabulrio contemporneo ns descreveramos como baseada na coordenao estratgica descentraliza-da entre os governos e os agricultores e na concorrncia cooperativa entre os produtores. Quer dizer, eles podem competir entre si e cooperar ao mesmo tempo, ganhando por meio da coopera-o, acesso economia.

    NVU O senhor est consciente de que est me-tendo a mo num vespeiro? Quer dizer, h uma lgica montada nesse pas, historicamente con-tra o Nordeste...MU ... contra o Nordeste, contra a Amaznia, contra o Centro-Oeste.

    Eu estou pregando rebeldia. isso que tenho dito.

    NVU O senhor um insurreto?MU No s sou, mas quero que os outros sejam tambm. Quero compa-nhia (risos).

    NVU uma lgica perversa, mas que do pon-to de vista poltico, o senhor no acha que o seu projeto est no ter, no? MU No. Isso no uma proposta tec-nocrtica. Esse um movimento, ao mesmo tempo doutrinrio e poltico, e eu disse muito claramente na Paraba, que o governo sabe que a bandeira diz nego. E eu disse o que eu sinto em relao a todo o Nordeste: nunca foi mais importante para o Brasil do que hoje, que a Paraba diga nego. Nego, nego, nego. E isso que eu proponho ao Nordeste, que diga nego. E que no fique joelhos, que no se satisfa-a com migalhas, que no se dem de barato s foras polticas em embate, mas que insista em liderar um proces-so que no ser s para si, mas para o pas, de reconstruo do nosso modelo de desenvolvimento.

    NVU Eu perguntava ao senhor se o projeto no poderia ficar no ter, porque isso depende de uma deciso poltica. Como se situar para fazer com que, independente de quem esteja no governo, no se invertam as prioridades ou se desvirtue o projeto?MU O assunto do projeto Nordeste no um assunto do Nordeste, um assunto do Brasil. O que est em jogo o futuro do Brasil. As solues para o Nordeste, para serem solues para o Nordeste, tero que ser solues para o Brasil. Uma relao recproca. No Brasil em geral, sobram partidos, mas faltam alternativas. A rigor, ns s te-mos no Brasil dois discursos polticos consolidados. O discurso dominante o do Estado que conduz, que por meio dos bancos pblicos se alia s grandes empresas, alis com o dinheiro do tra-balhador brasileiro, e que por meio dos programas sociais atenua os efeitos da pobreza e da desigualdade. Esse o discurso hegemnico. O discurso mi-

    28 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • e eu entendo que o lugar para comear, avanar em muitas frentes simultaneamente, por inovaes institucionais que encarnem a democratizao dessa economia de mercado, o Nordeste

    o Nordeste a nossa China. e pode ser a nossa China no bom ou no mau sentido. No mau sentido, se for apenas um manancial de trabalho barato. e num bom sentido, se virar uma grande fbrica de engenho e de inovao

    noritrio, que o discurso dos grandes empresrios, o discurso da quebra das amarras. Menos imposto e menos regulao para poder produzir. A maio-ria do povo brasileiro descarta esse se-gundo discurso como um pretexto para servir aos interesses do grande capital. H um imenso espao vazio na vida pblica brasileira para um terceiro dis-curso, que o Estado usar seus pode-res e recursos para instrumentalizar a energia empreendedora e criativa que surge de baixo.

    NVU Isso seria a terceira via que num passado recente o senhor trabalhou com o Ciro Gomes?MU No vamos chamar isso de ter-ceira via, no. Porque no h terceira via, isso uma segunda via. Em geral, o que se chama no mundo de terceira via a primeira via com acar, que o acar da humanizao, e isso no comigo. O leitmotiv da poltica brasilei-ra a humanizao do inevitvel. Que o Nordeste no caia nessa. O povo bra-sileiro no quer humanizar o inevitvel, quer reconstruir o existente. O Brasil um pas caracterizado pela sua impa-cincia, pelo seu dinamismo, pela sua vitalidade. No para colocar panos quentes e humanizar o inexistente. para comear uma reconstruo insti-tucional progressiva que afirme a pri-mazia dos interesses do trabalho e da produo sobre os interesses do dinhei-ro vadio, e que d instrumentos a esse fervor que vem de baixo, um fervor que est encarnado hoje numa nova classe mdia.

    NVU E onde entra esse projeto de desconcen-trao de renda, j que a concentrao um gra-ve problema do Brasil?MU uma democratizao das opor-tunidades econmicas e educativas. Esse o ponto essencial. As transfern-cias fiscais e os programas sociais so teis e so secundrios. O que impor-ta mesmo na democratizao da renda, na redistribuio progressiva de renda a democratizao das oportunidades econmicas e educativas. Das oportu-nidades para trabalhar, para produzir e para aprender. E no se consegue

    isso sem inovar nas instituies. Por isso, seria um contra-senso o Nordeste se contentar com meras transfern-cias apaziguadoras, em vez de insistir numa reconstruo institucional auda-ciosa. Ao mesmo tempo, tambm no se deve satisfazer s com obras fsicas. Ns temos uma tendncia no Brasil ao fascnio pelo fisicalismo. As coisas so mais fceis de entender do que as estruturas. H grandes obras em curso no Nordeste. Essas obras esto uni-ficando a regio pela primeira vez na histria do Brasil, fisicamente. Mas a unificao fsica apenas o palco, no mais do que o palco. o palco para uma agenda institucional revolucion-ria. E agora o nosso foco precisa passar das obras para a agenda das mudanas institucionais.

    NVU Como o senhor v a questo da religiosi-dade nordestina. H, por exemplo, um fenme-no chamado Padre Ccero, que mobiliza a regio. Isso uma coisa positiva do imaginrio popular ou pode servir como um entrave?MU uma caracterstica geral do Brasil. E esse, alis um dos muitos pontos de analogia entre o Brasil e os Estados Unidos. Duas sociedades mui-to desiguais, multitnicas e religiosas, nas quais a maior parte das pessoas comuns continua a julgar que tudo possvel. So sociedades cheias de aventureiros, de peregrinos, de pesso-as que esto em busca de algo e ns nos metemos numa camisa de fora inteiramente inapropriada a essa natu-reza. Ns temos que romper a camisa de fora e dar instrumentos a essa in-quietude construtiva. E esse deve ser o esprito desse Nordeste.

    NVU O que h de Celso Furtado nesse projeto?MU A situao histrica muito dife-rente, a proposta diferente, o mtodo diferente. O Celso Furtado era um apaixonado pelo Nordeste. Ele enten-dia intuitivamente que o Nordeste po-deria exercer este papel de desbravar um caminho para o pas. Mas, ao mes-mo tempo, era um homem fascinado pelas idias daquela poca. Inclusive pelo modelo de industrializao que se

    29Junho/2009Nordeste VinteUm

  • implantara no Sudeste do pas, e espe-cialmente em So Paulo em meados do sculo XX. Ento, essa proposta em nenhum sentido uma repetio das idias de Celso Furtado. Ns temos que aprender com as lies e experi-ncias dos ltimos cinqenta anos no Brasil e no mundo. E por outro lado, o mtodo que eu proponho um mto-do que, mais ainda do que na ao de Celso Furtado, aposta no movimento endgeno do Nordeste, na fora que vem de dentro, na fora que vem de baixo, um movimento poltico. Eu no acredito que o Estado brasileiro, ainda dominado pelas foras sediadas nas partes mais ricas do pas, v dar de presente ao Nordeste os instrumentos para uma grande rebeldia inovadora. No haver um atalho. E ns temos agora grandes incidentes na vida po-ltica do pas que vo oferecer uma ocasio muito propcia para o exerccio dessa rebeldia. Inclusive a sucesso presidencial vindoura.

    NVU E o papel da Sudene?MU A Sudene no deve ser nem a dispensadora de projetos genricos. O papel da Sudene no construir o Pro-jeto Nordeste. Ele tem que ser uma construo coletiva, no de tcnicos. Tem que ser de toda a sociedade nor-destina, com engajamento nacional. Mas, ao mesmo tempo, no deve cair num varejo de aes pontuais. En-to, o papel da Sudene ser o grande agente coordenador das aes neces-srias para implementar esse projeto. Coordenador em dois sentidos. Em primeiro lugar, por uma coordenao horizontal, dentro do governo federal. E, em segundo lugar, por uma coor-denao vertical, dentro da federao. Coordenar as aes dos trs nveis da Federao no Nordeste.

    NVU E o papel que o senhor vislumbra para o Banco do Nordeste, com o FNE?MU Ser a fonte de financiamento, o brao financeiro inclusive para operar como antdoto a uma situao grave: o Nordeste um exportador lquido de capital. Mais capital sai do que entra.

    Se algum deposita dinheiro num gran-de banco privado no Piau, muito pro-vvel que aquele dinheiro seja investido no Sudeste do pas. Ns, ao contrrio dos EUA, nunca tivemos o sistema ban-crio verdadeiramente descentralizado. Lembre-se que os EUA, por mais de cem anos, proibiram os bancos nacio-nais e organizaram um sistema de cr-dito mais descentralizado na histria do mundo. Isso no se faz de um dia para o outro. Mas o que ns poderemos fazer introduzir mudanas regulatrias, na regulao dos bancos, que assegurem que, pelo menos, parte do dinheiro de-positado l, seja investido l. Enquan-to isso, esses bancos, a comear pelo BNB, podem ser as maiores fontes de financiamento. Banco do Brasil, Caixa Econmica, Bndes. Para uma poltica industrial focada nas pequenas e m-dias empresas e para a poltica agrcola capaz de organizar a agricultura irrigada e soerguer a de sequeiro.

    o turismo em geral no mundo uma maravilha como complemento a um projeto econmico e social forte, mas pode ser um desastre como alternativa. o turismo atrai porque pode gerar muito dinheiro em pouco tempo de uma forma fcil, mas se usado para substituir um projeto econmico forte, constri-se uma sociedade de garons alienados essa proposta em

    nenhum sentido uma repetio das idias de Celso Furtado. Ns temos que aprender com as lies e experincias dos ltimos cinqenta anos no Brasil e no mundo. e por outro lado, o mtodo que eu proponho um mtodo que, mais ainda do que na ao de Celso Furtado, aposta no movimento endgeno do Nordeste, na fora que vem de dentro, na fora que vem de baixo, um movimento poltico

    Elevador Lacerda, em Salvador (BA)

    30 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • NVU O presidente Lula enxerga no senhor uma espcie de novo Antnio Conselheiro, se re-belando contra as estruturas do Nordeste, mas sem o misticismo?MU O presidente estimulou muito essa ao no Nordeste. E, recentemen-te, levei a ele a ltima verso [do projeto Nordeste]. Ns, inicialmente, pensva-mos que a reunio com os governadores sobre o projeto seria em Salvador, mas teve de ser remarcada por questo de agenda, pois coincidia com a reunio com o presidente Chvez. Mas, eu es-tou convicto de que o presidente vai, com a intuio dele, entender o signi-ficado desse projeto como um instru-mento para a construo do futuro na-cional. Eu conto com o apoio dele.

    NVU E por que o senhor, como um homem de viso, professor de Harvard, enxergou no Nor-deste essa fresta para que o Brasil mude essas estruturas?MU Eu sempre tendo a acreditar que as solues para a humanidade no vem do centro, da capital do sistema. Vem da periferia, dos outsiders, dos rfos. Ento, eu empatizo com eles no por uma lgica de caridade, mas por uma lgica de transformao. Um grande poeta alemo, [Friedrich] Hl-derlin, escreveu que quem pensa com mais profundidade, ama o que tem mais vida. A vitalidade a caractersti-ca mais importante do Brasil, e aparece de maneira concentrada no Nordeste. Isto atrai, e ainda que no tenha me formado dentro do Nordeste, eu intuo

    no Nordeste esse enigma brasileiro e essa esperana.

    NVU O senhor quer fazer revoluo a partir do Nordeste sem um tiro, sem um confronto, sem uma sublevao. possvel isso?MU Eu no disse que eu sou contra sublevaes. A questo qual a for-ma da sublevao. Eu me considero um revolucionrio, mas por tempe-ramento e por convico. Mas, eu entendo que as revolues do scu-lo XXI no podem assumir a forma que assumiram em sculos passados.

    eu no acredito que o estado brasileiro, ainda dominado pelas foras sediadas nas partes mais ricas do pas, v dar de presente ao Nordeste os instrumentos para uma grande rebeldia inovadora. No haver um atalho. o Nordeste vai ter que se organizar, vai ter que se movimentar, vai ter que lutar por um outro caminho

    O projeto de desenvolvimento estratgico e integrado da regio Nordeste ser lanado pelo Governo Federal no segundo semestre deste ano. A notcia do governador do Piau, Wellington Dias, publicada atravs do site

    Projeto Nordeste no segundo semestre de 2009

    WElliNGtON DiAS: oficial, no ltimo dia 7 de julho, aps confir-mao do subchefe executivo da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da

    Repblica, Daniel Barcelos Vargas, em Braslia. Ainda conforme o site, uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia vai visi-tar o Piau, visando implantar proje-

    tos de incluso social. O governador manifestou a necessidade de criao de uma empresa de capital pblico e

    privado para a rea da minerao, a exemplo da Petrobras. Muitas vezes o

    Poder Pblico fica refm do setor privado, que pede a concesso de uma rea para a realizao de pesquisa e no a implanta, ficando anos e anos com reserva de mer-cado. Por isso, defendo que o Brasil precisa de uma Petrobras da minerao, declarou o governador. O Estado do Piau tem uma grande reserva mineral de ferro, fsforo, n-quel, mrmore, calcrio, diamante e opala. Essa riqueza precisa ser transformada em renda sustentvel para as pessoas dessas regies, que muito precisam, ressaltou Wellington Dias

    Ns vamos ter que mudar no s o contedo, mas tambm o mtodo.

    NVU O senhor um social-democrata convicto?MU Social-democrata no. No sou social-democrata, nem social liberal, porque associo a essas palavras aquilo que eu condenava, que o culto do acar. Eu no estou interessado em acar, eu no quero dourar a plula. Eu quero reconstruir o existente, mas ele pode ser reconstrudo de uma ma-neira experimentalista, um mtodo que gradativo e pode ter um desfecho que resulta numa transformao profunda.

    NVU Em que pensamento doutrinrio-filosfi-co o senhor se enquadraria?MU A, eu no posso responder. a primeira das suas perguntas que eu te-nho que deixar sem resposta.

    NVU Esse sonho pode esbarrar em 2010 ou o senhor pode dar um substrato para enriquecer ainda mais o debate no ano que vem?MU Sabe o que disse o grande fsico e matemtico Henri Poincar? Ele disse: O acaso favorece as mentes preparadas (risos). Eu estou espe-rando que esses incidentes polticos abram mais portas.

    NVU E o senhor estar de qual lado?MU Na minha posio atual, em que eu cuido de um projeto de Estado, no posso tratar de sucesses presiden-ciais, tenho que me manter fora da poltica partidria.

    31Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Por Luclio [email protected]

    O paraso de Euclides

    MEIO AMBIENTE

    nico ecossistema exclusivamente brasileiro, a Caatinga comea a receber do poder pblico providncias tardias, porm decisivas para a sua preservao. Aes inovadoras do Ministrio do Meio Ambiente querem tir-la de uma espcie de anonimato. Consagrado pelo escritor Euclides da Cunha como paraso, na sua obra Os Sertes, o bioma finalmente ensaia a despedida de uma condio de quase abandono e parece figurar como prioridade na elaborao de polticas pblicas

    caatingaMuito prazer,

    32 Junho/2009Nordeste VinteUm

  • O paraso de Euclidessecular concepo de que a Caatinga seja o primo po-bre dos biomas brasileiros

    est com os dias contados. o que tentam provar duas iniciativas do Mi-nistrio do Meio Ambiente (MMA), prioritariamente direcionadas a con-servar esta vegetao do Semi-rido: o monitoramento, por satlite, das reas desmatadas, e o Zoneamento Ecolgico-Econmico do Nordeste.

    Aqui, a Caatinga soberana, ao ocupar originalmente 53% do territ-rio. O objetivo das duas providncias governamentais saber o quanto a devastao desse bioma evoluiu nos ltimos anos. Hoje, ele est entre os quatro mais devastados, com 36% da sua vegetao modificada.

    Divulgados durante as comemo-raes ao Dia Nacional da Caatinga, 28 de abril, os projetos j foram postos em prtica. Enquanto o zoneamento

    partiu para levantar o uso e ocupao do solo, o Plano de Monitoramento, de responsabilidade da Secretaria de Biodiversidade e Floresta do MMA, j monitora as reas de vegetao. Os primeiros resultados sero di-vulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis (Ibama) em novembro deste ano. O governo prev que as estatsticas tenham piorado. Os lti-mos estudos sobre os remanescentes da Caatinga foram feitos em 2007, com base em dados de 2000.

    Inicialmente restrito Amaz-nia, o monitoramento foi estendido pela primeira vez a outros biomas do Brasil. Na pauta das discusses do MMA sobre devastao, a Caatinga divide as aes de monitoramento com o Cerrado e a Mata Atlntica. Entre outras iniciativas, consta um Plano de Divulgao da Caatinga,

    que prev uma srie de estratgias de comunicao para tornar esse bioma mais valorizado pela sociedade.

    Ele o ecossistema menos co-nhecido do pas, simplesmente por-que no tem mdia. Ainda no tem uma importncia nacional reconhe-cida, como possui a Mata Atlntica, embora seja o nico exclusivamente brasileiro, avalia o coordenador do ncleo Caatinga do MMA, Joo Ar-thur Soccer Seyffarth.

    A realidade que surge das pes-quisas comprova a declarao. Da-dos do ministrio mostram que os centros de pesquisa no Brasil ainda esto concentrados em sua maioria nas regies Sul e Sudeste. Na Regio Nordeste, o nmero de estudos e pesquisadores bem inferior, o que esclarece a pouca quantidade relati-va e a forma esparsa de publicaes cientficas sobre a Caatinga.

    a www.CO

    NPAM

    .CE.g

    Ov.b

    R

    33Junho/2009Nordeste VinteUm

  • Embora se deva reconhecer que a Mata Atlntica tenha a vegeta-o nativa mais devastada (restam apenas 27%) e os demais biomas brasileiros continuem a gerar preo-cupao, o despertar em relao Caatinga merece ainda maior des-taque pelo fato de ela ocupar 11% do territrio nacional (884.453 km) e ser o bioma extra-amaznico com maior contribuio para a economia e alimentao da populao habi-tante. De toda a energia consumida pelos nordestinos, 40% so prove-nientes da Caatinga.

    Presente no Maranho, Piau, Cear, Rio Grande do Norte, Para-ba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, alm do norte de Minas Gerais, a Caatinga possui uma populao de 28 milhes de ha-bitantes em seus ainda restantes 520 mil quilmetros quadrados. Trata-se do bioma semi-ri-do mais biodiverso do mundo.

    Retratada como paraso pelo escritor Eucli-des da Cunha, na sua obra Os Ser-tes - Campanha de Canudos, ela possui riqussimas fauna e flora. So

    Maior biodiversidade entre semi-aridos do planeta espreitada pela desertificacao

    ExUbERNCIA, bIOCOMbUTvEIS