Nazare 2011

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Biblioteca 2.0 . 3º Encontro de Bibliotecas do Oeste. Biblioteca Municipal da Nazaré.7.8.9.Julho.2011 Com que gente se tece a biblioteca mais exigente Maria José Vitorino [email protected] Resumo: Os recursos humanos estão no centro das condições de qualificação dos serviços das bibliotecas, e das bibliotecas escolares em particular. A inteligência das soluções depende do factor humano e da adequação dos modos de gerir o pessoal. Os desafios potenciados pelos contextos digitais em rápida transformação nos últimos anos, e os que se adivinham no próximo futuro explicam o interesse crescente por temas relacionados com a gestão de projectos, a liderança, o trabalho colaborativo e as parcerias, ao mesmo tempo que se diversificam soluções de automatização de procedimentos técnicos que no passado absorviam muito tempo e energia. Esta evolução associa-se, ainda, a uma redescoberta do papel social e cultural (no sentido amplo) da biblioteca, como factor de integração ou até de desenvolvimento de cada comunidade e das gentes que a constituem, em espaços e tempos reequacionados presencialmente e à distância. Neste âmbito, retoma-se a origem da sigla TIC, desdobrando o C em termos presentes nas nossas preocupações actuais e que de alguma forma assinalam oportunidades e desafios, acentuados pelos constrangimentos financeiros e os seus efeitos: conforto, comunicação, comunidade, conectar, criatividade, commons... Peopleware is a term used to refer to one of the three core aspects of computer technology, the other two being hardware and software . Peopleware can refer to anything that has to do with the role of people in the development or use of computer software and hardware systems, including such issues as developer productivity, teamwork, group dynamics, the psychology of programming, project management, organizational factors, human interface design, and human-machine- interaction. 1 In Wikipedia (2011) http://en.wikipedia.org/wiki/Peopleware Chegados ao décimo quinto ano da Rede de Bibliotecas Escolares em Portugal, e ao vigésimo quinto da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, os desafios são agora e no próximo futuro os do crescimento numa cultura de exigência. Diz o povo “para quem é bacalhau basta”... Sem desprimor para a iguaria, injustamente maltratada na expressão popular, a verdade é que não há qualidade sem exigência, nem esforço nessa qualidade quando se consideram pouco exigentes e pouco merecedores aqueles a quem se destina o resultado do nosso trabalho. Se tal é verdade para qualquer público, ou, mais uma vez na linguagem popular, para qualquer freguês, ainda é mais importante quando se aplica a serviços públicos, garantidos com os impostos de todos, como é o caso das nossas bibliotecas, e aos domínios da Cultura e da Educação, que são os nossos, e que lidam com património comum e por isso mesmo também público, de que dependem duas formas de riqueza, ou melhor, de condições de criação e recriação de riqueza, na memória e no futuro. 1 Larry Constantine Constantine on Peopleware Prentice Hall, 1995, p. xxi. (ISBN 0-13- 331976-8 ) Licença Creative Commons CC by nc

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Biblioteca 2.0 . 3º Encontro de Bibliotecas do Oeste. Biblioteca Municipal da Nazaré.7.8.9.Julho.2011

Com que gente se tece a biblioteca mais exigenteMaria José Vitorino

[email protected]

Resumo: Os recursos humanos estão no centro das condições de qualificação dos serviços das bibliotecas, e das bibliotecas escolares em particular. A inteligência das soluções depende do factor humano e da adequação dos modos de gerir o pessoal. Os desafios potenciados pelos contextos digitais em rápida transformação nos últimos anos, e os que se adivinham no próximo futuro explicam o interesse crescente por temas relacionados com a gestão de projectos, a liderança, o trabalho colaborativo e as parcerias, ao mesmo tempo que se diversificam soluções de automatização de procedimentos técnicos que no passado absorviam muito tempo e energia. Esta evolução associa-se, ainda, a uma redescoberta do papel social e cultural (no sentido amplo) da biblioteca, como factor de integração ou até de desenvolvimento de cada comunidade e das gentes que a constituem, em espaços e tempos reequacionados presencialmente e à distância. Neste âmbito, retoma-se a origem da sigla TIC, desdobrando o C em termos presentes nas nossas preocupações actuais e que de alguma forma assinalam oportunidades e desafios, acentuados pelos constrangimentos financeiros e os seus efeitos: conforto, comunicação, comunidade, conectar, criatividade, commons...

Peopleware is a term used to refer to one of the three core aspects of computer technology, the other two being hardware and software. Peopleware can refer to anything that has to do with the role of people in the development or use of computer software and hardware systems, including such issues as developer productivity, teamwork, group dynamics, the psychology of programming, project management, organizational factors, human interface design, and human-machine-interaction.1 In Wikipedia (2011) http://en.wikipedia.org/wiki/Peopleware

Chegados ao décimo quinto ano da Rede de Bibliotecas Escolares em Portugal, e ao vigésimo quinto da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, os desafios são agora e no próximo futuro os do crescimento numa cultura de exigência. Diz o povo “para quem é bacalhau basta”... Sem desprimor para a iguaria, injustamente maltratada na expressão popular, a verdade é que não há qualidade sem exigência, nem esforço nessa qualidade quando se consideram pouco exigentes e pouco merecedores aqueles a quem se destina o resultado do nosso trabalho.Se tal é verdade para qualquer público, ou, mais uma vez na linguagem popular, para qualquer freguês, ainda é mais importante quando se aplica a serviços públicos, garantidos com os impostos de todos, como é o caso das nossas bibliotecas, e aos domínios da Cultura e da Educação, que são os nossos, e que lidam com património comum e por isso mesmo também público, de que dependem duas formas de riqueza, ou melhor, de condições de criação e recriação de riqueza, na memória e no futuro.Em tudo isto, o fator humano é essencial, pois dele depende o potencial de imaginação e de pensamento, necessários a qualquer adaptação dos recursos e sobretudo de antecipação de problemas, permitindo a construção de respostas adequadas, atempadas e úteis.Como potenciar este fator? Quantitativamente ? Mais gente será igual a mais capacidade humana de produzir bens, serviços, projetos, redes? Qualitativamente?Claro que a resposta está no híbrido: precisamos de mais gente e de gente mais preparada. Precisamos também de modos de gerir tudo isto que sejam melhores e adequados às exigências dos tempos que correm e ao cultivo de uma cultura de exigência alargada e democrática.E que tem tudo isto a ver com a Biblioteca 2.0?

1 Larry Constantine  Constantine on Peopleware Prentice Hall, 1995, p. xxi. (ISBN 0-13-331976-8)

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Os desafios potenciados pelos contextos digitais em rápida transformação nos últimos anos, e os que se adivinham no próximo futuro explicam o interesse crescente por temas relacionados com a gestão de projectos, a liderança, o trabalho colaborativo e as parcerias, ao mesmo tempo que se diversificam soluções de automatização de procedimentos técnicos que no passado absorviam muito tempo e energia. Liberta-se assim pela mão da tecnologia a quantidade da gente, o número de horas humanas disponíveis para outras tarefas e novos projetos, mesmo que o número de pessoas possa permanecer o mesmo ou pouco se altere. Mesmo quando somos os mesmos, somos mais.No entanto, a mesma tecnologia nos obriga a que, sendo embora os mesmos, termos de ser outros, em permanente transformação de nós próprios. Libertar-se-á assim, esperamos, também a qualidade da gente.Nada disto acontece porém automaticamente, embora, para ser real, tenha de acontecer de modos fluidos, parecendo, e sendo, um desenvolvimento natural... tal como na Arte que se tantas vezes, para similitude do espontâneo, requer demoradas e complexas construções, apenas percetíveis a quem sabe ler os seus processos.Sendo desde sempre a biblioteca um lugar de conexões, os contextos 2.0 correspondem a possibilidade infinitas de afirmação da vocação da biblioteca, ao invés do seu desaparecimento como alguns, recorrentemente, anunciam, por convicção ou, numa outra leitura, por esconjuro. Reforça o valor, entre a qualificação de quem faz diariamente as bibliotecas, de competências de colaboração, comunicação, trabalho em rede. Sublinhará, mais tarde ou mais cedo, a evidência de sinais de qualidade nos serviços das bibliotecas associados ao 2.0: portais, serviços a distância 24/7, da acessibilidade à coleção virtual ou física aos serviços de referência como o Ask the Librarian ou a modalidades de promoção como as Comunidades de Leitores, integração em redes por afinidade territorial ou outra.A redescoberta de algumas dimensões da biblioteca que acompanha estas transformações deve fazer-nos pensar: a biblioteca como recurso comum de todos os elementos de uma comunidade, capaz de promover a integração social e até identitária de quem nela habita, todos diferentes, todos utilizadores da biblioteca, amigos dela e dela sentindo o bater de um coração simpático e, até, empático?Nesse sentido, se precisamos que quem faz as bibliotecas seja seguro no uso de diversas tecnologias, precisamos cada vez mais que seja destro em competências sociais e relacionais, ágil nas lides do conhecimento, do sentido e dos sentidos. E tudo isto gerindo espaço e espaços mas também tempo e tempos – os encontros são cada vez mais tanto síncronos como assíncronos, e desafiam.Em plena afirmação de altas velocidades e modos de normalização, nunca como agora foi tão preciosa a biblioteca como lugar e fator de liberdade e de memória de práticas de criação, experimentação. Banda larga, claro, sempre, mas também possibilidade de ritmos de caminhada individuais, em diferentes lentidões, ao ritmo da passada de cada um. No chão físico ou no chão virtual, a metáfora funciona sempre.Teremos necessariamente de encontrar formas de organização dos profissionais, dos gestores, e dos utilizadores que, sem esquecer as destrezas técnicas, não empobreçam a gente em formatos tecnocráticos, não por ideologia e crença, mas por elementar inteligência e compreensão das condições básicas do desenvolvimento humano – as bibliotecas, essenciais em todas as redes do conhecimento, vale pela humanidade que comporta e apoia, pelo património cultural que a enriqueceu por séculos e séculos, e que nos ensina que o valor de um homem é o de todos os homens, e o espírito humano ultrapassará sempre a reprodução do quantificável e depende do desenvolvimento do imaterial, a cultura, o pensamento, a criação, ou seja, a liberdade. Tomamos porém consciência de que a nossa tarefa é de alto risco, entre deslumbramentos tecnológicos e a espuma dos dias... Se perdermos a capacidade da insatisfação estaremos a curto prazo mortos.

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A solução não é de certeza ignorar a transformação, mas antes encarar a mutação e assumir. Como diria uma das personagens de um filme recente (X-Men : first class): Mutant and proud!2

Ler+: Movimento SIM (Portugal). Everything is a Remix. The Daring Librarian

Outras ideias inspiradas pelo ar da Nazaré durante o dia de apresentação deste texto em Painel (7.07.2011):

Depois de ouvir José GilO corpo no centro da biblioteca. Sem recusar a web 2.0 não esquecer as antigas artes do corpo – a dança, a música, o teatro, a pintura, a escultura, o movimento, o sensorial e o inconsciente.Biblioteca = sementeira de ética. Para que é que...?

Durante o almoçoBiblioteca amiga dos seus amigos e os seus amigos são , têm de ser, o povo real e plural da comunidade em que deve estar (bem) inserida. As histórias do Balau da BM da Nazaré e as mulheres das sete saias dão que pensar sobre o caminho de reinvenção das bibliotecas públicas e escolares.

Depois de ouvir o Filipe LealMobilidade social da biblioteca. Mobilidade social através da ação da biblioteca. O cartaz dos anos 30 evoca esta crença na biblioteca redentora: em vez da taberna a biblioteca salva o cidadão da perdição...Massificação de cultura & predomínio do audiovisual & emergência da Internet versus Biblioteca. Ficar indiferente não é opção. Internet – o novo centro do acesso à informação, elimina a necessidade da biblioteca?Mutações nos processos de aprender e de ensinar de criar e de partilhar sucedem-se velozmente e recolocam as literacias no centro de tudo o que é preciso aprender seja onde for.A centralidade crescente das destrezas na Comunicação para a proficiência na Sociedade da Informação. Saber apresentar e ter boa apresentação (a imagem, sempre a imagem antes de todas as coisas)?Bibliotecas em extinção ou em mutação?Trabalho da biblioteca pública com populações mais velhas... uma nova fronteira?O valor da biblioteca é a procura voluntária – como alargar o espectro e diversificar os perfis dos que têm vontade de a usar? Marketing?

Ouvindo a Odília BaleiroO peso da presença ou ausência das literacias no curriculum expresso e na formação generalista de todos os professores. A pensar: e que dizer do peso que estas competências vaio ganhando na representação do público em geral (incluindo o que vulgarmente se designa como famílias) sobre o que deve ser uma pessoa bem preparada, não apenas para ter bons resultados na escola mas de forma geral para a vida, incluindo o mundo do trabalho e o mundo social e do lazer.Estratégia a desenvolver: pensar por etapas. A pensar: será possível fazê-lo sem ter uma visão global consolidada?

2 Mutante e com orgulho de o ser!

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Categorias profissionais e formação. Continuar, consolidar... 2011, orientações daUnesco sobre literacia da informação. A pensar: que novo salto em frente? Como valorizar os não docentes - que são absolutamente necessários - num discurso sobre a escola centrado nos docentes? Como incentivar/apoiar bibliotecários não docentes a tornarem-se docentes para poderem trabalhar em bibliotecas escolares?

Ouvindo o João Paulo ProençaTrazer a vida para dentro da biblioteca passa também pelo 2.0. A comunidade ou o utilizador no centro da Biblioteca? Trabalho em rede e difusão – escrever para ser citado ou para ser linkado... Falta a colaboração porque não dá vontade de colaborar (as ferramentas existem e são acessíveis, mas para quê usá-las em colaboração com outros?). Reinventemos propósitos e motivações, cada uma fará o resto do caminho.

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