Narrativas audivisuais
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Ano IV, n. 07 Jul-dez/2011
Experimentao da narrativa em documentrios de periferia
Gustavo SOUZA1
Resumo As anlises dos documentrios Tempo-tempo (Kinoforum, 2008) e No cruzamento dos eixos (Oficina de Imagem Popular, 2006), feitos em oficinas de realizao audiovisual voltadas para moradores das periferias de So Paulo e Braslia, respectivamente, indicam que a experimentao no cinema de periferia relaciona-se explorao de trs importantes aspectos: os recursos da cmera, as possibilidades narrativas e os inmeros elementos do espao urbano. Diferentemente do cinema experimental, cuja inteno subverter ou retrabalhar modelos cinematogrficos preexistentes, o experimento no cinema de periferia fruto de um exerccio em que a prtica e sua repetio revelam arranjos inditos para imagens e sons, revertendo-se, portanto, como uma importante ferramenta metodolgica em tais oficinas. Palavras-chave: Experimentao. Narrativa. Documentrio.
Abstract The analysis of documentaries Tempo-tempo (Kinoforum, 2008) and No cruzamento dos eixos (Oficina de Imagem Popular, 2006), made in workshops aimed at achieving audiovisual residents of the peripheries of So Paulo and Brasilia, respectively, indicate that experimentation in cinema of the periphery is related to the exploration of three important aspects: the camera features, the narrative possibilities and the many elements of urban space. Unlike the experimental film, intended to subvert or cinematic reworking existing models, the experiment in the cinema of the periphery is the result of a year in which the practice and its replay reveal unpublished arrangements for images and sounds, reversing itself, therefore, as an important methodological tool in such workshops.
Key words: Experimentation. Narrative. Documentary.
1 Doutor em Cincias da Comunicao pela ECA/USP. Mestre em Comunicao e Cultura pela ECO/UFRJ. Graduado em Comunicao Social/Jornalismo pela UFPE. Organizador dos livros da Socine das edies de 2008 (com Esther Hamburger e Tunico Amancio), 2010a (com Samuel Paiva e Laura Cnepa) e 2010b (com Mariarosaria Fabris, Rogrio Ferraraz e Gelson Santana). Email: [email protected]
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Ano IV, n. 07 Jul-dez/2011
Introduo
A produo audiovisual hoje presente em diversas periferias do pas apresenta
uma diversidade de temas, discursos e opes imagticas. Tal aspecto ganha
materialidade em inmeros modos de narrar, em que se verificam tambm
experimentaes com imagens e sons. Os elementos narrativos de uma obra
audiovisual, pois, no existem previamente, como se fossem entidades desconectadas do
tempo e do espao. Sua observao deve atentar para as suas condies de produo e
circulao, pois assim se apreende efetivamente o modo como se d sua organizao.
Conhecido como cinema de periferia, este tipo de produo se tornou hoje uma
marca que abriga uma produo heterognea, capaz de produzir variados pontos de
vista sobre uma determinada questo. V-se, neste caso, a recorrncia quase intuitiva
(ou acidental) de enquadrar esta produo numa moldura limitadora, em que o cinema
de periferia se torna praticamente um gnero. De fato, importante frisar que esta
denominao se d inicialmente por um vnculo geogrfico, afinal tais filmes so, sim,
realizados em periferias, morros ou subrbios. Mas a discusso deve transcender a
geografia do local, para perceber que valores e significados moldam esta concepo.
Isto tambm confere ao cinema de periferia, por herana, um espao no geogrfico,
mas desta vez simblico na produo audiovisual brasileira contempornea.
O cinema de periferia ressalta a criao no espao urbano em situaes de
interveno e participao. Da a importncia de conferir como ele encarna essa questo
em sua instncia narrativa. Quem possibilita uma melhor apreenso dessa possibilidade,
so os documentrios Tempo-tempo (Kinoforum, 2008) e No cruzamento dos eixos
(Oficina de Imagem Popular, 2006), feitos em oficinas de realizao audiovisual
voltadas para moradores das periferias de So Paulo e Braslia, respectivamente. O
primeiro filme trata do ciclo de vida dos caixotes de madeira na Ceagesp (Companhia
de Entrepostos e Armazns Gerais de So Paulo), da sua fabricao, ao transporte de
frutas e verduras at o seu destino final. O segundo, por sua vez, faz uma leitura
potica de um dia de funcionamento em uma rodoviria de Braslia. Desse modo, as
anlises de documentrios Tempo-tempo e No cruzamento dos eixos permitem perceber
como tais filmes estruturam suas narrativas apostando em experimentos que se
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revertem, posteriormente, como uma possibilidade metodolgica a ser adotada em
diversas oficinas de realizao audiovisual em inmeras regies perifricas do pas.
As anlises adotadas neste trabalho seguem as recomendaes de Jacques
Aumont e Michel Marie (1989), pois, como postulam os autores, o trabalho da anlise
flmica fazer o filme falar. Desse modo, no se pode esquecer que um filme no
existe por si, dissociado de suas condies de realizao e circulao. Isso significa que
cada um desses dois documentrios aciona um processo analtico imagem, montagem,
som, depoimentos, narraes ou a combinaes dessas possibilidades , indicando a
especificidade de cada anlise. Esse aspecto ser til para a apreenso de que modo sua
organizao narrativa permite o encaminhamento da discusso que se ver a seguir e
como a experimentao pode se confirmar como um procedimento recorrente nas
metodologias de cada coletivo de produo ou oficina.
A narrativa como espao de experimentao
O personagem central do documentrio Tempo-tempo (Kinoforum, 2008) so as
caixas que transportam frutas e verduras na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e
Armazns Gerais de So Paulo). O filme explora o ciclo de vida dessas caixas: desde
a sua fabricao, armazenamento, at o destino final, construindo uma narrativa linear,
sem recorrer aos recursos tradicionalmente utilizados pelo documentrio (entrevistas,
depoimentos em voz over, reconstituies ou narrao em off). Para dar conta desse
ciclo, a montagem alterna planos fechados e gerais com um nico objetivo: pr em
evidncia as caixas em detrimento do elemento humano. Onde h pessoas, a cmera est
prxima, em close, de modo a no identificar a pessoa que monta o caixote, como
evidencia a primeira sequncia (fotograma 1). A no identificao humana se d
tambm a partir de planos to abertos que a pessoa se torna diminuta no quadro. Em um
deles, um homem desaparece num corredor construdo com milhares de caixas
empilhadas que produzem um efeito cidade no galpo onde esto armazenadas
(fotograma 2).
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fotograma 1 fotograma 2
Em contrapartida, as caixas, como elemento central da narrativa, so
acompanhadas de perto desde o momento da sua fabricao at serem usadas para o
transporte de frutas e verduras. No momento em que elas esto em ao, como revela
uma sequncia em que carroceiros na Ceagesp transportam uma enorme quantidade de
caixas carregadas com verduras, o registro imagtico prioriza sempre as caixas. Ainda
que fabricadas pelo homem, este no ocupa um papel de destaque na narrativa: no h
depoimentos, seus rostos no so mostrados. O mximo a que se tem acesso so
conversas, que se tornam rudos devido ao intenso barulho do ambiente.
A articulao de planos gerais e closes em Tempo-tempo aponta, ironicamente,
para a importncia por vezes excessiva que se d aos objetos, em detrimento das
pessoas. A ironia est exatamente no personagem em questo: um simples caixote de
madeira, usado para transportar frutas e verduras. Simples por seu baixo valor simblico
e material, mas, ao mesmo tempo, imprescindvel para o contexto em questo, pois
como despachar toneladas de frutas e verduras para alm da Ceagesp sem esses
caixotes? Para responder essa pergunta, Tempo-tempo parte de uma estrutura narrativa
linear com incio, meio e fim , cujos recursos imagticos e sonoros fazem o
documentrio apostar na experimentao, especialmente em relao narrativa. Ao
abordar a confeco, o armazenamento e o transporte de caixotes de madeira (um tema
a priori rduo para ser desenvolvido em termos narrativos e imagticos) distante das
referncias habituais, o documentrio apresenta concomitantemente o linear e o
descontnuo. Essa premissa se confirma quando notamos que, em seus quatros minutos
de durao, o som de Tempo-tempo ambiente, no h msica como trilha sonora,
narrao ou depoimentos, aspecto que conduz pergunta de Gaudreault e Jost: ser
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que os rudos e no mais as palavras podem ser portadores de uma narrativa?.2 O
documentrio responde que sim, utilizando recursos visuais associados a sons do
ambiente, que, por outra perspectiva, poderiam ser minimizados ou eliminados, tendo
em vista a intensa profuso sonora do lugar. O som in loco o porta-voz de um
personagem que no tem condies de falar.
Se os caixotes de madeira servem para Tempo-tempo experimentar em termos
narrativos, No cruzamento dos eixos (Oficina de Imagem Popular, 2006) recorre
tambm experimentao como procedimento metodolgico, porm com um enfoque
visual e sonoro, embora esse aspecto no deixe de ter os seus reflexos na narrativa,
evidentemente. Nesse documentrio, o personagem a rodoviria do plano piloto, em
Braslia, cuja abordagem potica, presente em sua autodefinio, se volta para o ciclo
de um dia desse espao. O documentrio potico, segundo Nichols, pressupe um grau
maior de abstrao na abordagem do tema, em que os recursos expressivos so
organizados de modo a reforar tal inteno, abrindo mo, em muitos casos, de
narraes, textos explicativos, depoimentos ou montagem linear.3
Essa organizao do material flmico tal qual sugere Nichols perceptvel em
No cruzamento dos eixos pelo seguinte motivo: assim como Tempo-tempo, sua narrativa
circular, pois se apropria de um dia comum de funcionamento da rodoviria ao tomar
a passagem do tempo como guia, passando pela manh, e estendendo-se pela tarde,
noite, madrugada e novamente manh. Tal apropriao evita tambm os recursos
comumente utilizados pelo documentrio de modo geral (entrevistas, voz off, voz over,
reconstituies) e aposta numa experimentao com a imagem e o som que confere o ar
potico presente em sua sinopse.
Para mostrar esse dia de funcionamento, o documentrio se concentra no fluxo
de pessoas; afinal, o que d vida rodoviria, tornando-a personagem, exatamente
a circulao humana nesse local. Para mostrar a rodoviria como organismo vivo, o
filme organiza o material imagtico e sonoro de duas maneiras: inicialmente, a partir da
intensa circulao de pessoas, o comrcio, o vai-vem dos nibus, sempre aproveitando o
som ambiente. O segundo modo se d pela manipulao da imagem e do som,
especialmente com a incluso de sons extradiegticos e de interttulos. A partir dessa
2 Gaudreault e Jost, 2009, p. 45. 3 Mais detalhes, ver Nichols, 2005, p. 138-142.
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segunda possibilidade, o documentrio executa a experimentao por meio de
aceleraes da imagem para frente ou para trs, desacelerao e sua diviso em vrias
partes no mesmo quadro.
De suas nove sequncias, No cruzamento dos eixos apresenta em cinco a
alternncia das duas formas anteriormente descritas. No me deterei nesses cinco
segmentos, pois a estrutura acima comentada j sinaliza para os recursos utilizados.
Comento, apenas, a segunda sequncia do documentrio em que essa opo se torna
evidente pela primeira vez: ela tem incio com uma sucesso de imagens em que se v
um aglomerado de pessoas descendo escadas (rolantes ou no) com panormicas da
rodoviria (fotograma 3). Essas imagens so aceleradas para frente e para traz num
mesmo instante em que interttulos como espao, passo e descompasso saem de
dentro da imagem ao som de uma msica que remete a uma batucada (fotogramas 4, 5 e
6). A seguir, a rodoviria aparece em planos gerais ou fechados, sem aceleraes e com
som ambiente, ou seja, h o manejo da imagem e do som de modo a criar um clima de
pressa e frenesi para, em seguida, vermos a rodoviria em seu funcionamento normal.
fotograma 3 fotograma 4
Fotograma 5 fotograma 6
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Essa organizao permite ao documentrio abordar as diversas composies da
rodoviria. Como apontado acima, a circulao de pessoas o ponto central do filme.
Porm essa circulao apresenta como consequncias atividades decorrentes (e talvez
esperadas) em um local com grande concentrao humana: o comrcio, as lanchonetes,
assim como a pregao evanglica e a intensa quantidade de vendedores ambulantes.
Para abordar esse aspecto, mais uma vez o documentrio experimenta com a imagem e
o som: em um plano geral da rodoviria em slow motion, ouve-se uma pregao
evanglica em voz over que se refere aos passantes como multido: isso o mote para
a mesma palavra servir de interttulo, que logo se transforma em solido; a seguir,
vemos o homem com uma bblia na mo pregando para os passantes. A seguir, a
circulao de pessoas novamente retomada, s que desta vez o plano dividido em
trs cortes verticais em que a imagem do meio se movimenta de cima para baixo e as
duas laterais, de baixo para cima.
Observa-se, nessas duas sequncias, o fluxo de pessoas como o ponto central da
narrativa do documentrio, embora a forma como ele se apresente sonora e
imageticamente v mudando ao longo do filme. Tal fluxo vital e, ao contrrio de
Tempo-tempo, a multido que d vida rodoviria, mesmo que no haja
personagem central, depoimentos ou narrao. Porm, essa opo no garante, por si s,
o carter experimental e potico que o documentrio procura materializar, pois o
encadeamento e a organizao na montagem dos elementos sonoros e imagticos que
determinam esse modo de representao, e no apenas a excluso de depoimentos ou
voz off. Nessa direo, o documentrio Cidade cinza (Rede Jovem Cidadania, AIC,
2008) experimenta as possibilidades visuais e sonoras da cidade, contrapondo essas
imagens, s vezes duras e poludas, com a poesia cotidiana, como afirma a sua sinopse.
Para isso, todo o filme pontuado por impresses de uma voz over masculina que
filosofa sobre a experincia urbana, alternadamente a uma voz over feminina, que
responde s questes feitas pelos realizadores do documentrio, que tambm no
aparecem no filme. Cidade cinza evita a imagem como ilustrao da fala, isto , as
imagens da cidade no corroboram necessariamente o que dito pelas vozes escolhidas.
Um exemplo: no momento em que o homem se refere aos nibus como baleias de
ao, as imagens so inicialmente de uma praa com um intenso movimento de pessoas
cujo plano as captura da cintura para baixo, ao que segue um plano geral e fixo de 32
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segundos de parte dos trilhos do metr de Belo Horizonte. Esse mesmo plano
retomado adiante, quando o mesmo homem reflete sobre a importncia do silncio. A
imagem esttica, o som de chuva. Esse plano, com durao de 124, sugere a ideia
de um tempo esttico, cujo nico movimento o de um trem que passa.
Voltando a No cruzamento dos eixos, ele procura subverter essa ideia de um
tempo esttico. Para sugerir a passagem do tempo, o documentrio recorre parte
externa da rodoviria como um modo de fazer tais marcaes. Nesse caso, o exterior
um viaduto prximo, em que o sol ao fundo sinaliza a passagem do dia para a noite e da
noite para o dia. O passar dos turnos releva tambm novas dinmicas, especialmente do
horrio comercial para a noite e madrugada adentro. Com a chegada da noite, a
acelerao para frente das imagens com pessoas tomando os nibus um recurso mais
uma vez utilizado, sinalizando a necessidade de voltar para casa depois de um dia de
trabalho. O som dessa sequncia corrobora o imagtico, quando uma msica faz a
seguinte pergunta: como que se chama o nome disso?, que repetida sucessivas
vezes acompanhando o ritmo frentico das imagens. Entretanto, passada a hora do rush,
a rodoviria vai revelando situaes e prticas difceis de serem apreendidas na intensa
movimentao do dia: o vazio do local, a leitura enquanto se espera um nibus, a
limpeza do ambiente e at uma partida de futebol improvisada. A chegada da
madrugada e o posterior esvaziamento da rodoviria evidenciam tambm o trmino do
documentrio, cujo modo circular acima destacado se d imageticamente da mesma
forma: na abertura do filme, uma cmera subjetiva desce de um nibus e faz uma geral
do espao; em sua ltima sequncia, a mesma opo imagtica retomada, e o que
muda a ao. Com os primeiros raios de sol sinalizando para a manh que chega, a
mesma cmera subjetiva sobe num nibus com poucos passageiros e se dirige parte
traseira, cujo vidro transparente serve agora de janela para a captao da rodoviria
medida que o nibus inicia sua viagem ao som da msica Carrossel do destino, de
Antnio Carlos Nbrega, cuja letra ressalta a partida para outro lugar diferente desse
que vivido no cotidiano, conectando-se com a citao que abre o documentrio uma
rodoviria um corao com vrias veias que ligam para diversos lugares.... Essa
citao no aleatria, pois a rodoviria est localizada exatamente no cruzamento
entre os eixos norte e sul da capital, por esse motivo o documentrio a toma como o
centro, o corao de Braslia.
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A apropriao das dinmicas de um dia de funcionamento da rodoviria do
plano piloto releva algumas estratgias experimentais ainda embrionrias: a acelerao
da imagem para marcar ritmo e movimento, fuses ou desaceleraes; a narrativa que
comea e termina da mesma maneira, ou de modo menos bvio, o uso dos interttulos e
da banda sonora. O manejo desses recursos uma importante estratgia para o domnio
da linguagem cinematogrfica e reflete a proposta do letramento audiovisual da
Oficina de Imagem Popular, onde o filme foi realizado. Nesse caso, a proposta
metodolgica da oficina no se divorcia do seu contexto de produo, ou seja, tais
experimentaes se referem a um processo de aquisio de novas referncias,
possibilidades audiovisuais e repertrios, no se configurando, portanto, como um mero
diletantismo da equipe realizadora, que seria o de experimentar.
Concluso
Tempo-tempo e No cruzamento dos eixos, analisados em maior profundidade, e
Cidade cinza, de forma breve, indicam que a experimentao no cinema de periferia
relaciona-se explorao de trs importantes aspectos: os recursos da cmera, as
possibilidades narrativas e os inmeros elementos do espao urbano. Diferentemente do
cinema experimental, cuja inteno subverter ou retrabalhar modelos cinematogrficos
preexistentes, o experimento no cinema de periferia fruto de um exerccio em que a
prtica e sua repetio revelam arranjos inditos para imagens e sons.
Embora esses recursos no sejam novidade, sua fora reside na forma como o
documentrio se apropria dos temas que propem: confeco de caixotes (especfico e a
princpio difcil de se resolver imageticamente), o cotidiano de uma grande cidade
(geral e arriscado, diante da possibilidade de incorrer em generalidades e no apreender
as sensaes urbanas a que se prope retratar), ou, em menor escala espacial, uma
rodoviria (correndo o mesmo risco). A busca pelo tom potico fora uma mudana da
relao com a imagem e com o som, que se configura como um exerccio emprico de
constituio de outros olhares e qui novas proposies para a narrativa audiovisual
materializada em arranjos previsveis ou no para imagens, sons e textos. Essa premissa
atende ao diagnstico de Hilderbrand sobre a experimentao no campo documental, em
que prevalece um dilogo contnuo entre forma, que altera e prope, e mediao, que
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agrega e pondera,4 tornando o experimento uma forma de especular sobre os modos de
ser e de representar, sempre conectado, notadamente, com o mundo histrico sua
volta. Isso s possvel ser em projetos que veem essa possibilidade como uma forma de
pensar a prtica audiovisual, mas, acima de tudo, os seus mtodos de realizao, afinal,
um resultado considerado satisfatrio vem da prtica, da experimentao, do risco e das
ambiguidades e incertezas vindas dessa tentativa.5 Assim, mais importante centrar as
atenes nesse aspecto do que unicamente nos resultados, tendo em vista que o ponto
norteador desse processo , antes de tudo, a experimentao como uma ferramenta
metodolgica. Referncias AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. Lanalyse des films. Paris: Nathan, 1989.
GAUDREAULT, Andr; JOST, Franois. A narrativa cinematogrfica. Braslia: Editora UnB, 2009.
HILDERBRAND, Lucas. Experiments in documentary: contradiction, uncertainty, change. Millennium Film Journal. Nova York, n 51, 2009, p. 2-10.
NICHOLS, Bill. Introduo ao documentrio. Campinas: Papirus, 2005.
4 The element of experimentation suggests, at the very least, a concern with form and mediation; the documentary suggests an engagement with the realities of history, politics, and culture (Hilderbrand, 2009, p. 5-6). 5 In response to the exploratory quality and political questioning in so many recent documentaries, we have come to observe a pervasive aesthetic of uncertainty. This is not the defeatist it might at first. Uncertainty is a precondition for change (Hilderbrand, 2009, p. 10).