Não ao Ato Médico?

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  • 8/8/2019 No ao Ato Mdico?

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    ESPAO ABERTO /FORUM

    NO AO ATO MDICO?NO TO ATO MDICO?

    David Gonalves Nordon , Rafael Aizenstein Cohen

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    Rev. Fac.Cinc.Md.Sorocaba,v.12,n. 4,p. 33- 35, 20101.AcupunturistaeshiatsuterapeutapeloColgioBrasileirodeAcupuntura,SoPaulo;acadmicodocursodeMedicina- FCMS/PUC-SP2.Acadmico daFaculdadede Direito - PUC-SPRecebidoem24/5/2010.Aceitopara publicaoem8/10/2010.Contato:[email protected]

    A medicina talvez seja a mais antiga das profisses.Temos conhecimentos dosprimrdios da medicina desde o usodeervaspor homensnaPr-histria.

    Hipcrates conhecido como o pai da medicinaocidental, ao redor de 3000 anos atrs e, ao mesmo tempo, dooutro lado do mundo, na China, talvez ainda antes, algo como1000 ou 2000 anos, j se iniciava o desenvolvimento damedicina oriental, tendo como sua figura central o ImperadorAmarelo.

    Entretanto, apesar de sua longa histria na nossasociedade, a medicina ainda passa poralgumas dificuldadesdedefinio. Inicialmente responsvel por cuidar dos doentes,com o passar do tempo ns observamos diversas outrasprofisses se ramificarem a partir da medicina, cuidando dereasespecficasdasade.Amais antigadessasramificaesserelaciona enfermagem, figura essencial na equipemultiprofissional de sade e, ao mesmo tempo, autnoma emseusdiagnsticose intervenes.

    Como passardo tempo,novasprofissesforamsurgindo,atuando direta ou indiretamente na sade do indivduo:odontologistas, psiclogos, fisioterapeutas, educadores fsicos,assistentes sociais, etc. Justamente para poderem se diferenciar ese individualizar com relao medicina, cada uma dessasprofisses necessitou de estatutos e leis que criassem definiessobre quais suas competncias. No Brasil, a medicina ainda no

    tevesuascompetnciaselencadaspeloCongressoNacional.OProjetodeLeidoAtoMdico,iniciadoem2002como

    um pequeno texto, de no mais que seis artigos (PL 25/2002),foio esforo inicial.Durante oprocessolegislativo,foi avaliadoe modificado, em2004, 2006e 2009; em2006, foi aprovadonosenado, sob assinatura do senador Renan Calheiros; em 2009foi reformado e aprovado pela cmara, sob assinatura dodeputado Jos Carlos Aleluia. No momento tramita pelosenado, onde pode ser aprovado ou reformado, antes de sersancionado e entrar emvigor. Se reformado voltar cmara, eassim sucessivamente, at ambas as casas o aprovarem namesmaforma.

    Contudo, desde o incio desse projeto de lei, muitas

    discusses acaloradas tm se levantado; o projeto parecia, dealguma forma, ferir os direitos de outras profisses jregulamentadas. Dessa forma, o projeto, antes pedra bruta, vemsendo lapidado para que se torne a pedra cbica perfeita. Adificuldade reside na pergunta: como definir a medicina, quaisatos so privativos dos mdicos, sem interferir em outrasprofisses?

    Neste artigo,pretendemos discutir um pouco a respeitodo contedo desse projeto de lei e talvez sanar as dvidas demuitosprofissionaisa respeitodesuacoerncia.

    O primeiro artigo afirma que o exerccio da medicinaserregido pelasdisposies dessa lei.

    O segundo artigo define exatamente qual a funo domdico diante da sociedade; ele o responsvel pela sade e

    deveragir comzeloe semdiscriminao(comodeterminadopor Hipcrates e emconsonnciacoma OrganizaoMundialde Sade).

    Suas funes so relativas promoo, proteo erecuperao da sade, preveno, diagnstico e tratamento dedoenas e reabilitao dos enfermos e portadores dedeficincias.Nestepontoenxergamosalgumasfunes quesorelativas inclusive a outras reas da medicina: enfermagem efisioterapia, entreoutros. Umavezquea sade inclui tambmobem-estar mental, podemos pensarque tambmse relacionasfunesdospsiclogos.

    O que ser restrito ao mdico ser descrito nosprximos artigos. E, tendo em vista o fato de que as aes emsade funcionam em uma equipe multiprofissional, o artigoterceiro discorre justamente sobre a colaborao mtua entreosseuscomponentes.

    O quarto artigo discorre sobre o que privativo domdico. So quinze itens, dos quais ressaltaremos os maisimportantes: diagnstico nosolgico e teraputica, indicao eintervenocirrgica,intubaoedesintubao traqueal,sedaoprofunda, bloqueios anestsicos e anestesia geral, laudos deexamesendoscpicos e de imagem, procedimentos diagnsticosinvasivos e exames anatomopatolgicos e atestao de bito(exceto em casos de morte natural em localidade que no hajamdico).

    No pargrafo primeiro definido o que o diagnsticonosolgico mdico, que deve ter pelo menos dois dos seguintescritrios: agente etiolgico reconhecido, grupo identificvel desinais ou sintomas e alteraes anatmicas ou psicopatolgicas.Umproblemadesta definio quediagnsticosde enfermagemtambm podem ser feitos com esses critrios, entre outros. Omesmose valeparadiagnsticospsicolgicose outros.Seriaumarestriosoutrasprofisses?

    O pargrafosegundocorrige essa dificuldade.No soprivativos dos mdicos, entre outros, diagnsticopsicolgicoe nutricional e avaliaes comportamental e das capacidadesmental, sensorial e perceptocognitiva. No h, contudo,meno ao diagnstico de enfermagem. Isto respondido

    pelopargrafo 7 (discutidomaisa frente).O quarto pargrafo define o que so procedimentosinvasivos exclusivamente mdicos (Art 4: III Indicao daexecuo e execuo de procedimentos invasivos, sejamdiagnsticos, teraputicos ou estticos, incluindo os acessosvasculares profundos, as bipsias e as endoscopias): I invaso da epiderme e derme com o uso de produtos qumicosouabrasivos; II invaso dapele atingindoo tecidosubcutneopara injeo, suco, puno, insuflao, drenagem, instilaoouenxertia, com ousem o uso de agentes qumicos ou fsicos.Outra dificuldade aqui se impe; sero restritos ao mdicodiversos procedimentos que no so feitos exclusivamente porele.

    Descrio pormenorizada do contedo maisrecente do projeto de lei

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    Rev. Fac. Cinc. Md. Sorocaba, v. 12, n. 4, p. 33 - 35, 2010

    No pargrafo seguinte so excetuadas do rol dasatividades privativas do mdico diversas atividades; no PL de2006 so seis, mas no de 2009 so nove. Atravs destepargrafo, ele define que certas aes, que so de enfermeiros,tcnicos ou auxiliares de enfermagem, biomdicos,fisioterapeutase outros,podemser executadospor estes.

    O pargrafo 6 afirma que o exposto no se aplica aoexerccioda odontologia.

    O pargrafo 7 visa a clarificar at onde se estende aatuaodomdico;soresguardadasascompetnciasespecficasde diversas profisses citadas, e outras profisses correlatas quevierema ser regulamentadas (esta ltimaparte foi adicionada notextode2009).Aacupunturanocitada,umavezque,nosendoela uma profisso de fato regulamentada no Brasil (qualquer umpode exercer a acupuntura, seja ele tcnico ou ps-graduado narea),portantosemuma entidadedeclasse, elaentranessaltimaparteadicionadanoprojetodeleide2009.Sendoassim,emborao projeto de lei de 2006 comprometesse a atuao dos

    acupunturistas, o de 2009 no impede sua ao, contanto quevenhaaserumaprofissoregulamentada.Atl, entretanto,anoser que osoutrosrgos declasse criem projetos de lei definindoque suas competncias incluem, tambm, procedimentosinvasivoscomoaacupuntura,elaserdeexclusividademdica.

    Portanto, para os acupunturistas cabe se esforar pararegulamentara profisso, maisdoquetentarimpedira LeidoAtoMdico. Curioso seria o caso de um profissional da sade, nomdico, ps-graduado em acupuntura, exercendo-a, fazendopartedesuascompetncias.

    O artigo 5 define ser privativo do mdico a direo echefia de servios mdicos, a percia e auditoria mdica,coordenao e superviso vinculadas s atividades privativas domdico, ensino de disciplinas especificamente mdicas ecoordenaodecursosde graduaoemmedicina,programasderesidncia mdica e cursos de ps-graduao especficos paramdicos. No pargrafonico desse artigo,no entanto, definidoque a direo administrativa de servios de sade no constituifuno privativa do mdico. Isto ruim por um lado e bom poroutro; ruim porque outros profissionais, como administradores,podem no necessariamente conhecer o cotidiano da rea dasadecomo ummdico ouenfermeiro;bomporquemdicos nopossuem a disciplina de administrao hospitalar em seuscurrculos de graduao, comprometendo sua capacidade degestoque,svezes,podeser muitomaisbem suprida por outrosprofissionais da rea de sade, como enfermeiros, por exemplo(quepossuemessadisciplinanagraduao).

    Uma das oposies do manifesto dos psiclogos(referente ao projeto de 2006) era justamente isso; no projetode2006 nohaviaeste pargrafonico.

    O artigo 6 define que a denominao de mdico privativadosgraduadosem cursossuperiores demedicina, sendoo exerccio da profisso privativo dos inscritos nos CRM comjurisdionarespectivaunidadedaFederao. Issopoderia trazerumadificuldadeaos plantesrealizadosporacadmicosduranteagraduao; importante que isso seja bem avaliado antes daimplantao da lei para evitar o comprometimento doaprendizadodosacadmicos.

    O artigo7, artigofinal doprojeto de lei de2009, enunciaas competncias do CFM com relao aos procedimentos

    mdicosesuassanes.

    1. Tatuadores sero comprometidos?No. De acordo com os itens I e II do pargrafo 4 do

    artigo 4, muitos argumentam que tatuadores seriam impedidosde atuar. No pargrafo8,puno definida como procedimentoinvasivo diagnstico e teraputico; a tatuagem seria interpretadacomo um ato de invaso da pele para instilao de agentesqumicos com fins estticos. Contudo, o item II comenta que ainvaso deve atingir o subcutneo desse modo, tatuadores nosoimpedidosdetrabalhar.2. Fisioterapeutasserocomprometidos?

    No.Aindanoartigo4, noitemV, diz-sequeadefinioda estratgia ventilatria inicial para ventilao mecnicainvasiva, bem como as mudanas necessrias diante dasintercorrncias clnicas, so privativas do mdico. A palavraimportante e quenorestringea atuao do fisioterapeuta ao seutilizar do ventilador mecnico para o seu tratamento inicial. Cabe ao mdico, portanto, a prescrio inicial parareverter um quadro agudo, por exemplo, de insuficinciarespiratria. Medidas de fisioterapia que possam ser utilizadasposteriormente no tratamento no so impedidas. Por sinal,

    importante notar que o artigo 3 do decreto de lei n 938(13/10/1969), querege a fisioterapia, bastante vago a respeitode onde exatamente o fisioterapeuta pode agir (" atividade

    privativa do fisioterapeuta executar mtodos e tcnicasfisioterpicos com a finalidade de restaurar, desenvolver econservar a capacidade fsica do paciente ), no definindo seele pode ou no intubar, desintubar ou modificar parmetrosventilatrios.Nesseponto,tudodependedainterpretao.

    O item IX, no artigo 4, define a indicao do uso derteseseprteses,excetoasrtesesdeuso temporrio,comopartedas aes do mdico. Isto o que geralmente ocorre; o mdicoatende o paciente inicialmente, prescreve a rtese, e esta selecionada, adaptada ou adequada pelo profissional com maisexperincia, o fisioterapeuta. Isso no impede a sua ao aindicao de rteses e prteses j no faz parte das competnciasdefinidaspelaleiqueregulamentaafisioterapia.

    Ademais, novamente importante lembrar que o pargrafo 7 do artigo 4 respeita as competncias dosfisioterapeutas. Os mdicos, portanto, no iro influenciar demodoalgumnoserviodeles.3. Aenfermagem sercomprometidade algumaforma?

    No.PeloitemIIIdoartigo9doDecreton94.406/87-Regulamentao da Lei n 7.498/86, que regulamenta aenfermagem ( realizao de episiotomia e episiorrafia comaplicao de anestesia local, quando necessria ), enfermeirasobstetrizes ou parteiras podem realizar partos normais comesses procedimentos citados. Muitos afirmam que o Item II do

    artigo4, sobreexecuodeintervenocirrgica, noprojetodelei do ato mdico, comprometeria essa atuao, mas,novamente, esta j uma competncia regulamentada daenfermagemequeserresguardadapelopargrafo7.

    Um dos argumentos importantes favorveis a respeito doAto Mdico a necessidade de equiparar a medicina brasileira ade outros pases, ao menos no que concerne s suas aes.Contudo, observvel no item VII desse mesmo artigo, que aexecuo de sedao profunda,bloqueiosanestsicos e anestesiageral so privativos do mdico. Nos EUA, enfermeiros podemrealizarprocedimentosanestsicos.

    Estaramos de fato evoluindo, restringindo essa atuaoaomdico?Talvezno.

    O projeto de lei deixaum espaoabertopelopargrafo 7para que, aps regulamentaopelo COFEN,caso haja interesse,enfermeiros possam, tambm, realizar tais procedimentos(atualmente, isto no competncia da enfermagem). Talvezfosse interessante, nesse ponto, aproveitar a oportunidade paraabrir aos enfermeiros outras permisses, como, por exemplo, a

    Dvidas comuns

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    execuo de intubao orotraqueal e suturas simples. Essessimples procedimentos poderiam ajudar, e muito, os mdicosem seu dia a dia, atuando tanto em situaes de emergncias(intubao) como em casos simples (suturas simples), queocupam o cirurgio quando poderia estar executando outrafunonosnossos pronto-socorrossuperlotados. Estasugesto,contudo,deveficarparaofuturo.

    Outro ponto ainda levantado o fato de que auditoriamdica ficaria restrita a mdicos,pelo projeto de lei,o que seriauma forma de proteo do mdico, para evitar que outrosdescubram certos erros crassos. Teorias conspiratrias

    parte, se a auditoria de enfermagem restrita aos enfermeiros(Item Id, Artigo 8), por que a auditoria mdica no haveria deser?E,novamente,importanteressaltar,seissoeventualmentese tornar competncia de outra profisso regulamentada,

    poderserfeitoporoutros,tambm.Recentemente houve uma discusso, provavelmente

    associadaaoatomdico,pormotivoserrneos;oCOFENhavia

    criado umaresoluo(272/2002) quepermitia aosenfermeirosa prescrio de medicamentos, solicitao de exames erealizao de diagnsticos (alm dos de enfermagem). Isso foiinterpretado como uma exorbitncia da lei que regulamenta aenfermagem (item IIc do artigo 8, da lei que regulamenta aenfermagem prescrio de medicamentos previamente

    estabelecidos em programas de sade pblica e em rotinaaprovada pela instituio de sade ) e foi revogado em 2008.

    No teve, contudo, qualquer relao com qualquer item doprojetodeleidoatomdico.

    Talvez nenhum outro projeto de lei tenha levantadotantos profissionais em uma luta to apaixonada e emocionadacomo esta. Crticas e favoritismos,s vezes infundados, podemsedever a no compreenso total e a uma anlise incompletado

    projeto de lei, suas nuances e implicaes. importante notar,contudo, que este projeto tem sido pesado e avaliado a cada

    passo tanto que j est em andamento h oito anos. Almdisso, sua funo principal regulamentar a medicina, e norestringir outras profisses. Tanto que inclui um pargrafoexclusivopararesguardarascompetnciasdeoutrasprofisses.

    O Ato Mdico e a sua relao com as outras profisses

    ainda tm muito a crescer,e muitoainda falta antes que ele sejaaprovado; os autores esperam que com o passar do tempo e aevoluo da nossa medicina,os mdicos possamcada vezmaiscompartilhar aes multiprofissionais, visando, sempre, ao

    bem-estardopacienteeo respeitomtuoentreprofissionais.

    CONCLUSES

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    Revista da Faculdade de Cincias Mdicas de Sorocaba

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    A Revista da Faculdade de Cincias Mdicas de Sorocabaagradece aos membros do Conselho Editorial e aos revisores abaixo

    listados, responsveis pela reviso dos trabalhos publicados no ano de2010, que possibilitaram a publicao de artigos de alto nvel

    cientfico, dentro do mais absoluto rigor tico:

    Antonio RozasCarlos Von Krakauer HbnerCibele Isaac Saad Rodrigues

    Dikran ArmaganijanEnio Mrcio Maia Guerra

    Fernando Antonio de AlmeidaHamilton Aleardo Gonella

    Hudson Hbner Frana

    Izilda das Eiras TmegaJoo Luiz Garcia DuarteJoe Luiz Vieira Garcia Novo

    Jos Augusto CostaJos Carlos Menegoci

    Jos Carlos Rossini IgleziasJos Eduardo de SiqueiraJos Jorge Jarjura Jnior

    Jos Roberto Pretel Pereira JobMarcelo Gil Cliquet

    Marcos Vincius da SilvaMarisa Campos MoraesAmato

    Paulo Paredes PaulistaRosana Maria Paiva dos Anjos

    Sandro Blasi EspsitoSaul Gun

    Srgio von Krakauer Hbner

    Snia Chebel Mercado Sparti

    AGRADECIMENTO AOS REVISORES DA

    REVISTA DA FACULDADE DE CINCIAS MDICAS DE SOROCABA 2010