Na-garupa

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Conto Por Camila Costa - 2009

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Na garupa

Rodrigo estava cansado daquela vida. De lugar em lugar, de cidade em cidade, sem se estabelecer, sem criar laos, sem apegos. Vivia em cima da moto, sempre viajando, vivendo de bicos e da ajuda dos outros. O amanh era sempre uma incgnita, sempre um mistrio. Fora exatamente isto que o atrara quando, h 8 anos, ele sara de casa montado na moto para ganhar a estrada. A rotina sempre o enjoara. Queria viver de forma diferente, sem saber o que aconteceria amanh, sem ter que se preocupar com isto. Apenas vivendo. Era a vida de seus sonhos. Trabalhou em diversos lugares, fez diversas coisas para poder juntar dinheiro e comprar a moto. Quando completou 18 anos, o pai completou o que faltava, e Rodrigo no pensou duas vezes: em uma manh de janeiro montou na moto e nunca mais voltou. No incio, de quando em quando ligava para casa para tranquilizar os pais. Agora, era raro dar alguma notcia. Seus pais haviam se conformado, j. A princpio tentaram persuadi-lo, apelando da sensibilidade ameaa. Mas ele era maior de idade, dono da sua vida. No havia nada que eles pudessem fazer. Por fim, aceitaram. Ele sempre fora feliz assim. Mas, de uns tempos pra c, comeou a pensar em como seria sua vida se tivesse ficado em casa, feito faculdade, ido trabalhar em alguma empresa. Pensava nisso constantemente, e em algumas noites no conseguia dormir. Realmente, Rodrigo estava cansado.

Era inverno. Havia conseguido abrigo na casa de um casal; o marido era mecnico, e ele havia pedido ajuda com a moto, que estava engasgando. Entre conversas e risos, Rodrigo contou-lhe sua histria, e o homem ofereceu-lhe a casa para que o rapaz descansasse alguns dias e juntasse algum dinheiro na cidade. A esposa era dona de casa, e tinham um filho um pouco mais novo que Rodrigo. Carlos tinha 23 anos e logo se tornaram amigos; Carlos saa e levava Rodrigo junto. Em uma destas farras, aconteceu: teria uma festa na casa de um amigo de Carlos. Nada demais, pessoas conhecidas, muita bebida, baralho e bate-papo. Rodrigo foi junto com Carlos, gostava de sair com ele: era bom poder se divertir assim, em grupo. Ento, ele a viu: era uma das poucas garotas da festa; ela se aproximou e se apresentou: Ol, sou a Clarisse. No conheo voc. E entregou-lhe uma lata de cerveja. Passaram a noite conversando. Que garota maravilhosa! Diferente de todas que ele havia conhecido. Tinha 20 anos, trabalhava e estudava. Tinha uma beleza diferente, sutil, enigmtica, meiga. Rodrigo estava encantado. Ento, o celular de Clarisse tocou. Oi amor disse ela a festa est tima! No vens? Que pena! Ok, at amanh. Tambm te amo. Aquelas palavras foram como um soco no estmago de Rodrigo. Por que ele no pensara nisso? Claro que uma garota to maravilhosa no estaria sozinha, dando sopa por a. Passou o resto da noite pensando nela. No conseguiu dormir noite: Clarisse no lhe saa dos pensamentos.

Havia encontrado ela uma vez que outra, mas apenas a olhara de longe. O que fazer? Estava chegando a hora de partir novamente. Queria pr Clarisse na garupa da moto e sair dali, sem rumo, aproveitar a companhia dela e escolher um lugar para ficarem juntos. Iria trabalhar e voltar a estudar. Faria de tudo para v-la feliz. Estava decidido: Amanh falo com ela. Digo que morro, digo que ela a nica forma de eu ser feliz. O namorado? Eu me entendo com ele. Quebro-lhe a cara se tentar nos impedir.

No dia seguinte levantou na hora de sempre. No dormira noite, pensando em tudo que aconteceria no dia seguinte. Terminou de ajustar a moto com a ajuda de Carlos e seu pai. Partiria no meio da tarde. Tudo pronto. Despediu-se e agradeceu a hospitalidade daquela famlia. Se dirigiu para a casa de Clarisse.

Estava chegando l quando viu, de longe, Clarisse na frente da casa. Seu namorado estava chegando naquele momento. Rodrigo parou a moto e ficou observando. O namorado de Clarisse parecia ser um cara legal. Eles se abraaram, se beijaram e sentaram na frente da casa, conversando. A maneira como se fitavam, a forma que ele tocava o rosto dela enquanto ela falava, o brilho nos olhos dela. Clarisse era feliz, muito feliz. Seu namorado realmente a fazia muito feliz. Ela ria um riso gostoso, satisfeito, e ele vidrado na garota a sua frente, com uma profunda admirao. Eles eram felizes juntos! Se completavam, se entendiam.

Rodrigo respirou fundo. No havia nada que ele pudesse fazer. Ela era extremamente feliz, muito mais do que ele poderia faz-la. Por que pensou que ela seria feliz ao seu lado? Porque pensou que ela largaria tudo para ir com ele? Rodrigo no tinha absolutamente nada a oferecer, e sabia disso. No teria coragem de acabar com a felicidade que acabara de ver. Queria ela para si, com certeza, mas no seria capaz de ser feliz acabando com a felicidade da garota. Ligou a moto, deu meia volta, com os olhos cheios de lgrimas, foi embora. Sabia que jamais amaria algum como amara Clarisse. Uma paixo fulminante, um amor absurdo que o invadira ligeiro, em um simples olhar. S restava agora seguir a vida como ele havia escolhido. No podia se queixar; tinha conscincia de que ele quem quisera viver daquele modo. Acelerou o mximo que pode e saiu da cidade. Jamais voltaria, ele sabia disso. Mas no precisa voltar: o mundo era grande o suficiente para que isso no fosse preciso. Sabia tambm que nunca mais a veria. Mas, no fundo, ainda restava uma ponta de esperana: quem sabe em outros tempos, em outras circunstncias... Quem sabe...