N - Teoria Do Conhecimento, Teoria Do Progresso

5
BENJAMIN, Walter. Passagens. Organizador da tradução brasileira Willi Bolle. São Paulo: UFMG, 2009. N – Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso (Fase inicial) N 1,1 (p. 499) O conhecimento só existe em lampejos. O texto aparece como um trovão que ressoa por muito tempo. O conhecimento não se dá nem como algo fixo e imutável, muito menos “cumulativo”, mas como revelação que se auto-consome em sua aparição. Ao mesmo tempo, o seu eco pode ser ouvido durante algum tempo ainda, algumas vezes longo. N 1,2 (p. 499) Benjamin compara a sua atividade, em relação à atividade de outras formas de perseguir o “conhecimento”, com a atividade da navegação. O que aparece como desvios de rota para os outros, são os dados com os quais Benjamin quer calcular sua própria rota. Seus cálculos vêm sobre os diferenciais de tempo. 1 N 1,3 (p. 499) Todos os processos pelos quais a reflexão foi submetida devem ser conservados e encontrar um lugar no trabalho final, seja qual for o preço. Por um lado, porque a intensidade se manifesta em todos esses processos; por outro, porque os pensamentos de antemão carregam um télos em relação ao trabalho. O estudo das passagens deveria, portanto, preservar os intervalos da reflexão, os espaços entre as partes mais essenciais. 2 N 1,4 (p. 499) 1 “Método é desvio”, cf. Prefácio da Origem do Drama Trágico Alemão. 2 Isso justifica o próprio caderno N, já que o pensar do pensar do pensar deve também ser exposto. Uma questão de método.

Transcript of N - Teoria Do Conhecimento, Teoria Do Progresso

BENJAMIN, Walter. Passagens. Organizador da tradução brasileira Willi Bolle. São Paulo: UFMG, 2009.

N – Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso

(Fase inicial)

N 1,1 (p. 499)O conhecimento só existe em lampejos. O texto aparece como um trovão que ressoa por muito tempo. O conhecimento não se dá nem como algo fixo e imutável, muito menos “cumulativo”, mas como revelação que se auto-consome em sua aparição. Ao mesmo tempo, o seu eco pode ser ouvido durante algum tempo ainda, algumas vezes longo.

N 1,2 (p. 499)Benjamin compara a sua atividade, em relação à atividade de outras formas de perseguir o “conhecimento”, com a atividade da navegação. O que aparece como desvios de rota para os outros, são os dados com os quais Benjamin quer calcular sua própria rota. Seus cálculos vêm sobre os diferenciais de tempo.1

N 1,3 (p. 499)Todos os processos pelos quais a reflexão foi submetida devem ser conservados e encontrar um lugar no trabalho final, seja qual for o preço. Por um lado, porque a intensidade se manifesta em todos esses processos; por outro, porque os pensamentos de antemão carregam um télos em relação ao trabalho. O estudo das passagens deveria, portanto, preservar os intervalos da reflexão, os espaços entre as partes mais essenciais.2

N 1,4 (p. 499)Benjamin quer tornar cultivável, pela razão, todas as regiões, mesmo onde apenas a loucura viceja3. Para isso, deve-se cortar o matagal do desvario e do mito.4

N 1,6 (p. 500)Não há épocas de decadência; a ideia é ver o século XIX de maneira positiva, assim como Benjamin o fez com o século XVII no trabalho sobre o drama trágico. Todas as cidades são belas, e não é legítimo qualquer discurso sobre um valor maior ou menor das línguas.5

1 “Método é desvio”, cf. Prefácio da Origem do Drama Trágico Alemão.2 Isso justifica o próprio caderno N, já que o pensar do pensar do pensar deve também ser exposto. Uma questão de método.3 Fazer de todo o mundo um médium-de-reflexão, como eram as obras de arte para o Romantismo Alemão. Cf. também o fragmento N 1,8.4 Um projeto de esclarecimento, para acabar com as dúvidas com relação ao filósofo. E poderia ser diferente? A questão é o método.5 Se não existem épocas de decadência, não existe um passado melhor, que deveríamos buscar restaurar. Benjamin não é um nostálgico, ao menos não a ponto de achar mais positivo o passado que o presente, não a ponto de deseja-lo.

N 1,9 (p. 500)Benjamin distancia-se de Aragon com relação ao seguinte: o surrealista persiste no domínio do sonho6; o filósofo quer encontrar a “constelação do despertar”. Apenas a dissolução da mitologia (mitologia à qual Aragon permanece preso) o permitirá.

N 1,10 (p. 500)Aqui um fragmento-chave para entender a intenção de Benjamin com o projeto das passagens: o trabalho deveria levar ao extremo a arte de “citar sem usar aspas”, e operar com os fragmentos com a teoria da montagem.7

N 1,11 (pp. 500-501)O século XIX seria visto por uns como passado morto. Mas ele exerce, segundo Benjamin, uma grande atração sobre o século XX, muito interessado que está nas supostas coisas mortas. Existe, na verdade, uma relação vital entre os dois séculos, e é esta relação vital que Benjamin quer encontrar. Ele quer encontrar nas formas aparentemente secundárias e perdidas daquele século as formas do atual.

N 1a,1 (p. 501)O filósofo deve compor uma rede sutil, porém resistente, para a sua estrutura filosófica, se quiser capturar os aspectos mais atuais do passado. A visão dessa rede é dada pela Torre Eiffel. E assim como por muito tempo as vistas magníficas das cidades foram dadas a ver apenas a operários e engenheiros, um filósofo que deseja ter as suas primeiras visões deve prosseguir como um operário independente, solitário, se necessário8.

N 1a,2 (p. 501)O projeto das passagens deveria iluminar o século XIX através do presente tal como o livro sobre o drama trágico o fez, só que de maneira mais nítida9.

N 1a,3 (p. 501)É proposta aqui uma dialética da história cultural: adverte o filósofo que é fácil estabelecer para cada época uma dicotomia segundo a qual qualquer uma delas possui uma parte viva e positiva, e outra morta e inútil. Toda parte positiva só pode assim ser definida frente uma parte negativa, e vice-versa, o que gera por sua vez novamente a sua contraparte que lhe dá corpo e relevo. A parte negativa será, assim, sempre dividida, e a mudança de ângulo (com permanência dos critérios) fará surgir um elemento positivo

6 Ou fantasmagoria, se voltarmos aos exposees.7 O que não se sabe é como isto estaria disposto em um livro: como os fragmentos estariam citados? Haveria algo que os conectasse, ou permaneceriam como fragmentos semi-autônomos que se comunicam?8 A situação material de Benjamin é expressiva.9 Talvez Benjamin reconheça aqui uma limitação em sua obra mais aclamada de juventude.

sempre. E assim infinitamente, até que todo o passado seja recolhido no presente numa “apocatástase histórica”.10

N 1a,4 (p. 501)A vida afirma-se sempre, e suprema, em todas as coisas. “Contra os profetas da decadência”. Se por um lado é uma afronta a Goethe filmar o Fausto, por outro lado existe um mundo entre uma adaptação boa e uma ruim: o que interessa ai são os contrastes dialéticos, que se confundem com nuances, e não os grandes contrastes. A partir dos contrastes dialéticos recria-se sempre a vida.

N 1a,6 (p. 502)Em Marx, economia e cultura se encontram em uma relação causal. Benjamin persegue a relação expressiva entre elas. Trata-se de encontrar a expressão da economia na cultura. Um processo econômico é um fenômeno primevo perceptível, do qual se originam as manifestações de vida das passagens e do século XIX.11

N 1a,7 (p. 502)A importância do projeto das passagens para o marxismo é duplo. Por um lado, ele aponta de que maneira o contexto em que surge a doutrina de Marx foi influenciado pelo caráter expressivo do século, e não apenas como relação causal. Por outro lado, apontará como o próprio marxismo compartilha o caráter expressivo dos produtos materiais que lhe são contemporâneos.12

N1a,8 (p. 502)O método do trabalho das passagens é a montagem literária. Benjamin não quer dizer coisas, mas mostrar. Ele não quer inventariar os utensílios, mas fazer-lhes justiça utilizando-os.13

N 2,1 (p. 502)A diferença de método para o comentário (interpretação dos pormenores) de uma realidade e para o comentário de um texto: no primeiro caso, o método é a teologia; no segundo, a filologia.14

N 2,2 (p. 502)O materialismo histórico que Benjamin busca deve aniquilar em si a ideia de progresso, e buscar a atualização.

N 2,3 (p. 502)

10 A apocatastasis é a admissão de todas as almas no paraíso.11 A base aqui não determina a superestrutura, mas é expressa por ela.12 O marxismo aparece aí como mais uma expressão da economia capitalista. Atrelado assim a ela, até que ela mesma se dissolva.13 Comparar este fragmento com as teses sobre o Colecionador (Exposées e caderno “H”) para tirar algumas dúvidas com relação ao caráter ambíguo daquele que reúne objetos em uma coleção.14 Cf. as teses Sobre História, principalmente a primeira.

A “compreensão” histórica é uma vida posterior ao que é compreendido15.

N 2,5 (p. 503)Superar os conceitos de “progresso” e de “época de decadência” são dois lados de uma mesma coisa.

(Fase média)

(Fase tardia)

15 A história não é o passado, mas a sua atualização, numa vida posterior.