Mutantes Jingles Shell

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 LEONARDO ALLEN WILCZEK OS MUTANTES: ANÚNCIOS DA SHELL Trabal ho apresentad o à di sc iplina “Trilha Sonora para Cinema, Teatro e TV” , pa rte int eg rante do curso de Especialização em MPB da Faculdade de Artes do Paraná. Prof. Demian Garcia

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LEONARDO ALLEN WILCZEK

OS MUTANTES: ANÚNCIOS DA SHELL

Trabalho apresentado à disciplina“Trilha Sonora para Cinema, Teatro eTV”, parte integrante do curso deEspecialização em MPB da Faculdadede Artes do Paraná.

Prof. Demian Garcia

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CURITIBA2011

1 PROPAGANDA MUTANTE

Na passagem do ano de 1968 para 69, o trio paulista Os Mutantes estava

prestes a lançar seu segundo disco. Na mesma época, após terem chamado a

atenção com seu primeiro lançamento e diversas aparições na televisão e em

festivais de música, o grupo foi convidado para fazer parte de uma campanha da

petrolífera multinacional Shell. A empresa buscava então aumentar sua fatia de

mercado e melhorar sua posição em relação à concorrente Esso, que já tinha umaboa estratégia de propaganda (que incluía até um programa de TV, o “Repórter 

Esso”).

A propaganda brasileira vinha contando cada vez mais, no fim dos anos

sessenta, com a participação de artistas do rádio e da televisão. A Shell decidiu

investir em uma imagem jovem e ligeiramente rebelde para atrair a atenção de um

público diferente da Esso, que investia pesado no setor “pai-de-família”. Foi o

momento ideal para procurar a participação de um grupo irreverente e moderno, e

em 1969 foi lançada a campanha que contava com a participação dos irmãos

Arnaldo Baptista e Sérgio Dias e da cantora Rita Lee – o trio que formava Os

Mutantes.

Para a criação das peças publicitárias foi contratada a agência Ogilvy &

Mather, que criou uma série de filmes de aproximadamente 30 segundos para

exibição na TV, além de material impresso para revistas e jornais. A campanha foi

criada pelo publicitário João Carlos Magaldi, enquanto os filmes contaram com a

direção de Guga de Oliveira (irmão de Boni, da TV Globo). Os vídeos foram criados

utilizando um visual levemente psicodélico, uma edição por vezes propositadamente

caótica, e personagens jovens e carismáticos. Os atores dos filmes são

exclusivamente o trio paulista, e nenhuma outra pessoa aparece nos vídeos.

Como observa Carlos Calado em seu livro A Divina Comédia dos Mutantes,

os filmes dessa peça publicitária revelam um “quê” de Beatlemania – nada

improvável uma vez que os Mutantes sempre assumiram ter grande admiração pelo

quarteto britânico. Calado sugere que os vídeos têm “toques de Help!  e  A Hard 

Day’s Night ”, filmes dos Beatles realizados nos anos 60 e que podem ser 

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comparados aos sketches da Shell em seu caráter cômico e levemente absurdo e

subversivo. A cena inicial de  A Hard Day’s Night, na qual uma multidão fanática

persegue os Beatles pelas ruas em uma correria descontrolada, é de fato

semelhante ao feeling  geral da campanha da Shell (que se apóia nos pilares

“juventude” e “velocidade” para vender seu produto). Não é de todo absurdo

imaginar que a agência de propaganda possa ter utilizado os filmes dos Fab Four 

como referência para esta criação.

Além dos sketches de variados temas que dão origem aos filmes, a

campanha também contou com um  jingle composto pelos Mutantes especialmente

para este fim. A canção “Algo Mais” agradou tanto ao trio que, além de ser o tema

oficial da campanha, foi incluída no segundo álbum do grupo, com a letra

ligeiramente alterada.

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2 ANÁLISE DOS SKETCHES 

A campanha é composta de diversos filmes breves em que a empresa

pretende passar uma imagem de alto desempenho e velocidade aliados a juventude,

felicidade e liberdade. Diversas técnicas (edição de vídeo e áudio, close-ups,

insinuações e metáforas) são empregadas em cada filme para passar estes

conceitos, como veremos a seguir.

2.1 A noiva em fuga

No início da cena (ainda sem trilha sonora, em silêncio), a noiva (Rita Lee)

está brincando num escorregador de um parque, o que desperta a ira de um guarda

(Sérgio Dias) que passa pelo local. O apito do guarda dá início à trilha sonora e a

uma cena de perseguição. Logo de saída, a irreverência do grupo é responsável

pela troca do apito de polícia por um som de apito de navio, e a bronca do guarda é

representada por uma incompreensível gravação de voz humana, processada pela

utilização de variações na velocidade da fita.Na saída do parque, a noiva encontra um motorista (Arnaldo Baptista) e

consegue fugir em alta velocidade. A chegada do automóvel na cena é a deixa para

o início da música na peça: seguindo um estilo de Jazz antigo, referência ao tipo de

música utilizada em comédias do cinema mudo, a composição ajuda a reforçar o

caráter cômico e a velocidade das cenas.

No próximo quadro, o carro para em um posto para abastecer. O frentista é

ninguém mais que o próprio policial disfarçado – anunciado por uma sonoridaderemetendo à figura do “vilão”: uma dramática cadência em dó menor. O motorista

arranca em fuga, e a noiva lhe dá um beijo agradecido, sem perceber que o guarda

havia conseguido subir no carro para apanhá-los. O fim da cena é acompanhado

pelo breve retorno do piano “cômico”.

O bordão “Shell é vida no seu carro” – que aparece sempre ao fim dos vídeos

desta série, acompanhado do texto escrito “Shell: algo mais em sua vida” – é

seguido de um “Uau!” (possivelmente procurando representar o suposto espantopositivo do consumidor ao verificar a qualidade do produto anunciado). Podemos

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ouvir finalmente uma batida no chimbau da bateria – sonoridade típica de “fim-de-

piada” em cenas de comédia pastelão.

2.2 O deserto

Acordes dissonantes e uma flauta estridente anunciam o início da cena no

deserto. Um take de baixo para cima revela dois viajantes (os irmãos Dias) sob um

sol escaldante, e o vento nas areias das dunas sugere o ambiente de ar 

extremamente seco.

Uma alteração brusca na sonoridade da flauta, que passa a emitir uma

sedutora melodia de sabor oriental acompanhada de uma insinuante percussão,

introduz a figura da Odalisca (Rita). Vemos a mulher dançando ao lado de um

suposto “oásis”, a salvação (uma bomba de combustível), ao mesmo tempo que

podemos ouvir uma voz que sussurra de modo provocante a palavra “Shell”. A

odalisca some e reaparece algumas vezes, pela utilização de cortes bruscos na

filmagem, acentuando a noção de miragem, de alucinação.

Entusiasmados, os dois viajantes correm até o “oásis”, saltando em suadireção. Neste momento, a cena se transporta para um posto de gasolina, e os

rapazes que haviam pulado em cima de uma bomba de combustível no meio do

deserto, acabam aterrissando confortavelmente nos assentos de um automóvel

conversível. Os três personagens aparecem agora em roupas modernas, felizes,

saindo em alta velocidade em direção a rua.

A música escolhida para este momento é um trecho da canção “Caminhante

Noturno” dos Mutantes – o ponto exato em que ouvimos os músicos cantando“Luzes... câmera...”. Não se ouve o esperado “Ação!”, o que cria uma suspensão –

possivelmente para deixar o espectador imaginando que a ação irá acontecer a

seguir, ainda que ela não apareça na tela. A cena termina com o mesmo bordão:

“Shell é vida no seu carro... Uau!”, e o usual close na placa da Shell com o slogan

“Algo mais em sua vida”.

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2.3 Dom Quixote

Este sketch faz é baseado na canção “Dom Quixote”, dos Mutantes. A canção

por sua vez faz referência ao livro de mesmo nome, do espanhol Miguel de

Cervantes. É desta obra que se originam os personagens presentes na propaganda:

Sancho Pança e Dom Quixote (Sérgio e Arnaldo), o cavalo Rocinante e a musa

Dulcinéia (Rita).

Recebidos pela triunfal marcha da ópera Aída (que também serve de

introdução no arranjo de Rogério Duprat para a canção dos Mutantes), o trio se

aproxima de enormes moinhos de vento. Um rápido close, de um ângulo mais baixo,

deixa claro que Arnaldo é o imponente herói da cena. Assim como na obra de

Cervantes, vemos Dom Quixote disposto a enfrentar os moinhos, certo de que são

gigantes ameaçadores que se aproximam. No momento em que Quixote tateia o ar 

em busca de sua lança (carregada por Sancho), ouvimos risadas de escárnio

retiradas do fim da canção original, utilizadas aqui aparentemente como uma

referência à loucura do herói disposto a atacar uma construção como se fosse um

inimigo vivo. Dulcinéia e Sancho observam enquanto Quixote avança contra os

moinhos.O trabalho de edição da trilha sonora fica evidente quando ouvimos a canção

original em comparação com o filme: os trechos utilizados no vídeo são uma

colagem de diversas partes da canção, escolhidas para ilustrar cada momento da

ação. Assim que Quixote inicia seu ataque contra seus gigantes imaginários, a

canção salta para seu trecho central, uma espécie de hino vitorioso quase rock’n roll ,

com uma marcante base formada pelo baixo e pela bateria.

A transição para o “momento Shell” se dá quando a lança do herói apontadaem direção à câmera se transforma, através de um corte brusco na cena, em uma

mangueira do posto de combustível. Neste ponto cada um dos atores representa um

papel duplo, aparecendo como funcionários do posto e também como os clientes

dentro do veículo. O Quixote-frentista abastece o carro em que se encontram os

 jovens, Sancho-frentista verifica o motor, e Dulcinéia-frentista oferece um produto

Shell ao telespectador. Com o carro pronto, o trio arranca para mais aventuras.

Regada de muitos sorrisos típicos de garotos-propaganda, a cena terminacom o bordão e slogan usuais, desta vez seguidos de um operático “Oooh!”,

reminiscente da ópera que havia dado início ao filme.

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2.4 No velho oeste

Neste filme, o trio encarna um grupo de cowboys montados sobre uma

charrete, em um cenário clássico de velho-oeste. A cena começa com um zoom dos

cavalos para um plano aberto mostrando o ambiente, acompanhado de uma música

de violinos ao estilo bluegrass1. Um close na expressão tensa da cowgirl Rita Lee

revela que os inimigos estão próximos: soam tambores, gritos de índios e tiros,

acompanhando uma frenética edição de vídeo com um enquadramento trêmulo

insinuando uma visão quase documental da batalha.

Não vemos o inimigo em cena, mas os efeitos sonoros recheados de tiros e

balas perdidas dão a entender que o trio tem dificuldades em enfrentar o fogo

cruzado e partem em retirada. A charrete chega até uma cidade e encosta em um

posto de combustível; os personagens saltam ao chão, ainda atirando contra o

inimigo que se encontra fora de quadro, e acabam por entrar em um carro

estacionado por ali. Graças ao alto desempenho do veículo, conseguem enfim

escapar. Seguem-se o bordão e o slogan usuais, porém desta vez ouve-se no lugar 

do “Uau!” um breve grito de índios.

Não se pode deixar de notar ainda outro conceito embutido neste filme: aideia de que a Shell representa a modernidade, um salto para fora da carroça, um

salto em direção ao futuro. Afinal, é só ao sair da charrete e entrar em um carro

alimentado pela Shell que o trio consegue ter sucesso ao fim da cena.

2.5 Os surfistas

Este é o sketch mais literal do conjunto de filmes publicitários analisados.

Enquanto as outras cenas se dividem em um cenário inicial de fantasia (a noiva, o

deserto, Quixote, velho-oeste) e um desfecho “real” em um posto Shell, o filme dos

surfistas mostra diretamente o trio de jovens em três cenas entrelaçadas: surfando

na praia, em alta velocidade no carro, e no posto de combustível. A edição de vídeo

é feita com as cenas intercaladas, em igual peso, de modo que não se percebe uma

sequência cronológica precisa. O trabalho é realizado em cima de imagens-chave1 BLUEGRASS, de acordo com o verbete do Dicionário GROVE de Música: “Um estilo de música countrynorte-americana que surgiu nos anos 40 (...). Combina elementos de dança, entretenimento doméstico e músicafolclórica religiosa (...).”

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representando os conceitos de velocidade, desempenho, modernidade e juventude

que a empresa procura passar: vemos closes nos rostos sorridentes dos jovens

saindo da água ou com os cabelos ao vento dentro do conversível, diversos takes do

carro em alta velocidade na estrada, e muitos closes nas marcas Shell e ICA (um

aditivo para gasolina).

Este é também o único vídeo do conjunto analisado que não apresenta uma

colagem em sua trilha sonora: ouvimos na íntegra o jingle composto pelos Mutantes

especialmente para a campanha. A canção chegou a ser regravada com uma

pequena alteração na letra para fazer parte do segundo disco dos Mutantes, lançado

em 1969. Abaixo, a letra da canção para o comercial:

 Algo mais, algo mais – Shell 

Olha minha mãoVamos passear Vamos voar 

Dê a partida, Acelere a vidaCom ICA

Vida no tanqueShell Super no carroVida no ar 

 Algo mais...Shell é vida no seu carro... Uau! 

Assim como o vídeo, a letra é bastante direta ao cantar a liberdade de

passear num carro “turbinado” pelos produtos Shell. O jingle, bastante moderno para

a época, apresenta um estilo rock’n roll  acentuado, pontuado ao final das duas

primeiras estrofes por efeitos sonoros ambíguos – representando algo entre o som

de uma nave espacial e um motor de carro roncando em alta velocidade.

O “Uau!” ao fim do filme é mais intenso que nos outros vídeos. A campanha

publicitária completa contava ainda com material impresso, nos quais o “Uau!” é uma

palavra bastante destacada, o que mostra sua importância dentro do contexto das

peças elaboradas, além de uma simples interjeição para encerrar os filmes.

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3 OS ANÚNCIOS IMPRESSOS

A campanha da Shell com os Mutantes contou também com outros formatos

além dos filmes para a televisão. Para veiculação em jornais e revistas, foram

criados anúncios em que o trio aparece como garotos-propaganda, anunciando os

produtos da marca, além de anúncios em forma de história em quadrinhos,

representando cenas inspiradas nos filmes veiculados na TV. A exposição do grupo

em diversas mídias foi importantíssima, já que os Mutantes estavam em início de

carreira, lançando seu segundo LP e procurando maior exposição entre os jovens.

Abaixo, reproduções de dois anúncios da campanha.

FIG. 1 - Anúncio impresso dos “garotos-propaganda” da Shell.

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FIG. 2 - Anúncio em forma de História em Quadrinhos

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CONCLUSÃO

A participação dos Mutantes na campanha publicitária da Shell, produzida em

1969, teve ao menos um grande resultado: colaborou imensamente para a

exposição do grupo ainda emergente, exibindo sua música e sua imagem em

diversos meios de comunicação. Ao participar de uma campanha moderna e bem

estruturada, o trio estabeleceu uma imagem forte entre os jovens da época e teve a

oportunidade de ser visto e ouvido por um grande número de pessoas.

Através da análise dos filmes foi possível observar a utilização de diversas

técnicas de propaganda e a utilização da trilha sonora para a obtenção de efeitos

específicos, visando dar uma nova identidade à marca Shell. Os vídeos foram

produzidos de modo bastante apropriado ao caráter jovem e irreverente do grupo: o

clima moderno, leve e bem-humorado, a edição ágil e a música marcante

colaboraram para uma boa repercussão do trabalho do trio. É inegável que essa

exposição foi benéfica para os Mutantes, tanto quanto ou até mais que para a

empresa multinacional que os contratou.

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REFERÊNCIAS

CALADO, Carlos. A Divina Comédia dos Mutantes. São Paulo: Editora 34, 1995.

Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

Os Mutantes: Comerciais Shell. Vídeo disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=-MJCaGvrPRk > Acessado em 27 de abril de 2011.

ILUSTRAÇÕES:

FIG. 1 disponível em < http://blogs.estadao.com.br/reclames-do-estadao/files/2010/10/1969.2.12-mutantes-shell-mpb-rita-lee2.jpg > Acessado em 27 de abril de 2011.

FIG. 2 disponível em < http://img.gruposinos.com.br/img/3/27/203.jpg > Acessado em 27 de abril de2011.

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