Música é Arte e o Corpo Faz Parte as Relações Entre Movimento Corporal e Construção Musical

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  • 7/24/2019 Msica Arte e o Corpo Faz Parte as Relaes Entre Movimento Corporal e Construo Musical

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    Msica arte e o corpo faz parte: as relaes entre movimento

    corporal e construo musical

    The body as part of mus ical art : the relat ionship between body m ovement and mu sical

    development

    Patrcia Fernanda Carmem Kebach

    RESUMO: Neste artigo abordam-se os estudos realizados na rea de Educao Musical que refletemsobre as relaes entre movimentao corporal e construo musical. Os autores investigados ecitados neste trabalho propem uma pedagogia musical que utilize a movimentao corporal comoforma significativa de apropriao do conhecimento musical, pois, atravs de uma visoconstrutivista, pensa-se que a ao precede qualquer compreenso e o organismo como um todoest implicado nos processos de construo do conhecimento musical. Traz-se na primeira parte dotexto a reflexo sobre os Mtodos Ativos, onde se abordam alguns dos pedagogos musicais quepioneiramente refletiram sobre as relaes entre corpo e construo sonoro-musical e,posteriormente, abordam-se as novas pesquisas na rea. A autora, com estas reflexes, pretendetrazer um referencial terico capaz de contribuir para prticas de musicalizao mais significativas, eapontar para a importncia da movimentao corporal, especialmente nos processos desensibilizao musical, para a compreenso dos elementos da linguagem musical.Palavras-chave: Educao MusicalMtodos Ativosmovimento corporal e musicalizao

    Abstract: In this article, we intend to approach several Music Education studies that concern therelationship between body movement and musical construction. The authors we investigate and quotecome up with a musical pedagogy that uses body movement as a great way to develop musicalknowledge. Through constructivism, we believe that the action goes before any comprehension andour whole body is involved in the musical development processes. In the first part of the article, wediscuss the most popular actives methods for Music Education of the twentieth century and the lastresearches that speculates about body movement and music learning. This article intends tocontribute and to foster the discussion about more significant musical experiences and to point towardthe relevance of the relationship between body movements and music on musical awareness and tounderstand the musical speech elements.Keywords: musical educationactives methods - body movement and musical learning

    Introduo

    Atualmente, vrios educadores musicais j esto tomando conscincia sobre a

    importncia da movimentao corporal para a apropriao do conhecimento musicaldurante as aulas de msica. O precursor destas ideias foi o vienense mile Jaques-

    Dalcroze, que acabou se radicando na Sua. Este autor considera a educao

    musical, pela primeira vez do ponto de vista do sujeito, introduzindo em suas aulas o

    movimento corporal e a atividade reflexiva de modo consonante.A importncia do

    movimento corporal na compreenso musical, baseada nas ideias de Jaques-

    Dalcroze, citada em pesquisas atuais como a de Ciavatta (2003), Bndchen

    (2005), Lima & Rger (2007) e Rodrigues (2009). Na obra desses autores fica claro

    que na construo musical, a ao precede a compreenso (PIAGET, 1978).

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    A temtica deste estudo surgiu das participaes da autora em Oficinas ministradas

    por colegas da rea de Educao Musical, que basearam seus trabalhos nos

    mtodos ativos e na importncia da movimentao corporal para a apropriao

    musical, e tambm das reflexes realizadas junto professora Denise Bndchen

    (BUNDCHEN & KEBACH, 2005), que foram amadurecendo conforme a autora deste

    texto participava de tais oficinas e realizava suas prprias em vrias cidades do

    estado e fora dele. Assim, ao aprender a utilizar o corpo como recurso para aulas de

    sensibilizao musical, a autora criou situaes de ensino e aprendizagem musical,

    procurando mesclar mtodos e priorizar por aes que envolvessem a

    movimentao corporal no fazer musical.

    Um dos cursos criados pela autora deste texto, em sua instituio de vnculo, foi o

    curso de extenso chamado O corpo como instrumento musical: prticas

    alternativas de musicalizao.Na primeira aula deste curso, props-se uma prtica

    de rond, cujo trecho que deveria ser repetido por todos, como episdio de retorno,

    era o pequeno verso Msica arte e o corpo faz parte, criado pela professora, para

    que os participantes pudessem improvisar uma apresentao individual musical,procurando criar pequenos versos, intercalados com este verso principal, que se

    repetia a cada final de apresentao individual. O pequeno verso ficou ressoando

    como imagem mental e acstica na mente dos participantes, professores em

    formao, e serviu como norte para as reflexes sobre textos que eram debatidos no

    curso sobre o uso da movimentao, vocalizao e percusso corporal como

    possibilidade de experimentao musical. A recorrncia de referncias a este verso

    chamou a ateno da autora o foi o que provocou a redao do presente artigo.

    Assim, neste artigo, alm das pesquisas atuais sobre o tema, pretende-se trazer as

    concepes tericas de alguns dos representantes dos Mtodos Ativos que tambm

    pensam que o ser humano, para se apropriar da linguagem musical, precisa

    vivenci-la com todo seu corpo, antes de transform-la em uma audio interior.

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    Os Mtodos Ativos em Educao Musical

    A palavra mtodo, conforme Jaramillo (2004), em seus primrdios de adoo no

    contexto educacional, remetia ao aspecto do ensino de algum contedo. No casodos mtodos musicais, tratava-se de se ensinar algum instrumento ou solfejo,

    mediante exerccios ordenados, segundo o que cada autor considerava como

    dificuldade crescente em seu perodo histrico. Nesse sentido, poderia se considerar

    o mtodo como um texto ou uma listagem de exerccio, acompanhada ou no por

    algum tipo de reflexo, segundo cada poca em que foi elaborado. O conceito de

    ensino-aprendizagem de seu criador estaria implcito nestes escritos.

    No sculo XIX, os mestres elaboravam, a partir da observao sobre as dificuldades

    especficas de seus discpulos, aprendizes de msica, exerccios personalizados

    para que este msico iniciante pudesse se guiar e ultrapassar suas dificuldades. O

    racionalismo cartesiano deste perodo permeia o olhar destes mestres, pois todos os

    exerccios so ordenados por grau de dificuldade. O valor dado ao virtuosismo a

    partir do sculo XVII foi o que desencadeou esta sistematizao de estratgias para

    a aprendizagem tcnica refinada e interpretao cada vez mais precisa, o que

    permitia exaltar compositores e intrpretes cantores e instrumentistas como

    sendo extraordinrios. Certamente esta nfase na reproduo perfeita de

    partituras, cuja fidelidade interpretativa garantia na poca aos msicos

    reconhecimento, contribui muito para que se instaurasse o mito do dom natural ou

    talento, pois somente algumas famlias mais abastadas poderiam garant ir a seus

    filhos o acesso a tal tipo de educao personalizada. O virtuosismo garantia

    tcnica um papel de primeiro plano, e criatividade interpretativa era

    menosprezada. Assim, esses mtodos eram compostos basicamente por exerccios

    repetitivos.

    Ainda hoje em alguns ambientes de Educao Musical podemos encontrar esta

    perspectiva terica no ensino da msica, cujo educador elabora as tarefas de acordo

    com graus de dificuldade que ele considera, a partir de sua prpria perspectiva. Esta

    perspectiva desconsidera que a criana, desde muito cedo, consegue realizar

    tarefas complexas, de acordo com seus prprios interesses. Nesse sentido, a

    complexidade ou simplicidade no estaria no produto destas atividades, mas sim, na

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    tarefa demandada. Este tipo de educao musical tem como base o valor no produto

    musical que ser elaborado pelo aluno, no em seu processo de aprendizagem ou

    comunicativo e vivncias suscitadas pelo aprendiz durante a realizao das

    atividades musicais.

    Do ponto de vista da educao e da pedagogia, poderamos considerar que o

    conceito de mtodo est ligado a um procedimento ou modo ordenado de proceder

    para chegar a um resultado ou fim determinado. Estaria, portanto, ligado ao de

    um docente em sala de aula. A filosofia que est por trs das reflexes, no momento

    de ordenao dos procedimentos didtico-pedaggicos, serve de norte para a

    criao de estratgias, neste sentido. Assim, percebe-se a complexidade dofenmeno educativo e, portanto, a complexidade relacionada adoo de um

    determinado mtodo, no s no que tange educao musical, mas educao, de

    modo geral.

    Ao contrrio dos Mtodos Ativos, na educao musical tradicional e na geral,

    durante muitos anos, o objetivo do planejamento de um mtodo se focou apenas nos

    contedos a serem transmitidos e no ensino do professor, sem levar em conta osprocessos de aprendizagem do aluno. Com o princpio dos Mtodos Ativos, os

    conceitos de ensino e aprendizagem vo se modificando, e os novos pedagogos

    musicais buscam nas observaes sobre as condutas gerais de seus aprendizes,

    reflexes para criarem seus prprios mtodos, baseados nas informaes que a

    reincidncia de condutas poderia lhes proporcionar.

    Assim, a eleio de certos contedos ou certos procedimentos (ou mtodos) soexpresses deste universo de concepes que permeiam as organizaes do

    docente. No micro universo da sala de aula podemos enxergar um sistema

    complexo de crenas e valores que podem ser inconscientes, mas que possuem

    carter determinante nos processos de formao musical dos discentes. Como

    explica Jaramillo (2004, p. 10) A atividade do docente tem uma funo

    especificamente social e por isso que deve ser analisada e realizada de modo

    consciente e crtica.

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    O modelo mais tradicional para se trabalhar a musicalidade dos aprendizes

    concentra sua ateno na atividade do professor que deve transmitir conhecimento.

    Os Mtodos Ativos, por sua vez, centram sua preocupao na participao ativa do

    aluno, que dever compreender os elementos musicais trabalhados, criar

    expresses sonoro-musicais diversificadas, atravs da realizao de novas

    descobertas e investigaes. A nova pedagogia da msica vislumbra o ambiente

    cultural e seu papel na construo do conhecimento de cada um.

    Os Mtodos Ativos em Educao Musical tm sua origem em pensadores como

    Rousseau, Pestalozzi, Froebel, entre outros, e exerceu sua influncia a partir do

    sculo XIX, e mais fortemente, no sculo XX. Esses mtodos desviaram a atenodas aes sobre as condutas dos professores para se focar nas aes dos alunos,

    como participantes ativos dos processos de aprendizagem. Assim, o movimento da

    Escola Ativa foi muito importante no mbito da Educao Musical, pois seus

    princpios estavam implcitos nas filosofias dos Mtodos Ativos nesta rea.

    Os Mtodos Ativos que unem a movimentao corporal apropriao musical:Jaques-Dalcroze, Willems e Orff

    A influncia indireta do movimento da Escola Nova pode ser evidenciada nos

    pressupostos do mtodo de Jaques-Dalcroze (1919) chamado Rtmica. Ele

    percebeu que o erro da educao musical estava no fato de que os aprendizes no

    podiam experimentar sonoramente aquilo que escreviam. Naquela poca, os

    professores de msica, durante as aulas de harmonia, no deixavam que seus

    alunos recorressem ao teclado para verificar se aquilo que estavam registrando

    estava correto. Ao observar que seus alunos, durante as aulas de teoria musical,

    movimentavam-se, procurando mapear corporalmente determinados intervalos de

    durao, ou seja, no conseguiam ouvir internamente os sons que escreviam,

    contentando-se em aplicar as regras aprendidas ou tentando mapear intervalos com

    o corpo, Jaques-Dalcroze comeou um profundo trabalho de pesquisa. Assim, ele

    desenvolveu progressivamente um sistema de coordenao entre msica e

    movimento, convencido de que a atividade corporal participava da elaborao deimagens mentais dos sons, que com o ensino tradicional no eram atingidas. Essas

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    primeiras reflexes abrem caminho para novos pensadores aprimorarem e

    ampliarem o espectro de relaes entre construo musical e movimento corporal.

    Ele valorizou, portanto, a interao entre organismo e meio no processo de

    aprendizagem musical. Descobriu que as crianas deveriam aprender msica desde

    muito cedo, para desenvolverem a capacidade de audio interior, a partir da

    audio e dos movimentos corporais. Sua concluso foi a de que tudo em msica,

    que de natureza motriz e dinmica, depende no somente do ouvido, mas do

    corpo, como um todo. Atravs da constatao de movimentos corporais que seus

    alunos faziam ao executar o piano, como a ajuda dos ps, oscilaes do tronco e da

    cabea etc., foi levado a pensar que as sensaes musicais, de natureza rtmica,apiam-se sobre a totalidade do organismo. Desse modo, Jaques-Dalcroze criou

    exerccios de caminhadas e paradas, entre outros, habituando seus alunos a reagir

    corporalmente audio de ritmos musicais. Este foi o comeo do que chamou de

    Rtmica.

    Jaques-Dalcroze abriu caminho para se pensar a prtica de ensino musical de uma

    forma completamente inovadora. Ele chegou concluso de que a musicalidadeunicamente auditiva incompleta e de que existem ligaes entre a mobilidade e o

    instinto auditivo, a harmonia dos sons e duraes, entre o tempo e a energia, a

    dinmica e o espao, a msica e o carter, entre a msica e o temperamento, entre

    a arte musical e a dana. Enfim, Dalcroze observa que existe uma dialtica entre os

    processos e que esses possuem um carter dinmico. Assim, o pensador abre

    espao para as exploraes vocais e instrumentais (piano e percusso), a

    aprendizagem rtmica atravs da movimentao corporal (andar, pular, saltar, correr,etc.), enfim, para uma educao do ouvido atravs do canto, do jogo e do

    movimento. Na concepo de Jaques-Dalroze, sentindo a msica atravs do

    movimento, seus alunos seriam capazes progressivamente de tocar expressando

    uma maior musicalidade.

    Aluno e seguidor das ideias de Dalcroze, o belga Edgar Willems tambm se radicou

    na Sua, aonde aprendeu com seu mestre uma nova forma de se relacionar com a

    Educao Musical. Willems (1987) relaciona a msica natureza humana e, em sua

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    proposta, dedica-se ao estudo da audio em seus trs aspectos correlativos: fsico

    (ou sensorial), afetivo e mental. O pedagogo musical props que toda a criana pode

    ser preparada auditivamente, de modo a aprender a ouvir os materiais sonoros

    bsicos que compem a msica e a organiz-los com a experincia musical. Edgar

    Willems prope que o preparo auditivo deve preceder o ensino de um instrumento

    musical especfico, pois a escuta a base da musicalidade.

    Na sistematizao de seu mtodo, Willems prope exerccios especiais para a

    distino auditiva dos parmetros do som, especialmente no que tange ao

    parmetro altura, procurando desenvolver no somente a capacidade de

    diferenciao dos tons e semitons, mas tambm o espao intra-tonal. Ele atribuiugrande importncia renovao na educao musical, que passaria primeiramente

    pela admisso do fato de que existe uma ligao bem estreita entre a arte e a

    psicologia. Assim, a msica deveria ser olhada sob o ngulo psicolgico, ou seja, o

    estudo das ligaes que unem a msica e seus elementos essenciais natureza

    humana. Esses elementos (o ritmo, a melodia, a harmonia, a composio e a

    inspirao), segundo Willems, receberiam seus impulsos de certos aspectos

    correspondentes natureza do homem. Dessa forma, o ser humano no seu todo,sensorial, afetivo e mental, vivenciaria a prtica musical e para ela contribuiria.

    A educao do ouvido musical um ponto-chave na teoria de Willems. Na obra em

    que trata da preparao musical das crianas pequenas, Willems (1987) descreve a

    importncia de um despertar musical precoce. No perodo pr-escolar, de trs a seis

    anos, a criana se encontraria num amplo amadurecimento cerebral. Desse modo,

    as caractersticas de seu mtodo esto preconizadas a partir de duas caractersticasessenciais: o conhecimento aprofundado dos princpios psicolgicos da educao

    musical, princpios esses baseados nas relaes existentes entre os elementos

    fundamentais da msica e os da natureza humana, e a disposio de um material

    musical apropriado para o comeo de uma educao sensorial das crianas.

    Assim como Jaques-Dalcroze, Willems (idem) revela a importncia dos movimentos

    para o desenvolvimento rtmico e tambm do ponto de vista das ligaes entre o

    som e o ritmo. Comps uma srie de msicas especficas para trabalhar padres

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    rtmicos variados, em que as crianas deveriam marchar, correr, galopar, saltar

    conforme a msica tocada. Em uma ordem de associaes, diz o autor, devemos

    dar grande importncia, no comeo, s relaes diretas e reais que existem entre o

    ritmo musical e o movimento e, como em meio a todos os sentidos o movimento o

    mais desenvolvido na criana, importante explorar essa necessidade de se mexer

    que a criana possui em benefcio da msica. Willems sugere que a movimentao

    atravs da msica conduz a criana a uma escuta geradora de aprendizagem e, por

    isso, a uma resposta criativa, em que se torna capaz de explorar as ideias

    expressivas contidas no objeto sonoro assimilado. Segundo ele, o movimento deve

    ser visto como modo de expresso criativa da msica.

    Willems (1981, p.29) salienta ainda a relao entre melodia e movimento: O

    elemento principal da melodia o intervalo meldico, o qual representa um

    movimento de um som ao outro. Este movimento, que acontece no tempo, pode

    sentir-se como realizado no espao.

    Outro Educador Musical que d nfase movimentao corporal para a apropriao

    do conhecimento musical Carl Orff. Este compositor alemo, alm de ter produzidouma srie de obras renomadas, foi um dos grandes nomes a incorporar em linha de

    frente os Mtodos Ativos em Educao Musical. Iniciou seus trabalhos em

    pedagogia da msica em Munique, junto a Dorothee Gnther com quem criou a

    Gnther-Schule, escola para educao moderna corporal e de dana. Vemos j a

    as razes da filosofia educacional de Orff, uma vez que este intentou unir a

    linguagem verbal, a dana e a msica, na busca de um mtodo capaz de sensibilizar

    musicalmente as crianas, desde muito cedo.

    Para Orff, a aquisio das habilidades avanadas em improvisao com o piano

    poderia ser substituda pela utilizao de uma grande variedade de instrumentos de

    percusso. Jaramillo (2004) conta que foi necessrio enriquecer as ideias iniciais de

    Orff para adaptar o mtodo para os pequenos. Assim, Orff props um material

    adequado, criando instrumentos de percusso e trabalhando com a expressividade

    vocal, palavras faladas, rimas, cantos e um repertrio baseado em escalas

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    pentatnicas. A movimentao corporal, no momento da expressividade musical

    algo essencial na concepo de Orff.

    Orff parte da premissa que no existem adultos ou crianas que no possam

    aprender msica. Uma formao adequada, portanto, poderia desenvolver a

    capacidade de se perceber ritmos, alturas e formas musicais, alm de tornar

    possvel a participao de todos em atividades criativas coletivas. O conceito de

    educao musical de Orff nasce da necessidade de expressividade e tem como

    ncleo a unio entre gesto, msica e palavra, considerando esta ltima em seus

    significados literais, como substncia rtmica e de articulao de frases e slabas.

    Chama a isto de msica elementar.

    Assim, as ideias de Orff conectam-se, da mesma forma que as de Jaques-Dalcroze

    e Willems, ao conceito de Mtodo Ativo, pois a partir delas, possibilita-se aos alunos

    a plena atividade, criatividade, motivao, autonomia, mesmo que trabalhem em

    produes musicais coletivas, e se parte da ao compreenso.

    As propostas atuais de musicalizao com base na relao movimento

    corporal e produo sonoro-musical

    So muitas as propostas atuais de musicalizao que unem a movimentao

    corporal e a produo musical, com base nos Mtodos Ativos citados no item

    anterior, a fim de possibilitar construes musicais progressivas. Nesta parte do

    texto, abordam-se primeiramente os estudos atuais brasileiros sobre o tema e,posteriormente, algumas pesquisas que foram realizadas na Frana.

    Lima e Rger (2007) investigam o trabalho corporal nos processos de sensibilizao

    musical e afirmam que os educadores musicais que trabalham com o movimento

    corporal podem desbloquear tenses e inibies, conscientizando seus alunos e

    livrando-os dos preconceitos e condicionamentos sociais que criam inmeros

    empecilhos para a livre manifestao do ser em sua integralidade, tornando-os maiscriativos (p.113). Eles afirmam ainda que a tomada de conscincia sobre a

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    importncia de se efetivar as relaes entre o trabalho corporal e a musicalizao,

    por parte dos professores, pode contribuir muito para um trabalho pedaggico mais

    significativo.

    Ao encontro destas ideias, a pesquisa de Bndchen (2005) procurou investigar a

    relao do movimento corporal na construo do conceito de ritmo a partir de um

    trabalho de composio coletiva. O estudo foi desenvolvido a partir da observao

    sobre uma situao de musicalizao em ambiente de canto coral, cujos sujeitos

    investigados foram 30 meninas com idades entre 11 e 18 anos. A autora prope que

    a integrao do movimento corporal s situaes de ensino e aprendizagem musical

    compreende uma proposta de canto coral construtivista, a partir da qual se develevar em conta a trilogia cognio-msica-corpo. Assim, o corpo terico da autora,

    alm de basear-se nos autores dos Mtodos Ativos citados anteriormente, busca um

    aprofundamento na teoria construtivista interacionista de Jean Piaget. O conceito

    piagetiano de tomada de conscincia amplamente utilizado para explicar os

    fenmenos observados, ou seja, o processo de construo rtmica dos sujeitos

    pesquisados, no momento de realizarem as tarefas demandadas, com base na

    explorao, expresso e construo musical atravs da movimentao corporal. Apesquisadora demonstra, em suas concluses que

    [...] o movimento corporal favorece a compreenso da estruturao rtmica,desencadeando tomadas de conscincia a partir da observao de simesmo, pois o prprio corpo em movimento que desenha os tempos noespao. Alm disso, sentir o prprio corpo nesse processo tem favorecido aperformance de modo geral,contribuindo com a afinao, a descontrao ea expressividade do grupo. (BNDCHEN, 2005, p. 5)

    Outro autor que vem apontando para a importncia da movimentao corporal paraa apropriao musical o professor Ciavatta (2003), que criou um mtodo especial

    para se trabalhar o desenvolvimento rtmico e meldico dos aprendizes de msica.

    Chamou-o de O Passo. O autor diz que a relao entre movimento corporal e

    movimento musical pode alterar e definir as produes musicais e explica:

    Nesse sentido, um processo de ensino-aprendizagem na rea de Msicaque desconsidere estes dois tipos de movimento se ver sempre fragilizado

    e, dependendo da compreenso ou habilidade requerida, apresentarlacunas que apenas o resgate desta relao poder preencher (idem, p. 64)

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    Seu mtodo realizado para trabalhar a pulsao atravs de uma srie de

    marcaes, audveis ou no, com intervalos regulares de tempos entre si, utilizadas

    como referncia para que se possa tocar, cantar, compor, registrar ou ler um

    determinando ritmo (ibidem, p. 18). Ciavatta descreve o mtodo da seguinte forma:

    Caminhar para frente e para trs, terminando assim no mesmo lugar. Simples e

    objetivamente, dar um passo para frente com o p direito, trazer o esquerdo

    completando o deslocamento, dar outro passo para trs com o p direito e trazer

    novamente o esquerdo (idem, p. 28). Esses quatro passos, portanto, formam um

    ciclo constante, quaternrio, que com o tempo o autor passou a denomin-lo O

    Passo.

    Tambm Rodrigues (2009) estuda as relaes entre o movimento corporal e a

    construo musical investigando as relaes possveis de serem estabelecidas entre

    a msica e a dana. Assim, a autora procura compreender como a movimentao

    corporal provocada pela dana pode contribuir para a aprendizagem em msica.

    Rodrigues prope que para a msica, cada gesto explorado e ampliado proporciona

    uma maior interpretao, musicalidade, dinamismo, melhora da tcnica e execuo

    da obra musical (idem, p. 48) e afirma que Como a msica e a dana so artesafins, completando-se em gesto e sentido, necessrio um novo olhar sobre ambas,

    desprovido de preconceito, carregado de uma sensvel leitura por parte do educador

    e do sujeito/artista (idem, p. 49).

    O pensamento de Rodrigues vai ao encontro de pesquisadoras francesas, que

    tambm pensaram as relaes entre o movimento e a musicalizao. Uma delas

    Claire Noisette (1997). Ela desenvolveu uma metodologia de ensino da msica, emconjunto com a dana, voltada para a pr-escola. A professora de msica e

    coregrafa aborda a importncia da iniciao conjunta da msica e da dana e

    procura responder, baseada especialmente em sua experincia de sete anos em

    iniciao musical, ao porqu desse acoplamento, em quais condies pedaggicas

    ele deve se dar, quais os mtodos, os resultados e perspectivas oferecidas hoje por

    essa iniciao conjunta.

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    Noisette defende a tese de que o preparo das crianas rumo evoluo no mundo

    cultural e artstico aberto e criativo possibilitado pela forma interacionista de

    proporcionar conhecimento e tcnica de base, facilitando a aprendizagem musical e

    coreogrfica das crianas. A autora salienta ainda a necessidade que as crianas do

    maternal possuem de se movimentar e, por isso, uma atividade fsica, fundamentada

    em jogos, nesta fase de desenvolvimento, proporciona o prazer da descoberta das

    possibilidades corporais. Tanto msicos quanto danarinos se beneficiam, diz ela,

    desta aprendizagem conjunta, j que os danarinos devem estar escuta de seu

    corpo, do corpo dos outros, dos sons e do espao em volta, e o msico, por sua vez,

    deve aprender a conhecer seu prprio corpo, a se mexer, a procurar melhorar sua

    atitude corporal, aprimorando, assim, sua execuo e sua capacidade de expresso.

    A diferenciao das qualidades do som passa, segundo a autora, naturalmente pelo

    corpo, pelo movimento e deslocamento no espao, sendo a escuta essencial

    tambm para os bailarinos. Assim, constri-se uma escuta atravs do deslocamento

    no espao e essa diferenciao simples de sentir se for vivenciada corporalmente,

    num primeiro momento, com uma referncia contnua atravs do suporte grfico

    (ibidem, p.12), diz ela, baseada na pedagogia de Jaques-Dalcroze. A pulsao e suainteriorizao tm, assim, uma grande importncia no comeo dessa aprendizagem

    conjunta. Logo em seguida, o reconhecimento do tempo forte, trabalhando

    diferenciaes de pesos relacionados ao tempo em msica (o tempo forte pesado,

    e o seguinte leve, por exemplo) e das direes.

    Noisette afirma que o som s se torna msica atravs de suas modificaes no

    tempo, estando, assim, relacionado ideia de movimento. O pensamento de que osujeito apreende primeiramente o mundo pelo prprio corpo uma das maiores

    justificativas para esse mtodo de ensino conjunto entre msica e dana.

    Outras professoras de msica francesas que tambm apoiam a ideia de um

    despertar musical precoce so Agosti-Gherban e Rapp-Hess (1986). As autoras

    afirmam que o professor precisa respeitar a personalidade das crianas, que no

    so apenas pequenas pessoas a serem educadas, mas sujeitos que constroem seu

    conhecimento musical a partir de brincadeiras e experimentao de vrios tipos de

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    sons, a fim de tomar conscincia do todo, organizando-o, a partir de uma escuta

    ativa e da movimentao corporal. Trata-se, desse modo, de uma pedagogia

    relacionada a uma educao do ouvido rumo a uma nova escuta, ativa e criativa.

    Segundo elas, a criana deve

    [...] tomar conscincia do ambiente sonoro, dos parmetros do som, dosbarulhos exteriores e corporais, do silncio, por intermdio do movimento,do jogo, da imaginao, do grafismo. Viver todas as noes antes deverbaliz-las, a anlise permitindo ultrapassar o estgio de manipulaopura, que fundamental, para a utilizao consciente do objeto sonoro.Tudo isso permite criana a obteno da coordenao de si mesma, deter uma maior conscincia de si e do grupo (AGOSTI-GHERBAN & HAPP-HESS, 1986, p.16).

    Na mesma linha das autoras supracitadas, Gagnard (1977) sugere que a

    personalidade da criana uma criao contnua e que os educadores tm o dever

    de ajudar nessa construo, utilizando pedagogias que permitam o desenvolvimento

    de todas as possibilidades que a criana possui. Sobre o plano musical, a autora

    prope atividades que visam a um duplo objetivo: o desenvolvimento potencial das

    faculdades criativas da criana e a contribuio a estruturar interiormente este ser

    que est se desenvolvendo. Nas palavras da autora,

    [...] este despertar sensorial musical dever ento ser comeado o maiscedo possvel, no momento em que a criana permevel a todas assensaes, pois nesse estgio de sua evoluo, ela no sabe diferenciarainda a causa do som, o objeto do qual ele emana e aquilo que escuta. Elase deixa impregnar pelas vibraes sonoras que interioriza, a ponto de seidentificar com elas (GAGNARD, 1977, p. 15).

    Gagnard (idem) reafirma a importncia da pesquisa em psicologia musical, apoiada

    na teoria piagetiana, para fornecer as bases de criao de uma pedagogia ativa. A

    passividade, segundo ela, deve ser descartada, pois, nos primeiros anos de vida, a

    criana adquire certas noes, no totalmente via intelecto, mas especialmente pela

    ao motora, assimilando com seu corpo os conceitos de espao e de tempo, os

    quais sero ancorados nela prpria porque os ter vivenciado. Musicalmente, isso

    se traduziria pelos jogos de exerccios rtmicos, que intervm na sua atividade

    motora e sensorial, visto que a criana comprova a necessidade de concretizar suas

    percepes sob a forma de movimentos, de desenhar no espao formas e figuras,

    transpondo, assim, os sons e os ritmos para o prprio corpo. Esse fato, alm de

    ajudar o refinamento da audio da criana, tambm faz com que ela sinta a msica

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    atravs de seus msculos, contribuindo na sua evoluo geral, pois esse tipo de

    prtica mexe na constituio interna e fornece as bases da inteligncia especulativa

    partindo da msica (ibidem, p. 16).

    Consideraes finais

    Para que o sujeito possa representar a msica mentalmente, abstraindo-a

    formalmente (PIAGET, 1995), so necessrias aes concretas musicais, o

    mapeamento corporal dos sons (CIAVATTA, 2003), a vivncia prtica musical, pois

    de acordo com o pensamento piagetiano, pensa-se que as tomadas de conscincia

    (PIAGET, 1978) sobre os elementos musicais e a abertura de novas possibilidades de

    organizao sonoro-musical s possvel pela generalizao na ao concreta.

    Portanto, prope-se neste estudo que a prtica, a ao concreta atravs da

    movimentao corporal possibilita ao aprendiz de msica uma construo

    progressiva e slida musical (KEBACH, 2008). Esta proposio parece sintetizar o

    pensamento de todos os autores citados no presente artigo e vem norteando

    cotidianamente as aes da autora deste texto, enquanto professora e pesquisadora

    da rea de Educao Musical. Msica arte e o corpo faz parte!

    Referncias

    AGOSTI-GHERBAN, C. & RAPP-HESS, C.Lenfant, le monde sonore et la musique.Paris: Presses Universitaires de France, 1986.

    BOURDIEU, Pierre.As regras da arte: gnese e estrutura do campo literrio. SoPaulo: Companhia das Letras, 1996.

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