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MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM UMA COMUNIDADE RURAL DO LITORAL PARANAENSE: REFLEXÕES A PARTIR DA TEORIA DOS BENS COMUNS Daniela Sant' Ana 1 *, Bernardo Brandão Niebuhr 2 , Dimas Floriani 3 * e-mail: [email protected] 1 Mestranda em Sociologia (UFPR) 2 Mestrando em Ecologia e Conservação (UFPR) 3 Pesquisador/docente pelo MADE e pelo PPGSocio (UFPR) Resumo O presente texto busca contribuir com o debate sobre a gestão de espaços e recursos naturais em escala comunitária, mais especificamente terras de uso comum. Do ponto de vista do debate teórico, este estudo evidencia, na análise dos comuns, uma abordagem crítica que procura inserir a relação entre fatores sociais endógenos e exógenos à unidade social de usuários dos recursos, o que é possível por meio da exploração de alguns pormenores do contexto de cada sistema de uso, enxergando os arranjos de uso e apropriação dos recursos comuns como produtos de antagonismos e tensões sociais. Para ilustrar e dar cor a esse posicionamento teórico metodológico, constituem o recorte empirico as mudanças sociais em curso em uma comunidade rural denominada Sítio Riozinho (litoral sul do Paraná), que incidem significativamente sobre a constituição da área de uso comum disposta para o roçado da mandioca, e outros bens de uso comum.

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MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM UMA COMUNIDADE RURAL DO LITORAL PARANAENSE: REFLEXÕES A PARTIR DA TEORIA DOS BENS COMUNS

Daniela Sant' Ana1*, Bernardo Brandão Niebuhr2, Dimas Floriani3

* e-mail: [email protected] Mestranda em Sociologia (UFPR)

2 Mestrando em Ecologia e Conservação (UFPR)3 Pesquisador/docente pelo MADE e pelo PPGSocio (UFPR)

Resumo

O presente texto busca contribuir com o debate sobre a gestão de espaços e recursos naturais

em escala comunitária, mais especificamente terras de uso comum. Do ponto de vista do debate

teórico, este estudo evidencia, na análise dos comuns, uma abordagem crítica que procura inserir

a relação entre fatores sociais endógenos e exógenos à unidade social de usuários dos recursos,

o que é possível por meio da exploração de alguns pormenores do contexto de cada sistema de

uso, enxergando os arranjos de uso e apropriação dos recursos comuns como produtos de

antagonismos e tensões sociais. Para ilustrar e dar cor a esse posicionamento teórico

metodológico, constituem o recorte empirico as mudanças sociais em curso em uma comunidade

rural denominada Sítio Riozinho (litoral sul do Paraná), que incidem significativamente sobre a

constituição da área de uso comum disposta para o roçado da mandioca, e outros bens de uso

comum.

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IntroduçãoO presente texto1 busca contribuir com o debate sobre a gestão de recursos e espaços

naturais em escala comunitária, mais especificamente terras de uso comum. Do ponto de vista do

debate teórico, este estudo lança mão de uma abordagem que procura inserir na análise acerca

dos comuns a relação entre fatores sociais endógenos e exógenos à unidade social de usuários

dos recursos, o que é possível por meio da exploração de alguns pormenores do contexto de

cada sistema de uso, enxergando os arranjos de uso e apropriação dos recursos comuns como

produtos de antagonismos e tensões sociais.

Essa abordagem traz elementos analíticos complementares à perspectiva mais conhecida

dos comuns, a qual procura identificar o grau de sustentabilidade da exploração local dos recursos

focando as variáveis institucionais e as regras formais e informais que orientam a gestão

ambiental. O eixo explicativo da teoria dos comuns prescindiria, entretanto, de um enfoque mais

amplo que privilegiasse as pressões sociais e as interações entre múltiplas territorialidades que se

tensionam. Nesse sentido, este artigo busca articular elementos do debate acerca dos comuns

com a análise de um caso empírico.

Para ilustrar e dar cor a esse posicionamento teórico metodológico, constituem o recorte

empirico as mudanças sociais em curso em uma comunidade rural, denominada Sítio Riozinho

(ou Riozinho), que incidem significativamente sobre a constituição da área de uso comum disposta

para o roçado da mandioca. O Sítio Riozinho se localiza ao sul da baía de Guaratuba, no litoral sul

do Paraná, abrangida pela Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual de Guaratuba.

Resumidamente, na realização dessa pesquisa foram combinados os seguintes

procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica e documental (artigos, livros, teses,

dissertações, mapas oficiais, atas de reuniões do Conselho Gestor da APA, relatórios técnicos

etc.), observação participante da rotina da comunidade (produção da sociabilidade e das práticas

materiais, basicamente) e das reuniões do Conselho Gestor da APA de Guaratuba (ordinárias e

extraordinárias) e entrevistas abertas e semi-estruturadas aplicadas somente aos moradores.

A teoria dos comuns e a questão da escala de abordagem: a interação entre variáveis locais e extra locais

Em termos gerais, apenas recentemente as modalidades de uso comum de manejo de

espaços e recursos naturais por segmentos do campesinato, tais quais historicamene ocorrem

nos espaços rurais em todas as regiões do país (ALMEIDA, 2008, 2009; CAMPOS, 2011), têm se

constituído como objeto destacado na elaboração de pesquisas e relatórios técnicos, seja no

âmbito acadêmico ou no âmbito de órgão públicos que se ocupam da questão fundiária e

ambiental (ALMEIDA, 2008; AGRAWAL, 2002).

Como um processo social anterior, têm se verificado o crescimento de políticas que

1 O artigo constitui um fragmento de capítulo presente na minha pesquisa dissertação de mestrado realizada no êmbito do PPGSocio da UFPR, sob orientação do Prof. Dr. Dimas Floriani e financiado pela CAPES/Reuni. O momento de elaboração do mesmo para o VI Enanppas é também a fase de finalização da pesquisa. A parte empírica iniciou em agosto de 2010 e finalizou em dezembro de 2011.

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regulamentam o uso e apropriação de florestas, água, pesqueiros e pastagens, estimulado e

orientado principalmente por preocupações globais em torno da degradação ambiental e depleção

de recursos naturais (AGRAWAL, 2002; ALONSO e COSTA, 2002; CREADO et al., 2008

FERREIRA, 2010; ACSELRAD, 2004, 2010; LOBÃO, 2006).

Na literatura especializada que trata da gestão de espaços e recursos naturais, a

observação das falhas atribuídas a mecanismos próprios à administração pública e à

administração privada tem ressaltado a gestão em pequena escala – a escala da comunidade –

como uma alternativa: os próprios usuários dos recursos comuns com seus arranjos institucionais

locais são legitimados como atores eficientes na conservação (OSTROM, 1990; FEENY et al.,

2001; BERKES et al., 1998; MORAN et al., 2009).

A possibilidade – comunidade e posse e gestão comum – que os analistas dos comuns

identificaram, e de certa forma validaram do ponto de vista científico, está enraizada nas práticas

de milhares de unidades sociais ao redor do mundo (OSTROM, 1990; MARTINEZ-ALIER, 2007;

MORAN et al., 2009; DIEGUES, 1998; ALMEIDA, 2008; ADAMS, 2000; LEFF, 2010; GUHA e

MARTINEZ-ALIER, 1997). Ao mesmo tempo, essa alternativa veio ao encontro das encruzilhadas

teóricas com que se deparam pesquisadores que estudam movimentos sociais e diversas formas

de participação social, formação de instituições e sua manutenção, cooperação e conflito. Nessas

situações de gestão comum, os participantes se esforçam para resolver dilemas de ação coletiva

(AGRAWAL, 2002).

Ao focar as condições sob as quais usuários de recursos naturais (renováveis) cooperam

visando alcançar uma gestão eficiente ou mesmo quando falham nesse esforço (tendo suas

práticas diagnosticadas como "ecologicamente sustentáveis" ou não), a literatura sobre recursos

comuns criou as bases para que seus estudos caminhem junto com preocupações mais amplas

que concernem às ciências sociais.

Na investigação do efeito de diferentes estruturas institucionais sobre a gestão de

recursos, os teóricos dos comuns mostraram a importância tanto de instituições formais quanto de

instituições informais como uma influência sobre o comportamento e a ação sociais. As

formulações dessa teoria impactaram criticamente nas políticas públicas para o manejo de

recursos naturais e deram visibilidade ao papel das comunidades rurais, principalmente aquelas

comunidades envolvidas com o manejo e gestão de recursos comuns e, de alguma forma, na

proteção ambiental (ALMEIDA, 2008; DIEGUES, 1995; LITTLE, 2002, CUNHA, ALMEIDA, 1999;

LOBÃO, 2006; SANT' ANA, 2011).

No entanto, as estratégias adotadas pelos órgãos governamentais e pelas organizações

não governamentais, em associação com movimentos de usuários, não deixaram de revelar

algumas contradições, na medida em que enfatizavam as práticas sustentáveis de manejo de

recursos comuns dessas comunidades, ao mesmo tempo em que propunham de forma vertical o

desenvolvimento de novos arranjos institucionais para o manejo destes recursos (CUNHA, 2004;

LOBÃO, 2006; DIEGUES, 1998; ADAMS, 2000; CREADO et al., 2008).

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Diante das contradições inerentes à apropriação e distribuição desigual dos espaços e

recursos naturais (GUHA e MARTINES-ALIER, 1997; ACSELRAD, 2010), fica evidente a

possibilidade de múltiplas soluções e desenhos institucionais, conforme a história e o ambiente

social do grupo de usuários dos recursos de propriedade comum, elementos que podem ser

apreendidos somente a partir da ampliação da perspectiva para além da análise das instituições2

(MCCAY e JENTOFT, 1998; AGRAWAL, 2002).

A crítica se dirige portanto à tendência a deixar em segundo plano o fato de que os fatores

locais são criados em conjunto com os fatores exógenos e constituídos em relação a esse

contexto. Agrawal (2002), desde essa análise, afirma a importância de se considerar também

elementos contextuais como o mercado, a demografia e o Estado, que podem ser definidas como

variáveis que apenas aparentemente se mantém constantes, como um pano de fundo em

determinados estudos, mas que ganham um outro papel em uma abordagem propriamente

diacrônica.

A questão que Agrawal coloca aos teóricos dos comuns se refere ao argumento sobre a

extensão, ou o alcance de micropolítica e questões de dominação/resistência. Segundo sua

argumentação, com a preocupação concentrada na gestão sustentável e nas instituições bem

sucedidas corre-se o risco de se negligenciar o fato de as instituições também serem coercitivas e

do fardo da coerção tender a recair desigualmente sobre aqueles que são mais “fracos”. Se

instituições são o produto de decisões conscientes e intencionais de indivíduos e grupos

específicos, como os fundamentos da teoria dos comuns propõem, então pode ser razoável

pensar que as escolhas institucionais por grupos poderosos visam deliberadamente tirar a

vantagem de grupos mais fracos.

O outro lado da moeda da sustentabilidade institucional então passa a ser a alocação

desigual dos benefícios a partir da gestão de recursos geridos de forma comum (AGRAWAL,

2002; GUHA e MARTINES-ALIER, 1997; ACSELRAD, 2004; ALMEIDA, 2008, 2009). Desta forma,

essa leitura crítrica de Agrawal, propondo o exame dos sistemas de uso comum em sentidos

múltiplos e históricos, pode contribuir para a compreensão de uma variedade de formações socio

territoriais no Brasil. Nessa direção, merece ser mencionado o esforço de Almeida de sistematizar,

por meio do projeto Nova Cartografia Social3, antagonismos e tensões sociais que afetam as

territorialidades e os sistemas de uso comum de segmentos camponeses. As cartografias dos

conflitos registrados localmente tem lhe permitido construir um caminho analítico que destaca

alguns traços gerais dos sistemas de uso comum da terra como característica históricas do

campesinato brasileiro. 2 Com efeito, a teoria dos bens comuns, a despeito de sua forte repercussão nas discussões contemporâneas sobre a regulação do

meio ambiente, sofreu algumas críticas quanto ao seu escopo de abordagem. Ao privilegiar sobremaneira a importância de grupos locais, o processo de desenvolvimento institucional, de transformação das normas e regras de acesso e uso de recursos comuns e os fatores que levam ao sucesso neste processo, a teoria dos recursos comuns teria deixado de apreender as dinâmicas mais gerais que incidem sobre estas iniciativas locais de gestão.

3 O Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia e o Projeto Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, sob sua coordenação e formado por pesquisadores, realiza em conjunto com os próprios movimentos sociais o levantamento cartográfico de conflitos e experiências vividas por diversos segmentos de camponeses em todo o país. Essas iniciativas têm logrado o reconhecimento de direito territorial e étnico de um grande número de comunidades rurais, por meio da criação de leis e decretos que se desdobram em políticas públicas específicas. Para saber mais, cf. SANT' ANA (2011). Cf. Também <http://www.novacartografiasocial.com>.

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Sistemas de uso comum na estrutura agrária brasileira: territorialidade e diferenciações étnicas e culturais

A produção do antropólogo brasileiro Almeida (2008, 2009) se tornou um marco referencial

para as pesquisas sobre sistemas de uso comum no Brasil. Seus estudos enfatizam as

denominadas “terras tradicionalmente ocupadas”, que expressam uma diversidade de formas de

existência coletiva de diferentes povos e grupos sociais em suas relações com os recursos da

natureza, tendo como pano de fundo conflitos ambientais e processos de territorialização com

diferentes formações históricas e suas variações regionais que lhes são correspondentes.

Um aspecto muitas vezes ignorado da estrutura agrária brasileira refere-se às modalidades

de uso comum da terra. Analiticamente, estas designam situações em que o controle dos recursos

básicos, ao contrário de ser exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico

de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros, ocorre por meio de normas

específicas instituídas para além do código legal vigente e acatadas, de maneira consensual, nos

meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares, que compõem uma

unidade social. "A atualização dessas normas ocorre em territórios próprios, cujas delimitações

são socialmente reconhecidas, inclusive pelos circundantes" (ALMEIDA, 2009, p. 39).

Almeida aponta que o significado de terra comum não encontra muita variação empírica.

Contudo, no conhecimento de dados que privilegiem a territorialidade como unidade de recorte,

uma multiplicidade de categorias semelhantes se desdobra, tais como terras de parente, terras de

preto, terras de índio, terras de santo, o que pode permitir uma aproximação aos processos

sociais estreitamente vinculados a estas normas e aos grupos que as instituem e seguem.

Para o antropólogo, a territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força.

Um conjunto de regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e

inalienável é informado por laços solidários e de ajuda mútua (exceto quando porventura haja

disposições sucessórias). As regras que disciplinam as formas de posse e uso da terra4 se

orientam por relações de consanguinidade, estreitos laços de vizinhança e afinidade ou rituais de

admissão. Mas não se reduzem à organização familiar:

Por seus desígnios peculiares, o acesso à terra para o exercício das atividades produtivas não se dá apenas por meio das tradicionais estruturas intermediárias da família, dos grupos de parentes, do povoado ou da aldeia, mas também por certo grau de coesão e solidariedade obtido em face de antagonistas e em situações de extrema adversidade, que reforçam politicamente as redes de relações sociais (ALMEIDA, 2009, p. 40).

4 "Fatores étnicos, a lógica da endogamia e do casamento preferencial, as regras de sucessão e demais preceitos em geral favorecem a indivisibilidade do patrimônio dessas unidades sociais. Para tanto, são erigidas normas de caráter consensual e consoantes crenças mágicas e religiosas, mecanismos rituais e reciprocidades econômicas positivas. A sua aceitação como legítimas não pressupõe qualquer tipo de imposição, sem constituir, portanto, resultado de injunções pelo uso da força, da persuasão política, religiosa ou do saber. Tampouco consistem em projetos elaborados para camponeses, fora de seus marcos políticos e sociais intrínsecos, ou com camponeses, de experiências de mobilização apoiadas por organizações formais" (ALMEIDA, 2009, p. 43, grifo do autor).

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As modalidades de uso comum da terra podem expressar tanto um acesso estável à terra,

como ocorre em áreas de colonização antiga, como no Sítio Riozinho, quanto evidenciam formas

relativamente transitórias intrínsecas às regiões de ocupação recente. Estes ocorrem sob as mais

variadas formas e com certos aspectos fundamentais comuns, tanto de natureza histórica quanto

relativos ao tipo de agricultura desenvolvida.

As generalizações que Almeida traça acerca dos sistemas de uso comum nas regiões de

colonização antiga em muito podem ser observados no Sítio Riozinho. Essas modalidades de

apropriação da terra emergiram como um artifício de auto-defesa e busca de alternativa de

diferentes segmentos do campesinato, para assegurar suas condições materiais de existência;

desdobraram-se marginal e simultaneamente ao sistema econômico dominante, por vezes

justamente na conjuntura de crise econômicas. Foram compondo corporações territoriais, que se

consolidaram notadamente em regiões periféricas, em meio a múltiplos conflitos, num momento

de transição em que fica enfraquecido e debilitado o poderio do latifúndio sobre populações

historicamente submissas (a exemplo de indígenas, escravos e agregados)5.

Deste modo, seu argumento salienta que os sistemas de uso comum tornaram-se

essenciais para estreitar vínculos e forjar uma coesão capaz, de certo modo, de garantir o livre

acesso à terra diante de outros grupos sociais mais poderosos e circunstancialmente distantes.

Essas formas

se impuseram não somente como necessidade produtiva quando, por exemplo para a abertura de roçados e a dominação de áreas de mata e antigas capoeiras uma só unidade familiar não bastava, mas, sobretudo, por razões políticas e de autopreservação (ALMEIDA, 2009, p. 47, grifo nosso).

Historicamente, tais sistemas tornaram-se meios estáveis de acesso e manutenção da

terra e se distribuíram de maneira desigual e descontínua por inúmeras regiões geográficas,

quase sempre cumprindo função de abastecimento de gêneros alimentícios (farinha, arroz, feijão)

aos aglomerados urbanos regionais, sem necessariamente vincularem-se entre si.

O desenvolvimento de instituições permanentes, operando com regras de aliança e

sucessão sobre o uso comum dos recursos básicos, caminho fundamental para manterem seus

domínios, proporcionou também uma relativa estabilidade do território. Porém, longe de uma

sociabilidade romantizada, a gestão econômica não se dá de maneira necessariamente igualitária,

mas sim em bases de interesses heterogêneos e diferenciações internas.

A noção corrente de terra comum é acionada como elemento de identidade indissociável

do território ocupado e das regras de apropriação, que denotam por meio de denominações

específicas a heterogeneidade das situações correpondentes (terras de preto, terras de santo,

terras de Irmandade, terras de parentes, terras de ausente, terras de herança e/ou de herdeiros e

terras de patrimônio).5 Almeida escreve que, em um sem número de situações, a falta de função da terra explica a tolerância para com as formas de uso comum. Por

outro lado, ocorreram tentativas fortemente repressivas e mesmo seu aniquilamento, em especial quando apoiadas em manifestações messiânicas e de banditismo social. Em síntese, as circunstâncias para a sua constituição se deram na ausência do grande proprietário (nas plantations) ou na debilidade de seu poder, o que conduziu a formas organizativas orientadas por uma cooperação ampliada e por formas de uso comum da terra e dos recursos hídricos e florestais.

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Interessa-nos aqui as terras de herança, as quais abrangem

domínios titulados, tornados espólios que permanecem indivisos, há várias gerações, sem que se proceda ao formal de partilha ou que seus títulos tenham sido revalidados por meio de inventários que, consoantes disposições legais, teriam de ser realizados quando da morte do titular de direito, a fim de transmiti-los a seus herdeiros legítimos (ALMEIDA, 2009, p. 53).

Para os camponeses o título só se coloca como uma defesa de seus direitos de cultivo, contra

direitos alegados por outros grupos sociais, que mantêm com a terra uma relação mercantil.

Por gerações, que vão adensando a ocupação desses domínios, além de serem

estabelecidas formas peculiares de utilização da terra que permitem classificá-las como de uso

comum, percebe-se que a apropriação individual gradativamente perde sua força num contexto

em que os recursos são por demais escassos e que reciprocidades econômicas se tornam

imprescindíveis ao grupo familiar. Ao mesmo tempo, estimulam atividades complementares e

adotam medidas para contornar pressões ambientais e demográficas, uma vez que o estoque de

terras se mantém invariável.

Nas terras de herdeiros não é comum a contratação de terceiros, tendo em vista que a

força de trabalho é composta exclusivamente por membros do grupo familiar, tampouco a partilha

formal. Ocorre também expressões semelhantes que se referem a esses espólios, como terra de

parente e terra de ausente. Esta última refere-se a casos em que houve partilha de extensões de

terra sem que herdeiros tenham se apropriado efetivamente das parcelas que lhes cabem

legalmente; estas passam a ser consideradas livres ao cultivo pelos demais componentes do

grupo familiar.

A representação da terra nas regiões em que se observam formas de uso comum remete

às regras de um direito camponês que prescrevem métodos de cultivo em extensões que podem

ser utilizadas de acordo com a vontade dos grupos familiares, sem exigência de áreas contíguas e

permanentes ou de ter o conjunto de suas práticas produtivas restringidas a uma parcela

determinada. Assim, não se registra contiguidade entre as áreas de cultivo de um mesmo grupo

familiar, de modo que seus roçados se distribuem e se dispersam por áreas consensualmente

destinadas aos cultivos. Não há também contiguidade entre essas áreas e aquelas onde se

localizam os demais recursos apropriados.

Delineiam-se, intercaladas entre as áreas de cultivo apropriadas individualmente pelos

grupos familiares, domínios de uso comum que não pertencem a nenhuma família em particular e

que são considerados vitais para a sobrevivência do conjunto das unidades familiares. Nesses

sistemas são articulados domínios de posse e usufruto coletivo, com regras de apropriação

privada. A casa e o quintal composto por jiraus de plantas medicinais, pomares e pequenas

criações avícolas são apropriados individualmente pelos respectivos grupos familiares, do mesmo

modo que o produto das colheitas e os demais frutos dos roçados. O resultado dessa ação de

trabalho pertence individualmente ao grupo doméstico que a realizou ou a um de seus membros

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em particular.

Um ponto interessante a se sublinhar na análise de Almeida é que a articulação de

domínios individuais e comuns verificada em seu levantamento empírico confronta-se com

paradigmas (jurídicos e teóricos) que os reduzem à dicotomia geralmente estabelecida entre o

privado e o comunal, entre o individual e o coletivo ou entre o legal e o fundado nos costumes. A

própria noção de posse comunal, cujo significado se encontra fortemente marcado pelas

referências às “comunas primitivas”, soa inadequada para nomear tais domínios. As

interpretações de inspiração evolucionista, para as quais um sistema de apropriação e uso

sucederia o outro, também não dariam conta de apreender a hibridez e a complexidade de tais

domínios.

Ao contrário desses tipos de análise, as noções de propriedade privada e de apossamento

pelo uso comum aparecem imbricadas nas normas camponesas, que as articulam e combinam,

realizando-se indissociadas e conjugadas em diferentes modos de organização social, dentro de

lógicas econômicas específicas: “A noção de propriedade privada existe nesse sistema de

relações sociais sempre marcado por laços de reciprocidade e por uma diversidade de obrigações

para com os demais grupos de parentes e vizinhos”.

As unidades sociais camponesas em que se encontram essas modalidades de uso da terra

não representariam totalidades homogêneas e igualitárias: justamente são atravessadas por um

grau de diferenciação interna acentuado, mas não o suficiente para gerar “antagonismos

insolúveis”.

A desigualdade no acesso aos recursos básicos ocorre no interior dessas unidades socais,

de forma que os aspectos comunais da cooperação não fazem a norma, são relacionais: “Estes

servem como elemento contrastante para fora e diante dos antagonistas que visam usurpar seus

domínios com pretensões de concentração da propriedade fundiária pelas grilagens” (ALMEIDA,

2009, p. 60).

Os domínios de uso comum se constituem numa fonte potencial de recursos essenciais,

sobretudo para os camponeses mais pobres. A consolidação da diferenciação interna leva a

tensões agudas entre os membros de grupos familiares. Pode-se dizer que as famílias abastadas

são as principais beneficiárias do sistema de uso comum. Há aqueles que, esposando um nítido

projeto de descampesinização, se empenham em dispor aquelas terras ao mercado.

As tensões transcendem a disputa familiar e afetam a unidade social como um todo. Uma

maior tecnificação, as possibilidades de comercialização e as relações de intermediação com os

poderes regionais tornam essas famílias, ou pelo menos alguns de seus membros, com maior

probabilidade de adotar um projeto de descampesinização. Por outro lado, a existência deste tipo

de disputa não siginifca que o projeto de descampesinização tenha logrado sobre os domínios

mantidos pelo grupo.

O fato de manterem uma atualidade ilustra com contundência sua “eficácia” diante dos

antagonistas e indica também que são constantes as situações de conflito e tensão que envolvem

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essas unidades sociais camponesas. Esses impasses se exprimem pelos índices alarmantes de

violência no campo e a concentração da propriedade fundiária, fatores considerados

imobilizadores6.

Por outro lado, o grau de solidariedade e coesão apresentado pelos camponeses nessas

terras de uso comum parece garantir a manutenção de seus domínios. Os vínculos sólidos que

mantêm e a estabilidade territorial alcançada expressam sua rede de relações sociais construída

numa situação de confronto e que parece ser reativada a cada novo impasse, incidindo na

resistência àquelas múltiplas pressões. Esse cenário de conflitos tornados públicos tem chamado

a atenção para essas modalidades de uso da terra como contradições da estrutura agrária

brasileria.

Almeida, ao levar essas disputas internas e externas às unidades sociais em conta, se

aproxima de uma interpretação preocupada com a existência de controle e gradientes de poder

sobre as terras de uso comum mesmo entre grupos familiares de unidades sociais camponesas, o

que complexifica a trama social desses grupos. Por outro lado, busca olhar além de tendências

analíticas lineares, que apontam tanto para sua desintegração total quanto para a unificação e

homogeneização de seus projetos nesses domínios.

O processo de modernização do litoral e suas implicações para o entendimento dos processos de gestão dos bens comuns em âmbito comunitário

Para fins de contextualização do recorte empírico, nas linhas seguintes busca-se expor

resumidamente por meio de literatura recente o diagnóstico do processo de modernização sobre o

litoral paranaense. O intuito é chamar atenção para estudos de caracterização dos processos

social, econômico e ecológico que conformaram o litoral do Paraná visando fornecer informações

mais gerais sobre a região onde se situa o Sítio Riozinho e tentar identificar os elementos que

favorecem ou dificultam as práticas de controle e de gestão dos recursos naturais disponíveis,

sobretudo as terras de uso comum, destinadas pelos camponeses do Riozinho ao plantio de

mandioca.

A partir de um panorama histórico, é possível observar as transformações na realidade

agrária do Litoral do Paraná, nas últimas cinco décadas. A implementação, por parte do governo

federal, de uma política de incentivos fiscais visando o desenvolvimento de atividades de plantio

florestal que estimulou uma série de empresas a constituírem grandes latifúndios no litoral

paranaense, apropriando-se de terras devolutas ou pertencentes aos agricultores locais para

desenvolverem novas atividades econômicas: extração da madeira e do palmito, cultivo do café,

criação de bovinos e búfalos a instalação das companhias de monocultivos florestais (ZANONI et

al., 2000).

Com vistas à consolidação deste processo, o poder público paranaense criou uma rede de

6 Os mercados informais abarcam as transações de terras e as permissões de plantio entre camponeses, que não são escrituradas e se apoiam em contratos verbais. Contradições resultantes deste cenário fazem que os sistemas de uso comum se sujeitem à pressão constante de programas de titulação que objetivam o parcelamento e a individualização de lotes. Além disso, tentativas de apossamento ilegítimo e de grilagem cartorial têm se tornado comum, acirrando um clima de conflito e tensão.

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produtivos.

Com o mosaico de unidades de conservação no litoral do estado, a população residente

passou a enfrentar situações de impasse com o governo e com conservacionistas, que queriam

proteger a paisagem multiplicando o número de unidades de conservação (TEIXEIRA, 2004;

RAYNAUT et al., 2002; ZANONI et al., 2000).

As dinâmicas sociais, econômicas e públicas ou estatais se mostraram diferenciadas no

Litoral Norte do Paraná (Guaraqueçaba) vis-à-vis o Litoral Sul. No Litoral Norte, há ações bastante

modernas e globalizadas em relação à práticas de conservação (vide as políticas de conservação

da ONG SPVS que atua com bônus para o sequestro de Carbono; a Fundação Boticário com suas

estratégias de conservação local, usando o marketing da sustentabilidade e das práticas

ecologicamente corretas, etc.). No plano simbólico, a região converte-se em novo visual (imagem

e discurso), servindo a diversos interesses.

Diante desse cenário bastante diverso, alguns autores (ANDRIGUETTO FILHO e

MARCHIORO, 2002; RAYNAUT et al. 2002, DENARDIN et al., 2008) apontam que o litoral

paranaense é fortemente marcado por um contexto de complexidades e heterogeneidades

ambientais e socioeconômicas, que em resumo se caracteriza por: variedade de ecossistemas,

desde ambientes marinhos, manguezais, aos refúgios vegetacionais de altitude; atividades

agropecuárias ou extrativistas geradoras de renda, bem como atividades de transformação como

agroindústrias caseiras; uma variedade de situações culturais, no meio urbano e rural; diferentes

situações de acesso aos recursos naturais, condicionadas pela posse da terra, pelo capital, pela

complexa legislação ambiental e grau de participação no mercado; e forte polarização industrial e

urbana, com a presença do complexo portuário de Paranaguá e das áreas urbano-turísticas da

orla sul.

Duas contradições emergem desse contexto: de um lado, o valor do litoral como patrimônio

natural e para a proteção da biodiversidade e, de outro, um quadro de subdesenvolvimento

incongruentes com os potenciais da região e com o sucesso de algumas atividades (DENARDIN

et al., 2008).

Neste sentido, o relativo isolamento vivido pelo litoral do Paraná se configura como um dos

motivos que o levou à preservação de seu meio natural que pode ser observado hoje8. Entretanto,

as condições de vida da população litorânea não correspondem às riquezas naturais; ao contrário,

sobreviver na região tem sido um desafio àqueles que dela procuram extrair sua sobrevivência

(IPARDES, 1989 apud DENARDIN et al., 2008).

Pierri et al. (2006) interpreta que a vontade política de conservar foi exercida, em grande

proporção, sob áreas de Floresta Atlântica marginalizadas economicamente, seja por dificuldades

de acesso e/ou por não apresentar − ou ter perdido − interesse econômico e produtivo. Foi

facilitada a decisão formal de criar as UCs por não se estar subtraindo recursos a grupos

8 Sonda (2002) escreve que, de um modo geral, os remanescentes florestais que chamam atenção para sua conservação no Paraná se concentram em regiões de menor desenvolvimento econômico e social, como regiões acidentadas, com solos de baixa fertilidade, marcadas por sistemas de produção familiares de subsistência ou tradicionais, em grande parte produtores pobres sem acesso aos instrumentos de políticas públicas.

Page 12: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

econômicos fortes. Ao mesmo tempo, essa circunstância redobrou as dificuldades de conquistar

ou manter as condições de sustentabilidade econômica e social para a população que mora

dentro delas ou em suas áreas de amortecimento.

Os autores acreditam que este fato faz com que a política de conservação e seus agentes

apareçam como responsáveis pela pobreza e falta de oportunidades, pelo atraso e pela

emigração existentes nessas áreas, quando as restrições de uso impostas em geral vieram

apenas reforçar os limites já existentes para o desenvolvimento, e não tanto criá-los, como muitas

vezes se interpreta. Grande parte da insustentabilidade social dessas regiões é criada e

reproduzida pelo mercado (PIERRI et al., 2006).

Algumas características básicas da vida comunitária de Riozinho: seu significado para a adoção de estratégias substitutivas às de co-gestão dos recursos naturais e do território

Internamente o Sítio Riozinho é composto por aproximadamente 70 indivíduos agrupados

em cerca de 24 famílias9. Uma peculiaridade desses camponeses é que se declaram todos de

alguma forma aparentados entre si. Possuem ancestrais comuns que fundaram a comunidade há

pelo menos 150 anos e foram formando, por meio de casamentos endogâmicos, o que o

Riozinho é hoje: basicamente uma comunidade de avós, pais, filhos, tios, primos, irmãos e

compadres.

O Sítio Riozinho se localiza na costa litorânea que rodeia os fundos da Baía de Guaratuba,

no litoral sul do Paraná. Cercada pelo rio São João, um importante afluente da baía, faz limite com

outras comunidades rurais como São Joãozinho e Descoberto a leste e Jundiaquara e Estaleiro a

sudoeste; entre as comunidades citadas, formando um cinturão, estão terras sob o domínio da

empresa de monocultivos florestais Comfloresta (IAP, 2006).

Devido à falta de estradas que ligassem essa região da baía às áreas urbanas até quatro

décadas atrás, acredita-se que a ocupação se deu na direção dos rios para o continente, uma vez

que o meio de transporte principal era por meio de embarcações a remo (ANDRIGUETTO FILHO,

1999). Atualmente o acesso ao Riozinho pode se dar tanto pelo Rio São João quanto pela estrada

de chão (que desemboca na rodovia estadual PR 412) aberta no final da década de 70 pela

empresa Comfloresta no início de suas atividades na região.

Sobre a configuração interna atual do território do Riozinho, existem subdivisões espaciais

que variam entre o que é da família, passando pelo que pertence aos núcleos familiares, à

comunidade como um todo (como as áreas de planta de uso comum) e mesmo as casas que se

fragmentam entre os que são "de fora", nomeadamente os turistas da pesca e veranistas que

adquiriram terrenos na comunidade. Uma outra subdivisão se refere à maior coesão e afinidade

entre os núcleos familiares que se localizam na ponta (ao norte) e entre os núcleos familiares da

vizinhança (ao sul).

Ao contrário de ser um território estável, em que se imprimem interações e práticas sociais

9 Este termo se refere a uma unidade doméstica composta por pai, mãe e filhos. As casas por sua vez se agrupam em núcleos familiares cujo centro é a casa do pai ou sogro.

Page 13: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

dinâmicas, pôde-se captar por meio da pesquisa qualitativa mudanças sociais significativas nos

últimos 50 anos que têm afetado a configuração desse território, dentre as quais podemos citar a

expansão dos monocultivos de pinus, a intensificação do turismo da pesca e a venda de terrenos

para pessoas de fora, a reorganização das práticas de ajuda mútua, dinâmicas migratórias

(êxodo/retorno), assalariamento, disputas interfamiliares por terras, entre outras. Essas

transformações que têm reorganizado a vida social têm vínculos diretos com eventos mais amplos

que caracterizam a história recente do litoral do estado do Paraná.

Vivendo em área com solo empobrecido mesmo para as culturas de subsistência, os

habitantes do Riozinho agregam atividades diversas seja para autoconsumo seja como forma de

gerar renda. Suas práticas produtivas se combinam e se distribuem entre os núcleos familiares de

forma heterogênea, em maior ou menor grau, o que denota uma forte diferenciação produtiva

interna ao Riozinho.

Para exemplificar, podemos citar um morador que trabalha como funcionário público

municipal e pesca aos finais de semana para o autoconsumo; além disso, faz artesanato com cipó

para vender uma vez por mês, e ainda sai para o mangue para pegar caranguejo na temporada, e

que realiza ainda a produção da farinha no engenho caseiro da família. Ou seja, as estratégias

materiais das famílias para gerar renda são marcadas pela pluriatividade, agrícola e não agrícola.

O acesso a recursos nem sempre ocorre em áreas sob o domínio da comunidade ou de

forma acordada entre os demais usuários, como é o caso dos manguezais para o lado da

desembocadura da baía, de onde coletam caranguejo na temporada de janeiro junto com usuários

de outras comunidades; o mesmo vale para a tainha, que alguns pescam na direção do Rio

Guanxuma, por exemplo, pesqueiro bastante concorrido por conta da instalação de cevas por

pescadores da comunidade Descoberto. Um outro exemplo é o cipó, cuja extração clandestina se

dá muitas vezes em terrenos particulares acessíveis somente pelos rios, em morros e florestas do

outro lado da baía. Por sua vez, o cultivo agrícola acontece em terras adjacentes às área das

suas casas, sob a gestão comunitária.

As regras de uso e de apropriação desses recursos são implicitamente acordadas

oralmente e com base nos costumes. Essas regras são múltiplas e variam em seus aspectos,

como as formas cooperativas/familiares ou individuais de coleta, beneficiamento e tecido com o

cipó; o ciclo da raiz da mandioca que implica um período de pousio que deve ser respeitado para

as parcelas na forma de rodízio; ou ainda a saída para o mangue, em que de acordo com a

função (se o morador permaneceu na embarcação como barqueiro ou se saiu para pegar

caranguejo, ou se todos fizeram rodízio) determina-se o quanto a quanto se têm direito.

De fato, existem múltiplas condicionantes que interferem na gestão desses recursos; além

dos aspectos propriamente naturais (como época da “andada” do caranguejo, o ciclo do cultivo da

mandioca, a piracema, influência da maré sobre a pesca e da chuva sobre a lavoura etc.), foi

possível identificar a importância de elementos de ordem social e política que orientam as práticas

materiais dos moradores.

Page 14: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

Verificou-se que fatores relacionados à formação social da comunidade trazem implicações

diretas sobre a configuração de seu território e sobre as formas de exploração dos recursos

naturais, como a rede de parentesco, formas de trabalho cooperativas e movimentos migratórios.

Da mesma forma, foram identificados atores e instituições externos à comunidade

(empresa Comfloresta, turistas, pesquisadores, polícia ambiental, entre outros) que influenciam

fortemente os processos de gestão comunitária dos recursos comuns.

Devido à inaptidão agrícola do solo (DENARDIN et al., 2009), principalmente para cultivos

de subsistência como o feijão e o milho, não restaram muitas opções para a agricultura,

destacando-se o arroz e a raiz de mandioca. A primeira passou a declinar já nos anos 90 com a

perda de terras de plantio para terceiros e a hegemonia no mercado dos arrozeiros das

comunidades do Norte da baía (mais capitalizadas, tecnificadas e assistidas pelas agências

agrícolas públicas), ao passo que a lavoura de mandioca persiste no Riozinho até hoje atrelada ao

funcionamento dos engenhos caseiros de produção artesanal da farinha, um forte traço cultural da

região.

O ciclo de cultivo da raiz de mandioca para atender a produção de farinha para a venda

chega a alcançar até dois anos e meio e é totalmente manual (desde o plantio, até a capina e a

colheita), somados a mais dois anos mínimos para a recuperação da terra. O período de pousio

tem sido reduzido devido a processos de territorialização envolvendo conflitos fundiários ou

mesmo sua redução por meio da venda a terceiros (não-membros da comundiade), o que os

moradores consideram que comprometeu a produtividade e em consequência a geração de renda

a partir desse cultivo.

Existem especificidades quanto à organização da lavoura: as roças não são cercadas e o

uso da terra não é individualizado, ou seja, funciona em rodízios “aleatórios” entre as famílias do

sítio, cada uma obedecendo os períodos de pousio para poder ocupar uma nova capoeira. Além

disso o plantio é realizado em mutirões que mobilizam toda a comunidade, o que eles chamam de

guajú. Com efeito, historicamente essa lógica tem estado presente direta ou indiretamente em

outras práticas produtivas, sustentando a rede de sociabilidade das famílias aparentadas.

De maneira geral, as atividades se organizam tecnicamente a partir da força de trabalho da

família, muitas vezes sendo permeada pelo endividamento mútuo gerado pela lógica do mutirão,

em que, com a insuficiência de “braços” para o trabalho árduo tanto na mata quanto na água,

surge a demanda de ajuda e assim recorre-se às famílias da mesma comunidade e também das

comunidades vizinhas. No caso da entre ajuda a família que recebe a ajuda não compartilha o

produto do trabalho, mas só retribui ou “paga” na mesma proporção do trabalho recebido, para a

família que a ajudou, reelaborando os laços de reciprocidade e de confiança a cada ciclo

produtivo (OSTROM, 1990, 1998; WOORTMANN, 1998; ALMEIDA, 2008).

O processo histórico de configuração espacial da comunidade inclui êxodos dos filhos

adultos para a cidade e para outras comunidades vizinhas, em busca de emprego e melhores

condições de vida; inclui também a chegada de veranistas e turistas em busca de um terreno para

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construir sua casa para visitas esporádicas. Essa dinâmica de mobilidade entre os moradores,

nas áreas individualizadas, aqueceu as iniciativas de compra e venda de casas e terrenos e

também possibilitou a tomada de novas posses de terrenos aparentemente abandonados por ex-

moradores em êxodo.

Algumas famílias que se mudaram abandonavam efetivamente a posse, outras

continuavam pagando impostos e fizeram a documentação das terras e geraram herdeiros.

Destes últimos, alguns voltaram à comunidade pleiteando o direito às terras e exigindo a

desocupação das famílias que passaram a morar nas casas abandonadas. Em outros casos,

algumas famílias que voltaram, como é o caso de uma moradora cuja mãe faleceu e deixou

grande terreno na ponta, ela permitiu que a família de um primo que ocupou seu terreno na sua

ausência permanecesse na terra que fora de sua mãe e da sua família, abrindo mão da briga

juridica. Esses processos dinâmicos de êxodo e de retorno também geram conflitos e

reconfiguram as áreas das casas.

Vale citar a iniciativa particular de uma família de moradores atuais frente às ameaças de

retomada das terras, por parte de herdeiros que não moram lá. Essa família, cujas roças e casa

ficam na ponta, decidiu contratar um advogado particular e um agrimensor para formalizar a

ocupação e a posse, e também a área da roça. No entanto, essa decisão foi isolada e gerou

hostilidade diante dos outros moradores da vizinhança, que não cercam suas roças.

No que se refere à possibilidade de documentação oficial e regularização fundiária das

posses, o que se ouviu dos moradores foi que um advogado de um órgão estadual, o Instituto de

Terras, Cartografia e Geociências, realizou uma reunião ali com o intuito de iniciar o processo de

regularização fundiária. A vinda do advogado era um assunto comum quando se falava de roça e

da expansão do pinus na região.

Nessa conversa com o advogado, os moradores foram chamados para discutir a

demarcação das áreas da comunidade que deverá acontecer em duas etapas: primeiramente

serão demarcadas as áreas de “posse”, ou os quintais onde ficam suas casas, e, depois, farão a

demarcação da área comum onde se planta a roça. Foi para essa etapa relacionada à área

comum, que deve acontecer num segundo momento do processo de regularização, que eles

apresentaram o impasse que dividiu as opiniões dentro da comunidade, uma controvérsia

relacionada às opções apresentadas pelo advogado do estado.

O que sucitou discussão foi a maneira como eles poderiam pensar a repartição das áreas

comuns de roça. Uma opção seria documentar a terra coletivamente, levando em conta o histórico

de uso comum do espaço da roça, a qual é eleita de forma rotativa, de acordo com as

oportunidades. Desta forma, a rotação dada pela escolha “aleatória” da capoura se manteria, mas

filhos e netos estariam impossibilitados de herdarem aquelas áreas pelo fato de que a área

coletiva pertenceria à associação montada.

Como a área da roça é pequena, cerca de 25 hectares a serem fracionados entre 29

famílias que cultivam a mandioca e produzem farinha para venda, surge o problema de se refletir

Page 16: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

sobre as vantages e desvantagens seja do espaço individualizado seja do espaço coletivo,

impondo-lhes o dilema de se pensar ora na produção do presente ora no futuro dos filhos e netos,

principalmente aqueles que emigraram para os centros urbanos, que poderão herdar as terras

futuramente.

A despeito da polêmica, o advogado, até o momento da última visita a campo, não tinha

retornado à comunidade, de acordo com o que indicam os depoimentos. Ele ficou de voltar para

dar continuidade ao processo de regularização baseado nas decisões coletivas, depois da reunião

que ele propôs que os moradores realizassem entre eles mesmos. As famílias se reuniram,

contudo não entraram num acordo relacionado à modalidade fundiária formal, possível nos

marcos legais e, ao mesmo tempo, a que melhor se adeque às peculiaridade da territorialidade e

das relações sociais comunitárias.

No Riozinho embora os sistemas de regras informais predominem sobre os formais, devido

à baixa institucionalização das normas escritas e instituídas pelo Estado, talvez esta variável,

juntamente com o sistema de parentesco, que garante uma amálgama na sociabilidade

comunitária, aliados aos sistemas de entre ajuda ou ajuda mútua, possam explicar em alguma

medida determinadas estratégias de reprodução da comunidade; esta, em que pese ser

pressionada pelos agentes externos e em grande medida intercambiando com eles mecanismos

de adoção de renda e emprego, consegue estabelecer mecanismos de intercâmbio e de co-

existência, muito embora eivados por conflitos que se expressam pelo controle do território, dos

usos dos recursos naturais, pela invasão do espaço (reterritorializando/desterritorializando), como

é o caso das práticas do monocultivo e do turismo.

Essas transformações das últimas quatro décadas, como a análise dos dados empíricos

indica, parecem ter sido acarretadas num primeiro momento pela abertura da estrada de chão e

pela chegada da eletricidade, dois eventos que alteraram consideravelmente a vida na

comunidade. De fato, a chegada da empresa Comfloresta é marcante na história das

comunidades do sul da baía, mas possui um caráter ambíguo: se por um lado a chegada do

empreendimento na região trouxe empregos temporários e sazonais para centenas de moradores

pauperizados e resultou na abertura da estrada, diminuindo o isolamento geográfico da área, por

outro lado, sua chegada foi predatória sobre grandes áreas de floresta, devastadas em poucos

anos ao mesmo tempo em que seu perfil de inserção foi impositivo e levou ao êxodo em massa de

famílias que tinham suas terras vendidas por valores abaixo do mercado ou invadidas, reduzindo

o território das populações nativas que permaneceram.

Em seguida, os moradores se depararam com novas mudanças promovidas pela

valorização imobiliária que atrai principalmente turistas da pesca e veranistas “neo-rurais”,

motivadas também pelo fluxo emigratório, pelo envelhecimento da mão-de-obra dos que ficaram,

e também em decorrência de restrições ambientais produto da implementação da APA de

Guaratuba.

É importante considerar que a maior parte das decisões formais que se referem a novas

Page 17: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

formas de apropriação dos espaços e recursos naturais vem de fora do litoral, tomadas com base

em orientações do mercado ou do Estado. A legislação ambiental, dos órgãos ambientais e as

dinâmicas administrativas da APA, organizadas via conselho gestor, parecem ser “entidades”

bastante distante da realidade dos moradores. Os relatos dos moradores expressam essa

interferência, permeada por ambiguidades.

Quanto à lavoura e sua relação com as restrições ambientais, a fiscalização recai mais

sobre o período de queimadas. Prevenindo-se da fiscalização e de eventuais multas, os

moradores que fazem sua roça perto do banhado, da estrada e das plantações de pinus, áreas

consideradas críticas em termos da legislação vigente e da ocupação massiva e quase

onipresente do pinus, optam por realizar a queimada para o preparo do terreno durante à noite,

em “bolas” (parcelas) distantes das estradas e casas, clandestinamente.

Em alguns relatos sobre o cultivo do arroz no passado, e hoje da mandioca, surgiu o

assunto das multas. A morosidade para se fornecer a licença para a queimada e os obstáculos da

burocracia, na Emater, foram mencionados como obstáculos para se fazer o processo em

concordância com o que exige a lei. Mesmo com o pagamento da devida taxa, a vistoria leva um

tempo que o cultivo, com vistas à obtenção de renda, não pode esperar.

Os relatos dos que já foram multados evidenciam uma tensão latente entre os órgãos

ambientais de controle e a população. Porém, as restrições não impedem a continuidade das

queimadas. O contexto descrito, que parece não ser apenas local, mostra a inexistência de

diálogo e de busca de soluções para o impasse. O cultivo dentro e fora da comunidade vai se

tornando clandestino para se manter, o que ilustra a falta de reconhecimento e de valorização da

cultura da mandioca, por parte dos agentes ambientais e demais instâncias do poder público.

Pode se dizer que, as interações com agentes e instituições externos não ocorre de forma

simétrica, adquirindo mais um caráter de subordinação e adaptação ou apropriação. Estes são

diversificados, conseguem tirar mais vantagem da relação de poder existente e representam, em

grande parte das situações, uma posição ambígua, ao mesmo tempo de benefício e ameaça

(SCHMITZ et al., 2009), como pode ser observado no caso da Comfloresta e dos turistas, e

mesmo da fiscalização ambiental. Isto reforça o que foi indicado no início sobre situações de

disparidade ou de assimetrias nas formas de distribuição do poder, beneficiando mais alguns

atores do que outros.

Considerações finaisO litoral do estado do Paraná é um cenário repleto de espaços rurais imbricados de forma

contraditória, senão oposta. As dinâmicas do capital vão além do simples capital produtivo, ligado

à formação de uma burguesia agrária ou de produtores capitalizados (tecnificados), como é o

caso da agricultura capitalista no Paraná.

Tratou-se de mostrar aqui que a região do litoral, em que pese suas características

próprias e singulares, “avessas” ao processo de modernização agrícola do Paraná como um todo,

Page 18: MUDANÇAS SOCIAIS E USO COMUM DA ÁREA DE PLANTA EM ...

sofreu uma pressão do capital e das políticas de Estado. Os efeitos da modernização no litoral se

fazem ouvir pela expansão dos serviços de turismo na orla marítima, pela introdução de culturas

agropecuárias e florestais e a instalação de empresas modernas no reflorestamento, na expansão

da infra-estrutura de exportação (o porto de Paranaguá), especulação imobiliária e processo de

apropriação violenta do território (terras devolutas, grilagem), mas também com um

reordenamento territorial por parte do Estado, ditado pela nova legislação ambiental, contida na

Constituição Federal de 1988.

Por sua vez, as populações locais do litoral se voltam a um modelo de reprodução

tipicamente mercantil. Trata-se de práticas ou realidades de uma economia de subsistência, que

encontra desafios frente aos processos tecnológicos e de mercado modernos (capital imobiliário,

especulação imobiliária, ação violenta de proprietários e políticos, práticas ilícitas, concentração

fundiária por ilícitos ou por processos econômicos, a exemplo do reflorestamento, etc.).

Algumas variáveis favoráveis a essas transformações irão apresentar um quadro sui

generis e diferente portanto das outras regiões. Neste sentido, variáveis culturais vinculadas às

estratégias de reprodução das comunidades do entorno da Baía de Guaratuba, seus vínculos com

a natureza (extrativismo animal e vegetal, práticas agrícolas e economia mercantil simples), com a

organização do trabalho predominantemente dividida entre a família e entre os vizinhos, estrutura

e laços familiares, uso comum da terra, deram conteúdo à formação típica dessas comunidades.

Constatou-se que a heterogeneidade de práticas materiais que os moradores mobilizam

podem ser entendidas como parte de suas estratégias de resistência para interagir com as novas

adversidades e pressões com que se deparam em seu espaço de vida e trabalho, buscando

assegurar sua sustentabilidade e reprodução social. Contudo, não fica muito explícito o significado

das estratégias conflituosas que derivam das tensões e controles diversos (por agentes estatais e

econômicos privados). Esses conflitos entretanto existem e estão na base das dificuldades de

buscar soluções em que os interesses dos moradores sejam levados em conta quando se adotam

intervenções sobre o território da comunidade.

Verificou-se que fatores relacionados à formação social da comunidade trazem implicações

diretas sobre a configuração do território da comunidade e sobre as formas de exploração dos

recursos naturais, como a rede de parentesco, formas de trabalho cooperativas e movimentos

migratórios. Da mesma forma, foram identificados atores e instituições externos à vida

comunitária (empresa Comfloresta de monocultivos florestais, turistas, pesquisadores, polícia

ambiental etc.) que influenciam fortemente os processos de gestão comunitária dos recursos

comuns. Dentre esses fatores externos podemos citar pressões relacionadas ao avanço de

monocultivos florestais inseridos por empresas extra locais, aos desdobramentos da criação da

APA de Guaratuba como a intensificação da fiscalização e do policiamento ambiental, as

iniciativas recentes de regularização fundiária fruto da ação conjunta da prefeitura e do governo

estadual, outras pressões advindas do mercado imobiliário com a valorização das terras e com o

recente crescimento do turismo, por exemplo.

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As alterações na paisagem do território em relação às novas normas para o uso da terra

(restrição para o plantio pela empresas de reflorestamento) e do mar, e em relação à pesca

(fiscalização da polícia ambiental), alteraram as regras sociais das comunidades locais, sem que

houvesse a contrapartida de disponibilização de assistência técnica voltadas para áreas que

passaram a ser protegidas (FERREIRA, 2010).

Neste sentido, a análise de Teixeira (2004) sobre a realidade das comunidades afetadas

pela criação da APA de Guaraqueçaba pode se estender para as comunidades do sul da baía de

Guaratuba, se pensarmos que ambas possuem uma história semelhante. Localizadas no litoral

paranaense, as duas vivenciam simultaneamente as dificuldades comuns no meio rural brasileiro,

especialmente para os pequenos agricultores familiares (precariedade de serviços públicos,

ausência de crédito e políticas agrícolas etc.), e os bloqueios específicos ao manejo e uso dos

recursos naturais impostos pelos órgãos ambientais, estes advindos da legislação ambiental, que

são mais severamente aplicados em Unidades de Conservação.

A despeito das transformações ocorridas nos espaços rurais do litoral, verifica-se a

permanência do sistemas de uso comum, constantemente reelaborada e negociada, no processo

de des-re-territorialização. Desta forma, é possível dizer que os usos e as restrições dos bens

naturais territorializados são determinados pela sobreposição de diversos fatores externos, além

dos fatores propriamente endógenos relacionados às regras e instituições nativas, os quais

mudam e se atualizam ao longo do tempo. Esses resultados apontam para a possibilidade de se

olhar tais relações sociais a partir do que foi proposto pelos autores elencados que

complementam o enfoque institucional da teoria dos comuns.

Do ponto de vista do marco teórico elencado, pode-se dizer que uma vez que as

instituições podem ser apreendidas como uma expressão de alinhamentos políticos, olhar as

relações políticas no interior de comunidades e fora delas pode ajudar a produzir uma

compreensão mais acurada dos elementos que envolvem a criação ou reformulação de

instituições em torno dos recursos comuns. Não se trata, portanto, apenas de fornecer soluções

técnicas a problemas objetivos de desenvolvimento e conservação da natureza: os problemas e

suas soluções são eles mesmos parte de um processo político.

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