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EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE DIADEMA/SP
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO
PAULO, por meio dos seus órgãos de execução
signatários, vem, à presença de Vossa Excelência,
com o devido acatamento e respeito, com fundamento
no artigo 5º, LXIX e LXX da Constituição Federal,
artigo 21 da 12016/2009, artigo 3º-A, II e III,
artigo 4º, III, VII e IX da Lei Complementar 80/94,
impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
com pedido de liminar
em face do MUNICÍPIO DE DIADEMA, ente da
Federação, pessoa jurídica de direito público
interno, que deve ser citado, conforme preceitua o
artigo 12, inciso II, Código de Processo Civil, na
pessoa do seu Chefe do Executivo, sito Rua
Almirante Barroso, n° 111, Vila Santa Dirce,
Diadema/SP, CEP 09912-170, apontando-se como
Avenida Sete de Setembro, 399 – 1º andar – Diadema/SP – CEP: 09912-010 – Tel: (11) 4057-4440
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autoridades coatoras o Sr. Prefeito, MARIO WILSON
PEDREIRA REALI , notificado em seu gabinete na Rua
Almirante Barroso, n° 111, Vila Santa Dirce,
Diadema/SP, CEP 09912-170 e os Srs. Arquimedes
Andrade e José Tadeu Mota , secretários municipais
de Defesa Social e Diretor de Eventos da
Prefeitura, respectivamente, a serem notificados na
Rua João Almeida, nº352, Centro, Diadema, CEP
09920-140, haja vista os seguintes fatos e
fundamentos jurídicos:
I – DA SÍNTESE FÁTICA
O presente mandado de segurança tem como
objeto a tutela jurisdicional aos direitos
coletivos de liberdade de expressão e de liberdade
de reunião , ambos de matiz constitucional, para
que, em Diadema , também possa ser realizado o
encontro cívico conhecido como Marcha da Maconha ,
evento que vem ocorrendo, em 2012, em diversas
cidades do Brasil, com respaldo amplo do Supremo
Tribunal Federal, como amplamente divulgado pela
grande mídia.
Urge, portanto, inicialmente, demonstrar
que o coletivo Marcha da Maconha possui objeto e
organização próprios, como se extrai de sua carta
de princípios :
‘A Marcha da Maconha Brasil é um
movimento social, cultural e político, cujo
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objetivo é levantar a proibição hoje vigente
em nosso país em relação ao plantio e consumo
da ‘cannabis’, tanto para fins medicinais
como recreativos. Também é nosso entendimento
que o potencial econômico dos produtos feitos
de cânhamo deve ser explorado, especialmente
quando isto for adequado sob o ponto de vista
ambiental.
A Marcha da Maconha Brasil não é
um movimento de apologia ou incentivo ao uso
de qualquer droga, o que inclui a ‘cannabis’.
No entanto, partilhamos do entendimento de
que a política proibicionista radical hoje
vigente no Brasil e na esmagadora maioria dos
países do mundo é um completo fracasso, que
cobra um alto preço em vidas humanas e
recursos públicos desperdiçados.
A Marcha da Maconha Brasil não tem
posição sobre a legalização de qualquer outra
substância além da ‘cannabis’, a favor ou
contra. O nosso objetivo limita-se a promover
o debate sobre a planta em questão e
demonstrar para a sociedade brasileira a
inadequação de sua proibição.
A Marcha da Maconha Brasil tem
como objetivo agregar todos aqueles que
comunguem dessa visão, usuários da erva ou
não, que desejem colaborar de alguma forma
para que a proibição seja derrubada.
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Os que estão presos pelo simples
fato de plantar a ‘cannabis’ para uso pessoal
são considerados presos políticos, assim como
todos aqueles que estão atrás das grades sem
ter cometido violência nenhuma contra
ninguém, por delitos relacionados a esse
vegetal que o conservadorismo obscurantista
teima em banir.
Para atingir os seus objetivos, a
Marcha da Maconha Brasil atuará estritamente
dentro da Constituição e das leis. Não
abrimos mão da liberdade de expressão, mas
também não promovemos a desobediência a
nenhuma lei. Entretanto, reconhecemos que se
a sociedade tem o dever de cumprir a lei
elaborada e aprovada por seus representantes
eleitos, os legisladores devem exercer a sua
função em sintonia com a evolução da
sociedade.
Uma vez por ano, simultaneamente
com o movimento internacional ‘Global
Marijuana March’, a Marcha da Maconha Brasil
organizará e convocará manifestações públicas
pela legalização da ‘cannabis’. Além disso,
também poderão ser organizadas outras
atividades, tais como seminários,
conferências e debates, inclusive em
colaboração com outros grupos e movimentos,
nacionais e estrangeiros.’
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O coletivo Marcha da Maconha, como forma
de alcançar a devida capilaridade de divulgação de
seus ideais, atua de forma descentralizada, de
forma que há, no âmbito da Região Metropolitana de
São Paulo, a Marcha da Maconha ABC.
Todos os organizadores do evento na
região do ABC estão identificados na documentação
que acompanha a presente impetração, com
identificação pessoal e comprovante de residência.
Conjuntamente, passaram, desde o início do ano, a
organizar a Marcha da maconha em Diadema, como bem
retrata termo de declarações juntado.
Assim, consta que, em 25 de janeiro de
2012, o coletivo expediu ofício para a Prefeitura
de Diadema, para o Comandante da Polícia Militar e
para a Companhia de Engenharia de Tráfego do
Município (documento em anexo), ocasião em que
solicitava “apoio para a realização de evento
público”.
Neste primeiro documento, foi externado o
objetivo do encontro, sua data e local. Assim,
informou-se, desde o primeiro momento, que o evento
Marcha da Maconha, concretização do direito de
reunião, em Diadema, ocorrerá no dia 26 de maio de
2012, a partir das 13h, na Praça da Moça, cujo
objetivo seria “a manifestação pública por mudanças
na Lei 11343/2006 a fim de regulamentar o uso,
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comércio e produção da planta cannabis sativa L.”.
Mais ainda, acrescentou-se que “o evento tem
caráter pacífico e democrático”. Em anexo, consta
cópia do ofício, com protocolo da Prefeitura de
Diadema.
A postura do coletivo é digna de elogio,
pois foi além do mero prévio aviso exigido pela
Constituição Federal (artigo 5º, XVI). Talvez já se
vislumbrasse que o tema, por ser defendido por uma
minoria, pudesse encontrar alguma resistência do
Poder executivo municipal.
Pois bem. Em resposta ao ofício expedido
pelo coletivo, a Prefeitura de Diadema respondeu. E
respondeu, pasme, Excelência, positivamente . Assim,
consoante documentação em anexo, no ofício OF – GP
nº50/12, consta o seguinte:
“Em resposta ao ofício 01/12, solicitando a
cessão de uso da Praça da Moça para a
realização do evento “Marcha da Maconha –
2012”, no dia 26/05 à partir das 13h,
comunicamos que a solicitação será atendida”
– grifos do original.
Assim, com o aceite por parte do Poder
Público Municipal, foi realizada reunião no 24º
Batalhão da Polícia Militar, com participação do
Capitão da PM, Sr. Roberto Laguna Ornellas, do 1º
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Tenente da PM, Sr. Robinson Luiz Carota, e dos
senhores Bruno Logan Azevedo e Ícaro Monteiro
Rizzo, ambos representantes do movimento. Na
reunião, iniciaram tratativas para melhor organizar
o evento, com detalhamento da programação, como
segue, em transcrição do original:
“Os representantes informaram a seguinte
proposta de programação:
- 13h00min Concentração na Praça da Moça
- 14h00min Caminhada: Av. Alda, Av. Antônio
Piranga (corredor do troleibus) até a Av.
Fábio Eduardo Ramos Esquivel, entrando pela
esquerda pela Av. São José até Rua Izaurino
Lopes da Silva, Praça da Moça;
- 15h00min nova concentração na Praça da Moça
para debates sobre o tema;
- 17h encerramento”.
Na ata da reunião, que segue em anexo,
constam outros detalhes, inclusive o subtema do
evento, em Diadema: “o policial também é vítima na
guerra as drogas”.
A gritaria política, então, deve ter se
iniciado. Explique-se: em verdadeira postura
contraditória (e, como se demonstrará, abusiva,
ilegal e inconstitucional), o Município passou a
adotar postura refratária ao movimento cívico e de
livre manifestação de ideias.
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Assim, em 22 de março de 2012, o Sr.
Osvaldo Misso, Chefe de gabinete do Prefeito de
Diadema, expediu ofício para o coletivo Marca da
Maconha ABC (cópia em anexo), pedindo “aos
idealizadores do evento em referência para que
(...) busquem espaços adequados para discutir as
mudanças pretendidas da lei Federal nº11343/2006”.
Em resposta, foi publicada carta aberta
(que também foi encaminhada ao Prefeito de Diadema)
com o objeto de reafirmar os valores que norteavam
a Marcha da Maconha, bem como a intenção de
prosseguir no intento, especialmente porque
respaldados pela Corte Suprema do Brasil.
Ao final deste processo acima narrado,
veio, em verdadeira síntese arbitrária, o ato
coator aqui atacado: a derradeira e irrestrita
proibição do evento no território de Diadema .
Deveras, em 18 de abril de 2012, as
autoridades coatoras, senhores Arquimedes Andrade e
José Tadeu, notoriamente cumprindo orientação do
Sr. Prefeito, Mario Reali, encaminharam ao coletivo
Marcha da Maconha o OF.SDS nº81/212, que segue em
anexo. Segue, no que interessa, transcrição do
texto, in omissis:
“Prezado Senhor,
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Venho informar a vossa senhoria
que a Prefeitura Municipal de Diadema não
autoriza o uso da Praça da Moça para a
realização da ‘Marcha da Maconha Diadema’, no
dia 26 de maio, 13h, na Praça da Moça. (...)
O município, como ente federado
tem autonomia política para deliberar sobre o
uso de seu espaço urbano. Neste sentido e
considerando todo o exposto, e o interesse
público maior, não autoriza o uso do espaço
público para realização da Marcha da Maconha
no território de Diadema ” – grifos nossos.
O Município, a par de tentar justificar,
longamente, sua posição, ao final, pura e
simplesmente, destaca a intolerância, a indiferença
para com grupos minoritários, a falta de diálogo e,
em última instância, o completo desrespeito ao
livre pensamento e à liberdade de reunião.
Ora, fosse garantida a liberdade de
expressão e de reunião apenas para a defesa de
ideias majoritárias e defendidas pelo Poder
Público, estaríamos defronte a um direito sem
qualquer utilidade prática. É justamente nos casos
de grupos minoritários, de ideias que conflitem com
a massa hegemônica, que os direitos que se pretende
tutelar ganham corpo e importância.
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Do ato impugnado, extrai-se, a um só
tempo: (i) a completa proibição da Marcha da
Maconha em qualquer espaço público de Diadema; (ii)
a fundamentação em pura discricionariedade
administrativas, eis que “a marcha da maconha
conflita, colide, com as políticas públicas
desenvolvidas pela Prefeitura”.
Como se verá, essa decisão é
absolutamente abusiva, violando diretamente a
Constituição Federal e afetando o direito coletivo
de todos os potenciais participantes da marcha da
maconha em Diadema.
II – DO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO
Narrada a trama fática que antecedeu a
presente impetração, é preciso demonstrar o
adequado cabimento da escolha processual ora
eleita.
Assim, algumas linhas devem ser dedicadas
para demonstrar que o mandado de segurança é o meio
adequado para a tutela do direito de reunião; que
pretende-se tutelar um direito essencialmente
coletivo; e que há prova pré-constituída (“direito
líquido e certo”) apta a demonstrar o direito e o
ato abusivo.
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O cabimento do mandado de segurança para
a adequada tutela do direito de reunião e das
liberdades que lhe são correlatas é apontado pela
doutrina especializada. Assim, leciona MENDES que
“a defesa do direito de reunião, quando se defronta
com uma ação estatal, terá no mandado de segurança
o instrumento hábil para se desenvolver” 1.
Ademais, a natureza coletiva da
impetração também é pertinente. Deveras, o que se
pretende tutelar nesta impetração não é exatamente
o direito de os organizadores realizarem o ato, mas
sim o direito coletivo em sentido estrito de todos
os potenciais participantes do encontro a ser
realizado . Pretende-se garantir, portanto, o
direito de reunião (coletivo, na própria essência)
de todos aqueles cidadãos que, no dia 26 de maio de
2012, se dispuserem a participar, discutir,
criticar e exercer suas liberdades de expressão,
pensamento e reunião. Com a proibição do Município,
esse direito coletivo está sendo violado, pois
impede-se, desde já, o livre pensar e a
possibilidade de reunirem-se para defenderem,
conjuntamente, um objetivo comum.
Por fim, presente também o direito
liquido e certo, aqui entendido como instituto
1 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, página
400.
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processual, no sentido de “a prova da violação ou
iminência de violação à afirmação do direito do
impetrante deve ser feita de plano com a petição
inicial, isto é, deve apresentar-se em forma
documental, vedada a dilação probatória ao longo do
processo”2. Ora, é justamente o que aqui ocorre. A
proibição, expressa, clara, inconfundível, foi
exarada em ofício escrito expedido por autoridades
do Município de Diadema. De igual maneira, todos os
elementos que conformam o direito de reunião e
demonstram, por conseguinte, sua necessidade de
tutela, estão comprovados em meio documental nos
autos.
III – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA.
Inicialmente, é preciso advertir que o
termo “ação civil pública” designa gênero,
abrangendo qualquer tipo de demanda que procure
tutelar direitos coletivos lato sensu, pouco
importe o procedimento a ser adotado. Assim,
entende-se que o mandado de segurança coletivo é,
em última análise, também uma ação civil pública.
Feita essa advertência, pode-se afirmar
que a doutrina e a jurisprudência já assentaram a
plena legitimidade da Defensoria Pública para o
ajuizamento de demandas que busquem tutelar
2 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.
e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 24, nota de rodapé nº6-A.
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direitos difusos, coletivos ou individuais
homogêneos.
Assim, em 15 de janeiro de 2007, foi
publicada a Lei Federal nº. 11.448, que
expressamente admitiu a legitimidade da Defensoria
Pública para a propositura da ação civil pública ao
inserir esta instituição no rol presente no artigo
5º da Lei nº. 7.347 de 24 de julho de 1985.
Não é demais lembrar que a Constituição
Federal, em seu artigo 134, dispõe que à Defensoria
Pública incumbe a assistência jurídica integral e
gratuita aos necessitados. Por conseguinte, o
objetivo da Defensoria Pública é de servir como
instrumento para o acesso a ordem jurídica justa
dos necessitados, seja sob o aspecto econômico,
seja sob o aspecto jurídico. Decerto, sem a ação
civil pública a Defensoria Pública não conseguiria
cumprir a sua vocação constitucional, que, em
última análise, visa a promoção da dignidade da
pessoa humana.
Confirmando esse entendimento, foi
promulgada e publicada a Lei Complementar 132, de
07 de outubro de 2009, que alterou a Lei
complementar 80/94, que estabelece normas gerais
sobre as Defensorias Públicas. Nesse diploma,
consta, expressamente , como função institucional da
Defensoria Pública “promover ação civil pública e
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todas as espécies de ações capazes de propiciar a
adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou
individuais homogêneos quando o resultado da
demanda puder beneficiar grupo de pessoas
hipossuficientes”.
Especificamente sobre o Mandado de
Segurança Coletivo, a doutrina mais atualizada, já
sob a influência da Lei 12.016 de 07 de agosto de
2009, conclui pela legitimidade ativa do Ministério
Público e da Defensoria Pública para a impetração
do remédio constitucional. Nesse sentido, o
magistério doutrinário de Cassio Scarpinela Bueno:
“O mesmo raciocínio deve ser empregado para
concluir pela legitimidade da Defensoria
Pública para a impetração do mandado de
segurança coletivo. Não só por força de seus
misteres constitucionais (artigo 134 da
Constituição Federal) e do artigo 5º, II da
Lei 7347/1985, com a redação dada pela Lei
11.448/2007, prevê com relação à sua
legitimidade para a ‘ação civil pública’, mas
sobretudo diante do que dispõem os incisos
VII, VIII e IX do art.4º da Lei Complementar
80/1994, na redação da Lei Complementar
nº132/2009, que evidenciam a importância de
as funções daquela Instituição também deverem
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ser desempenhadas no âmbito do ‘direito
processual coletivo’”3.
Por fim, o objeto do presente mandado de
segurança circunscreve-se, com exatidão, aos
objetivos e funções institucionais da Defensoria
Pública, notadamente a “afirmação do Estado
Democrático de Direito” (art.3º-A, II), “a
prevalência e efetividade dos direitos humanos”
(art.3ºA, III); “promover a difusão e a
conscientização dos direitos humanos, da cidadania
e do ordenamento jurídico” (art.4º, III) e
“promover a mais ampla defesa dos direitos
fundamentais dos necessitados, abrangendo seus
direitos individuais, coletivos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais, sendo
admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art.4º,
X, todos dispositivos da Lei complementar nº80/94).
Assentada a legitimidade ativa da
Defensoria Pública, é preciso que se analise,
enfim, o direito assegurado, de forma potencial, à
toda coletividade de Diadema.
IV – DO DIREITO DE REUNIÃO. CONFORMAÇÃO E PROTEÇÃO.
3 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.
e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 166.
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O ato abusivo impugnado consegue, a um só
tempo, violar a liberdade de expressão, o direito
de petição e a liberdade de reunião. É inegável,
contudo, que o principal direito violado é
justamente aquele previsto no artigo 5º, XVI da
Constituição Federal, que estipula o seguinte:
“todos podem reunir-se pacificamente, sem
armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde
que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo
local, sendo apenas exigido prévio aviso
à autoridade competente”.
Ao violar esta liberdade, o ato, por via
indireta, acaba interferindo decisivamente naqueles
outros direitos, notadamente porque “a liberdade de
reunião é daquelas que podemos denominar de
liberdade-condição, porque, sendo um direito em si,
constitui também condição para o exercício de
outras liberdades: de manifestação do pensamento,
de expressão de convicção filosófica, religiosa,
científica e política, e de locomoção” 4.
Assim, é preciso que se demonstre, no
presente caso, que estão presentes os elementos de
4 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 35ª edição, revista e
atualizada. Editora Malheiros, página 265.
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configuração e validade da liberdade de reunião,
indevidamente cerceada pelas autoridades coatoras.
Com espeque no magistério doutrinário em
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e
Paulo Gustavo Gonet Branco, é possível identificar
5 (cinco) elementos de configuração do direito de
reunião.
Tem-se, assim, um elemento subjetivo,
consistente em “um agrupamento de pessoas”. É
preciso, ainda, que haja “um mínimo de
coordenação”, de forma que “a aglomeração deve ser
o resultado de uma convocação prévia à coincidência
de pessoas num mesmo lugar”. Este seria, por sua
vez, o elemento formal. Exige-se, ainda, um
elemento teleológico, haja vista que “as pessoas
devem estar reunidas com vistas à consecução de
determinado objetivo”.
Acrescenta a doutrina citada que “o
agrupamento de pessoas, no direito de reunião, é
necessariamente transitório, passageiro”, no que se
designa por elemento temporal. Por fim, exige-se
que a reunião deve ser pacífica e sem arma,
denominado, pelos autores, de elemento objetivo.
A leitura atenta da síntese fática supra
mencionada permite constatar, com clareza, a
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presença de todos esses elementos, de resto sequer
contestados pelo Município.
Deveras, a Marcha da Maconha possui,
ainda que sem formalismos jurídicos, uma verdadeira
coordenação, tanto nacional, quanto local, o que se
comprova, como adiantado, pelo termo de declarações
em anexo, pelos diversos ofícios expedidos pelo
coletivo (e juntados nesta impetração), bem como
pela documentação pessoal dos organizadores.
Ademais, como decorrência desta
coordenação, tem-se um prévio agendamento e, mais
que isso, prévia convocação de manifestantes, tanto
pela mídia (diversas reportagens de periódicos
locais noticiaram a marcha, como se constata dos
documentos juntados em anexo), quanto por ampla
divulgação em sítios na web (confira-se, v.g, os
sítios www.marchadamaconha.org e
www.grownroom.com.br ).
Na sequencia, também está bem demonstrado
que a reunião possui propósito específico, no caso,
promover o debate e a difusão de ideias “sobre
mudanças na lei 11343/2006 a fim de regulamentar o
uso, comércio e produção da planta cannabis sativa
L.”.
Quanto ao ponto, aliás, revela completo
desconhecimento da questão o Município, quando
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pretende equiparar “regulamentação” a livre
comércio, como tentou fazer em sua derradeira
manifestação, justamente o ato coator. Ora, sabe-se
que há distinta concepção sobre os termos
descriminalização, regulamentação ou legalização e
liberação das drogas. O primeiro destes denota que
o uso e o comércio de drogas deve passar ao largo
do trato criminal, não merecendo, portanto,
repressão punitiva (como vem acontecendo no
Brasil). A regulamentação ou legalização, por sua
vez, representa a aposição de regras e
condicionantes sobre o uso e o comércio de
entorpecentes, estabelecendo restrições para essas
atividades, como, de resto, ocorre com o consumo e
venda do tabaco (restrições ao local de uso;
restrições à venda e propaganda, etc). O livre
mercado, por fim, difere dos dois anteriores, pois
representa, ao menos à primeira vista, a verdade
vigência do “Laissez-faire, laissez-passer, le
monde va de lui-même”, na melhor concepção liberal
de Adam Schmitd. Não é preciso conhecer por dentro
do movimento (como não conhece a Defensoria
Pública), para perceber o real propósito do
movimento, donde se extrai a parca percepção
técnica do Município.
Prosseguindo. Presente também está, no
caso, o elemento subjetivo, no caso, o “agrupamento
de pessoas”. Talvez não como no Rio de Janeiro, em
06 de maio de 2012, quando cerca de 10 (dez) mil
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pessoas se reuniram neste mesmo evento. Aqui em
Diadema, segundo relato da organização na Reunião
Realizada junto ao 24º Batalhão da Polícia Militar
(ata em anexo), prevê-se o comparecimento de cerca
de 200 pessoas, podendo chegar até 1000 (mil)
pessoas, como noticiado na mídia local.
O elemento temporal, por sua vez, está
bem delineado, eis que está agendada o encontro
cívico para 26 de maio de 2012, a partir das 13h,
na Praça da Moça, em Diadema. A transitoriedade é
ínsita, eis que, também consoante informações
repassadas ao Município pela organização, o evento
terá apenas algumas horas de duração.
Por fim, também está presente o elemento
objetivo, eis que está bem demonstrado, ao longo de
diversos ofícios, manifestações e termo de
declarações que o evento é pacífico, sem o uso de
armas de qualquer tipo.
Estão presentes, portanto, todos os
elementos que conformam o direito de reunião,
demonstrando-se, no caso, que realmente trata-se da
tutela desta posição subjetiva dos cidadãos que
pretendem fazer parte da situação.
A doutrina e a jurisprudência, por sua
vez, também mencionam um requisito de validade
implícito, que, no caso, seria a licitude da
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manifestação pública. Aqui, especificamente,
residiu toda a celeuma que marcou a questão da
Marcha da maconha, até o ano de 2011 . É que, em
2011, encerrou-se qualquer discussão sobre a
licitude funcional da Marcha da Maconha , a partir
de decisão proferida em controle concentrado de
constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal,
especificamente na ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL nº187 .
No âmbito deste processo de controle
abstrato de constitucionalidade, pediu-se que fosse
dada interpretação conforme ao artigo 287 do Código
Penal, “de forma a excluir qualquer exegese que
possa ensejar a criminalização da defesa da
legalização das drogas, ou de qualquer substância
entorpecente específica” (petição inicial, ofertada
pela Procuradora Geral da República, Dra. DEBORAH
MACEDO DUPRAT DE BIRTTO PEREIRA).
Ao final do julgamento, o Pretório
Excelso, por unanimidade, consignou, no dispositivo
da decisão, o seguinte:
O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as
preliminares de não-conhecimento da arguição
e a de ampliação do objeto da demanda. No
mérito, também por unanimidade, o Tribunal
julgou procedente a arguição de
descumprimento de preceito fundamental, para
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dar, ao artigo 287 do Código Penal, com
efeito vinculante, interpretação conforme à
Constituição, "de forma a excluir qualquer
exegese que possa ensejar a criminalização da
defesa da legalização das drogas, ou de
qualquer substância entorpecente específica,
inclusive através de manifestações e eventos
públicos", tudo nos termos do voto do Relator
Com esta decisão, dotada de efeitos erga
omnes e eficácia vinculante (como, de resto,
qualquer decisão em sede de controle abstrato de
constitucionalidade), não é mais possível qualquer
discussão em processos judiciais sobre a licitude
da Marcha da Maconha.
Daí porque, em 2012, as manifestações
públicas, retratos de um pais com instituições
consolidadas, que efetivamente concretize um Estado
democrático de direito, começaram a se multiplicar.
Nos sítios da web já citados, é possível vislumbrar
extenso calendário indicando as datas da
organizações, inclusive a de Diadema.
Parece contudo (e fala-se isso com muito
pesar), que a sina de Diadema parece ser outra, que
não a concretização da Democracia em seu sentido
substancial. Primeiro (e aqui vale o registro
histórico), por ter sido o local donde surgiu o
fato notório que acabou por chocar a sociedade e
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movimentar o Poder Legislativo a promulgar a Lei de
Tortura.
Agora, contra decisão do Supremo Tribunal
Federal e de Poderes Executivos de grandes capitais
(São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo), decidiu,
com parca fundamentação, simplesmente ferir de
morte, sepultar mesmo, direitos fundamentais
assegurados na Carta Magna, antes de tudo, a
efetiva possibilidade de participação popular na
decisão dos rumos que a nação deve seguir.
Não se pede, obviamente, que o Município
concorde com as ideias que pretendem ser defendidas
pelos potenciais participantes do grupo. O que se
exige, agora com força de decisão judicial, é que o
Município respeite essas ideias, mesmo se lhe
pareçam desagradáveis ou equivocadas, tolerando a
manifestação democrática, cívica e propositiva que
os cidadãos de Diadema pretendem concretizar em 26
de maio de 2012.
Como se verá no próximo tópico, os
argumentos levantados pelo Município para proibir o
direito de reunião são, antes de tudo, abusivos e,
na essência, absolutamente impertinentes.
V – DIREITO DE REUNIÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
INSTITUTOS DE ÍNDOLE ESSENCIALMENTE
CONTRAMAJORITÁRIA. DIREITO DAS MINORIAS.
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Consoante afirmado, as autoridades
coatoras e, em última instância, o próprio
Município, proibiram a marcha da maconha em Diadema
sob o fundamento de que “a marcha da maconha
conflita, colide, com as políticas públicas
desenvolvidas pela Prefeitura” (ofício).
Destarte, o Município fundamenta sua
proibição basicamente na discordância das ideias,
eis que colidiriam com as políticas públicas
oficiais. Apresenta, é certo, alguns dados, dando a
entender que a marcha da maconha poderia (não se
sabe exatamente como...) aumentar o número de
homicídios na municipalidade.
Parece claro que esse fundamento é
absolutamente inadequado para vedar o encontro
cívico programado para o próximo dia 26 de maio.
Deveras, é da essência do direito de reunião a
crítica, a apresentação de ideias contrárias às
dominantes, a formulação de propostas alternativas
às vigentes .
Interessante, na espécie, argumentação
apresentada pelo Ministro Celso de Mello, em seu
doutrinário voto na já citada ADPF nº187:
“O sentido de fundamentalidade de que se
reveste essa liberdade pública (o direito de
reunião) permite afirmar que as minorias
também titularizam, sem qualquer exclusão ou
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limitação, o direito de reunião, cujo
exercício mostra-se essencial à propagação de
suas idéias, de seus pleitos e de suas
reivindicações, sendo completamente
irrelevantes, para efeito de sua plena
fruição, quaisquer resistências, por maiores
que sejam, que a coletividade oponha às
opiniões manifestadas pelos grupos
minoritários, ainda que desagradáveis,
atrevidas, insuportáveis, chocantes,
audaciosas ou impopulares”.
Ora, qual o sentido de apenas permitir
que aqueles que professam as ideias dominantes
possam expor publicamente seus pleitos, ideias e
propostas? Apenas em Estados totalitários parece
coerente essa hipótese.
Quando se pretende a concretização de uma
Democracia substancial, é preciso garantir, com
firmeza, o diálogo, o pluralismo, a livre
construção de soluções a partir de proposições
oriundas dos mais diversos segmentos.
Como bem pontuou o ex-Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso, “a pior
proibição é a proibição de pensar” (A Guerra contra
as drogas, em 18/01/2011, publicado no Valor
Econômico).
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Assim, a concreta possibilidade de
discordar , criticar e defender publicamente
propostas tidas pela maioria como erradas,
esdruxulas, absurdas ou estranhas faz parte da
própria essência de um Estado que se pretende
democrático, eis que tutela o direito das minorias .
É esse o magistério doutrinário de Geraldo Ataliba:
“A Constituição verdadeiramente democrática
há de garantir todos os direitos das minorias
e impedir toda prepotência, todo arbítrio,
toda opressão contra elas.
Mais que isso – por mecanismos que assegurem
representação proporcional -, deve atribuir
um relevante papel institucional às correntes
minoritárias mais expressivas.
.............................................
...... Na democracia, governa a maioria, mas
– em virtude do postulado constitucional
fundamental da igualdade de todos os cidadãos
– ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria.
Esta exerce também função política
importante, decisiva mesmo: a de oposição
institucional, a que cabe relevante papel no
funcionamento das instituições republicanas.
O principal papel da oposição é o de formular
propostas alternativas às idéias e ações do
governo da maioria que o sustenta.
Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta
falhas e censura a maioria, propondo-se, à
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opinião pública, como alternativa. Se a
maioria governa, entretanto, não é dona do
poder, mas age sob os princípios da relação
de administração.
.............................................
...... Daí a necessidade de garantias amplas,
no próprio texto constitucional, de
existência, sobrevivência, liberdade de ação
e influência da minoria, para que se tenha
verdadeira república.
.............................................
...... Pela proteção e resguardo das minorias
e sua necessária participação no processo
político, a república faz da oposição
instrumento institucional de governo.
.............................................
...... É imperioso que a Constituição não só
garanta a minoria (a oposição), como ainda
lhe reconheça direitos e até funções.
.............................................
...... Se a maioria souber que – por
obstáculo constitucional – não pode
prevalecer-se da força, nem ser arbitrária
nem prepotente, mas deve respeitar a minoria,
então os compromissos passam a ser meios de
convivência política. (...)” 5
Essa noção de proteção contramajoritária
que deve ser exercida pelo Poder Judiciário e que
5 “Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/194
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deflui da Democracia, foi muito bem explorada da
multicitada ADPF. Importante, pois, a seguinte
transcrição:
Desse modo, e para que o regime democrático
não se reduza a uma categoria político-
jurídica meramente conceitual ou simplesmente
formal, torna-se necessário assegurar, às
minorias, notadamente em sede jurisdicional,
quando tal se impuser, a plenitude de meios
que lhes permitam exercer, de modo efetivo,
os direitos fundamentais que a todos, sem
distinção, são assegurados. Isso significa,
portanto, numa perspectiva pluralística, em
tudo compatível com os fundamentos
estruturantes da própria ordem democrática
(CF, art. 1º, V), que se impõe a organização
de um sistema de efetiva proteção,
especialmente no plano da jurisdição, aos
direitos, liberdades e garantias fundamentais
em favor das minorias, quaisquer que sejam,
para que tais prerrogativas essenciais não se
convertam em fórmula destituída de
significação, o que subtrairia – consoante
adverte a doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA,
“Fundamentos de Direito Constitucional”, p.
161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o
necessário coeficiente de legitimidade
jurídico-democrática ao regime político
vigente em nosso País.
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Interessante observar, ainda, que o
Município de Diadema parece caminhar na exata
contramão da história. Deveras, pode até ser ainda
minoritária a posição de uma nova abordagem (não
proibicionista) na questão das drogas; contudo, a
cada dia, multiplicam-se os defensores desta
corrente.
Assim, muito recentemente, na Cúpulas das
Américas, evento que reúne os Chefes de Estado de
todos os países do continente, a questão da
descriminalização das drogas foi expressamente
defendida por diversos representantes estatais,
passando a ser assunto em pauta nos grandes centros
de decisão
(http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5
716071-EI8140,00-
Polemicas+com+Cuba+e+drogas+devem+dominar+Cupula+da
s+America.html ;
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,dr
ogas-ganham-espaco-na-cupula-das-
americas,860322,0.htm?reload=y ;
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI57
16071-EI8140,00-
Polemicas+com+Cuba+e+drogas+devem+dominar+Cupula+da
s+America.html ).
Por outro lado, países como Argentina,
Colômbia, Portugal, Estados Unidos (no estado da
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Califórnia), entre outros, já adotam certa
tolerância com as os entorpecentes, seja por meio
de descriminalização, seja por meio de permissão de
uso medicinal.
Por fim, posto que sem qualquer
cientificidade, sequer merece maiores comentários a
alegação do Município, ainda que nas entrelinhas,
de que a marcha da maconha poderia promover o
aumento do número de homicídios. Os números
apresentados pelo Município (que evidenciam a
elogiosa redução do número de homicídios) podem e
devem ser analisados de maneira global,
especialmente quando se percebe que em todo o
estado de São Paulo houve aguda diminuição das
taxas de homicídio, o que coloca, pelo menos, em
dúvidas, os autoelogios feitos pelas autoridades
coatoras e as políticas repressivas adotadas pela
municipalidade.
Destarte, fica demonstrado que é
completamente despicienda a alegação do Município
para proibir a marcha, pois: (i) desconsidera a
própria essência do direito de reunião e de um
estado democrático; (ii) revela completo
desconhecimento das grandes questões que estão
sendo discutidas no cenário internacional; e (iii)
carece de cientificidade, revelando indevido
narcisismo.
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VI – DA LIMINAR
“(...) a técnica
antecipatória visa apenas a
distribuir o ônus do tempo do
processo. É preciso que os
operadores do direito
compreendam a importância do
novo instituto e o usem de
forma adequada.”6
A medida liminar, em sede de mandado de
segurança, possui previsão legal expressa. Assim,
estipula o artigo 7º, III, da Lei 12016/2009:
Art. 7º Ao despachar a inicial , o juiz
ordenará:
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao
pedido, quando houver fundamento relevante e
do ato impugnado puder resultar a ineficácia
da medida , caso seja finalmente deferida,
sendo facultado exigir do impetrante caução,
fiança ou depósito, com o objetivo de
assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
De acordo com o magistério doutrinário, o
primeiro requisito para a concessão da liminar
(fundamento relevante), consistira na situação de o
6 MARINONI, Luiz Guilherme & ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de
conhecimento. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 234.
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“impetrando deverá convencer o magistrado de que é
portador de melhores razões que a parte contrária;
que o ato coator é, ao que tudo indica, realmente
abusivo e ilegal”7. Por sua vez, o segundo
(ineficácia da medida, caso seja finalmente
deferida), deve entendido como a concreta
possibilidade de a tutela do direito in natura não
ser alcançada apenas com o provimento final, “na
exata proporção em que o tempo de seu procedimento,
posto que bastante curto, não tenha condições de
assegurar o proferimento de sentença apta a tutelar
suficiente e adequadamente o direito tal qual venha
a reconhecer”8.
Entende-se que os dois requisitos estão
bem delineados nos autos.
No tocante ao fundamento relevante, basta
verificar que há nos autos, em primeiro lugar,
expressa e inequívoca manifestação do Município
proibindo o encontro cívico. Mais do que isso,
acredita-se que tenha ficado bem demonstrado que a
marcha da maconha, especificamente a agendada para
o dia 26 de maio de 2012, em Diadema, retrata, em
todos os seus elementos, o legítimo exercício do
direito de reunião e da liberdade de expressão. Por
fim, a licitude desta marcha é comprovada tanto
7 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.
e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 64..8 IDEM, página 65.
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pela decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF
187, bem como pela realização deste evento em
diversas outras cidades brasileiras, já neste ano
de 2012, como ocorreu no Rio de Janeiro em 06 de
maio de 2012.
Por outro lado, há, na hipótese,
verdadeiro periculum in mora. Constata-se a
presença deste requisito, inicialmente, por simples
raciocínio aritmético. Deveras, considerando os
prazos previstos nos artigos 7º, I, artigo 12,
caput e parágrafo único, tem-se que, mesmo que
respeitados todos os termos legais assinalados, a
sentença será proferida, invariavelmente, após o
dia 26 de maio de 2012, data em que, segundo
relatos dos organizadores, ocorrerá a marcha.
Este último dado, aliás, fecha com a
demonstração do perigo na demora. É que, consoante
noticiado, a marcha da maconha realmente ocorrerá
na data indicada. Acaso não seja proferida medida
liminar garantindo o direito de reunião, há grandes
probabilidades de transformar-se a Praça da Moça em
palco de confrontos violentos e desnecessários .
Imperiosa, portanto, a concessão da
liminar. Para a exata compreensão do pedido a ser
formulado (especialmente os efeitos reflexos da
cassação do ato), é preciso apresentar a exata
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conformação, para o Poder Público, do direito de
reunião.
Assim, segundo magistério doutrinário, do
direito de reunião extraem-se dois deveres
correlatos ao poder público. Há um dever de
abstenção e um dever de colaboração .
O dever de abstenção indica que se exige
respeito a todo o processo prévio ao evento e de
execução da manifestação. Para os participantes, é
verdadeiro dever negativo, no sentido de respeito à
organização e realização do ato.
Ademais, fala-se em dever de prestação,
no sentido de que “o estado deve proteger os
manifestantes, assegurando os meios necessários
para que o direito à reunião seja fruído
regularmente”9. Esse dever de prestação traduz-se
tanto no dever de segurança dos manifestantes
(inclusive contra grupos contrários), como na
colaboração da organização, para compatibilizar o
evento com o fluxo de pessoas e de veículos.
Esses dois deveres, aliás, vinham sendo
cumpridos pelo Município, antes do revés, como se
9 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, página
400.
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constata da ata de reunião dos organizadores com a
Polícia Militar, a fim de organizar o evento.
Delimitado o exato âmbito atingido pelo
ato coator e que, por consequência, merece a devida
proteção, a causa de pedir já está madura para o
pedido liminar (e também final).
Pede-se, assim, liminarmente , que seja
cassada a proibição exarada pelo Município contra a
realização da Marcha da Maconha em Diadema, no dia
26/05/2012, a partir das 13h, na Praça da Moça,
determinando-se ao Município que se abstenha de
praticar qualquer ato que interfira em tal direito
de reunião e que auxilie, no que for necessário, na
realização do evento , bem como oficiando-se ao 24º
Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo,
no intuito de garantir a segurança durante a
realização da Marcha.
Considerando-se o constante no artigo 22,
§2º da lei 12016/2009, em atenção ao devido
processo legal , ao contraditório e a data da
presente impetração (algumas semanas antes da
manifestação, demonstrando sua boa-fé objetiva ),
requer-se , antes da concessão da liminar, que o
representante judicial do Município seja intimado
para se manifestar em 72h.
VII – DOS PEDIDOS
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Diante de tudo o que foi exposto, requer-
se:
(i) A confirmação da medida liminar, para que
seja definitivamente cassada a proibição
exarada pelo Município contra a
realização da Marcha da Maconha em
Diadema, no dia 26/05/2012, a partir das
13h, na Praça da Moça, determinando-se ao
Município que se abstenha de praticar
qualquer ato que interfira em tal direito
de reunião e que auxilie, no que for
necessário, na realização do evento ,
oficiando-se ao 24º Batalhão da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, no
intuito de garantir a segurança durante a
realização da Marcha.
(ii) para o cumprimento, por parte do ente
público requerido, das medidas a serem
impostas por este Juízo, inclusive em
sede de liminar , fica desde já requerida
a adoção das providências que se fizerem
necessárias, especialmente a intimação
pessoal do agente público (Prefeito do
Município), sob pena de desobediência
(artigo 26 da Lei 12016/2009) e fixação
de multa única , no valor de R$500.000,00
(quinhentos mil reais), acaso o direito
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de reunião protegido seja frustrado por
ato/ordem do Município;
(iii) A notificação das autoridades coatoras,
nos termos do artigo 7º, I da Lei
12016/2009;
(iv) Que seja dada ciência ao Município de
Diadema, pessoa jurídica de que são
integrantes as autoridades, na pessoa de
seu representante judicial, nos termos do
artigo 7º, II da Lei 12016/2009;
(v) A intimação do Ministério Público, na
forma do artigo 12 da Lei 12016/2009;
(vi) A concessão das prerrogativas da
Defensoria Pública, nos termos da LC
80/94 c/c LCSP 988/06, em especial a
intimação e vista pessoal dos autos do
processo.
Dá-se à causa o valor de R$500.000,00
(quinhentos mil reais).
Nos termos do artigo 365, III, Código de
Processo Civil, por aplicação analógica, declaram-
se autênticas as cópias que acompanham a presente
impetração, que segue com 4 (quatro) contra-fé,
instruídas com todos os documentos, para citação da
Pessoa Jurídica e notificação das 3 (três)
autoridades apontadas como coatoras.
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Finalmente, requer-se a dispensa quanto
ao pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, à vista do disposto no art. 18 da Lei n.
7347/85.
Diadema, 10 de maio de 2012.
CLÁUDIO LÚCIO DE LIMA
Defensor Público
ILKA SAITO MILLAN
Defensora Pública
LEANDRO DE CASTRO GOMES
Defensor Público
RAFAEL GALATI SÁBIO
Defensor Público
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