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O parecer emitido pelo MPPE visa a que objetivo? O objetivo do parecer é subsidiar tecnicamente a Promo- toria de Saúde acerca dos autos do Inquérito Civil que tem por finalidade acompanhar as ações da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco voltadas para a imple- mentação da Política Nacional de Saúde Integral da Po- pulação Negra, estabelecida pela Portaria nº 992/2009, do Ministério da Saúde. Em resposta ao MPPE, a SES explicitou quais medi- das estão sendo adotadas para a implantação da Polí- tica Nacional de Saúde Integral da População Negra e a portaria n°992/2009, da Secretaria de Saúde de Pernambuco? Sim. A SES criou a Coordenação de Atenção à Saúde da População Negra em março de 2012 e por meio dela vem realizando algumas ações, tais como: aumento da área de cobertura do teste do pezinho para 72% dos municí- pios, com uma meta de 100% para 2015; reconstituição do Comitê Estadual de Assistência à Doença Falciforme; inclusão da eletroforese de hemoglobinas nos exames de pré-natal; e ampliação do conhecimento sobre doença falciforme, por meio de videoconferências e materiais informativos. Entretanto, a PNSIPN é muito ampla e abrange várias outras ações que ainda precisam ser imple- mentadas, com a participação das três esferas de governo. Como o MPPE vem contribuindo para a implantação do PNSIPN? O MPPE, por meio de Inquérito Civil específico, está cobrando da SES as responsabilidades do gestor estadual estabelecidas na Portaria nº 992/2009 e acompanha di- retamente as atividades desenvolvidas pela Coordenação de Atenção à Saúde da População Negra, com o objetivo de implementar, de fato, a PNSIPN no Estado de Per- nambuco. Além disso, encaminhará demanda ao Cen- tro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Saúde (Caop Saúde) para que as Promotorias de Justiça dos municípios que ainda não fazem a coleta do teste do pezinho e a *eletroforese de hemoglobinas nas gestan- tes cobrem dos gestores municipais a realização destas ações bem como as demais obrigações estabelecidas na PNSIPN. *é o exame laboratorial específico para o diagnóstico da ane- mia falciforme. MPPE analisa implantação da política de atenção à saúde da população negra Entrevista 08 | Recife, Novembro / Dezembro 2013 - gt racismo - mppe GT RACISMO - MPPE www.mppe.mp.br - [email protected] - (81) 3182 7201 Rua 1º de Março, 100, 3º andar, Stº Antônio - Recife-PE - CEP: 50010-170 Dra Ana Carolina é Garrido, médica da PJ de Saúde, autora do parecer do Inquérito Civil >>> Acesse à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra pelo http://goo.gl/Qp91sX Gibson Sampaio “A PNSIPN é muito ampla e abrange várias outras ações que ainda precisam ser implementadas, com a participação das três esferas de governo.”

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O parecer emitido pelo MPPE visa a que objetivo?

O objetivo do parecer é subsidiar tecnicamente a Promo-toria de Saúde acerca dos autos do Inquérito Civil que tem por finalidade acompanhar as ações da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco voltadas para a imple-mentação da Política Nacional de Saúde Integral da Po-pulação Negra, estabelecida pela Portaria nº 992/2009, do Ministério da Saúde.

Em resposta ao MPPE, a SES explicitou quais medi-das estão sendo adotadas para a implantação da Polí-tica Nacional de Saúde Integral da População Negra e a portaria n°992/2009, da Secretaria de Saúde de Pernambuco?

Sim. A SES criou a Coordenação de Atenção à Saúde da População Negra em março de 2012 e por meio dela vem realizando algumas ações, tais como: aumento da área de cobertura do teste do pezinho para 72% dos municí-pios, com uma meta de 100% para 2015; reconstituição do Comitê Estadual de Assistência à Doença Falciforme; inclusão da eletroforese de hemoglobinas nos exames de pré-natal; e ampliação do conhecimento sobre doença falciforme, por meio de videoconferências e materiais informativos. Entretanto, a PNSIPN é muito ampla e abrange várias outras ações que ainda precisam ser imple-mentadas, com a participação das três esferas de governo.

Como o MPPE vem contribuindo para a implantação do PNSIPN?

O MPPE, por meio de Inquérito Civil específico, está cobrando da SES as responsabilidades do gestor estadual estabelecidas na Portaria nº 992/2009 e acompanha di-retamente as atividades desenvolvidas pela Coordenação de Atenção à Saúde da População Negra, com o objetivo de implementar, de fato, a PNSIPN no Estado de Per-nambuco. Além disso, encaminhará demanda ao Cen-tro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Saúde (Caop Saúde) para que as Promotorias de Justiça dos municípios que ainda não fazem a coleta do teste do pezinho e a *eletroforese de hemoglobinas nas gestan-tes cobrem dos gestores municipais a realização destas ações bem como as demais obrigações estabelecidas na PNSIPN.

*é o exame laboratorial específico para o diagnóstico da ane-mia falciforme.

MPPE analisa implantação da política de atenção à saúde da população negra

Entrevista

08 | Recife, Novembro / Dezembro 2013 - gt racismo - mppe

GT RACISMO - MPPE

www.mppe.mp.br - [email protected] - (81) 3182 7201 Rua 1º de Março, 100, 3º andar, Stº Antônio - Recife-PE - CEP: 50010-170

Dra Ana Carolina Thé Garrido, médica da PJ de Saúde, autora do parecer do Inquérito Civil

>>> Acesse à Política Nacional de Saúde Integral da População Negra pelo http://goo.gl/Qp91sX

Gibson Sampaio

“A PNSIPN é muito ampla e abrange várias outras ações que ainda precisam ser implementadas, com a participação das três esferas de governo.”

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Número 29Novembro/ Dezembro 2013Publicação bimestral

ArtigoMandela, uma nação, várias línguasPágs. 6 e 7

MPPE recebe visita da ONU

A visita de Mireille Fanon-Men-des-France, da França, e Constantine Maya Sahli, da Argélia, ao Ministé-rio Público de Pernambuco (MPPE), fez parte do roteiro que o Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afro-descendentes realizou no Brasil para conhecer e avaliar a situação dos di-reitos dos afrodescendentes no País.

No caso específico do MPPE, as inte-grantes puderam conhecer o trabalho que o GT Racismo desenvolve contra o racismo institucional há mais de 10 anos.

As duas representantes da Organiza-ção das Nações Unidas (ONU) são do Alto Comissariado de Direitos Huma-nos. Pág. 3

A obra traz para discus-são o racismo institucio-nal e relata a trajetória do Grupo de Trabalho de combate à discriminação racial do MPPE, criado em dezembro de 2003. O livro encontra-se dispo-nível em PDF. Pág. 4 e 5

GT Racismolança livro

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Dando prosseguimento ao Inquérito Civil n° 012/2010, instaurado pela 34ª Promotoria de Justiça de Saúde, o MPPE vem acompanhando o desen-volver da implantação da Polí-tica Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) pela Coordenação Estadual de Atenção à Saúde da População Negra, da Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco.

A 34ª Promotoria de Justiça abriu um procedimento de in-vestigação preliminar em 2010, a partir do Ofício nº10/2010 da Uiala Mukaji – Sociedade das Mulheres Negras de Pernambu-co, no qual solicitou providên-cias para o cumprimento da Por-taria n° 992/2009, do Ministério da Saúde. Em janeiro de 2011, o procedimento foi convertido no referido Inquérito Civil.

O MPPE realizou também audiência pública, em junho de 2013, com o objetivo de acom-panhar as atividades desenvolvi-das pela Coordenação Estadual de Atenção à Saúde da População Negra visando à implementação da PNSIPN e ainda esclarecer os recursos orçamentários e finan-ceiros para tal fim. Na ocasião, participaram representantes da Uiala Mukaji, da Coordenação

de Atenção à Saúde da Popula-ção Negra da Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Pernambuco, do Conselho Nacional de Saúde, da Rede de Mulheres de Per-nambuco, da representante da Secretaria Municipal de Saúde do Recife no Comitê Estadual

e do Movimento Negro de Per-nambuco.

A coordenadora de Atenção à Saúde da População Negra da SES/PE, Marinete Arruda rela-tou que a área de cobertura do teste do pezinho subiu para 72% e que a meta é chegar a 100% em 2015. De acordo com Mira-nete Arruda, a leitura do exame é feita pela SES/PE, mas a coleta é responsabilidade do município, sendo imprescindível a partici-pação das secretarias municipais para atingir o resultado. “Atual-mente, 22 municípios estão sem postos de saúde”, informou Mi-ranete Arruda.

Já a representante do Uiala Mukaji, Vera Baroni, ressaltou que a implantação da PNSIPN no âmbito municipal é impres-cindível, não podendo ficar restrita a Olinda e Recife. “O concurso público recente con-templou apenas duas vagas para

hematologista, todas com lota-ção na Capital, quando há neces-sidade desse profissional em todo o Estado”, pontuou Vera Baroni.

Para a médica Ana Carolina Thé Garrido, analista do MPPE, quanto à implantação da PN-SIPN, a “SES/PE expôs apenas ações relativas ao aumento da cobertura do teste do pezinho, à disseminação de conhecimento específico em doença falciforme e à sensibilização dos profissio-nais quanto ao preenchimento do quesito raça/cor”. (Ver entre-vista com a Dra. Ana Garrido na pág.8)

02 | Recife, Novembro / Dezembro 2013 - gt racismo - mppe

MP em ação

EditorialPara comemorar a atuação de

uma década, o Grupo de Traba-lho de combate à discriminação racial do Ministério Público de Pernambuco optou por tornar a trajetória de suas atividades um registro de memória para a ge-ração atual e futura. No início de dezembro, o MPPE lançou o livro No País do Racismo Insti-tucional – Dez anos de ação do GT Racismo do MPPE, escrito pela jornalista e socióloga Fabia-na Moraes. Segundo a autora, o tema foi inédito no País, preci-sando pesquisar em artigos e da-dos para compor o livro.

A trajetória do GT Racismo e as conquistas promovidas para a população negra vêm ganhando repercussão nacional e interna-cional. Nesse diapasão, pela se-gunda vez o GT Racismo teve a oportunidade de receber a visita do Alto Comissariado de Direi-tos Humanos da Organização das Nações Unidas, também em dezembro, momento no qual foram apresentadas as ações que vêm sendo desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho.

Nesta edição de n° 29, o Jor-nal do GT faz uma homenagem a um dos grandes expoente de combate à discriminação racial, falecido em 5 de dezembro de 2013, Nelson Mandela. Um ar-tigo escrito pela promotora de Justiça Irene Cardoso vem re-lembrar o líder Mandiba e o fato que maculou os direitos huma-nos na história contemporânea, o apartheid.

Por fim, o MP instaurou in-quérito civil para apurar a im-plantação no Estado da Política Nacional de Atenção à Saúde da População Negra.

MPPE cobra implantação da Política Nacional de Atenção à Saúde da População Negra

GT RACISMO - MPPE

Aguinaldo FenelonProcurador-geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo Fi-gueiroa (Coordenadora), Helena Capela Gomes (Sub-coordenadora), Janeide Oliveira de Lima, Maria Betânia Silva, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva,

Irene Cardoso Sousa, Fernanda Arco-verde C. Nogueira, Roberto Brayner Sampaio, Antônio Fernandes Oliveira Matos Júnior, Marco Aurélio Farias da Silva, Humberto da Silva Graça, André Felipe Barbosa de Menezes, Muirá Belém de Andrade, Ana Karine Ferraz, Emma-nuel Morim, Izabela Cavalcanti Pereira e Isabela Lima (estagiária)

Projeto gráfico: Leonardo DouradoTexto e edição: Giselly Veras e Izabela Cavalcanti (jornalistas), Gabriela Alen-castro, Marcelle Sales, Marilena Smith e Samila Suely (estagiárias de jornalismo). Revisão: Jaques Cerqueirawww.mppe.mp.br - [email protected] - (81)3182.7201 - Rua 1º de Mar-ço, 100, 3º andar, Stº Antônio Recife-PE - CEP: 50010-170

Expediente

“O MPPE realizou também audiência pública, em junho de 2013, com o objetivo de acompanhar as atividades desenvolvidas pela Coordenação Estadual de Atenção à Saúde da População Negra, visando à implementação da PNSIPN, e ainda esclarecer os recursos orçamentários e financeiros para tal fim.”

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Destaque Internacional

MPPE apresenta o trabalho de combate ao racismo a representantes da ONU

Gibson Sampaio

“Esse é um trabalho extenso. Vocês são um Estado modelo, apesar de ainda ter um grande trabalho pela frente para combater o racismo e a xenofobia” - Mireille Fanon-Mendes-France

“Este é um momento ímpar para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). É uma oportunidade para evidenciar-mos nosso trabalho de cidada-nia junto à sociedade e mostrar que ninguém é mais importante do que o outro por causa da cor da pele”, ressaltou o procurador-geral de Justiça, Aguinaldo Fe-nelon, na abertura do encontro que reuniu membros da Unidade Anti Discriminação do Alto Co-missariado de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU) e o Grupo de Trabalho Institucional de Com-bate à Discriminação Racial (GT Racismo) do MPPE, no início de dezembro.

A visita de Mireille Fanon-Mendes-France, da França, e Constantine Maya Sahli, da Ar-gélia, à Instituição fez parte do roteiro que o Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodes-cendentes realizou no Brasil para conhecer e avaliar a situação dos direitos dos afrodescendentes-no País. No caso específico do MPPE, as integrantes puderam conhecer o trabalho que o GT

Racismo desenvolve contra o racismo institucional há mais de 10 anos.

A procuradora de Justiça e coordenadora do GT Racismo, Maria Bernadete Martins de Azevedo, destacou que ainda é difícil discutir sobre o racismo no Brasil. “O trabalho do GT tem sido o de difundir a im-portância de trazer ao MPPE a discussão sobre o enfrentamen-to ao racismo, o qual deve ser feito tanto dentro quanto fora da Instituição”, disse Bernadete. Durante a apresentação sobre as atividades que são realizadas, a procuradora de Justiça citou, por exemplo, a formação de um pla-no por Circunscrição Ministerial com fixação de ações e metas; a realização de audiências públicas com a participação do Movi-mento Social Negro e das demais instituições do sistema de Justi-ça e segurança; a criação de um grupo de estudo sobre a temática racial; a realização de campanhas institucionais; e o incentivo à criação de GT Racismo em ou-tras instituições governamentais, como nas Polícias Civil e Militar.

De acordo com a procuradora, um dos grandes focos do MPPE tem a ver com a implementação da Lei Federal 10.639, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para in-cluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira.

Após assistir à apresentação, Mireille e Constantine fizeram alguns questionamentos referen-tes, por exemplo, ao acesso dos negros à Justiça, à mídia, à eva-são escolar, à violência policial contra jovens no Estado, à lei de cotas e aos quilombolas. Os assuntos levantados pelas inte-grantes do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescen-dentes foram devidamente res-pondidos, com estatísticas, pela procuradora de Justiça e pelas representantes dos GTs Racismo das Polícias Civil e Militar.

“Esse é um trabalho extenso. Vocês são um Estado modelo, apesar de ainda ter um grande trabalho pela frente para com-bater o racismo e a xenofobia”, ressaltou Mireille Fanon-Men-

des-France, no final da reunião.

Além de Pernambuco, tam-bém fizeram parte da agenda dos membros da Unidade Anti Discriminação do Alto Comis-sariado de Direitos Humanos da ONU os estados da Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Após cumprir o roteiro, está prevista a elaboração de um relatório, no qual constarão os avanços e os desafios do Brasil em relação aos direitos dos afro-descendentes, que será publicado em setembro de 2014.

Também estiveram presentes na reunião: os promotores de Justiça Westei Conde, Irene Car-doso Sousa, André Felipe Mene-zes, Antônio Fernandes e Helena Capela; a procuradora de Justiça Maria Betânia Silva, o deputado estadual Ossésio Silva, além de representantes da ONU, do Ita-maraty, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e professores que fazem parte do Grupo de Trabalho em Educação das Relações Étnico-Racial.

*Matéria de Jaques Cerqueira

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Saber onde se esconde o ra-cismo dentro de cada um de nós não é tarefa fácil, visto que o Brasil sustenta-se sobre a ilusão da democracia racial. Ainda pior e mais cruel é quando as institui-ções praticam o chamado racis-mo institucional. Para discutir o tema e comemorar os 10 anos de atuação do Grupo de Trabalho sobre Discriminação Racial (GT Racismo) do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), no dia 9 de dezembro, foram lançados o vídeo Racismo Institucional e o livro No país do racismo insti-tucional, de autoria da jornalista Fabiana Moraes, durante a Se-mana do Ministério Público.

O lançamento dos produtos do GT Racismo foi feito sob os olhares e aplausos de promoto-res e procuradores de Justiça, além de servidores da Institui-ção, integrantes dos GTs Racis-mo das Polícias Civil e Militar, de estudiosos, pesquisadores e integrantes do Movimento Ne-gro de Pernambuco. Na ocasião, o procurador-geral de Justiça, Aguinaldo Fenelon de Barros, disse estar feliz com a partici-

pação maciça da Instituição no evento. “Estou feliz com esse processo de integração. Nós pre-cisamos estar mais perto do ou-tro e dialogar mais. O principal papel do Ministério Público é servir à sociedade”, afirmou. So-bre o livro, o procurador-geral de Justiça destacou que não exis-te nenhuma publicação do tipo no País, que tenha sido encabe-çada por uma instituição como o Ministério Público.

Já a coordenadora do GT Ra-cismo do MPPE, procuradora de Justiça Maria Bernadete Aze-vedo, fez alusão à palestra sobre Felicidade Interna Bruta, reali-zada antes do lançamento pela embaixadora da FIB no Brasil, Susan Andrews. Bernadete ain-da destacou que a discussão do racismo institucional tem que ser ampliada, não só dentro do MPPE, mas para outras insti-tuições. “Hoje é um dia de festa para o GT Racismo. Além de estarmos comemorando 11 anos de atuação, ainda estamos lan-çando o livro, como se fosse um filho para os integrantes do GT Racismo”, comemorou.

Após a apresentação do ví-deo Racismo Institucional, o promotor de Justiça Fabiano Beltrão fez uma homenagem ao promotor de Justiça Thiago

Farias, morto em outubro deste ano. No vídeo, Thiago é um dos primeiros a prestar depoimento sobre a atuação do MPPE na luta contra o racismo. “Tenho

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No País do Racismo Institucional

MPPE lança livro sobre racismo institucional e 10 anos de atuação do grupo de trabalho Gibson Sampaio

O lançamento fez parte da programação da Semana do MP

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Recife, Novembro / Dezembro 2013 - gt racismo - mppe | 05

MPPE lança livro sobre racismo institucional e 10 anos de atuação do grupo de trabalho

certeza de que este não é o único vídeo que Thiago gravou, pois ele nunca se negou a fa-lar sobre a nossa árdua e gratificante missão. Se há palavras com que eu possa descrevê-lo e representá-lo são emoção e paixão, porque ele era um apaixonado pelo Ministério Pú-blico e pelo ofício de promotor de Justiça”, emocionou-se.

Após a homenagem, a professora da Uni-versidade Federal de Pernambuco (UFPE) Liana Lewis, autora do prefácio do livro, fa-lou um pouco sobre o trabalho. Em seguida passou a palavra para a representante do Mo-vimento Negro em Pernambuco, Vera Baro-

ne. Para Barone, o GT Racismo do MPPE se propôs a discutir o racismo. “Nós identifica-mos que pela primeira vez neste Estado te-mos um parceiro verdadeiro, que identificou e procura tratar isso dentro da sua instituição e nos inspira. Entender que o racismo existe e que precisa ser enfrentado é o primeiro pas-so para a democracia racial plena neste País”, destacou.

O encerramento do primeiro dia de co-memorações foi feito pelo secretário-geral do MPPE, promotor de Justiça Carlos Guerra, que lembrou a morte do sul-africano, Nelson Mandela, no dia 5 de dezembro de 2013.

No País do racismo institucional – O livro escrito pela jornalista Fabiana Moraes e produzido pela Companhia Editora de Per-nambuco (Cepe) e pelo Instituto do MPPE (IMPPE) é fruto do trabalho do GT Racis-mo do MPPE, que convidou a repórter para escrever a publicação depois de conhecer o trabalho da jornalista sobre tema em outras publicações. Contribuiram também a Asses-soria Ministerial de Comunicação Social, na produção e editoração e o fotográfo Matheus Sá.

*Matéria de Giselly Veras

Autora do País do racismo institucional

Fabiana Moraes

A convite do GT Racismo do MPPE, pelas reportagens e livros publi-cados sobre a realidade da população negra e o racismo, como a publicação do livro Nabuco em pretos e brancos, a jornalista e socióloga Fabiana Mo-raes aceitou o desafio de escrever sobre a trajetória do Grupo de Trabalho de combate à discriminação racial do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), resultando na obra No País do racismo institucional (176 páginas) .

Para Fabiana Moraes, o projeto foi uma oportunidade para tratar do racismo institucional, assunto pouco discutido no Brasil, uma vez que, o senso comum ainda acredita numa democracia racial. “A obra é a primeira exclusivamente sobre o tema no Brasil. Para compor o livro foi preciso pes-quisar em vários artigos e dados recentes”, explica a jornalista.

Fabiana Moraes é vencedora de vários prêmios de jornalismo pelas re-portagens especiais Os Sertões, Nabuco em pretos e brancos (ambas reporta-gens viraram livros). A mais recente reportagem especial foi 80 Anos de Casa Grande e Senzala. Atualmente, trabalha como repórter especial no Jornal do Commercio, em Pernambuco.

Priscila Buhr/agencia JC

www.mppe.mp.br/mppe/images/Livro10web.pdf

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06 | Recife, Novembro / Dezembro 2013 - gt racismo - mppe

Mandela, uma nação, várias línguas

O desafio de falar sobre Mandela nos fez procurar entender o apartheid e o povo que o instituiu, trilhando caminhos a partir da língua própria desse povo, o africâner. Quando nos referimos ao apartheid pensa-mos logo na segregação racial. Ele vai muito mais além. Por isso fomos levados a outras perguntas: quem usa a língua africâner, quem a usou e quem a usará nas próximas décadas? Que língua fala a África do Sul? Que língua falava Mandela? Que língua fa-lava e fala a América Latina e o Brasil?

A morte anunciada de uma língua deve-se em geral ao processo de massacre de línguas mais disseminadas no mundo, como o por-tuguês, inglês e espanhol, que ao avançarem qual rolo compressor esmagaram as línguas dos países colonizados. É uma questão que permeia mais sentimentos nacionalistas que propriamente regras linguísticas.

O folheto de pro-paganda, no Recife, do curso do Institu-to Cervantes, órgão do governo da Es-panha criado para promover e difun-dir a sua cultura nos cinco continentes (através da língua), destaca que o es-panhol é a segun-da língua “mater-na”1mais falada em todo o mundo. Um dos países indicados no mapa-múndi do folheto é a Bolívia, que curiosamente ocupa o primeiro

lugar em diversidade de línguas oficiais, o espanhol e mais 36. Em terceiro lugar na quantidade de línguas oficialmente reco-nhecidas, a África do Sul, que possui 11, entre estas o africâner.

O africâner não é necessariamente uma língua fadada ao fracasso por pertencer a um povo historicamente tido como coloni-zado e para se firmar no território não exi-mou outros povos e retirou-lhe o direito de falar sua língua. Mas também não foi um povo, esse sim conhecido como africânder ou bôer, mais honroso em sua forma de fir-mar-se e reconhecer-se, pois se utilizou da estratégia de isolamento ao custo da discri-minação, e agora perpassa o caminho do seu próprio sufocamento em virtude do não uso de sua língua pelas gerações mais novas que não querem estar vinculadas ao legado de

uma mácula historicamente reconhecida em escala mundial. Em pouco tempo ninguém mais falará africâner.

Para abordar as questões levantadas, ten-tando compreender a importância da língua para o indivíduo e sua relação com a nação, em tela a nação sul-africana, faremos uma breve relação da história de Mandela, para finalmente pensar o que é adotar uma lín-gua para sobreviver, negando para tanto as próprias raízes culturais. Em 1925, Mande-la, ao ingressar na escola primária, recebe o nome de Nelson, conforme era costume da época dar nomes ingleses a todas as crianças da escola. A partir daí consolida-se a educa-ção inglesa de Nelson Mandela e mais tarde seu confronto com essa mesma educação e seu sonho de nação. Mas com que nação podia sonhar alguém que sequer tinha di-reito a seu próprio nome em sua língua ma-terna? E no momento pós-colonial, voltar-se-ia a essa língua? Aliás, o que é nação, não seria um conceito físico, apenas geográfico, imutável?

À procura de aprofundamento recorre-se a Benedict Anderson e suas Comunidades Imaginadas, que tem por nação uma comu-nidade política imaginada:

A ideia de um organismo sociológico atra-vessando cronologicamente por um tempo vazio e homogêneo é uma analogia exata da ideia de nação, que também é concebida como uma comunidade sólida percorrendo constan-temente a história, seja em sentido ascendente ou descendente. (ANDERSON, 2008, pág. 56)

A recente morte de Mandela fez o mundo rediscutir os fatos recentes da África do Sul.

*Irene Cardoso Sousa

1 O inglês tem 375 milhões de nativos e mais de 1 bilhão como segunda língua e o espanhol tem 406 milhões de nativos e mais 105 milhões como língua estrangeira. A fonte indica o mandarim em primeiro lugar com 1,3 bilhões de nativos, ocupando o português o sexto lugar com 249 milhões de nativos.

Artigo

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Alguns sentimentos afloram no momento em que se pensa na proximidade da mor-te, ou nos rituais que se seguem a envolver os que ficam na preparação do funeral ou do túmulo. O grande velório de Mandela envolvendo as diversas nações do mundo nos fez remeter a Anderson (2008, pág.36): “A maneira de um homem morrer geralmente parece arbitrária, mas sua mortalidade é ine-vitável. As vidas humanas estão cheias dessas combinações entre acaso e necessidade.” Ali, perante nossos olhos, durante os vários dias de velório, Mandela tornou-se um cenotáfio de todas as nações que fizeram questão de estar presentes para manifestarem-se, assim, contra o que se caracterizou como uma das mais cruéis formas de matar o ser humano, o isolamento. Os líderes políticos, ao repre-sentar sua nação e suas linhas de limite ima-ginárias ou os contornos dos sentimentos de pertença, faziam uma evocação da luta his-tórica de Mandela contra o apartheid. Tudo

isso em um velório em que se cumpriam ritos da tradição Xhosa, no qual o pai da nação sul-africana era apenas Dalibhunga, nome que recebeu no seu rito de iniciação para a vida adulta aos 16 anos.

A vida ou a morte de Mandela são a res-posta para angústias de uma Era que supera escolhas polarizadas e o passado, pode se tor-nar um entre-lugar. Quando Mandela estava na prisão, nesse lugar estranho, evocava a arte da poesia e a meditação para superar aquele isolamento, o lugar nenhum. Pensando nes-se tempo, refletimos sobre o lugar que ocu-pamos, as tantas línguas invisíveis em nos-sas fronteiras, em nossas nações, no tempo presente, na vida presente. Ou na morte. E mais uma vez somente poderia concluir com Bhabha:

Quando a visibilidade histórica já se apagou, quando o presente do indicativo do testemunho perder o poder de capturar, aí os deslocamentos da memória e as indireções da arte nos ofere-

cem a imagem de nossa sobrevivência psíquica.” (BHABHA, 1998, pág.42).

Queremos um lugar com a mesma força e coragem da Bolívia que reconheceu 37 lín-guas como oficial em seu país, mesmo que a maioria dos habitantes da América do Sul ainda considerem sua língua materna o por-tuguês ou o espanhol. Queremos a memória das línguas indígenas, o direito dos povos an-tigos reconhecidos, das casas de terreiro, da Jurema e dos antepassados.

Se oportunidade tivesse de encontrar com Mandela, gostaria de perguntar: “se pudesse escolher, em que língua seria escrita sua lá-pide?”. A ele, que de certa forma já escreveu o seu epitáfio em vida, fica o testemunho de como era chamado pelos mais próximos: Madiba, como na língua materna. Salve Ma-diba!

*Irene Cardoso Sousa é promotora de Justiça do MPPE e membro do GT Racismo.

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Dica de leitura

Nelson MandelaEditora Nossa Cultura3ª edição

Longa Caminhada até a Liberdade

Longa Caminhada até a Liberdade - autobiografia de Nelson Man-dela, começou a ser escrita às escondidas em 1975, ainda na prisão. O livro mostra o caminho de Mandela desde o interior rural da África do Sul até o seu retorno à liberdade, culminando com sua vitória na primeira eleição presidencial multirracial da África do Sul, em 1994.

A obra é um testemunho de coragem e persistência de uma luta de mais de 50 anos pela tolerância e contra a segregação racial. O prefácio é do sociólogo, cientista político e ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso.

“ Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”Nelson Mandela