Motivar e ensinar através da experimentação

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1 Motivar e ensinar através da experimentação Marta Ornelas [email protected] Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa Caldas da Rainha, 1 de Junho de 2009 Resumo Este artigo tem como objectivo reflectir sobre a aprendizagem através da experiência, com enfoque em algumas das ideias-chave legadas por John Dewey, Jean Piaget e Jerome Bruner. A escola de hoje deve seguir os pressupostos destes autores e o professor deverá direccionar as actividades para os interesses dos seus alunos, por forma a potenciar a motivação destes. Apresenta-se uma resenha das principais considerações teóricas dos três autores referidos, ilustradas por: (1) experiência pedagógica posta em prática numa disciplina de Educação Artística do Ensino Básico; (2) demonstração da necessidade de realização de visitas de estudo a museus com exposições interactivas. Desde a promoção da aprendizagem activa, passando pela garantia de abordagem dos interesses dos alunos até à definição de estratégias de estimulação da motivação, conclui-se que é importante defender as concepções de uma aprendizagem voltada para o aluno que experimenta, descobre e, assim, desenvolve o seu raciocínio. Palavras-chave: aprendizagem activa – educação artística – exposições interactivas

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Este artigo tem como objectivo reflectir sobre a aprendizagem através da experiência, com enfoque em algumas das ideias-chave legadas por John Dewey, Jean Piaget e Jerome Bruner. A escola de hoje deve seguir os pressupostos destes autores e o professor deverá direccionar as actividades para os interesses dos seus alunos, por forma a potenciar a motivação destes. Apresenta-se uma resenha das principais considerações teóricas dos três autores referidos, ilustradas por: (1) experiência pedagógica posta em prática numa disciplina de Educação Artística do Ensino Básico; (2) demonstração da necessidade de realização de visitas de estudo a museus com exposições interactivas. Desde a promoção da aprendizagem activa, passando pela garantia de abordagem dos interesses dos alunos até à definição de estratégias de estimulação da motivação, conclui-se que é importante defender as concepções de uma aprendizagem voltada para o aluno que experimenta, descobre e, assim, desenvolve o seu raciocínio.

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Motivar e ensinar através da experimentação

Marta Ornelas

[email protected]

Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa

Caldas da Rainha, 1 de Junho de 2009

Resumo

Este artigo tem como objectivo reflectir sobre a aprendizagem através da

experiência, com enfoque em algumas das ideias-chave legadas por John

Dewey, Jean Piaget e Jerome Bruner. A escola de hoje deve seguir os

pressupostos destes autores e o professor deverá direccionar as actividades

para os interesses dos seus alunos, por forma a potenciar a motivação destes.

Apresenta-se uma resenha das principais considerações teóricas dos três

autores referidos, ilustradas por: (1) experiência pedagógica posta em prática

numa disciplina de Educação Artística do Ensino Básico; (2) demonstração

da necessidade de realização de visitas de estudo a museus com exposições

interactivas. Desde a promoção da aprendizagem activa, passando pela

garantia de abordagem dos interesses dos alunos até à definição de

estratégias de estimulação da motivação, conclui-se que é importante

defender as concepções de uma aprendizagem voltada para o aluno que

experimenta, descobre e, assim, desenvolve o seu raciocínio.

Palavras-chave: aprendizagem activa – educação artística – exposições

interactivas

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1. Aprender Fazendo

John Dewey incentivou a prática educativa de “learn by doing”, aprender

fazendo, colocando o carácter insubstituível da experiência no centro do

processo educativo, incutindo à escola a função de possibilitar que a criança,

ao experimentar e concluir sobre o resultado da sua experiência, proceda a

um questionamento permanente. Nascido em Burlington (E.U.A.) no ano de

1859, Dewey foi um teórico educacional que se manifestou contra a educação

tradicional, marcada pelo intelectualismo e pela memorização, e criticou a

ideia de formar a criança de acordo com modelos previamente definidos,

defendendo que à criança devem ser fornecidos os meios para que resolva por

si própria os problemas que lhe são colocados fazendo-os sentir como seus.

A aquisição dos valores educativos pela criança depende, segundo Dewey, dos

seus interesses e capacidades, devendo a escola procurar ir ao encontro

destes e apoiar-se neles, valorizando a curiosidade natural.

Dewey atribuiu uma importância fulcral às actividades manuais,

estimuladoras da resolução de problemas concretos e impulsionadoras do

espírito cooperativo e, consequentemente, social. A independência da

criança, provocada pela iniciativa, traduzir-se-ia numa autonomia

valorizadora do espírito democrático, mais uma vez discordante com o ensino

tradicional apoiado, também, na obediência.

O seu princípio de processo de ensino-aprendizagem baseava-se (a) na

compreensão do saber de forma dinâmica, através de um método activo; (b)

nos alunos e no professor como actores de importância inequívoca, num

processo centrado na experiência e partilha de responsabilidades; (c) na

aprendizagem construída de modo colectivo tal como a produção do

conhecimento, salvaguardando a ideia de que viver e aprender acontecem em

simultâneo. Dewey faleceu em Nova Iorque no ano de 1952, tendo o seu

legado sido, de alguma forma, continuado por Jean Piaget e Jerome Bruner.

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Nascido em Neuchatel no ano de 1896, Jean Piaget criticou o ensino

tradicional, inibidor das relações sociais e incentivador do desenvolvimento

do trabalho individual. Tal como Dewey, considerou que, na época, a

transmissão de conhecimentos era feita com base no apelo à memorização e

fundamentada num saber livresco que pouco contribuía para o emergir de

espíritos autónomos e socialmente cooperantes.

Com o intuito de modificar esses enraizados processos de ensino, Piaget foi

um acérrimo defensor da Escola Nova ou Activa1, procurando que o processo

educativo fosse baseado em princípios sociais, cognitivos e morais como

forma de construção de indivíduos autónomos, críticos e criativos. Incluiu na

sua teorização sobre objectivos gerais e universais da educação conceitos de

liberdade, paz, solidariedade e convergência de pontos de vista entre os

indivíduos. Para a prossecução destes objectivos, considerou necessária a

«construção de um espírito crítico e de uma inteligência activa; ambos se

desenvolverão pela aposta na cooperação entre os pares, sem qualquer forma

de coacção» (Morgado, 2005, p.27).

De acordo com o que defendia Dewey, Piaget, que viria a falecer em 1980, em

Genebra, referiu sempre a importância da acção como método de

desenvolvimento da consciência, permitindo que a criança pense de um

modo progressivo através de reestruturações internas.

Piaget salientou que nenhuma aprendizagem é significativa se não

envolver activa e intimamente o sujeito, sendo esta mais uma marca

de uma orientação para a autonomia do sujeito. A seu ver, uma

verdade aprendida sem ser reinventada pelo estudante que a aprende

não é aprendizagem nenhuma, algo que nenhum pedagogo ousará

desafiar (Lourenço, 2005, p. 65).

Por seu turno, Jerome Bruner, nascido em Nova Iorque em 1915, desafiou o

sistema educativo americano ao propor que a aprendizagem fosse baseada na

descoberta, ao invés do método tradicional que valorizava o conhecimento

científico em detrimento dos conceitos subjectivos. 1 O conceito de Escola Nova ou Activa pressupõe a acção como motor do desenvolvimento cognitivo.

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Seguidor da Teoria Construtivista2, Bruner refere que o desenvolvimento

pessoal parte de processos de descoberta espelhados em situações variadas e

que as informações retidas pelo aluno surgem dentro de uma estrutura

cognitiva construída por si próprio, composta por esquemas e modelos

mentais, que lhe permite seleccionar e transformar a informação, construir

hipóteses e tomar decisões. Desta forma, o aluno conseguirá ir para além das

informações dadas, atribuindo-lhes significado e apresentando-se como

elemento activo e construtor da sua própria aprendizagem e não um mero

receptor de respostas correctas. O aluno vai construir novas ideias e conceitos

baseados nos seus conhecimentos passados e actuais.

Defendendo a aprendizagem por meio da descoberta, Bruner apresenta o

conceito de ensino hipotético-dedutivo, que pressupõe uma participação do

aluno nas tomadas de decisão, explorando os exemplos e descobrindo os

conceitos implícitos (Rafael, 2005, p. 173).

Tendo como base o legado de Dewey e as considerações de Piaget e de

Bruner, hoje as escolas devem proporcionar aos seus alunos situações

voltadas para a percepção da realidade e para a abertura do espírito.

2. A Escola de Hoje – experiência pedagógica em Educação

Artística

A escola de hoje deverá enveredar por práticas pedagógicas inovadoras que

despertem a criatividade e a curiosidade através da experimentação. Ao

experimentar, ao agir sobre a situação, o aluno percorre um caminho,

contorna obstáculos e ultrapassa os conhecimentos anteriormente

adquiridos. Isto fá-lo ganhar confiança nas suas capacidades e satisfação pela

resolução do problema, o que poderá contribuir para que lhe seja incutido um

espírito de responsabilidade.

2 As teorias construtivistas partem do pressuposto de que todos nós construimos a nossa concepção do

mundo a partir da reflexão sobre as nossas próprias experiências. A aprendizagem assenta num papel activo do aluno, que constrói significados adequados a partir dos conteúdos e actividades que o professor lhe proporciona.

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O professor deve promover a aprendizagem activa, proporcionando ao aluno

a experimentação directa e imediata que lhe permita aprender por sua

própria iniciativa, uma vez que é ele que controla o processo. O professor

torna-se um observador-participante que impulsiona o desenvolvimento

cognitivo do aluno, uma vez que os interesses e capacidades deste serão tanto

mais promovidos quanto mais relevante for o seu papel na interacção dos

elementos da aprendizagem.

As experiências activas e directas ajudam a desenvolver os sentidos e o

sistema motor e proporcionam aos alunos uma melhor compreensão. O

professor poderá preparar diversas actividades incentivadoras da sua

participação na resolução de problemas, como (a) colocar questões e sugerir

procedimentos para que as actividades estimulem o desenvolvimento dos

alunos; (b) pedir aos alunos que planeiem uma actividade, o que permite que

sejam eles a determinar os seus próprios objectivos; (c) colocar à disposição

diversos materiais que o aluno possa seleccionar.

Foi com base nesta última tipologia de actividade que foi proposta a

realização de um trabalho a uma turma de alunos do 8º ano de escolaridade

(com idades compreendidas entre os 13 e os 15 anos) na disciplina de Oficina

de Expressão Plástica, disciplina de oferta no âmbito da Educação Artística

numa escola de Ensino Básico. Foi solicitado aos alunos que realizassem uma

composição plástica, inspirada na obra de diversos pintores (Klimt,

Modigliani, Miró, Van Gogh e Matisse) que marcaram a história da arte. O

objectivo seria criar algo novo tendo como base referências artísticas já

existentes. A cada aluno seria dada a oportunidade de seleccionar as

referências artísticas da sua preferência.

A primeira aula planeada para a leccionação desta unidade de trabalho

consistitu numa aborgadem teórica – ilustrada com imagens – à vida, obra e

vertentes estéticas dos artistas. Nesta aula, os alunos contactaram pela

primeira vez com a maioria das obras apresentadas, desenvolvendo uma

experiência valiosa. Na aula seguinte, após tomarem conhecimento do

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enunciado da actividade, reagiram apreensivamente por a considerarem de

difícil execução. Contudo, assim que lhes foi dada a oportunidade de

seleccionarem os artistas e as obras, de entre os que tinham sido abordados

na aula teórica, a reacção foi imediatamente de aceder à proposta com

motivação e empenho.

O desenvolvimento dos trabalhos plásticos, utilizando a técnica do pastel seco

sobre papel de formato A3, revestiu-se de uma clara dedicação, chegando a

registar-se uma curiosidade generalizada dos alunos em saber escrever

correctamente o nome dos artistas escolhidos e a rever pormenores acerca da

sua vida pessoal.

Este trabalho possibilitou novas leituras sobre as obras dos artistas

mencionados e, embora se tratassem de reproduções impressas, permitiu

experiências estéticas criativas de diálogo entre os alunos e as obras de arte

que escolheram.

Figura 1 - Trabalho realizado pela Inês, baseado nas imagens que seleccionou - Klimt

(1918), Modigliani (1914), Van Gogh (1888) e Van Gogh (1888).

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Figura 2 - Trabalho realizado pelo Tiago, baseado nas imagens que seleccionou - Matisse

(1953), Matisse (1952), Van Gogh (1888), Van Gogh (1887) e Van Gogh (1888).

Figura 3 - Trabalho realizado pela Maria, baseado nas imagens que seleccionou - Klimt

(1909), Klimt (1917), Van Gogh (1890), e Miró (1961).

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3. Os Interesses dos Alunos

Para garantir a eficácia das acções é fundamental que tanto os alunos como o

professor participem nos processos, sendo necessário direccionar as

actividades para os interesses dos alunos, por forma a que estes se sintam

motivados.

O interesse dos alunos pode ser aproveitado para adaptar o currículo como

forma de potenciar a sua motivação intrínseca3. Proporcionar-lhes

actividades que vão ao encontro dos seus interesses impulsionará a sua

atenção, concentração, empatia e compreensão. Neste sentido, o aluno

atingirá os objectivos cognitivos previstos e obterá, certamente, um melhor

aproveitamento.

Em vez de controlar as acções dos alunos, o professor deve orientar as

actividades em que estes se vêem envolvidos. O professor cria a estrutura do

ambiente de aprendizagem para que os alunos possam, naturalmente,

aprender.

Inseridos num grupo-turma, independentemente das suas características

individuais – língua materna, etnia, classe social, sexo, idade, valores,

costumes e estrutura familiar –, os alunos necessitam da criação de

oportunidades para uma aprendizagem activa que lhes permita desenvolver

as suas capacidades. O professor terá que demonstrar flexibilidade e

perspicácia na resolução de problemas que se lhe irão colocar, uma vez que,

mesmo num grupo-turma homogéneo, os alunos apresentarão diferenças ao

nível das experiências de vida, interesses e níveis de desenvolvimento. A

estrutura deve, portanto, ser aberta.

O reconhecimento dos interesses dos alunos por parte do professor

possibilita a eficiência dos processos de aprendizagem. Estes interesses são

3 A motivação intrínseca possibilita a obtenção de satisfação através de reforços internos, sem relação a

reforços do exterior, sendo a actividade um fim em si mesma. Por sua vez, a motivação extrínseca necessita de reforços externos que sustentem a satisfação, havendo uma consequência pela qual a actividade é realizada.

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uma variável importante no rendimento escolar, uma vez que influenciam a

actuação dos alunos perante situações-problema. O envolvimento e a empatia

que cada aluno manifesta possibilita uma maior probabilidade de realizar

com sucesso as tarefas propostas pelo professor.

Quando uma actividade é recompensada, o interesse por ela desenvolve-se e

quando um aluno apresenta uma harmonia entre interesse, aptidão,

motivação e oportunidade os problemas de adaptação são quase nulos. O

professor poderá, então, fazendo uso dos interesses dos alunos, planear

actividades de relevância educacional adequadas a este contexto. Ao estar

alerta e disponível para “receber” as manifestações, nomeadamente os

interesses temporários que muitas vezes diversos grupos apresentam – como

passatempos utilizados em casa, por exemplo – o professor encoraja os

alunos a desenvolver as suas capacidades. Regra geral, o aluno orgulha-se de

poder evidenciar, no contexto da aula, a actividade que desenvolve,

usualmente, em casa, o que vai fazer com que os seus conhecimentos e

interesses na disciplina sejam ampliados. Originalmente positivos, os

interesses dos alunos contribuem favoravelmente para o seu progresso na

aprendizagem.

4. Dificuldades e Estratégias Para a Estimulação da Motivação

Quanto mais adaptado estiver o currículo aos interesses e capacidades dos

alunos, maior será a motivação destes para aprender. Aprender requer

concentração e esforço, mas este acto pode também ser divertido e

estimulante, assim o professor proporcione actividades práticas e os seus

alunos encontrem sentido e necessidade nos conteúdos abordados.

A motivação é um factor essencial à aprendizagem e para que se revele é

necessário libertar o aluno das expectativas que este manifesta quanto à pré-

existência de uma resposta correcta, e também dos reforços e punições

imediatos para que se mostre disponível para o trabalho.

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Proporcionar experiências condicionadas pela motivação, pela predisposição

para a aprendizagem, é o primeiro de quatro pressupostos de Bruner para os

quais se deve direccionar a teoria da instrução, sendo os outros três: a

estrutura – organização do conhecimento para que este seja mais facilmente

compreendido pelo aluno, sendo possível que qualquer assunto possa ser

ensinado de modo eficaz a qualquer criança em qualquer idade; a sequência

de apresentação do conhecimento – organizada desde a representação

motora (representação das palavras através de acções) para a icónica (através

de imagens e ausência de acção) até à simbólica (tradução do conhecimento

em linguagem); e a natureza e ritmo dos reforços – a informação retroactiva

do desempenho do aluno (Bruner, 1999, pp.61-76).

A motivação do aluno deverá ser estimulada pelo professor e incide sobre

factores culturais, motivacionais e pessoais, sendo necessário e proveitoso

relacionar os conteúdos com a realidade exterior, tornando-os úteis para o

desenvolvimento pessoal do aluno.

A motivação é muitas vezes difícil de estimular na aula, dadas as condições

inerentes a esta, por diversas razões: (a) os currículos estão voltados para

aquilo que a sociedade entende que os alunos devem aprender e não naquilo

que os alunos escolheriam se lhes fosse dada oportunidade para tal; (b) o

processo de aprendizagem está vocacionado para a obtenção de

classificações, facto que muitas vezes conduz ao descontentamento e até ao

embaraço de alguns alunos perante os seus colegas; (c) a escola fomenta o

sucesso dos seus alunos e a consequente elaboração de estatísticas, relatórios

e outras informações escritas a comunicar aos pais e encarregados de

educação – a focalização é feita no sucesso e não no benefício do

conhecimento; (d) a preocupação em cumprir os programas e as actividades

previamente estabelecidas compromete, muitas vezes, a aquisição do

conhecimento; (e) as turmas têm, na maior parte dos casos, um número

excessivo de alunos, o que dificilmente permite atingir as necessidades

individuais de cada um.

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No que respeita a este último ponto, o professor pode, no entanto, tentar ir ao

encontro das necessidades individuais dos alunos através da atribuição de

tarefas diferenciadas dentro da mesma sala de aula. Poderá, por exemplo,

proporcionar aos seus alunos actividades semelhantes a jogos que

possibilitem a aplicação de conhecimentos adquiridos adaptados a uma

componente lúdica da aula. Por meio do raciocínio, o aluno atingirá uma

solução, pondo em prática os seus recursos cognitivos. Se o professor

conseguir transpor os conteúdos a leccionar para jogos cognitivos conseguirá

também facilitar o desenvolvimento cognitivo dos seus alunos, tendo em

consideração que para atingir os objectivos desejados o professor deverá,

previamente, preparar a actividade de acordo com os alunos em questão,

explicitar-lhes qual é a meta a atingir e consciencializá-los das regras do jogo

(Bahia, 1999).

As actividades que o professor proporciona podem ainda aumentar a

motivação intrínseca, considerando pelo menos quatro factores:

[...] desafio (ajustar os níveis de dificuldade para que as tarefas sejam

sempre desafiadoras); curiosidade (incluir elementos que estimulem

a curiosidade); controlo (oferecer escolhas ou por outro lado

encorajar os alunos a experienciar o sentido de autonomia ou auto-

determinação quando estes se empenham nas actividades); e fantasia

(embelezar as actividades de modo a encorajar os alunos a empenhar-

se nelas com um jogo divertido, uma identificação com personagens

fictícias, ou um envolvimento num mundo de fantasia) (Brophy,

2004, p.227).

Sempre tendo em conta os interesses dos alunos e os seus níveis de

desenvolvimento cognitivo, o professor deve privilegiar os métodos de ensino

que promovam a interacção social em contexto de aula. Mais importante do

que a apresentação de desenhos ou esquemas, que implicam meramente a

percepção visual, o professor deverá proporcionar jogos e/ou actividades que

permitam a manipulação de materiais, indispensável ao desenvolvimento da

curiosidade, da necessidade de experimentação e do consequente espírito de

reflexão (Morgado, 2005, p.32).

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5. Visitas de Estudo a Museus – uma estratégia a adoptar

A promoção da aprendizagem permitindo que o aluno experimente e

descubra de forma autónoma – tal como foi defendido por Dewey, Piaget e

Bruner – pode ser conseguida através de meios diversos que se traduzam

num conjunto de actividades relacionadas com estratégias previamente

definidas pelo professor. Entre estas actividades encontram-se as visitas de

estudo, que são por si só experiências de aprendizagem valiosas (Ribeiro;

Ribeiro, 1989, p.445).

As visitas de estudo aos museus podem constituir importantes vias para a

aquisição de conhecimentos, uma vez que estes têm objectivos educativos e

dispõem de actividades variadas. Muitas das crianças entram pela primeira

vez num museu com as suas escolas e os museus podem proporcionar aos

alunos experiências activas e dinâmicas que dêem lugar à reflexão e análise,

através de actividades específicas articuladas com os programas curriculares

de cada nível de ensino.

Figura 4 – Oficina pedagógica direccionada para o 3º ciclo do Ensino Básico. Museu

Colecção Berardo, Lisboa.

Desde as visitas guiadas às fichas didácticas propondo tarefas específicas que

têm como objectivo principal a consolidação de alguns conceitos abordados,

as actividades pedagógicas nos museus constituem exemplos interessantes a

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explorar, uma vez que contribuem para agilizar a actividade sensorial e

motora tão necessárias ao desenvolvimento cognitivo.

Figura 5 - Fichas didácticas para exploração de actividades plásticas baseadas em obras

expostas. Tate Modern, Londres.

Os ateliers de trabalho realizados nos museus podem também cativar os

alunos, proporcionando tarefas diversificadas de carácter lúdico que

estimulam a capacidade criativa, proporcionando novos contextos

intelectuais e familiarizando os alunos com conceitos culturais susceptíveis

de desenvolver as suas capacidades e imaginação.

6. As Exposições Interactivas

A participação numa experiência interactiva implica que os alunos se

confrontem com um problema real que tentarão superar para atingir os seus

objectivos. Esta aprendizagem poderá ser, simultaneamente, crítica e

construtiva, promovendo a ideia de “aprender fazendo”, tal como defendia

Dewey. A experiência interactiva irá proporcionar uma descoberta da parte

do aluno. A descoberta é, em si mesma, muito mais aliciante do que a noção

prévia de que se vai aprender algo. Proporciona autonomia e o aluno é

recompensado pela própria descoberta, dispensando reforços exteriores.

Deste modo, o aluno empenha-se, participa activamente, concentra-se e

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consegue ampliar a sua auto-confiança. O aluno atribui um grande valor à

tarefa – sente-se mais absorvido pela informação que recolheu do que se esta

fosse apresentada por outro.

Nas exibições interactivas, os objectos são peças de equipamentos

especialmente concebidos para que o próprio visitante do museu

possa efectuar experiências e observações, permitindo a apresentação

de conceitos, ideias e princípios científicos e técnicos.

Quer dizer, nestas exibições, não é o objecto em si mesmo que conta,

mas a informação que pode ser obtida, a partir da sua manipulação

(Gil, 1992, P.83).

Assim, cumpre-se um dos objectivos da educação: «proporcionar ao aluno

segurança e confiança na sua capacidade de pensar, criativamente, em

problemas intelectuais. A descoberta conduz a essa meta, pois requer do

aluno a inferência de conceitos ou princípios, sem que outra pessoa o oriente

exageradamente» (Ronca; Escobar, 1984).

Mesmo que não sejam interactivas, as exposições incluem, frequentemente,

elementos diversificados susceptíveis de facilitar a transmissão de

conhecimentos, como os elementos gráficos (textos e imagens) e/ou

audiovisuais que complementam os objectos expostos, atribuindo-lhes uma

interpretação própria.

Frequentemente utilizados para demonstrar, por exemplo, como se fabrica

um objecto, ou para visualizar um acontecimento histórico, os elementos

audiovisuais têm geralmente uma grande aceitação por parte dos alunos,

qualquer que seja a faixa etária e o nível de conhecimento. Os elementos

tridimensionais surgem também como réplicas/modelos capazes de

apresentar objectos ou conceitos de forma imediata e de fácil interpretação,

como por exemplo, a representação de um elemento orgânico em grande

escala ou um modelo de uma espécie extinta.

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Figura 6 - Modelo tridimensional interactivo – através de equipamento auditivo, pode

ouvir-se o som que seria emitido pelos animais. The Natural History Museum, Londres.

As situações de interactividade introduzem a visita ou complementam-na

durante o percurso e têm um carácter eminentemente didáctico,

possibilitando a transmissão de conhecimentos de forma lúdica. Os alunos

são constantemente incentivados a intervir na exposição, realizando as

experiências propostas e os objectos são apresentados integrados em

artifícios experimentais de forma a poderem explicar conceitos. Desta forma,

a informação é mais facilmente apreendida pelos alunos. A manipulação dos

objectos faz com que estes ganhem uma nova dimensão informativa,

aumentando a atracção do experimentador.

Figura 7 - Modelo de experimentação de construção de um arco romano. Musée des Arts et

Métiers, Paris.

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Em alguns casos de interactividade, numa visita de estudo os alunos podem

deparar-se com o que há de mais moderno em termos tecnológicos,

principalmente nos museus de ciência e técnica. Na Europa, desde a criação

do Palais de La Découverte, em Paris, em 1937, que proliferaram as

exposições interactivas ou a integração de elementos interactivos em

exposições diversas. Um dos exemplos de referência é o Musée des Arts et

Métiers, em Paris. Pretendendo transmitir conhecimentos técnicos e

históricos sobre instrumentos científicos, materiais, construção,

comunicações, energia, mecânica e transportes, o museu coloca ao dispor dos

visitantes pequenos aparelhos de informação visual – imagens e texto – que

funcionam através da tecnologia de touch screen. Deste modo, quem visita

pode seleccionar a informação que pretende conhecer acerca de um

determinado objecto ou modelo exposto.

Um outro caso de sucesso entre o público escolar tem sido a Galeria dos

Dinossauros, no Natural History Museum, em Londres, que apresenta uma

variedade significativa de experiências interactivas que apelam à curiosidade

das crianças, nomeadamente através de questões imediatas, de resposta

múltipla, que lhes são dirigidas, às quais devem responder através da

selecção do botão luminoso correspondente. Seguidamente, a resposta surge

e com ela as explicações acompanhadas de modelos demonstrativos

tridimensionais. Muitos dos modelos são reproduzidos à escala real e

complementados com tecnologia robótica, o que lhes confere um realismo

muito atractivo.

Figura 8 - Robôs animados à escala real permitem experienciar a vida humana no

tempo dos dinossauros. The Natural History Museum, Londres.

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Em Portugal só recentemente surgiram as exposições com ingredientes

interactivos, presentes sobretudo nos museus relacionados com conceitos

científicos, que são normalmente designados por Centros de Ciência Viva4.

Excelentes exemplos destas práticas são o Visionarium, em Santa Maria da

Feira, e o Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa, onde funciona a exposição

permanente com o apelativo título “Vê, Faz, Aprende”.

Em suma, os pressupostos que Dewey defendeu sobre a aprendizagem

baseada na experiência podem encontrar a sua expressão prática fora da sala

de aula, nas exposições interactivas. A intervenção directa dos alunos nas

actividades propostas desafiará a sua curiosidade, incitará à experimentação

e provocará confiança nas suas capacidades e satisfação pela resolução dos

problemas.

7. Conclusão

Contrariamente aos modelos tradicionais de ensino nos quais se privilegia o

armazenamento e recordação da informação, os alunos devem ter a

oportunidade de experimentar e descobrir de forma autónoma. Devem

desempenhar um papel activo, conduzindo o seu percurso em direcção aos

conceitos a adquirir, aquisição esta que estará dependente dos seus actos de

descoberta.

Por sua vez, o professor, ao invés de dirigir exclusivamente, deverá organizar

o ambiente de trabalho para que os alunos possam realizar a sua experiência

com sucesso, prestando-se ao fornecimento da informação necessária. O seu

papel poderá ser também de aconselhador quanto aos métodos e técnicas a

utilizar pelos alunos. Ao proporcionar a experiência aos alunos, o professor

estará a contribuir para que o processo de aprendizagem seja mais eficiente,

4 “Os Centros Ciência Viva são espaços interactivos de divulgação científica e tecnológica distribuídos pelo território português, funcionando como plataformas de desenvolvimento regional - científico, cultural e económico - através da dinamização dos actores regionais mais activos nestas áreas.”, in http://www.pavconhecimento.pt/centros_cv/

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fazendo com que os alunos adquiram conhecimento e desenvolvam a sua

capacidade de raciocínio.

A preocupação que o professor deve manifestar em relação aos interesses dos

alunos será propícia a um melhor desempenho por parte destes, despertando

o seu envolvimento e empatia em relação à disciplina. Se alunos motivados

aprendem mais e melhor, o professor deve criar as condições necessárias

para estimular a predisposição para a aprendizagem, proporcionando

experiências adequadas. Desde a utilização de jogos cognitivos à execução de

projectos, há uma diversidade de estratégias que o professor poderá adoptar

para motivar os seus alunos e ir ao encontro dos seus interesses.

As visitas de estudo a museus constituem experiências valiosas de

aprendizagem e devem ser fomentadas. Quer participando em visitas

guiadas, quer realizando actividades específicas, os alunos encontrarão nos

museus situações experienciais que contribuirão para ampliar o seu

desenvolvimento sensorial e cognitivo. Mais especificamente, as exposições

que incluem ingredientes de carácter interactivo poderão englobar meios de

aprendizagem diversos.

Os pressupostos que Dewey lançou sobre a aprendizagem através da acção,

“learn by doing”, continuam firmes, sendo esta a forma de melhor transmitir

o conhecimento aos alunos. Contrariando a escola tradicional, Piaget e

Bruner contribuíram também para a defesa desta posição, em prol da

construção de sujeitos autónomos, críticos e criativos. E este deve ser o rumo

da escola de hoje.

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