Monografia história

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS Teodoro Gonçalves Silva RELATO DE UMA VIDA: ENCANTAMENTOS DA MEMÓRIA E FENDAS DA HISTÓRIA

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

Teodoro Gonçalves Silva

RELATO DE UMA VIDA:

ENCANTAMENTOS DA MEMÓRIA E FENDAS DA HISTÓRIA

GOIÂNIA

2012

TEODORO GONÇALVES SILVA

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RELATO DE UMA VIDA:

ENCANTAMENTOS DA MEMÓRIA E FENDAS DA HISTÓRIA

Monografia apresentada ao Departamento de História Geografia e Ciência Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás como requisito parcial para obtenção da Licenciatura em História, sob a orientação do Profº. Ms. Antonio Luiz de Souza.

GOIÂNIA

2012

TEODORO GONÇALVES SILVA

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RELATO DE UMA VIDA:

ENCANTAMENTOS DA MEMÓRIA E FENDAS DA HISTÓRIA

Goiânia, Goiás, _____ de dezembro de 2012.

__________________________________ __________ Profº. Ms. Antônio Luiz Souza Nota Orientador

__________________________________ __________ Profª. Ms. Suely Molina Nota

__________________________________ __________ Profª. Ms. Lázara Alzira Freitas Nota

GOIÂNIA

2012

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Dedico este trabalho a todos que, de uma

forma ou de outra, me ajudaram a chegar

ao final. Aos colegas que participei com

eles de muitas aulas, como portador de

diploma não tive uma turma definida. Ao

Pe. Sebastião Martiniano França, pelas

muitas conversas para a realização deste

e, ao meu irmão José Borges de Oliveira,

pelas muitas informações de quando eu

era pequeno; senão, o trabalho não teria

acontecido.

AGRADECIMENTO

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“(...): a vós graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo!

(...) Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós, e sempre em

todas as minhas súplicas oro por todos vós com alegria, pela vossa participação no

evangelho desde o primeiro dia até agora, e tenho certeza de que aquele que

começou em vós a boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus” (Fl

1,2-6).

O apóstolo Paulo, demonstrava paixão em tudo o que fazia. A comunidade de

Filipos, recebeu dele carinho especial em muitas situações. No decorrer de toda a

carta, ele se refere àquela comunidade, filipense, com carinho, cheio de apreço e

sempre agradecido por tudo. Há uma passagem desta mesma carta em que ele se

dirige à comunidade e chama-a: “minha joia, minha coroa”. Também, aqui, em

primeiro lugar, quero agradecer a Deus Pai, por tudo o que Ele me dá: a vida, o

gosto pelas coisas boas, capacidade para superar as dificuldades, etc. Agradeço

também, pelas amizades e coleguismos que foram alimentados e mantidos no

decorrer do curso. Agradeço aos professores, sobretudo, àqueles que não se

colocaram nem acima e nem abaixo dos alunos em sala de aulas; mas, se

colocando lado a lado com os alunos, “fazendo parcerias”, usando uma expressão

de Paulo Freire, para que o gosto pelo conhecimento fosse fisgado pelos alunos. À

professora Lazara Alzira, pela grande contribuição para que o trabalho se tornasse

realidade. À professora Suely Molina, por ter aceitado prontamente a tarefa de arguir

o trabalho. Ao professor Antonio Luiz, pela generosidade, paciência e prontidão em

me orientar, tirar as dúvidas e, dar suporte para que o trabalho se organizasse,

crescesse e se tornasse real. Foi muito bom! Agradeço aos colaboradores Maristela

das Graças Ribeiro e Maria Aparecida da Silva; a W. S. G Júnior, psicólogo, pelas

contribuições na digitação do trabalho, ao Edivar Bispo de Jesus, pela correção do

português e pela amizade. Meu colega no ministério presbiteral até pouco tempo, e

também psicólogo. In Memoriam a Caio César Mesquita, falecido dia 26/08/2012,

que tanto queria ler este trabalho, mas, infelizmente não teve tempo! Foi ele quem

digitou o resumo e a introdução. Segundo Tereza de Ávila, “tudo é graça”. Por isso,

agradeço ao Pai criador, a graça de, aos Sessenta e Três anos de vida, ainda estar

freqüentando a academia. Nem todos podem, infelizmente! Obrigado, meu Deus, por

tudo! Tua presença em nossa vida é a Graça maior.

RESUMO

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Este trabalho acadêmico é uma narrativa da trajetória de vida do autor e uma reflexão sobre o binômio História e Memória. A narrativa transforma-se em depoimento, sendo escrita na primeira pessoa, alcançando a infância, a formação educacional e vocacional. Os objetivos do trabalho alcançam a questão acadêmica e a literatura de testemunho, uma vez que a vocação do autor era ser ordenado padre da Igreja Católica.

Palavras-chaves: História, narrativa, memória.

ABSTRACT

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This academic work is a narrative of the author and a reflection on the binomial History and Memory. The narrative becomes testimony, being written in first person, achieving childhood, educational and vocational formation. The objectives reach the issue of academic literature and testimony, since the author's vocation was to be ordained a priest of the Catholic Church.

Key-words: History, narrative, memory.

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO...........................................................................................................09

CAPÍTULO I - INCOMPLETUDES DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA..........................13

CAPÍTULO II - CADÊ O PASSADO QUE ESTAVA ALI? ESTILHAÇOS DISTANTES..25

CAPÍTULO III - EM BUSCA DO TEMPO VIVIDO NA TERRA DISTANTE................39

CAPÍTULO IV - FARIA TUDO DE NOVO OU REINVENTARIA O PASSADO E A MEMÓRIA? 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................67

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................69

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INTRODUÇÃO

Sempre vinha à minha cabeça a vontade, o desejo de escrever algo sobre a

minha vida, minha luta, busca e trajetória até chegar ao sacerdócio. Mas isso vinha e

ficava sufocado, achando que não seria capaz de colocar tudo no papel, pelo fato de

ser trabalhoso e cansativo e iria depender de muito tempo.

Mas, às portas de chegar aos 63 anos (ou 64), que mal teria ocupar-me com

essa tarefa?

Arturo Paoli, um teólogo italiano que viveu na América Latina e atualmente

está na Itália, em seu livro Caminhando se Abre Caminho, defende essa idéia: só

se sabe a extensão e comprimento do caminho percorrendo-o. Se isso nunca se

fizer, nunca se saberá. Então, por que não começar?

No curso de Monografia I, destinado ao projeto da monografia, para poder

concluir o curso de História, alguns temas foram sugeridos: Canudos, o primeiro a

ser cogitado. Depois, veio a idéia de se trabalhar algo com um viés psicológico,

surgindo assim a possibilidade de trabalhar algo sobre Pedro Ludovico Teixeira.

Também, por duas vezes, o orientador falou da possibilidade de se fazer algo sobre

Padre Pereira – o que seria muito interessante - mas, nada disso me animou, me

despertou para o assunto. Não me sentia trabalhando o assunto.

Então, surgiu a ideia de fazer algo no sentido autobiográfico. E, conversando

com a professora Lázara Alzira, esta achou a ideia boa, pertinente e, se tratando da

questão vocacional, disse: “no futuro poderá ajudar alguém a decidir” dar sentido ou

rumo àquilo que possivelmente venha a almejar vocacionalmente falando, isto é, ser

padre. E, possivelmente, será para mim uma alegria futura, poder olhar para a minha

busca, conquista e vivência ministerial e poder ver retratado no papel aquilo que eu

sempre pensei em fazer, mas, nunca me dispus de fato.

Santo Agostinho, em seu livro As Confissões, (1981: 5), bem no início, diz:

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“criastes-nos para vós Senhor; e o nosso coração permanece inquieto enquanto não

repousa em vós”.

Seguindo a ideia agostiniana, Deus é aquele que é capaz de satisfazer,

preencher, saciar plenamente toda sede humana: sede de justiça, verdade, saber,

plenificando o homem, enchendo-o de paz.

Sendo assim, também as realizações humanas, as conquistas, tarefas

realizadas, tanto materiais, intelectuais, espirituais procedem dessa saciedade que

vem de Deus e que realiza o homem plenamente.

Sigmund Freud (1996), em sua obra O Mal Estar na Civilização, quando fala

do cuidado e da sutileza que o psicanalista deverá ter para investigar a alma

humana, suas dores e angústias, diz que o artista quando está esculpindo uma obra

de arte, primeiro concebe a escultura na sua mente e, à medida que vai esculpindo a

estátua, aquilo que fora concebido antes, vai sendo colocado para fora.

Esse trabalho que se está fazendo, acredita-se, tem muito a ver com a

afirmação freudiana. Então, quem sabe, a estátua aparecerá no final. E só

aguardando para poder se ver. Antes, porém, fica a expectativa, ansiedade e a

angústia, aguardando que a conclusão, isto é, a concretização do trabalho chegue

logo.

Ou ainda, no dizer de Cortázar, (1974, p. 147-173), falando do conto, de sua

importância e leveza, ele diz:

É preciso chegar à ideia viva do que é o conto, e isso é sempre difícil na medida em que as ideias tendem ao abstrato, a desvirtualizar seu conteúdo, ao passo que a vida rejeita angustiada o laço que a conceituação quer lhe colocar para fixá-la e categorizá-la. Mais, se não possuirmos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido nosso tempo, pois um conto, em ultima instancia, se coloca no plano humano em que a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal se me permitem o termo; e o resultado dessa batalha e o próprio conto, uma síntese viva e ao mesmo tempo uma vida sintetizada, algo como tremor de água dentro de um cristal a fugacidade numa permanência.

Belíssima a ideia de Cortázar! Chega a emocionar a gente. Falando do conto,

ele coloca como esse algo fugaz, presente/ausente, como o borbulhar da água

dentro de um recipiente de cristal! ... É lindo!

E a vida, não é isso? Diria que a mesma, parafraseando Cortázar, é

semelhante a vários canhões de luz, cada um de uma cor: vermelho, amarelo,

azul...; e todos focalizando o mesmo ponto. E cada um que olhar esse ponto

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focalizado pelas luzes de diferentes cores, o verá de um modo próprio seu. E,

evidentemente, cada um terá e dará um significado próprio a isso. Portanto, a vida e

a história de cada um será vista na perspectiva de cada um; diga-se, ainda, que

aquele que traçou o próprio caminho terá e dará um significado à luz de tudo aquilo

que foi e é vivenciado.

O trabalho que hora se apresenta trata da autobiografia, ou relato ego-

histórico do autor, para poder chegar à vida sacerdotal. Fala da sua luta, busca,

tentativas, decepções, e finalmente a ordenação presbiteral, em dezembro de 1988.

Contém o trabalho, quatro capítulos, onde o mesmo fala da sua vida, acertos

e desacertos.

No capítulo primeiro, faz-se o embasamento teórico baseando-se em duas

figuras fora de suspeita para referendar o assunto, reforçando teoricamente a

questão da ego-história: Hobsbawm e Nora.

No capítulo segundo é relatado seu contexto familiar, social, sua meninice,

adolescência e a juventude; o despertar da vocação e, as tentativas na sua diocese

de origem, para encaminhar os estudos; os incentivos dos amigos e os

desestímulos.

O terceiro capítulo narra a saída do seu contexto social, deixando para trás

sua gente, amigos e partindo para tentar encaminhar os estudos e trabalho em São

Paulo, capital. São mostradas suas buscas em São Paulo, convivência na casa da

tia adotiva, trabalhos, amizades; esforço para alimentar a vida espiritual, sua relação

com o Mosteiro de São Bento, centro de São Paulo e, finalmente, a ida para o

interior, a cidade de Itaporanga, o tempo que lá permaneceu e, chegando à

conclusão que em Itaporanga não teria como encaminhar os estudos, vindo,

finalmente, a deixar o Mosteiro no final do ano de 1976. Volta para São Paulo,

permanece aí até o início do ano de 1977.

O quarto capítulo fala da sua ida para Ribeirão Preto, (SP); onde morou de

janeiro de 1977 até 1984, quando foi dispensado da diocese de Franca, do

encaminhamento dos estudos, primeiro e segundo graus supletivo, do curso de

filosofia e a teologia, contato e vinda para Goiânia em 1985. Aqui concluiu o curso

teológico e foi ordenado diácono a seis de abril de 1988, anti-véspera do aniversário

natalício e, a ordenação sacerdotal, afinal, a 22 de dezembro do mesmo ano, em

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Pintadas, (BA), sua terra natal. E, foi o primeiro da sua cidade a ser ordenado padre.

Depois dele, outros cinco já foram ordenados também (filhos da cidade).

Nélida Piñon, em seu livro, Coração Andarilho – memórias, fala da

necessidade, importância e risco de falar da história pessoal.

Hobsbawm, na introdução do seu livro, A era dos Impérios, fala que, entre a

história e a memória, há uma “zona de penumbra”, para falar da dificuldade e risco

que há em se falar de si; isto é, o trabalho daquele que conta a sua autobiografia,

deve ser muito criterioso e sutil.

E Nora, prefaciando o livro, Ensaios de Ego-história, fala do medo, da

insegurança e da inibição que os historiadores tiveram no decorrer da história para

falar de suas vidas. Se escondiam atrás de suas escrivaninhas, contentando-se

apenas em falar de si nas conclusões dos ensaios que escreviam.

É Nélida quem afirma: “falar de si é não ter vergonha de se expor”.

Lendo estes e outros historiadores, citados no trabalho, foi se convencendo,

no decorrer do mesmo, que valia e, estava valendo a pena, escrever o relato sobre a

sua vida (o autor).

Esse trabalho, que hora se está concluindo, teve como objetivo, narrar a

história do autor. Daí o nome, Relato de uma Vida. Como se falou na introdução, era

algo que se queria, pensava vez ou outra, mas, nunca se imaginou que fosse

exatamente acontecer na monografia encerrando o curso de história.

Para mim foi um voltar atrás em minha caminhada, um olhar à minha história

pelo retrovisor do carro da vida, e vivenciar, ou pelo menos, recordar, muitos

momentos que tive de enfrentar: barreiras, montanhas que tive de atravessar,

espinhos que doeram no mais profundo da alma, e, rosas que colhi. Amizades que

encontrei, muitos amigos já mortos e que me ajudaram tanto.

Mas, nesses dias, 21/10/2012, postei no facebook algo mais ou menos

dizendo assim: enfrentar a vida com as dificuldades que a mesma apresenta em

diversas circunstâncias; pois, se assim não fosse, com as dificuldades, como seria o

viver humano, quais experiências e crescimento se teriam?

Viver, portanto, ainda é a melhor opção! Viva a vida, com tudo que a ela diz

respeito! E, olhar para trás e perceber que alguma semente foi jogada no caminho,

vale a pena. Não deixa bater aquele vazio de não ter feito nada.

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CAPÍTULO I

INCOMPLETUDES DA HISTÓRIA E DA MEMÓRIA

"A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, neste sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento."

Pierre Nora.

Hobsbawm (2011, p. 11), em sua obra, A Era dos Impérios, que trata das

transformações ocorridas no mundo, no período que vai de 1875 – 1914, sobretudo

na Europa, afirma no prefácio desta obra que:

entender e explicar um mundo em processo de transformação revolucionária, localizar as raízes de nosso presente no solo do passado e, talvez sobretudo, ver o passado como um todo coerente (...) como uma montagem de tópicos isolados: (...). Desde que comecei a me interessar por história, sempre quis saber como se articulam todos esses aspectos da vida passada (ou presente) e por quê.

Ninguém, mais do que Hobsbawm, está fora de suspeita para fazer esta

reflexão; pois, a tendência a retratar da história, é se preenchê-la ou envolvê-la de

preconceitos e “valores ideológicos.” Sobretudo, quando se trata da autobiografia de

alguém; pois, refletir, fazer uma autoanálise, apontar os pontos em nós que devem

ser mudados, questionados é muito difícil. Mas, quando se trata de elevar a pessoa,

o indivíduo, o risco é muito grande de colocar-se “qualidades” que, na maioria do

nosso agir, ser e vivenciar, não são no sujeito identificados, não fazem parte do seu

ser.

Os leitores de uma autobiografia, ainda seguindo a ideia de Hobsbawm,

devem procurar ter o cuidado de lê-la com olhos abertos e procurar afastar de si o

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espírito dogmático; e, nas entrelinhas procurar verdadeiramente onde se encontra

de verdade aquilo que foi, é e continuará sendo verdadeiro.

Quem conta a própria história, corre o risco de pender muito para a direita ou

para a esquerda; isto quer dizer, se o indivíduo se coloca como uma figura

impecável, um “Santo”, ou então, se omite, não fala de si com verdade, por uma

série de razões como pudor exagerado, receio de se expor e assim, não fala do si

real, mas do si imaginário, que desejaria ser e não do que ele é verdadeiramente.

Falar de si, corre-se o risco de dizer muito ou então não dizer nada, a

tentação de multiplicar palavras é muito grande. Mas, apesar desses riscos, procurar

ser verdadeiro vale a pena.

Piñon será mencionada à frente, fala numa entrevista ao jornalista Rogério

Borges, na coluna Magazine do jornal O Popular, de 25 de março de 2009, que ela

não tem vergonha de se expor. E assim, essa deve ser a atitude de todo aquele ou

aquela que pretende falar da sua vida.

Não falar de si, ter vergonha de falar de sua vida, não seria negar o seu

existir? Falar de sua vida, pode significar também gosto pelo que é, o que fez, pode

significar ter prazer em ser o que é. Se o indivíduo não se valorizar, quem o fará

isso?

Isso pode até parecer narcisismo; mas que mal há em escrever sobre os

espaços e lugares onde se nasceu, de onde veio e falar dos seus propósitos, ideais,

gostos etc? E reconhecer sua história?

Já disse Pascal, “É justo conhecermo-nos a nós próprios; mesmo se isso não

bastasse para encontrarmos a verdade, seria útil, ao menos para regularmos a vida,

e nada há de mais justo.” (frases. netsaber.com. br)

Talvez, até para não cometer os erros que seus familiares e parentes

cometeram no passado. Conhecer-se também, pode ser uma forma de trazer o

passado para o presente, presentificá-lo e assim, pelo menos imaginativamente,

poder saborear aquilo que é “seu”.

Conhecer-se a si mesmo, já disse Sócrates, nos Séculos V e IV a.C, é a

maior das virtudes e o exercício maior que o homem pode fazer, pois trata-se de

uma verdadeira arte e tarefa árdua; pois não é conhecer por conhecer apenas! Mas,

conhecer para crescer e consequentemente, viver com mais qualidade; ou talvez,

não.

Hobsbawm, citando Nora, apud NORA (2011, p. 13) afirma que:

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memória é vida. Seus portadores sempre são grupos de pessoas vivas, e por isso a memória está em permanente evolução. Ela está sujeita à dialética da lembrança e do esquecimento, inadvertida de suas deformações sucessivas e aberta a qualquer tipo de uso e manifestação. Às vezes fica latente por longos períodos, depois desperta subitamente. A história é a sempre incompleta e problemática reconstrução do que não existe. A memória sempre pertence à nossa época, está intimamente ligada ao eterno presente; a história é uma representação do passado.

De acordo com a afirmativa acima, não se deve ter receio de dizer que a

história “é morta”; ela apenas nos faz tomar conhecimento de algo que aconteceu no

passado. Ao passo que a memória e a criatividade, elas não se prendem nem ao

passado e nem tem como ser futuras, elas acontecem agora, nesse instante e, no

entanto, se reportam ao passado para não deixar a história desfalecer, apagar-se.

Assim, tanto a memória como a criatividade são como que uma faca de dois

gumes, ou como o fiel da balança: além do princípio da fidelidade, que nestas

circunstâncias é muito fluída, também semelhantes ao existir do conto, que na

afirmação de Cortázar, existe enquanto é, e requer o cuidado para recorrer às fontes

escritas, orais, fotográficas etc, para não se fantasiar muito, embora a fantasia é

semelhante ao sonho: tenha também sua importância neste contexto, sem dúvida.

Pois, a fantasia é semelhante ao sonho: quem não sonha não projeta, não almeja,

não vai à frente. Fica olhando para os pés e não é capaz de olhar à distância, para o

horizonte, para o futuro, portanto.

Ainda de acordo com Hobsbawm (2011, p. 15), “há uma zona de penumbra,

entre a história e a memória.” Isso é sempre árduo para o historiador, não há como

abarcar completamente o sentido dessa “terra de ninguém” (idem, p.16).

Essa “zona de penumbra”, ela é por demais complexa, até mesmo para

aqueles que pertencem a uma tal família, grupo, contexto social e para aqueles que

narram sua própria história. Isto, porque o sentido que se dá a algo acontecido há

muitos anos antes, é diferente do sentido que se dá à mesma realidade muitos anos

depois. Os contextos, os sentimentos, interpretações e ressignificações são, em

muitas circunstâncias, até opostos. É desafiador, sem dúvida. Terá que se ter em

vista também que os destinos públicos e privados são inseparáveis e se determinam

mutuamente.

Dessa forma, pode-se afirmar que o passado está fortemente presente no

momento atual e o presente encontra suas raízes firmemente fincadas no passado.

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Assim, nesse sentido, passado e presente estão entremeados, emaranhados numa

intersecção viva e atual, na vida de cada indivíduo e na sua história.

O termo penumbra, aqui, o autor emprega, quero crer, no sentido de que nem

tudo é compreendido; e além disso, muita coisa fica perdida, se jogando no campo

da psicanálise fica na zona perdida do inconsciente do indivíduo, e que no vem e

vai, aparece e desaparece no seu agir, fazer e dizer que nem ele nem os seus se

dão conta. Porque está na zona do “escondido”, zona do não dito, mas existente.

E isso, de acordo com Hobsbawm, não está presente só nos indivíduos, mas

também é aplicado às sociedades. E isto é por demais compreensível, pois as

sociedades são compostas de indivíduos. Assim, não são apenas os indivíduos que

sofrem e também se beneficiam dos prazeres existentes no mundo, mas as

sociedades também. Não seria por causa disso que o mundo já enfrentou duas

grandes guerras e por que os homens não vivem em paz? Por que os homens não

se entendem e não vivem em harmonia? Por que conflitos pipocam em todo mundo?

É bom ouvir Hobsbawm (2011, p. 18). Ali onde os historiadores tentam se

defrontar com um período para o qual existem testemunhas oculares vivas, dois

conceitos de história bem diferentes se chocam ou, no melhor dos casos,

completam-se mutuamente:

a acadêmica e a existencial, o arquivo e a memória pessoal. Pois todo mundo é historiador de sua própria vida passada consciente, na medida em que elabora uma visão pessoal dela: um historiador nada confiável, sob a maioria dos pontos de vista, como bem sabem todos os que se aventuram pela ‘história oral’, mas um historiador cuja contribuição é essencial.

Ora, depois dessa afirmativa de Hobsbawm, não se tem muito mais o que

argumentar; a diferença entre história acadêmica e existencial é muito grande: o

autor não pende nem para um lado e nem para o outro, mas essa constatação de

uma autoridade no assunto, figura respeitadíssima, do calibre de Eric Hobsbawm, o

que mais se poderia dizer?

Embora o autor, nesta obra, A Era dos Impérios, esteja falando de um

determinado período específico (1875 – 1914), é importante se perceber esses

conflitos, contradições e desencontros que Hobsbawm quer nos fazer perceber que

existem em todos os campos históricos, tanto da alçada social, como individual,

evidentemente. Essa colocação dele é genial! Aqui, vê-se, não há espaço para

sentimentalismo e dramaticidade, no sentido pejorativo; mas, há de se perceber, que

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o homem/mulher é gente em todos os momentos históricos. Não tem como se falar

de história, esquecendo do homem, das suas qualidades e desvirtudes. Crer-se que

é essa a perspectiva do outro.

Agora, poderia se colocar um questionamento, qual o sentido e a importância

do sujeito escrever sobre si mesmo, tratar de sua biografia?

Nora (1987, p. 9) afirma:

a ego-história, um gênero novo, para uma nova idade da consciência histórica, que nasce do cruzamento de dois grandes movimentos: por um lado, o abalo das referências clássicas da objetividade histórica, por outro, a investigação do presente pelo olhar do historiador.

De acordo com o pensamento e colocação de Nora, depreende-se que ele

coloca a necessidade do historiador conhecer a sua história, sua vida, e não

somente isso, mas procurar conhecer o presente, através de um olhar voltado para o

passado.

Vê-se, assim, que conhecer o presente pelo presente, se torna por demais

imediatista; o passado está presente em nós, assim como nós estamos ligados ao

passado. Se assim não fosse, ficar-se-ia sem referencial algum.

É, ainda, Nora (1987, p. 9) que diz:

Toda uma tradição científica levou os historiadores, desde há um século, a apegarem-se perante o seu trabalho, a dissimularem a personalidade por detrás do conhecimento, barricaram-se por detrás de suas fichas, a evadirem-se para uma outra época, a não se exprimirem senão por intermédio de outros, permitindo-se fazer na dedicatória da tese, no prefácio do ensaio, uma confidência furtiva. A experiência da historiografia pôs em evidência, há uma vintena de anos, os falsos aspectos desta personalidade e o caráter precário da sua garantia.

É a sensação de ausência que se tem, e até um vazio, que dói na alma da

gente, essa exigência de que o sujeito que está escrevendo não pode isso, não

pode aquilo, não pode dizer quase nada próprio, só deve trabalhar com outros

autores e se embasar neles. É muito chato e se tem uma sensação de

aniquilamento daquele que escreve.

Trata-se, evidentemente, do exagero do cientificismo, assim se pode dizer. E

o prazer, a alegria e a presença daquele que escreve? Tem-se a sensação de que é

uma “entidade” que escreve, mas, não um indivíduo de carne e osso, com

sentimentos, opiniões, ideias, etc.

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Ainda, Nora, (1987, p. 9):

(...) A conquista do seu próprio século e mesmo do presente por parte do historiador constituiu um dos avanços da disciplina no decurso das últimas décadas. Ela mostrou que os obstáculos considerados redibitores eram ultrapassáveis e que uma inteligência histórica do presente era não só possível, mas também necessária.

Genial a afirmação do autor! Diria até, não só em relação à história. Este

excesso de ciência e tecnologia demasiada impedem os avanços no campo da

própria ciência. Seria a ciência, impedindo a si mesma, a possibilidade de avanço,

crescimento no campo do conhecimento.

O autor deixa claro a necessidade de mentes e posturas abertas, para que a

história não venha a ser prejudicada, com excesso de ciência. Essa visão tecnocrata

tira todo prazer e leveza da produção literária, da arte de escrever. O tecnicismo

engana a ciência, sobretudo quando se trata da inspiração e liberdade para fluir

livremente, deslizando pelas páginas da história da imaginação. Escrever requer

leveza, desenvoltura e capacidade de ultrapassar os limites que nos impedem de

avançar. Engessados pelos rigores do tecnicismo, é difícil alçar voo. O espírito

humano, para ser ele mesmo e produzir frutos, não pode e não deve ser engaiolado.

Se isto ocorrer, não haverá produção e nem crescimento científicos.

Ainda, Nora (1987, p. 11):

o exercício consiste em esclarecer a sua própria história como se fizesse a história. Como se fizesse história de outro, em tentar aplicar a si próprio, cada um no seu estilo e com os métodos que lhe são caros, o olhar frio englobante, explicativo que tantas vezes se aplicou sobre os outros. De explicitar, como historiador, o elo entre a história que se fez e a história que vos fez.

Vê-se, assim, de acordo com a colocação de Nora, que a disciplina e a

seriedade devem estar presentes, não a secura e a rigidez, mas a seriedade e o

espírito histórico devem estar na narrativa da história, da mesma maneira que

deverão estar presentes na narrativa e reflexões da história dos outros, da história

como tal.

E isto sendo feito, ou havendo esta preocupação ética com a narrativa da

história pessoal, o indivíduo acabará se descobrindo e descobrindo a sua

importância no universo em que ele vive. E ainda mais, verá como ele está, ou se

ligará à história passada, através do presente, e que o presente tem suas raízes e

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deve isso muito ao passado. O homem não é só, não é único no mundo. Se assim o

fosse, já não se falaria mais em humanos. E o sujeito, descobrindo como o passado

está muito próximo a ele, pode fazer o ato de fé de não negá-lo. O passado está no

indivíduo e este, está fortemente ligado ao passado. Os dois são inseparáveis,

assim como a morte e a vida são realidades antagônicas, mas uma não existe sem a

outra. É, o indivíduo se descobre entre as contradições.

Foi-me proposto pelo orientador, que trabalhasse o cap. 3 da 2ª carta de

Paulo aos Coríntios. Fiquei preocupado e sem saber por onde começar. Como fazer

essa reflexão, ligando, fazendo a ponte com o trabalho que estou desenvolvendo?

Pois, literalmente, ele colocou assim: “Gostaria que o cap. 3 e o espírito

inteiro do texto, sejam motes do capítulo; e ego-história, missão e experiência serão

os conceitos”.

Como se trata de uma narrativa e reflexão autobiográfica ver-se-á que não é

fácil, pois ou exalta-se em demasia a si mesmo, ou em nome de uma falsa modéstia,

pode-se não dizer quase nada.

Isso ficou me martelando, e eu, sem saber por onde começar, liguei para o

meu amigo Pe. Sebastião, em São Paulo e comecei trocar ideias com ele, como

deveria trabalhar com isto. Aí, na conversa com ele, me lembrei de duas coisas

importantes que não aparecerão na parte autobiográfica:

a) Uma carta de Pe. João

b) Conversa com Pe. Alcídes.

A carta do Pe. João Farias, trata-se de uma resposta a uma carta que enviei à

ele. Quando cheguei em São Paulo capital, os conflitos não foram poucos (isto

aparecerá na autobiografia). E as pessoas a quem eu recorria antes de me

encontrar com D. Bernardo no mosteiro de São Bento, eram Pe. João e Pe. Alcides.

Mas, nenhum deles respondia às minhas cartas. Eu lamentava, jogava para fora as

minhas angústias, incertezas, fragilidades, faltas de perspectiva.

Enfim, escrevia a eles para desabafar. Telefonar, naquelas circunstâncias,

nem pensar. Não tinha telefone nas casas paroquiais de Mairi e Ipirá (BA). Nesse

sentido, falando de telefone, não teria como haver comunicação. Então, era carta

mesmo. E como escrevi! Coitados, não sei como eles davam conta de ler, pois além

de eu escrever muita coisa errada, não tinha conhecimento nenhum, culturalmente

falando, naquela época; e, ainda, a minha letra é horrível. Ainda hoje é. E o Pe.

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20

Alcides não tinha visão boa, manifestando-se o glaucoma; nos óculos dele, as lentes

pareciam-se com um fundo de garrafa.

Mas, entre tantas cartas que iam para os dois, sem ter nenhuma resposta, um

certo dia, chegou uma: era o Pe. João que respondia. Era uma carta pequenininha,

minúscula, escrita numa folha daquelas de cadernos pequenos, que normalmente

eram usados para fazer anotações em padarias, bazares etc. Aqueles cadernos que

o tamanho seria a metade do tamanho de um caderno universitário de espiral.

A carta era muito pequena, mas trouxe-me uma alegria muito grande e força

também. Imaginem, você está longe dos seus, e receber um telefonema, carta,

bilhete, ou, atualmente um e-mail.

Essa carta do padre me trouxe um novo vigor! Criei ânimo! Quisera eu que

ele estivesse vivo, para poder dizer isso a ele pessoalmente!... Escrevo isso e os

meus olhos se enchem de lágrimas! No final, ele terminou a carta com essa frase:

“teus passos não serão em vão”. Tenho a mesma guardada nos meus papéis até

hoje. É um bem que não vale só pela carta. Ela tem o seu valor, sim, mas o que a

carta me lembra e representa, vale muito mais. É uma relíquia! Essa frase é um

paralelo bíblico; 1Cor 15,58 diz algo bem semelhante: “Assim, irmãos bem amados,

sede firmes, inabaláveis, fazei incessantes progressos na obra do Senhor, cientes

de que a vossa fadiga não é vã no Senhor.”

O apóstolo, com esta carta, estava alertando e advertindo a Comunidade de

Corinto, para que não se deixassem levar, nem seguir caminhos contrários à fé no

Ressuscitado. E os exortava, a viverem produzindo boas obras, diante do

Senhor; e assim, o cansaço, a fadiga não seriam em vão. Quem planta colhe, diz um

outro trecho bíblico. E essa afirmação caiu no gosto popular, pois as pessoas

normalmente dizem isso.

Essa carta, então, levantou-me, no sentido de me ajudar a enfrentar as

adversidades. Quando as coisas se complicavam, eu pegava a carta, lia, ou me

lembrava da mesma. Ainda hoje, isso acontece...

Quanto ao Pe. Alcides, ele nunca respondeu nenhuma carta. Não tinha como,

também. Naquela época já rezava a missa com bastante dificuldade. Os olhos não

ajudavam. Mas mesmo assim, quando ele estava na casa paroquial, a gente

encontrava-o sempre com um livro nas mãos. Era um homem de leitura, bastante

informado. Normalmente, ouvia “A Voz do Brasil”. Naquele contexto, era um forte

veículo, ou meio de informação, comunicação.

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21

Ele não respondia às cartas que eu o enviava, e nunca me disse porquê, não

dava explicações. Mas, numa das férias que fui à Bahia, estando na casa paroquial,

a gente estava almoçando e ele disse-me: - “Teté (é meu apelido na minha cidade)

você, semelhantemente ao apóstolo Paulo, é uma pessoa muito comunicativa. As

suas cartas revelam o dom, as características que o aproximam do estilo dele. Você

comunica as suas preocupações, partilha suas aspirações, angústias e anseios.

Coloca-nos a par das suas expectativas.”

Recordo-me disso, dessa fala dele e da carta do Pe. João, na conversa com o

Pe. Sebastião. Foi uma conversa muito proveitosa. A gente se conhece há mais de

30 anos, desde os tempos do Mosteiro de Itaporanga e posteriormente, bem depois,

os dois já sendo padres, na Diocese de São José do Rio Preto/SP. O conheço um

pouco e ele também a mim. À medida que a conversa fluía, ele foi me fazendo

compreender muita coisa que se vivenciou no mosteiro, depois na Diocese de Rio

Preto e clareou bem mais a fala do Pe. João e também trocou-se algumas ideias

sobre a segunda carta de Paulo aos Coríntios, capítulo terceiro.

A fala do Pe. João, “teus passos não serão em vão”, é uma frase bíblica,

naturalmente, se aproxima do texto bíblico da primeira carta de Paulo aos Coríntios,

capítulo 15, versículo 58, já mencionado a cima. O Apóstolo, depois de uma série de

exortações à comunidade de Corinto, diz: “Assim irmãos (...), cientes que a vossa

fadiga não é vã no Senhor” (1Cor 15, 58b).

A explicação literal é: “Este versículo liga a explanação antecedente ao

versículo 14, início da instrução. A certeza da vitória dá ao fiel a força para progredir.

Para Paulo, não pode haver fé sem vida em progresso.” (explicação da letra h do

texto bíblico).

“Teus passos não serão em vão”, pode ser interpretado aqui como a certeza

de que eu iria conseguir, foi um modo do Padre me incentivar e desejar que eu

fizesse progresso, atingisse meus objetivos etc. Que eu crescesse, atingisse e

desse passos na direção para a qual eu queria seguir.

Coloquei tudo isso, para poder chegar à 2ª Coríntios, capítulo terceiro.

Existem pessoas que cativam a gente, nos seduzem, mesmo sem a gente

conhecê-las e tendo, entre a gente e elas, anos e anos que nos separam. São

figuras apaixonantes/cativantes da história; só para citar algumas: umas mais

distantes, como a figura de Abrão, como se verá, ao ser convocado por Javé, para

conquistar uma nova terra, deixou tudo e partiu. A sua coragem, confiança no Deus

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da vida, deve ser, para todos nós, estímulo e fonte de inspiração. S. Freud, que ao

descobrir que a repressão sexual nas mulheres era a grande causadora da histeria,

uma doença psíquica ou psicossocial, que deveria ser tratada, cuidada

psicanaliticamente, com isso, demonstrou-se uma pessoa muito corajosa. Foi

criticado por muitos, desacreditado, até mesmo alguns de seus discípulos o

abandonaram.

João XXIII, que teve a coragem de dizer ao mundo em pleno século XX, que a

Igreja teria que abrir-se para a nova realidade que estava à sua frente: o mundo do

trabalho, dos novos desafios científicos, tecnológicos, novos valores e assim por

diante. Disse que a Igreja teria que abrir suas portas e janelas, para entrar novos

ares, deixar se envolver pela nova realidade que despontava. E teve a coragem de

convocar um novo concílio na História da Igreja: o Concílio Vaticano II. Não se pode

esquecer de seu sucessor, o saudoso Paulo VI, que enfrentou o concílio e as suas

consequências, de cabeça erguida e confiante. Aqueles anos da década de 1960,

todos sabemos que foi a década da inquietação, das buscas, não se sabia muito o

quê, enfim, os desafios que se apresentavam. E o Papa continuou firme. Foi

durissimamente criticado pelas correntes conservadoras; tanto da Igreja, como da

sociedade. E pensadores do cacife de K. Marx e muitos outros...

E Paulo de Tarso é uma dessas grandes figuras. A gente, lendo qualquer uma

das suas cartas, não tem como não se envolver com o seu espírito inquieto, falante,

intrépido e questionador. Figura que, tanto no judaísmo, defendeu sua religião “com

unhas e dentes”, como no cristianismo, se entregou totalmente à causa do

Evangelho, ao ponto de entregar a vida pela causa do Ressuscitado. Grande figura!

No novo Testamento, o maior número de livros é dele; escreveu 14 cartas. Todas as

comunidades, por ele criadas, tiveram o privilégio de ter cartas dele, a elas dirigidas.

Romanos, Hebreus, Efésios, só para citar algumas.

Paulo era uma pessoa apaixonada, fazia as coisas com o coração, com

inteligência e era uma figura destemida. Nas suas cartas, quando ele tinha que

elogiar uma comunidade, ele fazia, como vê-se na Carta aos Filipenses, quando ele

chama a comunidade de minha joia, minha coroa. Era uma comunidade que tudo faz

crer, o apóstolo a amava, devido a seriedade da mesma, em relação às coisas da fé;

como é o caso de Filipenses 4,1: “ Assim, irmãos amados e queridos, minha alegria

e coroa, permanecei firmes no Senhor, ó amados.”

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Quando tinha que advertir a comunidade, cobrando dela responsabilidade, ele

fazia também, como é o caso da carta a Tito 2,1-7; “Quanto a ti, fala do que pertence

à sã doutrina. Que os velhos sejam sóbrios, respeitáveis, sensatos, fortes na fé, na

caridade, na esperança. As mulheres idosas, igualmente, devem proceder como

convém a pessoas santas: não sejam caluniadoras, nem escravas da bebida

excessiva; mas sejam capazes de bons conselhos, de sorte que as recém-casadas

aprendam com elas a amar os maridos e filhos, a ser ajuizadas, fiéis e submissas a

seus esposos, boas donas-de-casa, amáveis, a fim de que a palavra de Deus não

seja difamada. Exorta igualmente os jovens, para que em tudo sejam criteriosos. Sê

tu mesmo modelo de belas obras” (...).

Em todos os seus escritos, vê-se essa franqueza e firmeza: advertindo,

estimulando, encorajando a comunidade a viver a seriedade da fé. Era uma figura

fantástica. Era um apaixonado pelas coisas que fazia e ensinava.

Em 2Cor 3, o capítulo inteiro, não é diferente, onde a ego-história do

Apóstolo, sua missão e experiência estão presentes. Isto é, o apóstolo coloca a sua

história, sua experiência e sua missão, como aquilo que legitima e dá credibilidade

ao seu ser / fazer.

Nos versículos 1 e 2, o apóstolo questiona as cartas de recomendações e

afirma que a verdadeira carta de recomendação, são as comunidades, às quais ele

prestou o serviço de evangelização. A coerência, a seriedade na missão e a sua

experiência pastoral são a verdadeira carta de recomendação.

Na troca de ideias com o Pe. Sebastião, ele me dizia sobre este texto de

Paulo: “não adianta alguém dizer de alguém que este é um bom sapateiro e ele não

sabe sequer utilizar o pé-de-ferro, moldar o couro, criar um sapato. Alguém vai

provar isto, fazendo o sapato,” são palavras dele.

A qualidade e coerência da experiência missionária de Paulo advinha do seu

próprio trabalho às comunidades. E ele fala de boca e coração cheios disso.

Segundo uma nota explicativa do texto, letra f, diz o seguinte:

Havia quem censurasse Paulo por tecer seu próprio elogio (...), ao passo que os outros pregadores apresentavam cartas de recomendação das comunidades (...), Paulo responde que o fruto do seu apostolado, as comunidades que ele fundou, obras do Espírito, são recomendações vivas que tornam as cartas inúteis.

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No espírito do texto, e a força moral que Paulo tinha, advinda do seu trabalho,

a carta se tornava insignificante... O papel se rasga, a tinta se apaga, mas, aquilo

que foi escrito com suor, lágrima e sangue, isto não se apaga. É letra escrita na

pedra da vida, é a vivência daquele que deu tudo pela causa do Evangelho.

A ego-história paulina, aqui, é contada, é dita, a partir de sua própria

experiência. É o olhar para trás, e o trazer ao presente, tudo aquilo que foi escrito,

anteriormente, com a própria vida.

No versículo 3, o apóstolo fala da verdadeira carta, ele e as comunidades que

seguem sua orientação, pois uma carta de Cristo não é escrita com tinta, mas com o

Espírito de Deus; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne no coração.

Com essa afirmação, o apóstolo está mostrando aos seus críticos que a carta

escrita em papel, em tábua, representa a lei mosaica, mas que a carta escrita na

tábua de carne do coração na vida, no sangue, representa o novo, aquilo que liberta,

que quebra as algemas e faz o homem se tornar livre. É, Paulo é fantástico. Figura

extraordinária!

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CAPÍTULO II

CADÊ O PASSADO QUE ESTAVA ALI? ESTILHAÇOS DISTANTES

"Em história tem-se a impressão de que tudo se renova de um período a outro".

Maurice Halbwachs

“Vamos ser criticados, porque escrever sobre a vida de alguém é mais

adequado à outra pessoa fazer e, não ela própria”, dizia-me o orientador enquanto

se trocava ideia sobre o trabalho. Mas, apesar disso, há a possibilidade do próprio

indivíduo escrever sobre sua vida. É a chamada autobiografia.

E o ato de escrever é sempre delicado ainda mais quando se trata da pessoa

mesma, pois corre-se o risco de dizer muito sobre si mesma ou então não dizer

nada.

Neto (2005) trabalha muito bem isto, quando trata do endeusamento que o

historiador pode fazer daquela pessoa que está sendo contemplada. Quando se

trata de autobiografia então, esse endeusamento poderá ser supervalorizado, ou

pode ocorrer uma falsa modéstia, não dizendo nada de si. A autora ainda coloca a

ideia de Bourdieu, quando ele fala das possibilidades perdidas:

utilizar-se do eu para libertar os excessos de carências e dos discursos históricos, para interrogar não somente sobre o que foi e o que é produzido, mas também sobre as incertezas do passado e as possibilidades perdidas, (NETO, 2005, p. 1534).

Isto pode ocorrer no discurso do historiador sobre alguém, mas, poderá ser

mais usual quando se trata do indivíduo falando de si mesmo. E se esse discurso

for mesclado de uma ideia religiosa – como é o caso aqui - poderá ser muito mais

sutil e com aparência de humildade.

Ainda continuando nesse raciocínio:

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a biografia é um gênero crucial, mas difícil. Até uma biografia inadequada é sempre útil... Há algo de vital em cada leitor autêntico de literatura que responde ao grito de batalha de Emérson, ‘não existe história: só biografia’. Para, além disso, há uma percepção mais profunda: não existe literatura, só autobiografia. (HAROLD BLOOM, p. 1531)

A autora explora aqui um pensamento de Harold Bloom, quando ele fala da

biografia, se referindo à questão literária e o autor afirma: “não existe literatura só

existe autobiografia” (NETO, 2005, p. 1531). Assim, tomando como referência a

afirmação de Bloom, história, literatura biografia e autobiografia, trilham rumos

diferentes, porém, andando pelo mesmo caminho.

PIÑON (2009, p. 9) afirma: “a memória começa onde se nasceu”.

A autora afirma isto, falando da sua memória pessoal. Tendo também em

vista que o sujeito não é fruto e resultado do acaso; quando ele nasce, traz consigo

introjetada toda uma herança que passa de geração para geração, de pai para filho

etc, ninguém é só um e único no mundo. Um pensador inglês, da corrente filosófica

empirista, (HUME, 1968, p. 139), afirmava que “o universo é um contínuo aparecer e

desaparecer sensível das consciências, por sua vez feixes de impressões

subjetivas”.

Neste ponto, concorda-se com ele, retomando aqui o que foi dito acima, que

ninguém é só no mundo, pode-se dizer que o homem é o resultado da junção de

todas as heranças recebidas de seus antepassados.

Depois das reflexões acima, creio que posso agora, começar a dizer algo

sobre meu surgimento nesse espaço chamado mundo, em que se vive.

Nasci quase na metade do século XX, 1949 (1948), quatro anos após o

término da segunda Grande Guerra Mundial (já imaginou que recordação?!), depois,

mais à frente, será explicado (1948); o local do meu nascimento foi um sitio

chamado “José Bernardo”, bem perto da Vila Pintadas, hoje cidade, mas na época

pertencia à Comarca de Ipirá. Fica distante de Salvador, mais ou menos 300 e

poucos km.

A casa onde nasci não existe mais; não conheci nem os torrões da mesma.

Ficava junto à estrada, chegando em Pintadas, no estado da Bahia, mais ou menos

1 km e pouco. Conheci a casa maior que dava nome ao sítio, ficava ao fundo. A

nossa, na beira da estrada, tinha uma árvore bem grande ao lado. Desse local, só

sei contar isso, pois o meu irmão mais velho de todos os irmãos vivos me colocou a

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par. Nessa casa, morava a minha madrinha de batismo.

Aos 5 meses de idade saí do convívio dos meus pais e irmãos e fui adotado

por uma família que não teve filhos e meus pais me deram a eles para eu ficar uns

dias por lá, pois minha mãe biológica estava grávida e tinha outro irmão meu

começando a andar e, assim, minha mãe poderia ter um pouco mais de tempo para

se preparar para o parto que estava chegando e cuidar do outro irmão pequeno. O

fato é que não voltei mais para a casa dos meus pais. Coisas da Bahia.

Assim, pode se ver, que meu convívio com o lar biológico foi muito pouco, 5

meses mais ou menos.

A outra família, com quem fui criado, morava no mesmo município de Ipirá,

também na circunscrição de Vila Pintadas, e morava no sítio chamado “Bonita”,

distante do “Zé Bernardo” mais ou menos uns 8 ou 10 Km. Embora não sendo tão

longe, estando na mesma circunscrição territorial, não me recordo de ter ido

nenhuma vez a casa dos meus pais para ver meus irmãos, mãe e pai. Nem eles

também iam a casa dos meus pais adotivos para me ver. Só mais tarde, depois que

eles mudaram para o município de Mundo Novo/BA, terra de minha mãe biológica,

aí sim, vez ou outra, a cada 3 ou 4 anos, ou mais, meu pai vinha a Pintadas para ver

a mãe dele, irmãos e parentes próximos. Da família da minha mãe biológica não

conheci ninguém, nem avós nem tios...

Mas, ainda falando da mudança deles para Mundo Novo, segundo meu irmão

José, isso ocorreu em 1952, eu tinha 3 anos, portanto. E me lembro de que era um

dia chuvoso. Aí eles passaram na casa dos meus pais adotivos para me ver. Tenho

a recordação da minha mãe montada em um cavalo, com uma sombrinha aberta, e

o meu irmão no cabeçote (parte dianteira da cela) como se estivesse no colo dela.

Tenho essa imagem vivíssima na minha cabeça até hoje. Não me recordo se chorei

nem que ninguém deles chorasse; tinha só 3 anos de vida. Porque essa imagem é

muito viva na minha memória não sei; só sei que tenho a sensação de ter sido bem

mais recente, e não em 1952.

Fora isso, só fui ver a minha mãe em 1969, quando eu mesmo, já com 20

anos, a fui visitar... foi um momento sublime! Pois, vivia sempre imaginando como

ela era. Era uma figura bonita! Uma mulher bem baixa em estatura, talvez um metro

e cinquenta centímetros. Nessa visita fiquei com eles 15 dias, foi ótimo, conheci

meus irmãos todos. Depois disso os visitei mais frequentemente.

Creio que não conseguirei relatar exatamente as coisas como

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aconteceram de fato, e de acordo com (BOURDIEU, 1984, p. 208, citando Robbe-

Grillet):

o advento do romance moderno está ligado precisamente a esta descoberta: o real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque surgem de modo incessantemente imprevisto fora do propósito, aleatório.

De acordo com o pensamento acima, se já é difícil narrar, descrever e

apresentar uma biografia, entra aqui a questão da empatia entre relator e relatado,

muito mais difícil e perigoso se torna narrar a própria história; falar da autobiografia.

Há o risco do indivíduo se inibir, achar que não há muita coisa para dizer ou que isto

ou aquilo não é importante, como também, pode fantasiar.

Terá, portanto, que ser uma apresentação muito criteriosa. Assim, precisa

haver o cuidado para colher os ovos no ninho do pássaro sem, contudo, fazer muito

barulho para não espantá-lo.

Ainda, segundo o autor, criar um novo modo de se exprimir literalmente,

possibilita o surgimento do contrário e do arbitrário. Significa, de certa forma, romper

com aquilo que está aceito pacificamente, já é aceito por toda uma tradição. Em

outras palavras, escrever uma autobiografia é estar disposto a “dar a cara a tapa”. É

transgredir para poder ir além. Se não correr esse risco, também não criará algo de

novo.

Guimarães Rosa (1978, p. 16), afirma que “viver é muito perigoso” O mestre

da literatura mineira, brasileira e mundial, tinha razão. Sem se arriscar, nada será

feito. Mas, se arriscando é perigoso, porque corre o risco de ser incompreendido,

criticado, caluniado e assim por diante.

Ainda reportando à citação de Bourdier, se referindo Robbe-Grillet,

Tudo isso é o real, isto é, o fragmentário, o fugaz, o inútil, tão acidental mesmo e tão particular que todo acontecimento ali aparece, a todo instante, como gratuito, e toda existência, afinal, como privada da menor significação unificadora (ROBBE-GRILLET, 1984, p.185).

Há na psicologia gestáltica um princípio de figura e fundo. Ora, aquilo que é

fundo, se torna mais evidente, sobressai, se tornando assim a figura principal. Ora, o

que está em evidência, se torna fundo, tornando-se assim, naquele momento,

menos importante. A chamada psicologia das formas. Existe até uma figura bastante

conhecida: quando se olha rapidamente, ela aparenta um vaso; quando se olha mais

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atentamente, percebe-se que se apresentam duas faces frente a frente de perfil.

Depende da maneira como se olha e da intensidade do olhar.

A história pode ter esse movimento: de um local, uma pessoa... E, quando se

trata de autobiografia, isto pode se tornar bem mais acentuado.

Mas, voltando à narrativa, com 5 meses deixei o convívio do meu lar

biológico, passando assim a ser integrante do lar adotivo.

Meus pais, residentes no sítio “Bonita”, não tiveram filhos. A primeira filha da

minha mãe nasceu morta. Teve outra gravidez, mas não chegou a gerar, ocorrendo

um aborto espontâneo, na Bahia, no nosso meio rural, chamado “perca”.

Fui o único filho homem adotado; outras adoções foram feitas, mas todas

meninas; uma inclusive antes de mim, mais velha, hoje ela deve estar uma senhora

com seus 68 ou 70 anos. As outras duas, moram, uma em Pintadas, na zona rural,

está casada e não teve filhos, a outra em São Paulo, interior, (esta é filha de uma

sobrinha de minha mãe adotiva), e tem um filho homem e esse está rapaz, talvez

esteja casado.

Minha infância não teve nada de extraordinário: vida no campo, trabalho no

sítio, não fui explorado, tendo que trabalhar forçado, tínhamos criação de porcos,

cabritos e ovelhas. Tudo era criado solto no campo; quando era necessário, vendia

para suprir as necessidades, também para suprir as necessidades da casa. Isso

tudo praticamente acabou quando, em 1960, um ano muito chuvoso, morávamos

numa casa e os animais estavam num outro sítio e o Rio do Imbé ficou cheio por um

mês ou mais, ninguém conseguia passar e assim, com tanta chuva, ninguém

conseguia cuidar dos animais; praticamente o, criatório, sobretudo de cabras, foi

dizimado. Me lembro que assim, com esse acontecimento, as coisas ficaram

dificílimas!

O trabalho com a lavoura, no nosso contexto, era comum, nos períodos de

plantação: novembro, dezembro, janeiro e final de abril, maio e junho, plantio de

milho, feijão. Mas, o retorno disso era muito incerto. Em alguns períodos, tinha-se a

colheita suficiente para a manutenção da casa. Mas, quando não chovia no tempo

certo para ganhar a “safra”, aí era terrível.

Minha região é a de Feira de Santana, BA. Região agreste, semiárida. Vi

muitas lavouras perderem por falta da chuva e muitos animais morrerem por falta de

comida. Quando isto acontece, o povo sofre, e sofre muito!...

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Tive uma vida infantil como todo garoto do sítio: vez ou outra ia à vila com

meus pais para fazer feira para manutenção da casa, ia à missa, orações na igreja

local, mais à frente falarei dessa parte com mais detalhes.

Ia à casa dos vizinhos com meus pais, quando alguém estava doente, nas

visitas de final de semana, feriados e nos chamados “dias santos”. E, às vezes, à

noitinha para uma mão de prosa. Nas festas, meu pai tocava viola, às vezes era

convidado para animar a festa e a gente, na maioria das vezes, ia também.

Minha mãe gostava muito das coisas religiosas; muitas vezes era convidada

para “puxar” as orações, novenas, terços, muito comum no nosso contexto. Nos

momentos de estiagem longa, 4, 5, 8, 10 meses ou mais sem chover, faziam-se as

orações pedindo chuva. Colocava-se a imagem de um Santo na casa de um vizinho

para que quando chovesse, trouxesse o Santo em “acompanhamento” (seria uma

procissão), pagando a promessa.

Escola, não tive. Até os 14 ou 15 anos, não sabia ler nem escrever nada.

Na Vila havia a escola primária, atual “Escola Santo Antônio”; naquela época

só até a 5ª série. E a professora Antonina Fernandes Leite, (? – 1960), tinha sido

professora da minha mãe adotiva, sempre falava para minha mãe: “Lúcia, precisa

colocar esse menino na escola; não pode deixar esse menino sem estudos, não. Ele

é muito esperto”. Ela até se prontificou para eu morar com ela na vila, a casa da

professora era na própria escola. Ela criava uma moça, cuidava da mãe dela, de

idade e cega. Ela ajudava as pessoas que queriam estudar, mas moravam longe no

sítio, ficavam na casa com ela. Mas, minha mãe nunca aceitou a ideia. Para ir todo

dia para a escola e voltar era longe. Uma hora e meia para ir e hora e meia para

voltar. Logo, meus estudos não existiram.

Quando foi para eu fazer a minha 1ª Comunhão, já devia ter meus 14 anos,

minha mãe conversou com o irmão dela, tio Norberto, pessoa muito ligada à igreja

local, ele conversou com o padre, meu saudoso Vigário Cônego Alcides Cardoso e

ele aceitou eu fazer a 1ª Comunhão sem precisar fazer a catequese. Foi ótimo. Foi

um dia de muita chuva. O rio que passa perto da cidade, o “Rio do Peixe”,

amanheceu cheio: a água da vazante veio perto da vila.

O uniforme de 1ª Comunhão foi uma calça cor verde/azeitona e uma camisa

branca manga comprida. Fiquei lindo. Detestava aquelas calças curtas com

suspensório, eram horríveis. Felizmente, a da minha 1ª Comunhão não foi.

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Mas, antes foi a minha Crisma, 1957/58, tinha 8 ou 9 anos. Mas, antes de

falar do crisma, queria falar da escolha do padrinho. Naquela época, crismava com 7

anos, a chamada “idade da razão”.

Como eu não conheci o meu padrinho de batismo, mais tarde conheci a

madrinha, era uma mulher linda! Quando foi para crismar, eu bati o pé e disse: Já

que não conheci meu padrinho de batismo, eu vou escolher o padrinho de crisma. E

fiz. Eu fui sempre assim: quando queria uma coisa, batia o pé e corria atrás. Escolhi

o padrinho, falou-se com ele e o mesmo aceitou. Era o meu padrinho Sinfrônio. Já

faleceu há muito tempo. Saudades!

No dia do crisma, eram as “Santas Missões” lá na Vila. Os frades

Capuchinhos de Feira de Santana, do Convento Santo Antônio, tinham um trabalho

nesse sentido, naquela região toda. Fomos cedo para a Vila; chovia muito.

Passando no rio, o famoso “Rio do Peixe”, estava cheio, a correnteza quase me

levou. Sorte que meu pai percebeu logo. Que susto danado!...

Logo após o meio-dia, torrei a paciência da minha mãe para vestir logo a

roupa que eu ia ser crismado. Era uma roupa bonita. Meu pai tinha comprado. Era

uma camisa de listra e uma calça cor cáqui, curta, porém, que eu detestava; mas,

enfim, a roupa era bonita. Não tinha suspensório, era um cinto azul. Me lembro disso

tudo. Minha mãe me deu a roupa, vesti-a e fiquei feliz da vida. E fui para a Igreja,

brincar com a meninada. Havia, junto à Igreja, a construção de uma casa; era tempo

chuvoso, buracos de esteios tinham sido cavados, porém tudo encoberto de mato.

Nesse meio tempo caí num desses buracos. Eu, com 8 anos, a água suja quase me

encobriu, indo até o pescoço. Me sujei todo. Aí tive que tirar a roupa, minha mãe

lavou-a e a secou no ferro a brasa, pois, lá pelas 17h, tinha que estar pronto, pois

era a hora da celebração do Crisma. Ainda bem que aquela tarde foi de sol, em um

dia do mês de março de 1957.

Na hora da celebração do Crisma, o frade Capuchinho passou realizando a

cerimônia; quando chegou a minha vez, aquele homem grande com a barba branca

quase chegando à cintura, chegou perto de mim para passar o óleo do Crisma na

minha testa, olhei para a cara do homem, fixei os olhos e dei um grito, que chamou a

atenção de todos os participantes. Ah, que coisa horrorosa! Chorei como um louco...

Me assustei.

Já que estou falando de igreja, padrinho e cerimônia, registro aqui que a

minha mãe adotiva era muito religiosa; meu pai também; mas, ia à Igreja vez ou

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outra. Não tinha o hábito de ir sempre. Minha mãe, sim, eu e as meninas que eles

criaram, a gente ia sempre.

Naquela época, não tinha padre residente lá. Era o padre de Ipirá, naquele

momento, era o Pe. Alcides, que ficou 44 anos na cidade, como vigário. Havia missa

a cada dois meses, dois meses e pouco. E eu adorava aquele movimento de igreja.

Achava lindo o padre entrar para celebrar a missa. Ainda hoje acho; mas, não tinha

nenhuma intenção, naquele momento, de ser padre. Nem era concebível para nós,

ser padre ou outra profissão qualquer que necessitasse estudar. Como? Nem

passava pela cabeça da gente.

Mas quando não havia missa, o pessoal fazia as orações, as novenas, a festa

da Padroeira Imaculada Conceição, que, aliás, é uma imagem linda, toda de

madeira; mede mais de um metro de altura.

Meus pais não me mandaram para a vila para ficar na casa da professora

para estudar. Mas minha mãe queria que eu aprendesse a ler com ela, o “abc”, a

cartilha etc. Aí, quem não quis fui eu. Já que não me deixaram morar na casa da

professora, também aprender a ler em casa eu não quis.

Até aqui, falei de infância, vida no sítio, a vila onde íamos fazer feira, a Igreja

etc.

Na adolescência, a vida não mudou praticamente nada. Cresci no mesmo

contexto, fazendo as mesmas atividades, e assim por diante.

Os problemas da adolescência, não tinha com quem partilhá-los, a não ser

em nível de brincadeira e gozações com a molecada. Muita coisa foi se resolvendo

com o tempo. De acordo com a psicologia, adolescer é enfrentar as diferenças que

vão surgindo em nós, mudanças no corpo, na maneira que a gente vai se formando.

Isso é algo que não é muito fácil. No meu contexto essas coisas eram encaradas,

em muitas situações, como pecado. Imagina só: eu me transformando, enfrentando

as mudanças que a natureza me proporcionava e ainda me aceitar pecador... Mas,

naquele contexto era assim. Hoje, o contexto rural já mudou muito.

De uma coisa me recordo com muita clareza: nunca fui conformado com

aquilo tudo. Eu queria fazer algo diferente, mudar. Mas, o quê? Essa era a chave da

questão.

Lembro-me que um dia à noite, já aos 15 ou 16 anos, eu tomei a seguinte

decisão: vou aprender a ler. Procurei o danado do “abc”, pedi, à noite mesmo, para

minha mãe me ensinar as letras e iniciei. Com uns 02 meses e pouco, já havia

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33

aprendido o “abc”, passei para a cartilha e com uns 3 ou 4 meses já estava sabendo

ler alguma coisa, já descobria palavras num texto escrito. Vinha jornal de feira que

embrulhava barra de sabão, eu pegava aquilo e lia. Até que logo comecei escrever

bilhete, carta e outros. Não foi fácil! Ia também para a casa da irmã do meu pai, tia

Aída, e ela, com toda paciência, me ensinava as coisas: ler, fazer cartas, tinha um

livro chamado “paleógrafo”, que ensinava fazer a letra bonita. Mas não aprendi; a

minha continua horrível. Ela tirava trechos desse livro e me dava para eu copiar,

treinar a escrita, saudades!...

Essa conquista, a professora Antonina não presenciou, a mesma faleceu em

1960. Foi fazer um mingau para a mãe cega, num vasilhame cheio de álcool, então

veio a derramar o álcool em chamas sobre a mesma, vindo a falecer. Aquilo que a

mesma tanto desejou ver, não viu, eu sabendo ler. Mas, ficou a semente jogada na

minha consciência. Nada acontece por acaso. Não aprendi ler imediatamente, como

ela tanto queria, mas a instigação dela me fez despertar posteriormente, já

rapazinho. E a vida continuou, morando no sítio, fazendo os trabalhos que todos nós

em casa e naquele contexto fazíamos.

Passamos momentos difíceis; a sobrevivência não foi fácil, depois que se

perdeu o criatório de cabras com as enchentes de 1960, já relatado acima. Assim,

meu pai teve que ir para São Paulo, interior, procurar trabalho, como muitos da

nossa região faziam. Ele foi três anos seguidos; trabalhou no corte de cana na Usina

de Açúcar em Iracemápolis (SP), na região de Ribeirão Preto. Ficou minha mãe e

nós, cuidando das coisas do sítio. Foram momentos difíceis.

Queria muito conhecer minha mãe, meus irmãos, mas era muito difícil a

locomoção de uma cidade para outra. Embora, de Pintadas para Mundo Novo não

seja tão longe, 60 ou 80 km, mas naquela época teria que ir a pé, ou a cavalo.

Automóvel, naquele contexto, era quase impossível.

Também, tinha muita vontade de conhecer minha madrinha e padrinho.

Quando me batizaram era apenas namorados e não se casaram. Minha madrinha

casou-se com outro e morava em Feira de Santana. Fui vê-la, nas viagens de

romaria para Candeias, uma cidade no Recôncavo Baiano, perto de Salvador. Existe

a devoção à Nossa Senhora das Candeias (Nossa Senhora da Candelária), festa dia

02 de fevereiro. Nessas idas para Candeias, por duas vezes consegui vê-la. Minha

madrinha chamava-se (chama?) Terezinha. Não sei se a mesma sobrevive. Era

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linda minha madrinha; muito bonita; uma mulher loira! Tenho a imagem dela na

minha memória. E a memória raramente morre!...

A essas alturas, já estava com meus 17 anos; fase de pleno Regime Militar.

Foi ano de eleição para prefeitos e vereadores (Governo de Estado e Presidente da

República era proibido se escolher naquele momento. Período das chamadas

eleições indiretas). Aí eu quis votar, mas não tinha nenhum documento: certidão de

nascimento, identidade ou reservista. Fui, então, encaminhar o processo para tirar o

título de eleitor. Como primeiro tinha que fazer a certidão de nascimento e como não

tinha contato naquele momento com meus pais biológicos, usei os nomes dos meus

pais adotivos; e a data de nascimento também ficou errada. Em vez da idade de

1949, dei a data de nascimento 1948. Fiquei um ano mais velho. Se tivesse usado

os nomes dos pais biológicos, eu seria: Teodoro Borges de Oliveira. A vida tem

essas coisas.

Nessa altura do campeonato, começaram os questionamentos existenciais: o

que eu seria na vida, qual seria o meu futuro? O que fazer da vida? Nesse momento,

já estava amando ler e escrever... E a vida continuava... Certo dia, conversando à

noite com meus pais, depois da gente ter comido alguma coisa, surgiu a ideia: eu

vou estudar. Mas, como e fazer o que, naquela realidade?

Foi aqui que surgiu a ideia de ser padre; quase como uma brincadeira, sonho

de um rapazinho de 17/18 anos, começando a viver, oriundo de uma região muito

simples. Na nossa família até aquele momento ninguém tinha estudado nada, como

é que me veio essa ideia doida, era muito alto, uma realidade quase inatingível!

Ainda mais para ser padre, que tinha que estudar muito. Fazer filosofia, teologia e eu

não tinha nem o primário!... Coisa de doido. Falei isso no dia de minha ordenação

sacerdotal na minha cidade, dia 22 de dezembro de 1988. Dizia eu: lutei, corri atrás

do que queria; ou eu tinha muita fé ou era doido mesmo. Mais à frente falarei melhor

sobre isso.

Assim, começou toda a história da caminhada ao sacerdócio.

Tudo começou de maneira muito simples, era muito ingênuo ainda; não tinha

noção da dimensão das dificuldades que iria enfrentar. Embora percebesse que as

mesmas viriam.

Aqui é bom lembrar que a dificuldade maior que encontrei, não foi tanto a

questão da idade, mas o problema dos estudos. Não tinha nem o primário pronto.

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É necessário ressaltar, que aqui, se estava vivenciando o despontar do

Concílio Vaticano II, começado em 1962 e concluído em 1965.

Muitos seminários menores foram fechados (casas para formação de

estudantes que querem ser padre, fazendo ginásio e 2º grau, hoje fundamental e

médio).

Fui conversar com o Pe. da Paróquia, na época, Cônego Alcides Cardoso,

grande figura, uma inteligência extraordinária; homem culto, via-se o mesmo sempre

com um livro nas mãos, quando estava na casa paroquial. Ele deu-me apoio moral,

incentivou-me, mas, como e aonde estudar?

Depois de tanto correr atrás, bater em várias portas, aqui já tinha se passado

3 ou 4 anos, fui conversar com Pe. João Farias, uma outra figura de quem me

recordo com muita saudade! Era uma pessoa humana fabulosa (no dia do

sepultamento dele, preferi não chegar perto do caixão, para poder me recordar dele

vivo, sorrindo, brincando)! Morreu novo, 50 e poucos anos.

Aí Pe. João me colocou para falar com o bispo da Diocese, aliás, minha

Diocese de origem, Rui Barbosa (BA). O bispo funcionou como um balde de água

fria. Me disse o mesmo: “para mandar um rapaz para o seminário, eu tenho que

gastar por mês em torno de 20 cruzeiros; onde se vai achar esse dinheiro?” Na

minha cabeça, surgiu o questionamento: eu quero é ser padre, não estou

preocupado com dinheiro, não. Mas, não argumentei com o bispo. Não vou citar o

nome, mas era uma figura que não era de agradável conversa. O obstáculo, posso

dizer, veio do bispo. Também pessoas do meu convívio, muitas diziam-me: “que eu

não iria conseguir, que eu não tinha dinheiro, para que correr atrás disso?”. Mas,

outros, porém, incentivavam e encorajavam-me. Até minha mãe biológica, mais

tarde, me disse: “meu filho isso é muito difícil, tem que estudar muito, procura fazer

outra coisa”. Coitada; na simplicidade dela, pensava assim.

Foucault, em sua obra Microfísica do Poder (2008), defende a ideia de que,

ao lado do poder do Estado, existe, na base das pequenas coisas, o preconceito de

pequenez; ou seja, cria-se uma mentalidade de fracasso, de impotência; isto é:

quem não pode, não pode. Mentalidade do aniquilamento do indivíduo. Isto é, esta

mentalidade ou esse poder vai se formando nas pequenas coisas, onde se acredita

que tudo é simples, que não há interferência de forças externas ao meio em que se

vive. Foucault afirma, na contracapa da obra, que

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O método genealógico desenvolvido por Foucault evidencia a existência de formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articuladas e indispensáveis à sustentação e atuação eficaz. E na medida em que o poder não está localizado exclusivamente no aparelho do Estado, diz Foucault: ‘nada mudará a sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado dos aparelhos do Estado a um nível muito mais elementar, cotidiano, não forem modificados’.

Mas, o Pe. João continuou me apoiando. Já que o bispo saiu com aquilo, ele

me propôs um acompanhamento por um período de tempo, para a gente conversar,

trocar ideia, visando assim, um crescimento. Esse acompanhamento, portanto,

durou um ano. Donde eu morava, para a cidade de Mairi (BA), onde ele era o

vigário, era em torno de 5 léguas (35km). E topei. Isso era final do 2º semestre de

1968; e, no início de 1969, todo mês eu ia para Mairi.

Ele me passava lições de português, matemática, ciências etc., para eu fazer

em casa; estudar, procurar ampliar os conhecimentos. Isso durou um ano. Ia todo

mês, a pé ou a cavalo. Mas, fazia isto brincando; 18/19 anos, toda energia juvenil!

Hoje faria tudo de novo!

Mas, havia o cansaço, desânimo, todo mês tinha que fazer isso. Mas, não

perdia a esperança. Nessas idas e vindas, eu cantava um canto que se cantava

muito na Igreja de minha Vila, na época:

1 – Quero ouvir teu apelo Senhor;ao teu chamado de amor responder.Na alegria te quero servir,e anunciar o teu reino de amor!

Refrão:E pelo mundo eu vou,Cantando o teu amor.Pois disponível estou.Para servir-te Senhor.

2 – Dia a dia tua graça me dás;Nela se apóia o meu caminhar.Se estás ao meu lado Senhor,que poderei então eu temer?

Era muito idealista. E ainda o sou.

Antes do contato com Pe. João Farias, já ajudava na Igreja da Vila; combinei

com o Padre e fazia celebrações na minha casa aos domingos, no sítio, na casa dos

vizinhos, e, assim, foi tomando corpo minha busca de ideal. Morei na Casa Paroquial

por um ano, 1967, ajudava o padre nas celebrações de missas aos domingos, na

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semana, nas celebrações que ele fazia nos sítios, eu ia junto. Foi uma experiência

muito rica.

Também nesta Paróquia de Ipirá, naquele momento estava o Pe. Moisés

Rodrigues. Era vigário Paroquial. Mas, foi uma figura que não contribuiu muito para

a minha formação, não. Os questionamentos que o mesmo me fazia, não tinham –

me parece – o objetivo de me fazer crescer. Pelo menos era essa a leitura e

significação que eu os dava. Não deixou saudades! Mas, nada é por acaso.

Voltando ao Pe. João Farias, no final de 1969, ele me propôs ir para

Jequitibá, fazer um curso técnico e, com esse curso, eu concluiria o primário. Num

primeiro momento, a proposta não era para ser padre. Lá é uma comunidade

religiosa contemplativa e, assim, eu poderia me tornar um religioso depois do curso

técnico. Assim fiz.

Em 1970, início do ano, rumei para Jequitibá, que está distante de Mundo

Novo (BA) cerca de 20 km, no mesmo município.

É uma comunidade de monges cistercienses, oriundos da Áustria, chegaram

ao Brasil no período do pós 2ª Guerra Mundial, ou durante a guerra.

É uma fundação, a Fazenda foi doada aos padres, com essa finalidade:

ajudar na formação de jovens daquela região. É uma região rica. Chove mais

frequentemente do que a região de Ipirá. É uma região montanhosa, muito bonita.

Comecei um curso de marceneiro; na parte da manhã, tinha-se aulas

normais, também a parte teórica do curso e, na parte da tarde, aulas práticas na

oficina. Na época funcionavam os cursos de mecânica, marcenaria (era o meu) e

pecuária. Não me satisfazia o curso de marceneiro; levei a frente para poder, assim,

melhorar a parte dos meus estudos. E melhorou bem. Mas, não era isso que eu

queria.

No final de 1970, fiz a petição para ingressar na comunidade religiosa e fui

aceito. E, em 1971, iniciei o noviciado em Jequitibá. Embora sabendo que não

estava sendo uma formação direta para ser padre, já me animava por estar

envolvido com a vida religiosa e alimentava a esperança de que no final do

noviciado, surgiria uma oportunidade para encaminhar de fato os estudos para ser

padre. Mas, infelizmente, não foi assim que ocorreu.

Até aquele ano, 1971, havia a “Escola Divina Pastora”, a que eu fui aluno, e

havia também, o curso ginasial para os rapazes que queriam ser padre e já

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possuíam o curso primário. No final de 1971, esse curso ginasial acabou por falta de

candidatos para ser padre.

A partir do meio do ano, 1971, os padres começaram a querer me convencer

para eu continuar apenas como religioso e não insistir com a idéia de estudar para

padre. Imaginei: eu querendo uma coisa e eles querendo colocar outra em minha

cabeça.

Chamaram-me muitas vezes para conversar, querendo me fazer entender

que como religioso eu me realizaria e seria feliz.

Porém, não cedi às tentativas de convencimento dos padres. Também o

padre Gabriel, que foi o mestre de noviços, me apoiou muito, me dizendo que eu

devia continuar lutando pelo que eu queria e não deixar que os outros decidissem

por mim. O resultado foi que no final de 1971, deixei Jequitibá.

Assim, na minha Diocese de origem, na minha região, não tinha mais nada

que fazer. Mas, mesmo assim, no 1º semestre de 1972, continuei tentando alguns

seminários da região... Mas, nada...

Mediante essa realidade, comecei pensar na possibilidade de ir pra São

Paulo, lutar pelo que eu queria.

A minha tia, irmã do meu pai adotivo, aquela que me dava lições do livro de

paleógrafo, nessas alturas, já morava em São Paulo/SP, com a família. Mudara para

lá na década de 1960. Já estavam instalados por lá, já trabalhavam e assim por

diante.

Assim, resolvi ir para São Paulo. Até aqui “correu muita água por baixo da

ponte”. Procurei nessa primeira parte, relatar aquilo que é da maior relevância;

aqueles fatos mais detalhistas, deixei-os. Também é impossível me lembrar de

todos. Até porque, como problematizei acima, trabalhar com a Memória é saber que

há muita fenda e esquecimentos. Não tenho a ilusão da biografia individual e sei que

a Memória, mesmo individual, é perpassada pela Memória Social.

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CAPÍTULO III

EM BUSCA DO TEMPO VIVIDO NA TERRA DISTANTE

Iaweh disse à Abraão: sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrandecerei teu nome; sê uma benção! Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão benditos todos os clãs da terra.

Bíblia de Jerusalém (Gn12,1-3).

Quando se dispõe a fazer algo, sobretudo aquilo que diz respeito às

conquistas humanas, não se tem respostas e nem certezas antecipadas. Tem-se a

vontade, o desejo de fazer e disposição para ir atrás.

O texto bíblico de Gêneses, acima, mostra muito bem isso: Iaweh, Deus,

promete a Abraão uma terra, um grande povo, uma grande nação. Mas, não diz

aonde e nem como conquistar. Se fosse assim, seria muito fácil! Deus promete a

bênção, um nome grande, mas não diz também como será a grandeza desse nome!

Isto porque é o homem que, à luz da fé, da esperança e confiança, vai descobrir o

meio e o modo como chegar à terra e como conquistar a grande nação!

Para isto se tornar realidade, precisa o homem se deixar conduzir pela fé. É o

que nos diz o apóstolo Paulo, na carta aos Hebreus, capítulo 11 inteiro. E Hb11,1: “A

fé é a garantia antecipada do que se espera, a prova de realidades que não se

vêem”.

Claro que o grande apóstolo, aqui, não está falando apenas de realidades

terrenas, de conquistas pessoais de cada um – fala também dessas coisas – mas,

ele fala de realidades futuras, escatológicas, da parusia, e da realização plena do

homem, no encontro único e definitivo com Deus.

Mas, também, as conquistas e anseios individuais, os sonhos humanos e

buscas de realizações, aqui se fazem presentes. A felicidade do homem, não exclui

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o estar próximo de Deus. Viu-se o que Sto. Agostinho afirma: que o homem só é

feliz, quando seu coração repousa, descansa em Deus. Afinal, Deus é a razão do

viver humano.

Depois de tanto correr atrás, para conquistar e concretizar meus sonhos, não

tive outra saída senão ir para São Paulo (SP). Como muitos conterrâneos meus, tive

também que deixar meu povo, minha terra e partir. Só que, com uma diferença:

muitos deles foram para a capital paulista ou para o interior, com o objetivo de

ganhar dinheiro, inclusive meu pai adotivo, já citei acima, para poder melhorar a

situação financeira, cuidar da família etc. Este não era o meu objetivo.

Estava disposto a trabalhar; meu objetivo, porém, era outro: através disso,

encontrar uma forma de começar os estudos.

Era o ano de 1972, mais precisamente, 22 de agosto. Contava com meus 23

anos de idade, Era uma segunda-feira, dia que o pessoal daquela região ia a Vila

para fazer as compras.

Cedo, saí de casa, pedi a bênção para minha mãe, esta ficou em prantos.

Eu? Com um nó salgado na garganta! Despedida é terrível!

À tarde, quando tive que tomar a condução para ir para Ipirá, para lá passar a

noite na casa do padre, e no outro dia cedo ir à Feira de Santana para tomar o

ônibus para o Rio de Janeiro, fui pedir a bênção ao meu pai, a voz dele não saiu do

peito, nem um sussurro! Novamente o nó salgado me tomou a garganta. Ah, que

tristeza! Passei o resto da tarde com aquela angústia no peito, mas partiu-se. Fui

com um colega que ia pelo Rio de Janeiro, para ver um irmão dele que lá estava

trabalhando.

Na terça-feira, dia 23 de agosto, pegamos o ônibus em Feira de Santana

rumo ao Rio de Janeiro e depois São Paulo. Meu peito parecia que estava sufocado

com muito peso em cima. Quem passa ou passou por situações de separação de

sua gente, sabe como isto é crucial. Saindo da rodoviária em Feira de Santana, era

um ônibus da Empresa Itapemirim, tinha serviços de som a bordo e colocaram uma

música do Roberto Carlos, que na época estava nas paradas de sucesso, “Um dia a

areia branca, seus pés irão tocar; e vai molhar seus cabelos, a água azul do mar”.

Nesse momento, felizmente, consegui chorar!... O choro, a saudade, o nó

salgado que estava preso na garganta, naquele momento, vieram à tona. Foi um

alívio para o peito!

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Chegando ao Rio de Janeiro, ficou-se por lá um dia e uma noite. O

companheiro que fui com ele, encontrou com o irmão dele (aliás, ficou-se na casa do

mesmo). Depois partiu-se para a capital paulista.

Saiu-se do Rio de Janeiro às 0h e mais ou menos 05h 30min ou 06h estava

em São Paulo. Chegou-se na antiga rodoviária, junto à Estação da Luz (lá hoje é um

museu). Estava um frio terrível! Eu com uma camisa de manga curta. Da estação

rodoviária até o Largo São Francisco, onde tomamos o ônibus para a casa da minha

tia (irmã do meu pai adotivo), quase morri de frio. Nunca tinha sentido tanto frio. Na

Bahia, nessa época, já está quente. Foi uma loucura! Essas coisas marcam a

gente!...

Nos anos 1960, tinha uma música que dizia: “Recordar é viver” (Vitor

Espadinha). Recordar é, também, fazer memória; olhar para o caminho que se

percorreu e atualizar ou ressignificar uma história que se viveu, ou fizeram a gente

viver. Se a noite fosse uma linha reta, quem sabe as coisas seriam mais fáceis. No

entanto, no viver humano, não há lá muita horizontalidade, não. Há altos, baixos,

tropeços, erros e, também, acertos. Também, não há muita previsibilidade; se assim

fosse, quem sabe, o viver humano, talvez fosse menos difícil e, talvez, muitas dores

pudessem ser evitadas.

Naquele ano, também, estava sendo exibida a novela Selva de Pedra, com

Regina Duarte, Francisco Cuoco e Dina Sfat, pela Rede Globo.

E, eu, chegando em São Paulo, enfrentando a “selva” de prédios, arranha-

céus e uma cidade enorme. Para quem estava chegando do interior baiano, que

apenas tinha ido a Salvador apenas uma vez, foi um choque de cultura/costumes e

realidades totalmente alheias a mim. “Bota sofrer nisso”! Não foi mais difícil, pois

fiquei na casa de minha tia Aída, irmã do meu pai adotivo; tinha a companhia dela e

dos filhos que cresceram comigo lá no nosso contexto de “Bonita”, onde fui criado,

como remontei no Capítulo Primeiro.

Mas, tinha que correr atrás de um emprego: não tinha mão de obra

qualificada, isto é, não tinha uma profissão, experiência profissional nenhuma, e

precisava trabalhar para poder sobreviver, ajudar um pouco nas despesas da casa e

adquirir experiência. Mas, só em outubro daquele ano, surgiu o primeiro emprego:

trabalhar de guarda, vigilante. Tinha que assumir, não podia mais ficar parado. Além

da saudade dos meus na Bahia, não conhecia nada em São Paulo e ainda sem

trabalhar, não tinha como permanecer assim. Nesse emprego, permaneci mais ou

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menos 10 ou 11 meses. Entrava 7h e saía às 19h; quando o colega não chegava

para ficar no meu lugar, tinha que dobrar, fazer 24 horas e sem jantar nem tomar

lanche. Não podia sair do posto. Se fosse pego fora do posto de serviço, seria

demitido por justa causa, na certa. Depois desse emprego, trabalhei numa fábrica de

televisão (Telefunken), fazendo serviços gerais. Fiquei poucos dias, um mês e

poucos dias. Depois, numa loja, na 25 de Março, Koraicho Mercantil, e meu último

emprego foi no Mosteiro de São Bento, Largo São Bento, bem no centro de São

Paulo (serviços gerais e portaria).

Antes de trabalhar no São Bento, já havia entrado em contato com D.

Bernardo Botelho Nunes, OSB, ia, vez ou outra, ao Mosteiro para a gente conversar,

falei da vocação, estudos, ser padre etc. Foi uma grande figura amiga, que cruzou

meu caminho. Foi graças a ele que consegui o emprego lá no Mosteiro. Me deu

muita força para enfrentar as adversidades e me deu suporte me encorajando para

não desanimar. Foram dias pesados!

Há uma passagem bíblica que diz: “Amigo fiel é poderoso refúgio, quem o

descobriu, descobriu um tesouro. Amigo fiel não tem preço, é incomparável o seu

valor. Amigo fiel é um bálsamo vital e os que temem o Senhor o encontrarão”

(Eclo.6,14-16).

D. Bernardo foi um amigo assim: amigo para a conversa, o desabafo,

partilhamento das preocupações; ia sempre conversar com ele, pedir orientação,

conselho; foi uma figura formidável para mim. Não posso me queixar: Deus colocou

muitas pessoas boas no meu caminho.

Mas, o mais difícil, em São Paulo, foi a solidão, a distância da terra natal, a

falta que as pessoas do meu convívio faziam! São Paulo é uma cidade maravilhosa,

mas no início eu não conhecia nada. Seria como enxergar a luz do sol e não saber

para onde estava o seu nascer e o seu se por.

Andava pela cidade com minhas primas, mas não me adaptei de imediato,

não; depois, com o tempo, as coisas foram melhorando.

Também, a distância para o trabalho foi cruel! Morava em Pedreira, na região

do Bairro Santo Amaro, zona sul da capital, e trabalhava em São Caetano do Sul.

Uma distância de mais ou menos 20km. Saía de casa 05h e 30min ou 6h, para

entrar no trabalho às 8h. Tomava dois ônibus: de Pedreira até o Parque Dom Pedro

e outro daí para São Caetano. Foi pesado!...

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Depois de um certo tempo, pedi transferência para um posto de serviço mais

perto. Me transferiram para o bairro de Pedreira mesmo, para uma usina da Light,

empresa de eletricidade. Mas, trabalhava a noite. E, durante o dia, não conseguia

dormir. Fiquei mais ou menos um mês, depois me transferiram para a Usina da

Traição, no Morumbi, no Rio Pinheiros, também Usina da Light. Lá trabalhava

durante o dia e conseguia dormir a noite. Naquela época, os rios da cidade de São

Paulo já eram poluídos; era um mal cheiro insuportável. Aí eu não comia, perdi o

apetite. Tive que tomar remédio para melhorar o apetite.

Ficava 12 horas numa guarita, sem ver nenhuma vivalma, fazia as refeições

ali mesmo. Ah, como era difícil.

Naquela época havia um programa na Rádio 9 de Julho (extinta no final dos

anos 1970, pelo regime militar). E havia um programa diário do Pe. José Fernandes,

o Pe. Zezinho, das 10h 30min às 11h 30min. Esse programa chamava-se “Tempo e

Contra Tempo”, começava com a música de Michael Jackson “Ben”, como fundo

musical; era um programa interativo. Ali, liam-se cartas, respondia a perguntas que

as pessoas faziam; tratava, enfim, de questões gerais. Esse programa era bom! E

tratei de arrumar um radinho para ouvir. Tinha que tomar muito cuidado, para o fiscal

não chegar ao posto de serviço e não encontrar a gente dormindo ou com o rádio

ligado. Além do programa ajudar a passar o tempo, as questões que as pessoas

queriam ter respostas, algumas tinham algo a ver comigo; e isso me ajudou muito a

encontrar respostas para as minhas também.

Depois desse emprego vieram os outros três já mencionados.

Mas, estudar era o meu objetivo para poder encaminhar-me para ser padre.

Nessas alturas, ia já, vez ou outra, ao São Bento, conversar com D. Bernardo.

Foi quando surgiu a oportunidade de trabalhar com eles. Isso foi lá pelo final de

1973, mês de outubro, ou novembro.

No São Bento, o serviço não era tão pesado, entrava às 08h e saía às 18h.

Tinha uma hora e meia para a refeição do meio-dia. Lá tomava café da manhã,

lanche às 10h, almoço e lanche às 15h 30min. Era outro ambiente... Mais tranquilo;

onde não era tratado como empregado. Tinham mais atenção pela gente. Foi bom!

Nessa época, eu ia à missa todo dia, antes de entrar no trabalho; me fez

muito bem!... Aquela Igreja que fica na Praça João Mendes, ao fundo da Catedral da

Sé, Igreja de Santo Inácio. A missa era às 06h 30min.; depois descia pela rua São

Bento ou pela rua 15 de Novembro, tomava café e, às 08h, entrava no trabalho. Na

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parte da manhã, fazia serviços gerais. E, à tarde, nos feriados e alguns domingos,

na portaria. Atendia as pessoas, telefonemas etc. Foi um período mais tranquilo.

Quando comecei trabalhar aí, já estava em andamento a construção da

Estação São Bento, do Metrô. O barulho era cruel. Mas, em dezembro ou janeiro de

1974, inauguraram-na. Aí, continuou a movimentação normal e não mais o barulho

das máquinas.

Mas, estudar, que era o meu objetivo, nada. E não estava conseguindo fazer

nada neste sentido. Além de ganhar pouco, meus horários eram complicados; não

me permitiam estudar. Ora trabalhava durante o dia, ora trabalhava durante a noite.

Não estava conseguindo conciliar estudos e trabalho. Aliás, nem tinha começado

estudar; o que me deixava mais angustiado.

A essas alturas, já contava com meus 24 anos de idade; a idade estava

chegando. Aí, comecei a me movimentar, entrar em contato com alguns seminários,

casas religiosas. A mesma questão se repetia: faltava fazer o 1º e 2º graus, ou

ginásio e colegial.

Assim, entrei em contato com o Mosteiro Cisterciense de Itaporanga (SP). A

mesma congregação religiosa que a de Jequitibá (BA), já citada. Era final de 1973,

ou início de 1974. Obtive resposta positiva. Já estava ganhando um pouco melhor, já

tinha comprado bastante roupa -- nunca escondi nem escondo meu gosto por vestir

bem. Sou vaidoso, não nego. Mas, logo que tive a resposta positiva dos padres de

Itaporanga, pedi demissão do emprego e, no início de março de 1974, rumei para

Itaporanga. Fica na região sul do Estado de São Paulo, quase na divisa com o

Estado do Paraná, próximo à Itapeva/SP e Itararé/SP. E, assim, fui. Morei na cidade

de São Paulo, portanto, de agosto de 1972 até início de março de 1974, quando o

governo Médici saia e iniciava a governo Geisel, anos difíceis politicamente no país.

Em Itaporanga, como em Jequitibá, não fui fazer nenhum estudo. Foi uma

experiência na vida religiosa. Em Jequitibá fiz a “escola técnica”, curso de

marceneiro, aqui não.

Logo chegando, depois de uns dias, comecei o aspirantado (espécie de

preparação para o noviciado). Isso durou um bom tempo; creio que foi de março de

1974, até novembro do mesmo ano. Isso mesmo: dia 30 de novembro, comecei o

noviciado, dia do apóstolo André. O noviciado, normalmente tem duração de um

ano. E, em fevereiro de 1976, dia 2, dia de Nossa Senhora da Candelária ou das

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Candeias, emiti os votos temporários, por um período de três anos. Mas, 10 meses

depois, eu saí, final de novembro de 1976.

A vida no mosteiro de Itaporanga, para mim não foi muito diferente de

Jequitibá. Já tinha conhecimento como as coisas andavam: horários para as orações

em comum, as refeições, as aulas de formação religiosa (o que me ajudou muito

para enfrentar a vida posteriormente, saindo de Itaporanga). Os horários de

recreação eram muito poucos; meia hora após o almoço e meia hora após o jantar.

Levantava-se muito cedo. Nos dias de semana, às 05h; às 05h 15min, oração. Na

época do frio era terrível! Me recordo que em julho de 1975, deu geada, nunca tinha

visto tanto frio na minha vida!... Quase morri. Aos domingos e feriados, levantava-se

às 05h 30min.

Havia os horários para as orações: manhã, 11h 15min; um momento de

oração logo após o almoço e às 17h, 19h 30min havia missa (essa na semana

inteira era nesse mesmo horário) e aos domingos também. Após o jantar que ocorria

às 18h 30min, havia o recreio, a missa já mencionada acima e, após a missa, a

oração da noite, chamada de completas, pois encerrava o dia. Após essa oração,

era obrigatório o silêncio. Este na vida religiosa é muito cultivado. O que sempre foi

para mim uma dificuldade enorme.

Também, cada um teria que assumir um trabalho; um ou dois dias por

semana, ia-se à horta, para fazer algum trabalho, mexer com a terra, aguar as

hortaliças etc.

Houve um período, também, que cuidei do refeitório, limpar o chão, encerar,

arrumar as mesas para o café da manhã, almoço e jantar. Era em torno de 40

pessoas, naquele momento, no convento. Também, nesse mesmo período, cuidei

da sacristia: arrumar as alfaias, os paramentos, preparar as coisas para a

celebração das missas. Cuidei por quase um ano, de um monge com problemas de

Alzheimer, tinha que cuidar, dar banho uma ou mais vezes por dia, pois com o

tempo ele perdeu a consciência totalmente. Foi muito triste. Ele morreu, logo que saí

do mosteiro: uma semana depois. Se soubesse, teria ficado e teria saído após a

morte dele.

Vida social no mosteiro, praticamente não existia – pelo menos para mim, não

– a vida dentro do convento é bastante reclusa, até que me saí muito bem. Mas, não

era mesmo ambiente para mim. Ia à cidade, vez ou outra, ao oculista, dentista, mas

sair, fazer amizades, visitar as famílias era praticamente inexistente. Havia uma

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família num bairro vizinho, Rio Verde, que morava naquelas redondezas, que fui

algumas vezes visitá-la, com um outro colega, o Rubens. Ele deixou a vida religiosa

e casou-se; fiquei sabendo, depois que saí de lá e já estava morando em Ribeirão

Preto.

Fiz em Itaporanga, no mosteiro, boas amizades; ainda hoje me correspondo

com alguns religiosos de lá. Naquela época, havia o irmão Adalberto, hoje, Pe.

Sebastião, está na Diocese de São José do Rio Preto/SP, com quem no mosteiro

partilhava algumas idéias e aspirações, e ainda hoje. A amizade ficou. Valeu a pena!

Vale a pena! Também o irmão Constâncio, cuidava na época da contabilidade do

mosteiro, e ainda cuida; também a amizade continua.

Esse período, de março de 1974 até novembro de 1976, que passei em

Itaporanga, teve bons momentos, a gente conseguiu concretizar algumas amizades,

mas não estava conseguindo dar encaminhamento ao que pretendia: estudar.

Então, comecei a questionar: Por que continuar aqui, se não estou atingindo meu

objetivo? Aí comecei a entrar em contato com alguns bispos, mas poucos deram-me

esperança. Só um, o arcebispo de Botucatu, respondeu positivamente, mas a carta

dele, não chegou às minhas mãos. O abade atravessou na frente, leu a carta, e não

me passou a mesma a tempo; tentei entrar em contato com o mesmo arcebispo,

posteriormente, mas não consegui mais falar com o mesmo e nem me comunicar

por telefone. Também o assunto morreu.

O Pe. Davi Kneuttinger, monge do mosteiro, um homem santo, conversei com

ele, coloquei-lhe as minhas aspirações e ele se propôs a me ajudar. Uma luz surgia

no fim do túnel! Pe. Davi, juntamente com Pe. Alcides, Pe. João Farias, D. Bernardo,

foi o quarto anjo que Deus colocou no meu caminho e que, sem ele, dificilmente eu

seria padre, hoje. Quando ele me disse “eu vou ajudar o senhor”, eu criei ânimo

novo! Pois, no mosteiro, dificilmente eu seria padre. Não havia interesse da parte

dos que estavam à frente da comunidade para me ajudar concretamente, de

verdade; não havia interesse da parte deles, mais precisamente o abade, que é a

autoridade maior dentro de um mosteiro.

Nessas alturas, já contava com meus 27 anos de idade.

Decidi, então, pedi licença dos votos temporários e, no final de novembro,

voltei para São Paulo, capital.

Fiquei numa Paróquia na zona norte da capital paulista, no Tucuruví, com o

Pe. Antônio Vilela e, em janeiro de 1977, fui para Ribeirão Preto (SP).

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Nessas alturas, o Pe. Davi já havia conversado com o bispo da Diocese de

Itapeva/SP, surgiu a possibilidade de eu ir para o Seminário dos Padres

Estigmatinos, pois ele, o bispo, pertencia à congregação. Fui para lá, como

seminarista da Diocese de Itapeva, e não como seminarista religioso.

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CAPÍTULO IV

FARIA TUDO DE NOVO OU REINVENTARIA O PASSADO

E A MEMÓRIA?

Claro que a memória depende dos subsídios da invenção, do que você inventa para sua vida. Não é uma falsidade ideológica. É que a memória não tem uma precisão pedagógica, ela não é uma cópia do que aconteceu. O que aconteceu está sujeito às várias versões que você dá aos fatos. Ao longo dos anos, a experiência olha o fato com outra mirada. Eu acho que o ato de inventar faz parte do uso da linguagem. A linguagem inventa. A memória inventa.

Nélida Piñon

A problematização apresentada por Nélida Piñon, faz a gente lembrar da

música de Geraldo Vandré “Para não Dizer que Não Falei das Flores”, quando ele

cantava lindamente, denunciando, como podia, o regime militar, que reprimiu o País

de março de 1964, até quando se teve no Brasil as eleições para Presidente da

República, no final de 1989, que ficou para o 2º turno, Fernando Collor de Mello e

Luis Inácio Lula da Silva (PIÑON, 2009).

Piñon fala da realidade da sua memória, de uma invenção, criatividade e

capacidade humana de, a partir do que parece impossível, chegar ao possível se

impor aos fatos quando possível e, ir em frente.

Vandré falava da coragem que os brasileiros teriam que descobrir em si

mesmos, para ir em frente, naquele momento em que a Nação tinha o cadeado na

boca e não podia dizer nada, não podia achar nada, não pensar sobre nada. Essa

foi a realidade que se viveu por quase 30 anos. Mas, mesmo assim, algumas

pessoas diziam, falavam, corriam risco e tentavam falar das flores.

No contexto em que estava vivendo, apesar de tudo parecer dizer não,

tentou-se ir em frente, se jogar na luta pela conquista do que se queria. Certeza não

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tinha; esta só se a tem, depois que o fato acontece, depois que a ideia se torna

realidade. Mas, a esperança de que poderia conseguir, esta não me abandonou.

Apesar de que, em alguns momentos, vinha a falta de perspectiva, o desânimo, o

cansaço, a tristeza, os tropeços e assim por diante.

Uma passagem bíblica belíssima, do livro de Jeremias, valeria a pena citar

aqui (Jr1,4-9). O profeta tímido, se sentindo fragilizado e, no versículo 6, ele deixa

sair pela boca a sua inquietação: “Mas eu disse: Ah! Senhor Iaweh, eis que eu não

sei falar, porque sou ainda uma criança”. É quando o ser humano reconhece a sua

pequenez e confia, não na sua capacidade, mas apela para a força que está fora de

nós!... Quantas e quantas vezes não se têm na vida a atitude de Jeremias? A

experiência mostra que a força que se tem, muitas vezes, não pode muito não. Se a

força humana não fosse fortalecida por essa força indescritível, o homem não iria

muito longe. O Sl. 8 exalta muito a figura humana, a sua grandeza e valor. Mas, sem

a força que vem do alto, tudo pode se tornar pó.

Portanto, confiar em Deus e confiar na vida é fundamental. Caminhando entre

as incertezas, chegar-se a certeza. É o caminho; caminhar implica tropeçar em

pedras, machucar os pés, experimentar a dor, sentir-se só, frágil. A vida não é isso?

Fui, então, para Ribeirão Preto. O Seminário dos Padres Estigmatinos, fica na

R. Conde Afonso Celso, 1282, com a R. Floriano Peixoto, no Jardim Sumaré. Lá se

tornou minha nova morada.

Em fevereiro de 1977, comecei o curso supletivo de 1º Grau, na Sociedade

Educacional de Ribeirão Preto - Colégio Bandeirantes- SERP, na Rua Garibaldi com

a Mariana Junqueira – região central, distante do Seminário mais ou menos uns dois

km.

No seminário, a maioria era de garotos, meninos que queriam ser padre. De

um modo geral, tinham entre 14 e 20 anos. Os mais velhos éramos dois: João

Firmino, também da Diocese de Itapeva, filho de Itaporanga, ficou padre; é um ou

dois anos mais velho que eu; e eu, agora imaginem, aguentar essa meninada! Foi

um sufoco.

Uma das coisas difíceis no seminário era que o dormitório era comum: cada

um tinha aula num colégio diferente e ninguém chegava na hora certa para dormir.

Às vezes, a gente já estava dormindo, aí chegava um, depois outro e outro... Ah que

tristeza! Era horrível! Tinha a sala de leitura e estudos, mas não podia ficar lá depois

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das 22h. Vez ou outra se ficava correndo o risco, porém, de levar bronca do padre, o

reitor do seminário.

A sala de aula tinha em torno de 50 alunos; todo mundo adulto, muitos

casados(as), trabalhavam e enfrentavam aula à noite. Foi um tempo muito bom!

Criou-se um ambiente bom entre os elementos da classe. Tenho saudades!

Recordo-me que no final de junho, quando fui ao colégio pegar as notas, vi

que tinha passado em todas as matérias, a primeira vontade que tive foi ir à Igreja,

agradecer. E fui! À Catedral de Ribeirão Preto, Catedral de São Sebastião, fica bem

no centro da cidade – Praça da Catedral. Mas cheguei à Igreja e fiquei lá, parado;

me sentei num banco, olhava para o altar, mas não saiu nenhuma palavra. Fiquei

extasiado, contentíssimo! Finalmente, estava fazendo o que vinha, há muito tempo,

querendo fazer: estudar. A alegria foi tamanha, que a palavra não saía; há

momentos que aquilo que é muito significativo para a gente, não tem como ser

expresso em palavras. Essas são por demais pobres, em dizer aquilo que deixa o

coração humano contente. Na linguagem religiosa fala-se da mística, os grandes

santos, como João da Cruz, Tereza de Ávila e muitos outros, falam dessa realidade,

que as palavras não conseguem expressar. Foi um momento muito feliz!

Exupèry (2000), em sua obra O Pequeno Príncipe, fala dessa realidade,

quando apresenta o príncipe falando dessa realidade, quando ele diz que aquilo que

é o mais importante, os olhos não são capazes de verem.

Seguindo essa ideia do autor, pode-se, também, dizer que há realidades que

não são expressas pelas palavras. Quem sabe, as veias, o coração pulsando o

sangue, os poros da pele podem falar mais. Entra aqui, a questão dos sentimentos,

da emoção, do contentamento. Assim, o Pequeno Príncipe não é mais só o livro das

modelos. E é deste também, que lhes fala, e de todas as pessoas que tem

sensibilidade e bom gosto. É genial o livrinho. Merece todo o carinho.

Esse tempo da vida dos estudos, em Ribeirão Preto, foi muito bom! Era uma

turma grande, em torno de 50 pessoas na sala, a grande maioria casada, trabalhava

e estudava. Tinha dificuldades enormes, para conciliar estudos, trabalho e as

mulheres, mais os trabalhos domésticos. E aí, eles me exploravam. Como eu tinha

tempo para estudar praticamente o dia todo, pude, assim, desenvolver minhas

capacidades e ajudá-los. O Santo Stoche era o meu vizinho de quarteirão, ia lá para

o seminário para a gente estudar. Também algumas colegas iam, como a “Cidinha”

e outras, que não me recordo mais dos nomes. Afinal, isso foi nos anos 1970/77!

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Quando era dia de prova, eu chegava mais cedo para a gente repassar a matéria da

prova. Por alguns minutos me tornava “professor”. Isso foi muito bom! Recordando

disso, meus olhos se enchem d’água e me emociono muito! Sinto mesmo muita

saudade daqueles dias. Um dia ia se ter prova de português (aí já foi no 2º grau) e a

turma estava apavorada, porque português é sempre complicado. Aí, me empenhei

para fazê-los entender a matéria da prova, e cansei; e, na hora da prova, me “deu

um branco”, esqueci tudo! Ainda bem que não precisava de nota alta, estava bem na

disciplina.

Interessante que eu nunca fui bom em cálculo, e ainda não sou. Isto, creio,

devido às falhas na minha formação cultural, não tive, como já foi dito, uma vida

escolar regular. Mas, nesse período do 1º e 2º graus, não tive dificuldade. Só o

inglês, que foi um “calo no meu pé”. Educação Moral e Cívica (disciplina do período

militar), também nunca gostei. Mas, as barreiras não foram intransponíveis,

felizmente.

Mas, “nem tudo são rosas”, também os espinhos se fazem presentes na vida

da gente, para não se ficar muito vaidoso, creio. E há espinhos, que as pontadas

doem até na alma!

Como diz o mestre da literatura brasileira e mundial, Guimarães Rosa (1978,

p. 11):

o senhor vê: existe cachoeira, e pois? Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retumbando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso.

Meu pai adotivo já vinha, há alguns dias, meses, com o estado de saúde

precário. Não cuidou a tempo para saber qual seria o problema (de modo geral, o

homem é mais lento para cuidar da saúde; as mulheres são mais cuidadosas quanto

a isso). E, no início de 1978, ele veio a falecer! Foi um momento duríssimo! Eu

estava contente com o andamento dos estudos, e agora, vinha o golpe da morte. É,

viver é mesmo difícil. Quem se arriscaria a dizer que Guimarães Rosa não tinha

razão?

O mundo aqui desabou na minha cabeça. Não estava preparado, como

ninguém está, para a realidade da morte, embora ela seja algo presente na vida da

gente. Foi um momento muito difícil.

Page 52: Monografia história

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Também veio a questão da doença de minha irmã: problemas psiquiátricos.

Até hoje não ficou boa. Das minhas irmãs era a mais bonita. Ela parecia uma índia;

morena, cabelos lisos, pretos, dentes brancos. Era muito bonita a minha irmã. Hoje

está velha, sofrida, toma remédios controlados. É mais nova do que eu, um ano e

pouco.

Essa situação de incerteza e indecisão, pela morte do meu pai e a doença da

minha irmã, perdurou por um bom tempo. Foi um tempo de conflito, que durou desde

1977, quando manifestaram os primeiros sintomas da doença da minha irmã, e a

morte do meu pai, em fevereiro de 1978, até 1985, quando vim para Goiânia, e

ainda havia resquícios dessa situação. Portanto, quase dez anos nessa situação

conflituosa. Foi muito complicado.

Só depois, bem mais tarde, já era padre, e quando comecei a psicologia, é

que vim descobrir que aquela amargura e vida cinzenta que tive, foi uma depressão

provocada por essas circunstâncias. Sentia um mal estar constante, uma vida sem

sentido, uma falta de perspectiva, falta de horizonte, enfim, uma vida sem sentido.

Só me lembrava da morte. Sentia um medo da mesma, era uma insegurança; não

dá para explicar.

Mas, a vida, apesar de tudo, continuou. Em 1979, início do ano, comecei o 2º

grau; e no meio de 1980, terminei o 3º semestre, ou 3º ano do segundo grau.

No seminário, naquela época, eram 3 ou 4 padres que lá moravam. O Pe.

Esaú Messias Pauloso, Pe. Geraldo do Vale, depois ficou bispo de Almenara (MG),

Pe. José, depois veio o Pe. Pedro Favaretto; todos já faleceram. Também, tinha o

diácono Florentino; não chegou a ser padre, desistiu antes de ser ordenado. O Pe.

Esaú era o padre responsável pelo seminário, pela formação dos alunos, os futuros

padres. Uma ou duas vezes por semana, tinha-se palestra formativa. O livro do Pe.

Zezinho, Alicerce Para Um Mundo Novo, refletiu-se todo.

A atividade da gente era cuidar da limpeza da casa todo dia, e duas vezes por

semana uma limpeza mais caprichada. Era um prédio grande, uma construção em

forma retangular com três lados e 1 andar. Também, se cuidava do jardim, limpeza

da piscina e área de lazer; a gente trabalhava bastante. No final de semana, era

tempo livre. Alguns, que tinham condições, iam para paróquias de Ribeirão Preto ou

cidades vizinhas, para adquirir experiência Pastoral. Mas não era obrigatório; só

quem quisesse ir.

Page 53: Monografia história

53

A vida no seminário em Ribeirão Preto não foi ruim; mas era um estilo de vida

para formação de garotos; o João e eu, que éramos os dois mais velhos, a gente

trocava ideia sobre a vida do seminário, não concordava com algumas coisas das

orientações da casa, mas se aceitava; fazer o que? Teria que se abaixar a cabeça e

continuar em frente. Mas, não foi assim tão difícil, não. Nada é fácil.

Até então, final de 1979, eu pertencia à Diocese de Itapeva (SP). A gente

insistiu muito com o bispo, D. José Lambert, para a gente ser transferido para o

seminário em Sorocaba (SP), eu também tinha pedido a ele várias vezes. Mas,

chegando em Sorocaba, não me adaptei ao estilo de vida do seminário e no colégio

também, encontrei certa dificuldade para acompanhar as disciplinas. Como estava

cursando o terceiro colegial, ou 3º ano do 2º grau, pedi ao bispo para voltar para

Ribeirão e terminar o curso no seminário dos estigmatinos, mas ele não concordou.

Então resolvi voltar para Ribeirão por minha própria conta, fiquei na casa de uma

família amiga e, assim, no meio de 1980, terminei os estudos do 2º grau. Aí foi uma

alegria! Não estava acreditando que tinha terminado os estudos. Estava pronto para

começar a filosofia e depois a teologia.

Como estava no meio do ano, fui para uma cidade perto de Avaré (SP),

Itatinga (SP). Lá existe um mosteiro cisterciense e o Pe. Davi, meu grande amigo lá,

era naquele momento, o padre responsável por aquela casa religiosa. Falei com ele,

e o mesmo permitiu que eu ficasse lá, até o início de 1981, quando eu deveria

começar a filosofia. Antes, porém, tinha que encontrar um bispo que me recebesse,

pois não pertencia mais a diocese de Itapeva.

Assim, fiquei em Itatinga, fiz alguns trabalhos na secretaria paroquial, como

atualizar os livros de assentamento de casamentos e de batizados. Estava tudo

atrasado. A Paróquia não tinha secretária e esses dados estavam todos atrasados.

Quando terminou essa parte da secretaria, me propus a matar os cupins de um

pasto que ficava à frente do Mosteiro. Aqueles cupins grandes, que nascem da terra.

Aquilo tem uma crosta dura, tinha que perfurar com cavador e colocar óleo

queimado e fogo. Ah, se o IBAMA tivesse aparecido por lá. Matei, destruí todos os

cupins.

Nesse intervalo de tempo, entrei em contato com a Diocese de Franca (SP),

com o bispo D. Diógenes Silva Matthes, ele me recebeu na Diocese.

Page 54: Monografia história

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Assim, no início de 1981, voltei para Ribeirão, para começar a filosofia. Mas a

escolha, ou entrar na diocese francana, não foi uma boa escolha não. Mais a frente,

tratar-se-á dessa questão.

A rua Prudente de Morais, com a rua Tibiriçá, centro, Ribeirão Preto, era o

meu novo endereço.

A turma de iniciantes no curso de filosofia era composta de 17 rapazes; e

eram 7 dioceses que mandavam seus candidatos ao sacerdócio para estudar em

Ribeirão. Franca, à qual pertencia, São João da Boa vista, Barretos, Jaboticabal,

Jales, São José do Rio Preto e a própria Ribeirão Preto, que é a sede da Província

Eclesiástica. Apenas São José do Rio Preto não encaminhava iniciantes para

Ribeirão. Tinha a diocese, sua linha de trabalho, independente nesse sentido.

Propiciava a formação lá mesmo em São José.

Desses 17 rapazes que entraram, incluindo eu, para a filosofia, só 4 tornaram-

se padres; o 5º ficou diácono, mas deixou, e casou-se antes de ser ordenado padre.

Os 4 padres dessa turma são: Pe. Molena, da diocese de Jaboticabal, o Pe. Milton,

também de Jaboticabal, hoje bispo auxiliar da cidade de São Paulo, Pe. Odécio,

que se tornou padre religioso franciscano e eu, que fui ordenado padre pela

Arquidiocese de Goiânia.

O curso de filosofia, oficialmente foram 2 anos; mas, naquela época, havia a

possibilidade de fazer a revalidação em Lorena (SP) e nós conseguimos matérias

filosóficas, além daquelas que eram dadas para o curso de filosofia em Ribeirão

Preto. Assim, nosso curso teve uma carga horária de 3 anos. Mas, eu não fui fazer a

revalidação. Alguns colegas foram; hoje, muitos deles são professores, casaram-se

etc...

Acima, falei do período depressivo; mas ele ocorreu aqui na filosofia. Final do

1º ano, início do 2º e 1º ano de teologia. Ah, foi terrível. Não foi um período curto,

perdurou por uns dois ou três anos. Quando vim para Goiânia, em 1985, ainda havia

resquícios da mesma depressão.

O tempo da filosofia não foi fácil!... A filosofia provoca na gente muitos

questionamentos, a situação do seminário era uma realidade bastante conflituosa,

cada um com suas ideias mais doidas do que as dos outros. Vivia todo mundo

achando que os bispos iam impor normas mais rigorosas ao seminário e que as

coisas iam se complicar. Tinha-se uma formação e orientação por parte dos

professores bastante aberta, numa linha de questionamentos frente à situação que o

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País estava vivendo, regime de exceção, regime militar. E se sabia que alguns

bispos da província não comungavam com aquelas orientações. Foi uma barra. A

turma achava que uma diocese que não comungava com os trabalhos de Ribeirão

Preto poderia vir a dedurar as dioceses que tinham um trabalho mais aberto.

Também a situação de orientação da casa de formação, primeiro foi um padre

da Diocese de Franca, hoje é bispo, pertence a um movimento chamado

“neocatecumenal”; trata-se de um movimento de Igreja bastante fechado. E a turma

não estava contente com ele na direção da casa. Depois, veio outro, que causou

maior insegurança, pois ele não dava opinião, não expressava suas ideias e tinha

uma postura bastante fechada, também. Ah! Que tempo! Essas coisas marcam a

gente por demais.

O seminário é um ambiente em que a gente não tem muita disponibilidade

para fazer amigos. Confiança em alguém é coisa rara; vive-se um coleguismo. A

vida é bastante artificial. Claro que não são todos. Há seminários e seminários.

Naquele momento, na situação da província, as dioceses mandaram todo mundo

para estudar em Ribeirão Preto, o que gerou muita instabilidade. Mas, tudo passa, e

passou; as marcas, porém, ficaram.

Como disse Guimarães Rosa (1978: 12): “Que o que gosta, vai gostando o

diabo de dentro da gente, aos pouquinhos é o razoável sofrer. E a alegria (...).

Deveras? É, e não é. O senhor acha e não acha. Tudo é e não é”...

Assim, de acordo com o pensamento de Rosa, já citado acima, há que se

gastar os diabos de dentro da gente e suportar que os outros gastem os diabos de

dentro deles também... Isso é viver. O mal não está fora. Pelo contrário, cada um

joga para fora o mal que está em si. Assim, em muitas situações a coisa se

complica. No texto, o autor dá a entender uma situação familiar; mas essa situação

pode ser real em qualquer circunstância, e não só quando se trata de família

apenas.

Na visão psicanalítica costuma-se dizer, às vezes, que tem-se que jogar para

fora os demônios que estão dentro de nós. Isto é, exorcizar-se, tirar de si aquilo que,

ao invés de ajudar, atrapalha. O pensamento de Rosa não quer dizer isto. Gastar o

diabo que está dentro de si, que impede se viver é, talvez, fazer a catarse, limpar a

chaminé de que Freud fala na sua teoria psicanalítica.

Apesar das dificuldades, o curso da filosofia foi ótimo! Estudar filosofia, entrar

em contato com os pensadores, é fabuloso. Percebe-se o esforço humano de tentar

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descobrir as coisas, entendê-las e dar-lhes significado. Gostei da filosofia antiga,

medieval, moderna e contemporânea. Era formidável quando se trocava ideia com

os colegas que estavam também dispostos a se deixar envolver por essa aventura

humana, de tentar conhecer o mundo e a realidade. Houve boas reflexões,

discussões ardorosas. Estudar metafísica, como foi bom!

Tivemos bons professores. Recordo-me com saudade do Pe. Xavier,

espanhol, trabalhava filosofia medieval. Não trazia um livro para a aula, nem

anotações; ele preparava as aulas e vinha para a sala de mãos totalmente “vazias”;

o cérebro vinha a todo vapor. Aquele jeito espanhol, falava gritado. Ninguém

pestanejava nas aulas dele. Era um grande admirador de Santo Agostinho. Li as

confissões, porque ele mandou ler. E não me arrependi. Já é falecido. Recordo-me

também das aulas de latim, com o Cônego Horácio Longo, também já falecido. O

latim não me despertava interesse e ele me dizia: “Teodoro, o Rui Barbosa foi um

grande latinista”; ao que eu respondia: Pois é padre, ele foi o Rui Barbosa e eu não

sou ele. Língua estrangeira não é a minha praia: Latim, inglês, francês, tive aulas

dessas línguas, mas não aprendi nada, não soube valorizar. Hoje, percebo que se

tivesse me esforçado para entender o latim e o francês, teria condições, estaria mais

tranquilo para enfrentar um mestrado. O inglês não, é muito chato. Esse inglês com

a pronúncia norte americana, ninguém merece isso.

Também o Padre Cícero, kantiano roxo, no início tive dificuldades para

acompanhar as aulas dele. Tinha uma linguagem muito difícil. Mas com o tempo,

superei. Passei a entender a linguagem dele. Deixou o ministério presbiteral, quando

eu já estava aqui em Goiânia.

O Padre Francisco de Assis Correia, (Padre “Chicão”), também um grande

professor. Metafísica, teodiceia e, posteriormente, teologia da graça com ele foram

ótimas. Saia-se da aula com vontade de continuar em sala. Experiência semelhante

tive quando fiz psicologia. Tive ótimos professores. Aqui, me recordo da Professora

Alba, de psicologia escolar. Fabulosa. Professora Adalgisa, com a psicologia do

adolescente e do adulto (psicologia do desenvolvimento). Sensacional. A professora

Virginia Suassuna, em psicopatologia especial. Extraordinária. Teve dia que eu saia

da sala de aula com vontade de dançar. A gente não percebia o tempo passar. Não

posso esquecer do professor Norton, com suas aulas de psicanálise. Gostei muito!

Foi meu orientador para o artigo de conclusão da psicologia e o artigo de pós-

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graduação. Sempre me incentivou, deu apoio, valorizou os trabalhos e atividades em

classe.

A vida é mesmo essa realidade indescritível: em alguns momentos, coisas e

pessoas chateiam a gente, deixa a gente para baixo e aborrecido. Em outros

momentos, acontecem coisas boas, a gente cruza no caminho com pessoas boas,

amigas que fazem bem, e muito bem a gente! Viver é mesmo um mistério! Ora, se

encontra joias raras, pessoas amigas, que não arrotam saber e sabem muito. Coisas

que acontecem com a gente, fatos que deixam a gente feliz. Em outras

circunstâncias, se encontra pessoas que se tornam pedras no caminho da gente.

Por causa delas, pode-se tropeçar, cair, decepcionar. Coisas também que

acontecem, que jogam a gente lá pra baixo. Fazem muito mal, se perde por

momentos o gozo de viver: em vez de prazer, pode-se sentir chateação, desgosto e

desânimo pra se viver. É a vida. “É o razoável sofrer” que Guimarães Rosa fala com

seu compadre Quelemém. Essas coisas fazem a gente sentir a vida, ter em relação

a ela um gosto amargo.

Em meus 60 e poucos anos de vida, encontrei pessoas e situações, que me

fizeram, momentaneamente, sentir esse gosto da vida. Mas, apesar de tudo, é bom

viver.

Voltando à filosofia, no final de 1982, terminava-se o curso de filosofia, e, no

início de 1983 já fazendo a teologia, fez-se também as disciplinas preparatórias para

a revalidação da filosofia, em Lorena.

Quando se começou a teologia, achei uma chatice. Tinha me empolgado

muito com a filosofia. Não é que eu saiba filosofia, mas gosto de filosofia. É muito

bom estudar a mesma.

Saí do curso filosófico e entrei na teologia, achei algumas disciplinas muito

chatas! História da Igreja, uma coisa sem graça. Estava na teologia, mas com a

cabeça na filosofia: demorei a conseguir aprender a ouvir, escutar e perceber as

joias de teologia. Mas, com o andamento do curso descobri.

A teologia nos ensina como Deus é apaixonado pela humanidade. Estudar

teologia da revelação, cristologia, Escritura Sagrada, são pedras de brilhante, que as

outras ciências não nos ofereceram. Claro que não é uma coisa excludente, a

teologia não pretende ignorar os outros saberes. Se ela nos fala desse Deus

presente em tudo e em todos, ela quer, portanto, nos fazer perceber a grandeza de

Javé em todas as coisas.

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O salmo 8, nos fala dessa bondade de Deus e da grandeza do homem. E

uma das funções da teologia é nos fazer perceber isso. É mais rico ouvir o Sl 8,2-10:

Iahweh, Senhor nosso,quão poderoso é teu nome, em toda a terra!

Ele divulga tua majestade sobre o céupela boca das crianças e bebêsTu o firmaste, qual fortaleza,contra os teus adversários,para reprimir o inimigo e o vingador.

Quando vejo o céu, obra de teus dedos,a lua e as estrelas que fixaste,que é um mortal, para dele te lembrares,e um filho de Adão para vires visitá-lo?

E o fizeste pouco menos do que um deus,coroando-o de glória e beleza.Para que domine as obras de tuas mãos sob seus pés tudo colocaste:ovelhas e bois, todos,e as feras do campo também;a ave do céu e os peixes do marquando percorre ele as sendas dos mares.

Iahweh, Senhor nosso,quão poderoso é teu nomeem toda a terra!

É lindo o salmo 8! Revela todo o extasiamento do homem, diante da criação;

ele não sabe explicar. Apenas admira. Uma versão de uma estrofe do mesmo salmo

diz assim:

Teu nome Senhor é tão bonito,Tu moras no céu, lá nas alturas;Até criancinhas que ainda mamam,Já sabem que vences o inimigo!

Cantado, é belíssimo. São essas as pérolas que a teologia nos faz perceber e

admirar. Mas, no começo do curso fui estúpido! Estava empolgado demais com a

filosofia. Claro que a filosofia é bela; mas é outra área do saber. É a tentativa para

procurar saber a causa das crises. E a teologia admira as coisas e reconhece a

grandeza do criador nelas.

Santo Agostinho, no seu livro “As Confissões”, nos chama a atenção para

isso, quando ele medita sobre a Grandeza de Deus e o mistério da Trindade. Ele diz:

“Tarde vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde vos amei. Eis que habitáveis

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dentro de mim, e eu lá fora a procurar-Vos! Disforme, lançava sobre estas

formosuras que criastes. Estáveis comigo, e eu não estava convosco!” (Agostinho,

Santo, 1981, p. 266).

Não é isso que o Salmo 8 quer nos fazer admirar? É essa a tarefa da teologia,

levar o ser criado, a perceber as obras do Criador e seu Criador.

Voltando à vida do seminário maior em Ribeirão Preto, como já foi

mencionado, eu pertencia à Diocese de Franca e disse, também, que a minha

escolha por ela não tinha sido uma opção feliz. E não foi mesmo. No início de 1984,

recebi a grande notícia: Franca não era mais a minha diocese; eu estava

dispensado, livre para procurar outra diocese. Aliás, essa “bela” notícia, eu recebi no

final do semestre, era perto da Festa de Corpus Cristi, (Corpo de Deus), início de

junho. Eu podia concluir o semestre, mas, não era mais seminarista de Franca.

Permaneci cursando as disciplinas, e morando com alguns colegas que tinham,

também, deixado o seminário. Passamos muitas dificuldades... inclusive, tinha dias

que eu almoçava e não sabia o que iria jantar. O outro dia, então, nem pensar. Foi

difícil!

No segundo semestre pedi ao Bispo de Franca, e ele consentiu, que eu

permanecesse até o final do ano, fazendo o curso.

Não foi uma boa optar por Franca, porque, no momento, a Diocese vivia a

realidade de dois grupos de Igreja: neocatecumenal, um grupo extremamente

conservador, retrógrado; e a renovação carismática. Esses dois grupos viviam em

constante tensão. A ideologia, que normalmente não verbaliza nada, era essa: quem

não era de um grupo, tinha que necessariamente pertencer ao outro. O bispo fazia

parte do grupo neocatecumenal. Era uma pessoa muito boa, é, ele está vivo, mas é

uma pessoa insegura, dividida, ficava em cima do muro quando tinha que tomar

decisões. E aí, o grupo mais forte ganhava, e aqui, no caso, como eu não fiz média

nem com um grupo e nem com outro, dancei. Mas, hoje, olhando para trás, foi até

bom não ter ficado mesmo em Franca.

Chegou o final de 1984, “aos trancos e barrancos” terminei o 2º ano de

teologia e tinha que providenciar uma outra diocese para ingressar e poder concluir

os estudos, agora faltando só dois anos, e chegar à ordenação sacerdotal, de fato.

Escrevi para muitas dioceses. Muitas delas nem responderam.

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Nesse meio tempo, enquanto encontrava um seminário para estudar, não tive

condições de continuar em Ribeirão. Voltei para São Paulo/Capital e fiquei na casa

de minha tia; a saudosa tia Aída, já falecida.

Nessas alturas, a ansiedade era enorme; esperando alguma comunicação de

algum bispo e não vinha nada. Foram meses que não tinham só 30 dias e dias que

não tinham só 24 horas. Esperar não é nada fácil! Sobretudo, quando não se sabe

como será e de onde virá a mensagem.

Dentre as dioceses para onde escrevi, estava também Goiânia, que à época

era uma Diocese referência para o Brasil todo, com uma proposta pastoral, a

organização da Igreja Particular de Goiânia. Devido a isso, escrevi para a

Arquidiocese de Goiânia.

Entre tantas esperas chegou-me uma carta de Goiânia, onde o Arcebispo D.

Fernando dizia mais ou menos assim: nossa Arquidiocese precisa de pessoas que

estejam dispostas a trabalhar pela Causa do Reino. A carta estava datada do dia 25

ou 27 de maio daquele ano. Mas, notei que a assinatura do Bispo, a letra estava

ligeiramente trêmula... Me convidava para vir conhecer Goiânia. Tenho esta carta

até hoje.

Reanimei-me, comecei a pensar na possibilidade de conhecer a capital de

Goiás.

Mas, dia 1º de junho de 1985, no Jornal Nacional da Rede Globo, veio a

notícia que o Arcebispo de Goiânia, D. Fernando Gomes dos Santos, tinha falecido.

Logo de imediato, procurei entrar em contato com Goiânia e saber se o

convite para vir conhecer o seminário estava de pé, mesmo depois da morte de D.

Fernando.

Para meu contentamento, o Pe. José Vicente, hoje grande amigo, na época,

reitor do Seminário Arquidiocesano Santa Cruz, me respondeu positivamente,

dizendo-me que poderia vir.

No mês de julho, era dia 15/07/1985, vim à Goiânia. Não conhecia nada.

Nunca tinha vindo à região centro-oeste.

Cheguei em Goiânia bem cedo, estava ainda um pouco frio (manhãs de

julho), era aquela rodoviária antiga, onde hoje é o Corpo de Bombeiros; era horrível,

suja, um mau cheiro nos banheiros, que quase morri quando lá entrei, chegando de

Ribeirão Preto. Da rodoviária até a Av. Paranaíba, perto da Igreja Coração de Maria,

vim à pé, nunca chegava ao endereço. É que aí, tinha uma casa de formação da

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Diocese de São Luís de Montes Belos e um colega, hoje também padre, Pe. Antônio

Alves Pinto, (Pe. Toninho), que tinha vindo de Ribeirão e estava lá estudando.

Fomos colegas em Ribeirão Preto e aqui em Goiânia. Lá me encontrei com ele, no

endereço da Paranaíba e, depois, entramos em contato com o Pe. José Vicente no

Seminário, aqui residente.

Fiquei uns dias conhecendo, fui me encontrar, no Jardim América, com os

padres estigmatinos, com o Antônio, que tinha sido colega meu, lá no seminário de

Ribeirão, e estava em Goiânia. Hoje, também ele é padre, não sei por onde o

mesmo anda (Pe. “Ti Toim”).

Fomos, também, conhecer a Diocese de São Luís, pois, ao escrever para

Goiânia, me dirigi ao Bispo de São Luís, que nessa época era o D. Estanislau, já

falecido. E o Pe. José Vicente achou por bem eu ir lá também, conhecer o Bispo.

Conversamos, expliquei as razões porque tinha procurado a Arquidiocese de

Goiânia, e, como a Diocese estava vacante, não pude logo obter uma resposta.

Precisava conversar primeiro com o Pe. Pereira, que à época era administrador

diocesano, isto é, respondia pelo bispo. Como ele estava viajando, voltei para São

Paulo e fiquei aguardando uma resposta. Antes, porém, pedi ao Pe. José Vicente: só

me deem uma resposta, depois que tiverem informações de Franca ao meu respeito,

para depois não vir de lá conversa atravessada. E assim aconteceu. Tudo foi

conversado antes.

Então, não demorou muitos dias, a carta do Pe. José Vicente chegou, estava

tudo certo, e dia 25 de outubro de 1985, há 27 anos, em outubro, cheguei em

Goiânia. Era nova morada, novo mundo a ser conhecido. E valeu a pena, não me

arrependi.

Como era o segundo semestre, não tinha como estudar, tive que esperar

para, em 1986, iniciar o 3º ano de teologia, retomando o curso, portanto.

Enquanto isso, fiquei em Bela Vista de Goiás, com o Pe. Altino (falecido),

ajudando nos trabalhos da Igreja, fazendo visitas às casas etc. Foi uma experiência

muito rica e brotaram sólidas e boas amizades. Que tempo bom! Costumo dizer que

depois de Deus, a melhor coisa que existe é a amizade. E creio que ninguém

discorda disso. Já disse o Eclesiástico: “quem encontrou um amigo, encontrou um

grande tesouro”, já visto anteriormente.

Vim para Goiânia, foi uma bênção, um passo acertado.

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Assim, no início de 1986, retomei os estudos da teologia, interrompidos no

final de 1984.

O nosso Seminário, naquele momento, estou falando do Seminário Santa

Cruz, aqui em Goiânia, tinha uma caminhada muito boa. Não tinha muita gente,

formando padres para Goiânia. Mas o Seminário recebia gente para a formação

sacerdotal, de todo o Regional Centro-Oeste, isto é, de todas as Dioceses que

compõem a Província Eclesiástica de Goiânia, menos a Diocese de Anápolis, que

tinha uma caminhada diferenciada no Regional.

Os estudos andaram, eu andei. As disciplinas eram ótimas. Sagrada

Escritura, Cristologia, Sacramentos, Direito Canônico I e II. Essas aulas eram

ótimas. No dia que o padre resolvia contar piadas, a aula era uma festa! Pe. Nilo

Pisaneschi. Muito inteligente e culto! Escreveu por um bom tempo o “Santo do Dia”,

no jornal O Popular; jornal este que ninguém conhece em Goiânia. Ah!!!

A convivência, também no Seminário, era muito boa. Desenvolveu-se um bom

relacionamento entre os colegas. Algumas amizades que duram até hoje, e hão de

durar por muito tempo. Como com a Dona “Tita”, mãe do Pe. José Vicente, e ele,

naquela época reitor do seminário, que moravam com a gente também.

Teve uma ou outra figura que não foi lá tão agradável conviver. Um,

especificamente, não cito o nome, não se dava bem com quase ninguém no

Seminário.

Recordo-me do Evaldo Carvalho Carneiro, que foi seminarista nosso, aqui, e

voltou para sua terra, a Diocese de Tianguá (CE). A amizade perdura. Nesses dias,

falei com o mesmo. Tornou-se padre também. Esse é um dos 4 alunos que se

destacaram e os professores disseram que tinha condições de fazer especialização

até fora do País. Um foi ele, um outro, da Diocese de Itumbiara, outro de Miracema e

eu. Mas ninguém foi estudar fora por conta das respectivas Dioceses. O Evaldo me

disse esses dias que fez especialização em Fortaleza, eu fiz psicologia e

especialização em educação e, agora, história. Só que até agora não encontrei

especialidade nenhuma. Ah!!!

Também o Francisco Adão, hoje padre, foi ordenado antes de mim; foi e é um

grande amigo do tempo do seminário aqui em Goiânia. Hoje está na Diocese de

Catanduva/SP. Partilhou-se muito a vida de seminário, os estudos, as aspirações

como futuros padres. Hoje, a gente não se comunica muito. Ele é desligado e não

mantém a comunicação em dia. Mas, é um grande amigo.

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Aos finais de semana ia-se para as comunidades para adquirir-se experiência

pastoral. Continuei indo para Bela Vista de Goiás, o ano de 1986 inteiro.

Os trabalhos de casa era a gente que fazia: limpeza, cuidar do quintal uma

vez por semana, capinar, lavar a louça do café, almoço e jantar. Pois, era muita

coisa para as mulheres que cuidavam da cozinha.

No início de 1987, não fui mais para Bela Vista, mas para um bairro aqui em

Goiânia. O setor Rio Branco, saída para o Guapó, BR 060, lá depois da Eternit.

Na época, era uma comunidade que estava começando, estava tudo por

fazer, tanto na comunidade como no setor. Foi uma experiência muito boa; o padre

responsável por aquela comunidade, naquele momento, era o Mário Aldighieri,

vigário de Vila Canaã e atendia o Rio Branco, Vila Adélia, Bairro Goiá e a própria

comunidade da Canaã.

Todo final de semana eu ia para lá, no sábado à tarde, ficava por lá no

domingo inteiro e, no domingo à noite, 19h e 30min, havia a celebração da Palavra.

E um domingo no mês (não me recordo mais que domingo), o padre Mário ia

celebrar a missa.

Assim, a gente foi, juntamente com o grupo, organizando as coisas,

estruturando a catequese, enfim, aquilo que é próprio da vida de comunidade

religiosa. Daqui do Rio Branco, saí quando fui assumir a primeira paróquia a mim

confiada, em julho de 1989; aí, já era padre, de fato. Assumi a Paróquia de Guapó.

No final de 1987, concluí o curso de teologia e ficou determinado que eu ia

para a Vila Canaã, numa comunidade, com o Pe. Mário e a Ângela Mariani, os dois

italianos. Ele, de Cremona, na Itália e ela, de Milão, terra de Santo Ambrósio, onde

ele foi Bispo e orientou Santo Agostinho nas suas buscas pela verdade. O próprio

Santo Agostinho fala isso, no seu livro “As Confissões”.

Dia 06 de abril de 1988, ocorreu a minha ordenação diaconal, lá mesmo na

comunidade do Rio Branco. Nesse dia aconteceu de tudo: a Capela era pequena,

ficou superlotada; choveu, faltou energia durante uns momentos da celebração. O

pessoal da comunidade respondeu satisfatoriamente: ajudando, trabalhando,

marcando presença. Eu, durante a celebração, chorei o tempo todo! Ainda mais

quando foi lida uma carta, que veio do Conselho Paroquial de minha cidade

Pintadas/BA. Aí, eu me desmontei... Semelhantemente à minha saída de Feira de

Santana, quando estava saindo da minha terra, dia 23 de agosto de 1972, que

chorei como um louco, com a música “Debaixo dos Caracóis de seus Cabelos” do

Page 64: Monografia história

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Roberto Carlos. Lá chorei, porque estava saindo de minha terra, deixando meu

povo, minha gente, meus pais! Aqui, o choro foi de alegria, pela conquista, pelo

caminho percorrido e o contentamento de estar chegando onde queria. Foi um dia

de glória!... Recordo-me com muita saudade!

Alegria semelhante tive quando prestei dois vestibulares, durante o tempo que

morei em São Paulo, interior, prestando serviço Pastoral à Diocese de São José do

Rio Preto, morando na cidade de Magda. Era dia 13 de dezembro de 1999, dia de

Santa Luzia. Às 9h, prestei para Administração, em Votuporanga/SP. E, às 14h,

prestei, em São José do Rio Preto, para Psicologia. Era domingo. E, na terça-feira,

saiu o resultado num jornal de circulação da Região, não me recordo mais o nome

do jornal, e na internet. Passei nos dois. Para Psicologia, minha classificação foi o

17º lugar. Para Administração foi uma classificação bem inferior, 70º ou 83º lugar,

não me recordo mais.

Mas, fiquei numa alegria enorme. Fazia tanto tempo que tinha parado de

estudar. Terminei a teologia em 87 e nunca mais tinha enfrentado banco de escola...

Não fiz cursinho, nada. Foi ótimo! Fiquei uma semana com estresse saudável.

Aquele contentamento!

Da ordenação diaconal até à ordenação presbiteral durou pouco tempo. A

primeira, dia 06 de abril, dois dias antes do meu aniversário e 6 dias depois da

páscoa. E a ordenação sacerdotal foi em dezembro, dia 22.

D. Antônio Ribeiro de Oliveira me chamou para se marcar a data da

ordenação presbiteral, pois, o pessoal da minha cidade escreveu para a

Arquidiocese de Goiânia, pedindo que D. Antônio autorizasse a minha ordenação na

minha cidade. E D. Antônio me chamou para comunicar isso! Era pra eu ser

ordenado em julho ou agosto daquele ano, mas dependia do Bispo da Diocese de

Rui Barbosa, D. Mathias Chimit (falecido). Ele viajava muito, tinha que ir à terra dele,

Estados Unidos, e só tinha espaço na agenda para dezembro, a data de 22. Assim,

marcamos para essa data.

Muita gente me ajudou materialmente para que eu me organizasse para isso:

Pe. Davi, falei dele anteriormente, D. Bernardo do Mosteiro de São Bento/SP, já falei

dele também, e o Pe. Elísio de Oliveira, um grande amigo, que perdi o contato há

mais ou menos 10 anos, creio que já faleceu, ele me deu o cálice para eu poder ser

ordenado.

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Para a ordenação, fui para minha cidade duas semanas antes, para se

organizar as coisas. Nos três dias que antecederam a ordenação, foi feito um tríduo,

cujo tema foi a vocação para o serviço ministerial. Foram celebrações belíssimas. E,

no último dia do tríduo, 21 de dezembro, fiz um batizado de uma criança da

comunidade! Deve já estar casado (a); não me recordo mais se era menino ou

menina. Esses três dias do tríduo, foram dentro da festa da Padroeira, Imaculada

Conceição, que é feita junto com a Festa do Natal. Eu sou mesmo privilegiado: nasci

em abril, perto de Páscoa; fui ordenado diácono 6 dias depois da Páscoa e fiquei

padre, três dias antes do Natal! Para que bênção maior?!... Só tenho a agradecer.

A celebração Eucarística, na qual fui ordenado Padre, foi às 19h e 30min, na

Matriz de Pintadas. A Igreja estava lotadíssima; eu, o 1º filho da terra, ficando padre

na terra da gente; foi lindo. O Bispo D. Mathias conduziu a celebração com muita

tranquilidade, explicando cada gesto. Foi muito, muito bom mesmo. Ele fez uma

catequese. Depois de mim, nesses quase 25 anos da minha ordenação presbiteral,

mais três rapazes ficaram padres na minha cidade. O último foi ordenado em

dezembro passado, dia 19/12/2011.

A festa foi linda! Mas, aqui não chorei muito, não. Só na oração da missa, o

momento dos mortos coube para mim, e quando coloquei os nomes dos meus pais

biológico e adotivo, eu engasguei! Estava muito, muito feliz mesmo! Momentos

indescritíveis. As palavras não conseguem explicar essas coisas não! Elas são por

demais limitadas. Para falar do sentimento humano, talvez fosse mais adequado

deixar o sentimento falar; deixar a emoção fluir! Mas, como se é educado e formado

aprendendo a racionalizar tudo, aí a razão tolhe a emoção! Como dizia B. Pascal

(2005), se referindo às coisas do coração, que este tem motivos e razões que a

própria razão não é capaz de conhecer. Quando ele, Pascal, afirmou que “o coração

tem razões que a própria razão desconhece”, estava falando “das coisas do

coração”, a gente usa frequentemente essa expressão para falar das paixões, dos

sentimentos. Que, na verdade não é o coração, é a região do cérebro responsável

pelo sentimento, pela emoção, pelo prazer, o gosto pelo belo que, segundo os

entendidos dessa área do conhecimento, é o lado direito do cérebro. O lado

esquerdo é mais matemático, mais lógico, racional. “Sábio coração”, que não se

deixa dominar pela razão. Pelo contrário, pode contribuir para que a mesma seja

mais amena.

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Pessoalmente, costumo dizer que as coisas belas da vida são semelhantes a

uma roseira. Se a gente quiser colher a rosa, terá que ter-se o cuidado de saber lidar

com ela. Se quiser tirar a rosa do pé abruptamente, o que acontece? A mão ficará

toda machucada. Mas, se com delicadeza e jeito, se souber tirar a rosa da roseira,

esta ficará intacta, colher-se-á a rosa e a mão não sofrerá de modo algum. As coisas

belas da vida terão que ser bem cuidadas, assim, elas poderão proporcionar a gente

candura, leveza, harmonia e prazer. As pérolas da vida são constituídas de

pequenas grandezas, que muitas vezes a razão não é capaz de compreender. Ela, a

razão, em muitas circunstâncias, pode “enxergar” muito longe, mas não vê o que

está perto.

A proposta inicial foi descrever a caminhada deste que lhes dirigiu a palavra,

nestas linhas. E foi proposto que o relato teria início, meio e fim. O início, do

nascimento até minha saída para São Paulo, em 1972; o 2º momento, o período que

fiquei em São Paulo e a ida para Itaporanga e o terceiro momento, a ida para

Ribeirão Preto, os estudos, problemas enfrentados, vinda para Goiânia e a

ordenação sacerdotal, finalmente.

Este foi o caminho traçado. Hoje, se fosse para começar, faria tudo de novo.

Não estou arrependido de ter buscado e ser o que sou hoje. Frustrações, estas sim,

existem. Goiânia mudou muito! Mas, viver, de acordo com o pensamento de

Guimarães Rosa, é um risco. De acordo com ele, Rosa (1978, p. 9) “O sertão está

em toda parte”.

As asperezas da vida, embora não se goste e nem se queira, se fazem

presentes no nosso dia a dia. O sertão, com sua aridez e aspereza, pode ser

provocado pela gente mesmo, ou outros provocam situações de sertão em nossa

vida. O sertão não está ali, nem acolá, está aqui.

Aqui, nesse contexto, o sertão está sendo colocado, figurativamente, para

expressar as angústias e frustrações que, muitas vezes, turvam e deixam o caminho

da gente cheio de pedras e os tropeços muitas vezes nos fazem cair. E isso é por

demais dolorido e espinhoso.

Mas, viver é preciso. Avante!

Heráclito, um pensador da antiguidade (c.540-480 a.C) (2004, p.31), dizia que

não se passa duas vezes na mesma água de um rio, falando da dialeticidade e

fluidez das coisas. Oxalá, que o rio, amanhã ou daqui a pouco, traga águas mais

limpas e mais cristalinas, para que a paisagem do sertão fique mais leve e menos

árida

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando comecei o curso de história, em 2009, no segundo semestre, apesar

de ter feito alguns cursos antes, como filosofia, teologia, psicologia..., tinha, apesar

disso, como toda pessoa leiga no assunto, uma visão limitada da História, como toda

pessoa tem de uma maneira geral, uma noção do senso comum, como por exemplo,

“que a história se preocupa com datas, que para estudar história é preciso ter boa

memória, ter facilidade para decorar as coisas, etc”. Quando, na verdade, a

preocupação primeira da História não é essa, embora não a descarte.

Se alguém me perguntasse, hoje, qual seria a importância de ter feito o curso

de história, ou mais precisamente, porque escolhi o tema autobiografia para

escrever o trabalho de conclusão de curso, diria que, utilizando as idéias de Nélida

Piñon, Pieri Nora e Eric Hobsbawm, falando do risco, da aventura e da descoberta

de escrever sobre si: escrevendo, vai-se tendo surpresas, e, olhando-as com olhos,

utilizando o pensamento de Freud, quando ele fala da relação de amor e ódio entre

mãe e filho, relação conflituosa, portanto, em muitas situações.

Com a experiência do trabalho realizado pude perceber, ou melhor, degustar,

olhando para trás e tentando aproximar-me o máximo da minha história passada e,

com o auxílio da memória, torná-la menos distante. Trazê-la para mais perto, isto

porque, na afirmação de Hobsbawm, que entre a história e a memória, para todos

nós, há uma “zona de penumbra”, escrever minha história, partindo do meu contexto

social, até chegar à ordenação presbiteral, a memória possibilitou-me reorganizar

parte da minha história, não na sua totalidade, evidentemente.

Olhar a história pelo retrovisor significa tentar recuperar algo do passado,

trazer isto para ressignificar no presente; mas, sempre fica algo, que escapa à nossa

capacidade memorativa. E, ainda bem que é assim, porque amanhã, poderá se

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fazer melhor, talvez. Até uma próxima, quem sabe?! O futuro poderá dizer alguma

coisa a esse respeito; por enquanto fico por aqui. E, por tal razão, as considerações

não são finais, são provisórias, como as memórias são ecos provisórios do passado

no presente sempre fugaz.

Escrever minha história me ensinou a ter saudade, num sentido mais real, é

claro: não para ficar chorando e lembrando do passado (isso não é descartável),

mas, para me conhecer mais, revivenciar o caminho traçado por mim e perceber que

muita coisa não foi em vão. Valeu a pena!

Page 69: Monografia história

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