Modris Eksteins - A Sagração Da Primavera

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MODRIS EKSTEINS

A SAGRAÇÃO DA  PRIMAVERA ^A GRANDE GUERRA 

E O NASCIMENTO DA ERA MODERNA

Tradução deROSAURA EICHENBERG

/

Rio de Janeiro — 1992

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Título original RITES OF SPRING

Copyright  © 1989  by  Modris Eksteins

Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à 

EDITORA ROCCO LTDA.Rua da Assembléia, 10 Gr. 3101 

Tel.: 224-5859 

Telex: 38462 e d r c   br

 Printed in  Braz///Impresso no Brasil

preparação de originais 

Jo s é   La u r e n i o   d e   Me l o

revisãoSa n d r a   Pá s s a r o / We n d e l l   Se t ú ba l  

Q c He n r i q u e   Ta r n a po l s k y—LÍX íV 'r - • ]V[AIRA#pa r u l l a

sldade de Brasilia \   <340.3

- é e o

2 *

CÍP-Brasil. Catalogação-na-fonte 

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Eksteins, Modris, 1943-E39s A sagração da primavera: a grande guerra e o nascimento

da era moderna / Modris Eksteins; tradução de Rosaura 

Eichenberg. — Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

Tradução de: Rites of spring.

1. Guerra Mundial, 1914-1918. 2. História moderna — 

Século XX. I. ^Título.

91-0045

CDD — 940.3 

940.31 

CDU — 940.3

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Para Jayne

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SUMÁRIO

Prefácio . . ............  11Prólogo: Veneza ................................................................ 17

PRIMEIRO ATO

I. PARIS .......................................................................... 25Visão ..................................................................................   2529 de maio de 1913 26Le Théâtre des Champs-Élysées .....................................   34

Diaghilev e os Ballets Russes ........................ ................   39Rebelião ..............................................................................   54Confronto e liberação ...................................................... 61O público .......................................................................... 67O escândalo como sucesso .............................................   75

II. BERLIM .................................. 81Ver sacrum  ........................................................................ 81Abertura ........................ 92Técnica ............................................................................... 99

A capital ............................   103Kultur   ................................................................................ 106Cultura e revolta ...................... .................................. v... 111A guerra como cultura .................................................   123

III. NOS CAMPOS DEFLANDRES .............................   130Um recanto de um campo estrangeiro ...........................   130

Canhões de agosto ............................................................ 134Paz na terra ...................................................................... 147O porquê ......................................................................... 154

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X. PRIMAVERA SEM FIM .......................... 381Alemanha, desperta! ............................   381Herói vítima ..................................................   386A arte como vida .............................................................. 394O mito como realidade .............................................   398

“Es ist ein Frühling ohneEnde!”......................

  410

AGRADECIMENTOS ....................................... 419

 NOTAS ................................................................................... 421

FONTES SELECIONADAS 453

ÍNDICE REMISSIVO ............................   455

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    1    C    H     A    Z     A    U     D

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PREFACIO

Quando nos aproximamos dos arredores de Verdun na Route Nationale 3, vindo de Metz, tendo já contemplado com prazer

a serenidade das colinas e prados ondulantes do campo dosVosges e a disciplinada guarda de honra de robustos carvalhos, somos de repente surpreendidos, a alguns quilômetrosda cidade, por uma vista lúgubre. Um borrão na paisagem.Um cemitério. Empilhados à beira da estrada estão cadáveresesmagados, corpos amassados, esqueletos cintilantes. Mas éum cemitério sem cruzes, sem lápides, sem flores. Poucos sãoos visitantes. Em geral os viajantes nem notam o lugar. Masé um memorial ilustre do século XX é de nossas referênciasculturais. Muitos diriam que é um símbolo de valores e objetivos modernos, de nossa luta e de nossos remorsos, a inter

 pretação contemporânea do conjuro de Goethe, stirb und  werde, “morre e transmuda-te”. É um cemitério de automóveis.

Se você continua até Verdun, atravessa a cidade e depoistoma o rumo de nordeste por estradas secundárias, pode acharo caminho que leva a um cemitério maior. Este tem cruzes.

Milhares delas. Fileiras e fileiras. Simétricas. Brancas. Todasiguais. Mais gente passa hoje pelo cemitério de automóveisdo que por este. Mais gente se identifica com os carros esmagados do que com o horror agora impessoal que este cemitérioevoca. Este é o cemitério em memória dos que morreram durante a batalha de Verdun na Primeira Guerra Mundial.

Este livro fala de morte e destruição. É um discurso sobrecemitérios. Mas, como tal, é também um íivro sobre o “trans-

mudar-se”. Um livro sobre o aparecimento, na primeira metade deste século, de nossa consciência moderna, especifica-

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mente de nossa obsessão com emancipação, e sobre o signifi

cado da Grande Guerra, como era chamada antes da deflagração da Segunda Guerra Mundial, no desenvolvimento dessa

consciência. E embora pareça, ao menos superficialmente, que

um cemitério de automóveis, com todas as suas implicações

 — “Acho que os carros são hoje o equivalente cultural dasgrandes catedrais góticas”, escreveu Roland Barthes —, tenha

um significado bem maior para a mentalidade contemporânea doque um cemitério da Primeira Guerra Mundial, este livro ten

tará mostrar que os dois cemitérios estão relacionados. Para

que vingasse a nossa preocupação com a velocidade, o novo,

o transitório e a interioridade — com a vida vivida, como

se diz na gíria, “na pista de alta velocidade” —, toda uma

escala de valores e crenças teve de ceder o lugar de honra,e a Grande Guerra foi, como veremos, o acontecimento mais

significativo nessa evolução.

 Nosso título, adaptado de um balé que é um marco de

modernismo, sugere nosso motivo principal: o movimento. Um

dos símbolos supremos de nosso século centrífugo e parado

xal, quando na luta pela liberdade adquirimos o poder da

destruição final, é a dança da morte, com sua ironia niilista-

orgiástica.  A sagração da primavera,  que foi apresentada pela primeira vez em Paris em maio de 1913, um ano antes da de

flagração da guerra, talvez seja, com sua energia rebelde e

sua celebração da vida através da morte sacrificial, a oeuvre 

emblemática do mundo do século XX que, em sua busca de

vida, matou milhares de seus melhores seres humanos. Ini

cialmente, Stravinsky pretendia dar à sua partitura o título

de  A vítima.

Para demonstrar o significado da Grande Guerra deve-se, é claro, lidar com os interesses e as emoções nela envol

vidos. Este livro aborda esses interesses e emoções nos termos

amplos da história^ cultural. Este gênero de história deve se

 preocupar com algo mais do que a música, o balé e ás outras

artes, com algo mais até do que automóveis e cemitérios; deve

afinal desenterrar hábitos e princípios, costumes e valores,

tanto enunciados quanto pressupostos. Por mais difícil que

seja a tarefa, a história cultural deve, pelo menos, tentarcaptar o espírito de uma era.

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Esse espírito deve ser localizado no senso de prioridades

de úma sociedade. Balé, filmes e literatura, carros e cruzes

 podem fornecer indícios importantes dessas prioridades, mas

estas últimas serão encontradas mais abundantemente na res

 posta social a estes símbolos. Na sociedade moderna, como

este livro irá demonstrar, o público das artes, como o doshobbits*  e heróis, é, do ponto de vista do historiador, uma

fonte de testemunhos até mais importante para a identidade

cultural do que os documentos literários, artefatos artísticos

ou os próprios heróis. A história da cultura moderna deve

ser, portanto, uma história não só de respostas mas também

de desafios, uma descrição tanto do leitor quanto do romance,

tanto do espectador quanto do filme, tanto da platéia quanto

do ator.Se esta idéia é apropriada ao estudo da cultura moderna,

então também é pertinente ao estudo da guerra moderna. Qua

se toda a história de guerra é escrita com um foco estreito

sobre estratégia, armas e organização, sobre generais, tanques

e políticos. Relativamente pouca atenção é dada ao moral e

à motivação dos soldados comuns numa tentativa de avaliar,

em termos amplos e comparativos, a relação entre a guerra e

a cultura. O soldado desconhecido se encontra à frente e nocentro de nossa história. Ele é a vítima de Stravinsky.

Como todas as guerras, a de 1914 foi considerada, ao

irromper, uma oportunidade não só de mudança, mas tam

 bém de confirmação. A Alemanha, cuja unificação só ocorreu

em 1871 e que no espaço de uma geração se tornara uma

temível potência militar e industrial, era, às vésperas da guer

ra, a representante mais avançada da inovação e da renovação.

Apresentava-se, entre as nações, como a própria encarnaçãodo vitalismo e do brilho técnico. Para ela, a guerra devia

ser uma guerra de libertação, uma  Befreiungskrieg,  da hipo

crisia das formas e conveniências burguesas, e a Grã-Bretanha

lhe parecia a principal representante da ordem contra a qual

se rebelava. A Grã-Bretanha constituía, de fato, a principal

 potência conservadora do mundo do  fin-de-siècle.  Primeira

* Personagens do ficcionista inglês J. R. R. Tolkien.

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nação industrial, agente da Pax Britannica, símbolo de umaética da iniciativa e do progresso baseada no parlamento ena lei, a Grã-Bretanha sentia que não apenas a sua primaziano mundo mas todo o seu modo de vida estava ameaçado

 pela avassaladora energia e instabilidade que a Alemanha pa

recia tipificar. O envolvimento britânico na guerra de 1914iria converter uma luta pelo poder continental em verdadeiraguerra de culturas.

Ao mesmo tempo que as tensões se desenvolviam entreas nações neste mundo da virada do século, conflitos fundamentais vinham à tona em quase todas as áreas da atividadee do comportamento humano: nas artes, na moda, nos costumes sexuais, nas relações entre as gerações, na política. Todo

o motivo da libertação, que se. tomou tão predominante nonosso século — seja a emancipação das mulheres, dos homossexuais, do proletariado, da juventude, dos desejos, dos povos

 —, aparece na virada do século. O termo avant-garde  temsido em geral aplicado apenas a artistas e escritores que desenvolveram técnicas experimentais no seu trabalho e incitaram a rebelião contra as academias estabelecidas. A noçãode modernismo  tem sido empregada para abarcar tanto esta

vanguarda quanto os impttlsos intelectuais que estavam portrás da busca de libertação 't   do ato de rebeldia. Poucos críticos se arriscaram a estender estas noções de vanguarda ede modernismo aos agentes não só artísticos mas tambémsociais e políticos da revolta, e ao ato de rebelião em geral,com o intuito de identificar uma ampla onda de emoção eempenho. É o que este livro tenta fazer. A cultura é considerada um fenômeno social, e o modernismo, o principal im

 pulso de nosso tempo. O livro sustenta que a Alemanha foia nação modernista  par excellence  de nosso século.

Como a vanguarda nas artes, a Alemanha foi varrida porum zelo reformista no  fin-de-siècle  e, por volta de 1914, passara a representar, tanto para si mesma quantò para a comunidade internacional, a idéia do espírito em guerra. Depoisdo trauma da derrota militar em 1918, o radicalismo na Alemanha, ao invés de se atenuar, se acentuou. O período de

Weimar, de 1918 a 1933, e o Terceiro Reich, de 1933 a 1945,foram estágios de um processo. A vanguarda tem para nós

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um eco positivo, as tropas de assalto, uma conotação assusta

dora. Este livro sugere que talvez haja entre esses dois termos

uma relação fraterna que vai além de suas origens militares.

Introspecção, primitivismo, abstração e construção de mitos

nas artes, bem como introspecção, primitivismo, abstração e

construção de mitos na política, talvez sejam manifestaçõesafins. O kitsch  nazista pode ter uma relação de sangue com

a religião intelectualizada da arte, proclamada por muitos

modernos.

O nosso século é um período no qual a vida e a arte

se misturaram, no qual a existência tornou-se estetizada. A his

tória, como um dos temas deste estudo. tentará mostrar, cedeu

grande parte de sua autoridade passada à ficção. Em nossa

era pós-modernista, entretanto, uma solução conciliatória talvezseja possível e necessária. Em busca dessa solução nosso re

lato histórico segue a forma de um drama, com atos e cenas,

na acepção plena e diversificada dessas palavras. No princí

 pio era o acontecimento. Só mais tarde veio a conseqüência.

BIBL IOTEr .A

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PRÓLOGO: VENEZA

‘Stava em Veneza, Ponte dos Suspiros; Um cárcere e um palácio em cada mão.

Lo f d   By r o n  1818 

Veneza, cidade dos doges, cidade do esplendor da Renascença,

cidade de lagunas, reflexos e sombras, é a cidade da imaginação. É uma cidade de espíritos para além do tempo mensurável. É uma cidade de sensações e, acima de tudo, de interioridade.

Veneza, com seus espelhos e miragens, é o lugar ondeRichard Wagner encontrou inspiração para sua ópera Tristão e Isolda, torturada celebração da vida, do amor e da morte,e onde morreu em 1883, no Palazzo Vendramin Calerghi,

num quarto com vista para o Canal Grande. Veneza tambémera a cidade favorita de Sergei Pavlovitch Diaghilev, que morreu no Grand Hotel des Bains de Mer no Lido, em agostode 1929. Wagner tentou unir todas as artes em sua grandiosaópera; Diaghilev tentou unir todas as artes em seu;grandioso

 balé. Um criou; o outro foi artífice. Ambos foram símbolosde suas épocas. Ambos encontraram inspiração em Veneza.Ambos vieram a Veneza para morrer.

Diaghilev nasceu na província de Novgorod na Rússia,em março de 1872, numa caserna. Seu pai era oficial da guarda imperial, um leal e dedicado servidor do czar. O filho visitou Veneza pela primeira vez em 1890, aos dezoito anos, nacompanhia de seu primo e amante Dmitri Filosofov. Foi tam

 bém a Veneza que ele levou Vaslav Nijinsky, o jovem bailarino polonês, depois da primeira grande temporada de ambosem Paris, em 1909. Diaghilev tinha trinta e sete anos, Nijinsky

vinte e um. Hospedaram-se no Grand Hotel des Bains, o em presário e seu novo e jovem amante. Vaslav ia freqüentemente

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 banhar-se e tomar sol. Diaghilev ficava observando. Ele nunca

se banhava em público.

Passados dois anos, em 1911, Thomas Mann, que era

três anos mais moço do que Diaghilev e atribuía a Wagner

a maior influência sobre sua sensibilidade juvenil, e que em

1902 dedicara uma narrativa ao tema de Tristão, hospedou-seno Grand Hotel des Bains e pouco depois concluiu  Morte 

em Veneza, sua novela sobre um famoso artista de Munique,

Gustav Aschenbach, que também não se banhava em público

mas amava Veneza, “esta mais improvável das cidades”,1 e

um outro jovem polonês, Tadzio. Aschenbach sentava-se na

 praia, admirando o garoto polonês, para ele o símbolo da

 beleza perfeita. Quando a admiração se transformou em pai

xão, Veneza foi invadida pela cólera asiática.Como Diaghilev, Aschenbach nasceu na província, numa

 pequena cidade da Silésia. Como Diaghilev, era filho de um

servidor do Estado, neste caso um alto funcionário da justiça,

e sua família também era cheia de oficiais, juízes e funcio

nários. Aschenbach, como Diaghilev, hospedou-se no Grand

Hotel des Bains no Lido.

 Nas longas manhãs, na praia, seu olhar pesado descansa

va, imprudente e fixo, sobre o garoto; ao cair da tarde

o seguia, sem qualquer sentimento de vergonha, pelas

ruas estreitas da cidade, onde a morte horrenda também«circulava furtivamente; nessas horas, tinha a impressão

de que a lei moral se anulara e só o monstruoso e per

verso oferecia uma esperança.

 Na manhã do dia em que Tadzio devia partir, Aschenbach

viu-o lutar na praia com outro rapaz estrangeiro, um sujeitoforte, Jaschiu. Tadzio foi rapidamente dominado. “Fazia es

forços espasmódicos para se livrar do outro, parava de mover-

se e depois começava fracamente a se contorcer.” Momen

tos depois Aschenbach morreu.

Passaram-se alguns minutos antes que viessem socorrer

o velho prostrado na cadeira. Levaram-no para o seu

quarto. E antes do anoitecer um mundo comovido e res peitoso recebeu a notícia de sua morte.

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Diaghilev conhecia bem a novela de Mann. Presenteou

amigos íntimos com exemplares dó livro. Anton Dolin rece

 beu um exemplar no dia do seu aniversário em julho de 1924.

Em agosto de 1929, Diaghilev, então com cinqüenta e

sete anos, deixou seu mais recente protegido, o jovem Igor

Markevitch de dezesseis anos, em Munique, onde os dois ha

viam assistido a uma representação de Tristão,  e retornou ao

Grand Hôtel des Bains em Veneza. Os bailarinos Boris Kochno

e Serge Lifar, dois dos novos amantes de Diaghilev, vieram

 juntar-se a ele alguns dias mais tarde. Diaghilev, que era

diabético, morreu em 19 de agosto. Misia Sert estava presente,

 junto com Kochno e Lifar. Depois que a enfermeira anun

ciou a morte, Kochno.jsohando um berro terrível, lançou-sede repente sobre Lifárí q sejmiu-se uma luta feroz, com mor

didas, arranhões e pcjínt^bé^A^Dois cachorros doidos lutavam

 pelo corpo de seu^ tójno7, comentou Misia.2 Dois dias depois,

uma gôndola transportou o iorpo  de Diaghilev para o cemi

tério da ilha de San Michele, onde ele está enterrado. A ins

crição na sua lápide diz:

Venise, Inspiratrice Éternelle de nos Apaisements*Se r g e   d e   D ia g h i l e v  

1872-1929

Serge Diaghilev e Thomas Mann nunca se conheceram,

ao que parece. Mas a vida de um e a imaginação do outro

se sobrepuseram num grau evidentemente extraordinário. Coin

cidência é o nosso termo para a concomitância que não é

fruto de uma vontade consciente e que não podemos explicarem nenhum sentido definitivo. Entretanto, se nos afastamos

do mundo restritivo da causalidade linear e pensamos em ter

mos não de causa mas de contexto e confluência, é inegável

que havia muitas influências — para começar, as de Veneza

e de Wagner — operando na imaginação de Mann e de Dia

ghilev, dois gigantes do senso estético do século XX, influên

* Veneza, inspiradora eterna de nossos apaziguamentos.

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cias que levaram o primeiro a criar uma certa ficção e o

outro a levar uma vida extraordinariamente próxima dessa

ficção.

Além disso, cabe perguntar se a novela de Mann foi

menos real do que a vida de Diaghilev. Heinrich Mann, numa

resenha sobre o livro de seu irmão, percebeu que a questãocentral de  Morte em Veneza  era saber “o  que veio em pri

meiro lugar: a realidade ou a poesia?”3 Em seu  Esboço de 

vida  de 1930 Thomas Mann falou do "simbolismo inato” e

da "honestidade de composição” de  Morte em  .Veneza, um

enredo, afirmava ele, "tirado simplesmente da realidade”.

 Nada foi inventado, garantia, nenhum dos cenários, nenhuma

das personagens, nenhum dos acontecimentos. Tadzio, como

ficou estabelecido desde então, foi de fato um certo Wladys-law Moes, um jovem polonês de férias em Veneza. Jaschiu

era um tal Janek Fudakowski. Aschenbach tinha uma clara

semelhança com Gustav Mahler, que morreu em 1911. Thomas

Mann, cuja arte é em geral notável por sua fusão de expe

riências autobiográficas e imaginárias, chamava sua novela

de ."uma cristalização”.4

Portanto, onde termina a ficção e onde começa a reali

dade? Talvez mesmo formular essa pergunta seja pressuporuma falsa antítese. Para Mann, o mundo exterior só tinha inte

resse como fonte de arte; a vida estava subordinada à arte.

E Diaghilev tentou levar a vida de uma personagem de fic

ção, um Rastignac moderno com a aparência de um Des Es-

seintes ou de um Charlus. Na virada do século Theodor Herzl

escrevia que "o sonho não é tão diferente da realidade como

muitos acreditam. Toda a atividade dos homens começa como

sonho e, mais tarde, torna-se sonho outra vez”. Aproximadamente nessa mesma época Oscar Wilde podia tomar .uma po

sição- caracteristicamente provocadora sobre a questão: "Uma

 pessoa deveria viver de modo a se tornar uma forma de fic

ção. Ser um fato é ser um fracasso.”5 Apesar de anunciar a

intenção oposta, Marcei Duchamp tornaria indistintos os limi

tes entre a arte e a vida, ao inserir objetos reais na sua obra.

Justapondo uma face européia e uma máscara africana em

sua fotografia, Man Ray misturaria tempo, cultura e história.Truman Capote e Norman Mailer escreveriam "romances não

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ficcionais” e Tom Wolfe, com seu "novo jornalismo”, apre

sentaria a seus leitores o que um crítico chamou de "fábulas

de fatos reais”.6 Se há um único tema central na estética de

nosso século, é o de que a vida da imaginação e a vida da

ação são uma coisa só.

Serão? Não será tal fusão apenas a postulação autojusti-ficadora do artista do século XX? Um plágio moderno do

 poeta-legislador de Shelley? Entretanto, talvez haja alguma

verdade na afirmação. Talvez em grande parte do século

XVIII e durante todo o século XIX o reino das idéias tenha

sido mais distinto do mundo da ação e da realidade social.

As duas esferas se achavam separadas por um senso moral,

um código social. Era muito mais provável que as idéias sur

gissem de um conjunto prescrito de princípios morais, derivado essencialmente do cristianismo e, parenteticamente, do

humanismo. A ação e o comportamento deviam ser interpre

tados em função dos mesmos princípios. Esse amortecedor,

entre pensamento e ação, um código moral positivo, desin

tegrou-se no século XX, e desse modo, no colossal roííian-

tismo e irracionalismo de nossa era, a imaginação e a ação

caminharam juntas e até se fundiram.

A sensação é tudo. O fantasma tornou-se realidade e arealidade um fantasma. De fato, John Ruskin descreveu Ve

neza como um "fantasma”

sobre as areias do mar, tão fraca — tão quieta — tão

destituída de tudo, menos de seu encanto, que bem po

deríamos ficar em dúvida, ao observar seu pálido refle

xo na miragem da laguna, sem saber qual era a Cidade

e qual a Sombra.7

Todos nos tornaremos venezianos, predisse Friedrich Nietzs-

che: "Uma centena de profundas solidões forma a cidade de

Veneza — esta é a sua magia. Um símbolo para a humanida

de futura.”8

Em 1986, enquanto Veneza continuava a deslizar para

o mar com uma rapidez perturbadora, uma exuberante exposi

ção, no valor de três milhões de dólares, intitulada "Futurismo e Futuristas”, ocorria no Palácio Grassi no Canal Grande.

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PRIMEIRO ATO

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I

PARIS

 Novas meditações me provaram que as coisas devemavançar com os artistas à frente, seguidos pelos cientistas, e que cs industriais devem vir depois dessas duas

classes.

He n r i   d e   Sa i n t -Si mo n  

1820

Sou tremendamente sensível a certas belezas físicas —dançarinas etc. — e com elas crio uma espécie de paraíso artificial na terra. Preciso estar perto da dança

 para viver. Acho que foi Nietzsche quem' escreveu:“Só terei fé cm Deus se ele dançar/’

Lo u i s -Fe r d in a n d   Cé l in e

Quem concebeu esse perverso Ritoda Primavera? Qual foi o malditoque achou de malferir nossos ouvidoscom rangidos e roncos e estampidos?

Carta ao  Boston Herald  1924

VISÃO

O libreto, do próprio punho de Igor Stravinsky, diz, traduzido:

 A sagração da primavera  é uma obra musical coreográ-

fica. Representa a Rússia pagã e é unificada por uma

só idéia: o mistério e o jorro de poder criativo da Primavera. A peça não tem enredo. . .

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Primeira Parte: O Beijo da* Terra. A celebraçãoda primavera. . . Os flautistas tocam e os rapazes lêema sorte. Entra a velha.. Ela conhece o mistério da natureza e sabe predizer o futuro. Entram, vindas do rio, emfila indiana, moças de rostos pintados. Elas executam

a dança da primavera. Os jogos começam. .. As pessoasdividem-se em dois grupos, um oposto ao outro. A procissão sagrada dos velhos sábios. O mais velho e mais sá

 bio interrompe os jogos da primavera, que ficam paralisados. Todos param, trêmulos... Os velhos abençoam aterra primaveril... Todos dançam apaixonadamente sobrea terra, santificando-a e unindo-se com ela.

Segunda Parte: O Grande Sacrifício. Durante toda

a noite as virgens praticam jogos misteriosos, caminhandoem círculos. Uma das virgens é consagrada como vítimae é duas vezes designada pelo destino, sendo apanhadaduas vezes na dança perpétua. As virgens homenageiam aescolhida com uma dança conjugal. Invocam os ancestrais e entregam a escolhida aos cuidados dos velhos sá

 bios. Ela se sacrifica em presença dos velhos na grandedança sagrada, o grande sacrifício.1

29 DE MAIO DE 1913

Muitos pretenderam descrevê-la — aquela noite de estréiade  Le Sacre du printemps  em 29 de maio de 1913, umaquinta-feira, no Théâtre des Champs-Élysées: Gabriel Astruc,Romola Nijinsky, Igor Stravinsky, Misia Sert, Marie Rambert,Bronislava Nijinska, Jean Cocteau, Carl Van Vechten, Valentine Gross. Seus relatos entram em conflito a respeito dedetalhes significativos. Mas num ponto todos concordam: oacontecimento provocou uma reação sísmica.

Muitos na platéia estavam èxcepcionalmente elegantes naquela noite, quando chegaram para a abertura do pano às8:45h. Todos se mostravam excitados. Durante semanas haviam circulado rumores sobre as delícias artísticas que a com

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A imprevisibilidade era a moda mais elegante. Numa subse-

qüente representação de  Le Sacre,  Gertrude Stein observaria

o poeta Guillaume Apollinaire — que se proclamava o “juiz

desta longa briga entre a tradição e a inovação” — nas ca

deiras da platéia.

Ele estava com um traje a rigor e muito ocupado em

 beijar as mãos de várias damas de ar importante. Foi o

 primeiro de seu grupo a aparecer no mundo da alta socie

dade, de traje a rigor e beijando mãos. Nós nos diverti

mos muito e ficamos muito satisfeitas ao vê-lo compor-

tando-se desse modo.4

Em outras palavras, choque e surpresa eram o máximo da

elegância.

Independentemente das vestimentas, o público naquela

noite de estréia representou, como Cocteau observou, “o pa

 pel escrito para ele”. E qual era esse papel? Escandalizar-se,

é claro, mas, ao mesmo tempo, escandalizar. O bruaá em

torno de  Le Sacre  estava tanto nas reações de membros do

 público a seus pares quanto na própria obra. Em certos mo

mentos os bailarinos no palco devem ter se perguntado quem

fazia o espetáculo e quem era público.Pouco depois dos primeiros compassos da melancólica

melodia do fagote começaram os protestos, primeiro com asso

 bios. Quando a cortina subiu e os dançarinos apareceram,

dando pulos e, contra todas as convenções, os pés virados mais

 para dentro do que para fora, os gritos e as vaias se fizeram ou

vir. “Já tendo caçoado do público uma vez”, escreveu Henri Quit-

tard em  Le Figaro,  referindo-se aos  Jeux,  “a repetição da

mesma piada, de modo tão desajeitado, não foi de muito bomgosto”.5 Transformar o balé, a mais efervescente e fluida das

formas de arte, em caricatura grotesca era insultar o bom

gosto e a integridade do público. Tal era a atitude da oposi

ção. Sentia-se ofendida. Zombava. O aplauso era a resposta

dos defensores. E assim travou-se a batalha.

Trocaram-se certamente insultos pessoais; é provável que

também alguns socos; talvez cartões, para arranjar uma forma

de satisfação mais tarde. Se houve duelo ou não na manhãseguinte como resultado dos insultos, como assegura a melo-

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dramática Romola Nijinsky; se uma dama da sociedade real

mente cuspiu no rosto de um homem; se a Comtesse de Pour-

talès, como relata Cocteau, de fato se levantou com o diadema

torto, sacudindo o leque e exclamando: “Tenho sessenta anos

e esta é a primeira vez que alguém ousou caçoar de mim”;

todos esses detalhes são frivolidades sobre o significado daagitação. Ultraje e excitação houve em grande quantidade.

Realmente, o alarido foi tanto que, em certos momentos, a

música talvez tenha sido quase abafada.

Mas abafada còmpletamente? Alguns relatos dão a im

 pressão de que ninguém, com exceção dos músicos da or

questra e do maestro Pierre Monteux, ouviu a música depois

dos compassos iniciais — nem mesmo os dançarinos. Primei

ro Cocteau e depois Stravinsky nos transmitiram uma imagemde Nijinsky nos bastidores, de pé sobre uma cadeira, gritando

números para os dançarinos.6 Mas ele assim fazia por causa

da dificuldade da coreografia e da falta de ritmos convencio

nais na partitura musical — Nijinsky havia sistematicamente

adotado essa atitude nos ensaios —, e não, como Cocteau e

Stravinsky desejariam que acreditássemos, por causa de quais

quer problemas que os dançarinos estavam tendo para escutar

a orquestra. Valentine Gross, cujos desenhos sobre os BalletsRusses estavam em exposição no  foyer   naquela noite, nos dei

xou uma descrição deliciosamente viva, mas um pouco absurda:

 Não perdi nenhum lance do espetáculo que acontecia

tanto na platéia quanto no palco. De pé entre dois cama

rotes centrais, sentia-me muito à vontade no meio do tur

 bilhão, aplaudindo com meus amigos. Achei que havia

algo de maravilhoso na luta titânica que devia estar ocorrendo para manter unidos esses músicos inaudíveis  e

esses dançarinos surdos,  em obediência às leis de seu in

visível coreógrafo. O balé era assombrosamente belo?

O quadro que ela pinta — músicos que não podem ser ouvi

dos, dançarinos que não conseguem ouvir — não tem um

caráter abstrato e absurdo? E no entanto, embora, como deixa

implícito, não pudesse ouvir a música, nem soubesse em queritmos os dançarinos estavam dançando, Valentine Gross diz

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que achou o balé "assortibrosamente belo”! Estaria ela rea

gindo ao que ouviu e viu na obra de arte apresentada, ou

estaria respondendo retrospectivamente a todo aquele delicio

so affaire?

Um toque do moderno dramaturgo também está presente

nos relatos de Cari Van Vechten. Ele tinha sido crítico demúsica e dança — o primeiro desses seres nos Estados Uni

dos — do  New York Times  antes de ir à Europa em 1913

como crítico teatral do  New York Press.  Alguns meses antes

ajudara Mabel Dodge a lançar seu famoso salão em Nova

York. "Apupos e vaias se sucederam à execução dos primei

ros compassos”, escreveu ele sobre a  première  de  Le Sacre,

e depois seguiu-se uma explosão de gritos, contra-atacada por aplausos. Guerreávamos em torno da arte (alguns

achavam que era arte, outros achavam que não era) . . .

Uns quarenta dos que protestavam foram expulsos do tea

tro, mas isso não pôs fim aos distúrbios. As luzes da

 platéia estavam totalmente acesas, mas o barulho conti

nuava, e eu me lembro da Srta. Piltz [a virgem esco

lhida] executando a sua estranha dança de histeria reli

giosa num palco obscurecido pela luz ofuscante da sala,aparentemente acompanhada pelos delírios desconexos de

uma multidão de homens e mulheres encolerizados.8

A imagem dos bailarinos dançando ao compasso da zoeira do

 público é maravilhosa e reveladora. O público participou desse

famoso espetáculo tanto quanto o corpo de baile. E a que lado

 pertenciam os contestadores expulsos? Quarenta? Para remo

ver um número desses teria sido certamente necessário todoum destacamento de seguranças. E ninguém, nem mesmo o

gerente do teatro, Gabriel Astruc, faz qualquer menção à

existência de tal pessoal eventualmente de plantão, nem a uma

expulsão em tão grande escala. Além do mais, Bronislava Ni-

 jinska afirma, ao contrário de Van Vechten, que a "dança da

virgem escolhida” de Maria Piltz foi recebida com relativacalma.9

Outra versão da excitação dessa noite de estréia, dada por Van Vechten em outro lugar, revela que ele dificilmente

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é uma fonte confiável quanto aos detalhes. É de supor quetenha assistido à primeira e à segunda apresentação de  Le Sacre,  e, para sermos bondosos, parece ter confundido incidentes de ambos os espetáculos.

Eu estava num camarote em que havia alugado umacadeira. Três damas sentavam-se à minha frente,  e um jovem ocupava o lugar atrás de mim. Ele ficou de pédurante todo o balé para poder ver melhor. A intensaexcitação de que estava possuído, graças à poderosa força da música, revelou-se daí a pòuco quando ele começou a bater ritmicamente no alto da minha cabeça comseus punhos. Minha emoção era tão grande que durante

algum tempo não senti os golpes, que estavam perfeitamente sincronizados com o ritmo da música.  Quando percebi, me virei. Suas desculpas foram sinceras. Ambostínhamos sido arrebatados pela música.10

 Neste relato a música evidentemente podia ser ouvida!Van Vechten gostaria que acreditássemos que esta é uma descrição da barulhenta noite de estréia, mas sabemos por Ger

trude Stein, que era uma das “três damas” sentadas à frentede Van Vechten, que ela assistiu apenas à segunda representação, na segunda-feira! E segundo Valentine Gross, que esteve presente em todas as quatro apresentações de • Le Sacre em Paris naqueles meses de maio e junho, a batalha da primeira noite não se repetiu. O que simplesmente sugere quea versão de Gertrude Stein não merece mais crédito do queas outras: “Não podíamos ouvir nada. . . durante toda a

apresentação, não se podia, literalmente, ouvir o som da música.”11 Literalmente? Uma partitura para mais de cem instrumentos não podia ser ouvida? Gertrude Stein foi para casacom Alice B. Toklas e escreveu não um artigo sobre o balé,mas um poema, “The One”, inspirado no estranho em seucamarote, Cari Van Vechten. Talvez simplesmente não estivesse prestando atenção à música.

A quem devemos dar crédito? Gabriel Astruc afirma em

suas memórias que gritou de seu camarote pouco depois deiniciado o espetáculo, na noite de estréia, “Écoutez d'abord!

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Vous sifflerez après!*  e que imediatamente, como se em res

 posta ao tridente de Netuno, a tempestade amainou: “O final

da obra foi ouvido em completo silêncio.” Apesar de todas

as contradições evidentes nos relatos de memória, estas têm

sido citadas indiscriminadamente em toda a literatura secun

dária que descreve aquela noite de estréia de 29 de maio de1913.

Mas e as matérias da imprensa? Não são mais confiáveis

que as memórias como auxílio para determinar exatamente o

que aconteceu. Foram escritas mais por críticos de plantão do

que por repórteres em sentido restrito, e conseqüentemente

todos manifestaram atitudes de  parti pris  semelhantes às das

divisões do público. Os comentários çríticos dirigiram-se mais

detalhadamente à partitura de Stravinsky do que à coreografia de Nijinsky — reflexo do treinamento dos críticos —,

mas isso de qualquer modo sugeria que grande parte da mú

sica tinha sido de fato ouvida.

Onde nos deixa toda essa confusão? Não haverá provas

suficientes para sugerir que o distúrbio foi causado mais pelas

facções em guerra no público, por suas expectativas, seus pre

conceitos, suas idéias preconcebidas sobre arte, do que pela

 própria obra? Esta, como veremos, certamente explorava tensões, mas dificilmente as terá causado. As descrições dos

memorialistas e até os relatos dos críticos estão mais volta

dos para o scandale  do que para a música e o balé, mais para

o acontecimento do que para a arte. Nenhuma das testemu

nhas jamais se refere ao resto do programa daquela noite, à

recepção dada às Sílfides,  ao  Espectro da rosa  e ao Príncipe 

 Igor.  Algumas pessoas, como Gertrude Stein, tão fascinadas,

mesmo que em retrospecto, por este happening  do começodo século XX, insinuaram que estavam presentes quando cla

ramente não estavam. Pode-se censurá-las? Ter feito parte do

 público naquela noite era ter participado não apenas de outra

exposição mas da própria criação da arte moderna, porque

a reação do público era e é tão importante para o significado

desta arte quanto as intenções daqueles que a introduziram.

* Escutem primeiro. Depois podem assobiar!

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A arte transcendeu a razão, o didatismo e um propósito mo

ral: a arte tornou-se provocação e acontecimento.

Assim, Jean Cocteau, que com sua prosa em staccato 

 — tão adequada à dicção percussiva de  Le Sacre  — nos deu

muitas de nossas duradouras imagens daquela noite de es

tréia, não hesitou em admitir que estava mais preocupadocom a verdade "subjetiva” que "objetiva”; em outras pa

lavras, com o que ele sentiu, com o que imaginou, e não

com o que realmente ocorreu. Seu relato do que aconteceu

depois da apresentação de  Le Sacre  — a versão de que, junto

com Stràvinsky, Nijinsky e Diaghilev, teria saído de carro às

duas horas da madrugada para o Bois de Boulogne, e de

que Diaghilev, com as lágrimas correndo pelo rosto, teria

começado a recitar Pushkin — foi contestado por Stràvinskye é um texto que é uma combinação de peça de teatro,

 poesia e prosa. Mas a maioria de nossas outras testemünhas

não é diferente.

As imagens de Valentine Gross são igualmente literá

rias: os compositores Maurice Delage, "vermelho de indigna

ção como uma beterraba” e Maurice Ravel, "truculento como

um galo de briga”, e o poeta Léon-Paul Fargue "expelindo

comentários arrasadores na direção dos camarotes que vaiavam”. O compositor Florent Schmitt teria chamado de "pros

titutas” as damas de sociedade do Décimo Sexto  Arrondisse- 

ment   e de "velho vadio” o embaixador do Império Austro-

Húngaro. Alguns afirmaram que Saint-Saéns, enfurecido, saiu

do teatro cedo; Stràvinsky disse que ele nem estava presente. Tudo isso é matéria de literatura, ou fato fermentado

 pelo ego e pela memória e transformado em ficção.

Mas o que dizer do outro campo, o dos  pompiers,  oufilisteus, como eram chamados pelos estetas? Seu testemunho

é naturalmente mais limitado. A maior parte da crítica saiu

na imprensa quase imediatamente, más também ela estava to

talmente absorvida no acontecimento, nas implicações sociaisda arte, mais do que na própria arte.

Onde termina a ficção e onde começa o fato? Aquela

noite tempestuosa se destaca, com razão, como um símbolo

de sua época e um ponto de referência deste século. Do cenário no recém-construído e ultramoderno Théâtre des Champs-

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Elysées, em Paris, passando pelas idéias e intenções dos prota

gonistas principais, até a reação tumultuosa do público, aquela

noite de estréia de  Le Sacre  representa um marco no desen

volvimento do “modernismo”, modernismo como, acima de

tudo, uma cultura do acontecimento sensacional, através do

qual a arte e a vida se tornam ambas; uma questão de energiae se fundem numa coisa só. Dada a significação t crucial do

 público nesta cultura, devemos olhar para o contexto mais

amplo de  Le Sacre.

LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES

A avenida Montaigne passa entre os Champs-Elysées e a

 praça d’Alma no Oitavo  Arrondissement . Situado numa área

de Paris que experimentou nova expansão perto do fim do

último século, o bairro fora ocupado, mesmo antes de 1914,

 pela haute bourgeoisie, que ocupava também Parc Monceau,

Chaillot, Neuilly e Passy. No número 13 da avenida arbo

rizada fica o Théâtre des Champs-Elysées. Hoje em dia alise apresentam os maiores artistas do mundo.

O teatro é um dos exemplos mais belos do trabalho de

Auguste Perret, que alguns consideram “o  pai da moderna

arquitetura francesa”.1 Construído entre 1911 e 1913, per

tence à primeira geração de edifícios erigidos em concreto

armado. Mas, ' além do uso de novos materiais, aço e con

creto no lugar de tijolo ou pedra, uma preocupação impor

tante de Perret foi incorporar e projetar em seu trabalho o

que ele considerava uma nova honestidade e simplicidade de

estilo. Junto com seu contemporâneo Tony Garnier, reagia

contra os predominantes estilos compósitos e pesados do pas

sado ou a moda maneirista em voga do art nouveau,  com sua

ornamentação e ostentação. Linhas claras e uma nova liber

dade no uso do material eram essenciais. "Como toda a arqui

tetura baseada em falsos princípios”, escreveu Garnier, "a arquitetura antiga é um erro. Só a verdade é bela. Na arqui-

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tetura, a verdade é o resultado de cálculos feitos para satisfazer necessidades conhecidas conr materiais conhecidos”.2

Para sua época ostentosa, esta era uma formulação ousada e agressiva que ecoava afirmações semelhantes de arquitetos e urbanistas de outros lugares, especialmente Alemanha

e Áustria. “Ornamento é crime”, insistia Adolf Loos. Charles-Édouard Jeanneret, um suíço de vinte e um anos, era um jovem colega que, em 1908, estudava à tarde e de manhã tra balhava no escritório de Perret. Certo dia, Perret perguntouao jovem, que devia mais tarde tomar o nome de Le Cor busier, se já tinha ido ver o palácio de Versalhes. “Não,nunca irei!” foi a resposta. “E por que não?” “Porque Versalhes e a época clássica não são senão decadência!”3

Em 1902-1903 Perret tinha construído um bloco de apartamentos de oito andares na rua Franklin 25bis que era revolucionário em seu emprego de materiais e seus efeitos espaciais. Duas colunas de impressivas janelas salientes pareciamestar suspensas sem apoio e atraíam a atenção para a radical aplicação de vidro e concreto em padrões retangulares.Havia algum relief   na fachada, mas, ao contrário do estiloart nouveau,  não se impunha ao olhar. Os diplomados da

tradicional École des Beaux-Arts consideravam a nova com posição, à luz de sua surpreendente simplicidade, mais comouma questão de engenharia que de arte. O Théâtre des Champs-Élysées provocou reação semelhante.

A maior parte da construção dispendiosa da época eraimitação direta de um estilo dos séculos XVII ou XVIII, com

 pouca imaginação. Esse mesmo estilo baseava-se em padrõesclássicos revividos primeiro na Itália e depois exportados para

o norte. O modo sincrético do Grand e do Petit Palais, am bos a um passo da avenida Montaigne e construídos para aexposição internacional de 1900 — quando Paris festejoua si mesma — exemplificava esta tendência imitadora. Emcomparação, o Théâtre des Champs-Élysées parecia despido.Suas linhas eram claras, até frias. A construção em cimentoarmado, com superfícies lisas e arestas agudas, transpiravaforça. Os espaços para os cartazes estavam em perfeita rela

ção geométrica com os outros padrões retangulares da fachada, com as janelas, as entradas e os painéis de hauts-

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A tendência era considerar o edifício como uma afronta arquitetônica ao bom gosto, à sociabilidade e à cortesia pari-rienses.5

A referência aos alemães não deve ser explicada apenasem termos de ódio a um inimigo numa época de nacionalismo

ressurgente. A Alemanha liderava de fato o desenvolvimentode um novo estilo arquitetônico baseado numa aceitação daindústria e da inevitabilidade do crescimento urbano. Emboraenfrentando ainda ampla oposição, na Alemanha a nova estética arquitetônica tinha ultrapassado os limites de um estilode vanguarda aceito por um pequeno número de indivíduos. No final da primeira década deste século muitas das princi pais escolas e academias de arte estavam sob a direção de

 pessoas de idéias progressistas como Peter Behrens em Düsseldorf, Hans Poelzig em Breslau e Henry Van de Velde emWeimar. A influente Werkbund alemã, com sua agressiva preocupação com qualidade, utilidade e beleza em todas as obrasindustriais, foi fundada em 1907 e influenciou profundamentetoda uma geração de estudantes, entre eles Walter Gropiuse Ludwig Mies van der Rohe. Nesse mesmo ano, 1907, a

 poderosa companhia de eletricidade alemã, Allgemeine Elektri

zitäts-Gesellschaft, nomeou Peter Behrens seu cohselheiro arquitetônico, o que indicava quanto as novas idéias haviamse espalhado. Na Áustria ocorriam fatos semelhantes. Pode-secompreender, portanto, que Auguste Perret fosse, na mentede muitos franceses, um agent provocateur   a serviço espiritual, senão francamente remunerado, dos alemães.

Acusações semelhantes a essas dirigidas contra Perrettambém foram feitas a Gabriel Astruc, o empresário parisiense

que abertamente confessava ser, ao contrário da maioria dosfranceses nos anos anteriores a 1914, um xenófilo, um simpatizante dos estrangeiros.6 Dono de uma personalidade emocionalmente descomedida, cuja grande paixão sempre foi ocirco e que, em suas memórias, contou com igual prazer eanimação, de um lado, o fato de ter assistido à execução dequatro criminosos na guilhotina e, de outro, suas realizaçõesadministrativas, Astruc descendia de sefarditas espanhóis e era

filho de um grande rabino. Pelo casamento veio a participarda editora de música Enoch e, com ajuda financeira do melô-

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apoio financeiro — Vanderbilt, Morgan, Stillman, Rothschild,Cassei —, além do suporte, tanto moral como financeiro, deOtto H. Kahn, presidente da New York Opera.

O teatro foi inaugurado em 30 de março de 1913. Luzes projetadas na fachada enfatizavam a alvura do prédio, sua

simplicidade, e realçavam os relevos do friso de Bourdelle, Apoio e as Musas. Astruc observou o público da primeiranoite chegar para ouvir o concerto inaugural dedicado a  Ben- venuto Gellini  de Berlioz e a O  franco-atirador   de Weber.

Ao entrar no saguão-, as pessoas pareciam ficar a princípio ofuscadas. Depois paravam para olhar. Algumas ficavam alvoroçadas. Outras davam risadinhas. A maioria,

antes de emitir uma opinião, esperava para ouvir a dovizinho. As palavras "Munique”, "alemão neoclássico”se mesclavam aqui e ali.

Jacques-Émile Blanche escutou reações semelhantes — "tem plo teosófico”, "belga” —, mas foi bastante astuto para notar que certos motivos artísticos do teatro e seus programastinham uma visível inclinação para a tradição. Todo o em

 preendimento era uma tentativa simbólica de sintetizar im pulsos modernos e tradicionais.9 Paris, entretanto, ainda nãoestava preparada para essa solução.

DIAGHILEV E OS BALLETS RUSSES

"Em primeiro lugar, sou um grande charlatão”, escreveu SergeDiaghilev à sua madrasta em 1895, declaração que se tornoumerecidamente famosa por sua exuberância e sua acuidadecomo auto-avaliação,

mas con brio;  em segundo lugar, um grande charmeur; em terceiro lugar, tenho alguma dose de atrevimento; emquarto lugar, sou um homem com uma grande quantidade de lógica, mas de pouquíssimos princípios; em quinto

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lugar, acho que não tenho nenhum talento real. Apesar

de tudo, penso ter descoberto minha verdadeira vocação:

ser um mecenas. Tenho tudo o que é necessário, exceto

dinheiro — mais ça viendra}

A formação de Diaghilev era uma fusão de contrastes,reais e imaginados. Talvez o mais profundo desses contras

tes tenha sido o fato de seu nascimento ter causado a morte

de sua mãe. Misia Sert, personalidade igualmente extravagante

que viria a se tornar sua amiga íntima, teve um destino seme

lhante. Ambos pareceram passar a vida atormentados por uma

sensação de culpa pelo simples fato de existirem. O pai de

Diaghilev, um aristocrata provinciano, era, no entanto, dado

a negócios; possuía algumas grandes destilarias. Apesar de mi

litar, tinha um sério e profundo amor pela música. No con

texto russo, nenhuma dessas combinações era considerada in-

comum, mas o filho, à medida que se tornava cada vez mais

ocidentalizado, começou a viver sob o peso do que sentia

serem contradições em seu passado e na sua educação. Ainda

que tentasse adotar um ar cosmopolita com o passar dos anos,

Diaghilev nunca renunciou às suas raízes provincianas. Dessemodo, sempre persistiu nele uma tensão entre a experiência

formativa de sua juventude e as aspirações de sua vida adulta.

Diaghilev começou seus estudos universitários em São

Petersburgo com a intenção de se tornar advogado; conti

nuou-os no conservatório, estudando composição. Escreveu

algumas canções e até uma cena para uma ópera sobre o

tema de Boris Godunov. Tocava piano com desenvoltura e

tinha uma bela voz de barítono, tendo cantado em públicoárias de Parsifal  e  Lohengrin  em pelo menos uma ocasião.

Dedicava-se amadoristicamente à pintura. Não se tornou advo

gado, compositor ou artista. Romola Nijinsky relata que os mú

sicos diziam que Diaghilev não era músico e que os pintores

o chamavam de diletante, mas uns e outros faziam comentá

rios generosos sobre as suas habilidades na outra arte, da

mesma forma que os estadistas afirmavam que Disraeli era

um excelente escritor, enquanto os escritores reconheciam neleum grande estadista. Entretanto, o estudo do direito e o inte-

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Valentine Serov, Alexandre Benois, Léon Bakst, Mstislav Dobu-

 jinsky, Nicholas Roerich e Mikhail Larionov. O comitê de

 patrocinadores da exposição era dirigido pelo Grão-Duque

Vladimir e incluía a Comtesse Greffuhle, que tinha provavel

mente o salão mais elegante de Paris e a quem Diaghilev co

nheceu, impressionou e recrutou para apoiar o seu projetodo ano seguinte, um festival de música russa.

A partir de então, um sucesso seguiu-se a outro. Em 1907,

entre 16 e 30 de maio, foram dados cinco concertos na Opéra,

cobrindo uma ampla gama de música russa, com Rimsky-

Korsakov, Rachmaninov e Glazunov regendo suas próprias

composições. Entre os cantores estavam Chaliapin e Cherkass-

kaya. O sonoro baixo dramático, em especial, foi um enorme

sucesso. No ano seguinte, 1908,  Boris Godunov  de Mussorgsky,numa versão revisada por Rimsky-Korsakov, foi levado a Pa

ris. A ópera sobre o czar que reinou de 1598 a 1605 e sobre

o embusteiro Dmitri não era popular em São Petersburgo. A

sociedade da corte achava ofensivas as partes da história que

questionavam a legitimidade, a justiça e a autoridade. Paris,

entretanto, pareceu amar a obra, acima de tudo o Boris de

Chaliapin. Misia Sert ficou enfeitiçada: “Deixei o teatro co

movida a ponto de compreender que algo tinha mudado naminha vida. A música estava sempre comigo.”4

Foi através da Comtesse de Greffuhle que Diaghilev co

nheceu Gabriel Astruc. Diaghilev já apresentara a Paris a

 pintura russa, a música russa, a ópera russa, e, como devia

afirmar mais tarde, “da ópera ao balé foi apenas um passo”.

A existência de extraordinários bailarinos russos que eram

completamente desconhecidos fora da Rússia foi uma razão

importante para que passasse ao balé. Mas havia um ladoteórico que talvez fosse até mais importante.

 Numa busca wagneriana da arte máxima, Diaghilev afir

mava que o balé continha em si mesmo todas as outras for

mas de arte. Wagner tinha concebido a ópera como uma forma

mais elevada de drama e uma evolução posterior da síntese

grega de música e palavra. Na ópera, entretanto, dizia Dia

ghilev, havia obstáculos visuais, como cantores imóveis, e bar

reiras auditivas, como a necessidade de se concentrar nas palavras, elementos que interferiam na necessária fluidez da arte.

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“No balé”, escreveu Alexandre Benois, que exerceu grandeinfluência sobre Diaghilev, “eu salientaria a mistura elementar de impressões visuais e auditivas; no balé atinge-se oideal da gesamtkunstwerk*  com que Wagner sonhava e coma qual toda pessoa artisticamente dotada sonha”.5

Em junho de 1911, Stravinsky, sob o fascínio de Diaghilev, citaria o novo evangelho a Vladimir Rimsky-Korsakov,filho do compositor;

Sinto interesse e amor pelo balé mais do que por qualquer outra coisa. . . Se algum Miguel Ângelo fosse vivohoje em dia — assim pensei ao ver seus afrescos na Ca pela Sistina —, a única coisa que seu gênio admitiria e

reconheceria é a coreografia.. . O balé é a única formade arte teatral que tem como pedra fundamental os  pro

blemas da beleza  e nada mais.6

A busca da Gesamtkunstwerk   — do Santo Graal que éa “forma de arte total” — foi realmente universal no fim doséculo XIX. Em parte por causa da enorme influência deWagner, as artes haviam se aproximado constantemente umas

das outras. Para dar aqui um exemplo ao qual voltaremosmais tarde, Debussy tomaria um poema simbolista de Mallarmée o usaria como base para uma pintura tonal de efeito semelhante ao do impressionismo na arte pictórica.

Diaghilev e Astruc chegaram a um acordo, e, em 19 demaio de 1909, os Ballets Russes — que contavam com cin-qüenta e cinco bailarinos formados exclusivamente na escolaimperial de balé e temporariamente licenciados dos teatros

imperiais de São Petersburgo e Moscou — estrearam em Parisno Théâtre du Châtelet. Aquela noite de estréia, quando faziam parte do programa  Le Pavillon d’Armide, o  ato daópera Príncipe Igor   que inclui as danças polovtsianas e  Le Festin, ocupa lugar especial nos anais do balé, e toda a tem porada russa de 1909 foi uma sensação. Perto do fim do século XIX o balé em Paris, bem como na maior parte da

* Obra de arte total.

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Europa, tinha sido rebaixado a uma simples exibição de boni

teza; passos graciosos, controlados, e figurinos encantadores;

“um pouco de virtuosismo italiano ”, nas palavras de Richard

Buckle, “ataviado com uma grande dose de coquetismo fran

cês”.7 A decoração do palco não era uma arte, apenas um

ofício deixado a cargo de artesãos. Os russos mudaram tudoisso. Os cenários de Bakst, Benois e Roerich, com suas cores

 brilhantes e provocadoras e prodigalidades como o uso de

autêntica seda da Geórgia, eram estonteantes, não mais um

simples pano de fundo, mas uma parte integrante do espetá

culo. A coreografia de Fokine exigia uma nova energia e

habilidade física, captada empolgantemente nos saltos de Ni-

 jinsky e na graça de Pavlova e Karsavina. Em sua autobio

grafia, Karsavina conta uma historinha sobre Nijinsky queé tão reveladora da mentalidade dele quanto do efeito de

sua agilidade.

Alguém perguntou a Nijinsky se era difícil permanecer

no ar como ele fazia quando saltava; a princípio ele não

entendeu bem, mas depois respondeu muito compenetrado:

“Não! Não! Não é difícil. Basta subir e fazer uma pe

quena pausa lá no alto.”8

Os temas eram exóticos, usualmente russos ou orientais. A

música era diferente. E a dança não era apenas uma tentativa

de relacionar movimento e som, mas de expressar o som em

movimento.

Assim, em 1909, quinze anos depois que uma aliança

diplomática fora ratificada entre o Quai d’Orsay e São Peters-

 burgo em resposta à ameaça alemã, Paris finalmente se en

controu com os russos. Proust comentou:

Esta encantadora invasão, contra cujas seduções só os crí

ticos mais vulgares protestaram, trouxe a Paris, como sa

 bemos, uma febre de curiosidade menos aguda, mais pura

mente estética, mas talvez tão iqtensa quanto a desper

tada pelo caso Dreyfus.9

Em 1910 os russos voltaram a Paris e depois se apresentaram no Theater des Westens em Berlim. Em 1911, para

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fugir ao perpétuo problema de tomar bailarinos emprestados

de suas companhias regulares e conseguir alguma independên

cia, Diaghilev formou sua própria companhia, os Ballets Rus-

ses de Diaghilev, e durante os anos seguintes, de 1911 a 1913,

a companhia percorreu a Europa — Monte Cario, Roma, Ber

lim, Londres, Viena, Budapeste —, deixando atrás de si umrastro de excitação, incredulidade e êxtase. Muitos jovens es

tetas registraram a exuberância dos dançarinos. Sobre a pri

meira apresentação de Schéhérazade,  Proust disse a Reynaldo

Hahn que nunca tinha visto nada tão belo.10 Harold Acton

descreveu aquela produção:

. . . a pesada calma antes da tempestade no harém: o

trovão e o relâmpago dos negros vestidos de rosa e âm bar; a selvagem orgia de carícias clamorosas; o pânico

final e as punições sangrentas: a morte em espasmos

 prolongados ao som de agudos violinos. Rimsky-Korsakov

 pintou a tragédia; Bakst enfeitou-a com cortinas cor-de-

esmeralda, lâmpadas prateadas, tapetes de Bucara e al

mofadas de seda; Nijinsky e Karsavina lhe deram vida.

Para muitos jovens artistas, Schéhérazade  foi uma inspi

ração equivalente à arquitetura gótica para os românticosou aos afrescos quatrocentistas para os pré-rafaelitas.11

Rupert Brooke, o belo e talentoso jovem poeta que se tornou

um símbolo da confusão espiritual e dos anseios de sua ge

ração, ficou em êxtase depois de ver pela primeira vez os

russos em 1912: “Eles podem até resgatar a nossa civilização.

Daria tudo para ser coreógrafo.”12

Em 1911 Londres veio a conhecer a companhia russa.Em 26 de junho a trupe de Diaghilev se apresentou no Covent

Garden, na festa da coroação do Rei Jorge V, no meio de

100 mil rosas usadas como decoração e diante de um pú

 blico que incluía embaixadores e ministros, reis africanos, che

fes indígenas, marajás e mandarins, e a nata da sociedade

 britânica. “Assim, em uma noite”, gracejava Diaghilev, “o

 balé russo conquistou o mundo inteiro”. The Illustrated Lon- 

dün News  ficou tão encantado com o feito russo que pediua criaçãcr de uma companhia permanente de dança no Covent

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Garden; e o Times  demonstrou tanto entusiasmo que começou a publicar artigos regulares sobre dança. Em seu número de 5 de julho, Punch  estampou três desenhos relacionados com a dança, indicação do tremendo impacto causado

 pelos russos. O Kaiser Guilherme da Alemanha e o Rei Afonso

da Espanha tornaram-se finalmente patrocinadores dos Ballets Russes.

A cada temporada Diaghilev se tornava mais ousado. Oerotismo ficava mais explícito. Estava presente desde o início,em Cleópatra  na temporada de 1909 — a história de umarainha que procura um amante disposto a morrer ao amanhecer depois de uma noite de amor —, com sua selvagemcena báquica de tempi  acelerados, grandes saltos dos etíopes,

carne à mostra e ondas de seda e ouro. Mas tornou-se maisaudacioso. Isso fez com que, em alguns grupos, a excitaçãose transformasse em inquietude.

O scandale  da temporada de 1912 foi a  première  emParis, em 29 de maio, de UAprès-midi dfun jaune  de Debussy,inspirado no poema de Mallarmé, coreografado e dançado por Nijinsky, com cenários e figurinos art nouveau  de Bakst.É a história de uma divindade grega, um fauno, de chifres e

rabo, que se apaixona por uma jovem ninfa dos bosques. Nijinsky, vestido com uma malha numa época em que rou pas coladas à pele ainda eram consideradas impróprias, feztodo o público salivar e engolir em seco ao descer, ondulando os quadris, sobre a mantilha da ninfa e estremecernum orgasmo simulado. Isso foi simplesmente o ponto culminante de um balé que quebrou todas as regras do gosto tradicional. Toda a obra foi encenada de perfil na tentativa de

reproduzir as imagens de bas-reliefs  e pinturas de vasos clássicos. Os movimentos, de caminhar e correr, eram quase inteiramente laterais, sempre com o pé virado para o lado, seguidos por uma rotação dos dois pés e uma mudança de

 posição dos braços e da cabeça. Gaston Calmette, editor de  Le Figaro,  recusou-se a publicar a crítica preparada pelo corres

 pondente regular de dança, Robert Brussel, redigindo ele pró prio, em vez disso, um artigo de primeira página em que

acusava o Faune  de não ser “nem uma bela pastoral, nemuma obra de significado profundo. Mostram-nos um fauno

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lascivo, cujos movimentos são obscenos e bestiais em seu ero

tismo, e cujos gestos são tão grosseiros quanto indecentes”.13

Calmette iria passar de uma investida a outra em 1912-

1913. Quando Auguste Rodin saiu em defesa de Nijinsky,

Calmette classificou-o de diletante imoral que desperdiçava o

dinheiro público. Em dezembro de 1913 Calmette iniciariasua última campanha, desta vez um ataque a Joseph Caillaux,

ex-Primeiro-Ministro e então Ministro das Finanças do novo

governo Doumergue. Em 16 de março de 1914 Henriette Cail

laux, a mulher do ministro, foi de táxi até a redação do

Figaro  na rua Drouot, esperou pacientemente durante uma

hora para poder falar com o editor-chefe, depois acompa

nhou-o até seu escritório particular e descarregou nele a pis

tola automática que trouxera consigo. Atingido por quatrodos seis tiros, Calmette morreu naquela noite.

Evidentemente outros membros do público também fica

ram ofendidos com o Faune, e a cena final foi ligeiramente

modificada nas apresentações posteriores. Mas os estetas se

entusiasmaram com a beleza desta “ofensa ao bom gosto”

Léon Bakst achou a coreografia obra de gênio, e o próprio

Diaghilev, a princípio hesitante até em aceitar esta extraor

dinária manifestação de independência de Nijinsky, reconheceu, apesar de tudo, o seu brilho. O artista e projetista Char

les Ricketts chegou a festejar o assassinato de Calmette.14 Os

espirituosos, é claro, trabalharam dobrado. Um jogo de pa

lavras que se fez ouvir: “Faune y soit qui mal y pense.”*

A deliberada provocação de Nijinsky no Faune  era um

sintoma da ousadia cada vez maior da coreografia e lin

guagem musical dos russos. Fokine havia liderado o aban

dono das convenções do balé clássico ao cortar passos brilhantes e virtuosismos e enfatizar a interpretação da música.

Desprezava as demonstrações inexpressivas de força. “A dan

ça”, insistia ele, “não precisa ser um divertissement.  Não

deve degenerar em simples ginástica. Deve de fato ser o

mundo plástico. A dança deve expressar. . . toda a época a

que o tema do balé pertence”.15

* Trocadilho com  Honni soit qui mal y pense.

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estruturas harmônicas e seu interesse pelos sons em si, semreferência à melodia. A preocupação de Debussy era maiscom “sentimentos delicados”, com “momentos fugidios” doque com as esmagadoras estruturas harmônicas da escola alemãda época. Emoções fugazes, fragmentos de sensações, as bo

lhas do champanhe; eram estes os atributos dos impressionistas, que marcaram uma fase importante no colapso damúsica romântica e no movimento em direção à música interiorizada do expressionismo.

 No final da primeira década do novo século, com a ajudados impressionistas, a maneira de compor estava mudandoradicalmente. De Mozart até o fim do século XIX, a músicaera composta com blocos de construção relativamente grandes:

escalas, arpejos, longas cadências. Entretanto, no final do século estas unidades eram abandonadas. A música fora reduzida a notas individuais ou, quando muito, a motivos curtos.Como na arquitetura, no movimento de artes e ofícios e na

 pintura, havia uma nova ênfase em materiais básicos, cores primárias e substância elementar.

 Não havia nada de acidental a respeito dos escândaloscausados por Diaghilev e seus Ballets Russes. Este “ charlatãocon brio” exa um mestre da provocação. “É o sucesso e apenas o sucesso, meu amigo”, ele escreveu a Benois em 1897,“que salva e redime tudo ... Tenho realmente uma insolênciaum tanto vulgar e estou acostumado a mandar as pessoas para o inferno”.18 Ele era uma criação nietzschiana, um su premo egotista à procura de conquistas, e conseguiu tornar-se o déspota de um império cultural que influenciou, principalmente através do balé, todas as artes de seu tempo, in

clusive a moda, a literatura, o teatro, a pintura, a decoraçãode interiores e até o cinema. Jacques-Émile Blanche chamou-ode “professor de energia, a vontade que dá corpo a concepções de outros”.19 Benois iria dizer: “Diaghilev tinha em situdo o que é necessário para ser um duce.”20 Sua importância

 pública residia em suas realizações de empresário, de pro pagandista, de um duce,  e menos em ser uma pessoa criativa.Como teórico, saqueou as idéias de outras pessoas; como em

 presário, saqueou, com dragonnades  napoleônicas' o mundo daarte. Sua criação era a capacidade de administrar, a mode-

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Embora reverenciasse a história e as realizações da cul

tura ocidental, Diaghilev considerava-se essencialmente um

 pioneiro e um libertador. A vitalidade, a espontaneidade e a

mudança eram festejadas. Qualquer coisa era preferível ao

conformismo embrutecedor, até a desordem e confusão moí

ral. O dito espirituoso de Oscar Wilde, de que “não existe pecado exceto a estupidez”, também expressava os sentimen

tos de Diaghilev. Os absolutos morais e sociais foram aban

donados, e a arte, ou o senso estético, tornou-se o tema de

suprema importância porque conduziría à liberdade.

Diaghilev, é claro, era apenas uma parte, ainda que extre

mamente significativa, de uma tendência intelectual e cultural

muito mais ampla, uma revolta contra o racionalismo e uma

correspondente afirmação da vida e da experiência, que ganhou força desde a década de 1890 em diante. A rebelião

romântica, que, com sua desconfiança de sistemas mecani-

cistas, estendeu-se no passado por mais de um século, coin

cidiu no  jin-de-siècle  com a demolição científica, rapidamente

 progressiva, do universo newtoniano. Através das descobertas

de Planck, Einstein e Freud, o homem racional solapou seu

 próprio mundo. A ciência parecia assim confirmar tendências

importantes da filosofia e da arte. Henri Bergson desenvolveusua idéia de “evolução criativa”, que rejeitava a noção de

conhecimento “objetivo”: a única realidade é o élan vital,  a

força da vida. Bergson se tornou uma verdadeira estrela nos

círculos elegantes de Paris. E o futurista italiano Umberto

Boccioni, refletindo a difundida preocupação com máquinas

e mudança, declarou: “Um objeto imóvel: não existe tal coisa

em nossa percepção moderna da vida.” Diaghilev estava afi

nado com essas manifestações, que saudavam uma vontade

de constante metamorfose e louvavam a beleza da transito-

riedade. Ele se agarrou à nova onda com entusiasmo. “Qui 

n'avance pas recule”, decidiu.*

 Neste contexto, onde noções racionalistas de causa e

efeito eram rejeitadas e a importância do momento intuitivo

acentuada, o choque e a provocação tornaram-se instrumen

* Quem não avança recua.

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tos importantes da arte. Para Diaghilev, a arte não tinha a

intenção de ensinar ou imitar a realidade; acima de tudo,

devia provocar experiência autêntica. Por meio do elemento

do choque, ele esperava produzir em seu público o que Gide

tentou obter de seu protagonista Lafcadio em Os subterrâ

neos do Vaticano, publicado em 1914: um acte gratuit,  com portamento isento de motivação, objetivo, significado; pura

ação; sublime experiência livre das restrições de tempo ou

espaço. (iÊtonne-moi,  Jean!”*  — disse Diaghilev a Cocteau

em certa ocasião, e este veio a considerar esse momento e

essas palavras como uma revelação na estrada de Damasco.

Surpresa é liberdade. O público, na visão de Diaghilev, po

dia ser tão importante para a experiência da arte quanto os

artistas. A arte não ensinava — isso a tornaria servil; excitava, provocava, inspirava. Destravava a experiência.

Ao acreditar que o conteúdo da arte precisava impregnar-

se mais das tradições folclóricas populares e que só desta

maneira podia ser transposto o abismo entre a cultura popu

lar e a das elites, Diaghilev seguia os passos de Rousseau,

Herder e dos românticos. Era no campo russo, primitivo e

não afetado pela mecanização, que Diaghilev e seu círculo

encontravam grande parte de sua inspiração, nos desenhos e

cores das roupas dos camponeses, nas pinturas em carroças

e trenós, nos entalhes em torno de janelas e portas, e nos

mitos e fábulas de uma cultura rural despretensiosa. Segundo

Diaghilev, era desta alma russa que viria a salvação para a

Europa ocidental. “A arte russa”, escreveu em março de 1906

antes de sua primeira exposição no Ocidente, “não vai apenas

começar a desempenhar um papel; também se tornará, de

fato e no mais amplo sentido da palavra, uma das principais

condutoras de nosso iminente movimento de esclarecimento”.21Diaghilev reconhecia suas dívidas intelectuais: para com

uma cultura russa conservadora, enraizada numa tradição aris

tocrática; para com uma onda de pensamento moderno que

abarcava todo o século passado e que tinha um forte compo

nente alemão, em E. T. A. Hoffmann, Nietzsche e Wagner,

entre outros; e para com uma crescente valorização, sobre

* Surpreenda-me, Jean.

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tudo na Rússia, na Alemanha e na Europa Oriental, do

que os alemães chamavam, de cultura Volk.  Mas, se possuía

um forte senso da história, sua visão voltava-se para o fu

turo. Acompanhava os manifestos e as façanhas dos futu

ristas com interesse e demonstrava afeição especial pela arte

dos futuristas russos Larionov e Goncharova. Não menosprezava a tecnologia como alguns estetas faziam, mas conside

rava a máquina um componente fundamental do futuro. No

dia de Ano-Novo de 1912, Nijinsky e Karsavina dançaram

'O espectro da rosa  na Opéra de Paris, numa festa em honra

da aviação francesa. Como empresário, Diaghilev tinha uma

consciência aguda da importância. dos métodos modernos de

 publicidade e propaganda, e não tinha escrúpulos de recorrer

ao exagero, à ambigüidade e à insolência em sua buscado sucesso.

A meta de seu grandioso balé era produzir uma síntese

 — de todas as artes, de um legadta da história e uma visão

do futuro, de orientalismo e ocidentalismo, do moderno e do

feudal, de aristocratas e camponeses, de decadência e barbá

rie, do homem e da mulher, e assim por diante. Desejava fun

dir a dupla imagem da vida contemporânea — uma época

de transição — numa visão de totalidade, com ênfase, porém,

mais na visão do que na totalidade, mais na busca, no empe

nho, na perseguição da totalidade, por mais que isso tivesse

de ser persistente e mutável. Pretendia, com disposição fáus-

tica, dominar e integrar. A decisão disjuntiva reclamada pela

ética ele rejeitava em favor de um imperialismo estético que,

como Don Giovanni, ansiava por todas as coisas. Tratava-se

aqui de uma fome de totalidade que, no entanto, por causa

de sua ênfase na experiência, festejava mais a fome do que

a totalidade.

REBELIÃO

A empresa de balé de Diaghilev foi não só uma busca de

totalidade mas também um instrumento de liberação. Talvezo nervo mais sensível que ela tocou — e isto foi feito delibe-

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radamente — tenha sido o da moralidade sexual, que era um

símbolo tão fundamental da ordem estabelecida, especialmen

te no coração do poder imperial, econômico e político, a Eu

ropa ocidental. Por outro lado, Diaghilev era apenas herdeiro

de uma tradição prestigiosa e acumuladora. Para muitos in

telectuais do século XIX, de Saint-Simon a Feuerbach eFreud, a origem real da “alienação”, afastamento de si mes

mo, da sociedade e do mundo material, era sexual. "O pra

zer, a alegria, expande o homem”, escreveu Feuerbach; "a

dificuldade sofrida o contrai e concentra; no sofrimento o

homem nega a realidade do mundo”.1

 Na era vitoriana, as classes médias, em particular, inter

 pretavam o prazer em termos primordialmente espirituais e

morais, mais do que físicos ou sensuais. A gratificação dossentidos era suspeita, na verdade pecaminosa. A vontade, ba

seada em fervor moral, constituía a essência do esforço hu

mano bem-sucedido; a pura paixão, o seu oposto. Era inevi

tável que o tema da moralidade sexual se tornasse para o

movimento moderno um veículo de rebelião contra os valores

 burgueses. Na arte de Gustav Klimt, nas primeiras óperas de

Richard Strauss,. nas peças de Frank Wedekind, nas excen

tricidades pessoais de Verlaine, Tchaikovsky e Wilde, e aténa moralidade descontraída do movimento da juventude ale

mã, um motivo de erotismo dominava a busca do novo e da

mudança. "Melhor uma prostituta do que um chato”, ponde

rava Wedekind, enquanto nos Estados Unidos Max Eastman

gritava: "A luxúria é sagrada!”2 O rebelde sexual, particular

mente o homossexual, tornou-se uma figura fundamental na

imagética da revolta, especialmente depois do tratamento igno

minioso que Oscar Wilde recebeu nas mãos do poder constituído. Do seu círculo de rebeldes gentis em Bloomsbury, disse

Virginia Woolf: "A palavra sodomita nunca andava longe de

nossos lábios.”3 Depois de uma longa luta consigo mesmo,

André Gide denunciou publicamente te mensonge des moeurs, 

a mentira moral, e admitiu suas próprias predileções. Paixão

e amor, tinha concluído, eram mutuamente exclusivas. E a

 paixão era muito mais pura que o amor.4

As inclinações sexuais de Diaghilev eram bem conhecidas, e ele não fazia nenhum esforço para mascará-las; muito

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 pelo contrário. Stravinsky disse mais tarde que o séquito de

Diaghilev era “uma espécie de guarda suíça homossexual”.5

 Não é de admirar que uma tensão sexual impregnasse toda a

experiência dos Ballets Russes, entre artistas, administradores,

seguidores e o público. Alguns dos temas de balé eram aber-

tamente eróticos, até sadomasoquistas, como em Cleópatra  eSchéhérazade; em ambos, jovens escravos pagam com a vida

seus prazeres sexuais. Em outros, a sexualidade era velada.

Em Petrushka,  o boneco morre frustrado em seu amor por

uma boneca cruel. Nijinsky afirmaria mais tarde em seu diá-

rio, escrito seis anos depois da primeira apresentação, que

os  Jeuxt   com seu elenco de um homem e duas mulheres, era

o modo de Diaghilev apresentar, sem perigo de censura ma-

nifesta, sua própria fantasia, claramente confessada muitasvezes a Nijinsky, de fazer amor com dois homens.6 Fosse ou

não invenção da demência de Nijinsky — o diário foi escrito

no final da Grande Guerra, quando Nijinsky já resvalava para

a loucura —, não é inconsistente com o comportamento de

Diaghilev.

Em todos os balés, as cores dos cenários, a audácia dos

figurinos e a energia ininterrupta da dança acentuavam a

 paixão. Os poetas escreviam odes a Anna Pavlova; cantavamlouvores à beleza de Karsavina e Rubinstein; mas todo esteta

da Europa parecia estar apaixonado pela “graça e brutalida-

de”, para usar as palavras de Cocteau,7 de Nijinsky. Como

era de esperar foi ele proibido de dançar no Teatro Imperial

de Moscou, depois de uma apresentação de Giselle  diante

da imperatriz viúva em 1911, na qual não usou nada por

cima da malha e exibiu, nas palavras de Peter Lieven, suas

“rotundités complètement impudiques”.8 De sua extraordiná-ria levitação em O espectro da rosa  ao escandaloso final de

UAprés-midi d’un faune  e à provocante coreografia dos  Jeux,

 Nijinsky, com suas proezas físicas e sua audácia mental, com

sua combinação de inocência e ousadia, seduziu a imagina-

ção de toda uma geração. O frêmito erótico que os parisien-

ses experimentavam foi sublinhado pelo retrato dele, de pági-

na inteira, em U Illustration, com a legenda: “Bailarino Ni-

 jinsky mais comentado do que os debates na Câmara”.9 “Umidiota de gênio”, foi como a sexômana Misia Sert o chamou

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numa frase reveladora. Diaghilev, sempre estimulado pelo

aplauso público, tomou Nijinsky como amante depois do ex

traordinário sucesso da temporada de 1909. Os dois viveram

 juntos por algum tempo e, quando se casou de repente em'

1913, Nijinsky pareceu sinceramente não compreender a razão

do ressentimento de Diaghilev. "Se é verdade que Serge nãoquer trabalhar comigo — então perdi tudo”, Nijinsky escre

veu a Stravinsky em dezembro de 1913. "Não consigo ima

ginar o que aconteceu, qual a razão do seu comportamento.

Por favor, pergunte a Serge qual é o problema, e escreva-me

a respeito.”10 Foi esta ingenuidade assombrosa — a insinua

ção de que ele não era oprimido pela bagagem moral dos

séculos, o que Gide chamava de mentira moral —, combi

nada com a ousadia de sua imaginação artística, que despertou em Proust, Cocteau, Lytton Strachey e outros uma exci

tação febril. Nijinsky era  o fauno, criatura selvagem tempo

rariamente capturada pela sociedade. Imaginem, diziam a si

mesmos, este incrível espécime físico, entregue aos instintos

e à paixão, livre de restrições morais. . . e deliravam em

suas fantasias. Strachey enviou “uma grande cesta de flores

magníficas” e foi para a cama, como ele próprio declarou,

"sonhar com Nijinsky”.11

Desde os tempos da cavalaria andante, mas particular

mente desde o romantismo, a mulher — das ewig Weibliche* 

 — tinha sido a fonte de inspiração poética e o objeto de

culto lírico. Nas artes cênicas, a diva, a  prima dorma,  a bal-

lerina  é que eram aplaudidas e cortejadas com flores. Mas

agora um homem, cheio de graça e beleza, ocupava o centro

das atenções. Isto era verdadeiramente revolucionário. Paraalguns, era escandaloso. Uma aura de decadência cercava os

Ballets Russes em conjunto. Robert de Flers e Gaston de Ca-

vaillet fizeram uma personagem de sua peça,  Le Bois sacré, 

dizer: "Estamos começando a nos tornar cavalheiros muito ele

gantes, conhecendo pessoas muito chiques, muito decadentes,muito Ballets Russes.”

* O eterno feminino.

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Era natural que a dança — a tentativa de reunir a mente

e o corpo no mesmo ritmo — se tornasse um meio impor

tante para o movimento moderno. Embora os egípcios e os

gregos tivessem dançado, a civilização cristã não tinha espaço

 para a dança, e foi só depois da Renascença e da Reforma,

com sua conseqüerite secularização, que a dança ressurgiucomo expressão da imaginação. Entretanto, ainda estava asso

ciada quase exclusivamente à cultura aristocrática da corte

ou, é claro, a atividades pagãs. A ética protestante continuava

a rejeitar a dança como expressão da sensualidade e da pai

xão. A dança clássica surgiu na França e na Itália, mas com

variações nacionais'* distintas: os italianos acentuavam o vir

tuosismo e os franceses enfatizavam a criação de uma atmos

fera romântica; mas até nesses países o balé afundara nofinal do século XIX em um rígido formalismo que deixava

 pouco espaço para a expressão individual. Na Grã-Bretanha

e na Alemanha a dança fora praticamente esquecida.

Foi da Rússia que veio a revitalização. Ali, entre a antiga

aristocracia e a sociedade da corte, o “estilo francês”, com

 bailarinos e coreógrafos importados, experimentou crescente

 popularidade durante o século XIX. O principal teatro era

o Mariinsky de São Petersburgo. Na segunda metade do século, através do marselhês Marius Petipa e do sueco Christian

Johannsen, iniciou-se em São Petersburgo uma importante ten

tativa de combinar os estilos francês e italiano, elegância com

virtuosismo, enfatizando uma nova ondulação das linhas, uma

“dança dos braços”, como veio a ser chamada. Era o começo

da escola russa, e foi sobre esses fundamentos que Diaghilev

construiu, vendo no balé uma forma superior de arte apta a

exprimir, através da ação e do movimento, em lugar da persuasão e dos argumentos, a totalidade da personalidade hu

mana, espiritual e física, e a essência do mundo não-verbal,

não-racional. Um crítico notou inteligentemente que o balé

russo era o “cinématograph du riche”}2

Diaghilev não foi o primeiro a introduzir uma nota aber

tamente erótica na dança. Havia um forte teor de fantasia

sexual na dança de Isadora Duncan e, certamente, em seu

sucesso. Tendo lido Nietzsche, esta americana de São Francisco decidiu que sua arte era a arte dionisíaca original, antes

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que Apoio intelectualizasse a emoção e transformasse a dança,de paixão em estilo, ésvaziando-a de pureza e vitalidade. Eladizia representar a espontaneidade e a expressão natural, captar a forma de improviso. Queria "libertar” de restrições ocorpo e as emoções e lhes dar a possibilidade de se fundirem

"organicamente”. Entretanto, foi menos inovadora do que gostava de pensar: apesar de suas pretensões, não pôde escaparda Grécia clássica, nem da linha curva sinuosa que tinha dominado o balé desde os românticos. Tanto quanto a sua dança,a personalidade sensual e fecunda de Duncan era uma forçacriativa, e ela teve grande sucesso por toda a Europa nosanos que se seguiram à virada do século. Na Alemanha nasceuo mito da “die heilige, göttliche Isadora” *

Foi Nijinsky quem realizou, como disse o Times  de Londres, a "real revolução na dança”.13 Em 1828, Cario Blasisescrevera, em The Code of Terpsichore: "Cuidem de tornaros braços tão arredondados que a ponta dos cotovelos fiqueimperceptível.” E a curva venceu a linha reta. No balé clássico a graça e o encanto tornaram-se invariavelmente mais im

 portantes que a personalidade e a interpretação. EnquantoFokine se voltava para a interpretação, Nijinsky insistia na

expressividade de modo vingativo, rebelando-se deUberadamen-te contra "a linha de beleza”, o prazer a que o olhar estavaacostumado. Em sua coreografia tomava cuidados especiais para tornar as pontas de seus cotovelos não apenas perceptíveis mas inevitáveis.

Duncan foi o instrumento através do qual se popularizaram as idéias de euritmia, o estudo do ritmo, e â  "ginásticaestética”. Émile Jacques-Dalcroze fundou uma influente esco

la para Ndifundir a primeira modalidade — em Genebra inicialmente e depois em Hellerau perto de Dresden —, escolaque Diaghilev e Nijinsky visitaram em 1912 em busca deajuda para  Le Sacre.  Esses acontecimentos se harmonizavamcom uma nova  Leibeskultur,  ou "cultura do corpo”, que encontrou sua maior ressonância social na Alemanha e na Rússia, mas se manifestou por toda parte em fenômenos como

* A santa, divina Isadora.

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o “cristianismo muscular”, o movimento dos escoteiros, as

origens das olimpíadas modernas e, não menos importante,

a revolução da moda de Poiret, que libertou as mulheres dos

espartilhos e lhes deu uma nova sensualidade resplandecente

e descontraída. Pela primeira vez em um século, corpos ele

gantes tornaram-se moda, particularmente em Paris. A dança,tanto a séria quanto a popular, parecia fundamental para

toda a tendência. Em 1911, todo music-hall  importante de

Londres contratava a apresentação de uma bailarina, e as im

 plicações deste fato forneciam rico material para Punch.

 No Crematorium a principal atração é Frl. Rollmops, cuja

dança é impregnada da mais singular sugestividade. Num

de seus números, apropriadamente intitulado  Liebelei„ elafaz coisas incríveis com as panturrilhas, que são induzi

das a expressar uma ampla variedade de emoções — ora

de ternura lisonjeadora, ora de ardente paixão e por fim

de rejeição desdenhosa... M. Djujitsovitch, que deve ser

visto no Pandemonium, introduziu uma dança que todas

as noites mantém â casa superlotada numa concentração

sem paralelo. A atenção primeiro se fixa numa contração

espasmódica da rótula; depois o movimento se espalhagradativamente para outras partes do corpo, terminando

a dança num tremendo tour de force  sob a forma de uma

sacudidela simultânea do pomo-de-adão e do tendão de

Aquiles. A nova dançarina sarda no Empyrean, Signora

Rigli, provocou imenso  furore  na sua primeira apresen

tação uma noite dessas. No número principal de seu re

 pertório ela causa surpreendente sensação através de uma

hábil manipulação da clavícula, que, aos olhos de todos,se move sinuosamente, culminando num estremecimento

que faz o espectador suar frio com um terror indizível.

Coube a Miss Truly Allright, que aqui chega com uma

grande reputação adquirida nos Estados Unidos, demons

trar para um público inglês o efeito sutil, mas descon

certante, que se pode produzir numa dança envolvendo

ós músculos das orelhas. Num maravilhoso número de

“Wag-time” ela emprega aqueles órgãos com encantoirresistível, e o último adejo invariavelmente faz o tea

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tro vir abaixo. A pedido informamos que, devido a um

leve deslocamento sofrido no ensaio, Mlle. Cuibono, a

"Vénus Venezuelana”, não poderá executar sua famosa

dança da medula espinhal no Capitolium esta semana.14

A dança popular também mudava rapidamente. O turkey trot*  e o tango tornaram-se a sensação de 1912 e 1913, para

o pesar de estabelecimentos de índole conservadora da Europa

e da América. Clérigos, políticos e administradores denuncia

vam o que consideravam demonstrações públicas lascivas. As

seções de cartas de jornais e revistas estavam cheias de co

mentários sobre o assunto. Salões de baile de Boston pros

creveram o tango; certos hotéis suíços proibiram os novos

 passos "americanos”; um oficial prussiano foi assassinado porum general quando discutiam sobre o decoro do turkey trot; 

e o kaiser tentou impedir que seus oficiais do exército e da

marinha praticassem as novas danças, pelo menos quando esti

vessem de uniforme. Mas a voga se espalhou, e Jean Richepin

sentiu-se motivado a fazer uma conferência sobre o tango

 para a Academia Francesa em outubro de 1913. O mundo de

1893, quando um manual de etiqueta francês declarava que

um jovem respeitável nunca se sentaria no mesmo sofá comuma moça, parecia, vinte anos mais tarde, decididamente

medieval.

CONFRONTO E LIBERAÇÃO

Se Diaghilev se mostrava cada vez mais inclinado ao confron

to e a causar sensação, o mesmo ocorria com seus colabora

dores. Em retrospecto, os preparativos para  Le Sacre  têm um

ar quase de conspiração. Por volta de 1913 Stravinsky estava

seguro de sua própria importância, e através de  Le Sacre 

tinha a intenção de exasperar o mundo da música e do balé.

* Dança em ritmo de  ragtime  do início do século.

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Sua reputação internacional havia desabrochado em 1910 e

1911 com o repentino sucesso de Pássaro de fogo  e Petrushka. 

Em novembro de 1912 ele completou a partitura para piano

de  Le Sacre, e a orquestração finalmente em março de 1913.

"A idéia da Sagração da primavera  me veio”, disse Stra-

vinsky mais tarde, "enquanto ainda estava compondo O pássaro de fogo.  Tinha imaginado uma cena de ritual pagão em

que uma virgem escolhida para o sacrifício dança até morrer”.

Perguntado em outra ocasião sobre o que mais lhe agradava

na Rússia, respondeu: "A violenta primavera russa que pare

cia começar no espaço de uma hora, e era como se toda a

terra estivesse se rachando. Era o acontecimento mais mara

vilhoso íie todos os anos de minha infância.”1 Assim, o tema

de  Le Sacre  era nascimento e morte, Eros e'Tanatos, primitivos e violentos, as experiências fundamentais de toda a exis

tência, para além do contexto cultural.

Embora a ênfase finalmente recaísse sobre os aspectos

 positivos do tema — a primavera, seus ritos correspondentes,

e a vida —, o título inicial que Stravinsky deu à partitura

era revelador e nada afirmativo:  A vítima.  No libreto, o últi

mo quadro diz respeito, é claro, ao sacrifício da virgem esco

lhida. O balé termina com a representação de uma cena de

morte no meio da vida. A interpretação usual do balé é que

se trata de uma celebração da vida através da morte, e que

uma virgem é escolhida para ser sacrificada a fim de home

nagear as próprias qualidades de fertilidade e vida que ela

exemplifica. Entretanto, por causa da importância dada à

morte no balé, à violência associada com a regeneração, ao

 papel da "vítima”,  Le Sacre  pode afinal ser considerado uma

tragédia.

 Não se sabe se o título definitivo era original ou foi to

mado de empréstimo. A noção de regeneração e renascimento

 podia ser encontrada em muitas atividades vanguardistas na

virada do século. O título do jornal dos secessionistas austría

cos era Ver Sacrum,  ou Primavera Sagrada.  A peça de Frank

Wedekind sobre os problemas sexuais de adolescentes chama

va-se Frühlingserwachen,  ou O despertar da primavera. Excertos da obra de Proust foram publicados em  Le Figaro  em

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março de 1912 com o título “Au Seuil du printemps” ("Nolimiar da primavera”).

Stravinsky inicialmente discutiu o fruto de sua imaginação com Nicholas Roerich, o pintor que por fim projetouos cenários para o balé; só depois é que apresentou a idéia

de seu “balé primitivo” a Diaghilev. Este ficou imediatamentefascinado. O que também se deu com Nijinsky, quando começou a participar do pròjeto. Na verdade, todos estavam tãoexcitados e tão interessados pelo potencial de inovação básicaque consideraram Fokine conservador demais para ser o coreógrafo da partitura. No final de 1912 Stravinsky, com aimpressão de que Fokine iria ser, apesar de tudo, o coreógrafo, escreveu de Monte Cario à sua mãe:

Diaghilev e Nijinsky estão loucos por meu novo rebento, Le Sacre du printemps.  O desagradável é que terá de serfeito por Fokine, que considero um artista exaurido, alguém que percorreu sua estrada rapidamente e que seesgota a cada nova obra. Schéhérazade  foi o ponto altode suas realizações e, conseqüentemente, o começo deseu declínio... Novas formas devem ser criadas, e o

 perverso, o voraz e talentoso Fokine sequer sonhou comelas. No início de sua carreira parecia ser extraordinariamente progressista, mas quanto mais eu conhecia a suaobra, mais compreendia que, em essência, ele não eranovo coisíssima nenhuma.2

A novidade, portanto, era um sine qua non  para Stravinsky.“Não posso... compor o que desejam de mim”, queixou-se

mais tarde a Benois, “o que seria me repetir”. Este era o errode Fokine como coreógrafo; este era o erro de outros com positores: “É por isso que as pessoas se esgotam.”3 E Stravinsky não tinha nenhuma intenção de perder sua capacidade dechocar.

Fokine já estava aborrecido com Diaghilev por ele ter permitido que Nijinsky fizesse a coreografia para o Faune, e,no final de 1912, a ruptura se consumou. Nijinsky foi esco

lhido para fazer  Le Sacre.  Não havia dúvida de que ele agoraestava* decidido a romper com as convenções de um modo

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muito mais dramático do que no Faune.  Havia até um tomapocalíptico em seu temperamento. Em dezembro de 1912,

 por exemplo, Nijinsky transmitiu a Richard Strauss, via Hugovon Hofmannsthal, um pedido para que Strauss compusesse para ele “a música mais livre, menos dançável do mundo

"Ser levado por você”, Hofmannsthal escreveu a Strauss, "paraalém de todos os limites da convenção é exatamente o que elealmeja; é, afinal, um verdadeiro gênio, e justamente ali ondea trilha não está traçada é que ele deseja mostrar o que podefazer, numa região como a que você desbravou em  Electra”.A

Os preparativos para  Le Sacre  ocorreram enquanto osBallets Russes excursionavam pela Europa durante o inverno

de 1912-1913, de Berlim, a Budapeste e Viena, a Leipzig eDresden, a Londres, e finalmente a Monte Cario para descanso e ensaios. De Leipzig, Nijinsky escreveu a Stravinskyem 25 de janeiro de 1913:

Agora sei o que  Le Sacre du printemps  será quando tudoestiver como ambos desejamos: novo, belo e totalmentediferente, mas para o espectador comum uma experiên

cia surpreendente e emocional.5

À medida que os ensaios se multiplicavam, Nijinsky começoua ter problemas com seus dançarinos, que achavam suas idéiasincompreensíveis e seu estilo destituído de beleza identificável.Ainda assim, embora houvesse alguns desentendimentos iniciais sobre tempi, Stravinsky estava cheio de admiração pelarealização de Nijinsky. "A coreografia de Nijinsky é incom

 parável”, afirmou pouco depois da estréia.

Tudo saiu como eu queria, com pouquíssimas exceções.Mas devemos esperar muito tempo até o público se acostumar com a nossa linguagem. Estou convencido do valordo que já realizamos, e isso me dá força para novos tra

 balhos.6

Pierre Monteux, o maestro da  première,  chamava a maior parte da música tradicional que tinha de reger de la sale mu-

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Nijinsky, fotografado por Stravinsky em Monte Carlo, 1911. (Robert Craft)

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Stravinsky e Nijinsky vestido para o papel de 

Petrushka. (Bibliothèque Nationale, Paris)

Diaghilev e Cocteau. (Bettman/BBC Hulton)

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Berlim, palácio imperial, l.° de agosto de 1914. A multidão saúda 

o kaiser. (Bettman/BBC Hulton)

Petrogrado, Perspectiva Nevsky, 3 de agosto de 1914. A foto foi 

retpcada de maneira laboriosa mas tosca. Por quê? A cabeça 

do menino menor, na primeira fila, não combina com o corpo.

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Paris, Gare de l’Est, 2 de agosto de 1914. (Bettman/BBC Hulton)

Londres, Trafalgar Square, 4 de agosto de 1914. (Bettman/BBC 

Huîton)

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Natal alemão, 1914. Esta foto foi tirada na Frente Oriental, perto de 

Darkehmen. Parece posada, mas realmente ocorreram comemorações nas 

frentes ocidental e oriental. (Ullstein)

Paz na terra: dia de Natal de 1914. Britânicos e alemães se encontram na terra de 

ninguém perto de Armenthières. Não se permitia a entrada de máquinas fotográficas 

na linha de frente; por isso as fotos eram quase sempre tiradas sub-repticiamente.' 

O resultado é evidente nesta foto. (Imperial War Muséum)

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Balé da batalha. Os censores franceses não permitiram que 

esta foto fosse publicada durante a guerra. (ECPA)

Natal de 1916. Tropas britânicas comem sua ceia de Natal num buraco aberto por 

uma bomba perto de Beaumont Hamel. Desta vez não houve confraternização depois 

da ceia. (Imperial War Museum)

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Estrada de Menin. (Imperial War Museum)

 Menin Road , de Paul Nash. (Imperial War Museum)

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Sentinela blindado. (Times 

Newspapers, Ltd.)

Dançarinos dadaístas. (Fundação Arp)

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sique*  e conseqüentemente estava muito excitado com a obra

de Stravinsky. Numa carta de 30 de março, informou ao

compositor:

Ontem finalmente ensaiei todas as três obras [Pássaro 

de fogo, Petrushka  e  Le Sacre'].  Que pena que você nãoestivesse aqui, e principalmente que não possa estar pre

sente para a explosão de  Le Sacre.7 

Assim, das intenções de Diaghilev à concepção de Stra

vinsky, aos objetivos e profecias de Nijinsky e à impressão

de Monteux de que  Le Sacre  seria uma experiência explosiva,

uma atmosfera de expectativa, provocação e tensão cercou a

criação do balé. Não há dúvida de que algum tipo de scandale 

foi não só premeditado como esperado. No final do ano Stra

vinsky escreveu à sua mãe antes que ela fosse ouvir, pela

 primeira vez, a última composição do filho em São Peters-

 burgo: “Não se assuste se receberem  Le Sacre  com assobios.

Isso faz parte da ordem das coisas.”3 Não era um reconheci

mento que lhe vinha do fato consumado; era uma intenção

embutida dentro da música.Alguns argumentam que o balé russo e o esteticismo como

um todo eram basicamente apolíticos. Afirmar tal coisa é igno

rar as origens sociais da arte j í   interpretar mal as implicações

sociais da revolta moderna. jO esteticismo era antipolítico na

medida em que procurava na arte, e não em partidos e par

lamentos, um meio de fortalecer a vida. Entretanto, exatamen

te ao formular estas prioridades, comportava-se de modo emi

nentemente político. Além disso, apesar de ser quase semprereticente ou ambíguo em sua reação aos movimentos e acon

tecimentos políticos, demonstrava, por definição, uma sim

 patia básica para com as tendências progressistas e até revo

lucionárias, porque o esteticismo fundava-se claramente na

rejeição dos códigos e valores sociais existentes. Numa entre

vista ao  New York Times  em 1916, Diaghilev proclamou:

* Música suja.

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Éramos todos revolucionários. . . quando lutávamos pelacausa da arte russa, e. . . foi só por mero acaso que deixei de me tornar um revolucionário em outras coisas quenão fossem cor ou música.9

Os distúrbios de 1905, na Rússia, tinham provocado muitas manifestações de simpatia no círculo do  Mundo da Arte. Em suas primeiras reações aos acontecimentos, Diaghilev foida aprovação ao temor, mas em outubro estava encantado como manifesto do czar prometendo uma constituição para a Rússia. “Estamos exultantes”, observou sua tia na época. “Ontem tomamos até champanhe. Você nunca adivinharia quemtrouxe o manifesto... Seroja [o pequeno Serge, isto é, Diaghilev], dentre todas as pessoas. Maravilhoso.” Diaghilev atéescreveu uma carta ao secretário de Estado, propondo um ministério das belas-artes.10 Em outras palavras, arte e liberação deviam andar de mãos dadas.

Mas quais eram as implicações morais e sociais desta busca de liberdade? Apesar da fascinação da vanguarda pelasclasses mais baixas, pelos párias sociais, prostitutas, criminosos e loucos, o interesse usualmente não se originava de uma

 preocupação prática com o bem-estar social ou com uma rees

truturação da sociedade, mas provinha de um simples desejode eliminar as restrições à personalidade humana. O interesse

 pelas camadas sociais mais baixas era assim mais simbólicodo que prático. A busca era a de uma “moralidade sem sanções e obrigações”. A ordem nietzschiana “Du sollst werden,wer du bist”*  era a suprema lei moral. “Sinto grande prazera cada nova vitória da revolução...”, escreveu KonstantinSomov a Benois em 1905, “sabendo que não nos levará a um

abismo, mas à vida. Odeio demais o nosso passado. . . Souum individualista; o mundo todo gira ao meu redor, e essencialmente não me interessa sair dos limites deste ‘eu’.”11

Como em  Das Einzige und sein Eigentum**  (1845) deMax Stirner, que alcançou uma nova popularidade no fim doséculo, o mundo estava aqui condensado no elemento indi-

* Você deve se tornar quem você é.** O ego e o próprio dele.

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vidualista: “Para mim nada é mais elevado do que eu pró prio ”, dizia Stirner. O impulso libertário e anarquista, eminentemente político, é fundamental para a revolta moderna.

D. H. Lawrence só devia escrever seu romance abertamente político, Kangaroo, depois da guerra, mas sua arte já

tinha conotações políticas, se compreendermos a política comoalgo mais do que as estruturas formais do discurso social e aconsiderarmos como toda mediação entre os interesses do indivíduo e do grupo. Quando Anna dançou, grávida e nua, diantedo marido em The Rainbow,  que Lawrence escreveu nos anosanteriores à guerra e publicou em 1915, “ela se balançava para trás e para a frente como uma espiga de milho madura,lívida no crepúsculo da tarde, ziguezagueando diante da luz

do fogo, dançando sua inexistência. . . Ele esperava obliterado”.

Apesar da estranha beleza de seus movimentos, ele não podia compreender por que ela estava dançando nua. “ ‘Oque está fazendo?’ disse asperamente. 'Vai pegar um resfriado.’ ”12

A dança era a arte de Anna. Era a arte de uma IsadoraDuncan que claramente inspirou esta passagem. Era a arte

de Nijinsky. Pertencia a eles e não a qualquer marido, amanteou público. A arte como ato apagava maridos, amantes e pú blicos. Arte era liberdade.

Mas a liberdade só tinha significado em relação ao pú blico. A dança de Anna nada significaria sem o seu marido.E assim, paradoxalmente, o público negado era fundamental

 para a arte. O acte gratuit   transformou-se em um fogo-fátuo,e o elemento individualista também se tornou um elemento ex

tremamente social e, portanto, político.

O PÜBLICO

Ao lado de Veneza, Paris é a cidade mais impregnada de

significado metafórico para o mundo ocidental. É uma cidadede juventude e romance, mas também de experiência e pesar;

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de exuberância e melancolia; de idéias audazes e sonhos es

maecidos; de estilo grandioso e frivolidade. Muitos encon

traram na cidade uma combinação de disparidades, uma com-

 pletitude sem rival, e partilharam da lembrança que William

Shirer guardava dela: “tão perto do paraíso nesta terra como

ninguém jamais esteve”.1Quem nunca imaginou ou recordou “aquele verão em

Paris”, mesmo que ele ou ela nunca tenha posto nem jamais

venha a pôr os pés num quai  ao longo do Sena? Harold Ro-

senberg, em 1940, depois da queda da cidade nas mãos dos

alemães, descreveu Paris como “o Lugar Sagrado de nossos

tempos. O único”. Repetia as palavras e sentimentos de Hein-

rich Heine, que um século antes tinha chamado Paris de “a

nova Jerusalém”, e de Thomas Appleton, cuja idéia era queParis é o lugar para onde vão os bons americanos quando mor

rem. O que sugerem estes elogios é que Paris de alguma forma

conseguiu aproveitar suas discordantes energias urbanas —

seu aglomerado de humanidade, seus conflitos de classe, suas

concentrações de cobiça e desespero — e tratar de seus pro

 blemas físicos de modo a produzir um rico e estimulante efeito

espiritual.

A partir de meados do século passado, a cidade havia realmente contribuído muito para encorajar essa imagem: desde os

consideráveis melhoramentos introduzidos na cidade sob a dire

ção do prefeito do Sena na época de Louis Napoleon, o Barão

Haussmann, à repetida organização de pródigas e dispendiosas

exposições mundiais, aos acréscimos e aperfeiçoamentos arqui

tetônicos feitos por pessoas como Violet-le-Duc, à construção

da Torre Eiffel e do Sacré Coeur, às leis de censura relativa

mente frouxas que permitiam diversões e publicações que teriam pouca chance de sobrevivência em qualquer outra parte da Eu

ropa, e, finalmente, à moralidade intencionalmente ambígua,

moralidade não encontrada em nenhuma outra parte da Eu

ropa, que tolerava uma vida de rua cheia de absinto, cafés

e garotas.

Havia, entretanto, um outro lado do retrato, um lado que

se tornou mais visível à medida que o século se aproximava

de seu fim. Era o lado passivo, letárgico e duvidoso de Paris,Paris como objeto, como vítima; Paris como o lugar de crise,

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como o  Iccus  de uma cultura de crise; Paris como o sítio

de um tédio esmagador, a que Barrés se referiu em 1885:

“Uma profunda indiferença nos devora.”3 Paris tornara-se um

símbolo cultural, como Harold Rosenberg notou inteligente

mente em seu artigo de 1940, “não apenas por causa de seu

gênio afirmativo, mas talvez, ao contrário, por sua passividade,que lhe permitia ser possuída pelos exploradores de todas as

nações”. Em 1886, o velho Oliver Wendell Holmes achou a

cidade “monótona e melancólica. . . ociosa e apática*.4 Três

quartos de século mais tarde, um garçom disse a Jack Kerouac:

“Paris est pourri.”*5

Politicamente, Paris, depois da grande Revolução de

1789, foi um centro de radicalismo messiânico por mais de

um século, até este papel ser usurpado por Moscou em 1917.O símbolo, entretanto, era mais importante que a realidade.

 Naquele século foram poucos na França os períodos de ge

nuína tolerância política em que elementos radicais podiam

fazer proselitismo livremente, e o destino dos ideais da Re

volução — liberdade, igualdade e fraternidade — evocava

muito sarcasmo e desprezo. Duas semanas antes da  première 

de  Le Sacre, Georges Clemenceau por duas vezes se feferiu,

em discursos, ao mal  na vida francesa “que nos corrói”: a

incapacidade dos franceses para se organizarem num sistema

 político aceitável.6

 No curso de seu desenvolvimento, Paris tornou-se não

apenas a ville des lumières, mas também um símbolo da peste

urbana. A população tornou-se mais concentrada e densa na

área central. Embora o centro da cidade fosse o mais belo

do mundo, os banlieux  ou subúrbios podiam reivindicar um

lugar entre os mais feios. Aubervilliers, Les Lilas e Issy-les-

Moulineaux, construídos nos últimos vinte e cinco anos doséculo XIX numa tentativa de contra-atacar o congestionamen

to, são nomes líricos para sombrios subúrbios industriais.

Eram numerosos os bairros miseráveis sem saneamento ade

quado; em 1850 apenas uma em cinco casas tinha água. Paris

era incontestavelmente a capital ocidental dos vagabundos e

mendigos.

* Paris está podre.

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Todas as principais cidades européias se viram diantede problemas semelhantes na expansão industrial do século passado, mas em Paris o exemplo da ação política radical tinhadeixado sua marca, e as tensões sociais vieram à tona duasvezes de forma particularmente perversa. Nos dias de junho

de 1848 e durante a Comuna de 1871 o ódio de classes ex plodiu e destruiu imensos setores da cidade. Mais pessoasforam mortas em uma semana de luta de rua em maio de1871 do que em todo o período do terror jacobino, e a cidadefoi danificada em muito maior escala do que em qualquerguerra anterior ou posterior. Dizia-se que os grandes bulevares que o Barão Haussmann abriu no atravancado centro dacidade nas décadas de 1850 e 1860, a fim de dar a Paris sua

 peculiar elegância urbana e leveza cultivada, teriam sido pro jetados, pelo menos em parte, com o intuito de reduzir a possibilidade de barricadas e de proporcionar às tropas não sótrânsito rápido dos quartéis ao centro mas também galerias detiro desobstruídas para o confronto com as classes dangereu- $es  em caso de luta civil. A tensão política era, portanto, umaconstante na vida de Paris e refletia a luta geral pela supremacia entre passado e futuro.

 Na década de 1880 o cavalo ainda dominava Paris. AÉtoile e os Champs-Elysées, rodeados de estábulos e escolasde equitação, eram o centro dos vendedores de cavalos. Ocavalheiro elegante, monóculo preso na aba da cartola, cravona lapela, brilhantes botas de montaria, falava constantementedo Jockey Clube e do concurso hípico. Palafreneiros descansavam nos cafés da rua de Pouthieu e da rua Marbeuf. Ocheiro de estrume de cavalo impregnava o ar, e os pedestres

achavam natural caminhar no meio da rua. Entretanto, em poucos anos, o automóvel tinha invadido Paris. Em 1896,Hugues le Roux, um jovem jornalista, avisou ao prefeito de

 polícia que andaria com uma pistola para enfrentar os motoristas de automóveis que ameaçavam a sua segurança e a desua família nas ruas. A polícia, ele acusava, parecia totalmente despreparada para tomar qualquer medida contra osmotoristas lunáticos que haviam tornado as ruas de Paris mor

talmente perigosas.7 Setenta anos depois de ter chegado a Paris pela primeira vez no outono de 1904, quando se sentou com

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Gabriel Astruc no Café de la Paix, Arthur Rubinstein recor

dou os odores da ocasião, perfume e cheiro de cavalo.8 Ex

 pressou-se com delicadeza em suas memórias. Se quisesse ser

franco, poderia ter dito que se lembrava de uma mistura de

 perfume fino, descarga de motores e estrume. Isso teria ex

 pressado um pouco mais claramente os opostos que haviam setornado tão marcantes em Paris, à medida que a cidade cres

cia no século passado, opostos que nunca foram mais eviden

tes do que na atmosfera brilhante mas crepuscular da belle 

époque.

Paris e toda a França se viam cada vez mais absorvidas

nestas contradições, enquanto o século se aproximava de seu

fim. Depois da estarrecedora derrota do Segundo Império de

Louis Napoleon em 1870-1871 frente aos prussianos e da desastrosa guerra civil travada em Paris, o tradicional senso

de grandeza e preeminência francesa na Europa deparou-se

com a memória recente do desastre. Uma consciência parali-

sante de declínio, junto com uma controvertida busca das raí

zes do mal, impregnou a vida francesa na Terceira República.

Procuravam-se inimigos dentro e fora: as cicatrizes de guerra

eram freqíientes; os escândalos públicos pareciam multiplicar-

se, acompanhados por uma grande quantidade de atentadosanarquistas, sendo o mais divulgado, embora fosse o que ti

vesse custado menor número de vidas humanas, o que ocorreu

na Câmara dos Deputados em 9 de dezembro de 1893; e o

caso Dreyfus, que rachou todo o país na última década do

século, foi simplesmente o símbolo mais sensacional da fra

queza e do turbilhão.

 Numa era de imperialismo a França perdeu terreno na

 busca de colônias. Seu comércio externo declinou. Enquanto partes do mundo passavam para uma segunda fase de indus

trialização depois de 1890, a França não acompanhou o ritmo,

e os franceses, exemplificando a dúvida que tinham a respeito

de si próprios, demonstravam mais disposição a investir di

nheiro no exterior do que em casa. E enquanto a taxa de na

talidade de seus vizinhos, particularmente a da Alemanha,

crescia de modo significativo, a da França diminuía.

Até Paris parecia ter parado de se desenvolver depois de1880. A população da cidade aumentava apenas porque as

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áreas da periferia eram incorporadas aos limites metropolita

nos. Foram necessários mais de vinte anos, até 1907, para

que se concluíssem os planos de Haussmann para o Boule-

vard Raspail, e a própria avenida que recebeu o seu nome,

em homenagem às suas realizações, ficou inacabada durante

cinqüenta anos, até a década de 1920. Letargia e uma incômoda consciência de degeneração defrontavam-se assim com

um legado de grandeur   e gloire.  O embaixador alemão em

Paris percebeu isso em 1886; em outubro o Conde Münster

 passou um cabograma para Berlim: “O desejo de que haja

algum dia uma guerra santa é comum a todos os franceses;

mas a exigência de que se cumpra logo esse desejo é recebida

com ceticismo."9

Até como árbitro cultural do mundo, papel que a maioria dos franceses considerava um legado internacional per

manente e, portanto, um direito inato, o país se sentia inde

ciso. Na segunda década deste século Paris parecia estar muito

mais enlevada com a cultura estrangeira do que com a sua:

em junho de 1911, por exemplo, houve uma saison belge  em

Les Bouffes, uma saison italienne  no Châtelet, uma saison 

russe  do outro lado da praça, no Sarah Bernhardt, e uma sai

son viennoise  no Vaudeville. Embora importantes composiçõesde Charpentier, Fauré, Ravel, Schmitt e Debussy fossem exe

cutadas pela primeira vez na primavera e no verão de 1913,

toda a recènte excitação e comoção parecia ser gerada por

compositores e artistas estrangeiros: Strauss, Mussorgsky, Kuz-

netsova, Chaliapin e os Ballets Russes. Além do mais, os es

trangeiros, principalmente os russos, mostravam-se freqüente-

mente inclinados a considerar suas contribuições com um ar

de superioridade e até com arrogantes pretensões à arte su prema. “Mostramos aos parisienses”, afirmou Alexandre Be-

nois depois da temporada russa de 1909, “o que o teatro de

veria se r ... Esta viagem foi, sem dúvida, uma necessidade

histórica. Somos na civilização contemporânea o ingrediente

sem o qual ela seria inteiramente corroída”.10

Entretanto, se a arte inovadora dos estrangeiros desper

tava fascinação, rebeldes nativos como os fauvistas eram denun

ciados como agentes da anarqiua e decomposição. Por exem plo, o influente crítico Samuel RocheblaVe lamentava na época

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que a pintura na França desde Courbet tivesse perdido o auto

controle, tornando-se polêmica, política e nada mais do que

espetáculo. O  fin-de-siècle,  em sua opinião, era um sinônimo

de anarquia manifesta, importada do exterior. O impressionis

mo, que decompôs a cor e a luz, e o cubismo, que decompôs

a forma sólida, não eram estilos franceses, mas algo que seaproximava da “barbárie”. “Plus d’école”,  dizia ele com um

suspiro, “mais une poussière de talents; plus de corps, mas 

des individus”.*n

Se um importante impulso por trás da experimentação

artística na virada do século era a busca de liberação, o rom

 pimento, em termos morais e estéticos, com a autoridade cen

tral, o patriarcado, o conformismo burguês, em suma, a tra

dição européia que tinha sido ditada em grande parte por

Paris, não constituía surpresa que uma fração considerável

do impulso psicológico e espiritual para esse rompimento

viesse das periferias geográficas, sociais, geracionais e sexuais.

A ênfase na juventude, na sensualidade, na homossexualidade,

no inconsciente, no primitivo e nos socialmente destituídos

 provinha, na maioria dos casos, não de Paris, mas dos confins

da hegemonia tradicional. O movimento moderno estava cheiode exilados, e a condição de exilado, ou a “batalha nas fron

teiras”, como o francês polaco-italiano Apollinaire denominava

a atividade de seu grupo, tornou-se um tema predominante da

mentalidade moderna. A primeira peça do jovem Henry de

Montherlant, escrita em 1914 quando o dramaturgo tinha

dezoito anos, chamava-se  L’Exil.  No mesmo ano, James Joyce

compunha o primeiro esboço de sua peça  Exiles. Paris, em

virtude de suas associações míticas com os ideais revolucionários, tornou-se o refúgio de muitos desses exilados, inclusive

Joyce, e assim o principal cenário da revolta moderna. Quan

do lhe perguntaram quais eram os grandes artistas  franceses  de

seu tempo, Cocteau respondeu: Picasso, Stravinsky e Modiglia

ni.12 Por volta de 1913, Paris havia se tornado, como Jacques-

* Não há mais escolas, apenas indícios de talento; não há mais grupos, só indivíduos.

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Émile Blanche escreveu em novembro daquele ano, a gare cen- trale  da Europa;13 um centro de desenvolvimentos, mas nãoinovador.

A condição econômica e política geral da França na belle êpoque  fornecia, é claro, o pano de fundo para a teatralida

de, e as preocupações culturais estavam ligadas a interesses políticos e estratégicos. Em ambos, a vulnerabilidade era a característica predominante. Quando um tratado franco-russo sematerializou em 1893, pondo fim a um quarto de século deisolamento diplomático maquinado em grande parte por Ottovon Bismarck, Paris irrompeu num júbilo que beirava a histeria. Caixas de fósforos com retratos do czar, cachimbos deKronstadt e carteiras de Neva faziam furor. Retratos do

czar e da czarina eram dependurados nos quartos das crianças. Tolstoi e Dostoievski tornaram-se a leitura favorita.

Ao interesse pela Rússia deve ser acrescentada uma obsessão pela Alemanha. Depois da derrota de 1870-1871, depois da

 perda das províncias de Alsácia e Lorena para os alemães, e de pois da humilhação adicional de ver o Reich Alemão proclamado no Salão dos Espelhos em Versailles, a Prússia-Alema-nha tornou-se não apenas o inimigo desprezado, mas a encarnação do mal e, portanto, a antítese da França. A botte 

 ferrée  de Bismarck, assentada sobre a nuca da França, tornou-se a imagem inevitável da relação de Hermann com Ma-rianne. Entretanto, neste papel mefistofélico sádico, a Prússia-Alemanha também se transformou, é claro, em fonte de interesse absorvente, interesse expresso a princípio cautelosamentemas depois de forma mais aberta. O tratamento dispensado

a Wagner é ilustrativo. Antes de meados da década de 1880,qualquer manifestação de apreço pelo compositor alemão tinhade ser quase sub-reptícia, e propostas de executar suas obrasem Paris eram recebidas com franca oposição. Na década de1890, entretanto, uma onda wagneriana estava em curso, e a

 peregrinação a Bayreuth tornara-se moda. Wagner claramenteinfluenciou Mallarmé, Proust e Debussy. Em 1913 o centenário de Wagner foi festejado em Paris com representações

de Tristão  e todó o ciclo do Anel dos Nibelungos, extravagância que. teria sido impensável uma geração antes.

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Algumas breves Jinhas melódicas, inspiradas em temas fol

clóricos russos, surgiam certamente, mas, a não ser isso, a

música não tinha nenhuma relação evidente com a tradição

do século XIX, nem mesmo com o impressionismo. As leis

da harmonia e do ritmo pareciam ser violadas. Foram inten

cionalmente escolhidos instrumentos sem vibrato, a fim de eliminar qualquer traço de sentimentalidade. Criaram-se novos

sons com o emprego de registros extremos para as madeiras

e as cordas. A orquestra exigida era imensa, 120 instrumen

tos, com uma alta porcentagem de percussão, o que podia pro

duzir uma formidável explosão de sons. Com sua violência,

dissonância e evidente cacofonia, a música era tãó enérgica

e primitiva quanto o tema. Debussy disse de  Le Sacre  que era

"algo extraordinário, selvagem. Talvez se pudesse dizer queé música primitiva com todos os recursos modernos”.2 Um

crítico chamou-a de "música ho tento te refinada”; outro afir

mou que era "a composição mais dissonante já escrita. Nunca

o culto da nota errada foi celebrado com tanta diligência, fer

vor e ferocidade”.3 Se o tema questionava a própria noção

de civilização, e se a música sublinhava este desafio, a coreo

grafia de Nijinsky aumentava a provocação. Todo virtuosis

mo foi eliminado. Não havia um único  jeté, pirouette  ou ara-besque.  Por ironia, o homem cuja surpreendente graça e agi

lidade tinha sido freneticamente aclamada em anos anteriores

 parecia ter riscado de sua composição todos os vestígios de

suas próprias conquistas. O movimento foi reduzido a pulos

 pesados, com os dois pés, e a um caminhar nem uniforme

nem ritmado. Gomo em todas as composições de Nijinsky, ha

via uma posição básica: desta vez consistia em pés virados

 para dentro com grande exagero, joelhos dobrados, braços presos ao corpo, cabeça de perfil com o corpo em posição fron

tal. Em outras palavras, a pose clássica era inteiramente con

traditada pelo que a muitos parecia uma contorção de cam

 baios. Nijinsky chamava seus movimentos de "gestos estili

zados” para enfatizar o abandono do fluxo e ritmo da dança

clássica, acentuar as desconexões, a irregularidade, da exis

tência. Os dançarinos não eram mais indivíduos mas partes

da composição. A maioria dos movimentos se dava em gru pos. Como não havia melodia a ser seguida, os dançarinos

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tinham de acompanhar o ritmo, mas até isso era extraordi

nariamente difícil, pois cada novo compasso obedecia a uma

diferente indicação de tempo. Para aumentar a complexidade,

exigia-se muitas vezes de diversos grupos de dançarinos que

seguissem no palco ritmos diferenciados. Quando Diaghilev e

 Nijinsky visitaram Dalcroze em sua escola de euritmia em1912, tinham persuadido Marie Rambert a abandonar Helle-

rau e ingressar nos Ballets Russes a fim de ajudar Nijinsky

a ensinar ritmo ao corps de ballet.  O público da noite de es

tréia não foi o único a considerar o trabalho de Nijinsky de

difícil compreensão. Muitos de seus próprios dançarinos

tinham deixado claro que achavam o trabalho feio e repulsivo.

Os críticos foram, em geral, selvagens em relação a Ni

 jinsky. Henri Quittard continuou .\ia cruzada contra a coreografia de Nijinsky, a quem chamou de “colegial frustrado” a

um passo da loucura.4 Louis Laloy icusou-o de ser “totalmen-

tc desprovido de idéias e até de bom senso”.5

Os cenários de Roerich foram o único elemento do balé

a não alardear novidade e, como resultado, foram virtual

mente ignorados. Entretanto, com seu uso de vermelho, verde /.

c branco em combinações que lembravam a pintura de^ícones,

complementavam quietamente a sensação de exotismo e deinfluência popular russa.

Como observou Jacques Rivière, o mais sagaz dos comen

taristas contemporâneos, a assimetria é a essência de  Le Sacre.

O tema, a música e a coreografia eram todos angulosos e

 bruscos. Entretanto, paradoxalmente, como se pode ver, a

assimetria é estilizada e altamente controlada. Há uma pode

rosa unidade no balé. Existe implícita na obra uma turbu

lência arrebatadora, uma densa mistura de instinto, sensualidade e destino. Nas palavras de Rivière, é “a primavera vista

de dentro para fora, com sua violência, seus espasmos e suas

fissões. Temos a impressão de estar assistindo a um drama

através de um microscópio”.

O balé contém e ilustra muitas das características essen

ciais da revolta moderna: a franca hostilidade à forma her

dada; a fascinação-pêlo primitivismo e, na verdade, por qual

quer coisa que contradiga a noção de civilização; a ênfaseno vitalismo em oposição ao racionalismo; a percepção da

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Desta vez os bárbaros russos, liderados por Nijinsky, “umaespécie de Átila da dança”, foram realmente longe demais.Receberam vaias e reagiram com surpresa.

Parece que não têm consciência alguma dos costumes e

 práticas do país de cuja hospitalidade estão abusando edão a impressão de ignorar o fato de que freqüentementetomamos medidas enérgicas contra comportamentos absurdos.

Um acordo, entretanto, talvez pudesse ser negociado com osrussos.

 Nijinsky teria de consentir em não' encenar mais balésque aspiram a um nível de beleza inacessível para nossasfracas mentes, e não mostrar mais mulheres “mpdernas”de trezentos anos, nem meninos pequenos mamando em

 peitos, nem, por falar nisso, peitos. Em troca dessas concessões, continuaríamos a assegurar-lhe que é o maior bailarino do mundo, o mais belo dos homens, e lhe daríamos prova disso. Viveríamos então em paz.

E o artigo concluía observando que um grupo de atores poloneses estava para chegar a Paris. Seria melhor que se contivessem e não dissessem aos franceses que a única arte verdadeira é a arte polonesa.

 Na frente do busto de Molière, era*melhor que não gritassem: Vive la Pologne, monsieur!

 Não é preciso dizer que Alfred Capus deve ter se sentido muitosatisfeito consigo mesmo ao saborear seu humor de cabaréem letra de fôrma naquela segunda-feira do início de junho.

Um ano mais tarde, em meio à “crise de julho” provocada pelo assassinato do arquiduque austríaco, um certo Mau-rice Dupont, num artigo em  La Revue Bleue,  censurou a curiosidade de sua época, que ele não via como um sinal de ativi

dade intelectual superior, mas como um inquietante sintomade doença. “Um ser humanp saudável não é curioso.” Ele via

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no entusiasmo que a companhia russa havia gerado um sinal

de lamentável desequilíbrio espiritual. O caráter essencial de

uma obra como  Le Sacre  era o niilismo, dizia ele. A obra

tinha intensidade, mas faltava-lhe amplitude. Entorpecia os

sentidos ao invés de elevar a alma. Era uma “orgia dionisíaca

sonhada por Nietzsche e suscitada por seu desejo profético deser o farol de um mundo que se arremessa para a morte”.

Dupont pensava, entretanto, que havia alguma razão para es

 perança, a prova mais espetacular da sanidade mental fran

cesa tendo sido a demonstração estridente com que  Le Sacre 

fora recebido.8

Quando seu artigo saiu publicado, Dupont provavelmente

notou com alívio que Gabriel Astruc tinha ido à bancarrota.

 Nijinsky casara-se com Romola de Pulszky e, conseqüentemen-te, fora excluído da trupe de Diaghilev. Em suma, a “onda

moderna” sofrera contratempos. Ele poderia também ter no

tado, porém, que os cientistas se ocupavam com a possibili

dade de o mundo vir a acabar. Na  Revue des deux mondes,

Charles Nordmann escrevia:

 Na vida das sociedades, assim como na dos indivíduos,

existem horas de desconforto moral, quando o desesperoe a fadiga estendem suas asas de chumbo sobre os seres

humanos. Os homens começam então a sonhar com o

nada. O fim de tudo deixa de ser “indesejável”, e sua

contemplação é, de fato, consoladora. Os recentes deba

tes entre os cientistas sobre a morte do universo talvez

sejam o reflexo destes dias sombrios.9

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II

BERLIM^

O curioso é que em toda parte os cidadãos se tornaram 

dançárinos.A i .f r e d   Wo l f e n s t e in  

1914

O bater de janelas e o estilhaçar de vidro são os 

robustos sons de vida nova, os gritos de algo recém- 

nascido.El ia s   Ca n e t t i

No Canal de Yser, onde os regimentos de reserva dos 

 jovens voluntários atacaram, lá está a nossa ver sa- 

 crutn. . . O sacrifício que fizeram por nós significa 

uma primavera sagrada para toda a Alemanha.

Fr i e d r i c h   Me in e c k e  

1914

VER SACRUM 

“A Alemanha declarou guerra à Rússia — natação à tarde."Esta foi a incisiva nota no diário de Franz Kafka referente

a 2 de agosto de 1914.1

Os dias daquele verão foram longos e cheios de sol; as

noites, suaves e enluaradas. Ter sido uma estação bela e ines-

quecível é parte da memória daquele verão de 1914, parte de

sua pungência e de sua mística. Entretanto, não é para evocar

o sol e as estações de águas, as regatas de barcos a vela e as

tardes sonolentas — por mais importantes que sejam essasimagens para o nosso sentido poético daquele verão antes da

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tempestade — que começamos este capítulo com uma referência ao tempo; é muito simplesmente porque os belos diase noites daqueles meses de julho e agosto encorajaram os europeus a sair de casa e expor suas emoções e preconceitosem público, nas ruas e praças de suas grandes e pequenas cida

des. As enormes demonstrações de sentimento público desem penharam um papel crucial na definição do destino da Euro pa naquele ano.

Se tivesse sido um verão frio e chuvoso, como o do anoanterior e o do seguinte, será que se teria criado uma atmosfera de feira propícia à oratória fácil das ruas e à histeriada massa? Será que os líderes teriam sido levados a declarara guerra tão prontamente? Há provas de que as cenas de mul

tidões chauvinistas em Berlim, São Petersburgo, Viena, Parise Londres, nos últimos dias de julho e nos primeiros de agosto,impeliram os líderes políticos e militares da Europa ao confronto.' Foi certamente o que ocorreu na Alemanha. E a Alemanha foi a matriz da tempestade.

Depois que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinandofoi assassinado, junto com sua mulher, no dia 28 de junhoem Sarajevo, durante sua visita imperial às províncias de Bós-

nia e Hercogovina, foi só por causa do sólido apoio alemãoque o governo austríaco decidiu adotar uma política intransigente para com a Sérvia, que, suspeitava-se, tinha dado apoiomoral e ajuda material ao grupo terrorista que executou oatentado contra o príncipe herdeiro da Áustria. Em Berlim,nas fases críticas da tomada de decisão, grandes manifestações mostraram que a população desejava firmeza e compro-metimeqto com uma resolução vitoriosa e agressiva da crise.

A excitação, já elevada no início de julho, atingiu uma intensidade febril perto do fim do mês.

Em 25 de julho, um sábado, ao entardecer, grandes multidões apinhavam-se nas ruas, esperando a resposta da Sérviaao draconiano ultimato austríaco do dia 23, o qual fazia umasérie de exigências que os sérvios teriam claramente dificuldade em aceitar. O chanceler alemão, Bethmann Hollweg, estava tão inseguro quanto à reação popular ao ultimato, e tão

 preocupado com uma possível reação negativa dos berlinen-ses, que sugeriu ao kaiser que não voltasse ainda do seu cru-

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zeiro norueguês anual. Um quixotesco Guilherme ficou pro

fundamente ofendido com a sugestão, mas, presumivelmente,

ansioso também: “As coisas ficam mais loucas a cada minuto!

Agora o homem me escreve que não devo aparecer diante dos

meus súditos!”

Mas Bethmann tinha interpretado mal o ânimo da po pulação. Um repórter do Tägliche Rundschau  nos deixou,

numa prosa ofegante, uma descrição de multidões arromban

do camionetas de entrega de jornais em busca de notícias sobre

a resposta sérvia, rasgando os jornais ao abrir, e lendo com

arrebatado interesse. De repente explode um grito:  Et jeht los!  — um modo berlinense de dizer: “Começou!” A Sérvia rejei

tou o ultimato austríaco!  Et jeht los!

Esta é a frase de todos neste momento. Ela fere fundo.

E de repente, antes que se tenha consciência do que

acontece, formou-se uma multidão. Ninguém conhece nin

guém. Mas todos são dominados por uma emoção sin

cera: Guerra, guerra e um sentimento de camaradagem.

Depois um rumor solene e festivo saúda a noite: “Es

 braust ein Ruf wie Donnerhall.”*2

Por volta das oito da noite uma grande massa humana

se move ao longo do Unter den Linden, o grandioso bulevar

central de Berlim, em direção ao Schloss, o palácio imperial.

 No arsenal ouvem-se gritos fortes de  Hoch Österreich**  e no

Schloss a multidão rompe a cantar “Heil Dir im Siegerkranz”.***

Outra multidão, de milhares de pessoas, dirige-se à

Moltkestrasse, para a embaixada austríaca, onde acampa, can

tando “Ich hatte einen Kameraden”,**** uma das marchasmais populares da Alemanha. O embaixador austríaco, Szõ-

gyény-Marich, aparece afinal numa sacada e é aplaudido lou

camente. Recolhe-se, mas as canções e os gritos continuam,

e ele se sente obrigado a aparecer mais uma vez para re

* Um estrondo como de trovão.** Viva a Áustria!

*** Salve, tu que levas a coroa da vitória.**** Eu tinha um camarada.

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ceber as expressões de solidariedade. Um repórter do Vossi-

sche Zeitung,  jornal liberal de Berlim, observa: “Os alemães

e os austríacos, o estudante e o soldado, o comerciante e o

trabalhador, todos se sentem unidos nesta hora extremamente

grave.”3

Depois do escurecer, por volta das onze da noite, uma

grande multidão se reúne na Porta de Brandenburg, depois

se dirige ao Ministério das Relações Exteriores na Wilhelm-

strasse, para finalmente seguir até o Ministério da Guerra.

Outros grupos se formam no Zoologischer Garten, em Kur-

fürstendamm e na Tauentzienstrasse. A massa de gente diante

do Schloss e outra multidão à frente do Palácio do Chan

celer do Reich continuam circulando até bem depois da

meia-noite.

O secretário de Bethmann, Kurt Riezler, anota em seu

diário que Bethmann está tão impressionado com a visão das

grandes e entusiásticas multidões que seu estado de espírito

visivelmente se anima e ele abandona os pressentimentos, es

 pecialmente quando fica sabendo que demonstrações seme

lhantes estão acontecendo por todo o Reich.4 Na verdade, ocor

rem até alguns incidentes feios, no sábado e novamente nodomingo, indicando a intensidade da emoção pública.

 No Café Fahrig em Munique, no sábado à noite, a mul

tidão fica tonta cantando canções patrióticas. Depois da meia-

noite os proprietários dão instruções ao regente da banda

 para diminuir a animação e finalmente à uma e trinta para

cessar de tocar. A clientela, entretanto, ainda não está satis

feita, e, diante das tentativas de fechar o estabelecimento

 por aquela noite, alguns patriotas começam a quebrar cadeiras e mesas e a despedaçar as vidraças das janelas com

tijolos.

 Na tarde seguinte, também em Munique, um sérvio ex

 pressa suas opiniões sobre a situação mundial e se vê logo

rodeado por uma grande multidão encolerizada, que está a

 ponto de linchar sua presa, quando a polícia chega. O sérvio

é salvo e conduzido para um restaurante local. Mas a mul

tidão grita por sangue e tenta arrombar o restaurante. Ummaior destacamento de polícia, comandado pelo próprio pre-

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o correspondente em Berlim de um jornal de Frankfurt àstrês da tarde daquela sexta-feira, "por toda parte a tensãodeu lugar ao júbilo”.7 Embora as autoridades insistam emafirmar que a declaração de Kriegsgefahr   não é de modoalgum sinônimo de declaração de guerra, e que esta última

depende de uma recusa russa a cancelar as ordens de mobilização, o povo alemão pensa de outro modo e já tem comocerto o resultado da crise. As donas-de-casa correm para asmercearias. Muitos proprietários de armazéns aproveitam aoportunidade para ganhar um dinheiro extra: o sal, a aveiae a farinha, todos têm significativo aumento de preço. Nasseções de alimentos das grandes lojas do centro de Berlim osenlatados são surripiados. No final da tarde, por ordem da

 polícia, alguns magazines fecham as portas.Enquanto as edições extras de jornais aparecem naquela

tarde de sexta-feira com as últimas informações. Unter denLinden se enche de gente. Muitos vêm esperar o kaiser quechega de Potsdam. Às duas e quarenta e cinco aparece o carroreal. Tem grande dificuldade em abrir caminho até o palácio imperial. Os aplausos são ensurdecedores. Atrás do carrodo kaiser vem o do príncipe herdeiro e da princesa e seusfilhos mais velhos. Estes são por sua vez seguidos pelos príncipes Eitel-Friedrich, Adalbert, August Wilhelm, Oskar eJoachim. Segue-se uma fila de limusines com os conselheirosimperiais. Todos os carros, do primeiro ao último, são saudados com hurras e canções patrióticas. O chanceler do Reich,Bethmann Holhveg, e o chefe do Estado-Maior, Moltke, chegam para consultas, demoram-se pouco e saem, acompanha

dos tanto na chegada como na saída por uma aclamação delirantemente entusiástica. Outros membros da família real tam bém vão deixando o palácio, e cada automóvel tem dificuldade para passar pela multidão excitada, que o  Berliner Lokal- 

 Anzeiger   estima em cinqüenta mil pessoas. Todos os que têm poder de decisão defrontam-se diretamente com a maciça efusão de entusiasmo do povo de Berlim. Nenhum deles jamaisviu tais manifestaões antes. Nenhum deles pode ignorar o

ânimo popular. Com exceção dos carros dos dignitários, o tráfego é desviado de Unter den Linden, e a rua mais deslum

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 brante de Berlim — que abriga a Universidade, a Ópera, aBiblioteca Real, vários ministérios governamentais, além deteatros, cafés e embaixadas — torna-se palco de um monumental drama grego.

Tarde da noite uma multidão de milhares de pessoas

ainda se acha reunida na frente da residência do chancelerna Wilhelmstrasse e, pouco antes da meia-noite, começa acantar para o chanceler. Bethmann finalmente aparece e fazum breve discurso de improviso. Invocando Bismarck, Guilherme I e o velho Moltke, ele insiste nas intenções pacíficasda Alemanha. Entretanto, se o inimigo coagir a Alemanha àguerra, ela lutará por sua “existência” e “honra” até a última gota de sangue. “Na gravidade desta hora, recordo-lhes

as palavras que o Príncipe Friedrich Karl gritou aos branden- burguenses: Que os seus corações batam diante de Deus eos seus punhos sobre o inimigo!”8

 No dia seguinte, sábado, 1? de agosto, representam-secenas ainda mais agitadas e exuberantes. Pela manhã, normalmente o término regular de uma semana de trabalho, como comércio, as escolas e os escritórios funcionando até o meio-dia, as coisas estão longe de ser normais. As cortes penais

moabitas, por exemplo, não podem cumprir sua programação porque os acusados, as testemunhas e até os juízes e advogados não comparecem. Na frente do palácio real uma multidão, estimada entre 100 mil e 300 mil pessoas, espalha-secomo um mar desde o velho museu e os degraus da catedral, pelo Lustgarten e a grande praça, até o terraço do Schloss,sendo levada pela banda do regimento de Elizabeth a cantarexcitadamente. O regimento está de fato preso. Depois damudança de guarda no palácio, devia seguir pela praça atéo Lustgarten. Mas caiu na armadilha da multidão e agoranãó pode mais se mover. Assim, lidera as canções fervorosas. “O entusiaspio não conhecia limites”, telegrafa o corres pondente do Frankfurter Zeitung  à uma e cinqüenta e cinco“e quando, como úm grande final, a vontade unida das massas entoou o ‘Pariser Einzugmarsch’,* o entusiasmo atingiuo auge.”9

* Marcha que comemora a entrada em Paris.

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 Novamente membros da família real chegam ao palácio

 bem no meio dessas celebrações, assim como Bethmann, chan

celer, Moltke, chefe do Estado-Maior do Exército, e Tirpitz,

Ministro da Marinha. As multidões não se dispersam durante

toda a tarde, enquanto ocorrem reuniões decisivas. Cantam,

conversam, aplaudem. Finalmente, às cinco horas, o kaiserassina a ordem de mobilização geral; e uma hora depois, em

São Petersburgo, o Conde Pourtalès, embaixador alemão, vi

sita o Ministro de Relações Exteriores russo, Sazonov, para

lhe entregar uma declaração de guerra. As graves decisões dos

últimos dias foram todas tomadas diante do pano de fundo

do entusiasmo das massas. Nenhum líder político poderia ter

resistido às pressões populares a favor de uma ação decisiva.

Por volta das seis e trinta ouve-se um grito: "Queremoso kaiser!” As cortinas da janela central do palácio se di

videm, as portas duplas envidraçadas se abrem, e o kaiser

e sua mulher aparecem para uma estrondosa recepção. Gui

lherme acena. O barulho, as canções e os aplausos diminuem

 pouco a pouco. Finalmente o kaiser fala. Os alemães são

agora um povo unido, diz ele à multidão. Todas as diver

gências e divisões estão esquecidas. Como irmãos alcançarão

uma grande vitória. O curto discurso é recebido com mais júbilo e mais canções: "Die Wacht am Rhein”* e o tradi

cional hino de batalha dos protestantes "Ein’ feste Burg ist un

ser Gott”.**

Por toda a cidade as atividades daquela noite parecem

uma enorme celebração depois de uma bem-sucedida noite

de estréia de um espetáculo que contou com um elenco de

centenas de milhares de pessoas. Berlim dá uma festa para

o elenco. Por toda parte, bares e cervejarias transbordam degente. Pianos, pistões, violinos e bandas completas acompa

nham o cantar estridente de canções patrióticas, repetidas até

altas horas da madrugada, quando, num estupor alcoólico ou

simplesmente emocional, os berlinenses finalmente caem, ainda

sorrindo, em suas camas de penas.

* A vigília sobre o Reno.** Poderosa fortaleza é o nosso Deus.

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 Na grande Berlim quase dois mil casamentos de erper-gência são celebrados naquele sábado e na manhã de domingo. A atmosfera eletrizada estimula toda sorte de organizações e grupos sociais a declararem publicamente sua lealdade à causa germânica. Militantes dos direitos dos homos

sexuais e das mulheres, por exemplo, se juntam' às celebrações da nacionalidade. A Associação dos Judeus Alemães emBerlim publica sua declaração no sábado, 1? de agosto: “Éevidente que todo judeu alemão está pronto a sacrificar todaa propriedade e todo o sangue exigidos pelo dever”, proclama numa de muitas afirmações exuberantes.10

 Na manhã de domingo, às onze e meia, um culto religioso interconfessional é celebrado ao ar livre junto ao mo

numento a Bismarck, diante do Reichstag. Milhares comparecem a esta cerimônia incomparavelmente simbólica e sugestiva. A banda dos Guardas Fuzileiros toca, e o culto começa com o hino protestante “Niederländische Dankgebet”*com suas palavras iniciais: Wir treten zum Beten vor Gott  den Gerechten.** O pregador da corte, o Licenciado Döhring,celebra o culto e, para o seu sermão, escolhe o texto “Fielaté a morte”. Coagiram a Alemanha à guerra, diz ele, mas“se nós alemães tememos a Deus, não tememos mais nadaneste mundo”. Toda a congregação repete então o Padre-Nosso,e o culto termina com o hino católico, baseado numa melodiado século IV, “Grosser Gott wir loben Dich”.*** Protestantes e católicos estão reconciliados na Alemanha. As multidões seculares dos dias anteriores freqüentemente cantavamhinos. Agora, apropriadamente, o culto religioso é seguido porcanções seculares. A Igreja e o Estado também se tornaramuma coisa só. Consciente da importância deste tipo de sim

 bolismo, o kaiser comparece a um culto na antiga igreja daguarnição em Potsdam, onde, entre outros governantes prussianos, está enterrado Frederico o Grande.

 No começo de agosto os alemães deliciam-se com o quelhes parece ser a síntese genuína de passado e futuro, a eter-

* Ação de graças dos Países Baixos.

** Vimos orar diante do nosso justo Deus.*** Deus Santo, nós louvamos o Teu Nome.

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nidade encarnada no momento e a resolução de todas as dis

córdias internas — partido versus  partido, classe contra classe,

seita contra seita, a igreja em conflito com o Estado. A vida

alcançou transcendência. Estetizou-se. A vida transformou-se

numa Gesamtkunstwerk   wagneriana, na qual as preocupa

ções materiais e todas as questões mundanas são ultrapassadas por uma força de vida espiritual.

Em outros lugares da Alemanha, seja em Frankfurt am

Main ou Frankfurt an der Oder, em Munique, em Breslau ou

em Karlsruhe, as cenas são semelhantes. Multidões se aglo

meram em torno de príncipes. O militar é idolatrado. As

igrejas ficam apinhadas de gente. Emocionalmente, a Alema

nha declarou guerra na sexta-feira, 31 de julho, o mais tardar

 — certamente à Rússia e à França. Dada a intensidade dosentimento popular, é inconcebível que o kaiser possa, neste

 ponto, recuar. Nunca sobreviveria a tal falta de coragem. E,

está claro, nos dias seguintes vêm as decisões cruciais e as

declarações de guerra: primeiro contra a Rússia, depois con

tra a França e finalmente contra a Grã-Bretanha.

As últimas grandes concentrações contra a guerra ocor

reram em Berlim na quinta-feira, 28 de julho, quando vinte

e sete reuniões foram organizadas por toda a cidade pelossocialdemocratas, reuniões de boa afluência, muitas das quais

culminaram em marchas. O  Berliner Tageblatt   estimou que

sete mil trabalhadores se reuniram na Cervejaria Friedrichshain

e dois mil na Koppenstrasse. Depois dessas reuniões, os dois

grupos se dirigiram juntos para o Kõnigstor, uma multidão de

aproximadamente dez mil pessoas. Cinqüenta policiais final

mente bloquearam a marcha, e, quando as primeiras filas dos

 participantes avançaram contra a polícia, dispararam tiros defestim. A manifestação foi rapidamente dispersada, apenas com

algumas escaramuças e ferimentos leves. Trinta e duas cida

des alemãs realizaram idênticas concentrações contra a guerra.

Foram os últimos comícios significativos contra a guerra.

 Nesse crítico fim de semana — sexta-feira, o último dia

de julho, e sábado e domingo, os dois primeiros dias de

agosto — os socialdemocratas, diante da mobilização dos

exércitos do czar e, portanto, de uma intensificada ameaçarüssa, e também diante de renovadas manifestações de caráter 

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 patriótico, começaram a aderir à causa nacionalista. Alguns

líderes socialistas se deixaram envolver na orgia da emoção.

Outros sentiram que não podiam nadar contra a corrente do

sentimento público. Vários deputados da esquerda do par

tido, convocados a Berlim para uma reunião da liderança, saí

ram de casa ainda obstinadamente opostos à guerra e determinados a votar contra os créditos de guerra, mas ao se

depararem, nas estações ferroviárias, com repetidas demons

trações de apoio público à guerra, mudaram de idéia. Em

3 de agosto, um dia antes da votação dos créditos no Reichstag,

os líderes do Partido Socialdemocrata (SPD) mudaram em

 bloco para uma posição favorável à guerra. Naquela segunda-

feira, o  Bremer Bürger-Zeitung,  antes e novamente durante a

guerra posicionado à esquerda do partido, trombeteou nasmanchetes: CUMPRAM SEU SUPREMO DEVER!11 Gustav

 Noske contou mais tarde que, se os líderes do SPD não ti

vessem aprovado os créditos de guerra, os deputados socia

listas teriam sido pisoteados até morrer na frente da Porta

de Brandemburgo. Em suma, o monarca e o governo não fo

ram os únicos influenciados pelas efusões de sentimento pú

 blico, mas virtualmente todas as forças da oposição também

se deixaram arrastar pela corrente.Kurt Riezler refletiu dias depois, sobre o efeito da emo

ção pública:

A incomparável tempestade desencadeada no povo var

reu de seu caminho todas as mentes dubitativas, irreso-

lutas e temerosas. . . A nação surpreendeu os estadistas

céticos.12

As multidões, de fato, tomaram a iniciativa política na Ale

manha. A cautela foi jogada ao vento. O instante alcançou

a supremacia. Horas, anos, na verdade séculos, foram redu

zidos a momentos. A história se tornara vida.

Muitos nunca esqueceriam o estado de espírito daqueles

dias de agosto. Dez anos mais tarde Thomas Mann se referiria

àqueles dias como o marco do início de muita coisa que ainda

ia começar. Trinta e cinco anos mais tarde, Friedrich Mei-necke, o decano dos historiadores alemães, sentia um calafrio

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quando pensava no estado de espírito daquele agosto, e confessava que, apesar dos desastres que se seguiram, aquelesdias foram talvez os mais sublimes de sua vida.13

ABERTURA

Afirmar que a Alemanha era uma “nação atrasada” tornou-se quase um clichê dos textos históricos sobre aquele país.É certo que os ornamentos sociais e econômicos da modernidade — urbanização, industrialização, colônias, unidade política — chegaram todos tarde à Alemanha em comparação

com a França e particularmente com a Grã-Bretanha.Em 1800, quando a França e a Grã-Bretanha já tinham

 pelo menos um século ou mais de governo centralizado atrásde si, os territórios alemães ainda eram uma colcha de retalhos de aproximadamente quatrocentos principados autônomos, só frouxamente federados numa associação que tinha o paradoxal nome de Santo Império Romano da Nação Alemã. Numa parte da Suábia, em uma área de 1.888 km2, encon

tra vam-se noventa estados. As cidades eram poucas e dificilmente comparáveis a Paris ou Londres. Em 1800 Berlim tinha uma população de uns 170 mil habitantes e era poucomais do que um centro administrativo da Prússia. Não havianenhuma indústria nacionalmente organizada, como o comércio têxtil inglês, para desenvolver laços comerciais, nenhumareligião nacional para encorajar a unidade religiosa. Para muitos alemães, o maior feito da história alemã era a Reforma.

O fato de assim considerarem um acontecimento que dividiu os povos de língua alemã ao invés de uni-los é muitoesclarecedor sobre a identidade alemã. No começo do século XVIII uma noiva escrevia a seu prometido: “Nada émais plebeu do que escrever cartas em alemão.” Cinqüentaanos mais tarde, Frederico o Grande concordava de todo ocoração. Sobre a língua alemã, ele escreveu em  De la littê-rature allemande  que era “meio bárbara”, dividida “em tan

tos dialetos diferentes quantas são as províncias alemãs”.“Cada grupo local”, acrescentou com desdém, “está conven-

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eido de que seu dialeto é o melhor.”1 Ainda um século de pois, por volta de 1850, quando, no rastro da reforma hapo-leônica, que destruiu o Santo Império Romano como estrutura oficial e encorajou os primórdios da mobilidade sociale da industrialização, quando a Prússia claramente come

çara a se afirmar como o mais forte e mais ambicioso dosestados alemães, Berlim, apesar de ser então um centro financeiro, comercial e ferroviário em expansão, ainda tinha uma

 população de apenas 400 mil habitantes.

A Alemanha, é claro, tinha poucas fronteiras naturaisalém do mar ao norte e dos Alpes a sudoeste. Quanto aomais, a grande planície central européia dominava seu sensode identidade geográfica — larga estrada para todos os in

vasores, saqueadores e movimentos de povos desde o adventodas próprias tribos germânicas nos séculos IV e V. A faltade definição territorial, étnica, religiosa e comercial era umamarca autêntica da história alemã, e o legado era uma tradição de regionalismo, particularismo e provincianismo, paranão falar de insegurança e desconfiança. “Alemanha? Masonde é que fica? Não sei como encontrar o país”, exclamavam as vozes unidas de Schiller e Goethe no final do sé

culo XVI.II.2 Metternich, um natural da região do Reno quese estabeleceu na Áustria, observou no Congresso de Vienaque a idéia de “Alemanha” e de “um povo alemão” erauma abstração.

Quando a unidade política finalmente aconteceu nos anosde 1866 a 1871, surgiu em parte como resultado de umatransformação social cujo traço mais conseqíiente na épocafoi o aparecimento de certo espírito empreendedor num seg

mento da classe média. Igualmente importante, a lidèrança prussiana reconheceu as necessidades de poder político da estrutura estatal européia, tomou a iniciativa e adotou uma política de conquista e cefitralização. Elementos novos e tradicionais se combinaram, portanto, para forjar uma unidade política alemã como a que veio a acontecer.

Entretanto, apesar de uma unidade superficial, as fortestradições regionalistas da Alemanha não podiam ser erradi

cadas da noite para o dia, e conseqüentemente o Reich alemãoque surgiu sob a direção de Bismarck e dos Hohenzollerns

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 por um lado, e de uma elite de classe média por outro, erauma curiosa fusão constitucional de federalismo e centralismo,de democracia e autocracia, de provincianismo forrado de umanecessidade “nacional”, de ambição de classe média e com postura aristocrática. Embora o espírito de integridade polí

tica fosse uma aspiração de um segmento da população alemã, particularmente dentro de algumas das camadas médias, aslealdades regionais e uma consciência das diversidades eramainda reais, e as antigas elites puderam reter uma boa partede sua preeminência porque reconheciam esta diversidade —de fato, a maioria de seus privilégios nela se baseava — edespendiam muita energia “administrando-a”.

Otto von Bismarck havia presidido a unificação alemã

na década de 1860. Tornara-se primeiro-ministro prussianoem 1862 e habilmente conduzira a Prússia ao longo detrês guerras — contra a Dinamarca, a Áustria e a França

 — que culminaram na criação de um Estado alemão unificado em 1871. Continuou chanceler do novo Reich alemãodurante quase duas décadas até sua renúncia forçada em 1890.Embora os ideais conservadores de Bismarck visassem ao esta

 belecimento na Alemanha de uma sociedade harmoniosa e

 bem integrada, orientada pela valorização das tradições e instituições prussianas, o efeito de seu brilho como tático político por mais de trinta anos foi exatamente o oposto. No final,sua tática talvez tenha produzido um impacto mais significativo no desenvolvimento alemão do que suas metas.

Com sua constante necessidade de um bode expiatório,um inimigo a ser identificado — apontou os liberais como afonte de todos os males na década de 1860, os católicos na

de 1870 e os socialistas na de 1880 — e com seu bem imaginado refrão “O Reich está em perigo”, ele aumentou astensões de classe, as divisões religiosas e as divergências ideológicas existentes. A curto prazo, Bismarck teve grande sucesso como manipulador político; a longo prazo, fracassounotavelmente na realização de seus ideais. Sua demissão docargo de chanceler em 1890, por decisão do novo imperador,Guilherme II, foi o comentário mais eloqüente sobre este

fracasso. É uma das grandes ironias da história o fato deBismarck, o “chanceler de ferro”, que ajudou a unificar a

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volvimento preparou o cenário para os estratagemas de Bis-

marck e reforçou-lhes o efeito. Foi caracterizado por uma es

magadora velocidade e uma correspondente desorientação do

 povo. Embora na Grã-Bretanha Charles Dickens, em-  Bleak  

 House,  aludisse à “época móvel” em que viveu, e Tennyson

falasse de seu tempo como de “um terrível momento de transição”, as estatísticas relativas à transformação social e eco

nômica da Alemanha sugerem que nenhum outro país tinha

mais direito de suscitar impressões de movimento e transito-

riedade. Parece haver uma relação direta entre o ataque a

antigas fixações e o crescimento de novos mitos.

Se a Grã-Bretanha liderou a mudança do modo de vida

em nosso planeta, de rural agrário para industrial urbano, a

Alemanha, mais do que qualquer outra nação, nos conduziuao nosso mundo “pós-industrial” ou tecnológico, não apenas

num sentido objetivo, na medida em que seus inventores, en

genheiros, químicos, físicos e arquitetos urbanos, entre outros,

fizeram mais do que os de qualquer outra nação para de

terminar a nossa moderna paisagem urbana e industrial, mas

também num sentido empírico, na medida em que, mais in

tensivamente do que qualquer outro país “desenvolvido”, mos

trou ao mundo a desorientação psíquica que uma rápida egeneralizada mudança do meio ambiente pode causar. A expe

riência alemã está no coração da “experiência moderna”. Os

alemães freqüentemente se referiam a si mesmos como o

 Herzvolk Europas,  o povo do coração da Europa. Os alemães

também são o  Herzvolk   do sentimento e da sensibilidade

modernos.

O ferro e o aço foram os materiais de construção da

nova era industrial. No começo da década de 1870 a produção britânica de ferro ainda era quatro vezes maior do

que a da Alemanha; sua produção de aço era o dobro da

alemã. Por volta de 1914, entretanto, a produção de aço alemã

igualava às da Grã-Bretanha, França e Rússia consideradas em

conjunto. A Grã-Bretanha, principal exportadora de ferro e

aço para o mundo durante um século, importava aço da re

gião do Ruhr por volta de 1910.

O emprego de energia é outro indicador do desenvolvimento industrial. Na Grã-Bretanha o consumo de carvão

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entre 1861 e 1913 se multiplicou duas vezes e meia; na Alemanha, durante o mesmo período, multiplicou-se treze vezese meia, tornando-se quase igual ao britânico. Mas foi nasnovas indústrias de produtos químicos e de eletricidade, quese tornaram em nosso século os alicerces do crescimento ul

terior, que o progresso alemão na virada do século foi espantoso e, ao mesmo tempo, revelador do tremendo potencial daeconomia alemã.

Em 1900 a produção britânica de ácido sulfúrico —usado para refinar petróleo e fabricar fertilizantes, explosivos, produtos têxteis e corantes, entre outras coisas — aindaera aproximadamente o dobro da alemã, mas em treze anosa relação se achava quase invertida: por volta de 1913, a

Alemanha produzia 1.700.000 toneladas e a Grã-Bretanha apenas 1.100.000. No que diz respeito aos corantes, as firmasalemãs — especialmente Badische Anilin, Höchst e AGFA —controlavam 90% do mercado mundial em 1900. Na produção de material elétrico os avanços foram igualmente assom brosos. Em 1913 o valor da produção alemã de material elétrico era duas vezes o da Grã-Bretanha e quase dez vezes oda França; as exportações alemãs nesta área eram as maio

res no mundo, quase três vezes as dos Estados Unidos. Ovalor de todas as exportações alemãs mais do que triplicouentre 1890 e 1913.

Em um período pouco maior do que o de uma geração,menor que o de uma vida prolongada, a Alemanha tinha deixado de ser um agrupamento geográfico, com elos econômicoslimitados entre suas partes, para se tornar a mais formidável potência industrial da Europa, sem falar de seu poderio militar.

Alcançar esta posição exigiu mudanças gigantescas nos padrões demográficos, na organização social e econômica ena força de trabalho. A população da Alemanha aumentou de42,5 milhões em 1875 para 49 milhões em 1890 e 65 milhões em 1913. No último período, a população da Grã-Bretanha, em comparação, cresceu de 38 para 45 milhões,e a da França de 37 para apenas 39 milhões. Às vésperasda Grande Guerra a perspectiva era de que os alemães logo se

riam mais numerosos do que os franceses, numa proporção dedois para um. Em 1870, dois terços da população alemã

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eram rurais; por volta de 1914 essa relação se invertera, edois terços dos alemães viviam num cenário urbano. Em 1871havia apenas oito cidades com mais de 100 mil habitantes,ao passo que em 1890 podiam ser encontradas vinte e seis,e em 1913 quarenta e oito. Por essa época a indústria em

 pregava duas vezes mais trabalhadores do que a agricultura,e mais de um terço da população compunha-se de operáriosindustriais e suas famílias. A concentração da indústria alemãfoi outra de suas notáveis características. Em 1910 quasea metade de todos os empregados trabalhava em firmas demais de cinqüenta operários, e a capitalização da companhiaalemã média era três vezes maior que a da firma britânica média.

A velocidade da urbanização e industrialização na Alemanha fez com que muitos trabalhadores fossem moradoresurbanos de primeira geração, confrontados com todos os pro blemas sociais e psicológicos concomitantes que a mudançado campo para a cidade acarretava. A concentração de indústria e de população também produziu o rápido crescimento de uma classe administrativa, de pessoal de serviço ede burocracias municipais e estatais. À medida que a Ge

sellschaft,  isto é, a sociedade, esmagava o sentido de Gemeinschaft,  isto é, comunidade, à medida que a velocidade e ogigantismo se tornavam os fatos dominantes da vida, as questões sociais e trabalhistas, a ambição e o prazer do trabalhose tornavam noções abstratas que ultrapassavam o indivíduo esua escala de referências pessoais, uma questão mais de teoria e intuição que de experiência. e conhecimento. O cenáriorural pré-industrial estivera repleto de seus próprios proble

mas e indignidades sociais, mas é inegável que a industrialização, particularmente a rápida industrialização experimentada pela Alemanha, acarretou uma perturbadora quantidade dedespersonalização que o bem-estar material não podia eliminar ou retificar. A chamada nova classe média — este enorme exército de trabalhadores de escritório semi-especializadosenvolvidos principalmente na administração e nos serviços —era uma ramificação imprevista e direta das últimas fases

da industrialização, talvez até mais inclinada a um sentimentode isolamento, e portanto de vulnerabilidade, do que as clas

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ses operárias. A concentração da indústria e do comércio fezcom que este grupo social fosse particularmente grande naAlemanha.

 No entanto, todos os setores da sociedade alemã foramenvolvidos no impulso e nas tendências centrífugas da época.

Por isso, ironicamente* .enquanto a consolidação ocorria emum nível — na população, na indústria e na estrutura do Estado —, a désintegração caracterizava os campos social, político e, talvez de forma muito significativa, o psicológico. Oresultado foi uma preocupação com a administração da vida,com a técnica, a ponto de esta se tornar um valor e um objetivo estético, e não apenas um meio para atingir um fim.

TÉCNICA

O culto da Technik , a ênfase no cientismo, na eficiência e naadministração, alcançou o auge na Alemanha no final do século XIX. Reforçado pelos desenvolvimentos e preocupações

materiais de uma era industrializadora, baseava-se, no entanto,em tradições culturais e políticas duradouras e bem estabelecidas: numa consciência de fraqueza e difusão e num reconhecimento de que a sobrevivência dependia de uma eficazadministração de recursos tanto naturais quanto humanos.

A sobrevivência do Santo Império Romano durante quaseum milênio foi um tributo à habilidade dos alemães para administrar e manipular o que, pelo menos nos dois últimos

séculos de sua existência, não passou de uma construção esquelética que, na famosa expressão de Voltaire, não era Santo,nem Romano nem Império. Mas a história da Prússia forneceuo exemplo mais extraordinário de administração eficaz.

Aquela história, que se inicia na época do Grande Eleitorno século XVII, passa pela carreira e pelas realizações domais maquiavélico dos antimaquiavélicos, Frederico II — queescreveu seu opúsculo  Anti^Machiavel  pouco antes de atacar

a Silésia em 1740 para tomá-la da Áustria —, e pelo períododa grande reforma da era napoleônica, e vai até o famoso

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menos propensa a encaminhar os estudantes, numa idade pre

coce, para áreas de estudo determinadas; sua educação secun

dária era mais diversificada do que em outros lugares; e suas

universidades não eram apenas as mais abertas e “ democrá

ticas” da Europa; constituíam centros mundialmente renoma-

dos de erudição e pesquisa. Henry Hallam disse em 1844: “Nenhum professor de Oxford, há um século, teria considerado

o conhecimento de alemão um requisito para um homem He

letras; no presente, ninguém pode dispensá-lo.”3 E alguns

anos mais tarde o historiador John Seeley observou: “Os bons

livros são em alemão.”4 Mesmo antes da unificação, os Esta

dos alemães cuidavam ativamente de fundar e promover ins

titutos de ensino e centros de pesquisa, e depois da unificação

o ritmo da participação do Estado se acelerou. Além disso,o treinamento técnico e vocacional não era deixado nas mãos

da empresa privada, como acontecia em geral na Grã-Bretanha,

mas continuava a ser uma questão de interesse nacional e

estatal.

O progresso tecnológico e científico alemão meio século

antes de 1914 é universalmente reconhecido, mas menos valo

rizado é o fato de que Einstein, Planck, Röntgen e outros ho

mens internacionalmente famosos foram apenas os mais conhecidos de um grande e ativo grupo. O incentivo estatal à edu

cação técnica e à pesquisa produziu uma colheita espantosa.

Um exemplo numa área de desénvolvimento tecnológico que,

 por sua natureza, abafa o sensacionalismo, e por isso talvez

seja ainda mais digno de nota, é a indústria de alcatrão mi

neral. As seis maiores firmas alemãs dessa indústria regis

traram, entre 1886 e 1900, 948 patentes; as firmas britâni

cas equivalentes registraram apenas 86.5O culto do tecnicismo e suas conotações vitalistas tive

ram reverberações em grande parte da sociedade alemã nos

últimos anos do século XIX. Em quase todos os setores era

evidente um interesse pela novidade e pela mudança inevitável,

até na antiga aristocracia fundiária, onde no passado a mu

dança fora usualmente considerada com ceticismo e contra

riedade. Em seu último romance,  Der Stechlin, concluído em

1898 e ambientado na região rural prussiana, Theodor Fontane fez uma de suas personagens, um pastor rural, dizer:

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Uma nova era está nascendo, uma era melhor e mais

feliz, acredito. Mas se não mais feliz, então pelo menos

uma era com mais oxigênio no ar, uma era em que se

 possa respirar melhor. E quanto mais livremente se res

 pira, mais se vive.

Entre grande parte da pequena nobreza rural, a mudança era

agora considerada inevitável, especialmente depois da depres

são agrícola que, na segunda metade da década de 1870, havia

tornado complexa e difícil a sobrevivência econômica das

classes fundiárias. A consideração importante era não permitir

que a mudança se tornasse incontrolável; tinha-se de dominá-

la de alguma maneira.

O conservadorismo alemão passou, na era bismarckiana — com Bismarck dando o exemplo —, de uma preocupação

dogmática com crenças e princípios para uma preocupação com

os negócios. O melhor símbolo deste novo oportunismo

talvez tenha sido a criação da aliança "centeio e ferro”, um

casamento de conveniência entre a agricultura em grande

escala e a indústria pesada, que fez a Alemanha se voltar

 para o protecionismo econômico em 1879. "Nada poderia ser

menos conservador”, afirmou Wilhelm von Kardorff, "do quelutar por formas que com o tempo perderam sua importância”.6

Mas o resto do organismo político alemão também foi

envolvido por uma onda reformista nos primeiros cinco anos

do século XX. Isso se tornou evidente, entre outras coisas,

nos incipientes grupos de pressão e sociedades nacionalistas

cujos membros não estavam interessados na preservação do

status quo  mas no rejuvenescimento de todo o processo polí

tico. Entre os próprios partidos políticos eram visíveis os sinaisde uma outra reorientação. O Partido Socialdemocrata (SPD)

 passou para uma posição mais moderada, demonstrando um

claro desejo de rejeitar seu negativismo anterior. Os liberais

de esquerda, por sua vez, manifestavam interesse em se tor

nar um partido de reforma política e social, um partido que

harmonizasse esquerda e direita, "democracia e monarquia”.

E, finalmente, um segmento influente dentro do Partido de

Centro Católico também sentia que era necessária uma atitude mais conciliatória para com o socialismo e que a reforma

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deveria receber mais ênfase no programa do partido* Em

suma, estabeleceu-se na política alemã, nos anos anteriores a

1914, a base para um vago movimento de reforma demo

crática.

As eleições de 1912 produziram um resultado assombro

so. As três tendências políticas que Bismarck, num ou noutromomento, chamara de "inimigos do Reich” e, portanto, de

traidores — os liberais de esquerda, os católicos e os socia

listas — ganharam dois terços do voto nacional. Um em cada

três alemães votou a favor de um candidato socialista, e o

SPD tornou-se de longe o maior grupo político do Reichstag.

O partido reafirmou assim sua preeminência como a maior

organização socialista do mundo e líder do movimento socia

lista internacional. Embora obviamente preocupado com osgrandes ganhos socialistas, o liberal de esquerda Friedrich

 Naumann não deixou de observar nos dias que se seguiram

às eleições: "Algo novo teve início na Alemanha nestes últi

mos dias; uma era está chegando ao fim; nasceu uma nova

época."7

O impulso geral na Alemanha de antes de 1914 era, por

tanto, inteiramente orientado para o futuro. Onde havia insa

tisfação ou ansiedade, esse estado de coisas devia ser supe

rado pela mudança. Todo o cenário alemão no  fin-de-siècle 

foi caracterizado por uma Flucht nach vorne, um voo paraa frente.

A CAPITAL

A capital — primeiro do Estado da Prússia e depois de uma

Alemanha unida — provocava em todos os seus visitantes

uma impressão imediata de novidade e vitalidade. Berlim re

 presentava, de muitos modos, as transformações que a Ale

manha como um todo estava experimentando. Em comparação

com as outras capitais européias, Berlim era uma cidade arri

vista, com seu espraiado desenvolvimento na segunda metadedo século XIX mais semelhante a Nova York e Chicago do

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que às outras cidades do Velho Mundo. Walther Rathenau

chamou-a, na realidade, de "a Chicago à margem do Spree”.

A localização central de Berlim na Europa fez dela, como

da Alemanha em geral, um centro de imigrantes, atraindo e

temporariamente alojando passageiros dos territórios do leste,

da Rússia, das terras polonesas, da Boêmia, e colonos que

avançavam na direção contrária, provenientes da França e

até da Grã-Bretanha. Este foi o seu destino desde a época do

Grande Eleitor, e os berlinenses autênticos — isto é, mora

dores de quarta, terceira e até segunda geração — foram sem

 pre, ao que parece, uma minoria. Na primeira metade do

século XIX a cidade cresceu constantemente enquanto a Prús

sia se afirmava dentro da Confederação Alemã e particular

mente quando o Zollverein, a união aduaneira alemã, funda

da em 1832 com sede em Berlim, se expandiu em tamanho

e atividade. Muito antes da unificação, em 1871, Berlim era

inegavelmente a capital financeira e comercial dos Estados

alemães, mas, neste papel, foi mais uma câmara de compen

sação e um centro de comunicações do que o eixo da indústria

alemã ou mesmo prussiana; esta se desenvolveu no coração

da região do Ruhr, na Silésia e em partes da Saxônia. Em

 bora na segunda metade do século Berlim tenha de fato fo

mentado indústrias importantes, em particular as novas indús

trias elétrica e química, continuou a ser a personificação e

o símbolo do tecnicismo e da administração. Em relação à

sua inflada função administrativa, especialmente depois da

unificação, cresceu consideravelmente de tamanho. Em 1865

sua população era de 657 mil habitantes; por volta de 1910

 passava de dois milhões, e, se fossem incluídos os subúrbios

circundantes, que seriam incorporados à “grande Berlim” em

1920, sua população já chegava perto dos quatro milhões às

vésperas da guerra. Estima-se que aproximadamente metade

de sua nova população tenha vindo das terras agrícolas da

Prússia oriental.

Quase todo visitante da capital do novo Reich ficava im

 pressionado com o correspondente ar de novidade que impreg

nava a cidade. Victor Tissot, escritor suíço, visitou a cidadeem 1875 e observou:

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Heinrich Heine fala da surpresa e magia que Paris ofe

rece ao estrangeiro. Berlim também oferece surpresa mas

dificilmente qualquer magia. Fica-se surpreso com o fato

de o coração do novo império, a cidade do intelecto, des

tilar muito menos o espírito de uma capital do que Dres-

den, Frankfurt, Stuttgart ou Munique. O que Berlim exibea seus visitantes é moderno e totalmente novo. Tudo aqui

traz a marca de uma aventura, uma monarquia montada

com fragmentos e pedaços. . . Nada é menos alemão, no

sentido do alemão antigo, do que a face de Berlim...

Depois que você explora estas ruas retas e, durante dez

horas, não vê mais do que sabres, elmos e penas, então

compreende por que Berlim, apesar da reputação que

lhe conferiram os acontecimentos dos últimos anos, nuncaserá uma capital como Viena, Paris ou Londres.1

 Nas- décadas seguintes a cidade foi incapaz de se livrar de

sua aura de novidade, esta fragrância um tanto indelicada do

nouveau riche; ao contrário, esse aroma foi acentuado pela

mudança tecnológica. O economista liberal Moritz Julius Bonn,

relembrando experiências na capital alemã nos últimos anos

do século, observou que em Berlim

tudo era novo e extremamente limpo; as ruas e os pré

dios eram espaçosos, mas havia muito ouropel querendo

 passar por ouro. .. O lugar não era diferente de uma

cidade do petróleo no oeste americano, que floresceu da

noite para o dia e, sentindo sua força, insistia em osten

tar sua riqueza.2

Ao contrário dos naturais de outras cidades alemãs e de

outras capitais européias, os berlinenses pareciam fascinados

com a própria idéia de urbanismo e tecnologia, chegando até

a criar, nas palavras de Friedrich Sieburg, um romantismo ba

seado em "entroncamentos ferroviários, cabos, aço e trilho...

trens elevados barulhentos, torres ascendentes”. Diferente do

 parisiense, que tentava preservar uma atmosfera local e co

munitária em seu quartier,  o berlinense apreciava e conscientemente incentivava o cosmopolitismo e a sensação de novi-

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dade de sua cidade.3 Foi esta energia que iria atrair, nos últi

mos anos antes da guerra, artistas e intelectuais de outras

cidades alemãs, como Dresden e Munique, e até de Viena,

 para a atmosfera mais descontraída e efervescente de Berlim.

 Nos anos antes da guerra Berlim não foi capaz de exer

cer, como capital, nada que chegasse perto do controle cultural de uma Paris ou Londres ou mesmo Viena em seus res

 pectivos países, mas esta falta de influência intensificava o

 próprio caráter de novidade da cidade. Berlim era uma capital

criada, assim diziam, mais pela vontade e imaginação do que

 por impulso histórico. Considerava-se Berlim a representante

da vitória do espírito sobre o conformismo e a tradição.

Berlim era, portanto, em muitos aspectos, uma capital

improvisada, um símbolo de mecanicismo e até de transitorie-dade, mas era também uma expressão de energia e dinamismo,

uma cidade de olho no futuro.

KULTUR 

 Na virada do século a visão futurista arrebatava grande parte

da sociedade alemã, até aquelas pessoas que execravam a vul

garidade de Berlim. A economia era expansionista. A popüla-

ção aumentava com um ritmo desconcertante. Depois das vitó

rias militares da década de 1860 e de 1870-1871, ninguém

na Europa, muito menos na Alemanha, tinha qualquer dúvida

sobre o fato de os alemães representarem o mais formidável

 poder militar terrestre da Europa e, provavelmente, do mundo.Em 1914 havia um consenso, tanto dentro do país como no

exterior, de que, em termos econômicos e militares, a Alema

nha constituía o país mais poderoso do  mundo.

Mas embora os alemães talvez tenham simplesmente reco

nhecido que seu sucesso internacional se devia a trabalho

duro, a um excelente sistema educacional e a uma dose de

 perspicácia política e militar, a maioria relutava em aceitar

uma explicação tão mundana para o importante desempenhoda nação. Sonhava com uma fusão de mundos, o físico e o

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espiritual. Na verdade, o empreendimento técnico, à medida

que ampliava suas dimensões, ficava correspondentementç mais

 propenso à fabulação. A necessidade pode ter gerado a inven

ção, mas a invenção produziu depois a intenção. O técnico

espiritualizou-se* A eficiência tornou-se um fim; deixou de

ser um meio. E a própria Alemanha veio a ser a expressãode uma “força vital” elementar. Tal era a substância do idea

lismo alemão.

Desta forma, a educação como conceito social foi suplan

tada pela  Bildung, ou auto-aperfeiçoamento, que subentendia a

educação mais do espírito do que do ser social. A perícia militar

nascida da necessidade geográfica deu lugar a  Macht , ou poder,

a que foi conferida uma pureza de ser acima da consciência

e da crítica. E o Estado, como instrumento do bem-estar pú blico, foi substituído por der Staat , a corporificação idealiza

da do salus populi.  Os alemães do período imperial pareciam

 particularmente sensíveis a noções idealistas seculares segundo

as quais a suprema realidade era espiritual e o mundo ma

terial não só podia como devia ser transcendido pelos ideais.

 Não surpreende que muitos alemães no final do século

chegassem a atribuir a seus supostos inimigos aquelas carac

terísticas que desejavam tanto vencer em si mesmos. Assim podiam afirmar que a civilização anglo-francesa, que desde o

século XVI havia estabelecido gradativamente uma hegemonia

 política e cultural no mundo, fundamentava-se em racionalis-

mo, empirismo e utilidade; em outras palavras, em exteriori

dades. Era este um mundo da forma, destituído de valores

espirituais: era uma cultura não da honestidade e verdadeira

liberdade, mas de maneiras, superficialidade e dissimulação.

As noções de liberalismo e igualdade não passavam no etosanglo-francês de slogans  hipócritas —  Lug und Trug, men

tira e trapaça. Mascaravam a ditadura da forma, óbvia na

 preocupação francesa com o bon goüt   e no envolvimento bri

tânico com o comércio. Num tal contexto, não era possível

a verdadeira liberdade.

Em contraposição, atribuía-se à Kultur   alemã uma preo

cupação com a “liberdade interior”, com a autenticidade, com

a verdade mais do que com a impostura, com a essência emoposição à aparência, com a totalidade mais do que com a

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norma. A Kultur   alemã erar uma questão de “superação”, umaquestão de reconciliar as “duas almas” que residiam no peitode Fausto. A contribuição de Richard Wagner à percepçãoalemã da Kultur   nos últimos vinte e cinco anos do século XIXfoi de particular importância. Sua visão da grande ópera não

visava apenas a unir todas as artes, mas também elevar suaGesamtkunstwerk,  sua obra de arte total, a uma posição desuprema síntese e expressão da Kultur , uma combinação dearte, história e vida contemporânea num drama total, ondeo símbolo e o mito se tornavam a essência da existência. Atéa política estava subsumida no teatro. É difícil exagerar a influência de Wagner sobre a consciência alemã c seu papelna emergência de uma estética moderna como um todo. Bay-

reuth tornou-se um santuário erigido à transcendência da vidae da realidade pela arte e a imaginação, um lugar onde omomento estético iria encapsular todo o significado da história e todo o potencial do futuro. Muitos fora da Alemanhatambém se deixaram arrebatar pela promessa wagneriana: Dia-ghilev, Herzl, Shaw, como pioneiros. “Quando toco Wagner”,disse Arthur Symons a James Joyce, “estou num outro mun

do”.1 No festival de Berlim de 1914, pouco antes da deflagração da guerra, Parsifal  foi apresentado na Casa Real daÓpera de 31 de maio a 7 de junho, e depois todo o ciclo doAnel foi encenado de 9 a 13 de junho.

Outros, “idealistas mais vulgares”, pediam uma estetiza-ção semelhante da vida. Em seu  Rembrandt ais Erzieher,*  quealcançou imenso sucesso, Julius Langbehn exortou os alemãesa se afastarem do que ele considerava uma preocupação com

atividades materialistas, tornando-se uma nação de artistas. Avida devia idealmente imitar a arte. A vida devia ser visão eespetáculo, uma obra de arte panorâmica, uma busca de tita-nismo, não uma preocupação com códigos de comportamentoe moralidade. Esta era a esterilidade do liberalismo burguês,dizia Langbehn, em que os alemães pareciam estar incorrendono fim do século.

* Rembrandt como educador.

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O impacto de Langbehn foi reforçado por Houston Ste

wart Chamberlain, cujo livro Grundlagen des neunzehnten 

 Jahrhunderts* foi publicado em 1899 e se tomou enorme

mente popular. Chamberlain, que ridicularizava qualquer pre

tensão a objetividade por parte dos historiadores, chamando-a

de “barbárie acadêmica", era um viajante mal-humorado, mas

extremamente talentoso e fascinante, da odisséia moderna rumo

ao irracionalismo, um símbolo extraordinário da viagem em

 preendida a partir da respeitabilidade burguesa, com uma

visão de mundo e valores sociais prescritos, em direção ao

narcisismo e à fantasia total. Garoto doentio, cuja mãe mor

reu cedo e cujo pai marinheiro o abandonou entre parentes

na França e a escola na Inglaterra, Chamberlain amadureceu

como uma .personalidade “marginal", sujeito a distúrbios ner

vosos, sem pátria, laços familiares ou posição social. O pai

 planejava mandá-lo ao Canadá para cuidar de uma fazenda,

mas a aventura foi descartada por causa da saúde frágil do

rapaz. Chamberlain perambulou por Versailles, Genebra e

Paris, onde em 1883 perdeu muito dinheiro com especulações

financeiras, até chegar à Alemanha. Lá casou com a primeira

mulher, dez anos mais velha do que ele, e também se deixou

empolgar pelo culto de Wagner. Apesar de sua comprovadacapacidade como cientista, foi como servo do mito wagneria

no que Chamberlain encontrou sua raison d'être,  primeiro em

Leipzig, depois em Viena e por fim em Bayreuth, no lar da

Gesamtkunstwerk , onde acabou casando com sua segunda mu

lher, a filha de Wagner, assim completando a simbiose. Numa

trajetória paralela viria a propor uma ideologia germânica xe

nófoba e virulenta, que fez vibrar uma corda sensível no kaiser

Guilherme II e, depois de 1906, no chefe do Estado-Maior,Helmuth von Moltke, e que redundaria, nos últimos anos de

vida de Chamberlain, numa admiração, aliás recíproca, por

Adolf Hitler.

Chamberlain é uma personalidade interessante por mui

tas razões: por ser um racista bem articulado que não pode

ser descartado peremptoriamente como um tolo; por ser um

* Fundamentos do século XIX.

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 publicista e propagandista de prodigiosa influência. Mas, de

nosso ponto de vista, é a sua fuga para um esteticismo como

dista que adquire um significado particular. Em 1884, con

frontado com um desastre financeiro aos vinte e nove anos,

ele escreveu:

Acho que é a minha paixão por Wagner que me dá for

ças para suportar tudo; assim que a porta do meu escri-

tório se fecha atrás de mim, sei que não adianta me abor

recer; por isso, janto bem e passeio pelo bulevar, pen-

sando nas obras de arte do futuro, ou vou visitar um

de meus amigos wagnerianos, ou escrevo a um de meus

numerosos correspondentes wagnerianos.2

Ele passou a acreditar que o homem poderia ser redimido e

dignificado pela arte e que, em particular, a arte de Wagner

 poderia estabelecer uma ponte entre a natureza sensual do

homem e seu propósito moral. A história existia apenas como

espírito, e não como realidade objetiva; suas verdades só

 podiam ser abordadas pela intuição, não por um método crí

tico. Chamberlain talvez tenha vulgarizado Johann G. Droy-

sen, Wilhelm Dilthey, Heinrich Rickert e Wilhelm Windel-

 band — que no pensamento histórico deslocaram a ênfasedo objeto para o sujeito; em outras palavras, da história para

o historiador — mas ele também fazia parte de uma tendência

cultural mais ampla que, numa era de elevada industrializa

ção, procurava respostas para os problemas sociais do homem

não no mundo exterior mas na sua alma. Analogamente, a

visão pública desse mundo exterior era cada vez mais influen

ciada, numa época de comunicações em rápido desenvolvi

mento, por estas explosões de interpretação egomaníaca. “Descartes”, escreveu Chamberlain, “observou que todos os sá

 bios do mundo não poderiam definir a cor ‘branca’, mas eu

só preciso abrir os olhos para vê-la, e o mesmo vale para a

‘raça’ ”.3

Chamberlain pertencia ao grupo de nacionalistas místicos

que ganhou ascendência nos círculos intelectuais da Alema

nha depois da virada do século e que, seguindo Wagner, ten

tava espiritualizar a vida transformando-a em uma busca de beleza. Como Langbehn e o poeta Stefan George, que tam-

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 bém viam a arte como poder, ele desejava tornar a vida uma

obra de arte, pois só num tal contexto se manifestaria a per

sonalidade total do homem. Desse modo também a história

tinha de se transformar num produto inteiramente espiritual.

A distinção apaixonada que os alemães começaram a fa

zer, no final do século XIX, éntre Kultur   e  Zivilisation  eracertamente não só a resposta à observação de um mundo ex

terior, mas também uma reação à própria imagem vista no

espelho. Na verdade, havia na distinção um forte elemento,

talvez até preponderante, de autocrítica e pensamento desi-

derativo, como alguns dos críticos mais perspicazes, de Scho-

 penhauer a Burckhardt e Nietzsche, apontaram em suas es

 peculações filosóficas e históricas. Que uma Alemanha absor

vida em  Macht   e técnica qualificasse desdenhosamente osingleses de comerciantes fleumáticos e os franceses de palha

ços gauleses, Nietzsche, por exemplo, achava profundamente

irônico: a vitória prussiana sobre a França continha as se

mentes da derrota do J&eist,  espírito, alemão. O Geist   se tor-

a ipntradição.4

u:o-aversão eram evidentes no idea-

im otimismo subjacente embutido

'metafísica de que a Alemanha repre-da época, de que ela estava na

da mudança no mundo do início

do século XX, e de que era a principal representante de um

hegeliano Espírito do Mundo — visão captada num verso de

 pé quebrado que se tornou a principal pretensão à fama pós

tuma de um certo Emanuel Geibel de Lübeck, contemporâneo

de Bismarck:  Denn am deutschen Wesen soll die Welt  

genesen.*

nava, por si mesmo; u]

Se a autocrítica ,/e

lismo alemão, h,

numa fé românticasentava a dinâmica essencia

vanguarda do movimento e

nau

CULTURA E REVOLTA

Se a idéia do espírito em guerra era fundamental para a auto-

imagem da vanguarda européia de antes de 1914, a Alema

* Graças à alma alemã o mundo terá cura.

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nha como nação era quem melhor representava essa idéia; e

se para uma emergente estética moderna era fundamental ques

tionar os padrões percebidos como predominantes no século

XIX, a Alemanha era quem melhor representava a revolta.

Seu sistema político era uma tentativa de produzir uma

síntese de monarquia e democracia, centralismo e federalis

mo. Suas universidades eram admiradas pelas pesquisas que

 promoviam. Ela tinha o maior partido socialista do mundo,

 para o qual todo o movimento trabalhista internacional se

voltava em busca de liderança. Seus movimentos de juventu

de, dos direitos das mulheres e até da emancipação dos ho

mossexuais eram grandes e ativos. Estes se expandiram no

contexto de um  Lebensreformbewegung*  que, como o nome

sugere, visava a uma reorientação não só de hábitos básicosda existência mas de valores fundamentais da vida. Segundo

o censo de 1907, 30,6% das mulheres alemãs tinham um

emprego lucrativo. Nenhum outro país do mundo podia igua

lar esse número.1 Berlim, Munique e Dresden eram vibrantes

centros culturais. Picasso disse em 1897 que, se tivesse um

filho que desejasse ser artista, ele o mandaria estudar em Mu

nique, e não em Paris.2 Na introdução do catálogo de sua

segunda exposição pós-impressionista, em 1912, Roger Fry,obviamente identificando o pós-impressionismo com a expe

rimentação em geral na pintura, escreveu: "As escolas pós-

impressionistas estão florescendo, quase se podería dizer gras

sando, na Suíça, na Austro-Hungria e sobretudo na Alema

nha.”3 Strindberg, Ibsen e Munch tiveram uma recepção mais

calorosa na Alemanha do que em seus próprios países. Nas

artes decorativas e na arquitetura, a Alemanha se mostrava

mais aberta a experimentos, mais disposta a aceitar a indústria e a basear nela uma estética do que a França ou a Grã-

Bretanha. Embora, por exemplo, o estabelecimento cultural

 britânico considerasse de modo totalmente crítico a constru

ção do Palácio de Cristal, Lothar Bucher registrou em 1851

que a imaginação popular ficou encantada com o edifício: "A

impressão produzida naqueles que o viram era de uma beleza

* Movimento de reforma da vida.

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tão romântica que reproduções do palácio eram encontradasdependuradas nas paredes dos chalés de remotas vilas alemãs.”4

Já vimos que os parisienses que criticavam o Théâtre desChamps-Elysées o associavam à experimentação e à a-historicidade alemãs. O movimento que os arquitetos, artesãos eescritores alemães fomentavam “mostrou-se bastante forte”, segundo o julgamento de um crítico, “para produzir um estilouniversal de pensar e construir, e não apenas alguns ditos eatos revolucionários de uns poucos indivíduos”.5 Na dança moderna foi na Alemanha que Isadora Duncan e Émile Jacques-Dalcroze fundaram suas primeiras escolas. Díaghilev foi naturalmente atraído por Paris em suas tournées  no Ocidente, porque afinal era o coração da cultura ocidental que ele queriaconquistar, mas suas temporadas na Alemanha obtiveram mais

 pronta aceitação, mesmo que tenham recebido igual aplauso.Depois da estréia do Faune  em 12 de dezembro de 1912, emBerlim, ele passou um cabograma a Astruc:

Ontem estréia triunfal na Nova Casa Real da Ópera.Faune bisado. Dez vezes. Nenhum protesto. Toda Berlim presente. Strauss,. Hofmannsthal, Reinhardt, Nikisch,

todo o grupo Secessão, Rei de Portugal, embaixadores ecorte. Grinaldas e flores para Nijinsky. Imprensa entusiástica. Longo artigo Hofmannsthal em Tageblatt. Imperador, Imperatriz e Príncipes vindo ao balé domingo. Tivelonga conversa com Imperador que estava maravilhadoe agradeceu à companhia. Enorme sucesso.6

Portanto, o etos essencial da Alemanha antes de 1914

subentendia uma busca de novas formas, formas concebidasnão em termos de leis e finitude mas em termos de símbolo,metáfora e mito. Como jovem estudante de arte, Emil Noldeesteve em Paris de 1899 a 1900. Ia freqüentemente ao Louvre

 para copiar pinturas. Certo dia tinha quase terminado umacópia da  Alegoria de Davalos  de Ticiano quando um estranho às suas costas observou: “Você não é latino. Vê-se pelaintensidade de caráter de suas figuras humanas.”7 Se a histó

ria, relatada por Nolde em suas memórias, é verdadeira, re presenta bem a percepção alemã da individualidade no come

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ço do século: o alemão, assim ele se julgava, erá muito mais

espiritual que seus vizinhos. “A criatividade alemã é funda

mentalmente diferente da criatividade latina”, escreveu o ar

tista Ernst Ludwig Kirchner.

O latino tira suas formas do objeto tal como existe nanatureza. O alemão cria sua forma na fantasia, a partir

de uma visão peculiar a ele mesmo. As formas da natu

reza visível lhe servem apenas de símbolos. . . e ele não

 procura a beleza na aparência mas em algo além.8

A Alemanha, mais amplamente que qualquer outro país,

representava as aspirações de uma vanguarda nacional — o

desejo de romper o “cerco” da influência anglo-francesa, aimposição de uma ordem mundial pela Pax Britannica e pela

Civilisation  francesa, uma ordem codificada politicamente como

‘‘liberalismo burguês”.

Embora em alguns setores da Alemanha houvesse um

sentimento de que a Kultur   se encontrava sob os ataques da

superficialidade, do capricho e do efêmero, e de que deviam

ser tomadas medidas para consolidá-la — como sugeriam,

entre outros, Langbehn e Chamberlain —, e embora houvesseuma boa dose de ansiedade em todas as classes, estado de

espírito que naturalmente preocupava governos e líderes, ainda

havia um forte senso de confiança, otimismo e missão, uma

crença em die deutsche Sendung,  numa missão alemã. Era ge

neralizado o sentimento de que a onda de reforma era algo

maior e mais significativo do que qualquer uma de suas par

tes específicas — e, em alguns casos, inaceitáveis —, e de

que constituía o coração e a alma da nação. Friedrich Gun-dolf e Friedrich Wolters, dois discípulos dq poeta Stefan

George, referiam-se a esta idéia quando em 1912 insistiram

no fato de que não havia nada de imoral ou anormal no

homoerotismo. “Ao contrário, sempre acreditamos que nessas

relações deve se encontrar algo essencialmente formativo para

a cultura alemã em geral.” A visão era de uma cultura com

 prometida com o “amor heroicizado”.9

A Alemanha tinha, de fato, o maior movimento de emancipação homossexual da Europa às vésperas da Primeira Guer

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ra Mundial. Já em 1898 August Bebel achou necessário fazer

um discurso sobre o tema no Reichstag. A homossexualidade

no círculo do kaiser èra bem conhecida mesmo antes de o

 jornalista Maximilian Harden decidir torná-la pública em

1906. Na Alemanha Magnus Hirschfeld liderou a campanha

 para revisar o parágrafo 175 do código civil, e por volta de1914 sua petição continha assinaturas de 30 mil médicos,

750 professores universitários e milhares de outras pessoas.

Em 1914 Berlim tinha cerca de quarenta bares homossexuais e,

segundo as estimativas da polícia, de um a dois mil prosti

tutos.10

 Nada disso tem a intenção de sugerir que os alemães aco

lhiam bem a homossexualidade ou estavam preparados para

tolerá-la publicamente — não estavam —, mas a relativa desenvoltura do movimento na Alemanha indica de fato uma

dose de tolerância não encontrada em outros lugares. Além

disso, a homossexualidade e a tolerância para com ela são,

como muitos sugeriram, fundamentais para a desintegração

de constantes, para a emancipação do instinto, para o colapso

do “homem público” e, na verdade, para toda a estética

moderna.

A liberação sexual na Alemanha  fin-de-siècle  não se limitou aos homossexuais. Em geral havia uma nova ênfase na

 Leibeskultur , ou cultura do corpo, numa valorização do corpo

humano livre de tabus e restrições sociais; na libertação do

corpo de espartilhos, cintos e sutiãs. O movimento da juven

tude, que floresceu depois da virada do século, deliciava-se

com um “retorno à natureza” e celebrava uma sexualidade

 bem pouco dissoluta, mas certamente mais livre, que consti

tuía uma parte de sua rebelião contra uma geração mais velha, envolvida, segundo os jovens, em repressão e hipocrisia.

 Na década de 1890, a Freikörperkultur , ou livre cultura do

corpo — um eufemismo para nudismo —, tornou-se parte de

um movimento de mania de saúde que promovia dietas macro

 bióticas, legumes cultivados em casa e estações de cura na

natureza. Nas artes a rebelião contra os costumes da classe

média era ainda mais impressionante: das peças de Lulu de

Frank Wedekind, que exaltavam a prostituta por ser umarebelde, passando pela Salomé de Strauss, que decapitou João

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Batista por ter ele se recusado a satisfazer o desejo sexual

dela, à reprimida mas óbvia corrente sexual submersa nas

 primeiras narrativas de Thomas Mann, os artistas usavam o

sexo para exprimir sua desilusão com os valores e priorida

des contemporâneos, e, mais ainda, sua crença numa energia

vital e irreprimível.Os temas sexuais na literatura e na arte implicavam uma

dose de violência que era mais impressionante e permanente

na Alemanha do que em qualquer outra parte. Aqui nova-

mente a fascinação pela violência representava um interesse

 pela vida, pela destruição como ato de criação, pela doença

como parte da. existência. Em Wedekind, Lulu é assassinada;

em Strauss, Salomé é quem assassina; em Mann, Aschenbach

morre vitimado .por uma combinação de atmosfera doentia edesejo sexual não realizado. Nos primórdios do expressionis-

mo alemão havia uma presença da violência — no tema, na

forma, na cor —, mais intensa do que a encontrada no cubis

mo ou no futurismo. Os manifestos futuristas de Marinetti

trombeteavam a destruição de monumentos e museus, e a quei

ma de bibliotecas, e Wyndham Lewis fundou um jornal

chamado  Blast   para captar essas intenções, mas um elemento

de histrionismo e até de galhofa dominava tais esforços. Nosexpressionistas alemães Franz Marc e August Macke, a vio

lência era menos uma manifestação superficial e mais a ex

 pressão de uma profunda excitação espiritual, da qual a apa

rência assumida, beirando a inocência e o encanto de um

colegial, não fornecia nenhum indício. "Nossas idéias e nos

sos ideais devem usar cilício”, escreveu Marc; "devemos ali

mentá-los com gafanhotos e mel silvestre, e não com história,

se quisermos escapar da fadiga de nosso mau gosto europeu.”11A fascinação pelo primitivismo, ou, num outro sentido,

o desejo de estabelecer contato com o elementar no espírito

alemão, atingiu muitos níveis na Alemanha, particularmente

dentro das classes médias. O movimento da juventude, com

seu ímpeto de fugir de uma civilização urbana de mera forma

e impostura e voltar à natureza, estava repleto de tais asso

ciações. Venerava Turnvater Jahn, o homem que fundara as

sociedades de ginástica nos Estados alemães durante as guerras de libertação contra Napoleão e que, por algum tempo na

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 juventude, vivera em uma caverna e mais tarde caminhara pelas ruas de Berlim vestido com uma pele de urso. As origens tribais dos alemães também eram constantemente evocadas na virada do século, tanto no discurso político como emgeral. Numa famosa alocução às tropas que estavam sendo

enviadas para ajudar a sufocar a rebelião dos Boxers, o kaiser pregou o retorno ao espírito dos hunos. Em 8 de julho de1914 o  Berliner Tageblatt,  importante diário berlinense de tendência liberal de esquerda, começou a publicar como folhetimum romance de Karl Hans Strobl, intitulado So ziehen wir  aus zur Hermannsschlacht .* O jornal continuou a publicar episódios em agosto depois da deflagração da guerra. O títuloreferia-se à famosa batalha do ano 9 D.C., quando Armínio,

da tribo dos queruscos, derrotou as legiões do general romanoVaro nas florestas ao norte da atual Hanover. O enorme monumento a Hermann, que ainda se encontra na floresta Teu-toburg, fora terminado em 1875. Muitos artistas além de Marce Macke encontravam inspiração na contemplação do primitivo. Durante uma viagem aos Mares do Sul, Emil Nolde comentou no início de 1914:

Homens primitivos /vivem na natureza, integram-se nela,são uma parte do todo. Às vezes, tenho a sensação de quesão os únicos seres humanos reais que ainda restam, ede que nós, por outro lado, somos bonecos disformes, artificiais e cheios de presunção.

Ele lamentava todo o processo do imperialismo, particularmente a versão britânicá: sentia que muita essência tinha sidodestruída e substituída apenas por fingimento.12

Tanto no próprio país como no exterior muitas pessoasestavam cativadas, algumas exasperadas, pela efervescência cultural alemã. Nas camadas sociais médias alemãs estava longede haver estima universal pelas peças de Wedekind, pela artede Marc e Macke, ou pelo "aperfeiçoamento do corpo” e oidealismo rarefeito da juventude urbana. As classes trabalha-

*  Assim partimos para a Batalha de Hermann.

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doras, nem é preciso dizer, não concordavam com as preten

sões dos boêmios burgueses. Mas o interessante é que nada

disso parecia negar a identificação geral da maioria dos ale

mães com as idéias de novidade, regeneração e mudança. Ob

servadores estrangeiros tinham uma reação semelhante. O filó

sofo americano, nascido na Espanha, George Santayana pensava principalmente na Alemanha quando escreveu:

O espírito com que partidos e nações que estão fora do

âmbito da liberdade inglesa se confrontam não é mater

nal, fraternal, nem cristão. A bravura e a moralidade

deles consistem em seu indomável egotismo. A liberdade

que querem é a liberdade absoluta, um desejo que é bem

 primitivo.13

Santayana denegriu o "egotismo” alemão, o que ele via como

a ênfase em virtudes privadas e conformismo público, atitu

de que lhe indicava o atraso do desenvolvimento social e mo

ral alemão. Entretanto, apesar do sarcasmo e da contrariedade,

ele também percebeu a vitalidade no coração dos assuntos

alemães: "A imaginação moral alemã está m ais ... apaixona

da pela vida do que pela sabedoria.”14 Nos primeiros dias deagosto de 1914, H. G. Wells falava da "vaidade monstruosa”

que caracterizava os alemães.15

Igor Stravinsky mostrava uma disposição mais favorável.

Em fevereiro de 1913, depois de já ter ouvido duas vezes a

 Elektra  de Strauss, escreveu numa carta:

Estou totalmente em êxtase. E a sua melhor composição.

Que falem dos vulgarismos que estão sempre presentesem Strauss, e a isto a minha resposta é: quanto mais pro

fundamente se examinam as obras de arte alemãs, mais

se verifica que todas sofrem disso. . . A  Elektra  de Strauss

é uma coisa maravilhosa!16

Por "vulgarismos” Stravinsky presumivelmente entendia os as

 pectos "elementares” da obra e também o desafio ao público

que a obra representava. Além disso, se grande parte da artemoderna alemã se preocupava com os fundamentos, inferia-se

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que a cultura alemã como um todo, tanto consumidores como

criadores, se harmonizava mais com a experimentação e a

novidade. Ser “elementar” era rebelar-se contra normas sufo

cantes e embrutecedoras, contra convenções sem sentido, con

tra a insinceridade. Tudo isso estava no âmago da interpre

tação alemã de Kultur.  Se os alemães enquanto indivíduosnem sempre tinham uma atitude clara para com a mudança,

a cultura promovia a mudança vingativamente.

Em nenhuma outra parte houve prova mais dramática

desse fato do que na área das relações exteriores e das metas

de política externa. Em sua atitude agressiva para com outros

 países e povos, a Alemanha mostrou pouca compreensão, es

 pecialmente depois da virada do século, das ansiedades, dese

 jos e interesses de aliados, neutros ou inimigos. Assim, osreceios britânicos a respeito das ambições navais alemãs, a

 preocupação francesa com as pretensões coloniais alemãs,] e

a cautela russa quanto às postulações alemãs sobre o tema

de uma união aduaneira da Europa Central, estendendo-se do

Mar do Norte ao Adriático e da Alsácia às fronteiras da Rús

sia, encontravam pouca simpatia na Alemanha, seja nos cor

redores do poder, seja na população em geral.

Em 1896 o governo adotou abertamente o que veio a serchamado de Weltpolitik,  ou “política mundial”, em oposição

a uma política externa centrada até aquele momento na Eu

ropa. A Weltpolitik   não era uma política externa imposta aos

alemães pelas maquinações de um pequeno grupo de conse

lheiros ao redor do kaiser. Refletia um sentimento bem difun

dido, incentivado por um grande número de eminentes inte

lectuais e por associações públicas, de que a Alemanha devia

expandir-se ou entrar em declínio. Esta mudança de política,acompanhada como foi pela inauguração de um programa de

construção naval e uma busca ruidosa de mais colônias, des

 pertou naturalmente preocupações no exterior a respeito das

intenções de longo alcance da Alemanha. Dentro da Alema

nha, entretanto, essas dúvidas externas eram interpretadas ape

nas como ameaças veladas. Dada a localização geográfica da

Alemanha, sua recente consolidação como Estado-nação e a

mistura de insegurança e auto-afirmação em sua constituição,não surpreendia que os alemães começassem a temer que uma

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conspiração estivesse em andamento, liderada pela Inglaterra,

a pérfida Albion, para encurralar e esmagar a Alemanha e

assim suprimir a novidade, o espírito, o incentivo e a aven

tura. As pretensões britânicas em matéria de livre comércio,

mercado aberto e ética liberal eram, em nível mundial, pura

hipocrisia — assim se dizia na Alemanha. A Grã-Bretanha eraum país empenhado em reter sua posição internacional, man

ter arrogantemente o controle dos mares, negar ditatorialmente

o direito de qualquer outra nação a construir uma armada

e a seguir uma política imperial. As declarações formais bri

tânicas sobre o império da lei, democracia e justiça eram,

dada a sua política externa, obviamente uma impostura. No

contexto internacional os alemães inclinavam-se a considerar

seu país como uma força progressista e libertadora que introduziria uma nova honestidade nos arranjos de poder no mun

do. Em contraste com isso, a Grã-Bretanha constituía, do ponto

de vista alemão, o poder arquiconservador, determinado a

manter o status quo.

O kaiser Guilherme II, que tinha ascendido ao trono

alemão em 1888 aos vinte e nove anos, era um representante

apropriado desta Alemanha nascente e turbulenta. Walther

Rathenau diria dele que "nunca antes um indivíduo simbólico representou tão perfeitamente uma época”.17 Guilherme não

apenas personificava as contradições e os conflitos do país

que governava; ele procurava uma resolução desses conflitos

na fantasia.

 Na realidade, era um homem sensível, afeminado e ex

tremamente nervoso* cujos amigos íntimos eram homossexuais,-

homens para os quais se via atraído pelo calor e afeição que

não conseguia encontrar no mundo oficial demasiadamente circunscrito e nos limites da vida familiar tradicional e domi

nada pelo sexo masculino. Entretanto, a imagem que se sentia

constrangido a apresentar de si mesmo era a do supremo

senhor da guerra, o epítome da masculinidade, da força e

da determinação patriarcal. Mas, embora tenha centralizado

o governo e a administração na Alemanha num grau sem pre

cedente, e embora tenha gerado sete filhos, parece ter encon

trado pouca satisfação em seu papel de governante ou de pai.Confrontado dentro de si mesmo com a dicotomia entre fra-

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queza e poder, e nenhum dos extremos sendo aceitável, ele

recorreu ao mesmo comportamento que a nação adotara cole

tivamente: interminável representação teatral. Bertrand Rus-

sell tinha a impressão de que o kaiser era, sobretudo, um

ator.18 Quando Guilherme demitiu Bismarck em 1890, o prín

cipe Bernhard von Bülow observou que o próprio Guilhermequeria desempenhar o papel de Bismarck.19

Muitos comentavam a natureza histriónica de Guilherme,

seu gosto pela pompa e pela cerimônia, e sua vida de fantasia.

Sua capacidade de atenção tinha curta duração; conseqüente-

mente, os relatórios dos fatos que lhe apresentavam tinham

de ser sucintos, mas dramáticos. Sua natureza inquieta exigia

constantes excursões e lisonja constante; era o turista moder

no em oposição ao viajante tradicional. Seu amigo mais chegado, o príncipe Philipp zu Eulenburg, era um poeta razoa

velmente bem-sucedido, músico e compositor que se consi

derava principalmente um artista, forçado pelas circunstâncias

sociais e pelas pressões dos pais a levar a vida monótona do

serviço público. Guilherme deleitava-se com as artes, parti

cularmente com espetáculos exuberantes. Tinha vivo interesse

 pela ópera e pelo teatro, deixando mais de uma vez os pro

fissionais espantados com seu conhecimento. Se seus gostoseram em sua maior parte convencionais, ele pelo menos tole

rava ocasionalmente a experimentação e demonstrava uma afei

ção particular pelos Ballets Russes.

O interesse do kaiser e da corte pela dança tinha al

gumas implicações estranhas mas reveladoras. Com alguma

freqüência, ao que consta, Dietrich conde von Hülsen-Háseler,

chefe do gabinete militar, punha um tutu e, diante do kaiser

e de convidados reunidos, um público em geral misturado,embora nunca incluísse a imperatriz, executava admiráveis

 pirouettes  e arabesques.  Uma dessas apresentações deveria ser

a última de Hülsen. Em 1908, na casa de Max Egon Fiirst

zu Fiirstenberg, outro amigo íntimo de Guilherme e impor

tante conselheiro de política externa, Hülsen começou a dan

çar e repentinamente caiu morto, vítima de um ataque do

coração.20 Talvez se possa descartar facilmente esse tipo de di

vertimento como uma engraçada brincadeira juvenil, digna dastravessuras de escoteiros, mas à luz dos paradoxos presentes

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no caráter do kaiser e na dinâmica cultural de seu país as

aclamadas apresentações de Híilsen adquirem uma importân

cia simbólica considerável. Mesmo deixando de lado as-im

 plicações sexuais dos episódios de Híilsen, pode-se dizer que,

embora Guilherme considerasse a arte no domínio público

um meio de cultivar ideais na, sociedade e, particularmente,de educar as camadas inferiores, em sua vida privada e sensi

 bilidade pessoal inclinava-se a julgar a arte em termos vi-

talistas.

Mas Guilherme não se interessava apenas pelas artes;

tinha um insaciável apetite para novas tecnologias. Num dis

curso de 1906 ele anunciou “o  século do carro a motor” e

 predisse inteligentemente que a nova época seria "a era da

comunicação”.21 Via em si próprio e em seus interesses uma

imagem da alma alemã, onde fins e meios, arte e tecnologia,

constituíam uma coisa só. O historiador de arte Meier-Graefe

considerava o kaiser uma síntese de Frederico Barba-roxa e

um americano moderno, intuição que sugeria corretamente que

a história não tinha nenhuma integridade para Guilherme e

era pouco mais do que um brinquedo para um ego colossal.

 Não é de admirar que Guilherme tenha se entusiasmado coma visão que H, S. Chamberlain tinha da história, mais como

espírito do que como realidade objetiva; e a Igreja Memorial

do Kaiser Guilherme, que ele construíra no centro de Berlim

em homenagem a seu avô, junto com a horrenda Siegesallee,

que passava pelo meio do Tiergarten e unia a Zona Oeste

a Unter den Linden, revelava a natureza totalmente mítica

de seu sentido histórico. Theodor Fontane teve uma reação

semelhante à de Meier-Graefe: “O  que me agrada no kaiser

é a sua ruptura completa com o antigo, e o que não me

agrada no kaiser é esse desejo contraditório de restaurar o

antigo.”22

Havia uma tendência comparável na arte do período,

onde os temas do apocalipse e do atavismo eram motivos cen

trais — o casamento do primitivo e do ultramodemo junto

com a negação da história que tal atitude acarretava. Em

 bora carente de profundidade, a mente do kaiser funcionavaem direção semelhante. A arte moderna se tornara aconte-

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cimento. Também o kaiser gostava de fazer crer que ele eraum evento.

O plano Schlieffen, a única estratégia militar que ò$ alemães possuíam para uma guerra em duas frentes, foi outra

expressão fatal da predominância da fantasia e da preocupa

ção com o momento fáustico no pensamento alemão. O plano previa um rápido ataque através da Bélgica, uma conversão brusca à esquerda no norte da França e a conquista de Paris,de onde todos os recursos poderiam então ser dirigidos contra a Rússia. O plano prometia vitória total na Europa com

 base em uma batalha importante no norte da França. Eraum projeto grandioso, um roteiro wagneriano, que elevava

uma limitada aventura tática a uma visão total. A estratégia

era a do jogador que se imagina diretor de banco.O homem que teria a sina de implementar o plano Schlief

fen, sucessor de Schlieffen na chefia do Estado-Maior, fíel-muth von Moltke, revelava divisões em sua personalidade semelhantes às do kaiser. Moltke tinha muito mais paixão pelasartes do que pelas questões militares. Pintava e tocava violon

celo. Em particular, admitia: “Vivo inteiramente para as artes.”23 Estava trabalhando numa tradução alemã de Pelléas et  

 Melisande

  de Maeterlinck, e diziam que sempre trazia consigo um exemplar do Fausto  de Goethe.

A GUERRA COMO CULTURA

Em agosto de 1914 a maioria dos alemães considerava em

termos espirituais o conflito armado em que estava entrando.A guerra era sobretudo uma idéia, e não uma conspiraçãocom o objetivo de aumentar o território alemão. Para aqueles que refletiam sobre a questão, tal aumento estava fadadoa ser uma conseqüência da vitória, uma necessidade estraté

gica e um acessório da afirmação alemã, mas o território nãoconstituía o motivo da guerra. Até setembro o governo e osmilitares não tinham objetivos bélicos concretos, apenas umaestratégia e uma visão, a da expansão alemã num sentido maisexistencial que físico.

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A idéia de que esta seria uma "guerra preventiva”, para

impedir os desígnios agressivos e as ambições de potências

hostis que rodeavam a Alemanha, fazia certamente parte do

 pensamento de homens como Tirpitz e Moltke. Mas estas con

siderações defensivas,. apesar de freqüentemente discutidas,

eram invariavelmente subsumidas por uma percepção grandiosa do poder alemão, cuja hora, sentia-se, havia chegado.

Os dois aspectos, o prático e o idealista, não se excluíam mu

tuamente, como sugeriram tantos historiadores que estuda

ram os objetivos da guerra; ambos eram ingredientes essen

ciais da personalidade alemã às vésperas da guerra.

Apesar de a Guerra da Criméia, a Guerra Civil Ameri

cana e a Guerra dos Bôeres serem prova suficiente de que

uma conflagração de monta envolveria uma luta longa, demorada e amarga, poucos estrategistas, táticos ou planejadores,

alemães ou de qualquer outra nacionalidade, previam qualquer

coisa que não fosse uma solução rápida para um futuro con

flito. Embora no decorrer do século XIX os militares se ti

vessem preocupado cada vez mais com o tamanho e o nú

mero de suas tropas, com a guerra como fenômeno de mas

sas, a visão por toda parte ainda era a de uma guerra de

movimento, heroísmo e decisões rápidas. As estradas de ferrolevariam os homens à frente de batalha imediatamente; as

metralhadoras seriam usadas no ataque; navios possantes e

artilharia pesada esmagariam o inimigo em pouco tempo. En

tretanto, embora o equipamento fosse importante, considerava-

se a guerra, especialmente na Alemanha, o supremo teste do

espírito e, como tal, um teste de vitalidade, cultura e vida.

A guerra, escreveu Friedrich von Bernhardi em 1911 num vo

lume que iria esgotar seis edições alemãs em dois anos, eraum "princípio doador de vida”. Era expressão de uma cul

tura superior.1 "A guerra”, escreveu um contemporâneo de

Bernhardi, era de fato "o preço que se deve pagar pela cul

tura”.2 Em outras palavras, considerada como o alicerce da

cultura ou conio um patamar para um nível mais elevado decriatividade e espírito, a guerra era parte essencial da ima

gem e do amor-próprio de uma nação,

Quando rebentou a guerra, os alemães estavam convencidos, como se expressou Theodor Heuss, que era um liberal

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sólido e certamente estava longe de ser um nacionalista fanático, de sua "superioridade moral”, de sua "força moral”e de seu "direito moral”.3 Para Conrad Haussmann, tambémda esquerda liberal, a guerra era uma questão de vontade:"Na Alemanha há uma única vontade de todos, a vontade de

se afirmar.”4Ê claro que seria um esforço nacional, esta guerra,mas apenas porque seria um esforço de cada alemão. "Comonão temos nenhum Bismarck entre nós”, declarou FriedrichMeinecke, "cada um de nós tem de ser um pedaço de Bismarck”.5 A declaração do SPD sobye os créditos de guerrano Reichstag, em 4 de agosto, até incluía a palavra míticaKultur,  que os socialistas antes associavam a interesses declasse mas agora adotavam como símbolo da causa de cada

alemão. Tratava-se, dizia o documento dos socialistas, de proteger a pátria, em sua hora de crise, contra o despotismorusso, de "assegurar a Kultur   e a independência de nossaterra”.6 A imprensa do SPD falava em defender a Kultur   eassim "libertar a Europa”! "Portanto”, dizia o Chemnitzer  Volkstimme,  "defendemos neste momento tudo o que a Kultur  alemã e a liberdade alemã significam contra um inimigo bár baro e brutal”.7

Sobre a votação no Reichstag dos créditos de guerra, odeputado socialista Eduard David escreveu em seu diário: “Alembrança do incrível entusiasmo dos outros partidos, do governo e dos espectadores, quando estávamos de pé para sermos contados, nunca me abandonará.” Depois ele foi passearcom a filha na Unter den Linden. A tensão emocional daqueledia fora tão grande que ele tinha de reprimir as lágrimas."Ter minha filhinha junto de mim me faz bem. Se ao menos

ela não fizesse tantas perguntas desnecessárias.”8 As perguntasdiretas da menina eram evidentemente uma ameaça às fantasias evocadas pelos acontecimentos do dia.

Para o artista Ludwig Thoma, em Munique, a guerraera uma tragédia, mas também uma necessidade inevitável. Em1® de agosto ele se encaminhava para a estação ferroviáriacom a intenção de ir a Tegemsee, quando uma multidão seformou à frente da estação, na esquina da Schützenstrasse, e

foram lidas ordens de mobilização. "Desapareceu a pressão”,escreveu Thóma sobre suas reações à situação,

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desapareceu a incerteza. . . E então fui dominado pelaimpressão de que este povo bravo e industrioso tinha decomprar com seu sangue o direito de trabalhar e criarvalores para a humanidade. E um ódio feroz por aqueles que tinham perturbado a paz afastou qualquer ou

tro sentimento.

A Alemanha trabalhara duro e fora bem-sucedida; o resultado foi inveja e ciúme entre os seus vizinhos. Thoma sentia-se ultrajado.9 Sentimentos semelhantes eram expressos portodo o país. Para Magnus Hirschfeld, líder do movimento homossexual e nada admirador do estabelecimento burocráticoda nação, a guerra era em defesa da “honestidade e da sin

ceridade” e contra a “cultura do smoking” da Grã-Bretanhae da França. À afirmação de que a Grã-Bretanha era o larda liberdade e a Alemanha a terra da tirania e da opressão,Hirschfeld replicava que a Grã-Bretanha havia condenadoseus grandes poetas e escritores no último século. Byron tinhasido escorraçado do país, Shelley proibido de educar os filhos e Oscar Wilde enviado à prisão. Em contraposição, Les-sing, Goethe e Nietzsche foram saudados em sua terra com

aplausos, e não com humilhação.10Se na Grã-Bretanha, na França e nos Estados Unidosidéias milenaristas iriam aparecer no decorrer da guerra —“a guerra para acabar com todas as guerras” e “a guerra paratornar o mundo seguro para a democracia” —, na Alemanhao estado de espírito foi apocalíptico desde o início. As visõesdas nações aliadas tinham um forte conteúdo social e político.,como na promessa feita por Lloyd George de “lares apro

 priados para heróis”. Para os alemães, entretanto, o milêniodevia ser, em primeiro lugar, uma questão espiritual. ParaThoma a esperança era que “depois da dor desta guerra surgisse uma Alemanha livre, bela e feliz”.

Portanto, para a Alemanha a guerra era eine innere  Notwendigkeit,  uma necessidade espiritual. Era uma busca deautenticidade, de verdade, de auto-realização, isto é, daquelesvalores que a vanguarda tinha invocado antes da guerra, e

contra aquelas características — materialismo, banalidade, hi pocrisia, tirania — que ela havia atacado. Estas últimas es-

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tavam associadas particularmente à Inglaterra, e era certa

mente a Inglaterra que se tornaria o inimigo mais odiado da

Alemanha depois que ela entrou na guerra em 4 de agosto.

Gott strafe England   — que Deus castigue a Inglaterra —

tornou-se o lema até de muitos alemães que tinham sido mo

derados antes da guerra.Para muitos a guerra era também uma libertação — da

vulgaridade, das restrições e das convenções. Artistas e inte

lectuais estavam entre os mais atacados pela febre da guerra.

As salas de aula e de conferência esvaziaram-se quando os

estudantes literalmente correram para o serviço militar. Em

3 de agosto os reitores e os conselhos administrativos de uni

versidades bávaras lançaram um apelo à juventude acadêmica:

Estudantes! As musas silenciaram. O que importa é a

 batalha, a batalha a que nos forçaram em defesa da

Kultur   alemã, que se vê ameaçada pelos bárbaros do

leste, e em defesa dos valores alemães, que o inimigo

no Ocidente inveja. Desse modo, o  furor teutonicus  irrom

 pe em chamas mais uma vez. Refulge o entusiasmo das

guerras de libertação, e começa a guerra santa.11

Depois que o reitor da Universidade de Kiel fez um apelo aos

estudantes, quase todo o corpo discente masculino se alistou.

A associação da guerra com libertação e liberdade, uma

 Befreiungs  ou Freiheitskampf,  era muito difundida. Para Cari

Zuckmayer a guerra representava “libertação da estreiteza e

mesquinhez burguesas”; para Franz Schauwecker, “umas fé

rias da vida”; Magnus Hirschfeld via nos uniformes, nas di

visas e nas armas um estimulante sexual.12 Quando, no editorial de 31 de julho, o  Berliner Lokal-Anzeiger   observou

que o estado de espírito na Alemanha era de alívio, captou

o que a maioria provavelmente sentia. Mas a liberdade era

sobretudo subjetiva, uma liberação da imaginação. Emil Lud-

wig, que depois da guerra se tornou o flagelo daqueles que,

segundo ele, tinham sido os senhores da guerra de 1914, fi

cou tão arrebatado pela febre de agosto quanto todos os ou

tros. Com uma exuberância que mais tarde quis claramentereprimir e esconder — em seu livro de 1929,  Julho de 1914,

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referiu-se às massas como "os enganados” e falou sobre "a

inocência coletiva nas ruas da Europa” —, ele escreveu "A

vitória moral”, .artigo que foi publicado no  Berliner Tageblatt  

em 5 de agosto: “E mesmo que viesse a desabar sobre nós

uma catástrofe que ninguém ousa imaginar, a vitória moral

desta semana nunca poderia ser erradicada.”13

Para Ludwig e muitos outros, o mundo parecia alterado

de uma hora para outra. "A guerra”, como Ernst Glaeser

diria mais tarde em seu romance  Jahrgang 1902, "tornara

 belo o mundo”. Chegara para a sociedade em geral o mo

mento faustiano que Wagner, Diaghilev e outros modernos

 procuraram realizar em suas formas de arte. "Esta guerra é

um prazer estético incomparável”, diria uma das personagensde Glaeser.14 Glaeser não estava inventando idéias após a

ocorrência dos fatos. As cartas alemãs que chegavam do  front  

estavam cheias de associações entre a guerra e a arte. "Poesia,

arte, filosofia e cultura — é com isso que a batalha tem a

ver”, insistia o estudante Rudolf Fischer.15 Depois de passar

alguns meses nas trincheiras, Franz Marc ainda considerava

a guerra uma questão de espírito:

Continuemos soldados mesmo depois da guerra. . . pois

esta não é uma guerra contra um inimigo eterno, como

dizem os jornais e nossos honrados políticos, nem de uma

raça contra outra; é uma guerra civil européia, uma guerra

contra o inimigo interno invisível do espírito europeu.16

Hermann Hesse fez associações semelhantes. A guerra, iro

nicamente, era uma questão de vida, não de morte; uma afirmação de vitalidade, energia, virtude. Era uma questão de

arte. "Tenho na mais alta conta os valores morais da guerra

em geral”, disse ele a um amigo.

Serem arrancados de uma monótona paz capitalista foi

 bom para muitos alemães, e parece-me que um verda

deiro artista atribuiria maior valor a uma nação de ho

mens que enfrentaram a morte e que conhecem o quehá de instantâneo e estimulante na vida de acampamento.17

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Quando partiu para se juntar a seu regimento, Otto Braun,

um jovem de dezessete anos, estava intensamente arrebatado

 pelo que considerava um ato de criação — “a forma nascente

de uma nova era” —, e rezava para que pudesse desempe-

nhar sua parte "ajudando a criar esta nova era no espírito

da divindade ainda adormecida”.18Em julho e agosto de 1914, a Alemanha representou sua

Frühlingsfeier,  sua sagração da primavera.

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III

NOS GAMPOS DE FLANDRES

A cena foi extremamente dramática, e não acredito 

que será vista de novo num campo de batalha.Um soldado da Companhia B do 2.° Regimento de 

 East Lancashire, em carta para casa no fim 

 do ano de 1914.

Num país progressista a mudança é constante; e não se trata de saber se se deve resistir à mudança que é 

inevitável, mas se essa mudança deve realizar-se em 

consonância com os hábitos, os costumes, as leis e as 

tradições do povo, ou se deve ser executada em obe

diência a princípios abstratos e doutrinas arbitrárias 

e gerais.

Be n j a m i n   D i s r a e l i

Todo jogo significa alguma coisa.

J. Hu i z i n g a

UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO

Quando a Sra. Packer, de Broadclyst, em Devon, recebeu

uma carta do* marido nos últimos dias de dezembro de 1914,

 provavelmente não quis acreditar a princípio no seu conteúdo.

Sabia que ele estava em algum lugar na frente de batalha —

a localização exata, não sabia ao certo porque o censor mi-

litar proibia a revelação desses detalhes em cartas — e, sem

dúvida, acreditava que ele estava lutando bravamente pelo

rei e pelo país. Tinha esperanças de que ele pudesse passar

 pelo menos o dia de Natal nos alojamentos, longe do  front, 

mas quando começou a ler a carta compreendeu imediatamenteque seu desejo não fora realizado.

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Seu marido passara realmente o Natal no  front   — como

membro da Companhia A do 1° Batalhão do Regimento de

Devonshire —, estacionado perto de Wulverghem ao sul de

Ypres, em Flandres. Mas na maior parte do dia ele estivera

mais fora da linha de fogo do que dentro dela. Que Natal

inacreditável! Em vez de combater os alemães, o caboPacker, junto com centenas de companheiros de regimento,

 brigada e divisão daquele setor e milhares de outros ao longo

da linha britânica em Flandres, tinha se arriscado a entrar

na terra de ninguém entre as trincheiras para se encontrar

e confraternizar com o inimigo. Os alemães haviam aparecido

em igual número.

Packer contava, em seu relato daquele dia surpreendente,

como em troca de um pouco de tabaco recebera uma chuva

de presentes: chocolate, biscoitos, charutos, cigarros, %um par

de luvas, um relógio com corrente e um pincel de barba! Uma

colheita extraordinária! Era uma proporção entre dar e rece

 ber que teria envergonhado uma criança, mas Packer se re

gozijava com a experiência, atitude igual à de muitos de seus

compatriotas. “Assim, veja você”, contou ele à mulher com

seu jeito de atribuir pouca importância ao fato, “ganhei um

 bom presente de Natal e pude passear em segurança por

algumas horas”. A Sra. Packer ficou tão espantada com a

carta que a enviou imediatamente ao jornal local, e ela foi

 publicada no dia do Ano-Novo no Western Times  de Exeter.1

O fuzileiro G. A. Farmer, cujo 2° Batalhão de Fuzilei

ros da Rainha, de Westminster, ocupava uma posição ainda

mais avançada na frente de batalha naquele Natal, pôde in

cluir em sua carta aos familiares, em Leiscester, um comentário mais exuberante e eloqüente: “Foi realmente um dos

 Natais mais maravilhosos que já passei.” A família deve ter

ficado pasma. Havia uma guerra, afinal! Farmer continuava:

Os homens de ambos os lados estavam imbuídos do ver

dadeiro espírito da época e de comum acordo pararam de

lutar e adotaram uma visão diferente e mais brilhante da

vida, e assim estávamos tão tranqüilos quanto vocês na boa e velha Inglaterra.2

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se repetido durante a guerra sugere, além disso, que não fo

ram os “canhões de agosto”, mas os eventos subseqüentes,

que despedaçaram o velho mundo. A “garden party  eduardia-

na” não terminou repentinamente em 4 de agosto de 1914,

como se tem afirmado.8 Uma década depois da guerra W. A.

Quinton, do 1? Batalhão de Bedfordshire, escreveria:

Homens que se juntaram a nós mais tarde inclinavam-se

a não acreditar no que dizíamos quando falávamos do in

cidente, e não é de admirar, pois à medida que os meses

 passavam, nós, que realmente estivemos lá, mal podía

mos compreender que tudo aquilo tivesse acontecido, a

não ser pelo fato de que cada pequeno detalhe se con

servava bem nítido na memória.9

R. G. Garrod, do 20? Batalhão de Hussardos, foi um daque

les que sempre se recusaram a acreditar que á confraterniza

ção tivesse ocorrido. Escreveu em suas memórias que nunca

encontrara um soldado que tivesse saído para a terra de nin

guém e confraternizado com o inimigo naquele Natal de 1914,

e, por isso, concluía que a trégua de Natal não passava de

um mito,10 como os anjos que supostamente teriam ajudadoas tropas britânicas na sua retirada de Mons em agosto de

1914.

A incredulidade de Garrod e as expressões de espanto

a respeito da trégua têm, na verdade, relação entre si. Para

muitos, a trégua, particularmente as dimensões que assumiu,

aconteceu inesperadamente. Foi uma surpresa não porque as

tréguas na guerra fossem raras — bem ao contrário; eram

normais —, mas porque a luta nos primeiros cinco mesestinha sido muito áspera e intensa e cobrara uma taxa muito

elevada de baixas. Além disso, desde o início a propaganda

desempenhou papel importante na guerra, e a campanha anglo-

francesa para retratar o alemão como um bárbaro desmesu

rado, incapaz de emoções humanas normais como compaixão

e amizade, já tinha naquele primeiro Natal surtido efeito. Fi

nalmente, as tentativas de vários grupos, inclusive o Vaticano

e o Senado Americano, no sentido de arranjar um cessar-fogooficial para o Natal haviam sido rejeitadas pelos beligerantes.

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Portanto, a maioria dos combatentes que tinham sobrevivido

aos cinco primeiros meses sombrios, e, o que é mais impor

tante, aqueles — e eram a maioria — que haviam chegado

ao  front   recentemente, imbuídos de certas idéias sobre o ini

migo, tinham boa razão para pensar que esta não era uma

guerra convencional e que o mundo estava, na verdade, emvias de ser transformado por ela. Mas o que a trégua revelou,

 por sua natureza espontânea e não oficial, foi que certas ati

tudes e valores eram capazes de pronta recuperação. Apesar

da matança dos primeiros meses, foi a guerra subseqüente que

começou a alterar profundamente esses valores e a apressar

e difundir no Ocidente a tendência ao narcisismo e à fantasia

que tinha sida característica da vanguarda e de grandes seg

mentos da população alemã antes da guerra.

CANHÕES DE AGOSTO

A guerra se iniciara com movimento, movimento de homens

e material numa çscala nunca antes testemunhada na história.Por toda a Europa, aproximadamente seis milhões de homens

receberam ordens no início de agosto e começaram a se des

locar. Visando a um rápido golpe mortal a oeste, os alemães

 puseram a sua estratégia em marcha acelerada no dia seis.

Sobre as pontes do Reno passavam 550 trens por dia. Pela

 ponte Hohenzollern em Colônia passava um trem a cada dez

rtíinutos na primeira fase da guerra. Em menos de uma sema

na foram reunidos um milhão e meio de homens para a inves

tida. Os franceses se mostraram igualmente diligentes. Em

duas ’semanas mais de três milhões de franceses se desloca

ram em sete mil trens.

O plano Schlieffen, em sua concepção original, devia ter

as características de uma porta giratória, na analogia de Basil

Liddell Hart. Quando aumentasse a investida dos alemães

que entravam por um lado da porta através da Bélgica e do

norte da França, os franceses, que concentravam seu ataqueno sul, seriam atraídos e aumentariam a quantidade de mo-

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vimento da porta e, portanto, do ataque desfechado ao norte.

Implementado por Moltke, o plano foi, porém, modifiqado.

A investida no norte não foi tão vigorosa como se planejara

originalmente. Um Moltke nervoso decidiu primeiro reforçar

seu flanco esquerdo no sul contra os franceses. Depois, quan

do o exército belga se retirou para Antuérpia, Moltke separousete divisões do flanco direito de ataque para dispô-las contra

os belgas e impedir o rompimento da linha. Mais para o fim

de agosto ele novamente enfraqueceu a investida ao enviar

quatro divisões para repelir o avanço russo na Prússia Orien

tal. Em seguida, além de debilitar a força do ataque ao norte,

Moltke ainda resolveu permitir que o príncipe herdeiro Rup-

 precht da Baviera, que comandava o Sexto Exército no sul,

decidisse se devia atacar os franceses ou, como ditava o planoSchlieffen, atraí-los para uma armadilha. Levado pelo desejo

de acentuar a importância da contribuição bávara, Rupprecht

tomou a iniciativa e decidiu atacar, de modo que os france

ses, embora repelidos na área de Morhange-Sarrebourg, foram

forçados pela ação de Rupprecht a consolidar suas defesas,

em vez de se aventurarem a uma posição de ataque mais

vulnerável. Dessa forma, o particularismo alemão desempe

nhou um papel no destino do plano Schlieffen. Mais uma veza realidade da Alemanha — sua fragmentação e lealdade aos

interesses locais — minou a visão de unidade e solidariedade.

O avanço alemão através da Bélgica foi retardado por

uma inesperada resistência local. Além disso, o flanco direi

to, sob o comando de von Kluck, depois de dar uma surra nos *

 britânicos em Mons, atravessou o ponto crítico mais cedo do

que o planejado, e o enfraquecido avanço alemão foi final

mente detido no Marne na segunda semana de setembro. Seguiram-se a retirada alemã para o Aisne, onde os alemães

começaram a se entrincheirar contra a perseguição dos alia

dos, e mais tarde as manobras mútuas ao norte — a chamada

corrida para o mar — que foi uma tentativa de ambos os

lados no sentido de evitar um ataque pelo flanco. Da metade

de outubro ao começo de novembro, os alemães tentaram de

sesperadamente passar por Ypres, usando grande número de

voluntários que tinham corrido a se alistar em agosto, masa linha dos aliados resistiu apesar de enormes perdas. Depois

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da primeira batalha de Ypres, batalha que alguns alemães

chamariam de “o massacre das crianças”, a guerra de movi

mento estava, por ora, encerrada no ocidente. Os exércitos

regulares tinham sido dizimados. Os estoques de munição,

 para fuma guerra que devia estar concluída na época em que

“as folhas caem”, estavam esgotados. A metralhadora, planejada como arma de ataque, provara seu valor mortal como

a suprema arma de defesa. Além disso, o terreno da Bélgica

e do norte da França, com suas inúmeras vilas, fazendas e

cercas, deu ao defensor uma vantagem sobre o atacante. Do

Canal da Mancha à fronteira suíça apareceu uma bizarra e

denteada linha de fortificações de trincheira, a única res

 posta que os estados-maiores puderam conceber para o ines

 perado impasse.Depois da derrota sofrida pelos alemães no Marne, Fal-

kenhayn sucedeu a Moltke e, na esteira de seu fracasso em

Ypres em outubro e novembro, decidiu que o plano Schlieffen

tinha de ser abandonado. Embora ainda acreditasse que a

frente decisiva estava no ocidente, curvou-se à piessão dos

“orientais” — Hindenburg, Ludendorff e Conrad — que de

fendiam providências urgentes para enfrentar o perigo russo.

Assim, os interesses da ofensiva alemã voltaram-se para o

leste. Nesse meio tempo os chefes militares britânicos e fran

ceses aceitaram relutantemente que talvez tivessem de manter,

 por algum tempo, suas posições, até poderem reunir o efetivo

e o poder de fogo necessários para um golpe decisivo.

As baixas alemãs e francesas tinham sido tremendas. Os

alemães perderam um milhão de homens nos primeiros cinco

meses. A França, na “batalha das fronteiras” de agosto, per

deu mais de 300 mil homens em duas semanas. Alguns regi

mentos perderam três quartos de seus homens no primeiro

mês. No final de dezembro as perdas francesas totais eram com

 paráveis às alemãs, aproximadamente 300 mil mortos e 600

mil feridos ou desaparecidos. No fim de 1914 praticamente

toda família francesa e alemã tinha sofrido alguma perda. De

vido às baixas estarrecedoras no começo da luta, no fim do

ano a maior parte da Frente Ocidental francesa e alemã eraconstituída por reservas.

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Em Mons, Le Cateau e depois especialmente em Ypres,

a maioria da Força Expedicionária Britânica (BEF) original,

de 160 mil homens, fora aniquilada. Só em Ypres as perdas

chegaram a 54.105. Em dezembro os Velhos Desprezíveis,

apelido que os soldados de linha britânicos tinham se dado

em resposta à declaração do kaiser que, no início de agosto,qualificara a BEF de “exercitozinho desprezível", constituíam

 pouco mais do que um frágil esqueleto dos exércitos de vo

luntários. Como exemplo da proporção das baixas, a 11* Bri

gada contava, em 20 de dezembro, com apenas 18% de seus

 primitivos oficiais e 28% de seus soldados. Dentro dessa bri

gada, a Infantaria Ligeira de Somerset perdera 36 oficiais e

1.153 homens de outros postos, e daqueles que tinham em

 barcado em agosto, tão alegremente, restavam apenas quatrooficiais e 266 soldados. A 7* Divisão, que chegou à França

em outubro, começou a campanha de Ypres com 400 oficiais

e 12 mil soldados, e encerrou-a com 44 oficiais e 2.336 sol

dados, uma perda de mais de 9 mil homens em dezoito dias.

"Ali com mãos enfraquecidas atiramos a to ch a..." No final

do ano um milhão de britânicos haviam se alistado, e o im

 pério como um todo tinha agora dois milhões de homens em

armas. Por volta de dezembro a maioria das tropas britânicasnas trincheiras era formada por voluntários.1

Para as autoridades militares, que haviam se convencido

de que o resultado de uma futura guerra dependeria de uma

única batalha importante, era impossível aceitar o impasse no

Ocidente. O século anterior tinha sido uma época de extraor

dinário movimento e mudança tecnológica. Pressupunha-se que

a guerra refletiria esse movimento. "Berthelot me perguntou”,

registrou o general-de-divisão Henry Wilson em seu diário nodia 13 de setembro de 1914, depois da batalha do Marne,

"quando eu achava que invadiríamos a Alemanha, e respondi

que, a não ser que cometêssemos algum erro crasso, deve

ríamos estar em Elsenborn em 4 •semanas. Ele achava que

em 3 semanas".2 Kitchener, quando Ministro da Guerra bri

tânico, tivera a presciência de pedir a criação de um exército

 britânico de massas na primeira rôuhião do conselho de guer

ra, em 5 de agosto — "Devemos estar preparados", disse ele,"para colocar em campanha exércitos de milhões e mantê-los

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durante vários anos” —, mas seu apelo enfrentou acentuada

oposição e até sarcasmo no gabinete e no estado-maior bri

tânicos. Sir Edward Grey, o Ministro das Relações Exteriores,

observou que a estimativa da duração da guerra feita por

Kitchener "parecia a quase todos nós improvável, senão in

crível”.3 Os Novos Exércitos, embora aprovados, destinavam-se de fato inicialmente a assegurar a paz, mais do que ganhar

a guerra.

Durante novembro e dezembro de 1914 e durante todo

o ano de 1915 e mesmo parte de 1916, até o desastre do

Somme, vigorou nos exércitos da Entente a opinião de que

o espírito ofensivo era muito importante e de que, apesar dos

reveses e de outras provas em contrário, um rompimento da

linha de combate, uma investida decisiva, colocaria em movimento a parada máquina de guerra. A vitória viria então

em semanas. Por volta de dezembro de 1914 o estado-maior

 britânico tinha relutantemente concordado que a investida de

cisiva teria de esperar pela chegada dos Novos Exércitos na

 primavera, mas a partir desse momento a guerra de movimento

recomèçaria. Os franceses, com boa parte de seu país ocupa

da pelo invasor estrangeiro, mostravam-se compreensivelmente

ainda mais determinados a manter essas crenças. Perto dofinal do ano afirmavam que com alguma paciência os Aliados

conseguiriam aos poucos superioridade em efetivos, munições,

cavalos, dinheiro e suprimentos. Depois, no momento apro

 priado, seria dado o golpe decisivo. "O general Joffre”, afir

mava um resumo do que os oficiais deviam dizer a seus ho

mens no começo de janeiro de 1915, "não lhe [ao inimigo]

aplicou um golpe final porque queria economizar vidas fran

cesas”.4 O general no comando do Quarto Exército francêsinsistia em que todos os seus comandantes convencessem suas

tropas de que eram os alemães, e não os franceses, que esta

vam sitiados.5 Até a falta de granadas e munição e as intole

ráveis condições físicas da guerra de trincheiras no Ocidente,

à medida que o inverno se aproximava com suas chuvas inter

mináveis, transformando o campo de batalha num pântano

lamacento intransitável, não conseguiam alterar esta preocupa

ção básica com a ofensiva. Um mês, dois meses, três no máximo: tal era o teor geral das previsões. "Se nos suprissem

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com farta munição de artilharia. . disse Douglas Haig, que

nesse período comandava o Primeiro Exército britânico, ao

correspondente militar do Times  em 22 de janeiro de 1915,

“poderíamos atravessar a linha alemã em vários pontos”.6

Em dezembro a chuva, que tinha sido intermitente. desde

o começo de setembro, tornou-se interminável em Flandres,Artois e Picardia. Caiu mais água naquele mês do que em

qualquer outro dezembro desde 1876 — mais de quinze cen

tímetros. Os belos dias de agosto tornaram-se substância de

sonhos. Os canos dos fuzis entupiam-se de lama e negavam

fogo. Depois de um ataque britânico em 18-19 dç dezembro,

os alemães informaram que a maioria de seus ferimentos pro

vinha de baionetas, porque os fuzis de seus oponentes esta

vam obstruídos.7 Rios transbordaram. Nos arredores do RioLys, o nível da água chegou a trinta centímetros do nível do

solo. No Somme, as condições do setor eram semelhantes. Em

suas trincheiras os soldados ficavam com água pelos joelhos

e às vezes atolavam-se até o tórax na lama, tendo de ser pu

xados para fora por meio de cordas. Num setor perto de La

Bassée, uma represa se rompeu e afogou os homens em, seus

abrigos de trincheira. Em dezembro os diários de guerra dos

regimentos freqüentemente dedicavam mais espaço à guerracontra os elementos do que à batalha contra o inimigo humano.

 Notas típicas como “lama desesperadora” e “trincheiras im

 possíveis” apenas sugerem a escala da miséria e os problemas

que os combatentes enfrentavam. Bombas de puxar água, man

gueiras, pás e picaretas tornaram-se armas mais importantes

do que fuzis ou artilharia. Em 24 de dezembro circulou a

notícia de que os alemães tinham virado uma mangueira para

as trincheiras britânicas à sua frente, num setor perto de Bé-thune, procurando inundá-las. E alguns dias mais tarde o co

mando da 7^ Divisão Britânica ficou preocupado com a pos

sibilidade de os alemães, dos quais se dizia que tinham fecha

do as comportas em Comines, estarem canalizando água para

as trincheiras britânicas.8 Os dois rumores pressupunham uma

forma não cavalheiresca de guerra que, assim se presumia, não

seria de estranhar partindo dos alemães.

Em muitos lugares até os altos parapeitos eram insuficientes, e era preciso retirar as tropas para terreno seco, deixando

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apenas pequenos postos de observação ou patrulhas a patinharna lama. As comunicações e os movimentos laterais eraminviáveis. Efetuar uma substituição de tropas na linha de frentelevava freqiientemente até quase oito horas, enquanto em condições normais isso se fazia em uma hora mais ou menos.

Os "lenhadores” assumiram maior importância tática do queos piquetes de reconhecimento, porque as achas de lenha, juntocom a tela de arame ofereciam pelo menos alguma proteçãocontra o afundamento na lama.

Em dezembro e janeiro a natureza das baixas refletiu ocaráter da nova guerra: ulceração produzida pelo frio, reumatismo e pé-de-trincheira causaram muito mais vítimas doque o combate real. “É surpreendente que todo o batalhão

não tenha pegado pneumonia”, observou o diário de um regimento.9 Quando a umidade de dezembro penetrou na pelee nos ossos, o Primeiro Exército britânico informou suas baixas na segunda semana de janeiro: 70 oficiais e 2.886 soldados.Destes, 45 oficiais e 2.320 soldados estavam listados comodoentes. Mas apenas 11 oficiais e 144 soldados tinham sidomortos, e 14 oficiais e 401 soldados estavam feridos.10 O comandante de uma unidade informava sobriamente a seus supe

riores no começo de janeiro: "No momento o estado de coisasresultante do prolongado tempo chuvoso é o fator dominantena situação.”11 Uma semana antes do Natal, Frank Isherwoodenviou suas saudações à família: "Todos os meus votos deum Feliz Natal. Eu não quero ver outro se vai ser igual aeste.”12 E não viu.

Esgotamento era o resultado inevitável de três ou quatrodias nas trincheiras. Percy Jones, dos Fuzileiros da Rainha,

de Westminster, viu os componentes do 1° Regimento de Fuzileiros Reais deixarem as trincheiras na manhã de 23 de dezem bro. Eles estavam

esfarrapados, estropiados, desgarrados, feridos nos pés, extenuados, pareciam em geral aniquilados. Cabeludos, bar

 bados, a cara imunda, a cabeça coberta de trapos de todosos tipos, os homens mais pareciam uns selvagens pré-

históricos do que um regimento de primeira classe doExército Britânico.13

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Os elementos não tinham favoritos. Alemães, franceses

e britânicos, todos sofriam, e nenhum lado encontrava res

 postas melhores para a situação. Havia, entretanto, grande

curiosidade de saber como o inimigo estava enfrentando este

aspecto inesperado da guerra. Os alemães parecem ter ficado

com particular inveja das jaquetas de pele de carneiro ou decabra que foram distribuídas em muitos pontos da linha bri

tânica no final do ano, e das botas de cano alto atadas com

cordões que os britânicos usavam, em contraste com as botas

de borracha de cano curto fornecidas aos alemães. As jaquetas

tornaram-se prêmios que os alemães procuravam obter em

escaramuças na terra de ninguém. A história dos regimentos

alemães admitiu que, depois de um ataque britânico perto de

 Neuve Chapelle em 18 de dezembro, o 13° Regimento saqueouos mortos britânicos em busca de despojos, dando particular

atenção às jaquetas de pele de carneiro.14

Eram comuns os saques em busca de espólios e de re

cordações para mandar aos familiares como prova de parti

cipação em combate, especialmente nesta primeira fase da

guerra. Todos eram dados a esta prática. “Em ingleses tomba

dos encontramos relógios, ouro e Cruzes de Ferro de solda

dos alemães", acusou Gustav Riebensahm.15 Se os alemãesadmiravam as botas altas dos britânicos, estes se interessavam

 pelas botas de borracha que alguns alemães usavam para ten

tar enfrentar a lama e a água. Considerar o equipamento do

adversário — uniformes, casacos, botas e outros acessórios —

de qualidade superior era natural, porque aparentemente nada

 podia ser pior do que o próprio equipamento, que se mos

trava inadequado para impedir a umidade e o frio. Isto prova

velmente explica pelo menos um bom número de comunicados de dezembro e janeiro alertando para o subterfúgio de

o inimigo se apresentar vestido, segundo os boatos, com os

uniformes dos adversários. “Oficial de Observação de Artilha

ria, na seção esquerda da 17* Brigada, informa que o inimigo

tem homens usando saiote escocês", dizia uma nota no diário

da 6* Divisão britânica na metade de janeiro.16

Entretanto, apesar de todas as provas de que eram im

 possíveis ataques bem-sucedidos em tais condições, os cornaidantes de exércitos, abrigados em alojamentos quentes e secos,

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não deixavam de enfatizar a necessidade de manter um espí

rito ofensivo, conservar os instintos agressivos afiados para

futuras batalhas decisivas. Tocaias e reides noturnos preci

savam acontecer constantemente; sapas ou túneis deviam ser

levados adiante; e ataques vigorosos tinham de ser tentados

repetidas vezes. Mesmo que nada de concreto se conseguisseno momento — assim determinava o raciocínio —, importava

o efeito sobre o moral da tropa.

As condições atmosféricas naturalmente forneciam sufi

cientes motivos de preocupação com o moral da tropa, mas

o comandante da 2* Unidade Britânica, numa ordem de 4 de

dezembro, referiu-se também a uma “teoria de vida que man

da viver e deixar viver”, que parecia ter surgido nas linhas

de frente e què, ele insistia, tinha de ser reprimida imediatamente.17 Sua observação foi motivada por muitos indícios de

intercâmbios amistosos entre os Aliados e as tropas inimigas.

Esses incidentes, que aumentaram no decorrer de novembro

e dezembro, provocaram alarme entre as “altas patentes”. Era

traição chegar a qualquer entendimento particular com o ini

migo e mais ainda confraternizar com ele, sem permissão. Os

incidentes eram raramente registrados nos diários oficiais de

guerra por medo de que provocassem cólera nos oficiais de

hierarquia mais elevada, mas o próprio fato de que tenha

ocorrido uma quantidade cada vez maior de referências perto

do final do ano sugere que os incidentes. não registrados se

riam ainda mais numerosos. A prática de não atirar em certas

horas do dia, especialmente durante as refeições, tornou-se

comum entre unidades que já se defrontavam há algum tem

 po. Existiam também arranjos não oficiais sobre tiros de to

caia durante a rendição da guarda e sobre a conduta durante

o patrulhamento. Charles Sorley descreveu tais entendimentosem uma carta alguns meses mais tarde: “Sem absolutamente

‘confraternizar’ com o inimigo, não incomodamos o Irmão

Boche setenta metros adiante, desde que ele seja gentil conos

co.” Comentou o tédio da atividade durante o dia, que con

sistia em reconstruir trincheiras e censurar as çartas dos

soldados.

Durante a noite consegue-se um pouco de animação patrulhando a cerca de arame do inimigo. Nossos princi

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 pais inimigos são as urtigas e os mosquitos. Todas as

 patrulhas — inglesas e alemãs — são muito avessas ao

 princípio de morte e glória; assim, ao se encontrarem

 por acaso uma com a outra. . . ambas fingem que uma

é o levita e a outra o bom samaritano e passam ao largo,

sem dizer uma palavra. Os dois lados sabem que bom bardear o inimigo seria uma violação inútil das leis não

escritas que governam as relações de combatentes per

manentemente a cem metros de distância um do1 outro,

aos quais tornou-se claro que arrumar encrenca para o

outro não passa de um modo indireto de arrumá-la para

si próprio.18

Freqüentemente os homens em trincheiras opostas ficavam tão próximos que podiam ouvir as vozes .uns dos outros,

e as zombarias entre as linhas tornavam-se naturais, bem

como tentativas de diversões. O soldado Frank Devine do 6?

Batalhão Gordon da Alta Escócia contou, em uma carta a

seus familiares, em 21 de dezembro, que certa manhã tinha

começado a cantar “0 ’ a’ a’ the airts”, canção sentimental esco

cesa que fala do amor pela terra natal, e que um alemão

do outro lado respondera com “Tipperary”.

Eles gritam todas as manhãs convidando-nos para o al

moço. Um dia desses ergueram um pedaço de quadro-

negro, no qual tinham escrito com letras grandes: “Quan

do vocês, ingleses, irão para casa e nos deixarão em paz?”

Gritam para nós que desejam a paz.19

O 16? Regimento de Reserva da Infantaria da Baviera

registrou que em 18 de dezembro, perto de Ypres, enquantoocorria uma luta feroz mais ao sul, um homem de Allgäu,

área alpina no sudoeste da Alemanha, subiu no parapeito e

cantou uma melodia tirolesa para Tommy Atkins.*20 O senso

de humor no meio da miséria era freqüentemente brilhante.

Em 10 de dezembro, aproximadamente às nove da manhã, os

* Nome dado genericamente ao soldado britânico.

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saxões que se encontravam diante do 2° Batalhão de Essexgritaram que estavam cheios e que haviam hasteado a bandeiraalemã a meio pau. Um membro do Batalhão de Essex retrucoucom um oferecimento de rum e gim. Os saxões recusaram agentileza dizendo que só bebiam champanhe nas trincheiras!21

Perto do 2° Batalhão de Essex, os Fuzileiros de Lancashire fizeram um trato com seus adversários: a troca delatas de carne em conserva por insígnias de capacetes.

“ . . . o trato está feito”, registrou o diário da divisão,“ salvo o ligeiro desacordo sobre quem sairá primeiro de suatrincheira para apanhar a sua parte”.22 É claro que os entendimentos levavam tempo para ser cultivados e nem sempreeram apreciados ou honrados por uma unidade substituta. Assim, o 2° Batalhão de Essex se deu bem com os saxões, masos prussianos que substituíram estes últimos foram qualificados de um "bando de grosseirões que não respondem quandose fala com eles”.23

Em suma, uma certa dose de bons sentimentos — entendimentos e acordos particulares — tinha se desenvolvidoentre trincheiras opostas nas semanas antes do Natal. Deviaformar a base para a trégua de Natal. O comando britâniconão era o único a se preocupar com o efeito desta guerra paralisada sobre o moral dos combatentes. Uma semana antesde serem emitidas as ordens britânicas contra a confraternização, o General Falkenhayn tinha dado avisos semelhantes aseus oficiais: os incidentes de confraternização deviam ser"investigados cuidadosamente pelos superiores e desencorajados de forma enérgica”.24 O crescente número de incidentesindica, entretanto, que as advertências dos superiores tinham

 pouco efeito.

O estado do tempo e as condições das trincheiras estimularam o desenvolvimento de um sentimento amistoso entreos grupos em guerra, mas a relação cada vez mais deteriorada entre os oficiais e os soldados, particularmente entre oscomandantes atrás das linhas e os homens nâs linhas defrente, também contribuiu para o estado de espírito que pro

duziu os acontecimentos do Natal. As táticas improdutivas eaparentemente sem sentido dos estados-maiores na Frente Oci-

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dental causavam uma boa dose de descontentamento. Por exem

 plo, para manter a ênfase no "espírito ofensivo”, e para obri

gar os alemães a sentirem que não podiam transferir mais

nenhuma tropa para a Frente Oriental sem enfraquecer seria

mente sua posição no' ocidente, os britânicos lançaram im

 portante ataque ao longo da metade sul de sua frente em 18de dezembro. A Unidade Indiana foi o instrumento principal

do ataque, mas cerca de dois terços da linha britânica se en

volveram no apoio às investidas. As batalhas aconteceram

desde Le Touquet ao norte até Givenchy ao sul, cessando ape

nas em 22 de dezembro, e do ponto de vista do moral, senão

da estratégia britânica, todo o empreendimento só pode ser

descrito como um desastre.

 Na noite do dia dezoito a 7^ Divisão atacou os ves tf alia-

nos e os saxões perto de Neuve Chapelle e Fromelles com re

sultados terríveis, perdendo 37 oficiais e 784 soldados. Só

o 2° Batalhão Real de Warwickshire perdeu 320 homens, in

clusive o oficial comandante. Num pelotão de 57 homens ape

nas um soldado que fazia as vezes de cabo e três outros ho

mens saíram ilesos. O 2? Batalhão de Guardas Escoceses,

que capturou vinte e cinco metros da trincheira oposta, mas

que, incapaz de manter a posição avançada, foi obrigado a

se retirar de manhã, perdeu seis oficiais e 188 homens com

sua ação. Apenas um oficial que participou do ataque voltou

incólume.

Ao longo de toda a linha os resultados foram semelhan

tes. Quaisquer sucessos registrados eram temporários. Os ale

mães tiveram o mesmo destino. Contra-atacaram em Givenchy

em 20 de dezembro e fizeram um pequeno avanço, mas doisdias mais tarde os britânicos replicaram, expulsando os ale

mães de suas novas posições. Conseqüentemente, às vésperas

do Natal, depois de cinco dias de luta feroz, as posições eram

virtualmente as mesmas do dia dezoito, antes de começar a

 batalha. Tais gestos de "espírito ofensivo” da parte dos ad

versários impressionavam de fato os alemães, que não redu

ziam suas forças no ocidente no grau em. que teriam desejado,

mas a matança- terrível e inútil também provocou desânimoentre as tropas britânicas.

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 No dia dezenove, a 1* Brigada de Fuzileiros e o 1° Ba

talhão de Infantaria Ligeira de Somerset tinham atacado entre

Le Gheir e St. Yves no meio da tarde, em plena luz do dia.

Uma barragem de artilharia deveria ter danificado os entre

laçamentos de arame farpado do inimigo a fim de permitir a

 passagem dos britânicos. Mas, para o caso dò arame não estárcortado, cada homem carregava um colchão de palha para

estender sobre o arame farpado!25 Os alemães devem ter se

espantado com o espetáculo bizarro que viam à sua frente

quando o ataque começou. Como era de esperar, a artilharia

fracassara completamente na tarefa a ela atribuída, e, tendo

de carregar colchões além do equipamento normal, que já

 pesava quase trinta quilos, poucos soldados britânicos conse

guiram chegar ao arame farpado, a uns 120 metros de distância, e menos ainda às trincheiras inimigas. A matança foi vio

lenta. Um dos oficiais que comandavam o ataque, um certo

coronel Sutton, informou mais tarde que o esforço tinha sido

"um fracasso completo”. Embora o comandante da brigada,

atrás das linhas, pensasse que a ação alcançara um objetivo

importante — impedir que os alemães transferissem tropas

 para a Frente Oriental —, Sutton não pôde esconder a pro

funda tristeza e contrariedade, quando fez seu relatório.

Do ponto de vista do batalhão, os únicos efeitos da ação

foram de caráter sentimental: em primeiro lugar, orgulho

 pelo comportamento valoroso das companhias atacantes

que avançaram sem hesitar contra uma linha inabalável

de defensores bem arjnados; e em segundo lugar, dor

 pela perda de tantos camaradas queridos, que não pude

ram ser poupados.26

Como nos casos de confraternização, os diários de guerraoficiais relutam em registrar provas de inimizade; assim, os

exemplos que aparecem nos diários podem ser legitimamente

interpretados como simples indícios da magnitude do ressen

timento. A nota queixosa de 15 de dezembro no diário da

15* Brigada (5* Divisão) sugere emoções profundas: "Re

cebidas ordens da Divisão GOC para atacar e lavançar aos

 poucos — mas difícil saber onde e como fazê-lo.”27

Ao longo da frente franco-alemã ocorriam ataques semelhantes, iniciados em primeiro lugar pelos franceses em Cham-

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 pagne, e verificava-se igual desencanto em conseqüência do

elevado número de baixas e da falta de êxito tangível. Dos

soldados e dos oficiais subalternos seriam ouvidas muitas ex

 pressões de hostilidade contra os altos comandos em meio à ca

maradagem na terra de ninguém no dia de Natal. Uma carta

alemã de 27 de dezembro, interceptada pelos franceses, falava não só da grande confraternização mas de um incidente

observado pelos alemães alguns dias antes, quando soldados

franceses atiraram em seu próprio oficial porque este não que

ria se render numa situação desesperada, em que a morte

teria sido a única recompensa pela bravura. Eles assassinaram

seu oficial e depois se renderam.23

Os soldados alemães também reclamavam. O jovem Albert

Sommer contou em seu diário que o comandante idiota” desua companhia obrigou os homens a saírem em patrulhas na

véspera de Natal para descobrir quem estava do outro lado.

Houve troca de tiros, o que provocou a artilharia inimiga,

destruindo a paz da noite. Sommer acrescentou amargamente

que o comandante ficou na trincheira e celebrou o Natal com

drinques, enquanto seus homens enfrentavam a morte.29

Entretanto, embora o tempo, as condições físicas nas

trincheiras e o desapontamento com a condução da guerrainfluíssem na mente dos soldados na linha de frente, estas

 preocupações não são suficientes para explicar o que aconteceu

nos dias em torno do Natal de 1914. Os mesmos fatores desalen-

tadores surgiriam mais tarde na guerra, quase sempre em dimen

sões mais brutais, mas a confraternização em escala semelhante

nunca mais viria a acontecer. Havia alguma coisa na motiva

ção e na sensibilidade do soldado da linha de frente em de

zembro de 1914 qu*e iria desaparecer na continuação da guer

ra, um conjunto de valores sociais e uma disposição psicoló

gica que seriam drasticamente alterados pelo curso da guerra.

PAZ NA TERRA

 Na véspera de Natal a temperatura começou de repente acair. As trincheiras alagadas congelaram. A lama tornou-se um

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 problema menor, o que por si só levantou o ânimo. Para os

alemães, a véspera de Natal é a parte mais festiva das come

morações natalinas, e ao anoitecer, em quase toda a extensão

da linha alemã, surgiram pequenas árvores de Natal, o tradi

cional Tannenbaum, numa clara infração das instruções ofi

ciais que proibiam árvores dentro das trincheiras. Para efeitodecorativo, muitas árvores tinham velas, reais ou de imitação.

Segundo os relatórios, os franceses — para quem a ár

vore de Natal era muitas vezes uma novidade — e os britâ

nicos ficaram a princípio intrigados com o estranho efeito lu

minoso que viam à sua frente, e pensando que se tratasse

de um ardil, abriram fogo em; muitos pontos. “A primeira coisa

estranha aconteceu”, observou Percy Jones, “quando percebe

mos umas três grandes fogueiras atrás das linhas inimigas. Esteé um lugar onde é geralmente uma loucura riscar um fósfo

ro”. Depois apareceram luzes nas  trincheiras inimigas. “Nos

sa opinião pessoal era de que o inimigo se preparava para um

grande ataque, por isso começamos a arranjar a munição e

os fuzis, aprontando-nos para uma ação rápida.” Ouviu-se en

tão uma voz alemã: “Não atirem!” “Estava tudo bem”, rela

tou Jones, “mas tínhamos escutado tantas histórias sobre a des

lealdade alemã que mantivemos uma vigilância extrema.”1Todos os estados-maiores tinham avisado a suas tropas

que estivessem preparadas para um ataque de surpresa no

 Natal e no Ano-Novo. A argumentação alemã dizia que os

franceses e os britânicos eram materialistas e desalmados de

mais para comemorar o Natal com espírito adequado. Os

franceses consideravam os alemães pagãos; os britânicos os

tinham na conta de bárbaros; por isso, não se devia esperar

deles conduta cristã normal no dia de Natal. Apesar disso,embora o fogo da artilharia tenha feito desaparecer as árvo

res alemãs em vários pontos por alguns minutos, elas quase

sempre reapareciam quando o tiroteio diminuía. O espírito do

 Natal era irreprimível.

Depois que surgiram as árvores, começaram as canções,

às vezes estridentes, mas em geral lentas e sentimentais. Na

grande maioria dos casos foram os alemães, ao que parece, que

começaram a cantar, e o efeito na trincheira oposta, quandoas vozes começaram a ecoar pelos frios descampados da terra

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de ninguém, foi de fascinação. Em muitos lugares, "Stille Nacht, heilige Nacht” ("Noite Feliz”) ou "Es ist ein’ Ros’entsprungen” ("Uma Rosa Nasceu”) foi entoada serenamenteem coro. Num certo ponto, do outro lado das trincheiras francesas, uma gaita de boca começou a tocar "Noite Feliz” sozi

nha, num momento de silêncio, e os sons suaves e obsessivos,no meio da quietude, hipnotizaram os franceses. Em outrolugar, apesar do frio, um soldado alemão tocou o Largo deHandel num violino.2 Em Argonne o 130° Batalhão de Württemberg teve direito a um recital do cantor concertista Kirch-hoff em sua linha de frente. Os soldados franceses, do outrolado, ficaram tão emocionados com o desempenho do cantorque subiram nos parapeitos de suas trincheiras e só pararam de

aplaudir quando Kirchhoff lhes concedeu um bis.sÉmile Marcei Décobert, do 269° Regimento de Infantaria Francesa, na linha perto de Carency, escreveu a seus paiscontando que os soldados franceses cantaram cantigas de Natal alemãs com o inimigo.4 Defronte do 1° Batalhão de Infantaria Ligeira de Somerset, os alemães reuniram a bandado regimento e tocaram os hinos nacionais da Alemanha eda Grã-Bretanha, ao fim dos quais deram três altos vivas e

 passaram a cantar "Home, Sweet Home”. Os britânicos ficaram encantados com a seleção tão cosmopolita e encantadorado programa.5

Aos poucos, os tiros cessaram em quase todos os pontosao longo da linha naquela véspera de Natal. Os homens levan-taram-se, sentaram-se nos parapeitos e gritaram saudações ao"inimigo”. Começaram as conversas. No lado oposto aos Fuzileiros da Rainha, de Westminster, um saxão desafiou os bri

tânicos a irem buscar uma garrafa de vinho. "Um de nossoscompanheiros aceitou o desafio”, escreveu um soldado rasonuma carta a seus familiares na Inglaterra, "e levou um grande bolo em troca. Foi o chute inicial que pôs a bola arolar. . . ”6

Muitos oficiais pensavam em questões táticas quando permitiram ou até encorajaram seus homens a saírem ao encontro do inimigo. Por exemplo, esperavam descobrir quem exa

tamente estava à sua frente e obter uma boa idéia das instalações do adversário. Mas essas considerações práticas foram

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em gerai uma característica secundária da confraternização.A maioria dos encontros consistiu em iniciativas espontâneasque não tinham aprovação nem objetivo militar. O espírito de

 Natal havia simplesmente conquistado o campo de batalha. No dia seguinte, ao amanhecer, o chão estava congelado.

Em algumas áreas, um borrifo de neve fresca cobria o terreno. Em Flandres a geada súbita provocara uma densa neblina,que só aos poucos começou a se dissipar sob o forte brilhodo sol. A mudança repentina do tempo causou espanto evivas. Em comparação com as condições chuvosas do mês precedente, o dia era magnífico. “Uma geada de magia e beleza”foram as palavras que Gustav Riebensahm usou para começar seu diário no dia de Natal. Pouco depois de todos se colo

carem a postos, os incidentes isolados de confraternização danoite anterior multiplicaram-se e, em muitos setores, transformaram-se em grande camaradagem.

Os soldados saíram para a terra de ninguém, ou em algunscasos foram até as trincheiras de seus adversários, para comemorar. Alguns eram tímidos. Outros se mostravam mais abertos. Conversaram, cantaram, trocaram histórias e presentes.À medida que a manhã passava, a confiança aumentava. Or

ganizaram-se as turmas para enterrar os mortos. O 6? Batalhão Gordon da Alta Escócia e o 15? Regimento de Infantaria, uma unidade da Vestfália, reuniram-se num comoventeofício fúnebre. Quando escoceses, ingleses, saxões e vestfalia-nos se enfileiraram dos dois lados de uma vala comum, oreverendo J. Esslemont Adams, ministro da Igreja Livre Unida do Ocidente, de Aberdeen, e capelão do 6? Batalhão Gordon, leu o salmo vinte e três em inglês. Depois um estudantede teologia o leu em alemão: “Der Herr ist mein Hirt: mir  wird nichts mangeln. Er weidet mich auf einer grünen Aue: und führet mich zum jrischen W asser.. .”*

Seguiu-se o Pai-Nosso, frase por frase, nas duas línguas:“Our Father Who art in Heaven. Unser Vater in dem Himmel.”7

Em muitos pontos era normal a diversão mútua com canções e hinos. O segundo comandante do 1° Batalhão de Lei-

* “O Senhor é o meu pastor: nada me faltará. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso.. .”

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cester era o major A. H. Buchanan-Dunlop, na vida civil pro

fessor na escola Loretto, em Musselburgh, perto de Edimburgo.

Pouco antes do Natal, ele recebera o programa do concerto

de final do ano da escola. Ensaiou seus companheiros do Lei-

cester, e no dia de Natal todos foram à terra de ninguém

cantar parte do programa da escola para os alemães. Estesresponderam com uma seleção de hinos.8 Em outros lugares o

comportamento foi mais frívolo. Diante da 3^ Brigada de

Fuzileiros da 6^ Divisão um malabarista alemão atraiu uma

grande e atenta multidão com a execução de seus truques.

A principal refeição de Natal foi distribuída perto do

meio-dia, e os confraternizadores retornaram a suas próprias

trincheiras para comer. Assim que acabaram, a jovialidade

reviveu na terra de ninguém. Ao descobrirem que entre seusadversários havia um barbeiro que tinha trabalhado na Ingla

terra antes da guerra, alguns dos soldados do Batalhão Gor-

don lhe pediram que estabelecesse uma barbearia bem ali no

meio da terra de ninguém e lhes fizesse a barba e o cabelo.

O alemão atendeu o pedido!

Depois das cortesias iniciais, começaram as trocas. Além

dos pacotes de Natal da família e dos amigos, trazidos em

centenas de vagões, cada soldado britânico tinha recebido

da princesa Mary uma caixa dourada de Natal, contendo, para

os fumantes, um cachimbo, dez cigarros e um pouco de taba

co, e, para os não-fumantes, chocolates. Conseqüentemente,

todo soldado britânico tinha o que negociar. Os alemães e

os franceses estavam em posição semelhante. O major von

Der Aschenhauer observou que suas tropas foram tão cumu

ladas de presentes que mal sabiam o que fazer com eles. Percy

Jones expressou os sentimentos de todos os combatentes quan

do escreveu aos familiares no dia 24: “Estou bem, apesar do

grande número de pacotes de Natal que recebi." O excesso

evidentemente impunha trocas por algo novo e diferente.

Os alemães parecem ter demonstrado predileção especial

 pela carne enlatada britânica, que tinha muito menos gordura

que as carnes alemãs, e pelas conservas britânicas. O diário

da 10^ Brigada registrou que os alemães “eram vistos quasea lutar por uma lata de carne”.9 Samuel Judd, incapaz de

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compreender o que os alemães tanto apreciavam na velha

carne salgada, chegou à conclusão de que eles não estavam

sendo bem alimentados: “eles não param de vir em busca de

carne enlatada e geléia!”10 Os alemães postados diante do Re

gimento de North Staffordshire queriam trocar charutos por

carne enlatada. Os cameronianos, entretanto, conseguiram oque consideravam a melhor barganha nesse estranho mercado:

dois barris de cerveja por algumas latas de carne enlatada!11

Todas as espécies de recordações eram buscadas e aceitas.

O mínimo que se trocou foram assinaturas. O soldado raso

Colin Munro do 2° Batalhão de Seaforth enviou à esposa em

Ayr um cartão-postal com seis assinaturas alemãs. Jornais e

revistas eram outros itens que estavam imediatamente à mão.

Um oficial do 2? Batalhão de Fuzileiros, de Lancashire, trocoua revista Punch  por alguns charutos alemães. Mencionou o

fato numa carta aos familiares, que logo a mandaram ao

 Daily Telegraph  para ser publicada; depois do que Owen Sea-

man, da Punch,  escreveu um poema satírico sobre o fato de

sua revista ter sido desvalorizada e degradada ao ser nego

ciada por charutos alemães! Várias formas de tabaco eram

itens clássicos de permuta. Ao que parece, quase todos nessa

guerra fumavam. Mas a busca de recordações significativas

 podia chegar a proporções inquietantes: no  front   da 4* Divi

são, segundo um relatório, foram trocados fuzis.12

Chegou a haver um jogo de futebol? Apesar de muitos

 boatos sobre uma partida e de muitas menções a um jogo

entre britânicos e alemães, não existe prova convincente de

que tal evento tenha ocorrido. Entretanto, boatos difusos nos

informam sobre os desejos e o estado de espírito das tropasda linha de frente. A possibilidade de uma partida parecia

excitar muitíssimo a imaginação dos britânicos. Nas cartas

 para casa apareceram numerosos relatos de um jogo em al

gum lugar do  front.  Na história de uma partida com o re

sultado de 3 a 2 envolvendo os saxões — na maioria dos

relatos, eles ganharam; em alguns, eles perderam — há su

ficiente consistência, indicando que um jogo anterior com la

tas de carne ou algo semelhante talvez tenha de fato ocorrido.Mas uma partida completa com uma bola apropriada é im

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 provável, quando mais não seja por causa do solo cheio de

crateras da terra de ninguém,

Deve ser observado, entretanto, que a paz e a boa von

tade não reinaram em todos os lugares ao longo da linha de

frente no dia de Natal. Na extremidade norte da linha bri

tânica, perto de St. Eloi, mantida pela 3* Divisão, tiros de

tocaia continuaram o dia todo. O 3° Batalhão de Worcester,

ali estacionado, vangloriava-se de ter capturado quatro atira

dores inimigos pela manhã e dois à noite.13 Ao sul, perto de

la Quinque Rue, no  front   da 2* Divisão, os alemães desfe

charam um ataque na manhã do dia 24. O 2? Batalhão de

Guardas Granadeiros perdeu ali a primeira linha de trinchei

ras e sofreu cinqüenta e sete baixas. No dia de Natal os âni

mos continuavam exaltados e uma nova linha de trincheiras

teve de ser preparada. Entretanto, até nesses setores o Natal

 passou relativamente em paz.

A maior parte das comunicações cordiais ocorreu na

frente anglo-germânica na Bélgica e no norte da França, onde

quase três quartos das tropas se envolveram de alguma forma.

 Nos outros lugares, a norma foi uma confraternização dis

creta, e às vezes até franca. Combates, e mesmo tiros de tocaia, foram raros no dia de Natal. “Quase perturbador é o

efeito da extraordinária tranqüilidade ao longo de todo o  front ”,

registrou o diário de um regimento alemão postado frente

aos franceses perto do Somme.14

Se os britânicos e os alemães relutavam em dar detalhes

sobre os episódios de confraternização em despachos oficiais,

 para os oficiais franceses o assunto era completamente tabu.

Mesmo assim, em vários lugares — registros militares alemães,cartas e diários particulares — aparecem provas de que a

confraternização franco-alemã foi considerável, ainda que te

nha sido em menor escala e menos confiante do que na frente

anglo-alemã. Testemunhos esparsos aparecem até nos diários

de guerra oficiais franceses; naqueles, por exemplo, da 111^

Brigada alinhada perto de Foncquevilliers, da 69^ Divisão perto

de Condé sur Aisne; da 139* Brigada em Artois, e da 56* Bri

gada junto ao Somme. A nota do diário da 56* Brigada parao dia vinte e cinco se atém aos fatos:

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O dia está calmo. Uma trégua espontânea estabelece-se

em todo o setor, especialmente nas duas extremidades,

onde soldados franceses e alemães saem de suas trin

cheiras em certos pontos para trocar jornais e cigarros.15

 Não se mencionam nomes nem unidades. Entretanto, os registros dos 12?, 15? e 20? regimentos bávaros mostram que

 pelo menos doze regimentos franceses participaram de franca

confraternização nos arredores de Dompierre junto ao Somme

 — o 20?, o 22?, o 30?, o 32?, o 43?, o 52?, o 99?, o 132.°,

o 137?, o 142?, o 162? e o 172?. Em outras palavras, os do

cumentos alemães indicam que qualquer menção francesa a

relações amistosas mal sugere a extensão da trégua.

Em certos lugares a trégua continuou até o dia de Ano- Novo. Em alguns casos prosseguiu janeiro adentro, chegando

até a segunda semana. E depois, embora reaparecesse um si

mulacro de guerra, com tiros de tocaia e fogo de artilharia,

o resto de janeiro continuou extraordinariamente tranqüilo. O

diário da 1* Brigada de Fuzileiros registrou no último dia de

 janeiro de 1915: “Este foi um mês muito calmo, e consegui

mos realizar bastante trabalho devido à pouca vontade de nos

molestar demonstrada pelo inimigo.”16

O PORQUÊ

Embora uma questão importante, o moral não parece ter sido

a motivação crucial da confraternização. Aqueles que diziamao inimigo que estavam cansados da guerra geralmente diziam

isso como forma de saudação, uma alternativa para “Olá!”

que, de certo modo, não parecia um cumprimento apropriado.

“Negócio sujo este, não acha?” era a essência de tal obser

vação. O que mais poderia alguém dizer a homens que ten

tara horas antes matar? Não se podia pedir desculpas por

atirar no inimigo; teria sido absurdo. Dizer que se desejava

o fim da guerra era a maneira mais aceitável de expressaresse sentimento.

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Os soldados não parecem ter questionado seriamente o

objetivo da guerra neste estágio, mas para a maioria eram

extremamente imperiosos os laços com a família, os amigos

e o lar. O fato de que um grande número de reservistas es

tava agora na linha de frente, muitos de trinta e até quarenta

anos, com mulheres e crianças, foi um fator significativo paraque a confraternização se realizasse. As imagens do Natal em

casa eram simplesmente irresistíveis, e em sua maioria os

homens estavam dispostos a desfrutar pelo menos um dia de

 paz e boa vontade. Os fatos sugerem que, das tropas nas li

nhas de frente, os jovens se mostravam em geral mais agres

sivos e menos inclinados a terem comportamento amistoso.

Mas os fatos também apontam que as tropas britânicas foram

as mais ativas na confraternização. Isso pede explicação.As terríveis condições da guerra em Flandres e no norte

da França evidentemente desempenharam um papel impor

tante para tornar o soldado britânico receptivo à idéia de

alguns dias de relativa paz. Além disso, a ameaça militar re

 presentada pelos alemães afetava os britânicos de forma me

nos direta — afinal, a guerra se desenrolava na Bélgica e na

França — do que a seus aliados; por isso de novo era mais

fácil para Tommy Atkins sentir-se disposto a fazer uma pausa.Entretanto, talvez a razão mais importante para a participação

 britânica na trégua de Natal tenha sido o sentido positivo do

objetivo da Grã-Bretanha na guerra.

Para os britânicos, esta guerra não tinha o fim especí

fico de negar à Alemanha uma armada, colônias ou até supe

rioridade econômica, embora as ambições alemãs nestas áreas

fossem claramente preocupantes. Nem tinha apenas o propó

sito de manter um equilíbrio de poder no continente, não permitindo que qualquer potência ganhasse força excessiva, em

 bora, novamente, este fosse um permanente interesse britânico.

 Não, para os britânicos esta era uma guerra com um objetivo

mais amplo. Tinha o propósito de preservar um sistema britâ

nico de ordem, nacional e internacional, que se via atacado

 por tudo o que a Alemanha e sua introvertida Kultur   repre

sentavam. No começo do século XX, aos olhos dos britânicos,

a Alemanha tinha substituído a França como a personificação da fluidez e da irresponsabilidade no mundo. A Grã-Bre

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tanha, por sua vez, representava o inverso: estabilidade e res

 ponsabilidade. A Alemanha ameaçava não apenas a posição

militar e econômica da Grã-Bretanha no mundo mas todà a

 base moral da Pax Britannica, que, como afirmavam os britâ

nicos, tinha dado ao mundo um século de paz, uma trégua

nas guerras européias generalizadas não desfrutada desde otempo da Roma dos Antoninos.

A missão britânica, fosse no mundo mais amplo, no im

 pério, ou em casa no meio do seu próprio povo, consistia prin

cipalmente em aumentar o senso da virtude cívica, ensinar ao

estrangeiro e também ao britânico ignorante as regras da con

duta social civilizada, as regras para "jogar o jogo”. A missão

 britânica devia familiarizar as "estirpes secundárias”, para usar

as palavras de Kipling, com "a lei”. Civilização e lei, portanto, eram praticamente sinônimos. A civilização só se tor

nava possível quando se praticava o jogo segundo regras esta

 belecidas pelo tempo, pela história, pelos precedentes, o que

em conjunto equivalia à lei. A civilização era uma questão de

valores objetivos, de forma externa, de comportamento e não

de sentimento, de dever e não de capricho. "Só os seres civi

lizados podem se associar”, escreveu J. S. Mill em seu ensaio

"Civilização”.

Toda associação é conciliação; é o sacrifício de alguma

 porção de vontade individual por um objetivo comum.

O selvagem não tolera sacrificar, por objetivo algum, a

satisfação de sua vontade individual.3

Embora se orgulhasse de sua tolerância social e política du

rante todo o século XIX, tendo servido de refúgio para gentecomo Luís Napoleão, Metternich, Luís Filipe e Marx, entre

outros, Londres continuava a ser uma cidade, e a Inglaterra

um país, que inequivocamente esposava uma ética de mode

ração, de reforma racional e restrição racional. A lei e as

instituições parlamentares eram o reconhecimento social dessa

ética e desse comportamento.

Se. a Alemanha era a principal nação ativista, e portanto

modernista, do mundo  fin-de-siècle,  a Grã-Bretanha era a principal potência conservadora. A energia destruidora da Ale-

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manha ameaçava a essência da realização britânica, que con

sistia no estabelecimento de certa parcela de lei e ordem no

mundo. Que a Grã-Bretanha mostrou em geral relativamente

 pouco interesse pelas manifestações da cultura moderna é um

fatô que dispensa extensa comprovação documental. Apesar

de Virginia Woolf declarar mais tarde que a natureza humanamudou “em ou por volta de dezembro de 1910” e de Ford

Madox Ford ter a impressão de que os anos de 1910 a 1914

foram “como um mundo se abrindo”, a Grã-Bretanha em 1914

ainda era, em última análise, totalmente cética quanto aos

esforços artísticos inovadores. Ford se queixava de que “a

completa ausência de qualquer arte" parecia ser “uma carac

terística nacional” dos britânicos.4 A música e o teatro bri

tânicos estavam pouco sintonizados com os acontecimentos europeus; a pintura e a literatura apenas um pouco mais. Em

1904 a Galeria Nacional de Londres recusou a doação de um

Degas. “A pintura aqui se mantém viva, uma chama indis

tinta e bruxuleante”, escrevia Walter Sickert em 1911.

Graças a pequenos grupos de fanáticos devotados, a maio

ria com menos de trinta anos. Ou o gosto nacional des

trói esses fanáticos ou força-os a se adaptarem às regrasestabelecidas. O jovem pintor inglês que ama sua arte

acaba sob pressão irresistível produzindo a caixa 'de cho

colates de fácil consumo.5

Ainda mais surpreendentemente que no caso da França, novos

impulsos nas artes pareciam ser importados do estrangeiro.

Whistler, que Ruskin tinha acusado de “atirar um pote de

tinta na cara do público”, fora o iniciador da importante in

fluência americana; foi seguido na primeira parte do século

 por Ezra Pound, T. S. Eliot e Jacob Epstein.6

Se os alemães consideravam a guerra um conflito espi

ritual, os britânicos a encaravam como uma luta para preser

var valores sociais, precisamente aqueles valores e ideais que

a vanguarda do período anterior à guerra atacara tão impla

cavelmente: noções de justiça, dignidade, civilidade, modera

ção e “progresso” regido pelo respeito à lei. Para os vitorianose até para a maioria dos eduardianos, a moralidade era uma

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questão objetiva. “As opiniões se alteram, as maneiras mudam, credos surgem e desaparecem”, declarou Lord Acton emsua aula inaugural em Cambridge, em 1895, “mas a lei moral está escrita nas tábuas da eternidade”.7 As raízes da moralidade poderiam ser investigadas de várias maneiras, mas não

havia dúvida de que os homens, principalmente através daeducação, estavam se tornando cada vez mais conscientes dadiferença entre o certo e o errado. Liberdade não era per-missividade; era um produto do saber social e da disciplina.Liberdade era trabalho duro. Liberdade não era o direito defazer p que se quisesse; liberdade era a oportunidade de fazer o que se deve. A ética era mais importante do que ametafísica. “Portanto”, escreveu J. S. Mill, “diz-se com razão

que só uma pessoa de virtude comprovada é completamentelivre”.8 A liberdade inglesa não era uma doutrina de direitos,mas de deveres.

Para os alemães, o foco da explicação da guerra estavadirigido para dentro e para o futuro. Thomas Mann considerava a guerra a libertação em relação a uma realidade apodrecida. Sobre o velho mundo, ele perguntava: “As pragas damente não o infestavam como larvas? Ele não estava fermen

tando e exalando o fedor da matéria decadente da civilização?”Para Mann, esta guerra e a sua arte eram sinônimos; ambassignificavam uma luta por liberdade espiritual.9 Para os britânicos, por outro lado, o foco era social e histórico.

Sede os hômens que tendes sido,Tende os filhos que vossos pais tiveram,E Deus salvará a Rainha.10

Para os britânicos a guerra era uma necessidade prática, umsentimento captado pelo slogan  “negócios como de costume”.Como um soldado disse numa carta a seus pais em 1- deoutubro de 1914:

Estamos apenas no começo da luta, me parece, e a cadahora devemos lembrar a nós mesmos que é nosso grande

 privilégio salvar as tradições de todos os séculos passados.É uma grande oportunidade, e não devemos poupar es

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forços para aproveitá-la, pois, se falharmos, nós nos amal

diçoaremos amargamente pelo resto de nossas vidas, e

nossos filhos desprezarão nossa memória.11

Para os alemães era uma guerra para mudar o mundo; para

os britânicos era uma guerra para preservar um mundo. Osalemães eram impelidos por uma visão, os britânicos por um

legado.

O soldado britânico comum não tinha dúvida a respeito

de quem era responsável pela guerra. O soldado raso Patten-

den, do 1? Batalhão de Hants, desembarcara na França em

23 de agosto, fora lançado na batalha três dias depois e desde

então tinham-no feito marchar de um lado para o outro, de

modo que no início de setembro, com os pés inchados e purulentos, não conseguia mais caminhar e apenas se arrastava.

Entorpecido pela fadiga, sede e fome, atordoado pelos hor

rores que tinha visto, e totalmente descrente de seus oficiais,

ele pegou seu diário pessoal em 5 de setembro e rabiscou:

Eles nos disseram que nossas marchas foram estratégicas,

tudo mentira, não passam de uma retirada completa, e

durante duas semanas tivemos de fugir, porque temosmedo de ser inteiramente sobrepujados e vencidos; e

agora se formos atacados. . . não poderíamos correr nem

dez metros, o resultado seria uma carnificina.12

Entretanto, apesar da fadiga e da depressão, a consciência do

objetivo não esmorecia. Durante a batalha do Marne, Patten-

den tirou alguns momentos para anotar:

Oh, é terrível, ninguém pode imaginar a guerra enquanto

não está no meio dela, todo ser vivo sofre com isso. . .

Maldito seja o kaiser para sempre, que nunca mais con

siga dormir em paz, o fanático louco, que nunca encon

tre descanso nem mesmo depois da morte. . . Temos de

acabar com ele, pois, caso contrário, nunca estaremos

seguros.

Esta consciência do objetivo não seria afetada pelos sofrimentos dos meses seguintes, e as opiniões eram mais ou menos

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cavaleiro cristão. O culto dos jogos se espalhou das escolas

 públicas para as universidades e daí para mais além. Na se

gunda metade do século XIX o futebol, o rúgbi e críquete

deixaram de ser apenas passatempos, e tornaram-se uma pai

xão para os britânicos. Os mineiros de carvão, os operários

das fábricas e as classes trabalhadoras em geral sentiam-se particularmente atraídas pelo futebol, ou soccer , porque tudo

que era necessário era um objeto para chutar. As classes mé

dia e alta desenvolveram uma predileção pelo críquete, que,

com suas associações bucólicas, veio a ser um veículo capaz

de transpor muitos dos mitos da Alegre Inglaterra para a mo

derna paisagem industrial e também para o império. Mas am

 bos os jogos despertavam o interesse da sociedade em geral.

A Comissão Clarendon de 1864 insistia em que

cs campos de futebol e críquete. . . não são apenas lu

gares de diversão; ajudam a formar algumas das mais

valiosas qualidades sociais e virtudes viris, e conservam,

como a sala de aula e a pensão de estudantes, um lugar

distinto e importante na educação escolar pública.13

 Nas décadas de 1870 e 1880 as escolas começaram a con

tratar profissionais para serem treinadores. Em Marlborough,

o críquete chegou a rivalizar com os clássicos na atenção de

mestres e de alunos; em Radley os campos esportivos eram

objeto de tanta devoção quanto a capela. O diretor de Loretto,

H. H. Almond, insistia em dizer, em 1893, que o futebol “só

 produziria bons resultados”, proporcionando “uma educação

naquele espírito de cavalheirismo, honestidade e boa índole”.14Os esportes, portanto, deviam servir a um objetivo não

só físico, mas também moral; deviam encorajar a autoconfian

ça e o espírito de grupo; formar o indivíduo e integrá-lo no

grupo. “O atletismo não é um baluarte pouco importante da

constituição”, ponderou Charles Box, cronista de críquete, em

1888. “Ele não simpatiza com niilismo, comunismo, nem com

qualquer outro ‘ismo’ que vise a produzir a desordem nacio

nal.”15 Ao contrário> o esporte desenvolvia a coragem, a determinação e o espírito público; como o Times  escreveu na

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segunda-feira depois da final do futebol inglês de 1899, o

esporte era de grande valia "nas batalhas da vida”.16

Por volta do fim do século o culto dos esportes tinha

atingido todos os segmentos da sociedade. Toda conversa en

treouvida num passeio à noite por uma cidade industrial. pa

recia conter "um pouco de crítica ou vaticínios de futebol”. No reino de Eduardo multidões de 100 mil pessoas assistiam

às finais de futebol no Palácio de Cristal. Para uma grande

maioria, o interesse pelos esportes até fazia sombra ao inte

resse pela política. G. K. Chesterton brincou em 1904 ao di

zer que o jogador de críquete C. B. Fry "nos representa muito

melhor do que o Sr. Chamberlain”. E uma caricatura em

Punch  antes da guerra mostrava um trabalhador apontando

 para o seu representante no Parlamento — os membros doParlamento começaram a ser remunerados em 1911 — e di

zendo: "Gente como n ó s ... tem de pagar a ele 400 libras

 por ano. Fico louco só de pensar que poderíamos ter dois

zagueiros de primeira classe pelo mesmo dinheiro.”17

Talvez o poema mais famoso dos últimos tempos da era

vitoriana e eduardiana tenha sido "Vitai Lampada” de SirHenry Newbolt, escrito em 1898:

 Há um silêncio ansioso no pátio esta noite  —

 Marcar dez pontos e ganhar o jogo  — 

Um campo irregular e uma luz ofuscante,

Uma hora de jogo e o último homem a entrar.

 E não é por amor a um casaco cheio de fitas,

Ou a esperança egoísta de fama por uma temporada,

 Mas pela mão do Capitão batendo em seu ombro: 

“Avante! Avante! e siga as regras do jogo!" 

 A   estrofe seguinte transportava a mentalidade esportiva, junto

com os campos de jogos de Eton, para os postos avançadosdo império.

 A areia do deserto está empapada de vermelho  —

Vermelho do quadrado que se rompeu;

 A Gatling engasgou, o Coronel está morto, E o regimento cego de poeira e fumaça;

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O rio da morte está cheio atê a borda,

 A Inglaterra está longe, e a Honra é um nome;

 Mas a voz de um colegial refaz as fileiras:

<(Avantel Avante! e siga as regras do jogo!,f 

“Seguir as regras do jogo!” É disto que trata a vida.Decência, fortaleza, firmeza de caráter, civilização, cristianismo, comércio, tudo se mistura numa coisa só: o jogo.

Quando Kipling, em seu estado de espírito mais amargo,frustrado pela guerra na África do Sul e depois pela mortede amigos como Cecil Rhodes, expressou sua melancolia na-quela extraordinária meia-volta, que é o poema "The Islanders”,de 1902, não encontrou imagem mais apropriada para o des

 prezo que sentia pelos britânicos do que a dos esportes:

. . . contentastes vossas almas • com os tolos enflanelados no  wicket* e os imbecis

[enlameados nos gols.

 No final de julho de 1914, temendo que "alguma terrível e brutal justiça” pudesse fazer os britânicos pagar por anos de

"estupidez e vulgaridade materialistas”, Henry James lembrou-se dos versos de Kipling. James escreveu:

Se algo muito ruim de fato acontecer ao país, não seconta com nada parecido com a inteligência francesa parareagir — pois o tolo enflanelado no wicket,  o imbecilenlameado e tutti quanti  representam grande parte denossa inteligência preferida.13

Se o sarcasmo expresso por Kipling e James não era partilhado por muitos na Grã-Bretanha, as metáforas usadas paracaptar a essência do caráter britânico eram. Rupert Brooke, oesteta dos estetas, também recorreu às imagens esportivas paracomemorar a resposta britânica à guerra, quando esta foi deflagrada, comparando os jovens soldados a "nadadores mergulhando em água clara”.19

* Wicket é  a meta no críquete.

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Com este espírito os britânicos entraram na guerra, e

com este espírito continuaram a lutar por algum tempo, Foi

certamente com este espírito que a maioria participou da tré

gua de Natal. A guerra era um jogo, mortalmente sério, sem

dúvida, mas,, mesmo assim, um jogo — “tudo muito divertido”,

como Rupert Brooke e tantos outros continuavam a dizer emsuas cartas aos familiares.20

Uma carta narrando os acontecimentos de Natal no  front  

do 6° Batalhão Gordon contou como de repente apareceuuma lebre:

Imediatamente os alemães saíram em disparada das suas

trincheiras e os ingleses das deles, e uma coisa maravi

lhosa aconteceu. Era como um jogo de futebol, a lebresendo a bola, os alemães de túnicas cinzentas de um lado,

e os “Jocks” de saiote do outro. O jogo foi ganho pelos

alemães que capturaram o prêmio; Mas obteve-se algo

mais do que uma lebre: uma súbita amizade havia se

estabelecido, a trégua de Deus fora invocada, e durante

o resto do dia de Natal não se deu nenhum tiro aolongo de nosso, setor.21

 Neste caso, o espírito esportivo recebe o crédito de ter pro

duzido a trégua, e fica sem dúvida a sugestão de que se to

dos os homens respeitassem as regras do jogo não haveria

guerra. Alguns dos alemães que haviam passado algum tempo

na Inglaterra — e o seu número era surpreendente — tinham

claramente adquirido a paixão inglesa. O cabo provisório Hines

do Batalhão de Fuzileiros da Rainha, de Westminster, regis

trou que um alemão lhe disse num inglês incorreto: “Bomdia, senhor; moro em Alexander-road, e gostaria de ver Wool-

wich Arsenal jogar com Tottenham amanhã.”22

Jerome K. Jerome, autor do livro de enorme sucesso,Three Men in a Boat,  pegou a idéia de que o espírito espor

tivo era a essência da civilização e exortou os alemães a tra

tarem a guerra como “O Maior de Todos os Jogos”:

Vamos, cavalheiros, façamos dela uma competição honrada que deixe atrás de si a menor amargura possível.

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Se não podemos fazer dela um belo jogo, que ao menosnos sintamos melhor por termos seguido as regras até ofim. Depois voltaremos todos para casa com a mente maislimpa, a vista mais clara, e mais bondosos uns' para comos outros em razão do sofrimento. Vamos, cavalheiros,

vocês acreditaram que Deus os convocou para difundira cultura alemã pelo mundo afora. Estão prontos a morrer

 por sua fé. E nós acreditamos que Deus tem um uso qualquer para a coisa chamada Inglaterra. Bem, decidamos

 pela luta. Não parece haver outra maneira. Vocês porSão Miguel, e nós por São Jorge; e que Deus esteja comnós ambos.

Mas não percamos nossa humanidade comum no con

flito. Esta seria a pior de todas as derrotas: a única derrota que realmente importaria, que seria realmente duradoura.

Chamemos isso de jogo. Afinal, que outra coisa seria?23

Como Jerome sugeria, o importante era o espírito do jogo.Ganhar ou perder era secundário. Se o espírito estava correto,o jogo seria uma vitória para todos. Neste mesmo espírito,

um artilheiro britânico, numa carta aos familiares, descreveuo que chamou de “o maior dos espetáculos”. Referia-se à perseguição de um único avião alemão Taube por dezesseisaviões franceses e britânicos. Para o artilheiro britânico, omais emocionante foi que o alemão conseguiu se safar! “Nóso aplaudimos, pois as condições lhe eram adversas; devia serum grande sujeito.” Esta carta foi publicada no Scotsman  deEdimburgo no início de janeiro.

À medida que a guerra se prolongava, tais sentimentosdesapareciam. Se de fato- afloravam em certas ocasiões, certamente nunca chegavam a ser publicados na seção de cartas dos

 jornais. Embora mais tarde alguns oficiais tentassem incitarseus homens a atos de bravura, como controlar bolas de futebol pela terra de ninguém durante um ataque — o exemplomais famoso foi o do capitão W. P. Nevill no Somme em1916 —, esses incidentes foram casos isolados. Nevill, que

foi abatido poucos minutos depois do chute inicial em 1- de julho de 1916, era lembrado por um de seus companheiros

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como “o bufão do batalhão”.24 Roland D. Mountfort, que so

 breviveu, apenas com um ferimento no ombro, ao ataque in

frutífero a Pozières no primeiro dia do combate junto ao

Somme, relatou os acontecimentos do dia à sua mãe e achou

necessário acrescentar: “Não controlávamos bolas de futebol,

nem dizíamos ‘Por este caminho até Berlim, rapazes’ ou qualquer outra das frases empregadas semanalmente no  News of  

the World.”25 Com o prolongamento da guerra, o espírito es

 portivo, e quem sabe até o vocabulário esportivo, que era tão

arraigado, esmoreceria, mas no Natal de 1914 este espírito

ainda era forte.

O culto dos esportes podia, é claro, ser levado a extre

mos, e então o tiro às vezes saía pela culatra. Em Magdeburg

cinco oficiais britânicos, que eram prisioneiros de guerra, foram condenados pouco depois do Natal a oito dias de confi-

namento, por jogarem futebol com pães pretos. Para os britâ

nicos, que souberam do incidente através da imprensa, o com

 portamento de seus soldados representava o espírito indomável

de Tommy Atkins; para os alemães, essas extravagâncias eram

o cúmulo da insolência e vindo, como era o caso, de solda

dos, até mais vergonhosas do que a guerra de pãezinhos entre

colegiais e outras brincadeiras afins.26Gustav Riebensahm também sentia que o fetiche espor

tivo deslustrava os britânicos. Em 26 de dezembro escreveu

em seu diário:

Corre o boato de que os ingleses teriam dito ao 53? Re

gimento que estavam extremamente agradecidos pela tré

gua, porque tinham simplesmente de voltar a jogar fu

tebol. Todo esse assunto está se tornando ridículo e deveter um fim. Combinei com o 55? Regimento que a trégua

terminará esta noite.

 Não só os alemães mas também os franceses zombavam às

vezes das atitudes britânicas. Os britânicos simplesmente não

levavam nada a sério. “Consideram a guerra um esporte”, quei

xava-se Louis Mairet. São “calmos demais e propensos a uma

atitude dex ‘quem-se-importa?’ ,,2? Mesmo depois da guerra osfranceses recordariam o espírito esportivo britânico com irri

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tação e aludiriam a essa atitude como uma expressão de Végóis- me anglais.28

 Não é surpreendente que as organizações esportivas tenham sido importantes no recrutamento de voluntários. Nofinal de 1914 mais de meio milhão de voluntários tinham seapresentado através dessas organizações.29 Até se formou umBatalhão de Futebolistas, conhecido oficialmente como o 17°Batalhão do Regimento de Middlesex, ou “os Extremados”.Os astros do futebol deviam dar o exemplo para a juventude

 britânica. Á história do 17° de Middlesex dá uma idéia dodestino do espírito esportivo britânico nesta guerra. Inicialmente o batalhão ficou na Inglaterra para fazer jogos de exi bição pelo país e convocar recrutas com apelos, no intervalo,ao patriotismo dos espectadores, más em novembro de 1915 aunidade foi enviada à França para ali se incorporar a umregimento. O Ministério da Guerra tinha decidido que o moraldas tropas na Frente Ocidental precisava de reforço. Na França,o batalhão recebeu realmente algum treinamento de combate,mas no começo passou a maior parte do tempo jogando futebol. Entretanto, em junho de 1916, devido à necessidade dehomens, mas também para servir mais uma vez como exem

 plo, a unidade entrou finalmente em combate em Vimy Ridge.As baixas ali e mais tarde em Beaumont Hamel no Sommeforam extremamente elevadas, e estas dizimaram o batalhão.Em dezembro de 1916, no final da Copa de Futebol das Divisões, o 17° de Middlesex, que usualmente derrotava seusadversários com resultados espetaculares, conseguiu ganharda 34* Brigada por um escore de apenas 2 a 1, indicação donúmero de talentos futebolísticos que a guerra já tinha aesta altura destruído. Em fevereiro de 1918 o batalhão foifinalmente dissolvido. Num ou noutro período antes dessa datamais de duzentos futebolistas tinham pertencido ao batalhão;agora restavam apenas uns trinta.30

Muitos soldados britânicos que tinham opiniões definidassobre os alemães, adquiridas em grande parte numa imprensaque fora bastante antigermânica mesmo antes da guerra, te

riam considerado inteiramente fútil o apelo de Jerome K. Je-rome a um mútuo espírito esportivo. O alemão, retratado como

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 butida na confraternização tinha feito progressos: "Ambos os

lados seguiram as regras do jogo”, escreveu no diário do ba

talhão, “e eu sei que este Regimento [referia-se ao 15? de

Riebensahm] aprendeu de alguma forma a confiar na pala

vra de um inglês”.35 O cabo provisório Hines dos Fuzileiros

da Rainha de Westminster teve uma reação semelhante. Ficoucom pena de ser substituído no primeiro dia útil depois do

 Natal, "pois poderíamos ter melhorado ainda mais nossas boas

relações com o inimigo”.36 Em vista desta observação e de

sentimentos presumivelmente semelhantes entre os soldados

franceses que tomaram parte na confraternização, o comentá

rio de um manual de propaganda francesa, publicado em 1915,

assume particular ironia. Destinado ao consumo interno, o ma

nual minimizava os perigos da guerra de trincheira e assinalava seus confortos e prazeres, e nesse contexto observava que

os  poilus*  relutavam em sair de licença depois das comemo

rações de Natal de 1914 porque tinham se divertido muito

no  front.37 

Em outros casos, a missão civilizadora britânica experi

mentou reveses, reveses associados principalmente às unidades

 prussianas. Em várias áreas os saxões acusaram os prussianos

de romper a trégua atirando no inimigo confiante. Os saxõesque se encontravam diante dos Fuzileiros de Westminster dei

xaram claro que não confiavam nos prussianos, pois estes, como

diz o registro no diário do regimento dos Fuzileiros, não "jo

gariam limpo” na mesma situação. Os saxões do lado oposto

aos soldados do North Staffordshire avisaram que os prussia

nos à direita eram "sujeitos detestáveis”. No primeiro dia

útil depois do Natal um dos oficiais saxões apresentou seus

cumprimentos ao oficial da mesma hierarquia dos North Staffse pediu polidamente que se dessem ordens para que os sol

dados britânicos mantivessem as cabeças abaixadas depois do

meio-dia: "Somos saxões; vocês são anglo-saxões; a palavra

de cavalheiro significa para nós o mesmo que para vocês.”38

Aqui estava a prova de que pelo menos alguns alemães sa

 biam seguir as regras do jogo.

Nome dado aos soldados franceses na Primeira Guerra Mundial.

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Mas outros não sabiam, e era necessário ensinar-lhes asregras da civilidade como se fossem colegiais. O  Daily Mail 

 publicou uma carta extraordinária no último dia do ano, relatando uma luta de bolas de neve entre as trincheiras britânicas e alemãs, em que os envolvidos chegaram ao ponto de

ficar apenas a uns cinqüenta metros de distância uns dos outros. Tudo supostamente começou com um alemão corpulentoque atou uma bandeira na extremidade de seu fuzil, sacudiu-ade um lado para outro acima de sua trincheira e, tendo atraídoa atenção, gritou com uma voz retumbante: “Vocês estão tãocheios desta guerra quanto nós?” “Isto provocou muitas brincadeiras”, contava a carta do  Daily Mail, “como atirar tabacoe chocolate uns nos outros, e terminou com uma disputa de

 bolas de neve”. As relações, entretanto, “tornaram-se um pouco difíceis”, quando um alemão “colocou uma pedra numadas bolas de neve e atingiu com ela o olho de um soldado

 britânico”. Ê claro que, em sintonia com esta atmosfera colegial, seguiram-se protestos e queixas e lamúrias até que oculpado pediu desculpas e “assim tudo ficou bem de novo”.39

SÍNTESE VITORIANA

O que sugerimos aqui é que havia uma estrutura mental comum às eras vitoriana e eduardiana. É claro que nenhuma dasduas foi uma época de certezas, a última ainda menos do quea primeira, mas ambas foram épocas à procura de certezas.

Apesar de toda a nossa atenção ao movimento e ao questionamento moral que eram abundantes — e nossa visão da eraeduardiana em particular foi recentemente dominada por estaidéia de transição —, não deveríamos perder de vista o queunia as duas eras: o desejo de valores fixos, a crença de quea experiência deveria ser subserviente à ordem. O inimitávelvitoriano Samuel Smiles resumiu esse anseio numa fórmulaexpressiva: “Um lugar para cada coisa, e cada coisa no seu

lugar.” Este era um anseio que não era menos forte na Grã-Bretanha depois da virada do século do que antes. O livro

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 básico de Smiles, guia para a retidão moral e o sucesso, Self- 

 Help,  publicado em 1859, vendera mais de duzentos e cin-

qüenta mil exemplares por volta de 1900.

A estrutura mental implicava naturalmente um código so

cial, uma combinação de valores sociais e éticos. Este código

não era imutável, e descrevê-lo como “burguês”, “vitoriano”ou “eduardiano” é reduzi-lo a um rótulo que deturpa. Mas

negar a existência de uma moralidade ou código social pre

dominante, que de um ou de outro modo atingia a maioria

dos cidadãos independentemente de classes ou posição social,

negar que a experiência era compartimentada em categorias

e prioridades de bom e mau, certo e errado, seria igualmente

deturpador. O código social assemelhava-se a um átomo com

seus componentes em constante movimento e numa relaçãosempre mutável entre si, mas existia, apesar de muitas exce

ções e anomalias .manifestas. Na verdade, as exceções e ano

malias realmente reforçavam o poder do código, ao tornarem

o público mais consciente da necessidade de decoro.1

Sem remontar à conquista romana ou ao campo de ba

talha de Hastings, pode-se afirmar que a realidade insular da

Grã-Bretanha, a centralização gradativa da autoridade política,

especialmente nos séculos XVII e XVIII, a disponibilidade decanais de comunicação moderadamente bons por mar e poruma rede de rios navegáveis, e a importância de Londres como

centro de autoridade política, econômica e cultural, tudo isso

encorajava o surgimento de um sentimento nacional de iden

tidade. Quando os sistemas de comunicação se aperfeiçoaram

 — com o advento da ferrovia, do telégrafo e do navio a va

 por — e quando a urbanização se expandiu, este sentimento

de identidade se estendeu a segmentos mais amplos da população. Mas talvez a influência mais importante no desenvol

vimento de uma visão da ordem social baseada em valores

comumente aceitos tenha sido o crescimento do protestantismo

e da leitura da Bíblia, especialmente depois do grande movi

mento de revivescimento religioso no começo do século XIX.

Por volta do final daquele século, uma visão compartilhada

da ordem social já vigorava num amplo espectro da sociedade.

Esta visão e os valores a ela associados não foram im postos através do imperialismo social, mas surgiram do am-

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 biente religioso e, onde este não era suficiente, de condiçõessociais e econômicas desenvolvidas. É geralmente aceito que,^no final da era vitoriana, a maioria da população britânica jánão tinha de lutar apenas para subsistir. Na maior parte doscasos fora alcançada uma certa margem de conforto, por me

nor que fosse. Aumentava o consumo de carne em vez de pão, de leite e ovos em vez de apenas batatas. Em anos recentes, antes da virada do século, tinha havido ufn aumentoconstante nos salários reais, um declínio no tamanho das famílias, uma queda no consumo de álcool e a adoção das primeiras medidas de bem-estar social. O arcediago Wilson, diretor de Clifton College, observou num discurso ao Clube dosTrabalhadores de St. Agnes em 1893:

Ao escrever a história do povo inglês neste período, umfuturo historiador talvez deixe de lado o progresso legislativo e até comercial e científico da época para se concentrar no extraordinário movimento social que, atravésde milhares de expedientes, se empenhou em criar umaunidade de sentimento entre classes diferentes e em com bater condições de vida que gerações anteriores parecem

ter tolerado.2Como Robert Roberts afirmou em seu estudo sobre a vida daclasse trabalhadora em Salford, às vésperas da Primeira GuerraMundial, os valores associados principalmente à classe médiatinham impregnado as camadas mais baixas, que desejavam,segundo Roberts, "nada mais do que serem 'respeitosas e res

 peitadas’ aos olhos dos homens”.3 A respeitabilidade talvezfosse a característica principal do clima social e moral deste

 período na Grã-Bretanha. Ser ou não ser respeitável era umcritério de aceitabilidade social mais importante do que ariqueza ou o poder. Prudência, seriedade e fervor moral constituíam sinais necessários de respeitabilidade, e seguindo osensinamentos do evangelismo e do utilitarismo, de John Wesley,Jeremy Bentham e J. S. Mill, o dever veio a ser incluído nacategoria do prazer, e a virtude na da felicidade.

É claro que existia um sentimento eduardiano de crise,estimulado pela atividade das sufragistas, pela inquietação tra

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 balhista, pela oposição ao papel da aristocracia no processolegislativo e pela preocupação com o futuro da Irlanda. Naagitação que cercava cada um desses problemas muitos viamum desafio ao império da lei. Qualquer referência na Grã-Bretanha à guerra no verão de 1914 era considerada alusão

à possibilidade de luta civil na Irlanda e não ao envolvimento britânico no conflito do continente. Nas obras escritasno final do período vitoriano e eduardiano, um sentimento dedecadência impregna a imaginação literária. Como um jovemque dava os primeiros passos como escritor, J. B. Priestley escrevia poesia sobre desastres e aniquilamento sem saber porquê: “Hoje à noite acho que o mundo está morrendo.”4 Alémdisso, muita excitação intelectual era criada na Grã-Bretanha

 por pessoas como G. B. Shaw e H. G. Wells, sem falar naagitação causada pelos Aubrey Beardsleys e Oscar Wildes.Mas, apesar do pressentimento de ruína, e não obstante umacerta efervescência intelectual e artística, o conformismo, acomplacência e até a presunção estavam mais firmemente esta

 belecidos na Grã-Bretanha do que na França, sem falar daAlemanha, Itália, Áustria-Hungria ou Rússia. Quanto aos valores e julgamentos sobre questões da decência, da família,da ordem social e política e da religião, os eduardianos eramextensões dos vitorianos. A única diferença residia no fato dehaver no período mais recente maior ameaça de mudança e umsentimento mais forte de desafio.

Depois do início do novo século esta ameaça de mudançaveio a ser identificada principalmente com a Alemanha. AAlemanha representava o novo, o diferente, o perigoso. Neste

 papel ela tinha substituído a França. A profusão de histórias

de invasão centradas nos alemães, que foram transformadasem grandes sucessos literários e teatrais na primeira décadadeste século — notadamente a peça  An Englishman*s Home de Major Guy du Maurier —, evidencia este medo de mudança e a identificação desta mudança com a Alemanha.

Uma parábola, narrada em The New Statesman  em 1913,contava que o passageiro de um trem expresso que havia feitouma parada inesperada numa estação suburbana decidiu des

cer do trem. “Você não pode descer aqui”, disse o condutorao passageiro, que já estava na plataforma. “Mas”, veio a res-

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 posta, “eu desci”.  “O trem não pára aqui”, insistiu o con

dutor. “Mas”, disse o ex-passageiro, “ele  parou”.5 O crítico

e poeta Gerald Gould usou esta história para ilustrar seu

 ponto de vista sobre a posição privilegiada do artista em re

lação à moralidade, mas outra idéia igualmente importante

que se poderia extrair da história é que os demais passageiros,companheiros do rebelde, não compreenderam a sua inicia

tiva, nem muito menos a seguiram. Essa interpretação da

 parábola certamente se aplicava ao público britânico.

AINDA HÁ MEL PARA O CHÁ?

 No final de julho de 1914 Rupert Brooke, alarmado com a

intensificação da crise européia, escreveu a seu amigo Edward

Marsh: “E espero que a Inglaterra possa agir corretamente.”

Mas o que queria dizer “agir corretamente”? Uma outra carta,

alguns dias mais tarde, na qual Brooke descrevia um passeio

 pelo campo, sugeria, de modo geral, a sua própria resposta

a #esta pergunta:

Sou um homem de Warwickshire. Não me fale de Dart-

moor, de Snowden, do Tâmisa ou dos lagos. Conheço o co

ração  da Inglaterra. Tem um aspecto confinado, lépido,

generoso, ondulante. Campos diminutos sobem e descem

as pequenas colinas, e todas as estradas serpenteiam" com

 prazer. Há um espírito de rara simplicidade nas casas e

na paisagem, telúrico, nada excêntrico mas esquivo, vi

çoso, campeiro, alegremente gentil. . . Sobre a Califórnia,os outros Estados da América têm este dito: “Flores sem

 perfume, pássaros sem canto, homens sem honra e mu

lheres sem virtude” — e pelo menos três das quatro par

tes desse ditado sei muito bem que são verdadeiras. Mas

Warwickshire é o exato oposto de tudo isso. Aqui as

flores recendem a céu; não há cotovias como as nossas,

nem rouxinóis; os homens pagam mais do que devem;

e as mulheres têm muita e admirável virtude, e isso, veja bem, de modo algum pela simples ausência de tentação.

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Em Warwickshire há borboletas o ano todo e uma lua

cheia todas as noites. . . Shákespeare e eu somos caipiras.

Que terra!1

Consciente de seu sentimentalismo, disse em seguida: “Isto

é tolice”, mas quando se procurou localizar alguns dos ingredientes contidos em seus versos talvez mais famosos —

sua referência a

. . . algum recanto de um campo estrangeiro

Que é para sempre Inglaterra

não se tratava evidentemente de tolice.

Esta Inglaterra era um país de honra, virtude e dever,no qual se fundira uma visão de mundo aristocrática e de

classç, média, no qual o império e o esporte, a honestidade

e a ^estabilidade social faziam parte de um todo indivisível.

Esta era uma sociedade para a qual a aventura alemã era

uma ameaça revolucionária, uma ameaça à segurança, à pros

 peridade e à integridade. Era uma ameaça à paisagem de

Wessex dos romances de Hardy, ao rapaz de Shropshire da

imaginação de A. E. Housman e ao Sr. Badger de The Wind  in the Willows  de Kenneth Grahame, que tinha construído

sua casa sobre os restos de uma antiga civilização.

. . . oh! ainda

são dez para as três no relógio da igreja?

 E ainda há mel para o chá?

Estes versos de “The Old Vicarage, Granchester”, RupertBrooke tinha escrito ironicamente em Berlim, num café, em

maio de 1912. Ele morreria durante a campanha de Gallipoli

de 1915 no dia de São Jorge, o mesmo dia em que Shakespea-

re e Wordsworth morreram.

Desde o início a guerra para a Grã-Bretanha não tinha

nada a ver com território, quer nos Balcãs ou na Bélgica. A

invasão da França era uma ameaça estratégica muito mais

séria para os britânicos do que a invasão da Bélgica, mas, publicamente, foi por causa da “pobre pequena Bélgica” que

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o governo britânico declarou guerra e mobilizou sentimentos.

Desde o início esta foi para os britânicos uma guerra em

torno de valores, em torno da civilização, do espírito espor

tivo, e especialmente da relação do futuro com o passado. Co

mo Lloyd George disse em seu discurso no Queen’s Hall, em

19 de setembro de 1914:

Há gerações temos vivido num vale protegido. Nossa

 posição tem sido confortável demais e indulgente demais...

e a mão dura do Destino nos flagelou, obrigando-nos a su

 bir a uma elevação de onde podemos ver as grandes

questões eternas que importam para uma nação — os

grandes picos que havíamos esquecido, a Honra, o De

ver, o Patriotismo, e, coberto de um branco resplandecente, o grande pináculo do Sacrifício apontando, como

um dedo severo, para o Céu.2

Um segmento da população, particularmente a juventude, con

siderava a guerra uma aventura bem-vinda, e sua razão para

apoiar o conflito não diferia da dos alemães: a guerra seria

um caminho para o futuro, o progresso, a revolução, a mu

dança. Na Grã-Bretanha também havia no ar um certo mile-narismo. Podem-se encontrar elementos disso em Rupert

Brooke, Herbert Read, Charles Sorley e outros jovens estetas.

Mas, para a maioria das pessoas na Grã-Bretanha, a guerra

se destinava a preservar e restaurar valores.

Tal era, portanto, o pano de fundo britânico para a tré

gua de Natal. De um ponto de vista prático havia boas razões

 para adiar a guerra até que o campo voltasse a oferecer con

dições de jogo, mas o mais significativo é que foi o idealmais amplo — de que o cavalheiro britânico deve mostrar o

seu valor — que levou os britânicos a pularem de suas trin

cheiras para a terra de ninguém.

Mas por que os alemães se juntaram a eles em tão grande

número? O que se deve notar, em primeiro lugar, sobre a

 participação alemã é que ela foi mais elevada entre os não-

 prussianos, entre os bávaros e os saxões em particular. Vimos

a tensão que existia entre estes homens e os prussianos. Ossoldados bávaros e saxões vinham de territórios com forte

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identidade regional; para eles, como no caso dos britânicos,a história não se subordinava a uma visão do futuro, o quese dava com tantos prussianos. Embora regimentos prussianostambém tenham participado da confraternização, não parecemter se envolvido em tão grande número, nem com tanto entu

siasmo, quanto as unidades não-prussianas. A busca alemãde modernidade era liderada pela Prússia. A trégua de Natalde 1914 foi, ao contrário, uma celebração da história e datradição.

Internamente, em todos os países beligerantes as notícias da confraternização foram recebidas com sentimentos contraditórios. Os britânicos foram de longe os mais abertos arespeito da trégua. A imprensa na Grã-Bretanha publicou sem

censura cartas descrevendo o acontecimento. O  Daily Mail  até publicou, em 5 de janeiro de 1915, duas fotografias que mostravam um soldado francês e um alemão enchendo juntosos baldes num poço e depois caminhando de volta às suas res

 pectivas trincheiras. A manchete no alto da página dizia:FOTOGRAFIAS EXCLUSIVAS DA TRÉGUA NÃO-OFICIAL. Alguns editores, ao pagarem a correspondentes porcartas descrevendo a vida nas trincheiras, podem de fato ter

contribuído para uma certa incidência de hipérbole e, emalguns casos, de franca invenção. Os jornais certamente emitiam suas opiniões sobre o significado da trégua, e os clérigos na Grã-Bretanha discutiam suas implicações do alto dos púlpitos. A conclusão aceita na maioria dos grupos era de quea guerra devia lamentavelmente continuar. O desafio alemãodevia ser enfrentado. A guerra não girava em torno de questões territoriais mas em torno de valores: não se podia sim

 plesmente ceder ao egotismo alemão.Os franceses, ao contrário, censuravam toda referência àconfraternização. A imprensa não tinha permissão de publicarqualquer relato dos acontecimentos, nem mesmo extraído de

 jornais estrangeiros. Em vez disso, elevou-se na imprensafrancesa a estridência em torno do período de Natal. MauriceDonnay da Academia Francesa entregou um artigo sobre o

'Natal a  Le Figaro, o qual foi publicado na primeira página

no último dia de 1914. Intitulava-se "La Sainte Haine” ("Oódio sagrado”). Um artigo dò dia anterior comççava com

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as palavras: "Nenhum alemão abre a boca ou empunha a pena sem mentir.” O folheto  La Vie de tranchée*  publicadoalguns meses mais tarde, indicava como a frente interna naFrança estava alheia aos eventos da guerra. Em seu retratoda vida nas trincheiras trazia uma história sobre as relações

anglo-alemãs na linha de frente. Os britânicos, afirmava, gostavam de cantar'em coro à noite nas trincheiras. Os alemãesficavam supostamente encantados com esse concerto e gritavam wunderbar schönl

E aí esses porcos também querem cantar, e era precisoouvir os gritos que os saúdam: cães, gatos, tigres. . . suasvozes também são abafadas com muitos berrçs de "Ca

lem a boca!”

Enfurecidos com o insulto, os alemães começam a atirar.. Osingleses, por sua vez, morrem de tanto rir. É assim que se passam as noites no  front , afirmava  La Vie de tranchée  —com muito divertimento!3 A mesma mentalidade que produzia esse tipo de ficção assegurava que todo alemão era ummentiroso.

As autoridades alemãs permitiram que a imprensa nacional falasse sobre a trégua por alguns dias. O órgão socialistaVorwärts  demonstrou curiosidade pelo assunto e publicou omaior número de informações a respeito. A imprensa liberalde Berlim também tratou do curioso tema. Mas de repenteas autoridades militares proibiram qualquer outra referênciaao assunto.

Ordens severas foram dadas às tropas de todos os exércitos, avisando que a repetição de tais incidentes teria drás

ticas repercussões; e como os quartéis-generais de cada exército levaram a questão avante por algum tempo, procurandonomes e toda informação existente, os soldados tornaram-secautelosos quanto a outros contatos com o inimigo. No entanto, incidentes esporádicos de confraternização continuarama acontecer durante todo o ano de 1915. E em novembro daquele ano houve tréguas, embora a ativa confraternização

* Vida nas trincheiras.

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SEGUNDO ATO

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IV 

RITOS DE GUERRA

Ó espinheiro dos frutos vermelhos, o que nos trará a primavera?

R i c h a r d   D e h m e l  

“O combatente”. Natal de 1914

... Mas muitos ali se detiveram 

A fitar o céu hirto, vazio além da serra,Sabendo que seus pés tinham chegado ao fim do mundo.

WlLFRED OWEN “Ofensiva da Primavera” 

Muitas vezes durante a guerra científica, química, “cubista”, .nas noites que os reides aéreos tornavam 

terríveis, pensei em  Le Sacre. . .  fACQUES-ÉMILE BLANCHE

O BALÉ DA BATALHA

A barragem da artilharia é ensurdecedora. Quando o ar estácalmo, o alarido pode ser ouvido fracamente em Londres eParis. Às vezes o troar dos canhões dura dias. Em junho de1916, no Somme, continua sem parar durante sete dias e noi

tes. Artilharia de campanha, artilharia média e pesados morteiros. O canhão com calibre de trinta e oito centímetros dos

 britânicos pode lançar um projétil de seiscentos e trinta ecinco quilos. O "Grande Bertha” dos alemães, com um cali

 bre de quarenta e três centímetros, arremessa uma bala que pesa mais de uma tonelada. Em Verdun em 1916 os alemãesintroduzem treze desses monstros de vinte toneladas. Cadaum é posicionado com a ajuda de nove tratores; é necessário

um guindaste para inserir o projétil. O impacto da bala aniquila edifícios, estilhaça janelas num raio de três quilôme-

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tros. Em agosto de 1914 estas enormes máquinas de guerra

haviam demolido as fortificações supostamente inexpugnáveis

de Liège. Quando os canhões Krupp fizeram chegar seus pro

 jéteis ao alvo final, os defensores belgas dentro das fortifi

cações ficaram loucos.

Para ataque concentrado há usualmente um canhão decampanha para cada dez metros sob fogo, e um canhão pe

sado — calibre de quinze centímetros e mais — para cada

vinte metros. Quando as enormes bombas explodem, devas

tam a terra com sua violência, arremessando a dezenas de

metros de altura árvores, rochas, lama, torsos e outros escom

 bros. Abrem crateras do tamanho de piscinas. Quando acon

tece um intervalo de calma e as chuvas retornam, os homens

se banham nesses buracos cavernosos. Os projéteis pequenos emédios, que formam a maior parte da barragem, têm efeito

menos sensacional. Mas para o soldado também podem signi

ficar destruição total, que não deixa vestígios. “Um sinaliza

dor tinha acabado de sair”, escreveu um oficial médico do

2° Batalhão de Fuzileiros Reais do País de Gales, “ quando

um projétil explodiu sobre ele, não deixando nenhum vestígio

que pudesse ser visto iias proximidades.” O mesmo oficial

descreveu outra imagem do fogo de artilharia:

De repente dois homens subiram verticalmente no ar,

talvez uns quatro metros, no meio de um jorro de terra,

a uns 150 metros de distância. Subiram e caíram com o

equilíbrio fácil e gracioso de acrobatas. Um fuzil, giran

do lentamente, elevou-se bem acima deles, antes de, ainda

girando, cair no chão.1

Os defensores amontoanvse nos abrigos cavados na frente

da trincheira, ou em refúgios subterrâneos, quase sempre a

cinco ou seis metros de profundidade e medindo talvez cinco

 passos quadrados e cerca de um metro e oitenta de altura. Os

 projéteis mais pesados não somente demolem as trincheiras

como podem fazer desmoronar as vigas de madeira, o ferro

corrugado e as telas de arame dos refúgios subterrâneos e, no

mínimo, reacomodar a terra sobre eles de modo a obstruir assaídas. Luzes de acetileno e velas bruxuleiam. Abalos mais

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fortes as apagam de todo. Uma pausa, será que vai ocorrer?

Sim. Finalmente. Mas então ouve-se a voz abafada de uma

sentinela que sobreviveu numa sapa à frente gritar “Gás!”

Há uma luta desordenada e selvagem para encontrar as más

caras; puxões e tirões para enfiá-las; e a provação aumenta

quando os fumos dos gases começam vagarosamente a se misturar com a escuridão e a fumaça. Por fim faz-se silêncio,

salvo respirações abafadas, alguns sons ásperos, tosse e sinais

de choro.

O ciclo vai recomeçar? O ataque está a caminho? As

sentinelas sobreviveram? Os periscópios estão sob controle?

Pois quando sobrevier o ataque haverá uma “corrida para

o parapeito”: subir os degraus dos abrigos subterrâneos, se

isso ainda for possível, entrar nas trincheiras, se elas aindaali estiverem, calar baionetas, reunir metralhadoras, localizar

granadas, e, se ainda houver tempo, guarnecer morteiros,

lança-chamas e muitas outras armas desta guerra de “troglo

ditas”.2  Deve-se  alcançar o parapeito antes que o inimigo

chegue!

 No outro lado da terra de ninguém os homens esperam.

Os rostos reunidos perto das escadas de sítio estão contraídos

e cinzentos. O gole de rum, Schnaps  ou  pinar d,  distribuído

 poucos minutos antes, pode entorpecer os sentidos, mas é in

capaz de reverter o fluxo de sangue. O equipamento foi che

cado. Picaretas e pás, sacos para areia, luzes Verey, arame.

Uma carga de mais de vinte e sete quilos nas costas de cada

homem. Junto com os apetrechos pessoais, há uma garrafa de

água, rações, máscara contra gases, curativos de campanha,

vasilhas de lata, munição. Alguns homens levam granadas de

mão e bombas de morteiro. “Carregar a casa nas costas não

é nenhuma piada”, escreveu Peter McGregor, um mestre de

coro de Edimburgo.3 Os oficiais viajam menos sobrecarrega

dos, os britânicos com bastões leves para indicar os comandos,

 pois é improvável que uma voz se faça ouvir no meio do

tumulto, pistola em lugar de fuzil, e sem a maior parte dos

outros equipamentos mais incômodos. A conversa a esta altu

ra é quase insignificante. Uns poucos homens tagarelam nervosamente. Alguns trocam últimos desejos. Outros sussurram

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nifica medo. Só no grupo existe alguma segurança emocio

nal, algum alívio. Na verdade, os atacantes tendem a se aglo

merar, a formar grupos para obter proteção mútua.

Será que a artilharia conseguiu cortar o arame farpado,

conforme prometeu? Raramente o faz de forma consistente.

Ofegantes, à beira da exaustão, os homens procuram brechasno arame farpado. O desapontamento é esmagador. As brechas

são poucas, se é que existe alguma. O fogo do inimigo dimi

nuiu. Só um punhado de homens chega ao arame. Eles lan

çam suas granadas. Disparam seus fuzis. Uns poucos passam

 para a trincheira inimiga, mas combate de baioneta não é

comum. A maioria dos oficiais que chefiam o ataque foi atin

gida. Cessaram as comunicações. A segunda leva experimenta

o mesmo destino da primeira. A terceira leva decide entãoque o ataque fracassou. Outro apito, desta vez vacilante, dá

o sinal da retirada. Os sobreviventes voltam aos tropeções.

Alguns, desorientados, seguem numa direção lateral. Os feri

dos rastejam. Muitos se amontoam em buracos de bombas.

A artilharia do inimigo abre fogo, fazendo estragos na reti

rada, mas pelo menos desta vez não há contra-ataque. Uma

sobra da unidade atacante retorna.

Os feridos na terra de ninguém são abandonados ao seu

destino até o cair da noite. Mais tarde se fará uma tentativa

de recolhê-los. Eles procuram reprimir sua agonia crescente.

Gemidos atraem uma torrente de balas. Por fim, um silêncio

torturado cai sobre o campo de batalha.

TEMAS

A ilusão do golpe decisivo continuou a dominar o pensa

mento estratégico durante todo o ano de 1915, particular

mente na Grã-Bretanha e na França, apesar da escassez de

munições e de tropas adequadamente treinadas. Os ataques

 britânicos e franceses tm Artois, Picardia e Champagne, os

ataques alemães em Flandres, e até a fantasia britânica de

atravessar as linhas turcas nos Dardanelos baseavam-se todosno sonho da “brecha”, da súbita fenda no  front   inimigo, como

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se ele fosse o Mar Vermelho em confronto com a fé de Moisés,

e do subseqüente ataque até a vitória.

Só os abismais fracassos dos Aliados em Second Ypres,

Gallipoli, Neuve Chapelle, Festubert, Arras e Loos forçaram

uma reconsideração desta maneira de pensar, mas mesmo en

tão foi uma reflexão de origem reativa que pouco a pouco

alterou a visão dos planejadores militares. Foi o ataque ale

mão a Verdun, em fevereiro de 1916, com uma intensidade

e um poder de fogo sem precedentes na guerra, que definiti

vamente mudou as atitudes. O ano de 1916 presenciou o ad

vento e a aceitação, por ambos os lados, de uma nova guerra,

a guerra deliberada de desgaste, que tragaria milhões de ho

mens, não sob o pretexto da'iminência da vitória desde que

se pudesse remover um importante obstáculo, mas devido à

decisão tomada de que só enfraquecendo o inimigo pelo can

saço se poderia ganhar esta guerra. Por toda parte a indústria

foi mobilizada, reorganizou-se a força de trabalho, aplicou-se

ou planejou-se o racionamento de alimentos, os impostos fo

ram reajustados. A guerra, em suma, tornou-se um empreendi

mento exaustivo. Tornou-se “total”. Charles Sorley chamou

o desgaste de “este último recurso da estratégia paralisada”.1

Por trás da decisão de Falkenhayn, de concentrar o poder

ofensivo alemão em Verdun, havia uma série de motivos e

considerações. Ele sempre foi um “ocidental”, pois acreditava

que a batalha decisiva da guerra ocorreria no Ocidente. Em

 bora tivesse concordado em concentrar mais esforços na Frente

Oriental em 1915, numa tentativa de derrotar a Rússia, em

dezembro daquele ano já havia concluído que, ao contrário

das expectativas, a Rússia não seria dominada rapidamente.Em contrapartida, a França estava à beira do colapso e pode

ria usar o saliente ao redor de Verdun, que constituía uma

 posição francesa avançada em relação ao resto da Frente Oci-

dèntal, como ponto de onde lançar uma última e desesperada

ofensiva. Este perigo tinha de ser prevenido. Além disso, um

forte ataque alemão enfraqueceria completamente os franceses

e também forçaria os britânicos a contra-atacarem ao norte.

Isto faria com que a Grã-Bretanha sofresse enormes baixas,levando-a igualmente à exaustão.

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Em Verdun o general Falkenhayn reuniu, junto com suas

tropas, 1.220 peças de artilharia para um ataque a uma frente

de aproximadamente treze quilômetros. Estimava que, para

cada duas vidas que seus exércitos perdessem, os franceses

 perderiam cinco. Essa era a própria essência do desgaste. De

alguma maneira, entretanto, os franceses conseguiram sobreviver à primeira barragem e aos ataques iniciais, e a batalha

então se transformou numa atroz punição mútua. Em novem

 bro os franceses perderiam meio milhão de homens nesse sa

liente. Sob tal pressão, tiveram de pedir aos britânicos que

apertassem o cerco. A resposta britânica foi armar a ofensiva

no Somme em julho de 1916, na qual se perderam 60 mil ho

mens no primeiro dia, e mais meio milhão em novembro^

Apesar das perdas dos Aliados, a matemática de Falkenhaynnão tinha funcionado. Nas duas batalhas de Verdun e no Som

me, os alemães perderam cerca de 800 mil homens, um pouco

menos do que os franceses e os britânicos.

Ypres e o circundante saliente de Flandres estiveram sob

o fogo dos canhões durante o ano de 1916 e depois continua

ram a ser tenazmente disputados ao longo de 1917, em Pas-

schendaele ou Terceiro Ypres, de modo que se pode acres

centar Ypres a Verdun e ao Somme para produzir uma trin

dade de horror. O general Falkenhayn chamou a isto

Stellungskrieg,  guerra de posição. “O primeiro princípio da

guerra de posição”, escreveu, "deve ser o de não ceder nem

um centímetro de terreno; e, no caso de perdê-lo, retomá-lo

imediatamente por meio de contra-ataque, mesmo à custa do

último homem”.2 Ambos os lados adotavam as mesmas regras.

"Regimentos inteiros arriscavam tudo por dez metros de terra

devastada” — tal foi o julgamento de Ivan Goll.3 Para Ernst

Jünger, depois do Somme a guerra e a vida em geral tinham

outra aparência:

Aqui desapareceu para sempre o cavalheirismo. Como

todos os sentimentos nobres e pessoais, ele teve de ceder

o lugar ao novo ritmo da batalha e ao poder da máqui

na. Aqui a nova Europa se revelou pela primeira vezno combate.4

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Por mais de dois anos os combatentes da Frente Ocidental

enfrentaram-se em batalhas — se é que esta antiga palavra

ainda é apropriada para esse novo modo de guerrear — que

custaram a vida de milhões de homens mas deslocaram a

linha de frente quando muito um ou dois quilômetros em

qualquer das duas direções. Se é possível dividir a guerra noOcidente em quatro períodos — as batalhas iniciais de movi

mento, a consolidação de 1915, a guerra de desgaste de 1916-

1917 e o desenlace de 1918 com seu renovado movimento — ,

então a situação de 1916-1917 constitui o período mais longo

e mais consistente.

As batalhas de Verdun, do Somme e de Ypres encarnam

a lógica, o significado, a essência da Grande Guerra. .Dois

em cada três  poilus  franceses passaram pelo funil de Verdunem 1916; a maioria dos soldados britânicos participou da

guerra no Somme, em Ypres ou nos dois lugares; e a maioria

das unidades alemãs esteve em Flandres ou em Verdun em

algum momento. Estas foram também as áreas de batalha

cruciais da guerra. E o conjunto clássico de imagens que temos

da Grande Guerra — a ensurdecedora e enervante barragem

de artilharia, os ataques em que longas filas de homens avan

çavam como que em câmara lenta por uma paisagem Tunarde crateras e lama, só para se confrontarem com metralhado

ras, arame farpado não cortado e granadas — provém mais

destas batalhas do que daquelas do primeiro ou do último ano

da guerra.

Esta parte central da guerra reverteu todas as concepções

tradicionais das operações militares. A defesa foi transfor

mada em ataque, um processo que Joffre, sem ter consciência

das implicações de sua própria idéia, tinha chamado de “ resistência vitoriosa”.5 O abismo entre tecnologia e estratégia

fazia com que o atacante, independentemente de números,

fosse muito mais vulnerável que o defensor, apesar do efeito

das barragens preparatórias sobre os nervos. Não obstante os

efeitos impressionantes da artilharia pesada em Liège, Ver

dun, no Somme e Passchendaele, raramente houve suficiente

 poder de fogo para destruir as linhas inimigas. Como resulta

do, os defensores quase invariavelmente ganhavam a “corridaao parapeito”.6 Isto significava que o atacante enfrentava um

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tante e cansativa para defender a “existência”, para sobreviver a condições que eram, na melhor das hipóteses, primitivas. Palavras como  poilu  ou Frontschwein,  o cabeludo e o porco da frente de combate, que se referiam ao soldado francês sujo, coberto de lama, barbudo e a seu equivalente ale

mão, tornaram-se nomes afetuosos em seus respectivos países por volta de 1916, deixando de ser os termos ofensivos que poderiam ter sido numa era anterior de combates militaresheróicos e coloridos. Nesta existência, a agressão aos sentidosera total. “Nosso mestre é nossa miséria diária”, escreveu umfrancês.10

Toda a paisagem da Frente Ocidental tornou-se surrealista antes que o termo fosse inventado pelo poeta-soldado

Guillaume Apollinaire, em suas notas para o roteiro de Para-de,  produção de Diaghilev em 1917, na qual Stravinsky, Satie,Picasso e Cocteau colabçraram. Os soldados se deparavamcom um panorama de devastação nas principais zonas de

 batalha. As árvores tinham sido reduzidas a tocos carbonizados; estes, por sua vez, eram erguidos no terreno — como postos de observação — a fim de parecerem árvores devastadas. A lama estava em toda parte. “O pôr-do-sol e o nascer

do sol são blasfemos”, escreveu Paul Nash, que serviu nosaliente de Ypres, voltou doente para casa e depois retornoua Flandres como um artista da guerra:

. . . só a chuva negra caindo das nuvens feridas e inchadas . . . é atmosfera adequada a uma terra como esta.A chuva não pára, a lama fedorenta torna-se mais dia

 bolicamente amarela, os buracos abertos pelas bombas

enchem-se de água esverdeada, as estradas e trilhas co brem-se de uma camada espessa de lodo, as negras árvores moribundas gotejam e transpiram e as bombas nuncacessam... mergulham na tumba que é esta terra... Êindizível^ ímpio, irremediável.11

Um aviador francês, contemplando a paisagem de Verdundepois de uma pancada de chuva, lembrou-se da “pele úmida

de um sapo monstruoso”.12 Os diários menos eloqüentes dossoldados comuns que estiveram em Verdun, no Somme ou

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em Ypres conseguem transmitir, pelo menos, uma idéia do

tormento físico desta guerra.

Um turno de serviço nas trincheiras consistia normalmen

te em três ou quatro dias e noites na linha de frente, seguidos

 por igual espaço de tempo nas trincheiras de apoio, que, por

sua vez, finalizava com um período semelhante na reserva.Só na reserva era possível, como se expressou Herbert Read,

"ser civilizado — lavar-se, trocar de roupa e escrever car

tas”.13 Nas outras situações todo homem era um selvagem.

Antes dos motins de 1917 o comando francês mostrava-se fre-qüentemente remisso na organização apropriada dos períodos

de licença e descanso. Um turno podia durar mais de um

mês, e às vezes até mais de dois meses.

Sujeira e imundície eram, é claro, companheiras constantes nas trincheiras. A sujeira circundante era tão depri

mente que às vezes, no meio do inverno, os homens enfren

tavam o frio e se banhavam nos buracos feitos pelas bom

 bas. Estes estavam quase sempre cheios devido à chuva per

sistente. "Uma vida tão terrivelmente bestial... Até os porcos

têm vida melhor!” Tal foi o comentário de Louis Mairet.14

Os soldados discutiam se era pior a lama de Ypres ou a do

Somme. Sobre Ypres em 1917 um inglês escreveu:

 Não era guerra. Se não fosse pelas metralhadoras e pelas

 bombas, assemelhava-se mais a uma farra na lama. Gente

atolada por toda parte. A lama pegajosa puxava as pernei

ras para baixo e teria sugado botas, meias e perneiras se

elas não estivessem convenientemente presas.15

Ao se apoderar de uma trincheira inundada, um francês gracejou: "Tudo bem enquanto os submarinos não nos torpe

dearem.”16

"Nunca houve um clima como este de Flandres”, escre

veu J. W. Harvey numa carta,

e espero que minha invectiva contra esta chuva, chuva,

chuva não seja eliminada como matéria censurável! Su

 ponho que o bombardeio contínuo talvez seja em parteculpado; mas sinto que, no futuro, vou considerar com

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muito mais clemência o nosso proverbial clima inglês, ao

compará-lo com este.17

Tais comparações eram inevitáveis. “Sempre pensei que a

França fosse a terra do sol”, observou Peter McGregor com

genuína inocência em junho de 1916, “mas tem feito muitofrio e caídq muita chuva”. Quatro dias mais tarde, as notícias

 para sua mulher, Jen, eram: “Chove por aqui como uma mal

dita torneira aberta.”18 Edward Thomas até escreveu um poema

sobre o assunto, “chuva”: “chuva, chuva da meia-noite, nada

senão a chuva desenfreada”. A chuva tinha dissolvido todo

o amor, todo o sentido,

. . . exceto o amor da morte,Se for amor pelo que é perfeito e

 Não pode, assim me diz a tempestade, desapontar.19

Ensopado até os ossos e tiritando de frio, Emst Jünger deci

diu que “nenhum fogo de artilharia podia quebrar a resistên

cia de um homem de forma tão cabal quanto a umidade e

o frio”.20 Não adiantava a quantidade de roupas — meias de

lã, coletes, jaquetas —, nem mesmo jornais adicionais, enrolados ao redor de várias partes do corpo. As noites de inverno

 pareciam insuportavelmente longas, e a aurora era o momen

to mais frio do dia. “Não pensamos na morte”, escreveu um

francês no inverno do início de 1915. “Mas no frio, neste

frio terrível! No momento tenho a impressão de que meu san

gue está cheio de blocos de gelo. Oh, gostaria que atacassem,

 porque isso nos aqueceria um pouco.”21 No inverno seguinte,

em Artois, o café e até o vinho congelaram em novembro.“Tempo para ursos polares”, comentou Marc Boasson numa

carta. “Antes de poder beber um drinque, você tem de que

 brar e afastar o gelo. A carne é congelada, as batatas ficam

grudadas pelo gelo e até as granadas de mão acabam solda

das em seus estojos.”22 No severo inverno de 1916-1917, o

chá quente congelava em questão de minutos, e pão, carne

enlatada e salsichas transformavam-se em pedaços de gelo.

 Num poema intitulado “Exposure”, Wilfred Owen evocoumãos encarquilhadas, testas franzidas e olhos de gelo.23

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Em tais condições não se podia saborear a comida, ea tensão da batalha reduzia ainda mais o apetite. As horasirregulares das refeições, a inconfiabilidade das linhas deabastecimento, a falta de legumes, a monotonia da dieta decarne — tudo isso destruía qualquer possibilidade de prazer.

Quando Siegfried Sassoon retornou ao Somme depois da licença em casa na primavera de 1916, trouxe consigo um salmãodefumado para dividir com os seus homens, mas ao tropeçare chapinhar numa trincheira de comunicação conhecida comoCanterbury Avenue, refletiu que “salmão defumado não eraum antídoto muito eficaz para pessoas que tinham de agüen-tar todo aquele bombardeio”.24

O clima, portanto, tinha muito a ver com o ânimo dos

soldados. Uma nuvem que de repente se erguia, deixando aparecer o sol, podia levantar o moral. “Tempo esplêndido”,exultou Charles Delvert no meio da batalha de Verdun emmarço de 1916. “Esta vida tem seu encanto. É como acampar.Você passeia pelas trincheiras; o ar é fresco, o sol brilhante. Nuvenzinhas alegres esvoaçam pelo céu azul.”25 Mas esseclima constituía realmente exceção na guerra, e esta explosãolírica também era excepcional no diário de Charles Delvert.

As trincheiras estavam infestadas de parasitos. Moscas,ácaros, lêndeas, pulgas, mosquitos e besouros incomodavam,mas os piolhos e os ratos eram os que mais irritavam. Os piolhos punham seus ovos nas costuras das roupas e se multiplicavam com uma velocidade aterrorizadora. O piolho eratão fértil, dizia o  poilu,  que o nascido de manhã já era avôà noite. Impossível ganhar a batalha contra eles. Os soldadostentavam esmagá-los com as unhas dos polegares, queimá-los

nas chamas das velas, eliminá-los com pós e pomadas rece bidos de casa, mas tinham pouco sucesso. “O único meioé atirar uns garrafões de rum em cima deles”, gracejou umTommy.26 Aos maiores eram dados nomes: Kaiser, Kronprinz,Hindenburg. Só o serviço de lavanderia de campanha e os banhos quentes tinham algum efeito, e apenas por pouco tempo.Roger Campana achava esses insetos mais ferozes do queos “vampiros do Congo ou da Polinésia... Se o Sr. Magpie

tivesse tido a chance de conhecê-los, ele os teria citado comoexemplo para todos os franceses”. O único consolo de Cam

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 pana era o boato de que os piolhos nas trincheiras alemãseram maiores!27

Falava-se de ratos do tamanho de gatos nas trincheiras,embora eles existissem em quantidade ainda maior nos alo

 jamentos de descanso. Eram atraídos pelos cadáveres em decomposição e pelas sobras de comida que ficavam pelos cantos. Roíam as mochilas e faziam furos nos sacos de rações. No seu setor da linha de frente, Roland Mountfort escreveuà sua mãe que

o maior feito dos ratos foi matar e devorar cinco gati-nhos, de umas três semanas de idade, que a gata da trin

cheira estava criando num dos abrigos. Não sei por quenão comeram antes, a não ser que estivessem esperandoque crescessem para conseguir uma refeição melhor.28

A batalha contra os ratos era às vezes tão séria quanto aquelacontra o inimigo humano. Para Percy Jones os ratos tornaram-se uma obsessão. “Estou... viciado em caçar ratos”, admitiu em seu diário. Perseguia-os todas as noites com cabos

de picaretas e pás.

Às vezes vamos um pouco longe demais. Por exemplo,duas noites atrás, éramos quatro envolvidos numa perseguição cerrada a um rato entre as nossas trincheirasna linha de frente quando o encurralamos na segundalinha, onde uma sentinela quase atirou em nós, imaginando que fôssemos alemães!

A obsessão de Jones o acompanhou aos alojamentos de descanso duas semanas mais tarde. Perto do canal de Ypres ele participou de um verdadeiro massacre:

Tivemos uma grande batalha ontem à noite e matamosquase uma centena, sem contar muitos que devem tersido mortos a pedradas enquanto nadavam. O grupo da

 balsa ficou sem munição e teve de vir até a margem para pegar mais tijolos.29

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O único instrumento eficaz contra os ratos e outras pragasera o gás. Um ataque de gás eliminava os parasitos numatrincheira por algum tempo.

Era à noite que grande parte do trabalho nas trincheirasse realizava. O modo burguês *normal de encarar o tempo e

o relógio se invertera. Quando* caía a escuridão, exércitos detrogloditas emergiam de seus buracos, como os próprios parasitos que eles desprezavam, e corriam de um lado para ooutro cumprindo suas tarefas: grupos que cuidavam dos arames farpados saíam para a terra de ninguém; as fortificaçõesdas trincheiras eram consertadas e aumentadas, à medida quea Frente Ocidental se tornava um enorme e intricado formigueiro; executavam-se pequenos ataques de surpresa, compa

ráveis a mordidas de mosquitos no corpo do inimigo coletivo.E mesmo que alguém não tivesse nenhuma tarefa específica para realizar, era impossível dormir. Delvert descreveu umanoite nas trincheiras em janeiro de 1916:

Luzes apagadas. Agora os ratos e os piolhos são os donosda casa. Podem-se ouvir os ratos mordiscando, correndo,

 pulando, atirando-se de tábua em tábua, emitindo pequenos guinchos atrás do metal corrugado dos abrigos.É uma atividade barulhenta e fervilhante que simplesmente não pára. A qualquer momento, espero que umaterrize no meu nariz. E depois há os piolhos e as pulgasque começam a me devorar. Absolutamente impossívelfechar os olhos. Perto da meia-noite começo a cochilar.Uma barulheira terrível me faz saltar. Fogo de artilharia,o estrépito dos tiros de fuzil e metralhadora. Os bochesdevem estar atacando Mont Têtu de novo. O charivari

 parece se acalmar por volta de l:30h. Às 2:15h começanovamente, desta vez com uma violência assustadora. Tudo tfeme. Nossa artilharia troveja sem parar. Às 3:00h ostiros de canhão tornam-se mais espaçados e vagarosamenteas coisas se aquietam. Cochilo para poder me levantar àsseis. Os ratos e os piolhos também se levantam: acordar

 para a vida é também acordar para a desgraça.30

Depois de alguns dias e noites deste implacável bombardeiodos sentidos, os homens facilmente se tornam desorientados,

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indolentes, até apáticos. “Eu estava pronto a trocar a minha

alma por algumas horas de sono ininterrupto”, observou um

deles.31 “O que mata é a falta de sono”, escreveu Delvert.32

Quando chegavam finalmente os substitutos, o batalhão se

deslocava para os alojamentos de descanso. Wilfred Owen:

 Recurvados, como velhos mendigos sob o peso de

 \_sacos,

Cambaios, tossindo como velhas bruxas,

 Rompemos praguejando o lamaçal

 Até darmos as costas aos clarões obsessivos

 E começarmos a nos arrastar até nosso distante

[repouso.

Os homens marchavam dormindo. . . 33

O odor de decomposição — mascarado apenas pelo quase

igualmente intolerável cheiro de cloreto de cálcio — e nuvens

de moscas atraídas pela carniça constituíam outras maldições

inevitáveis. Membros e torsos eram incessantemente revolvi

dos pelas bombas. Ao cavarem ou consertarem as trincheiras,

os grupos de trabalho freqüentemente descobriam cadáveres

em todos os estágios de deterioração e mutilação. Na maioria

das vezes limitavam-se a afastá-los do caminho. Entretanto,

fragmentos de corpos iam parar dentro dos sacos de areia.

Se estes se rompiam, podiam divulgar seu conteúdo de um

modo tão horrível que o humor negro se tornava a única de

fesa contra a histeria. Em certo ponto do saliente de Ypres,

os homens que estavam sendo substituídos desfilaram diante

de um braço que se projetava para fora de um dos lados da

trincheira e apertaram-lhe a mão — “Tchau, Jack.” Os que

vinham substituí-los fizeram o mesmo ao chegarem — “Oi,fack.”34 Um capitão artilheiro, F. H. T. Tatham, descreveu para

sua mãe outra situação tão grotesca que chegava a ser quase

cômica:

Havia sempre um cheiro horrível em nosso Posto de Ob

servação nas trincheiras, um cheiro que o creosoto não

conseguia eliminar. Descobri hoje que são restos mor

tais decompostos que estão dentro de um saco de areia,no qual nos encostávamos para usar o periscópio. Acre-

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dito que o infeliz cadáver devia estar ali há uns seis

meses — os ratos não costpmam deixá-los em paz; assim

era provavelmente um alemão sujo. Agora que foi me

xido, fede mais do que nunca — cheio de vermes. O

repugnante saco de areia foi mergulhado em creosoto e

atirado para bem longe, mas evidentemente não conseguiram enfiar o que sobrou de Fritz num único saco, e

receio que erradicar o mal acarretaria um desmoronamen

to no parapeito, de modo que me vejo agora num dilema.35

O australiano }. A. Raws contou aos familiares uma história

igualmente “esquisita”. Trabalhando num grupo de escavação

em Pozières nofinal de julho de 1916, foi exposto, segundo

suas palavras, a “um tornado de bombas que explodiam”. Foisoterrado duas vezes. Na segunda vez, depois de se libertar

com esforço, viu por perto um corpo semi-enterrado. Pen

sando que fosse de um camarada que acabara de ser atingido

 por destino igual ao seu, saiu tropeçando para ajudar o ho

mem a se desembaraçar. Tratou de puxá-lo e levantá-lo. De

repentè, um jorro de sangue cobriu todo o Raws, e ele se viu

com a cabeça do corpo nas mãos. “O horror foi indescritível”,

contou ele.35 Seu irmão tinha sido morto três dias antes, e o

 próprio Raws seria morto no turno seguinte.-Um francês em

Verdun observou: “Todos exalávamos o fedor de corpos mor

tos. O pão que comíamos, a água estagnada que bebíamos,

tudo o que tocávamos tinha um cheiro ruim.”37

A mutilação era um espetáculo diário em alguns setores.

Em Fresnoy, no- Somme, uma casa que alojava soldados ale

mães foi diretamente atingida. Ernst Jünger correu para ajudar.

Agarrávamos os braços e pernas que apareciam no meiodo entulho e puxávamos os cadáveres para fora. A um

faltava a cabeça, e o pescoço subia do torso como um

grande fungo sangrento. Noutro, ossos estilhaçados pro-

 jetavam-se do toco de um braço, e o uniforme estava en

charcado com o sangue de uma imensa ferida no peito.

 Num terceiro as entranhas escorriam de um corpo que

tinha sido aberto ao meio. Enquanto puxávamos este úl

timo, uma tábua lascada que se encravara no terrívelferimento ofereceu resistência, produzindo sons medonhos.

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 Noutra ocasião, Jünger testemunhou um duelo de metralhadora.

De repente nosso atirador chefe caiu, ferido na cabeça.

Embora os miolos escorressem pelo rosto até o queixo,

ele ainda estava plenamente consciente quando o carre

gamos para um túnel adjacente.38

Depois que seu abrigo foi atingido por uma bomba, Roger

Campana tirou uma fotografia do corpo de um camarada para

mostrar a um amigo como escapara por um triz. O corpo

estava "aberto dos ombros aos quadris, como uma carcaça

esquartejada na vitrine de um açougue”.39 Delvert registrou

com maior precisão a morte de um colega:

A morte de Jégoud foi atroz. Ele estava nos primeiros

degraus do abrigo quando um obus (provavelmente um

130 austríaco) explodiu. Seu rosto foi queimado; uma

lasca entrou no crânio atrás da orelha; outra rasgou o

estômago, quebrou a espinha, e naquela sangrenta con

fusão via-se a medula espinhal solta, a resvalar. A perna

direita estava totalmente esmagada acima do joelho. O

mais terrível de tudo foi que ele ainda viveu uns quatro

ou cinco minutos.40

O Verdun de Cés^r Méléra incluiu esta cenae observação:

Cavalos e mulos enterrados. Uma lama fétida chega às

vezes ao tornozelo, exalando um cheiro horrível e tor

nando o ar pesado e opaco. Quem não viu os feridos

emitindo seus últimos estertores no campo de batalha,

sem cuidados, bebendo a própria urina para acalmar asede.. . nada viu da guerra.41

Os homens eram ameaçados não só pelo fogo inimigo

mas. também por sua própria artilharia, quando os tiros não

eram de longo alcance. O general Percin calculou que setenta

e cinco mil soldados franceses foram mortos ou feridos por

sua própria artilharia.42 Jean Giraudoux comentou ironicamen

te em. conversa com Paul Morand: "Pertenço ao regimentofrancês que matou o maior número de ingleses.”43 O bom-

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maior parte do tempo os homens se ocupavam com 05  pro

 blemas de rotina da vida nas trincheiras e essencialmente como tédio.

Parte do problema deste debate é uma questão de defi

nição e de semântica. Que espécie de experiência é classifi

cada como “horror” e o que constitui o “tédio”? O horror

 para um homem não pode ser tédio para outro, e vice-versa?

Se alguém insiste em afirmar que o horror é a sensação pro

vocada unicamente pela contradição inesperada  de valores e

condições que dão sentido à vida, e que, por sua vez, o tédio

é o desfecho inevitável da rotina, até da rotina de matança,

então nunca se poderá resolver a questão, porque nenhuma

noção de horror, mesmo aquela causada por esta guerra, pode

 permanecer constante. Depois de várias semanas de experiência na linha de frente, pouco restava que ainda pudesse cho

car alguém. Os homens se imunizavam, um tanto rapidamente,

contra a brutalidade e a obscenidade. Tinham de se tornar

insensíveis, se quisessem sobreviver. Como Fritz Kreisler, vio

linista e soldado da infantaria austríaca, se expressou:

Uma certa ferocidade surge dentro de você, uma absoluta

indiferença para com tudo o que existe no mundo, exceto o seu dever de lutar. Você está comendo uma crosta

de pão, e um homem é atingido e morto na trincheira

 perto de você. Você olha calmamente para ele por um

momento e depois continua a comer o seu pão. Por que

não? Não há o que fazer. Por fim, você fala-de sua pró

 pria morte sem maior emoção, como falaria de um con

vite para o almoço.47

E John W. Harvey, um quacre de Leeds que estava com a

unidade Ambulância de Amigos, escreveu de Ypres: “Estou

vivendo experiências desgastantes entre visões que seriam in

suportáveis pelo horror e compaixão que inspiram, não fosse

a capacidade da natureza humana de se enrijecer na familia

ridade com qualquer coisa.”48

Portanto, até o horror pode se tornar rotina e provocartédio — a sensação de que já se viu tudo aquilo antes e de

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que a existência não tem mais surpresas. "Nada resta na suamente”, continuou Kreisler, "a não ser o fato de que hordasde homens, das quais você faz parte, estão brigando contraoutras hordas, e de que o seu lado deve vencer”.49

Mesmo quando tudo parecia calmo, as baixas continuavam a se acumular — devido aos tiros de tocaia, à açãoaleatória da artilharia que abria fogo para manter o inimigosob tensão, e a acidentes. Era esse desgaste, precisamentequando nada de importância parecia estar acontecendo, quemais aterrorizava alguns soldados. A morte parecia totalmentesem sentido. Nos diários de guerra das unidades. do exércitoexiste freqüentemente uma ironia terrível nos sucintos relatórios de uma linha a respeito da atividade do dia: "Tudoquieto. Três baixas.” Como o angustiado embaixador americano disse numa carta de Londres: "Quando não há 'nadaa informar’ na França, isto significa as 5 mil baixas normaisque acontecem todos os dias.”50

A dicotomia estabelecida no debate do "horror versus tédio” é falsa. Crucial é o significado mais abrangente dafase 1916-1917 da guerra, sua relação com as formas anteriores

de guerrear, com as expectativas e os valores; e aqui é difícilnegar que a experiência no  front   de 1916-1917 foi realmenteuma experiência "limite”, uma experiência de algo que era,em suas implicações, inteiramente novo. É claro que os soldados continuavam a classificar sensações  de acordo com categorias previamente existentes — era uma reação instintiva —,mas a experiência  real como um todo foi crucial, e este fato,em seu contexto mais amplo, constituía novidade.

Com o tempo as categorias antigas e a relação aceita daguerra com a história anterior se enfraqueceram e entraramem colapso. A velocidade desta deterioração variava entre os países beligerantes e entre as pessoas, dependendo da elasticidade e da ressonância dos valores existentes, mas em toda

 parte, mesmo que tenha sido apenas no período do pós-guerra,no caldeirão em que fermentaram juntos o propósito, a lem

 brança e a conseqüência, desintegrou-se a validade das categorias antigas.

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PARA ALÉM DOS VALORES ESTABELECIDOS

Dentre os povos das nações mais influentes, os alemães tinham

sido, mesmo antes da guerra, os mais prontamente inclinados

a questionar as normas e os valores da sociedade burguesa liberal do século XIX, a exaltar o momento situado fora do domí

nio. da lei, e a procurar inspiração na dinâmica* da experiência

imediata em oposição às da tradição e da história. Na guerra

concentraram-se desde o início na idéia da “vitória”, num

vitalismo dionisíaco, o que significava que o momento, da con

quista ofereceria, espontaneamente e por si só, um emocio

nante leque de oportunidades, primordialmente espirituais e

vitalizadoras e, apenas secundariamente, territoriais e materiais. Os objetivos territoriais da guerra, aos quais tem se de

dicado grande parte da literatura sobre o esforço de guerra

alemão, nunca foram mais do que expressões vagas de entu

siasmo e histeria nascidas do cansaço da guerra. A questão

dos objetivos da guerra nunca passou de um expediente polí

tico que refletia as vicissitudes do  front.  Era o  front   que dita

va os objetivos da guerra, não o contrário.

 Não por acaso os alemães foram os primeiros a começara inverter as regras da guerra, reconhecendo a importância

da defesa e depois implementando oficialmente a idéia de des

gaste — esgotar o inimigo através do auto-sacrifício ao invés

de o “derrotar” por meio de investidas arrojadas. A Alema

nha tinha sido o país mais propenso a questionar as normas

 políticas, culturais e sociais do Ocidente antes da guerra, o

mais inclinado a estimular o colapso de antigas certezas e

o advento de novas possibilidades. Como corolário, os alemãesmostravam-se menos relutantes em distorcer as leis da guerra.

Eram menos reticentes quanto a quebrar convenções interna

cionais por eles associadas a uma norma legal imposta pela

hegemonia anglo-francesa e por eles considerada prejudicial

aos interesses alemães.

A idéia do desgaste foi a curto prazo o resultado de uma

situação militar especial, uma resposta ao inesperado impasse

que resultou do fracasso do plano Schlieffen em 1914 emantida no decurso do ano seguinte. Mas também foi uma

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indicação da vontade dos militares alemães e das lideranças

civis de transpor para uma estratégia militar o envolvimento

emocional da nação, tão evidente nos primeiros dias da guer

ra. O exército, que na tradição prussiana fora considerado

•‘a escola da nação”, devia se tornar uma escola para todos

os alemães. “Guerra- total” era o meio pelo qual esse objetivo poderia ser alcançado. Agora o soldado e o civil não

seriam mais distinguíveis. Uma guerra de desgaste implicaria

o comprometimento de toda a nação.

Esta idéia não surgiu da noite para o dia. Muitas das

atividades do movimento pangermanista, da Liga Naval, das

sociedades coloniais e de outras organizações nacionalistas ra

dicais do período anterior à guerra foram estimuladas com

o objetivo de revitalizar a sociedade alemã através de princípios e virtudes militares. O interessante é que grande parte

desta forma popular de militarismo teve origem entre elemen

tos não ligados à aristocracia agrária, isto é, entre os novos

tipos sociais presentes nas forças armadas, homens como Lu-

dendorff e Bauer, e entre funcionários de escritório — a cha

mada nova classe média — filiados às ligas nacionalistas. A

guerra total não era um ideal dos aristocráticos Junkers —

dos Schlieffens e dos Moltkes —, mas da nova Alemanha.Erich Ludendorff, plebeu, filho de um negociante, carreirista,

homem mais de ação do que de reflexão, era um símbolo su

 premo desta nova Alemanha. Como o moderno impulso que

representava, ele provinha da periferia — nascera numa casa

simples no meio de um pomar em Krusczewnia, na província

de Posen, na Prússia Oriental. Em julho de 1917 Ludendorff

detinha mais poder na Alemanha do que qualquer outra pes

soa. Para Ludendorff e para a nova Alemanha, todas as questões políticas, todas as questões econômicas e todas as ques

tões culturais não passavam afinal de questões militares.

Ora, a guerra de desgaste seria apenas uma ramificação

desse pensamento. Não teria se desenvolvido se não tivesse

havido uma preparação consistente para a “totalidade”. Esta

exigia o colapso da distinção entre soldados e civis, bem como

a rejeição, em tempo de guerra, da moralidade aceita. O tra

tamento dispensado aos civis na Bélgica pelas forças alemãsde ocupação e a confiança nos novos métodos da guerra — 

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especialmente o uso de gás e de invenções como o lança-cha-

mas, além da introdução de uma guerra submarina irrestrita

 — foram os passos mais importantes, até a idéia do desgaste,

 para o advento da guerra total.

O modo como a mutável paisagem social e física da

Europa afetaria a guerra futura tinha preocupado estadistas, políticos e juristas por todo o continente nas décadas ante

riores a 1914. Iria ser possível distinguir prontamente entre

soldados e civis? No começo do século XIX a resposta espa

nhola à invasão napoleônica, o recurso à guerrilha, indicara

futuros problemas. Depois, a Guerra Franco-Prussiana de

1870-1871 revelou dramaticamente que a experiência de Na-

 poleão na Espanha sessenta anos antes fora apenas uma suave

amostra do que poderia acontecer caso a guerra envolvesseas áreas mais populosas da Europa. Entre a batalha de Sedan

em setembro de 1870 e o armistício na primavera de 1871

vieram à tona todos os problemas referentes à relação entre

civis e soldados na guerra. Os alemães bombardearam Estras

 burgo, Péronne, Soissons, sem poupar os bairros civis, ale

gando o tempo todo que civis e militares prestavam auxílio

uns aos outros e que, portanto, pouca distinção podia ser feita

entre uns e outros. O terror também foi aplicado em áreasocupadas: queimaram-se casas civis, fuzilaram-se reféns e arre

cadar am-se tributos.

Entre 1871 e 1914 as discussões jurídicas internacionais

 procuraram definir os deveres e direitos dos invasores mili

tares, de um lado, e dos defensores civis, do outro. Nesses

debates os alemães geralmente insistiam no direito de requi

sitar bens e exigir docilidade de uma população sob ocupação.

 Não eram os únicos a defender essa posição, mas estavamvirtualmente sozinhos ao postularem uma versão extrema da

 proposição: a idéia de Kriegsverrat.  Segundo este ponto de

vista, a obstrução do esforço de guerra por civis em território

ocupado constitui traição igual à obstrução promovida pelos

 próprios compatriotas.1

A ocupação alemã da Bélgica foi coerente com esta po

sição, e, embora não tenha sido em geral tão monstruosa

quanto a propaganda dos Aliados queria fazer crer, a políticade ocupação foi, ainda assim, draconiana. Se os bebês não

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foram sistematicamente arrancados dos braços de outras pessoas e esmagados contra paredes de tijolos, se as freiras nãoforam deliberadamente caçadas para atos de sodomia, estu pro e matança, se os velhos não foram obrigados' a andaremde quatro antes de serem crivados de balas, muitos reféns fo

ram fuzilados, inclusive mulheres, crianças e octogenários.Louvain foi arrasada, junto com sua biblioteca, fundada em1426, com seus 280 mil volumes e sua inestimável coleçãode incunábulos e manuscritos medievais. Schrecklichkeit,  oterror, tornou-se a política oficial nas áreas ocupadas, primeiro na Bélgica, depois na França e na Rússia. O termo  furor  teutonicus  era usado pelos alemães com orgulho.

Para as potências da Entente, o tratamento dado aos

civis tornou-se prova incontestável da desumanidade alemã;"pobre pequena Bélgica” e "Bélgica crucificada” foram as

 principais fórmulas usadas na mobilização do sentimento britânico a favor da guerra. O destino de Louvain e de sua bi

 blioteca foi considerado um símbolo da barbárie alemã, dahostilidade teutônica à história e à civilização ocidental comoum todo, a seus produtos, suas realizações e seus valores.À biblioteca de Louvain foram juntar-se logo depois a cate

dral de Rheims, bombardeada pela primeira vez em 20 desetembro — "o crime mais hediondo já perpetrado contra a.inteligência do homem”,, afirmou Henry James2 —, o ClothHall de Ypres, e finalmente a catedral de Albert. Os alemãesalegavam que as torres dessas estruturas estavam sendo usadas para observação e telegrafia ótica, e que a eles não restara outra opção senão bombardeá-las, sem ligar para a publicidade adversa que tal ação criaria. Pouco depois, entretanto,

 prejudicaram seu próprio argumento atacando civis e monumentos históricos muito distantes dos perímetros adjacentesaos campos de batalha. No dia 11 de outubro dois Taubesalcançaram Paris e deixaram cair vinte e duas bombas, matando três cidadãos e ferindo outros dezenove. A catedral de

 Notre Dame também saiu arranhada. Este fato foi considerado pelas potências da Entente como uma ampliação inegável e inaceitável das formas de guerra. Em dezembio de

1914 a guerra atingiu os civis da Inglaterra, quando o portoinglês de Hartlepool ao norte e os balneários marítimos de

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Scarborough e Whitby foram bombardeados a partir do mar.Em 1915 começaram os reides de zepelim sobre Paris e Londres, e no começo de 1916 esses reides já alcançavam áreastão distantes ao norte como Lancashire.

 Nos primeiros meses da guerra Friedrich Meinecke, his

toriador jovem, talentoso e já muito respeitado, escreveu queo que o estrangeiro chama de brutalidade no comportamentoalemão, o próprio alemão deve chamar simplesmente de honestidade. Afinal, se a catedral de Rheims estava sendo usada

 pelos observadores franceses, tinha de ser bombardeada. Nadamais simples. Era pura hipocrisia os franceses e os britânicoschamarem o alemão de bárbaro nestas circunstâncias.3 Meine-cke era relativamente moderado. Outro historiador alemão

expressou idéias semelhantes em tons mais estridentes:

É melhor ver tombar milhares de torres de igreja do quever tombar um soldado alemão por causa dessas torres. Não aceitemos lamúrias de humanistas e estetas entrenós. Temos de nos afirmar. Estas são verdades tão sim

 ples que se torna monótono ter de repeti-las para pessoas que não desejam escutar.4

Ao invés dessas afirmações inequívocas a respeito da preeminência da força vital sobre a história, seria de esperar deMeinecke e de seu confrade, dadas as suas profissões, ummaior respeito pela dependência do indivíduo e da nação paracom seu contexto histórico. Mas, em seus comentários, a ênfase recai sobre o ato dionisíaco da auto-afirmação. No cursoda guerra, trinta e cinco dos quarenta e três catedráticos de

história das universidades alemãs iriam assegurar que a Alemanha tinha se envolvido na guerra só porque fora atacada.5

Uma alternativa freqüentemente observada para a negação da história era a negação de que tivessem ocorrido atosde destruição. Em outubro de 1914 foi publicado um manifesto endereçado ao “mundo da cultura” e assinado por noventa e três intelectuais alemães. Entre os signatários estavamluminares como o teólogo Adolf von Harnack, o escritor Her

mann Sudermann, o compositor Engelbert Humperdinck, ocientista Wilhelm Röntgen e o dramaturgo Gerhart Hauptmann.

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"Não é verdade”, insistiam, "que tenhamos violado criminosamente a neutralidade da Bélgica. . . Não é verdade que nossastropas tenham agido brutalmente em Louvain”.6 Desejo, fantasia e ilusão ditavam cada vez mais a realidade, à medidaque a guerra — e o século — avançava. Neste processo a Ale

manha ia na dianteira. Os homens deviam "abrir os coraçõesà humanidade só enquanto esta não os ferisse”, dizia ErnstJiinger. Tal egoísmo e desejo de sensações foi importante,como Jünger estava disposto a admitir, para o advento daguerra.

É claro que um interesse pelo horror fazia parte do con junto de desejos que nos arrastou tão irresistivelmente

 para a guerra. Um período de lei e ordem tão longo quanto aquele que nossa geração tinha atrás de si suscitou umverdadeiro anelo pelo extraordinário.7

Os franceses e os britânicos teriam motivos para ficartão perturbados com os métodos de guerra alemães? Afinalos próprios britânicos haviam denunciado — como os alemãesestavam agora fazendo com os belgas — as táticas "não-es

 portivas” dos bôeres, quando estes recorreram a ataques relâmpagos e à resistência civil durante a guerra sul-africanana virada do século, forçando os militares britânicos a esta

 belecer centros de detenção nos quais mulheres, crianças ehomens eram encarcerados em péssimas condições. Os espirituosos que acusavam a Grã-Bretanha de comportamento hi

 pócrita saboreavam o trocadilho que dizia  Britain rules the !waves and therefore Britain waives the rules.  Além disso, há provas de que soldados franceses cometeram "atrocidades”em território ocupado no início da guerra,8 e conseqüente-mente é lícito se perguntar como os franceses teriam se com

 portado se grande parte da guerra tivesse sido travada emsolo alemão. Alguns dias depois da mobilização, Louis Pergaud, professor e ex-pacifista, escreveu: "É necessário e urgente queerradiquemos, até a última pedra e até o último indivíduo,esta raça de víboras que é a raça prussiana.”9

Entretanto, as provas que existem mostram de forma inequívoca que os alemães negaram sistematicamente os padrões

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internacionais — em parte por um sentimento de necessidade,

 por considerarem esses padrões prejudiciais ao seu bem-estar

imediato, mas também em grande parte porque eles, os ale

mães, simplesmente estavam menos dispostos a acatar regras

que consideravam estrangeiras e históricas e, portanto, não

aplicáveis a si mesmos ou ao significado colossal do momento.Os alemães se censurariam depois da guerra ao dizer que o

seu esforço de propaganda tinha sido muito inferior ao dos

Aliados, mas a verdade era que os Aliados tinham realmente

mais substância por trás de suas queixas contra os alemães

do que estes últimos contra os seus inimigos. O apelo dos

alemães a “honestidade”, “franqueza” e “veracidade” soava

romântico e idealista; era um apelo a virtudes interiores e

 privadas. O apelo dos Aliados era social, ético e histórico;era um apelo a valores exteriores e públicos.

Em dezembro de 1914 Henri Bergson acusou os alemães

de terem tornado a sua barbárie “científica”,10 e em janeiro de

1915 Henry James se referiu à “vileza do demonismo” que

havia por trás da destruição de Ypres,11 mas o primeiro uso

sistemático de gás asfixiante na Frente Ocidental pelos ale

mães, em 22 de abril de 1915, em Langemarck, perto de

Ypres, contra tropas francesas e canadenses, eliminou quaisquer dúvidas entre as populações dos países Aliados sobre

a natureza satânica da ameaça alemã e sobre a “culpa” alemã.

Este acontecimento, na primavera de 1915, foi o ato mais

espetacular do que Pierre Miquel chamou de “guerra terro

rista”.12

A Declaração de Haia de 1899 e a Convenção de Haia

de 1907 tinham proibido o uso de “veneno ou armas vene

nosas” na guerra. Emborá os franceses e os britânicos já com prassem cloro líquido em setembro de 1914, e embora os

franceses em particular tivessem se ocupado com munições

de gás por algum tempo antes de abril de 1915, permanece

o fato de que os alemães foram os primeiros a usar o gás

de forma ampla e metódica. No outono de 1914 o químico

Fritz Haber, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel por

seu trabalho sobre a síntese da amónia realizado antes da

guerra, tivera a idéia de que o uso de cloro daria aos alemães a possibilidade de recuperar a iniciativa no conflito e,

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apesar da falta de munição e de soldados, conduzi-lo a um

final vitorioso. Os alemães alegavam que os Aliados estavam

usando gás venenoso em suas bombas, ao invés dos irritantes

relativamente inofensivos e não-tóxicos que tanto os alemães

como os franceses já tinham empregado, mas estas alegações

eles não podiam documentar; e sua afirmação de que osacordos de Haia não incluíam a difusão de nuvens de gás,

apenas o uso de projéteis que emitissem gás, não passava

de uma tentativa de obscurecer a questão.

Alguns comentaristas na época e alguns historiadores mais

tarde argumentaram que se criou uma comoção injustificada

sobre o uso de gás. O gás, afirmam, era na verdade mais

humanitário que o bombardeio, porque provocava menor nú

mero de baixas, mesmo depois que se passou a usar o gásletal.13 Esse argumento é especioso. O gás certamente não era

usado porque fosse mais humanitário mas porque combinava

todos os horrores a que o soldado do  front   estava sujeito. Não

era usado em lugar da artilharia; era usado para reforçar a

artilharia. Como disse um artilheiro britânico em maio de

1915, defois que os alemães tomaram a Colina 60, ponto estra

tégico perto de Ypres, com a ajuda de gás:

Se não quisermos sofrer derrotas a cada movimento,

temos de usar, nós também, algo parecido. Esses humanistas alegam que é mais compassivo asfixiar um homem

do que despedaçá-lo com uma bomba altamente explo

siva. Esse é o jeito simpático que eles têm de querer apa

recer diante do mundo em geral. Na realidade, depois

de lançarem o gás, eles matam a baionetadas todos aque

les que, atordoados pela fumaça, não conseguem andar,e em seguida atiram seus explosivos contra a multidão

miserável que continua lutando para respirar. Não há

 palavras que exprimam o que pensamos de tudo isso.14

Os soldados, mesmo os veteranos experimentados, de to

dos os exércitos nunca se acostumaram com a idéia do gás.

 Na verdade, alguns dos alemães diretamente envolvidos na

 produção do gás venenoso o consideravam uma arma "nadacavalheiresca” e "repugnante”.15 O príncipe herdeiro Ruprecht

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da Baviera, comandante do Sexto Exército, tentou impedir o

seu uso, argumentando que o inimigo reagiria de modo seme

lhante, mas foi dissuadido de seu intento. Ironicamente, seu

Sexto Exército devia ser vítima do primeiro grande ataque

 britânico com gás, em Loos, em setembro de 1915. Embora

tenha se tornado rapidamente um elemento obrigatório doarsenal de ambos os lados, e fórmulas mais mortais tenham

sido empregadas à medida que a guerra avançava, os solda

dos continuaram a associar ò gás a métodos impróprios de

luta. "Nunca esquecerei as cenas que vi em Ypres depois dos

 primeiros ataques com gás”, afirmou o tenente-coronel G. W.

G. Hughes, do corpo médico.

Homens estendidos ao lado da estrada entre Poperinghe eYpres, exaustos, ofegantes, expelindo pela boca um muco

amarelo, os rostos azuis, angustiados. Era terrível, e muito

 pouco se podia fazer por eles. Ainda não encontrei des

crição em nenhum livro ou estudo que exagerasse o pavor

ou, em sua compreensão do horror, chegasse perto da

monstruosidade destes casos de gás. Depois de vê-los e

tratá-los, saía-se com vontade de atacar imediatamente os

alemães e estrangulá-los, fazendo-os pagar pela sua perversidade. Melhor uma morte súbita do que esta terrível

agonia.16

As vítimas de gás, uma vez vistas, torturavam muito mais a

mente do que os soldados mutilados pelas bombas:

 Em todos os meus sonhos, diante de minha vista

[ indefesa, Ele se precipita sobre mim, pingando, sufocando-se,

[afogando-se}1

Os soldados eram, sem dúvida, intensamente supersticio

sos, e as tropas britânicas vieram a sentir que usar gás dava

azar.18 A frente interna na Grã-Bretanha e na França achava

que os alemães tinham passado dos limites quando recorre

ram ao gás. A opinião nacional sentia-se ultrajada, e quando, para a emergência de final de abril, o  Daily Mail  pediu às

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mulheres da Grã-Bretanha que fizessem um milhão de pe

quenas máscaras de respiração, feitas com chumaços de al

godão cru conforme especificações publicadas no jornal, o

exército foi inundado de doações. Vários milhares delas foram

imediatamente enviados à França e distribuídos às tropas como

um expediente de ocasião. A tecnologia da guerra do gásdesenvolveu-se rapidamente: do cloro ao fosgênio e aos gases

de mostarda. O gás de mostarda era o mais letal, e nova

mente foram os alemães que o introduziram. As máscaras

tornaram-se conseqüentemente mais sofisticadas, com prote

ção para o rosto feita de tecido impregnado de borracha, e

óculos de vidro não-estilhaçável. Os homens odiavam as más

caras. Na melhor das hipótese, elas dificultavam a respiração

è restringiam a visão e a mobilidade.Rodeado de homens mascarados durante um ataque de

fosgênio em Verdun, Pierre de Mazenod lembrou-se de um

"carnaval da morte”.19 Para muitos, o gás fez a guerra entrar

no reino do irreal, do faz-de-conta. Quando os homens pu

nham as máscaras, perdiam todo sinal de humanidade, e com

seus longos focinhos, grandes olhos de vidro e movimentos

lentos, tornavam-se figuras de fantasiá, mais próximos, com

suas feições angulosas, das criações de Picasso e Braque doque de soldados tradicionais. "Este focinho de porco que re

 presentava a verdadeira face da guerra” — disse Dorgelès

da máscara de gás.20 O comentário britânico sobre os ata

ques de gás alemães incluía o seguinte:

Com o uso de gás venenoso pelos alemães, a guerra tor

nou-se mais encarniçada, e o horror seguiu-se ao horror

até que o soldado da civilização teve de se alçar a umtal nível de coragem, que deixou completamente na som

 bra a dos cavaleiros de outros tempos que saíam para

lutar contra dragões abomináveis que lançavam fogo e va

 pores fétidos pelas narinas. Nesta luta mortaf com uma

raça de orangotangos científicos, é necessário fechar os

olhos para as exterioridades e olhar para dentro a fim

de ver o halo brilhando na fronte do soldado. . . Mas

quão mais esplêndida que a de qualquer soldado emplumado e ajaezado de outrora é a sua coragem quando ele

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avança, ou se acocora na lama ou no chão, enfaixado

em suas ataduras químicas, perdida já toda aparência hu

mana, à espera não só da bala e da granada e da arma

 branca, mas também do Flammenwerfer,  do gás asfixiante,

do gâs lacrimogêneo, do gás fedorento e outros instru

mentos de guerra da Alemanha!21

Quando o Grupo Antigás dos Engenheiros Reais se reu

niu dez anos depois da guerra, não surpreende que um dos

quadros de um programa de comédia fizesse referência ao

 balé russo. Tanto o gás como o balé russo eram considerados

o cúmulo da “novidade”, expressões de um senso do mo

derno que ia muito além do que a maior parte da sociedade

 julgava aceitável. O tenente-coronel Henry S. Raper, Comandante da Ordem do Império Britânico, Membro da Sociedade

Real e Cavaleiro Real da Itália, foi apresentado no programa

comemorativo da seguinte maneira:

Raperski apresenta seu famoso Balé Russo, “Diálise”.

 Argumento:  A cena se passa na clareira de um bosque,

onde se vêem as três belas irmãs, Clorina, Bromina e

Iodiva passeando. Sódium, notório mau-caráter, se apro

xima e as engana, presenteando cada uma delas com umelétron para o anel. Tarde demais elas descobrem o que

aconteceu e estão prestes a se cristalizar de desespero

quando são precipitadas por Argentum e assim salvas

de seu terrível destino. A última cena mostra Sódium,

que agora se tornou um lon, em movimento browniano.22

Dado o protesto na Grã-Bretanha quando o gás foi utili

zado pela primeira vez, é interessante observar os parágrafosiniciais do relatório holandês sobre guerra química, publi

cado em 1919. O relatório começa:

O Comitê não tem a menor dúvida de que o gás é uma

arma legítima na guerra, e considera que se pode desde

 já prever que será usado no futuro, pois a história não

registra nenhum caso de uma arma comprovadamente útil

na Guerra ter sido abandonada por Nações que lutam pela sobrevivência.23

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Vinte anos mais tarde, na deflagração da guerra seguinte, to

dos na Grã-Bretanha receberiam uma máscara de gás. A “guerra

cubista” tinha se espalhado por toda a nação.

O lança-chamas foi outra arma que os alemães foram

os primeiros a empregar; fazia parte de seu arsenal desde

o final de 1914. Os Aliados diziam que violava os acordosde Haia, que proibiam o uso de “armas, projéteis e materiais

 planejados para causar sofrimento desnecessário”, insistindo,

além do mais, que “os países beligerantes não têm direito ili

mitado quanto à escolha dos meios de ferir um inimigo”. O

lança-chamas consistia em um cilindro de óleo e um tubo

de aço a partir do qual o óleo era lançado sob alta pressão.

Tratava-se de uma arma que, como o gás, não se mostrava

terrivelmente eficaz a longo prazo — era mais útil para incinerar os ocupantes dos abrigos circulares junto aos canhões

e dos abrigos subterrâneos —, mas incutia um medo aterro-

rizador em suas vítimas potenciais. Mairet considerava o Fiam- 

menwerfer   o supremo “símbolo desta guerra impiedosa, uma

visão incandescente deste século de loucura”.24 Os franceses

e os britânicos não gostavam tanto de usar o lança-chamas

quanto os alemães: achavam que, se houvesse alguma resis

tência nas trincheiras sob ataque, era provável que o homem

do lança-chamas fosse atingido, tornando-se uma tocha hu

mana e representando mais um perigo do que uma ajuda

 para seus próprios companheiros. Se houvesse pouca resistên

cia a um ataque, o lança-chamas não seria necessário. Os

franceses reservavam o lance-flammes  para operações de lim

 peza, depois de uma primeira onda de assalto ter sido bem-

sucedida.

Entre outras inovações da guerra de trincheira que os

alemães foram os primeiros a empregar metodicamente encon-travam-se os morteiros de trincheira e os tiros de tocaia. Os

 Minnenwerfer   (lança-minas) ou Minnies, como os britânicos

os chamavam com afeto irônico, apareceram já em setembro

de 1914, em Chemin des Dames e em outros lugares. Os

franceses os odiavam, chamando-os de “baldes de carvão” ou

“chaminés de fogão”. Os atiradores de tocaia, com sua mira

telescópica, também eram abominados — às vezes até por

companheiros de seu próprio exército — como tipos nãoesportivos.

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Os britânicos e os franceses foram muito mais lentos emintroduzir novas idéias de guerra — morteiros de trincheira,gás ou tanques. Desde o início houve relutância em aceitara realidade da guerra de trincheiras. “Não sei o que deveser feito”, dizia Kitchener; “isto não é guerra”.25 É claro que

se atribuía a guerra de trincheiras aos alemães; foram os primeiros a recorrer a esta forma “não-viril” de luta. O generalCherfils acusava o boche de se comportar como uma “tou

 peira covarde”, recusando um combate viril e honesto à la loyale.26 Mas além de denúncias contra os alemães, surgiram poucas idéias inspiradas e inovadoras. Depois que a batalhado Somme já se arrastara por três meses sem qualquer sinalde brecha na  linha de combate, o general Robertson ainda

descrevia os tanques como “uma inovação um tanto temerária”.27

Os tanques foram quase que a única invenção significativa dos Aliados na guerra de trincheiras. Entretanto, seu uso

 prematuro, em número insuficiente, em 15 de setembro de1916, no Somme, desperdiçou a importante arma da surpresa.O mundo vitoriano considerava a surpresa um tanto contráriaà ética. A surpresa pertencia ao mundo imoral do aposta

dor e do  flâneur.  O sucesso tinha de ser o resultado de muitotrabalho e esforço, e não do acaso e da surpresa. Assim, otanque não devia ser concebido como arma secreta, mas antes como produto da determinação e do compromisso britânicos. Se dependesse de Haig, o tanque permaneceria subordinado ao ataque de infantaria. No final, homens, e não máquinas, venceriam esta guerra —- homens “que seguiam asregras do jogo”.

Se os Aliados aceitaram relutantemente os tanques como parte necessária do jogo, o emprego alemão de submarinos para atacar todas as embarcações dentro de uma determinadazona foi considerado pelos franceses e pelos britânicos, desdeo início, como uma outra manifestação da barbárie alemã.Os alemães sempre tinham dado mais importância ao simbolismo de sua frota de guerra do que ao seu uso prático. Emoutubro de 1912 Bethmann Hollweg, por exemplo, disse a

Lorde Granville, dignitário da embaixada britânica em Berlim,que a Alemanha necessitava de sua marinha “não apenas para

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defender seu comércio, mas para servir ao objetivo geral de

sua grandeza”.28 Quando irrompeu a guerra, a superioridade

naval britânica foi evidente desde o início, e no final de 1914

a Grã-Bretanha tinha firme controle sobre as águas territo

riais e aplicara um bloqueio eficaz contra a frota alemã no

Mar do Norte e no Canal da Mancha; além disso, fizeraestragos consideráveis à esquadra de guerra alemã nos mares.

O kaiser relutava em arriscar o resto de sua valiosa armada,

em ter os seus símbolos despedaçados; por isso, com exceção

de alguns ataques relâmpagos na costa leste da Inglaterrae da batalha da Jutlândia em 1916, a marinha alemã perma

neceu no porto atrás das áreas minadas. Privadas do uso deste

símbolo de status,  as autoridades navais alemãs deslocaram

a ênfase para uma nova arma de guerra naval, uma arma deefeito mais "moderno”, que implicava sigilo, surpresa e des

truição repentina, o submarino. Com a importância dada ao

submarino, os alemães mais uma vez mudaram os padrões

tradicionais do pensamento estratégico. A frota naval deveria

ter sido secundada pelos submarinos, mas ocorreu o inverso:

o submarino tornou-se a principal arma alemã no mar, e a

armada de superfície foi relegada a uma posição de apoio.

Em terra, os alemães recorreram a uma guerra subterrânea;

em alto-mar, sua atitude foi semelhante.

Em fevereiro de 1915 os alemães anunciaram o estabele

cimento de uma "zona de guerra” ao redor da Grã-Bretanha,

na qual todos os navios, mercantes ou não, seriam atacados,

sem se levar em conta a segurança das tripulações e dos passa

geiros. Novamente os alemães afirmavam que os britânicos

tinham sido os primeiros a violar a lei nos mares e que eles,

alemães, estavam apenas reagindo ao bloqueio britânico im posto ao seu país* A Grã-Bretanha tinha se recusado a rati

ficar a Declaração de Londres de 1909, que tentou estabe

lecer um código jurídico para a guerra naval, e continuava

a interpretar em benefício próprio questões litigiosas como,

 por exemplo, a natureza do contrabando; por isso, dizia o

argumento, a Alemanha não tinha outra alternativa senão ado

tar medidas de represália, por mais brutais que pudessem parecer.

 Neste caso havia certamente algum mérito na afirmação.Entretanto, o que interessa aqui é a natureza da resposta

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alemã. Ao recorrerem à guerra submarina irrestrita e ao se

recusarem mais uma vez a fazer distinções entre soldados

e civis, entre países neutros e beligerantes, os alemães con

duziram a guerra com muito mais dramaticidade e elã do

que os britânicos tinham demonstrado por ocasião do blo

queio, para a esfera da guerra total. Aplicou-se o Schrecklichkeit  nos mares. Em março de 1915 o navio de passageiros Falaba 

foi atingido por um torpedo disparado enquanto os botes

salva-vidas ainda eram lançados ao mar. Mais de cem vidas

se perderam. No dia 7 de maio o navio britânico  Lusitania 

foi torpedeado perto da costa da Irlanda, perdendo-se 1.198

vidas, inclusive 120 americanos, de um total de mais de

2 mil passageiros e tripulantes. Numa demonstração de fer

vor xenófobo, foi cunhada uma medalha na Alemanha paracomemorar esta “vitória” nos mares. Acontecendo, como foi

o caso, poucos dias depois do primeiro uso de gás, o afun

damento do  Lusitania  fez recair a cólera do mundo neutro

sobre a Alemanha. Josiah Royce, professor em Harvard, tinha

até aquele momento evitado mencionar a guerra em suas au

las. Mas quando ficou sabendo do destino do  Lusitania,  não

 pôde mais se conter. “Eu seria um mau professor de filosofia,

e em particular de filosofia moral, se deixasse meus alunos

em dúvida, por menor que fosse, sobre como considerar tais

coisas”, e em seguida se referiu a “estas mais recentes ex

 pressões das infâmias da guerra prussiana” e a “esta nova

experimentação com á natureza humana”.29 A reação de Royce

representava a reação americana.

 Nos países da Entente o afundamento do  Lusitania  pro

vocou indignação moral e uma corrida aos postos de alistamento. William Gregson, professor de vinte e cinco anos em

Arnold House, escola secundária de Blackpool, cujo diário até

então continha mais apontamentos sobre a vida escolar e o

futebol do quei sobre a guerra, foi claramente influenciado

 pelú acontecimento. No domingo, 9 de maio, escreveu em

seu diário: “A perda do  Lusitania  ainda paira como uma

nuvem sobre nós e leva Rigby a fazer sermões mais apai

xonados do que de costume nas matinas.” Em duas semanasGregson tinha decidido se alistar.30

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Os alemães continuaram sua tática durante todo o ve

rão, atacando sem sucesso um grande navio Cunard em 9 de

 julho e mais tarde afundando o navio White Star  Arabic 

em 19 de agosto. Era evidente que a opinião contra eles ga

nhava força e que a guerra submarina não estava tendo o

desejado efeito econômico sobre a Grã-Bretanha; por isso emsetembro de 1915 os ataques foram cancelados.

Entretanto, quando Falkenhayn desenvolveu sua idéia da

Stellungskríeg  — apresentada por ele de forma bastante com

 pleta num memorando de dezembro de 1915 —, também in

cluiu, em sua versão mais ampla da natureza da nova guerra,

a busca enérgica da guerra submarina irrestrita. Ambas eram

ingredientes essenciais da guerra total. Falkenhayn não conse

guiria convencer as autoridades civis e o kaiser da conveniência da guerra submarina durante o ano de 1916. Mas,

depois da batalha da Jutlândia, com a constatação de que a

Alemanha tinha poucas chances de derrubar a supremacia na

val britânica, e com um impasse semelhante na guerra terres

tre em 1916, o kaiser e Bethmann Hollweg finalmente re

conheceram que uma nova campanha de guerra submarina cons

tituía o único caminho possível para alcançar a vitória. Apesar

da probabilidade de uma campanha dessas ter como resultadoo ingresso dos Estados Unidos na guerra, os alemães acre

ditavam que, poderiam dobrar a Grã-Bretanha antes que o

 poderio americano se fizesse sentir na Europa.

Se a tonelagem afundada é critério de sucesso, desta vez

a campanha em suas primeiras etapas se mostrou definitiva

mente promissora, pelo menos até o fim do verão de 1917,

quando os britânicos introduziram um eficaz sistema dè com

 boio. A pior repercussão para os alemães se deu, entretanto,em abril com a entrada dos Estados Unidos na guerra. A

guerra submarina devia se prolongar até o final, mas por

volta de julho de 1918 atingiu o ponto crítico, porque a esta

altura os britânicos produziam mais tonelagem de navios no

vos por mês do que a afundada pelos alemães.

 No ar, como já observamos, os alemães também tomaram

a iniciativa de "expandir os limites do combate. Assim, em

todos os níveis, na guerra em terra, no mar e no céu, foramos alemães que em geral tentaram utilizar pela primeira vez os

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métodos mais modernos. Foram eles que de forma muito es

 palhafatosa forçaram os padrões internacionais de conduta e

moralidade. Em todas estas áreas e aspectos da guerra, o ano

de 1916 assumiu grande importância. Muitas das novas idéias

foram' experimentadas pela primeira vez em 1915 — o gás,

a guerra submarina —, de modo que aquele ano se torna emretrospecto um ano de transição; mas 1916 presenciou o ad

vento e a aceitação da nova guerra em suas dimensões mais

espetaculares. Muitos tinham consciência de que graves mu

danças estavam em andamento. Georges Blachon publicou dois

artigos no começo de 1916 na  Revue des deux mondes, inti

tulados “La Guerre nouvelle” e “La Guerre qui se trans

forme sous nos yeux”.*

Quanto a métodos, táticas e instrumentos de guerra, aAlemanha tomou a iniciativa em 1914. A guerra devia pro

mover uma revolução no espírito europeu e, como corolário,

na estrutura de estado européia. A Alemanha era a potência

revolucionária da Europa. Localizada no centro do continente,

ela se propôs tornar-se o país líder da Europa, o coração da

Europa, como dizia. A Alemanha não só representava a idéia

da revolução nesta guerra; apoiava forças revolucionárias por

toda parte, quaisquer que fossem os seus objetivos finais. Aju

dou Roger Casement e os nacionalistas irlandeses em sua luta

contra a Grã-Bretanha, e na Suíça embarcou Lênin de volta

à Rússia para fomentar a revolução em Petrogrado. O que

importava para os alemães era sobretudo a derrubada das ve

lhas estruturas. Esta era a verdadeira questão da guerra. Uma

vez alcançado este objetivo, a dinâmica revolucionária passa

ria a erigir novas estruturas, válidas para a nova situação.

* “A nova guerra” e “A guerra que se transforma ante os nossos olhos” .

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 V 

A RAZÃO NA LOUCURA

Ó Deus, nosso amparo em tempos passados, Nossa esperança para os anos futuros.

Is a a c   Wa t t s

Acho que a Guerra não produziu nenhuma mudançaimportante e duradoura no caráter, nos costumes e

hábitos do povo.Mi c h a e l   Ma c d o n a g h  

1916 

Vou voltar a Blighty, dondesaí pra éncarar o huno;

Lutei em batalhas sangrentas,e me diverti aos montes;

Agora com a mão arrebentada,acho que cumpri meu dever,

Vou a Blighty beijar minha garota.

Cartão de Natal da

Sociedade Britânica da Cruz Vermelha, 1917 

NÃO LHES CABIA SABER A RAZÃO

Professores, mineiros de carvão, bancários, granjeiros, pequenanobreza, classe média urbana, trabalhadores e camponesesno meio da fúria, o que os mantinha nas trincheiras? O queos conservava à beira da terra de ninguém, aquela faixa deterritório que a morte governava com punho de ferro? O queos levava a sair das trincheiras, em longas filas que, apesar do barulho, do terreno, do terror e da confusão, permaneciamextraordinariamente ordenadas? O que os mantinha em con

fronto constante com a morte ou seus símbolos, no ataque eno contra-ataque; na defesa, nas faxinas ou nas marchas; no

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verão e no inverno; na linha de fogo, na linha de apoio,na reserva, no descanso e, talvez o teste supremo, nogozo de licença?

 Não estamos falando aqui de exércitos profissionais, masde exércitos de massa, de voluntários e conscritos, como o

mundo nunca tinha visto até então, e não estamos falandode sistemas militares em que se obtinha obediência através dochute, do laço ou do leito de Procusto. Ainda se punia adeserção com a morte, e as cortes marciais estiveram ativasdurante a guerra, mas a incidência de insubordinação e sedição era minúscula em relação ao número de combatentese em vista das condições que tinham de enfrentar. A questãode saber o que mantinha a afluência de homens a este in

ferno da Frente Ocidental é básica para uma compreensãoda guerra e do seu significado.O que se torna claro na leitura dos diários e das cartas

de soldados do  front   é que em serviço na linha de frente, particularmente em ação, mas também nas tarefas rotineiras,os sentidos ficavam tão entorpecidos pelas inúmeras agressõesde que eram vítimas que cada homem tendia, depois de algum tempo, a viver de acordo com reflexos. Funcionava ins-tintivamehte. É claro que a autopreservação não deixava deser um instinto importante, porém ainda mais importantes,considerando-se a situação em que o soldado se encontrava,eram as firmes regras de conduta estabelecidas pelos militarese, especialmente, as normas sociais que constituíam o contextomais amplo dos militares. Reflexos e instintos eram em grande parte prescritos pela sociedade do soldado.

Sobre um ataque, Alan Thomas escreveria mais tarde: “O barulho, a fumaça, o cheiro de pólvora, o matraquear do fogo

de fuzis e de metralhadoras se juntavam para entorpecer ossentidos. Eu tinha consciência de que eu e outros soldadosavançávamos, mas de pouca coisa mais.1 Thomas pode nãoter se dado conta do por que avançava, mas não deixava deavançar, leal, obediente e honradamente, por muitas razões;e a maioria dessas razões era positiva, e nã_o negativa. “Acausa”, com sua profusão de interpretações — pessoais, familiares e nacionais — era um fator muito mais importante

na determinação do comportamento do que a ameaça de punição.

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Para Patrick McGill, dos Irlandeses de Londres, sair dastrincheiras para o ataque significava que “ chegara aquele momento em que não convinha pensar”.2 O tempo e até o lugardeixavam de ter importância. A tarefa imediata a cumprir

 — passar pelo próprio arame farpado de suas próprias linhas,

atravessar o terreno cheio de crateras, observar os sinais dochefe do pelotão, arcar com o peso do equipamento — eraexaustiva. Nesta situação o soldado funcionava segundo regras marteladas durante o treinamento, mas também segundotodo um código de valores incutido por sua sociedade, educação e criação.

É perfeitamente compreensível que uma reação ditada por reflexos determinasse o comportamento em situações de

 perigo extremo. O material documental contém referências frequentes a um estado semelhante ao da anestesia. Eis a descrição, feita por Alexander Aitken, de um ataque a Goose Alleyno Somme, em setembro de 1916:

Passei pela fumaça. . . Num ataque cornb este, sob fogomortal, fica-se tão impotente quanto um homem segurando eletrodos fortemente carregados, impotente para

fazer outra coisa que não seja continuar mecanicamente;removido o último escudo contra a morte, a vontade sefixa como o último pensamento com que se entra naanestesia, que é o primeiro pensamento com que se saidela. Só a segurança, ou o choque de um ferimento, destruirá essa auto-hipnose. Ao mesmo tempo toda emoçãonormal fica inteiramente entorpecida.3

Mas outros relatos sugerem que, para muitos, este estado beirando a narcose tornava-se uma condição constante de vida prolongada nas trincheiras. Depois que um soldado passavatrês semanas no  front,  notava-se nele uma nítida mudança:suas reações geralmente se embotavam, o rosto exibia menosexpressãot, os olhos perdiam o brilho. O estudante alemão HugoSteinthal notou a insensibilidade que o soldado desenvolvia,o que o capacitava a sobreviver mentalmente nesse inferno.

Depois de ser substituído numa tarefa particularmente cansativa nas trincheiras, ele escreveu aos familiares:

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Quem quer que tenha estado nestas trincheiras tanto

tempo quanto a nossa infantaria, e quem quer que não

tenha perdido o juízo nestes ataques infernais, deve pelo

menos ter ficado insensível a muitas coisas. Quantidade

demasiada de horror, quantidade excessiva do incrível foi

arremessada contra nossos pobres camaradas. Para mim éinacreditável que isso possa ser tolerado. Nosso pobre

cérebro simplesmente não é capaz de absorver tudo isso.4

Marc Boasson se referiu ao automatisme anesthésiant   que a

experiência da trincheira provocava.5 Fritz Kreisler observou

o "estranho estado de espírito psicológico, quase hipnótico”

em que se caía.6 O general Pétain viu jovens inocentes en

trarem na "fornalha de Verdun” pela primeira vez, afetandodespreocupação e indiferença. Quando saíram de lá, os sobre

viventes tinham expressões "paralisadas pela visão do terror”.7

Choque emocional ou neurastenia foi o termo finalmente apli

cado a casos extremos desta condição, mas os estados-maiores

do exército e os oficiais médicos custavam a admitir tal con

dição. O tenente-coronel Jack do 2? Batalhão de Yorkshire

anotou, em seu diário de novembro de 1916, o caso de um

de seus oficiais que tinha servido com o batalhão na França

desde novembro de 1914 e que agora estava claramente so

frendo de esgotamento nervoso:

Eu. . . informei ao Alto Comando seu estado de esgota

mento e pedi que fosse mandado para .casa a fim de pas

sar uns dias longe das batalhas. Recebi a resposta curiosa

de que isso de. soldado "esgotado” era coisa que não

existia, e meu pedido foi recusado.8

Se os militares relutavam em reconhecer o choque emocional

das bombas, os civis não tinham a menor idéia do que seria

esta condição. Garfield Powell, enfurecido durante a ofensiva

do Somme com as banalidades ditas pelos políticos, sugeriu

que todos eles fossem obrigados a passar uma semana nastrincheiras:

Choque emocional! Será que eles sabem o que isfco significa? Os homens tornam-se fracos como crianças, gri

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tando e sacudindo os braços loucamente, agarrando-se ao

companheiro mais próximo e suplicando para não serem

abandonados.9

Talvez não seja uma hipótese fantástica afirmar que muitos,

talvez até a maioria dos soldados das linhas de frente das principais áreas de combate, sofriam em maior ou menor grau

de choque emocional provocado pelas bombas. Como se ex

 pressou o poeta-soldado francês Charles Vidrac:

. . . o homem que tropeçou

 Entre as pernas da morte e

 Depois se recupera e respira de novo,

Só pode rir ou chorar: Não tem coragem de lamentar.

Até para um homem que se sentisse funcionando normalmente,

a vida na linha de frente exigia tanto trabalho braçal — con

sertar trincheiras, cavar novas latrinas, cuidar do arame far

 pado, estar de sentinela, limpar equipamentos, caçar ratos e

 piolhos — que ele raramente tinha tempo ou energia para

 pensar no significado e no objetivo da guerra. Os oficiais que

censuravam as cartas achavam a tarefa tremendamente monó

tona por causa do conteúdo trivial de quase todas as cartas.

Preocupações materiais — referências às refeições, a cigarros,

roupas, equipamentos, e a uma multidão de coisinhas irri

tantes como o tempo e os parasitos — predominavam; as

emoções dificilmente transcendiam o sentimentalismo barato; e

usualmente recorria-se aos lugares-comuns para falar da guerra.

Mesmo um observador sensível como Roland Dorgelès admi

tiu que "as impressões mais profundas me vieram mais tarde,com algum distanciamento. No local, prestava atenção a pe

quenas questões, e estes detalhes quase sempre me impediam

de julgar o todo”.10

Preocupados nas trincheiras com a grande quantidade de

detalhes — "esmagados”, como disse André Bridoux, "pela

necessidade da hora”11 — e privados de informações precisas

sobre o curso da guerra em outras frentes, os homens achavam

difícil formar uma imagem coerente da guerra como um todo.Esta é uma das razões por que um romance como  Le Feu

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A guerra tinha adquirido uma importância tão monumental, como uma divindade insondável e indefinível, que as palavras e as idéias se tornavam inúteis. Gabriel Chevalier:"Nunca me senti tão vazio de idéias.”15 Charles Delvert: “Ointelecto de todos está entorpecido. Ninguém pensa mais. A

cabeça pesa como chumbo.”16 Dillon Lawson: "A conclusãoinevitável a que se chega aqui é que pensar sobre as coisasé mais do que inútil.”17

Com a exceção de alguns incidentes de menor importância, houve nas fileiras britânicas e nas alemãs uma lealdadequase absoluta até o fim. Não se deve superestimar os desacordos, os casos de insubordinação, ném mesmo o motim dascompanhias formadas por trabalhadores no acampamento da

 base britânica em Étaples, em 1917. Considerada no amplocontexto da grande mobilização de milhões de combatentes eda colossal infra-estrutura burocrática e industrial criada paraa guerra, a incidência de indisciplina era baixa. Nas linhasfrancesas ocorreram de fato motins generalizados em 1917,depois das ofensivas desastrosas e totalmente infrutíferas deabril daquele ano no Chemin des Dames. Mas os estudosmostraram que esses motins não foram inspirados por dú

vidas fundamentais sobre o objetivo da guerra, e sim porqueixas básicas a respeito de questões como regularidade daslicenças, qualidade da comida, inadequação das oportunidadesrecreativas nas posições de retaguarda, preço do  pinard   (vinho),falta de tabaco e assim por diante. A administração francesado esforço de guerra tinha entrado em colapso, o que perturbou o moral das tropas, e não vice-versa.

Se a guerra estava reduzida, certamente por volta de

1916, a reações reflexas, as premissas das civilizações e culturas que participavam da guerra passavam a ser de importância vital. E quanto a isso, a palavra-chave crucial paraestas premissas era "dever”, ou devoir , ou Pflicht.  Depoisque o verniz do heroísmo se gastou no primeiro mês da guerra,e à medida que o conflito entrava na fase enervante do desgaste, o conceito de dever tornou-se a cavilha para o esforço.Enquanto a palavra guardasse algum simulacro de signifi

cado, expresso ou não expresso, a guerra continuaria. Enquanto,em momentos de reflexão, os soldados pudessem de alguma

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forma relacionar seus reflexos e comportamento instintivo a

um subjacente senso de responsabilidade, continuariam a lutar,

apesar do horror, do cansaço e até do desânimo.18

Uma boa parte da literatura da e sobre a guerra —

desde obras como  Le Feu  de Barbusse e a poesia de guerra

de Siegfried Sassoon, Wilfred Owen, Robert Graves e HerbertRead, passando pela “literatura do desencanto” dos anos vinte,

até algumas recentes análises da sensibilidade dos soldados —

dá grande ênfase ao nascente senso de ironia, desilusão e

alheamento entre os soldados do  front.  Esta sensação de de-

sarraigamento e marginalidade em relação à ordem social exis

tente e seus valores é importante, e retornaremos a esta ques

tão, mas o que merece atenção no contexto da guerra é que,

apesar da crescente insatisfação, a guerra continuava, e poruma única razão: o soldado queria continuar a lutar. A ra

zão desta sua atitude exige explicação, mas este é um ponto

que tem sido freqüentemente ignorado.

Foi só na Rússia que o  front   desmoronou. Ali existia

uma sociedade ainda relativamente atrasada e que não havia

desenvolvido os meios econômicos, sociais e morais para en

frentar uma longa guerra. A socialização, através da educa

ção e de outras instituições do Estado, não tinha ido muitolonge na Rússia. A indústria não se mostrava suficientemente

abrangente ou moderna para prover suprimentos ou muni

ções adequadas, e a falta de equipamentos atormentou os

exércitos do czar durante toda a guerra. A maioria dos sol

dados russos, como a maioria da população russa, era for

mada por camponeses analfabetos cuja inspiração para a luta

 provinha apenas da lealdade ao czar. Sua atitude para com

a vida era mais básica do que a dos soldados de sociedadesurbanas, industrializadas e letradas; era destituída de ador

nos sociais e equipamentos ideológicos. Conseqüentemente, o

moral era pior,. Em dois anos e meio os russos sofreram cinco

milhões e meio de baixas. As tropas ficavam constantemente

sem munição, a população civil sem comida; o sistema de

transportes era um caos; e o governo estava dividido. O

terrível inverno de 1916-1917, com sua fome em grande es

cala, completou o colapso. Na primavera de 1917 o povorusso já estava farto. Aquele ano presenciou duas revolu-

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ções,.em março e em novembro, com os bolchevistas engen

drando a última. Em março de 1918 o Tratado de Brest-

Litovsk tinha sido assinado com os alemães, e a Rússia es

tava fora da guerra.

 Nos outros países o exemplo russo provocou murmúrios

de simpatia no segundo semestre de 1917, mas em geral manteve-se o mora l.'O que portanto, significava o “dever”, e

como este significado mudou no curso da guerra?

DEVER

 Na visão de mundo da classe média do século XIX o pro

gresso, que afinal constituía a essência da história, era um

 produto de continência moral e ambição secular, um amál

gama de senso de destino e crença no esforço individual.

 Nesta perspectiva geral estava implícita a idéia de que era

 possível e desejável uma reconciliação, se não uma completa

identificação, entre a necessidade pública e o desejo indi

vidual. Para um homem como Samuel Smiles, noções de pro

gresso coletivo, por um lado, e de honra, esforço e felicidade

individual, por outro, estavam todas ligadas entre si: “O tra

 balho honrado viaja pela mesma estrada que o dever; e a

Providência os uniu estreitamente com a felicidade.”1

Vemos, porém, que, para Smiles, o trabalho e o dever

estavam apenas “estreitamente ligados” com a felicidade. Não

coincidiam. Se um estado de supremo bem-estar não resul

tava necessariamente do cumprimento do dever, este dava

uma forte sensação de satisfação pessoal. No código moral

ideal da classe média do século XIX o esforço individual

visava sempre à harmonia social, ao bem-estar de todos, ao

 bem público. No final, os interesses do indivíduo, que de

viam ser protegidos e favorecidos pelo Estado, ficavam su

 bordinados ao bem público; a çompostura pessoal era o sinal

da respeitabilidade; e a idéia de servir ao público, ou dever, tornou-se a grande realização desta classe.

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À medida que as instituições e os instrumentos do Estado se desenvolviam no século XIX e caíam gradativamentesob controle público, a classe média passou a fornecer osfuncionários e os diretores de escolas, hospitais, tesourarias,empresas de serviços públicos, repartições coloniais, sem fa

lar na participação cada vez maior no próprio governo. Nosetor privado, bancos, companhias de seguro e corporaçõesindustriais também tiravam proveito da iniciativa e da am bição da classe média. Até os exércitos vieram a ser, no final' do século, instituições predominantemente de classe média,da oficialidade à tropa. Só os estados-maiores permaneceramna mão da velha aristocracia, embora mesmo ali o controle declasse já não fosse sólido.

Em 1914 na França, na Grã-Bretanha e na Alemanhafoi principalmente a classe média, imbuída das idéias de serviço e dever, que partiu para a guerra. Esta foi a primeiraguerra da classe média na história. Se as guerras anteriorestinham sido guerras de dinastias, de interesses feudais e aristocráticos, de rivalidades principescas, a Primeira Guerra Mundial foi a primeira grande guerra da burguesia. Não é, portanto, surpreendente que os valores desta classe média te

nham se tornado os valores dominantes da guerra, determinando não apenas o comportamento dos soldados como indivíduos, mas toda a organização e até a estratégia e as táticas da guerra. Sua própria extensão — foi naturalmentechamada de a Grande Guerra — refletia a preocupação daclasse média do século XIX com crescimento, ganho, realização e tamanho. Máquinas, impérios, exércitos, burocracias,

 pontes, navios, tudo aumentou de tamanho no século XIX,

este século maximalista; e Dreadnought e Grande Bertha foram os nomes reveladores que os europeus deram a suas maisterríveis armas às vésperas da guerra, esta guerra maximalista.

A mensagem do rei Jorge à Força Expedicionária Britânica que em agosto de 1914 partia para a guerra foi: “Tenhoconfiança irrestrita em vós, meus soldados. O dever é a vossadivisa, e sei que vosso dever será nobremente cumprido.”Quando Kitchener apontou seu dedo para o público britâ

nico no famoso cartaz de recrutamento — “Seu País Precisade Você” —, o slogan  correspondente que o olhar penetrante

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 pretendia evocar era: "Cumpra o Seu Dever.” Sobre os "pri

meiros cem mil”, Ian Hay escreveu em sua celebração muito

 popular e vibrante da Força Expedicionária Britânica:

 Em seus corações seja gravado-

 Este momento de uma única linha: Ele fez seu dever   — e sua parte!2

 Na efervescência que acompanhou os primeiros meses da guerra,

a noção de dever, em ambos os lados, tinha uma ressonância

grandiloqüente, proclamando a gloriosa defesa do país natal

contra a ignóbil e pérfida agressão estrangeira. Dever e aven

tura eram uma coisa só.

 Na Grã-Bretanha e na França associava-se o dever àhonra, à lealdade, e à luta por valores civilizados e civiliza

dores como justiça, dignidade e libertação do jugo da tirania.

Proclamavam-se estes valores em voz alta, na verdade clamo

rosamente, com "grandes frases retumbantes”, como escreveria

Anthony Powell mais tarde.3 O estridente apelo ao dever exer

ceu sem dúvida o seu efeito sobre muitos, mas também houve

os que se dispuseram a participar ativamente do esforço de

guerra depois de tomarem decisões sóbrias e ponderadas baseadas numa argumentação socrática. E. L. Woodward, que

deveria se tornar um ilustre historiador, formara-se em Oxford

em 1913 e depois passara um ano em Paris. Quando estou

rou a guerra alistou-se, não porque desejasse lutar contra a

"barbárie” alemã, mas porque achava que se alguém se bene

ficiara das leis de seu país, não tinha moralmente o direito

de rejeitar estas leis se elas de repente não satisfaziam.4 Um

major australiano, B. B. Leane, que seria morto em ação em1917, confidenciou sentimentos semelhantes, embora expres

sos com menor eloqüência, á seu diário em abril de 1915:

"Tenho esperança de me sair bem, mas é impossível prever,

e devo cumprir meu dever, seja ele qual for.”5 Na França

houve apelos e argumentos semelhantes, mas é claro que com

uma nota adicional de urgência, uma vez que a França foi

diretamente atacada e ocupada.

Tanto na Grã-Bretanha como na França associou-se inicialmente o dever ao patriotismo, e o patriotismo espalhafa-

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toso tinha um forte sabor histórico. As realizações desses dois

 países durante os séculos anteriores tinham uma realidade

objetiva, um apelo tangível, uma visibilidade discernível em

qualquer mapa do mundo e em muitas das instituições jurí

dicas e governamentais de todo o mundo — em parlamentos,

ministérios, sistemas judiciários. De fato, a história proviaa substância da identidade britânica e francesa, e esta iden

tidade tinha uma essência externa. Portanto, o dever não era

uma noção abstrata no início da guerra. Era um imperativo

 prático. “Suponho que em nenhuma outra época foi tão forte

a consciência do passado”, escreveu um galês veterano dessa

guerra, David Jones.6 A felicidade individual, a auto-realiza

ção e até o objetivo individual não eram em geral fatores de

motivação, embora houvesse reconhecidamente alguns indivíduos, sobretudo na comunidade intelectual e artística, cujo

entusiasmo pela guerra era provocado por interesse pessoal.

A guerra, para a maioria dos ingleses e dos franceses, cons

tituía uma etapa na marcha da civilização, na continuação

do progresso, ambos os quais baseavam-se nos chamados ali

cerces históricos concretos. “Estou intimamente convencido,

em minha alma de cavalheiro, de que estou lutando pela civi

lização”, escreveu Louis Mairet na Páscoa de 1915, antes de participar de seu primeiro ataque. “Compreendo muito bem

qual é o meu dever; não deixarei de cumpri-lo... Não sou

absolutamente um guerreiro; mas me tornarei um guerreiro

 por necessidade.”7

Quando a guerra se atolou no impasse e no desgaste, as

noções de dever e devoir   começaram a perder suas implica

ções agressivas e confiantes. Antes de sua morte em julho

de 1915, em Artois, Jean-Marc Bernard escreveu um poemaque incluía estes versos:

 Estamos tão desesperançados,

 A paz está ainda tão distante

Que às vezes mal sabemos

Onde se encontra nosso dever.8 

Refletindo sobre o que fora realizado em 1915, Percy Jonestinha “calafrios” quando olhava para um mapa e via “até

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onde os alemães ainda tinham de ser forçados a retroceder”.9

E, por volta de setembro de 1915, Charles Sorley estava con

vencido de que a linha que defendia era inexpugnável: "Agora

a linha já não pode ser vergada para trás do ponto em que

nos encontramos; mas eu me pergunto se pode ser ou se

algum dia será vergada para a frente.”10 Em casa, Vera Brittainobservou no começo de 1916 que, segundo os pessimistas, a

guerra poderia durar dez anos.11

 Nas cartas e diários de soldados do  jront,  voluntários e

convocados, diminuem, à medida que a guerra se arrasta, as

menções ao objetivo global da guerra, à defesa da civilização,

e aumentam as referências aos horizontes sociais limitados do

indivíduo — sua família, seus camaradas e seu regimento.

Embora um dos grandes temores dos soldados fosse a possi

 bilidade de sucumbir ao estresse, de perder o autocontrole,

de suas pernas ou nervos lhes falharem numa emergência, é

surpreendente como em geral dão pouca atenção ao eu, ao

eu espiritual, a discussões de emoções pessoais, como cora

gem, medo, esperança ou cólera. Também não há muita refe

rência à religião, nem entre os capelães. Os diários pessoais

calam-se sobre as emoções e os ideais. Garfield Powell achou

"todo o maldito espetáculo” do Somme

tão impessoal que não se pode. . . sentir qualquer emo

ção pessoal. . . quando no meio da ação. Esperança, vin

gança, cólera, desprezo: qualquer um desses sentimentos

seria uma emoção alentadora na batalha, mas acredito

que poucos os experimentam.12

O foco da atenção se fixa em elementos exteriores — ne

cessidades materiais e privações, o bem-estar, dos companhei

ros, o ânimo do  front   interno. Abel Ferry, que no início da

guerra havia destilado idealismo, escrevia do  jront   em maio

de 1916: "Idealismo é ingenuidade. O mundo pertence àque

les que não acreditam em idéias.”13 Falando de seus soldados

em Verdun, o general Pétain observou que a "determinação”

se tornara sua principal característica e estímulo: "um desejoinflexível de defender suas famílias e seus bens contra o in

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vasor.”14 As preocupações reais, mais do que os princípiossublimes, mantinham os homens em atividade.

 No mundo imediato do soldado o regimento se tornouo foco do dever. Um intenso sentimento de camaradagem foiuma das emoções mais fortes geradas pela guerra. “Não quero

que pensem que somos infelizes”, escreveu um sombrio Her- bert Read da linha de frente em abril de 1918; “somos solidários em nossas dificuldades e isso cria toda a diferença.”15O âmago dessa camaradagem era um senso de responsabilidade para com os companheiros e uma total dependência emrelação a eles. Jira a intensa sensação de pertencer a um grupo.

É interessante observar que os soldados parecem ter se preocupado com a possibilidade de o  front   interno rachar.

Conseqüentemente, a propaganda fluía em duas direções. Nãoapenas o  frònt   interno — por exemplo, a imprensa em seuseditoriais, os clérigos em seus sermões, os professores em suasaulas — pintava um quadro róseo do conflito; os soldadostambém se inclinavam a esconder de seus familiares a horrível realidade da guerra. A censura militar encorajava tal atitude; faltavam também linguagem e metáforas apropriadas

 para descrever a nova e inesperada experiência; e havia o

desejo de poupar os seres amados de preocupações e angústias. Parece claro que, com o avanço da guerra, o ânimo do front   interno se tornou mais abatido que o do  front   em luta.Frank Isherwood se queixava à mulher, já em janeiro de 1915,das “cartas deprimentes” que todos, menos ela, ao que parecia, escreviam. Seu irmão, por exemplo, parecia “ter perdido a fé em seu país, em Deus e em tudo o mais. Até oPapa está desacreditado! E são exatamente essas pessoas que

não sofreram nada que fazem o maior alarme”. Em outracarta observou que o rei dissera “que os únicos rostos animados que tinha visto nos últimos seis meses estavam naFrança”.16 A situação em casa se deteriorava, à medida queos anos e a guerra se arrastavam: “Estamos realmente lutando por algo digno do esforço”, Dick Stokes sentiu-se com

 pelido a escrever a seus pais em agosto de 1917. Algunsmeses mais tarde, depois que seu pai dera outros sinais de

moral debilitado, Stokes reagiu: “Você diz que algo vai desmoronar— não será o Exército Britânico! que mais pode ser!17

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Quando o foco do dever se estreitou, o primitivo elã deu

lugar à resignação e ao estoicismo. Percy Jones era um jovem

 jornalista antes da guerra e foi um voluntário entusiástico em

1914. A nota de 26 de junho de 1916 de seu diário diz res

 peito aos preparativos para a ofensiva do Somme:

O general Snow e seus assessores se empenham em nos

dizer que não sofreremos praticamente baixa alguma por

que todos os alemães terão sido mortos por nossa barra

gem de artilharia. Não há nada como a verdade!. ..

Quase nenhum dos rapazes confia nos planos cuidadosa

mente traçados de ataque e consolidação, mas todos estão

determinados a avançar até que alguma coisa os dete

nha. . . Nosso dever é bastante simples: avançar até quealgo nos detenha.18

Do pelotão de Jones, pertencente ao Batalhão dos Fuzileiros

da Rainha, de Westminster, sobreviveu um homem em 1? de

 julho de 1916, sem ter sido morto ou ferido. E. Russell-Jones,

um tenente, expressou em seu diário pensamentos como os

de Jones antes do ataque de 1*? de julho — "alguns minutos

antes de começar o que será o início do fim da Cultura Alemã”:

A guerra é um negócio curioso, e muito bom para quem

gosta, mas devo dizer que não sou amante desse jogo.

 No momento sinto-me péssimo e me odeio por isso, pois

quando se tem sob o seu comando companheiros tão

maravilhosos como eu tenho, sentem-se muito as pró

 prias deficiências, mas aqui estamos e agora temos de

levar a tarefa a cabo; portanto o que se deve fazer éresistir até o fim da melhor maneira possível.19

Por volta de 1917 dever e devoir   começaram gradativa

mente a desaparecer do vocabulário ativo dos soldados do

 front.  Eram então cada vez mais numerosos os conscritos.

 Na Grã-Bretanha o serviço militar obrigatório fora introdu

zido em janeiro de 1916. Entretanto, o que talvez mereça

mais ênfase do que o declínio da aprovação consciente daguerra — algo que é compreensível, uma vez que o conflito

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 já estava no seu terceiro ano e sem fim à vista, e que a

manutenção de certas táticas não prometia sucesso — é a

vontade manifestada pelos soldados de “continuar”, de “re

sistir até o fim”, apesar do cansaço e do desânimo. Assim,

de três mil cartas escritas por homens do 36° Regimento de

Infantaria da França, regimento envolvido em motins depoisdo desastre do Chemin des Dames, só quatrocentas, ou 13%,

foram retidas pelo controle postal por expressarem alguma

simpatia pelas sedições. A grande maioria nem sequer men

ciona a insubordinação.20 O que é notável neste caso não é o

registro dos motins, mas a moderação e a lealdade da maio

ria das tropas.

Em alguns aspectos a probabilidade de insubordinação

era realmente exagerada pelos velhos comandantes que suspeitavam dos novos exércitos. Haig não confiava nos novos

soldados:

Eles se apresentaram compulsoriamente e deixarão o exér

cito com alívio. Homens desta laia não sabem ficar quie

tos, vêm de uma classe que gosta de dar voz a queixas

reais ou imaginárias, e seu ensinamento a esse respeito

é um lamentável antídoto para o espírito de dedicação

e dever das tropas anteriores.21

O comandante do Terceiro Exército Francês em junho de 1917,

general Humbert, calculava que, de cada cem soldados fran

ceses na época, cinqüenta eram leais, trinta e cinco duvidosos

e quinze nocivos. Humbert exigia das cortes marciais ação

decidida contra os negligentes.22 Em vista desses pressupos

tos o notável é que os soldados, velhos e novos, desempe

nhassem tão lealmente as suas funções, contra todas as expectativas dos altos comandos. Se o ilimitado entusiasmo estu

dantil desapareceu das fileiras, isso se deveu menos à pe

quena mudança ocorrida na composição social dos exércitos

 britânico e francês — na Grã-Bretanha, com o recrutamento,

a probabilidade de que a classe trabalhadora fosse mantida

no país, por causa das necessidades da indústria, era agora

maior — do que à natureza da própria guerra.

Além disso, a redução de referências ao dever indicavaa crescente dificuldade que os soldados enfrentavam para ver-

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 balizar suas experiências e sentimentos; tinha pouco a vercom o desaparecimento do conceito de dever. Por exemplo,Wilfred Owen podia agora dizer que “ouvia música no silêncio do dever”.23 No verão de 1918, na esteira da grandeofensiva alemã e de sua parcial penetração nas linhas ini

migas, Haig e muitos de seus generais, junto com os jornalistas e os políticos que visitaram o  front   de ânimo abatido,ficaram encorajados e mais otimistas devido à capacidade derecuperação das tropas.

Em 1916 a guerra parecia ter elaborado seu própriofundamento lógico, destituído de interpretação em termos tradicionais — “É ridículo falar em razão, quando a desrazão

 predomina”, escreveu Louis Mairet —, mas o obscurecimentoda clareza anterior não significava que a guerra não devessecontinuar. “Apesar de tudo, é necessário que a luta continue”,disse Mairet, “até o fim de um dos dois grupos”.24 Implícitanessa afirmação está a idéia de que a guerra tinha adquiridoimpulso próprio, mas existe também a aceitação estoica, nãoobstante a confusão e o horror, da necessidade de se permanecer leal à causa original. O sentimento ainda é “nosso

 país, certo ou errado”, mesmo que o conceito de país estivesse restrito ao regimento, à família e aos amigos. O escocês Peter McGregor, a quem já encontramos antes, foimorto por um projétil quando trabalhava numa trincheira dareserva em setembro de 1916. A morte não teve nenhum vestígio de heroísmo, o que acontecia praticamente com todasas mortes nesta etapa da guerra. As cartas de condolênciasà viúva, escritas por vários companheiros, entre outros o ca

 pitão da Companhia B do 14° Batalhão dos Escoceses deArgyll e Sutherland, e o sargento do pelotão, enfatizavam o bom humor, a “alegria e a coragem” de McGregor. O ca pelão que oficiou no funeral também escreveu:

Rezamos. . . Expressamos gratidões por seu marido terouvido e respondido ao chamado do dever e por Deuso ter considerado apto a sacrificar a vida pelo seu país.

Isto deverá confortá-la. A senhora encontrará consolo nas palavras do Senhor — palavras repetidas à beira do

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túmulo de seu marido: "Ninguém tem mais amor para

dar do que o homem que dá a vida por seus amigos í ”25

Fala-se aqui de dever, serviço ao país, mas a ênfase recai no

círculo imediato dos companheiros soldados.

 Naturalmente, se o propósito já não era tão óbvio parao combatente como no início, e se a guerra tinha de conti

nuar, então ela precisava ser travada com base em "verdades

eternas”, recursos interiores, que o homem adquiria na sua

sociedade e na sua cultura. Um amigo sensível de Vera Brittain,

 preocupado com a possibilidade de não passar, numa emer

gência, no teste de coragem das linhas de frente, escreveu:

"Digo-lhe que é uma verdadeira maldição ser temperamental

 por aqui. O ideal é ser um inglês típico.”26 E ser um inglêstípico significava, é óbvio; reprimir os sentimentos íntimos,

assumir um ar decidido e funcionar de acordo com. o formu

lário. Vital era o que os britânicos costumavam chamar de

"fundo”: estabilidade de caráter, capacidade de resistência,

integridade. Nesta existência primitiva, a coragem e a mòra-

lidade tendiam a ser equiparadas. Os corajosos eram inevi

tavelmente "os bons”, "os bons” inevitavelmente os corajo

sos. Portanto, a moralidade era essencialmente uma questãode comportamento exterior, de decoro. Entre os que não

conseguiam. agüentar estavam usualmente os beberrões e os.

mulherengos. "Nas trincheiras, os pecados nos desmascaram”,

disse um soldado.27 Em 1917, tanto entre as tropas britânicas

como entre as francesas, não se falava de glória nem de galan-

teria, havia menos referências específicas ao dever, mas fa

lava-se muito de resistência, determinação, comprometimento,

coragem, perseverança. Na literatura de guerra diz-se freqüentemente que qs

homens já não faziam a guerra; a guerra se fazia à custa

dos homens. Dada a esmagadora tecnologia de guerra — as

metralhadoras, a artilharia e o gás —, o soldado individual

se via oprimido por uma sensação de vulnerabilidade e im

 potência; César Méléra, que navegara ao redor do mundo an

tes da guerra, afirmou, em Verdun, que esta forma de guerra

marcava "a bancarrota da guerra, a bancarrota da arte daguerra; a fábrica está matando a arte”.28 Mas, apesar da perda

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da individualidade, os soldados continuavam a .lutar. Em ge

ral, não se amotinavam nem desertavam em massa. Os ho

mens ainda faziam esta guerra — não só os generais, mas

também os miseráveis soldados da infantaria. A literatura sot  

 bre a guerra é desequilibrada. Concentra-se em sua maior

 parte nas repercussões negativas da guerra, negligenciando osinstintos positivos que a sustentaram por mais de quatro anos.

Até Herbert Read, que admirava Nietzsche e era dado a in

clinações anarquistas mesmo antes da guerra, chegou a es

crever numa carta de julho de 1917: "Começo a compreender

que o mais importante na vida é possuir as vagas qualidades

de um 'cavalheiro’ e ser em todas as ocasiões 'um cava

lheiro’.”29 Esta é exatamente a razão pela qual os britânicos

alegavam estar lutando, pelas leis não escritas do comportamento civilizado. Que um espírito livre como Herbert Read

mudasse de opinião é chegasse a esta conclusão demonstra a

força da motivação não expressa.

Para cada soldado, independentemente de nacionalidade,

esta motivação se enraizava na ordem e nos valores sociais

de seu respectivo país. E apesar de todo o emprego incorreto

a que a palavra burguês  tem andado sujeita — por parte de

cínicos, partidários políticos e jovens rebeldes —, ela ainda pode ser aplicada à ordem do século XIX que se desenvol

veu na Europa ocidental e aos componentes culturais desta

ordem. Como adjetivo, a palavra é, além disso, aplicável ao

modo como a guerra de 1914-1918 foi travada. Acima de

tudo, esta foi a guerra civil da classe média européia. Em

 bora, em nossas estratificadas sociedades pluralistas, já não

consideremos fácil definir burguês  ou classe média  em ter

mos contemporâneos, o europeu da virada do século não experimentava esta dificuldade, e as duas palavras tinham uma

realidade na organização social, mas particularmente num re

servatório de virtudes. Embora o bem-estar material, a edu

cação, a carreira e as afiliações sociais fossem determinantes

 ponderáveis de status  e respeito, a adesão voluntária a um

código de valores e a anuência a certas formas de compor

tamento eram a chave para o ingresso na sociedade burguesa.

Os valores eram a cola que mantinha a classe e a sociedade

unidas.

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A Grã-Bretanha era a sociedade em que esses valores

que identificamos com a classe média tinham penetrado mais

 profundamente. A religião leiga do progresso, a preocupação

com a utilidade, o sucesso e o decoro, o culto do trabalho,

da perseverança e do compromisso moral, a veneração, acima

de tudo, pelos esforços e serviços socialmente motivados —esses elementos estavam no âmago das realizações britânicas

no mundo e também no centro da condução britânica da

guerra. A França, também, apesar de certo grau de agitação,

era governada, às vésperas da guerra, por um código seme

lhante de valores, legados pelo idealismo da Revolução, pelas

mudanças no poder que tinham acompanhado a “monarquia

 burguesa” de Luís Filipe, pelo rápido crescimento econômico

sob o Segundo Império de Luís Napoleão e pelas realizaçõesgradativas, mas reconhecidamente desiguais, da ordem parla

mentar republicana depois de 1871. Grande parte da França

aderiu a uma ética positivista de realização através do es

forço. “A burguesia é essencialmente um esforço”, insistia o

 burguês francês René Johannet.30 A Grande Guerra também

foi essencialmente um esforço. “O pior horror desta guerra”,

observou Benjamin Crémieux mais tarde — ele serviu como

soldado de infantaria durante toda a guerra, tendo sido ferido três vezes —, “foi que os homens que dela participa

vam eram capazes de lutar com a mesma consciência com

que fariam qualquer outro trabalho”.31

Como se inculcavam os valores burgueses? Numa dis

cussão sobre os requisitos para a estabilidade social, John

Stuart Mill deu maior ênfase à necessidade de “um sistema

de educação, começando na infância e continuando pela vida

afora, do qual um ingrediente^ principal e constante era adisciplina repressiva, quaisquer que fossem os outros elemen

tos que pudesse incluir”.32 A chave para a estabilidade se

encontrava na subordinação dos interesses e caprichos indi

viduais às necessidades e aos fins da sociedade. Embora a

instrução formal fosse apenas uma parte modesta da visão

mais abrangente de Mill quanto à educação, a Europa oci

dental tinha promovido, graças à instituição da educação pri

mária obrigatória, a alfabetização quase universal no fim doséculo, e, segundo o consenso geral, a instrução secular, que

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à tática da surpresa, tudo condizia com uma forma de pen

sar e uma visão rígida da vida que. podemos caracterizar como

 burguesa. A própria promoção de Douglas Haig a chefe do

estado-maior geral britânico contém um valor simbólico: aqui

estava um homem cuja vida e comportamento eram o epítome

dos valores.e ambições da classe média. Severo, religioso, dedicado, trabalhador, emocionalmente reprimido, mas um mo

delo de honra, competência e respeitabilidade, ele é o símbolo

de uma era — provavelmente toda cidade importante do

Commonwealth tem uma escola que leva o seu nome. No

entanto, ele também representa a tragédia de uma época.34

•O general Joffre, chefe do estado-maior francês — até

ser substituído em 1916 —, embora bem menos abstêmio,

não deixava de ser uma versão gaulesa de Haig. Os doisdemonstravam ter uma perseverança confiante e ínuito sangue-

frio. Ao Ministro da Guerra, Gallieni, que estava preocupado

com a formação alemã em Verdun em dezembro de 1915,

Joffre replicou arrogantemente: “Nada justifica os temores que

foram expressos.”35 Em certa ocasião descreveria sua tática

dizendo: “Je les grignote” (Eu não paro de roê-los), uma

imagem reveladora.36

Haig e Joffre eram apenas manifestações superficiais deuma condição geral. Outros oficiais de estado-maior reforça

vam-lhes a influência e as opiniões. Em 1915 o comandante

do Décimo Exército Francês em Artois era o coronel Maud’huy,

que três anos antes tinha declarado a seu regimento reunido:

“Muitos homens fazem continência de forma correta, raros

são aqueles que batem uma bela continência. . . Poder-se-ia

dizer que a continência é a marca da educação.”37 Esta é a

voz e o sentimento do dândi-aristocrata, enamorado dos uniformes azuis e vermelhos e do attaque à outrance,  de prefe

rência montados em corcéis. Mas a preocupação com a forma

e o decoro, evidente em Maudliuy, também constituía um

legado aristocrático para a burguesia, que então alegava dar

substância à forma. Num ataque, a formação era absoluta

mente essencial, insistia o capitão de uma companhia francesa:

Em geral fica-se tentado a usar, num ataque, as trincheiras e os caminhos de acesso do inimigo. Mesmo que

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estas vias permitam que você se aproxime do inimigo

com surpresa e sem perdas, elas desmembram a compa

nhia e atacam a formação. Além disso, quando começar

o tiroteio e você tiver de sair para o descampado, vai

se ver em apuros.58

A lógica deste trecho exemplifica um modo particular de pen

sar. Mesmo que você possa ocupar a trincheira inimiga por

meio de ardil, não o faça. A astúcia lhe criará problemas!

Os britânicos talvez tenham sido até mais consistentes em

implementar essas atitudes. O diário do 15° Regimento de

Reserva Alemão diz o seguinte sobre o ataque britânico em

Loos em setembro de 1915:

Dez fileiras de linhas extensas podiam ser claramente

divisadas, cada uma estimada em mais de mil homens,

oferecendo um alvo como nunca se tinha visto até en

tão e nem se julgara possível. Nunca os metralhadores

tiveram um trabalho tão singelo para fazer nem o fi

zeram com tanta eficiência.39

O peso dos equipamentos impedia os soldados de correr, pu

lar ou mergulhar nos buracos abertos pelas bombas em buscade proteção. Mas ninguém jamais pensou seriamente em re

tirar os fardos das costas dos soldados para dar pelo menos

à primeira onda de ataque maior capacidade de manobra e

uma oportunidade de -exercer a astúcia e a imaginação. A

mochila nas costas tornou-se assim um símbolo da bagagem

social e cultural que cada soldado carregava consigo para a

 batalha. Robert Graves, que teve a experiência de lutar em

Loos naquele setembro, escreveu um poema em memória doCapitão A. L. Samson, que foi morto perto de Cuinchy:

 Encontramos o pequeno capitão à frente,

Seus homens no chão bem alinhados,

. . . eles morreram bem;

 Atacaram em linha, e na mesma linha tombaram.40

Método, ordem, sistema: eram a chave para o sucesso.Perseverança em massa. A 1*  Divisão Australiana foi levada

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a Pozières no Somme, na metade de julho de 1916, para

realizar repetidos ataques a um alto monte. Os australianos

 partiram em 4 de setembro, tendo sofrido 23 mil baixas. Mais

tarde a Official History  australiana não conseguiu esconder

seu desdém e sua cólera:

Lançar as várias seções de um corpo de exército, bri

gada após brigada. . . vinte vezes consecutivas contra um

dos pontos mais fortes da defesa do inimigo pode certa

mente ser descrito como um procedimento “metódico*,

más a alegação de ser econômico é inteiramente injus

tificada.41

O problema é .que' se tinha chegado a medir a determinaçãoe a coragem de uma unidade pelo número de baixas. Os

oficiais cujas companhias sofriam poucas baixas tornavam-se

suspeitos; por isso eles insistiam em seus ataques com um

vigor apropriado.

Os homens sabiam que a chacina os aguardava quando

saíam das trincheiras. Como reagiam? “Espero seguir as re

gras do jogo e, mesmo que não lhe dê muito brilho, certa

mente não o deslustrarei”, escreveu um jovem voluntário britânico antes do Somme.42 “Ser capaz de comportar-se corre

tamente em face da morte” — isso, dizia um sargento fran

cês antes de um ataque em Verdun, era o mais importante.43

Esta preocupação còm a reação correta em face do perigo

aparece repetidas vezes nos documentos. A coragem não era

uma questão de inspiração; era uma questão de reservas mo

rais, e todo homem esperava possuí-las em quantidade sufi

ciente. E assim eles “seguiram as regras do jogo” e “comportaram-se corretamente”, aos milhões. Depois que os projéteis

inimigos dispersaram um ataque britânico, “nós prosseguimos

como uma multidão saindo de um campo de críquete”, re

latou Wilfred Owen.44

Os boatos de deserção eram generalizados mas entre os

 britânicos pareciam, em sua maior parte, não passar de boa

tos. “Como nos agrada tentar acreditar nestes boatos”, co

mentou T. S. Hope. “O único fator de perturbação é quenunca encontramos uma testemunha ocular de um só caso.”45

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Da mesma forma, durante os motins franceses de maio e ju

nho de 1917 as cartas dos soldados freqüentemente mencio

navam histórias de oficiais que tinham sido mortos por seus

homens, mas nenhum dos correspondentes parecia ter presen

ciado um desses incidentes.46

Em setembro de 1917 o jornalista Michael MacDonaghestava na estação de Claphàm Junction em Londres quando

observou dois trens pararem em lados opostos da plataforma.

Um trazia Tommies que iam para o  front,  e o outro, prisio

neiros de guerra alemães. Os alemães riam e gritavam Ka- 

merad,  e os Tommies respondiam jogando chocolate e tabaco

 para os alemães. “Muitas pessoas”, refletiu MacDonagh ini

cialmente* “dizem que a guerra não terminará nunca. Fre

qüentemente me pergunto se as tropas de ambos os lados não poderiam pôr fim à luta se decidissem depor as armas e ir

 para casa”. Mas.depois pensou um pouco mais nessa visão:

"Impossível! O senso do dever — uma força tremenda —

não o permite.”47

Jean Norton Cru mostrou depois da guerra que, entre

os franceses, as profissões liberais tinham sofrido o mais ele

vado numero de baixas nas linhas de frente.48 Provavelmente

 podia-se dizer o mesmo a respeito dos exércitos britânico ealemão. Na Grã-Bretanha o alistamento foi mais numeroso

entre profissionais liberais e empregados do comércio e de

escritório.49 O que é que isso sugere? Falta de senso prático

 por parte de advogados, professores e arquitetos? Um toque

de ingenuidade pode ter sido um fator secundário para a

 proporção das baixas, mas não é uma explicação completa.

Os profissionais de classe média ficavam aparentemente muito

envolvidos com o objetivo da guerra, com as noções de devere serviço, noções que continuavam a ter significado residual

 para eles, mesmo quando esse significado já não podia ser

expresso com precisão. Em 11 de novembro de 1918, dia do

Armistício, Henri Berr, o historiador francês, escreveu as fra

ses finais de uma introdução a um livro sobre a guerra. A

respeito da vitória de sua nação, disse ele: "A França está

experimentando a satisfação que sente um bom trabalhador

que completou uma tarefa honrada.”50 Esta é a linguagem ea moralidade do bon bourgeois.  Esta é a linguagem e a mo

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ralidade do devoir.  Todo o horror, todo o sofrimento, todos

os custos são equiparados ao cumprimento de uma tarefa por

um bom trabalhador!

Dois médicos franceses, Louis Huot e Paul Voivenel, con

cluíram em julho de 1918 um estudo sobre a psicologia do

 poilu.  Afirmavam que, ao contrário das idéias de Gustave LeBon, que enfatizara o efeito do ambiente sobre o indi

víduo, a constituição psíquica do soldado francês não fora

fundamentalmente alterada pela experiência da guerra. O  poi

lu, alegavam, mantivera-se fiel a si mesmo, à sua nação e

à sua “raça”.51 Os psicólogos estavam ao mesmo tempo cer

tos e errados. O soldado fora sustentado por valores sociais

em que sinceramente acreditava, mas, como veremos, esses

valores ficaram expostos a um ataque tão atroz durante aguerra que as atitudes do soldado para com a sociedade, a

civilização e a história foram, de fato, irreparavelmente alte

radas.

O recurso a valores residuais deu à Grã-Bretanha e à

França os meios para atravessarem o período da guerra, mas

o conflito inerente entre estes valores e a brutal realidade da

guerra moderna iria fatalmente minar os valores. Aos pais

enlutados de Louis Mairet, que foi morto em abril de 1917,um general francês escreveu sobre “a beleza do dever tão no

 bremente cumprido”.52 Centenas de milhares de esposas e pais

receberam cartas que expressavam tais sentimentos. Por quanto

tempo essas frases sustentariam üma geração de viúvas, órfãos

e inválidos?

Em 1919, num discurso dirigido a estudantes da Univer

sidade de St. Andrews, Douglas Haig continuou a exprimir

o objetivo da guerra nos velhos e grandiosos termos, termosque na verdade tinham motivado os soldados da Entente du

rante todo o conflito, mas termos que também estavam muito

enraizados numa ética burguesa do século XIX:

Em cada etapa da grande luta da qual finalmente saímos

vitoriosos, nossa coragem foi intensificada e nossa deter

minação fortificada pela convicção de que não estávamos

lutando apenas por nós mesmos e por nosso Império, mas por um mundo ideal em que Deus estava ao nosso lado.

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 V I

DANÇA SAGRADA

. . . onde o objeto é criação e produção, é aí a província da Arte; onde ó objeto é investigação e conhecimento, a Ciência é soberana. De tudo isso se concluique é mais apropriado dizer Arte da Guerra que

Ciência da Guerra.

Ka r l   v o n   Cl a u se w i t z

Uma primavera assim, logo envolta em sombras, Nunca mais teremos no mundo inteiro.

Er n s t   Bl a ss

O DEUS DA GUERRA

 Na Alemanha de antes da guerra existia um abismo substan

cial entre os ideais culturais e a realidade social, econômica

e política. A tentativa alemã de resolver esta dualidade levou

o povo alemão a um  Drang nach vorne,  um “ empurrão para

diante”, um esforço de vontade e investigação que, muitos

alemães esperavam, conduzisse a uma transcendência espiri

tual, se bem que secular, dos interesses e limitações materiais.

Geist   e  Macht,  espírito e poder, se reconciliariam num estado

de harmonia supra-real, numa atividade dionisíaca associada

a uma tranqüilidade apolínea, na qual meios e fins, objeto

e sujeito, se fundiriam. Arcaísmo e modernidade se torna

riam uma coisa só. A inovação tecnológica e o progresso industrial se combinariam, numa grande síntese, com um espí-

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rito de simplicidade pastoral. A sociedade e a cultura nãoseriam mais campos em conflito, mas um todo indissolúvel.

 No júbilo de agosto de 1914 os alemães acreditavam sinceramente que este objetivo fora realizado, que o estado deguerra havia de fato provocado um estado de paz, de " superação”. Conflitos e diferenças tinham sido afastados, comos alemães alcançando finalmente aquela unidade, espiritual efísica, que Bismarck tentara criar, mas por fim não‘conseguira. "Entre as coisas mais belas que a guerra ocasionou”,escreveu um comentarista, "está o fato de que já não temosuma ralé”.1 A mobilização foi enaltecedora: a turba desa

 pareceu, restando apenas os alemães, uma nação de aristocratas espirituais.

Para Friedrich Naumann, Max Weber e outros da esquerda moderada, o espírito de agosto significou a realizaçãodo sozialen Volksstaat , o Estado do povo, no qual a esquerdae a direita política, o trabalhador e o burguês, cooperavamvoluntária e produtivamente. E não estavam unidos apenasos alemães residentes na Alemanha; estes agora se fundiaminseparavelmente com as várias minorias raciais dentro das

fronteiras da Alemanha e com seus irmãos da Áustria. ErnstToller, que devia se tornar um opositor irrefreável dò estabelecimento militar e político, ficou tão arrebatado pela orgiade nacionalismo em 1914 quanto todos os demais. "A nação

 já não reconhece raças; todos falam uma única língua, todosdefendem uma única mãe, a Alemanha.”2

A euforia daqueles dias, de agosto foi milenarista. A "vitória” já tinha sido conquistada, pelo próprio surgimento, pela

 própria enunciação, das "idéias de agosto”. A vitória no cam po de batalha seria mera formalidade. Era inevitável, um sub produto inevitável do ato alemão de auto-afirmação nacional."Conquistaremos!” insistia um estudante de Direito de Leipzigem 7 de agosto. "Com uma vontade tão-poderosa de vencer,nenhuma outra coisa é possível.”3 Seis semanas mais tardeele estava morto.

O estado de espírito de agosto foi, como já sugerimos,

essencialmente estético. A forma tinha sido usada, e depoistranscendida, por um supremo ato de vontade criativa, em

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 busca de uma beleza que se julgava ser duradoura e defini

tiva. "Como fontes recém-descobertas, a moral e os costumes

alemães nos falam de tudo o que é belo”, escreveu um pro

fessor universitário de Bonn.4 Um "poder mágico” para o fu

turo, foi como um outro comentarista chamou a unidade espi

ritual e o idealismo dos alemães.5 O poeta Rainer Maria Rilkee muitos outros inclinaram-se com uma mesura humilde e re

verente ante o "Deus da Guerra”.

 E nós? Ardemos num único Ser,

 Numa nova criatura revigorada pela morte.6 

Fortalecimento pela morte: tal foi a "sagração da primave

ra” da Alemanha.O conceito alemão de Pflicht,  ou dever, estava impreg

nado desse idealismo. Se o dever britânico e o devoir   francês

se enraizavam numa noção da história como alicerce e unidade

de construção, o Pflicht   alemão estava ancorado numa visão

da história como mito, como justificação poética do presentee do futuro.

Dúvidas sobre a validade da história, sobre a capacida

de de os historiadores produzirem relatos objetivos do passado, tinham certamente invadido o clima cultural de todo o

mundo ocidental antes da guerra. Os próprios historiadores,

na segunda metade do século XIX, mostravam-se céticos quanto

ao curso da civilização ocidentàl; postulavam, como alterna

tiva para o materialismo e a estandardização, uma renovada

ênfase na espiritualidade e na "experiência interior”. Mas na

Alemanha, pelo final do século, este processo se achava muito

mais avançado do que em qualquer outra parte. No começodo século XIX, Schopenhauer tinha definido a história como

"o longo, difícil e confuso sonho da humanidade”, e ridicula

rizara todas as pretensões à objetividade e à universalidade.7

Ele não recebeu muita atenção em vida, mas na segunda me

tade do século sua estrela começou a subir. Em 1870 um ad

mirador de Schopenhauer, o historiador Jacob Burckhardt,

que, embora suíço, estudou em Berlim e exerceu sua maior

influência sobre colegas alemães, escrevia: "Se alguma coisaduradoura deve ser criada, só poderá sê-lo através de um im-

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 pulso irresistivelmente vigoroso de real poesia.” A poesia, di

zia ele em concordância com Aristóteles, é mais profunda do

que a história.5 Em Burckhardt a história e a arte andavam

 juntas. Theodor Mommsen, o historiador de Roma, que no

início de sua carreira revelara inclinações positivistas, seguia

uma trajetória semelhante em 1874 quando sugeriu em seudiscurso na Universidade de Berlim que "o escritor de his

tória talvez esteja mais perto do artista que do erudito”.9 O

efeito da chamada escola prussiana de historiadores, entre eles

Johann G. Droysen, Heinrich von Sybel e Heinrich von Trei-

tschke, e de pensadores sociais e de problemas históricos

como Wilhelm Dilthey e os neokantianos, foi contribuir sig

nificativamente para a tendência alemã a procurar respostas

 para os problemas do homem não no mundo exterior mas na própria imaginação. Em suma, a história era uma questão mais

do presente que do passado, e mais de intuição que de análise

racional. As tiradas de Nietzsche contra a objetividade tor

naram-se cada vez mais populares depois de sua morte em

1900; e, como vimos, críticos culturais de grande erudição

como Julius Langbehn e Houston Stewart Chamberlain pediam

a estetização completa da vida. As verdades da história só

 podiam ser abordadas intuitivamente, não por um método crítico. A história era arte, e não ciência. Os pensadores ale

mães estavam na vanguarda da reorientação — ou do des

mantelamento — do pensamento histórico do século XIX, na

revolta contra o empirismo e o positivismo, e na reação a

uma ordem social, política e cultural identificada com o libe

ralismo e materialismo ocidental e com uma duradoura hege

monia anglo-francesa no mundo.

O fervor patriótico alemão em 1914 continha realmenteassociações históricas — com as guerras de unificação de Bis-

marck, as "guerras de libertação” contra Napoleão, a ascen

são da Prússia ao poder na Europa sob os Hohenzollerns,

especialmente sob Frederico o Grande, a rebelião de Lutero

contra a Igreja de Roma, as aventuras de Frederico Barba-

roxa e Otto o Grande, os esforços missionários dos cavaleiros

teutônicos, e até com a vitória de Armínio no ano 9 d.C. No

entanto, a própria novidade do estado-nação alemão, a escassez de indícios de influência alemã, em âmbito mundial, sobre

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as instituições seculares da lei e do governo; o fato de olegado histórico alemão para o mundo ser em grande parteespiritual, através da música, da filosofia e da teologia; tudoisso deu à versão alemã da história e do nacionalismo em1914 um conteúdo fortemente idealista e, em comparação

com a Grã-Bretanha e a França, uma interpretação muitomais propensa a anunciar o futuro do que a compreender o passado. Em 1889, à beira de seu colapso mental, Nietzschedisse a Burckhardt que ele era “todos os nomes na história”.10Sobre seu grupo de homens no  front , Gerhart Pastors usoulinguagem semelhante em abril de 1915: “Lutero, Bismarck,Dürer, Goethe — todo um céu de estrelas brilha em nós.”11E Wilhelm Klemm considerava a guerra uma “ realidade fan

tástica”.12 Em outras palavras, história, poesia, sonho e o momento individual uniam-se todos numa única sensação estimulante.

Como corolário, o Pflicht   alemão implicava mais do queuma defesa da terra natal, mais do que uma adesão a um código social de obrigações; continha um forte ingrediente sub

 jetivo que consistia em honra e vontade pessoal. Honra, nocaso, era mais do que obediência cega às regras de compor

tamento, mais do que lealdade à tradição; implicava inspiração e iniciativa pessoal. O indivíduo não constituía apenasuma partícula dentro de uma associação utilitária chamada sociedade; o indivíduo verdadeiramente alemão era  a nação,a encarnação da comunidade. E a nação, por sua vez, não passava de “um ser humano mais elevado”, como se expressou um escritor.13 A nação tinha se condensado no indivíduodinâmico. Isto estava de acordo com o pensamento de Scho-

 penhauer e Nietzsche; o mundo não existia senão como criação do indivíduo. A nação era uma criação da imaginação doindivíduo, uma verdade poética, uma sínteSe mental ética, enão social.

A vontade estava ligada à honra. A vontade era o meio pelo qual a honra se impunha. Não era uma força repressiva,mas criativa. Era sinônimo de uma agressiva e inspirada im plementação do código de dever. À crítica procedente dos ini

migos da Alemanha e de sua própria esquerda política antesda guerra, de que o país era um Obriglceitsstaat,  um Estado

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hierárquico, no qual a obediência cega constituía o único va

lor, um escritor respondeu, com uma reverência a Rousseau,

que quanto mais fraco é o indivíduo, mais comanda; quanto

mais forte é, mais obedece.14 A Alemanha havia se tomado

uma nação de Titãs. Gerhard Anschiitz, professor de Direito,

de tendência esquerdista, que desempenharia papel importante na elaboração de uma constituição democrática para a Ale

manha depois da guerra, escrevia em 1915: "Que a palavra

militarismo,  agora usada em todo o mundo como um pala

vrão contra nós, seja para os alemães um emblema de hon

ra”.15 O jovem soldado Walter Harich expressou os mesmos

sentimentos quando escreveu que a compreensão alemã do

que significava uma ordem militar era exatamente o que dava

à Alemanha a superioridade neste conflito: "Sabemos muito bem que estamos lutando pela idéia alemã no mundo, que

estamos defendendo o sentimento alemão da barbárie asiática

e da indiferença latina.”16

"Faça mais do que o seu dever” era o lema do 24® Re

gimento de Brandemburgo, e que captava a idéia de que a

iniciativa pessoal complementava a ordem comunal. "As coi

sas aqui vão além da simples força”, escreveu Walter Harich

das linhas de frente; "aqui o impossível se torna possível”.17O que a convenção considera improvável, a vontade criativa

do soldado individual torna provável. O impossível é trans

formado em possível por uma transcendência espiritual da

mera obrigação, do simples desempenho, do mero dever —

um dever que na cultura anglo-francesa nada mais é do que

uma função egoisticamente utilitária. Desde o começo da guer

ra, a expressão die heilige Pflicht, o  dever sagrado, esta

va em voga. No trem, a caminho do  frcnt,  em setembro de1914, apreciando a ensolarada e serena paisagem de Eifel ao

redor de Trier e os desolados tons cinza de uma Lorraine

ensopada de chuva, o jovem estudante de Direito Franz Blu-

menfeld foi levado a denunciar a guerra como algo "terrível,

indigno de seres humanos, estúpido, fora de moda e em todos

os sentidos destrutivo”, mas, ao mesmo tempo, exultou com

a idéia do sacrifício e do compromisso pessoal: "Pois a ques

tão decisiva é estarmos prontos para o sacrifício, e não oobjetivo do sacrifício.”18 Aqui a guerra como realidade, como

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 ptoduto da história e das relações exteriores entre Estados e

 povos, é denunciada e lamentada, mas, como idéia, inspira

ção e meio, é aplaudida.

Embora todos os Estados beligerantes estivessem incli

nados a usar as realizações culturais do passado para escorar

a determinação presente, na Alemanha este processo deu um

 passo além. A história perdeu sua integridade e independên

cia como realização passada e tornou-se uma criada do pre

sente, do presente voraz e insaciável. Assim que Fritz Klatt

acordou em 28 de agosto de 1914, deu-se conta, como depois

afirmou, do significado daquele dia. Era o aniversário de

Goethe. Pegou imediatamente o  Divã ocidental e oriental, co

letânea de poemas de Goethe; como mencionou numa carta,

o volume, “para falar a verdade, estava bem ao lado da minha pistola”.19 Como a associação de Goethe com um instrumento

mortal indica, a guerra como apoteose do esforço cultural ale

mão constituía outro tema essencial no conceito alemão de

Pflicht.  A guerra não é apenas o supremo desafio à cultura;

o desejo de guerrear com o fim de provar superioridade de

veria ser a meta de qualquer cultura. A guerra e a verdadeira

cultura, em oposição à falsa cultura, tornam-se assim sinô

nimos.Em outubro de 1914 o jovem Hans Fleischer se achava

 perto de Blâmont à beira do maciço dos Vosges. Certo dia saiu

dos alojamentos de descanso para dar um passeio e no cami

nho deparou com um castelo, o do Barão de Turckheim, num

estado de quase total devastação. Uma biblioteca inestimável,

 pinturas, mobília e painéis, tudo fora destruído. Mas num can

to da ruína Fleischer encontrou um piano de cauda — um

Steinway — intocado pela cólera da guerra, e sob o pianodescobriu algumas partituras. E o que escolheu ele? Uma ver

são para piano de  A valquíria  de Wagner. Sentou-se, tocou e

cantou — com vigor, conforme escreveu — a  Lied von Liebe 

und Lenz  (Canção de Amor e Primavera). Depois foi embo

ra. “Eu tinha estado em casa, executara música alemã e agora

 podia retornar de novo à guerra.”20 Mas o que torna a cena

tão comovente é que o jovem não se afastara da guerra. Ela

estava ali, ao redor dele. O piano, a música, as ruínas, aguerra, tudo misturado numa única sensação. Por isso, era

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tão intensa e memorável. Goethe, Wagner e qualquer outrodo panteão da cultura alemã se transformara num senhor daguerra. Quando Romain Rolland, numa carta aberta a GerhartHauptmann, perguntou: “Vocês são os netos de Goethe oude Átila?”, a resposta só podia ser: “De ambos!”

Apesar da confiança inicial, a “inevitável” vitória no cam po de batalha não aconteceu. Não ocorreu em 1914 nemem 1915. Não havia possibilidade de manter o estado de espírito rapsódico dos primeiros dias e semanas da guerra. Existiao perigo de que retornassem as clivagens entre uma essênciaespiritual, alcançada em agosto, e uma realidade debilitado-ra, representada pelas preocupações materiais tanto no  front  quanto dentro do país. A realidade da vida da trincheira, bem

como questões de salários, preços e a organização do esforçode guerra em todo o país, tudo ameaçava a sublime realizaçãoespiritual. Por volta de 1915 reapareceram as dissensões no front   interno quando um número cada vez maior de membrosdo Partido Socialdemocrático começou a questionar os objetivos da guerra e as reformas políticas. A condução da guerra — o recurso ao gás e ao uso irrestrito de submarinos —criou mais problemas. Era esta realmente a guerra defensiva

em que a Alemanha se vira forçada a entrar, como alegavamo estado-maior e o governo?

A resposta dos líderes políticos e militares a esta ameaçaà unidade da nação foi intensificar o esforço de guerra, igualar a totalidade espiritual dos primeiros tempos à totalidadematerial. Em 1916 a liderança política menos agressiva, mais

 ponderada e conscienciosa, simbolizada pelo chanceler Beth-mann Hollweg, era alvo de ataques e em meados de 1917

tinha sido afastada. Em julho de 1917 a Alemanha transformou-se, para todos os efeitos, num Estado totalitário sob ocontrole dos militares. Até o kaiser se tornara pouco maisdo que um governante fantoche, cedendo às exigências doalto comando nas pessoas dos generais Hindenburg e Lu-dendorff. Nesse meio tempo, enquanto o impasse militar continuava no Ocidente, enquanto as baixas se elevavam a milhões, enquanto as cozinhas se esvaziavam não só de filhos

mas até de potes e panelas utilizados na fabricação de balas,enquanto a falta de alimentos se tornava cada vez mais séria,

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enquanto reveses se acrescentavam a reveses, o mito da vitó

ria era ainda mais embelezado pela realidade, e não apenas

 pela idéia, do sacrifício, da abnegação e do destino. A morte

assumia uma função criativa. A morte passava a ser revigo-

radora. A guerra tinha agora um valor moral próprio, inde

 pendentemente de previsões ou percepções tardias dos fatos.A guerra se tornou total.

Enquanto as perspectivas de vitória real ficavam mais

remotas, dada a dizimação da população, masculina alemã,

a eficácia do bloqueio econômico britânico, a entrada dos Es

tados Unidos na guerra em abril de 1917 e o crescimento da

oposição interna à guerra, os hinos guerreiros ao mito da vi

tória se tornavam mais estridentes — e irrealistas. As listas

dos objetivos territoriais da guerra, provenientes de organizações nacionalistas e até de círculos governamentais, começa

ram a perder todo e qualquer vestígio de razão e modera

ção. Se os pangermanistas ou o Partido da Pátria, este último

recém-criado em setembro de 1917, impusessem a sua von

tade, uma futura Alemanha se expandiria dos Urais ao Atlân

tico, do Mar do Norte ao Adriático. Quando o  front   alemão

no Ocidente finalmente se esfacelou nos últimos dias do verão

e no outono de 1918, Walther Rathenau, judeu prussiano comuma curiosa mistura de inclinações românticas e democráti

cas, que fora o eficientíssimo mentor da mobilização de ma

térias-primas na Alemanha, convocou uma levée en masse, 

um levante de toda a nação contra o invasor estrangeiro, lem

 brando a luta suicida dos Anabatistas de Münster no século

XVI. O júbilo de agosto de 1914 se tornara uma determina

ção apaixonada nos anos centrais da guerra, atingindo depois

a histeria. A trajetória implicava uma continuação da viagemdos alemães para dentro de si mesmos.

Entretanto, apesar de toda a evidência de desintegração,

o esforço de integração continuou sendo a característica defi

nitiva da guerra alemã de 1914-1918, até o momento do Ar

mistício, às 11 horas da manhã do dia 11 de novembro de

1918. A orientação global nunca deixou de ser positiva até o

fim da guerra. Em meio à morte, a ênfase recaía na regene

ração, no renascimento, na 'vida, na "experiência”. "Eu vejoa morte e brado pela vida” foram as palavras de Alfons Aken-

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 brand, que morreu em Souchez no dia 25 de abril de 1915,

com vinte e um anos.21 Só tendo consciência desta metafísica

é que se pode compreender por que os alemães continuaram

a combater. Desde o início eram menos numerosos que os

inimigos. Lutavam em duas frentes. Apoiavam e subsidiavam

os esforços austríacos e turcos. Sua mobilização de homens eequipamentos foi extraordinária. Conseguiram forçar a Rússia

a sair da guerra. Retardaram um ataque dos Aliados que,

desde abril de 1917, contavam com o poderio econômico e,

em 1918, o poderio militar americano. No verão de 1918

chegaram perto, mais uma vez, da vitória..

Um ato de fé, semelhante em alguns aspectos ao que

alimentou o esforço angló-francês, sustentava os alemães. No

final, entretanto, as diferenças entre os credos eram maismarcantes do que as semelhanças. A fé anglo-francesa tinha

um fundamento racional; a fé alemã estava edificada sobre

o idealismo e o romantismo. A fé ahglo-francesa era social;

a alemã, metafísica. O esforço alemão fora preparado por

muitos dos mesmos instrumentos de socialização dos anglo-

franceses: a religião, a educação, o serviço militar e outras

formas de envolvimento do Estado na esfera privada. Mas a

natureza da industrialização alemã — seu caráter recente, suavelocidade relativa e sua forma altamente concentrada — in

dicava que muitos dos valores e normas sociais associados ao

empreendimento comercial e industrial não tinham, penetrado

muito fundo no ser social álèmão, sendo, de fato, considera

dos com desconfiança. O capitalismo alemão era, para tomar

emprestado o adjetivo de um historiador mais recente, "de

 preciado”.22 Na Grã-Bretanha, John Stuart Mill tinha reco

nhecido na "divisão de empregos — na realização do trabalhocombinado de vários, de tarefas que não podiam ser executa

das por qualquer número de pessoas isoladamente. . . a gran

de escola da cooperação”.23 Esta "escola da cooperação” che

gara tarde na Alemanha. Consequentemente, a conquista ale

mã da unidade espiritual, em 1914 e durante toda a guerra

 — conquista apoiada pela maioria dos socialistas durante

grande parte do conflito — fundamentava-se mais nas virtu

des privadas do que nos valores públicos, mais num esforçode imaginação do que na realidade social. Depois de passar 

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Berlim dança no Eldorado da Motzstrasse. 

Há apenas uma mulher nesta foto*. 

(Bildarchiv Preussischer Kulturbesitz)

Tanz in Baden-Baden,  de Max Beckmann, 1923. (Statsgalerie moderner 

Kunst, Munique)

Sur les toits de Berlin.  O Charleston como 

sagração da primavera? Compare a posição 

dos pés com os das bailarinas do balé. 

(Suddeutscher Verlag, Bilderdienst)

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Lindbergh: homem e máquina. (Coleção Mansell)

Fama: Lindberg chega no aeroporto de Croydon, 29 de maio 

de 1927. (Bettman/BBC Hulton)

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Ases da aviação: Lindbergh e Goering. Lindberg examina a espada 

cerimonial de Goering. (Popperfoto)

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Homem do povo: Hitler no Feldherrnhalle, l.° de agosto de 1914. (Ullstein)

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Campeões alemães de dança, 1934. (Bettman)

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Primavera sem fim: a última foto de Hitler, no jardim da Chancelaria do Reich, 

condecorando a Juventude Hitlerista com a Cruz de Ferro. (Ullstein)

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mais de um ano no  front , primeiro na França e mais tarde

combatendo os sérvios, Gerhart Pastors não perdera nada de

seu envolvimento apaixonado. Das margens do Rio Save es

creveu aos familiares, em outubro de 1915, sobre seu ardente

desejo de atacar os sérvios: “Temos essa urgência física de

enfrentar os sérvios homem a homem e de enfiar os punhosna cara deles. Se a ordem de avançar chegar hoje à noite,

nós nos sentiremos como se estivéssemos indo para o céu.”

Ele ainda identificava a batalha com o céu, com a salvação,

com um estado de transcendência. Em 1916, numa edição

de cartas de estudantes combatentes que preparava para pu

 blicação, Philipp Witkop escolheu, como fecho de seu vo

lume, esta passagem idealista-brutal que associava o céu a

 punhos esmagando faces.24A Grã-Bretanha logo se tornou a principal inimiga da

Alemanha. Era a nação do comércio e da dissimulação, de

 Händler   em vez de  Helden, de comerciantes burgueses em

vez de heróis. Porque, como um negociante à procura de ga

nhos pessoais, não pusera todas as suas cartas na mesa desde

o início da crise de julho, porque não declarara logo sua neu

tralidade nem seu apoio à França, era acusada de ser respon

sável pela guerra. Era culpada, o argumento insinuava, deinação quando devia ter agido. Aqui estava um raciocínio

digno da estética moderna. A vítima, não o assassino, é cul

 pada. Inação e contemplação são impuras por definição, su

gerindo tergiversação, cálculo e desonestidade. A ação é, ao

contrário, libertadora, ação é vida, e aquele que age não

 pode, portanto, ser culpado. Com extravagância nietzschiana

nega-se o Sermão da Montanha. “Não quem é culpado, mas

o que é culpado, isto é que deve ser estabelecido”, insistiaMagnus Hirschfeld. A Grã-Bretanha era a principal represen

tante de uma ordem negadora da vida, da qual a Alemanha

tinha de se libertar — um mundo que sufocava o verdadeiro

 prazer, a inspiração e o espírito.25

Muitos professores universitários alemães que haviam

tido ligações com a Inglaterra antes da guerra tomaram o

inesperado envolvimento britânico como uma desfeita pes

soal, interpretando-o como uma crítica condenatória à cultura ocidental como um todo. O teólogo Adolf von Harnack 

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nunca se recuperou do golpe.26 A Bélgica, assim ele e outros

concluíram amargamente, fora usada pela Grã-Bretanha ape

nas como pretexto para atacar a Alemanha. A Grã-Bretanha,

esta Krämer-Nation, esta “nação de lojistas” queria somente

destruir sua rival econômica. Como se poderia explicar de

outro modo o seu envolvimento? Num “poema” que evocava a morte imaginada de Edward Grey, ministro britânico

das Relações Exteriores, e seu terrível destino diante do tri

 bunal, Friedrich Jacobsen condenava a guerra da Inglaterra

“por despojos e lucros imundos”.27 Em 1914, na véspera do

Ano-Novo, os oficiais e o primeiro batalhão do 15° Regi

mento de Infantaria Bávaro se reuniram no quartel do regi

mento e, quando o relógio deu meia-noite, embora estivessem

enfrentando os franceses perto de Dompierre, todos saudaramo novo ano com o grito de Gott strafe England.7**

Como o fundamento alemão para a guerra foi desde o

início menos específico que o dos franceses e britânicos, a

interpretação alemã da continuação da guerra ficou analoga

mente encoberta por noções românticas e místicas. Um tema

comum era que a guerra representava a experiência máxima

e que, apesar do horror e do evidente desperdício, uma forma

mais elevada, mais sublime de existência nacional tomariacorpo através da entrega total à energia da guerra, da fusão da

essência alemã com a realidade da guerra. Portanto, a guerra

era tanto educação quanto revelação. Nas palavras do soldado

Ernst Wurche,

Se o significado e objetivo da vida humana é ir além

da mera forma da existência, então já alcançamos bas

tante na vida e, independentemente de nosso destino hojeou amanhã, sabemos mais do que velhos de cem anôs e

filósofos. Ninguém viu tantas máscaras caírem, tanta vi

leza, covardia, fraqueza, egoísmo, vaidade, ninguém viu

tanta virtude e silenciosa nobreza de espírito quanto nós.

Temos pouca coisa mais a pedir da vida; ela revelou

mais a nós do que a outros, e não há reivindicação hu-*

* Que Deus castigue a ínglaterra.

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mana além desse limite — esperaremos pacientemente

 para ver o que ela exigirá de nós. Se exigir tudo, ela

afinal deu tudo, e chega-se portanto a um equilíbrio.29

Se no começo a guerra, para grande parte dos alemães,

era sinônimo de beleza, sua fúria sempre crescente foi considerada por muitos apenas uma intensificação de seu signifi

cado estético. Em outras palavras, enquanto sua destruição

aumentava, a guerra continuava a ser proporcionalmente es

 piritualizada, ou internalizada. Depois de várias semanas de

chuva, lama, bombardeios de artilharia e ataques franceses,

o lado “bom” da guerra tomara-se até mais claro para Gerhart

Pastors:

Você se torna forte. Esta vida elimina violentamente toda

a fraqueza e sentimentalidade. Você é acorrentado, pri

vado de autodeterminação, exercitado no sofrimento, no

autodomínio e na autodisciplina. Mas acima de tudo:

você se volta para dentro. O único modo de poder su

 portar esta existência, estes horrores, este assassinato, é

 plantar o espírito em esferas mais elevadas. Você é  for

çado  a se autodeterminar, é obrigado  a chegar a umacordo com a morte. Para contrabalançar a horrível rea

lidade, você procura alcança;: aquilo que é mais nobre

e mais elevado.30

O prefixo auto  é o motivo que atravessa toda essa passagem.

Enquanto a violência externa aumentava, um homem busca

va com maior urgência a paz em seu ser, em sua alma.

Quando o mito da vitória inevitável se esfacelou, os fragmentos se tornaram novos mitos, até maiores, mais brilhan

tes. Num espasmo prolífico, a ilusão deu origem a uma ple

tora de ilusões. O horror foi transformado em realização es

 piritual. A guerra tornou-se paz. A morte, vida. O aniquila

mento, liberdade. A máquina, poesia. A amoralidade, verdade.

Mais de dezoito mil sinos de igreja e inúmeros tubos de órgão

foram doados ao esforço de guerra para serem derretidos e

usados na fabricação de armas e munições.31 Enquanto seintensificava o assalto às certezas físicas e sociais do mundo

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 burguês do século XIX, difundia-se a sensação de crescente

libertação de restrições, limites, formas. A promoção desta

libertação continuou a ser o componente mais importante do

Pflicht.  Esta associação da morte à vida foi uma nova repre

sentação, em escala aumentada, da seqüência do sacrifício

em  Le Sacre du printemps.

CONGREGAÇÃO

Citar as cartas de estudantes idealistas e de outros intelec

tuais é um convite à queixa de que se está oferecendo umaminoria da população — o setor intelectualmente mais enga

 jado na guerra — como representante da nação inteira. E os

operários alemães? E os trabalhadores rurais? E a maioria

dos combatentes?

As fontes que conteriam suas opiniões são, é claro, as

menos acessíveis. Esses homens raramente mantinham diários,

e ninguém parece ter se interessado, ou pelo menos ter obtido

 bons resultados, em coletar ou reunir suas cartas depois daguerra. Além disso, os principais arquivos militares alemães

foram destruídos pelos bombardeios dos Aliados. na Segunda

Guerra Mundial, e os registros da censura postal também

 parecèm ter desaparecido. Assim, há apenas testemunhos es

 palhados e usualmente indiretos das atitudes dos não-intelec

tuais em relação à guerra.

A incidência relativamente baixa de insubordinação mili

tar é, entretanto, uma prova sugestiva de que, em geral, omoral não esmoreceu e de que os soldados operários e cam

 poneses funcionaram no contexto dos valores descritos acima.

A seguinte tabela enumera casos de insubordinação e delitos

leves investigados, mas não necessariamente julgados, pelas

cortes militares, na 4* Divisão de Infantaria da Baviera. A

divisão passou a maior parte da guerra na Frente Ocidental.

Os crimes e transgressões incluíam ausência sem permissão,

deserção, covardia, espionagem, dano intencional a si mesmo,suicídio, mau emprego de armas, desobediência, abuso de

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autoridade, danos à propriedade, traição, atos contra a lei pos-

tal, atos criminosos e uma variedade de outros delitos.

NÚMERO DE INVESTIGAÇÕES1

1914 1915   1916   1917   1918

Janeiro   63 12 47   87

Fevereiro   26 18   41   59

Março   33   23 46 70

Abril 40   27 42 47Maio   20   22   54   80

Junho   24 14   52   112

Julho   23   20 82 118

Agosto   17   32   32 48   103

Setembro   12 25   72 77   115Outubro 29   27   80   47   136

Novembro   20   46   59   86   91

Dezembro   65   31   37 153   47

Os meses que chamam a atenção são dezembro de 1914e janeiro de 1915; setembro até novembro de 1916; julho, se-

tembro, novembro e dezembro de 1917; e, com a exceção de

abril, todos os meses de 1918. O primeiro período coincide

com a confraternização de 1914; o segundo com o fracasso

da ofensiva de Verdun e com as perdas sofridas na batalha

do Somme; e o terceiro e o quarto refletem a debilitação geral

e o teste por que passou o moral das tropas quando as pers-

 pectivas de vitória diminuíram. O fato de abril de 1918 ter presenciado uma queda nas cifras deve ser explicado pelos

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sucessos iniciais da ofensiva de Ludendorff naquela prima

vera. Observa-se que os números aumentaram enquanto a guer

ra se arrastava, mas o que deve ser enfatizado é   que os nú

meros relacionados coni insubordinação nunca se tornaram

excessivos.

 No exército alemão, como em todos os exércitos, ouviam-se os costumeiros resmungos sobre as provisões, a comida, o

equipamento, a estratégia e as regalias concedidas aos ofi

ciais! Em agosto de 1917, por exemplo, uma bateria de arti

lharia queixou-se, num relatório que iria chegar ao alto co

mando, de "que os oficiais do estado-maior possuíam melhores

cavalos para os seus exercícios hípicos recreativos do que as tro

 pas para a luta”. O comando da divisão ficou enfurecido com

este comentário "não-militar” e emitiu instruções para quetais observações fossem evitadas no futuro? Naquele verão tam

 bém foram dadas ordens para que os soldados que tivessem re

clamações legítimas a respeito de condições e tratamento as

apresentassem através dos canais competentes e não se puses

sem simplesmente a resmungar.3 Os arquivos militares franceses

e britânicos estão repletos desse tipo de registro, o que sugere

 problemas de pouca monta com o moral das tropas — perfei

tamente compreensíveis, dada a natureza desta guerra —, masnão uma erosão significativa do propósito maior.

Que a abordagem geral da guerra descrita acima não era

apenas característica de intelectuais ou aventureiros — homens

como Ernst Jünger, que antes da guerra fugira de casa para

se alistar na Legião Estrangeira Francesa, Ernst Wurche ou

Walter Flex — é constatável também num romance popular

de Reinhold Eichacker que em 1916 já estava em sua segun

da edição.  Briefe an das Leben: Von der Seete des Schützen- 

grabens und von den Schützengràben der Seele*  é a história

insuportavelmente açucarada de um soldado que parte para a

guerra profundamente apaixonado pela mulher com quem se

casara doze meses antes. Depois de um ano nas trincheiras,

ele retorna inesperadamente e encontra a mulher nos braços

de outro homem. Sem dizer uma palavra sequer, ele gira nos

calcanhares e volta correndo para o  front,  só para ficar saben-

* Cartas à vida: da alma das trincheiras e das trincheiras da alma.

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do, pouco depois, que sua mulher tinha se suicidado. Após lon

gas meditações sobre o significado da vida e da guerra, sente-se

em paz com a mulher e também com a perspectica da morte.

Seu consolo final é que voltará a se unir a ela na eternidade.

 Nesta história, como em grande parte do esforço de guerra ale

mão, o significado da vida será encontrado somente na morte. Não é preciso dizer que os soldados alemães, como os das

outras nações, sofriam de fadiga, depressão e trauma. No com

 bate também tinham de se apoiar em seus instintos e recursos

interiores, mas para os alemães estes recursos interiores tinham

uma forma predominantemente metafísica, em contraste com

os valores sociais e históricos que motivavam o inglês e o fran

cês comum. A guerra era uma luta mais de vontade e energia

do que de meios materiais; um esforço para perpetuar o "es pírito de 1914”, realizar eine grosse Idee, um grande ideal.

Por fim veio o que pareceu, para muitos, um vazio abso

luto — a derrota. Rudolf Binding sabia, em julho de 1918,

que "estamos acabados. Meus pensamentos me oprimem. Como

iremos nos recuperar? A Kultur,  como se ficará sabendo de

 pois da guerra, não servirá para nada; a própria humanidade

 provavelmente terá menos utilidade. ainda”.4 Um adversário,

David Ghilchik, consciente em outubro de que o fim se aproximava para os alemães, observou: "Não queria ser um alemão

agora por nada neste mundo.”5

Mas até o vazio, como veremos, era de alguma forma

capaz de manipulação e permutação. Como se veio a saber, era

 possível na verdade regozijar-se espiritualmente no vazio. Da

derrota surgiria a idéia da "punhalada nas costas”, a noção de

que a Alemanha não fora derrotada no  front,  em combate hon

rado com o inimigo, mas tinha sido derrubada pela calúnia noexterior e pela traição dentro do país. A nação, ainda recen

temente extasiada com o. novo, com a experimentação e a re

 jeição de velhas formas, projetaria, numa suprema proeza de

acrobacia mental, suã própria revolta sobre os seus inimigos

visíveis, dentro e fora. O traidor se tornaria o traído, o re

 belde se tornaria a vítima, o derrotado se tornaria o conquis

tador, assim como no dadaísmo a antiarte se tornaria arte.

Ainda em outubro de 1914, na noite do dia em que Antuérpia se rendeu aos alemães, foi dado um grande jantar na

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Esplanade em Berlim. O decoro exigia que o traje em soleni

dades sociais fosse discreto, de acordo com a gravidade da

hora. As mulheres evitariam usar, por exemplo, vestidos deco

tados. Mas, nesta noite, uma dama apareceu com um vestido

extremamente transparente e de amplo decote, apropriado para

um baile de gala no auge da temporada social. — Está muito bonita hoje à noite, madame — alguém

observou.

 — Sim — foi a resposta. — Pus este vestido para cele

 brar a queda de Antuérpia; mas espere só para ver o vestido

que estou guardando para o dia em que a Inglaterra for der

rotada!6

 Não temos registro do que a dama em questão usou na

derrota, mas, se o modo como Josephine Baker foi recebidaem Berlim no final da guerra servir de indício, o traje da vitó

ria aqui sugerido — as roupas do imperador — teria sido

igualmente apropriado na derrota.

Serão válidas estas generalizações? Exceções não são di

fíceis de encontrar. O descontentamento geral e a oposição à

guerra aumentavam realmente na Alemanha, à medida que o

conflito se aprofundava. Em 1916, saques de alimentos irrom

 peram em várias partes do país. Em abril daquele ano o bispoinformou às autoridades católicas da Baviera que seu dever

mais importante era combater o descontentamento com a guer

ra.7 Durante os dois anos seguintes, especialmente nos inver

nos rigorosos, não haveria falta de descontentamento.

O primeiro reduto político dos céticos foi uma ala mino

ritária do* SPD. Em abril de 1917, entretanto, fundou-se o Par

tido Socialdemocrático Independente (USPD), de oposição

à guerra. Abrigava tanto moderados políticos como EduardBernstein, líder revisionista de antes da guerra, quanto radi

cais como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. Em janeiro

de 1918 .uma onda de greves varreu as indústrias de munições,

liderada por delegados sindicais radicais contrários à guerra

e a favor de ampla reforma social e política. Nesses grupos

admirava-se muito o recente sucesso dos bolcheviques na Rús

sia. No  front   alguns sinais de cansaço e frustração apareceram

no final de 1917 e em 1918, quando folhetos pacifistas chegaram a certos setores e -quando aumentaram os casos de insu

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 bordinação. Mas era pequeno o número de pessoas envolvidas

em qualquer uma destas atividades.8 A maioria das greves era

instigada por razões mais econômicas que políticas, sobretudo

 pela terrível falta de alimentos. O exército se manteve leal.

Provavelmente já em 1917 a guerra se tornara um enigma

existencial para os elementos moderados do país. Por essa

época, ela tinha-se "exaurido espiritualmente ”, segundo Max

Weber. Já para Gustav Radbruch, professor de filosofia do

direito, ela assumira a aparência de "alguma coisa fantasma

górica”, uma monstruosidade cega e esmagadora. Vitória e

derrota seriam, ambas, males, a primeira apenas ligeiramente o

menor deles. Só na religião, acreditava ele, havia alguma paz

no meio dessa horrenda crise.9 Em 1917, para Hans Delbrück,Ernst Troeltsch, Adolf von Harnack e Friedrich Meinecke, a

guerra ameaçava destruir todos os vestígios da cultura euro

 péia. O futuro, cuja promessa tinha sido tão deslumbrante em

agosto de 1914, parecia agora oferecer apenas escuridão, trevas

sem comparação possível. Numa carta à esposa em fevereiro de

1918, depois das greves e dos distúrbios dos últimos meses,

Delbrück admitia que estava aterrorizado com o futuro. Per

guntava-se se, depois de toda a tristeza, alguma terrível tragédia  ainda estaria reservada à Alemanha. "Se tudo isso não che

gar ao fim em breve, a situação vai ficar horrenda.”10

Entretanto, apesar de todas essas premonições e dúvidas,

o moral das tropas — e a determinação de continuar — não

arrefeceu, mesmo durante a retirada no outono de 1918. Nunca

houve o perigo de um colapso total, pelo menos entre os sol

dados. Quando realmente ocorreu, o colapso foi em escala mo

desta e se deu na marinha, que se mantivera nos portos durante a maior parte da guerra. Em 1917 ocorrera uma ameaça

de motim em Wilhelmshaven, entre marinheiros que protesta

vam contra a dureza do tratamento, a má qualidade das ra

ções, a não concessão de licenças e os alojamentos apertados.

 Nos últimos dias de outubro e no início de novembro de 1918,

marinheiros se amotinaram nos portos de Kiel e Wilhelmsha

ven, e os distúrbios então se espalharam rapidamente pela Ale

manha, quando foi divulgada a notícia do Armistício iminente.

O exército no  front,  entretanto, permaneceu leal até o fim. Só

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atrás das linhas, na Alemanha, é que um número relativamente

 pequeno de soldados participou da chamada revolução de 1918.

 Na Alemanha, portanto, a desilusão com o esforço na

cional e o alheamento a ele nunca foram fatos generalizados

durante a guerra. Os casos reais se deram mais entre a popu

lação civil do que entre os combatentes. A linguagem e? a literatura da desilusão seria, em geral, um fenômeno do pós-guerra

 — em todos os países.

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 VII

VIAGEM INTERIOR

Tem-se respeito à lei? Profundo.É justa a nossa guerra? É.Mas se eu pudesse dar no pé 

Ia sumir no oco do mundo.

Um soldado

Abandona-se o reino do aqui e agora e transfere-se 

toda atividade para o reino do além, onde é possível a afirmação total. Abstração.

P a u l   K l e e

Schiller, poeta medíocre, não oferece nada que possa 

interessar ao estrangeiro. Mesmo em tempo de paz, a boa regra desaconselha importar o que já se possui. Temos Casimir Delavigne, Ponsard, de Bornier. Que 

faríamos com Schiller?

JOSÉPHIN PÉLADAN 

1917 

A GUERRA COMO ARTE

Desde o início a guerra foi ^um estímulo à imaginação. Prova-

velmente nenhum outro período da história produziu tantos

depoimentos sobre os acontecimentos públicos. Artistas, poe-

tas, escritores, clérigos, historiadores, filósofos, entre outros,

todos participaram plenamente do drama humano que estavasendo representado.

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A maioria dos intelectuais, apesar de orgulhosas declama-

ções de independência e de tomadas de decisão racionais, mos-

trava-se sensível a lealdades nacionais arraigadas e comportava-

se de acordo com esse estado de espírito. Se não podiam se

alistar por causa da idade ou da saúde, participavam do esforço

de outras maneiras, como propagandistas, artistas de guerra,motoristas de ambulância ou serventes de hospital. Mas além

da lealdade ao rei e ao país, que com poucas exceções vinha

em primeiro lugar, a guerra exerci# uma singular fascinação

 por sua própria monumentalidade e, à medida que avançava,

 por sua tremenda inefabilidade. Até o introvertido Marcei

Proust, que compôs seu grande roman fleuve, À la recherche 

du temps perdu,  à noite, no recinto solitário de um quarto for

rado de cortiça, ficou enfeitiçado pelo espetáculo: “Assim comoas pessoas costumavam viver em Deus, eu vivo na guerra.”1

Edmund Gosse observou Henry James atentamente durante a

guerra. James, ao que parece, tinha o costume de olhar para

o outro lado do Canal da Mancha, na direção do som abafado

da artilharia. "A angústia do seu horror”, escreveu Gosse,

tornou-se quase o uivo de um animal, de um leão da flo

resta atingido no flanco por uma flecha, quando os alemães destruíram a catedral de Rheims. Ele olhava fixamen

te o mar, a sudeste, e imaginava ver o bruxuleio das cha

mas. Comia e bebia, conversava, caminhava e pensava,

dormia e acordava, vivia e respirava apenas a Guerra.

Seus amigos ficaram ansiosos, a tensão ultrapassava o que

era de esperar que seus poderes naturais, transfigurados

como estavam, pudessem suportar.2

Mesmo aqueles que, como1D. H. Lawrence, tentaram manter um

distanciamento crítico dos acontecimentos, logo se viram envol

vidos na crise, graças à paranóia da sociedade que lançava sus

 peitas sobre qualquer um que se mantivesse à parte.

As imaginações mais radicais, de tendência política ou

estética, deixaram-se absorver desde o iníció. A guerra ofere

cia extremos de emoção e esforço — Dorgelès chamava as

trincheiras de "este imenso confessionário”3 —, bem como visões, sons e imagens que não tinham relação alguma com o

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depois ele chamou “a Ruptura” : “Todo o passado, pelo que posso compreender, foi pelo ralo.”9 Da mesma forma, StephenDedalus de Joyce foi levado a observar, com palavras que lem

 bram Schopenhauer, que “a história é um pesadelo do qualestou tentando acordar”.10 Quando o passado sumiu pelo ralo,

o eu  tornou-se de importância capital.Embora a maioria , dos soldados conservasse seu senso do

dever, alguns começaram a se expressar sobre o outro aspectode sua situação dicotômica: a sensação de alheamento, marginalidade e, ao mesmo tempo, novidade; isto é, a idéia de queo mundo vivia a agonia da destruição, que então parecia irreversível, mas também um processo de renovação, que parecia

inevitável. Neste último processo havia uma realidade de im plicações espantosas: o soldado representava uma força criativa. Como agente de destruição e também de regeneração, demorte e renascimento, o soldado tendia a se ver como uma personalidade “limite”, como um paladino da mudança e deuma nóva vida. Era um viajante que havia chegado, seguindoordens, aos limites da existência, e ali na periferia “vivia”de um modo único, à beira da terra de ninguém, à margem das

categorias normais. No entanto, também era chamado a atravessar ã terra deninguém. Esta era, de fato, a suprema convocação. Esta eraa essência da vitória, À medida que o objetivo da guerra setornava mais abstrato, menos dócil às imagens convencionais,o significado da vitória, isto é, as conseqüências de atravessarcom sucesso o perigoso espaço que separava os inimigos, ficavaequivalentemente mais abstrato. Para se manter, o soldado tinha

que apelar para a sua própria imaginação. A guerra se tornavacada vez mais uma questão de poder interpretative individual.

Ao contrário das conclusões de observadores situados atrásdas linhas de frente, psicólogos e jornalistas, que achavam quea experiência da guerra não alterara o caráter essencial de suasrespectivas nações, o soldado da linha de frente, que partici para das batalhas, estava convencido de que havia mudado deum modo fundamental, ainda que indescritível. Depois de sua

 primeira passagem pelas trincheiras, em junho de 1916, PeterMcGregor informou à sua mulher:

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Estou bem — o mesmo de sempre — mas não — isso

nunca mais. Os quatro dias que passamos nas trincheiras

me viraram de cabeça para baixo. Nenhum homem pode

experimentar essas coisas e continuar o mesmo.11

Rudolf Fischer, do outro lado, fez um comentário semelhante:“Ninguém sai desta guerra o mesmo homem.”12 E Marc Boas-

son, depois de participar dos ataques em Artois em setembro

de 1915 e em Verdun em junho de 1916, admitiu numa carta

 para casa:

Mudçi muito. Não queria falar a vocês do tremendo can

saço que a guerra produziu em mim, mas vocês me for

çam. Sinto-me esmagado, diminuído.13

Diminuído em que sentido? Cómo ser social e moral, ele es

clareceu em cartas posteriores. Estava menos preocupado com

a possibilidade de motim e revolução, tanto de sua parte como

da parte de seus companheiros — isto seria, pelo menos, uma

expressão de energia, vida e consciência social —, do que com

a resignação e a lassitude, “esta inesgotável docilidade”. “Pa

rece-me”, escreveu, “que estamos passando por uma crise moral muito séria, não ostensiva, sem gritos, sem manifestações

visíveis, mas grave por causa de sua profundidade”.14 Boasson

aludia a uma retiráda muito difundida, para longe de um

mundo exterior, que na superfície continuava intacto, e para

dentro de um mundp particular do espírito.

A autoridade tradicional tinha abandonado o soldado ao

seu próprio destino. A chefia, em seu sentido convencional,

havia fracassado. Além disso, o  front   interno não compreendiaa natureza da via dolorosa  do soldado. A única realidade social

que ainda servia de apoio ao soldado era “a camaradagem

das trincheiras”. Nesta situação, como observou um jovem vo

luntário alemão, qualquer um se tornava um socialista instin

tivo. Mas faltava ao “socialismo” do soldado qualquer tipo

de precisão ou praticidade ideológica. Era em grande parte

sentimental e negativo, mas surpreendentemente semelhante ao

“socialismo” da vanguarda artística. Esse socialismo era davariedade “o homem é bom”, acompanhado por uma rejeição

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de forma e organização, e implicando a projeção do ego —

humilde, ansioso e dócil —, em plena devastação, num. credo.

O impulso era essencialmente autocompassivo e ao mesmo tem

 po anárquico. O homem era vítima mas também um sobre

vivente revbelde. Burocratas, políticos, generais, jornalistas e

aproveitadores da guerra — aqueles que lá fora se nutriamcomo chacais da carnificina e da miséria — eram despreza

dos. Eram eles o verdadeiro inimigo, animais necrófagos que

se alimentavam e engordavam com a morte e a destruição.

Sandor Ferenczi, que tratou de soldados psiconeuróticos

em Budapeste durante a guerra, confirmou que os soldados, con

frontados com uma esmagadora força material e com o desam

 paro pessoal, refugiavam-se dentro de si mesmos. “A libido

recua do objeto para o ego, aumentando o amor a si mesmoe reduzindo o amor objetai ao ponto de total indiferença.”15

Muitos pacientes confessavam sua impotência sexual ou gran

de redução do interesse sexual.

O soldado tornou-se assim não apenas o precursor mas

o próprio agente da estética moderna, o progenitor da destrui

ção mas ao mesmo tempo a personificação do futuro. Qualquer

esperança neste futuro residia exclusivamente na imaginação

individual. “Decidi”, escreveu Georges Bernanos em setembrode 1915, “que meu epitáfio consistirá apenas nestas duas

linhas. Aqui jaz um homem que lutou e morreu por sua sa

tisfação pessoal e para enfurecer aqueles que não lutaram nem

morreram!”16

Para um tradicionalista como Louis Mairet, a destruição

da perspectiva moral, a internalização do mundo exterior, o

desaparecimento do racionalismo como solda social e cultural

significavam que também a arte estava morta. Quando suaunidade foi substituída em março de 1917, o ritual que nor

malmente acompanhava tal mudança ainda se mantinha inalte

rado. “Partida. Música, som de metais, brilho de baionetas.

A bandeira, silhueta sombria, tecido de gloire.” A paisagem,

observou Louis Mairet, tinha a cor de uma aguada. Desespe

radamente ele procurava um sentido positivo para o todo, o

ritual e o ambiente natural. Na interpretação coletiva de tais

símbolos, numa forma acessível a todos, residia o objetivo tradicional da arte, a arte como conhecimento e não apenas como

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energia. Mas, para os soldados seus companheiros, todo interesse por um significado predominante havia desaparecido. Estavam imersos em si mesmos, exclusivamente: “ . .. Cada umvê em tudo apenas um desdobramento de suas próprias preocupações pessoais.” Uma colina, marcante por seus contornos

abruptos, leva um oficial a observar: “Esta é uma posiçãoinexpugnável.” Mais adiante, abre-se uma larga planície: “Esteseria um bom campo de aviação.” Uma área de grama rasa

 provoca um comentário excitado: “Que grande campo de fute bol!” E Mairet conclui tristemente: “A poesia está morta.”17O que ele queria dizer, é claro, era que a poesia tradicionalestava morta.

Depois de algum tempo, o horror que o soldado enfrentava

tinha pouco potencial interpretativo, exceto em termos muito pessoais. Ao contrário de Mairet, alguns viam nesta situaçãonão a morte da arte mas o nascimento de uma nova estética.Para Robert Graves, a visão de fragmentos de cérebro humanoespalhados no boné de um camarada tornou-se “uma invenção poética”.18 O som de uma barragem de artilharia pela manhãfez Wyn Griffith pensar em música, não uma música de melodias e harmonias convencionais, mas uma nova música, a antí

tese de todas as composições costumeiras.19 Jacques-ÉmileBlanche dizia que os reides aéreos sobre Paris lembravam-lheespecificamente  Le Sacre  de Stravinsky.20 Graves, Griffith eBlanche faziam associações semelhantes. Relacionavam as visões e os sons da guerra com a arte. A arte se tornou, de fato,o único correlato disponível desta guerra; naturalmente nãouma arte que seguisse as regras anteriores, mas uma arte emque se abandonavam as regras da composição, em que a pro

vocação passava a ser a meta, e em que a arte se tornava umacontecimento, uma experiência. Quando a guerra perdeu osignificado externo, transformou-se sobretudo numa experiência. Neste processo, a vida e a arte avançaram juntas.

Alguns soldados começaram a descobrir, como Percy Jonesobservou ao ver Ypres no final de 1915, “algo horrivelmentefascinante nesta devastação tão estarrecedora”. As fotografias,dizia ele, não podiam fazer justiça à realidade. Dois meses

mais tarde ainda estava enfeitiçado por esta visão do “fim domundo”: “A fascinação de Ypres cresce dentro de mim, e

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ainda estou procurando uma casa que não tenha sido diretamente atingida por uma bomba.”21 J. W. Gamble, que estava noulocal na mesma época, experimentou uma reação quase idêntica.

 No sábado. . . aproveitei a calma temporária e fui dar

outra olhada em Ypres. É realmente uma visão maravilhosa —- estranha, grotesca e desoladora, sem dúvida —,mas muito interessante. Espero que o lugar seja invadido

 por visitantes e turistas depois da guerra e que eles fiquemestupefatos com o que vêem. As antigas ruínas de Pom-

 péia e lugares afins serão esquecidos.22

 Na mente de Gamble, Ypres, apesar de sua contemporaneida-de, tinha sobrepujado Pompéia, como monumento de uma civilização em ruínas. Sua escala de simbolismo era incomparável.Porém, tanto em Jones como em Gamble há uma evidente satisfação por serem testemunhas desta colossal destruição. Quando Garfield Powell escreveu em seu diário de 28 de agostode 1916: “Passamos agora para a ‘terra de nossos sonhos’,Ypres”, o tom era intencionalmente sardónico, mas a escolhado clichê era extremamente reveladora.23Para David Jones, tam bém, a “terra devastada” das trincheiras se tornou “um lugar

de encantamento”.24 E Canon F. G. Scott, um canadense, aodeparar com o cadáver de um rapaz coberto por uma camadade lama amarela, pensou imediatamente numa “estátua feitade bronze. Ele tinha um belo rosto, uma cabeça finamente torneada, coberta de cabelos curtos e crespos, e parecia mais umaobra de arte do que um ser humano”.25

Paradoxalmente, Harry Crosby, de Boston, um dentre osmuitos americanos que se apresentaram como voluntários para

o serviço de ambulância na França, encontrou na fornalha deVerdun em 1917 uma fuga da morte. Estremecia quando pensava

nos horrores de Boston e particularmente nas virgens deBoston, que são criadas em ambientes assexuados, queusam ceroulas de lona, sapatos de salto baixo e óculos dearmação de tartaruga, e que, depois de casadas, têm umfilho pontualmente a cada nove meses durante cinco ou

seis anos, e depois vão terminar seus dias no Chilton Club.Céus, escapei por um triz.

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Verdun tinha “a mão da morte. . . impressa por toda parte”.

Mas, exatamente por essa razão, ele achava que o lugar “fun

ciona como um ímã”.26 A guerra, apesar de sua destruição ou,

na verdade, graças a seu horror difuso, tornara-se uma força

evocativa, um estímulo não à criatividade social, mas à imagi

nação pessoal e à interioridade, uma avenida para um novo evital território de atividade.

A ARTE COMO FORMA

 No entanto, a interioridade, se não era silêncio, literal e fi

gurado, produzia um dilema. Como reunir e ordenar a expe

riência da guerra, ainda que só para si mesmo? Os modos tra

dicionais de expressão — palavras, pintura, até a música —

mostravam-se claramente inadequados nesta situação.

"Confrontada com o espetáculo de uma luta científica na

qual o Progresso é usado para o retorno à Barbárie, e com o

espetáculo de uma civilização que se volta contra si mesma

 para se destruir, a razão fraqueja”, escreveu Louis Mairet.1

Para o artista Paul Nash, os instrumentos normais de sua arte-

eram insuficientes: "Nenhuma pena ou desenho pode expres

sar esta região”, escreveu ele à sua mulher sobre a paisagem

de Flandres.2 A rejeição da forma tradicional na arte parecia

ser a única reação honesta. Nash e muitos dos outros artistas

oficiais britânicos da guerra, que em sua maioria tinham tido

uma formação tradicional e provinham de um meio convencional e de um ambiente cultural que antes da guerra era em

geral hostil a inovações artísticas, voltavam-se cada vez mais

 para modos experimentais de composição. Enfrentavam alguma

oposição, mas recebiam sobretudo aplausos.

Até nos círculos oficiais havia em 1917 um reconhecimen

to relutante de que a guerra tinha introduzido uma nova era,

uma era que exigia uma nova sensibilidade. C. R. Nevinson fa

zia parte de um pequeno grupo de artistas britânicos que haviase rebelado antes da guerra contra uma abordagem acadêmica

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tradicional da composição; ele se mudara para Paris com a

intenção de se associar aos cubistas e futuristas e dividir um

ateliê com Modigliani. “Carros pesados e potentes correndo pe

las ruas apinhadas de nossas cidades”, tinha escrito em 1913,

dançarinos refletidos na maravilhosa atmosfera de luz ecor, aeroplanos sobrevoando uma multidão excitada. . . Es

tas fontes de emoção satisfazem mais nosso senso do uni

verso lírico e dramático do que duas peras e uma maçã.3

Quando veio a guerra, Nevinson, atormentado por uma saúde

fraca que impediu o seu alistamento, mas “perseguido”, como

dizia, “pelo anseio de fazer alguma coisa, de participar’ da

guerra”, ingressou primeiro na Cruz Vermelha, para servir emDunquerque, e depois no Corpo Médico do Exército Real. A

febre reumática, entretanto, tornou-o incapaz para o serviço

militar em janeiro de 1916. Em junho de 1917, apesar de seu

 passado de artista radical, foi contratado como “artista oficial

do exército britânico”. Inicialmente sentiu-se compelido a re

frear seus instintos criativos naturais. Mas seus chefes no De

 partamento de Informação observaram que seu trabalho sofria

em conseqüência disso. Em outubro de 1917, depois de ver asúltimas pinturas de Nevinson, T. Derrick, funcionário da Wel-

lington House, onde era coordenado o esforço de propaganda

 britânico, comentou num memorando a Charles Masterman,

encarregado da seção de literatura e arte do departamento:

Direi a ele que tenho razões para acreditar que pode exer

citar seu ego selvagem e desregrado em trabalhos futuros

sem receio de escandalizar as áreas oficiais. Acredito queé isso. E que seu ego oficial, decoroso e contido é bem

menos apreciado — e não mais, como acho que ele ima

ginava.4

Masterman concordou e deu a Nevinson plena liberdade de

expressão. Mais tarde Nevinson teve problemas com o Quartel-

General e o Ministério da Guerra, particularmente devido à

sua pintura The Paths of Glory (Os caminhos da glória), quefoi considerada capaz de abalar o moral das tropas por retra-

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tar cadáveres no  front   e por ter um título tão amargamente irô

nico, e ao quadro  A Group of Soldiers (Um grupo de solda

dos),  que foi julgado “feio demais” e, segundo o Ministério

da Guerra, oferecia aos alemães uma possível -“prova da dege

neração britânica”, Mas seus outros quadros — embora a tô

nica fosse o horror, e não o heroísmo — foram recebidos comaprovação e até entusiasmo. Em janeiro de 1918 o Museu Na

cional da Guerra, precursor do Museu Imperial da Guerra, até

comprou The Paths of Glory  por 50 libras e  A Group of Sol

diers  por 100 libras, reconhecendo a importância deles como

documentos da guerra. Em março de 1918 Lorde Beaverbrook,

magnata da imprensa e recém-noméado Ministro da Informa

ção, inaugurou formalmente uma exposição das obras de Ne-

vinson na Galeria Leicester, em Leicester Square, apesar de Nevinson ter insistido em incluir, na sua introdução ao catá

logo, a seguinte passagem sarcástica:

 Não tenho ilusões a respeito do público, pois, graças prin

cipalmente à nossa Imprensa, às nossas abomináveis Esco

las Públicas, amantes da tradição, e às nossas Universida

des, que fedem a antiguidade, o inglês comum não ape

nas desconfia do novo em todas as experimentações intelectuais e artísticas como é mentalmente treinado a se

comportar de forma tão pouco esportiva que chega ao

 ponto de tentar matar todo e qualquer novo empenho em

embrião, especialmente se este der mostras de poder se

desenvolver com energia e força no futuro.5

Só quatro das pinturas não foram vendidas. Em 1919 o  Daily 

 Express,  jornal de Beaverbrook, referia-se aprovadoramente a Nevinson como “o famoso artista futurista”.6

Em geral, portanto, as autoridades mostraram uma clara

flexibilidade em questões artísticas. Esse fato não passou des

 percebido aos críticos. Um crítico congratulou aqueles que con

trolavam a arte oficial por 

demonstrarem o salutar ecletismo de escolher seus intér

 pretes da guerra não apenas nos recintos aprovados dasEscolas da Academia Real e em Burlington House, mas

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também no Slade e nos chamados centros de arte rebeldes

de Camden Town, onde a liberdade de idéias e de expres

são floresce livremente.7

A sensibilidade britânica como um todo tinha percorrido um

longo caminho desde a exposição pós-impressionista na Galeriade Grafton Street em 1911.

Uma desconfiança crescente entre intelectuais em relação

à linguagem e às implicações das “grandes frases retumban

tes” foi outra reação à guerra. Honra, Glória, Patriotismo,

Sacrifício começaram a perder suas letras maiúsculas. Devido

à sua experiência de guerra, E. E. Cummings, que serviu numa

unidade americana de ambulâncias junto aos franceses, desistiu das maiúsculas não apenas em sua poesia, mas em seu pró

 prio nome: tornou-se e. e. cummings. “Há palavras grandiosas

que hoje já não soam como em 1914”, exclamou Roland Dor-

gelès depois da guerra.8

A linguagem e o vocabulário tradicionais pareciam fla

grantemente inadequados para descrever a experiência da trin

cheira. Palavras como coragem, sem falar de glória  e heroísmo,

com suas conotações clássicas e românticas, simplesmente nãotinham lugar em nenhum relato dos motivos que levavam os

soldados a permanecer e cumprir seu papel nas trincheiras.

Até substantivos descritivos básicos, como ataque, contra-ataque, 

surtida, ferimento  e bombardeio  tinham perdido todo o poder

de captar a realidade. Em outubro de 1916 John Masefield

ilustrou o problema quando, numa visita ao Somme, enviou

aos familiares algumas de suas impressões do  front.  “Dizer que

o terreno foi 'arado’ com bombas é falar como uma criança.”E sobre a lama — “chamá-la de lama seria desorientador”.

 Não era igual a nenhuma outra lama que eu já tivesse

visto. Era uma espécie de rio estagnado, grosso demais

 para correr, mas úmido demais para ficar parado, e pos

suía um tipo de cintilação e brilho como o de um queijo

avermelhado, mas não tinha nada de sólido, e você não

deixava pegadas porque elas logo se fechavam, e a cada

 passo cobria as botas, chegando às vezes até a barriga

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da perna. Por baixo havia um chão sólido, e enquantovocê patinhava, o exército patinhava a seu lado, sujandovocê de lama da cabeça aos pés.9

Assim:

. . . As palavras se distendem,

 Estalam e muita vez se quebram, sob a carga,

Sob a tensão, tropeçam, escorregam, perecem,  Apodrecem com a imprecisão, não querem manter-se

[no lugar,

 Não querem quedar-se quietas.

Assim T. S. Eliot escreveria mais tarde.10 Como se as palavrastivessem se tornado parecidas com a lama do Somme.

É claro que o  front   interno permanecia atolado em eufe-mismos, e os soldados em geral também continuavam a dizerque "passaram um mau bocado”, "escaparam por um triz”, seenvolveram num "espetáculo” que era "divertidíssimo” e num"passatempo excelente”. Dick Stokes estava na colina de Vimy

quando esta posição foi capturada em abril de 1917: “É umagrande guerra. . . Foi um espetáculo grandioso e de muito su-cesso.” Em novembro estava no saliente de Ypres quando ficousabendo do ataque em Cambrai: "Gostaria que nos mandassem

 para lá, parece muito divertido.” Em outubro de 1918 sualinguagem não tinha mudado: "Estou de volta depois de umasemana alegre e emocionante metralhando boches. São e salvo,mas coberto de picadas de insetos.”11 Ê claro que Stokes, como

a maioria de seus companheiros, nunca se deu conta de quesuas histórias, que associavam “metralhando boches” e "pica-das de insetos”, eram totalmente absurdas.

De modo semelhante, depois de um ataque a gás perto deYpres em dezembro de 1915, J.W. Gamble descreveu umacena que pertence a uma peça de Pirandello ou Ionesco.

Tinha acabado de colocar ataduras em alguns feridosquando um deles me chamou a atenção para dois grandes

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ratos que cambaleavam por ali, apoiados nas patas trasei

ras, como se estivessem bêbados. Realmente uma das. cenas

mais engraçadas que se possa imaginar. Em geral, a gente

só vê os ratos quando eles passam correndo (durante o

dia), mas estes dois estavam bem à vista, e suas cabriolas

eram esquisitas demais. Estavam meio zonzos sob o efeito

do gás, é claro, mas o estranho é que esta foi uma das

coisas que ficaram mais vivas na çiinha memória, depois

que o espetáculo terminou.12

Gamble não parecia se dar conta da incongruência da cena

quando escreveu estas linhas. Mas pouco antes de ser morto,

em maio de 1916, escreveu um breve ensaio sobre o contrasteentre a paz e o poder da natureza, de um lado, e a tempestade

e a ineficácia da guerra, de outro. Homem inteligente, como

indica sua correspondência, sua sensibilidade tornou-se clara

mente mais aguda à medida que se aprofundavam a guerra e

a sua própria experiência. Também ele, antes de morrer, fizera

a viagem para dentro de si mesmo. Outros espíritos sensíveis

começaram a abandonar as vagas generalidades de expressão,

os eufemismos, alguns até os adjetivos, e a procurar imagensclaras e litotes de grande força. Portanto, a linguagem foi gra

dativamente privada de seu significado social e transformou-se

num instrumento altamente pessoal e poético. O exemplo ex

tremo da metamorfose foi novamente o “non-sense” fonético e

onomatopéico engendrado pelo dadaísmo. Neste processo, a iro

nia, que é uma expressão da sensibilidade em desacordo com

o seu ambiente, tomou-se para muitos o modo e o estado de

espírito retóricos.

 Numa guerra em que os homens se enterravam para viver,

em que os soldados iam pescar com bombas, em que as tropas

senegalesas a princípio comiam a graxa enviada para lubrificar

os caminhões, em que um pombo-correio morto foi condecora

do com a Legião de Honra, em que o comandante-chefe britâ

nico declarou, em 10 de junho de 1916, um dia antes da “gran

de investida” no Somme, que “o  arame farpado nunca tinha

sido tão bem cortado”, em que no dia 20 de março de 1918,

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véspera da última grande ofensiva alemã, um general francês

observou: "Chegam cada vez mais informações que confirmam

a opinião de que o boche não vai atacar”;13 nessa guerra e

nesse mundo o chacal de Kilimanjaro e o criado sarcástico de

Prufrock pareciam ser os únicos habitantes adequados. O hu

mor tornava-se amargo e negro, e Monty Python nunca teriaexistido no último quarto deste século se seus antepassados

não tivessem passado por essa "grande guerra”.

Perto de Béthune, no fim de novembro de 1914, o bri

gadeiro P. Mortimer registrou em seu diário:

 Nossa principal ansiedade parece ser retirar os cadáveres

alemães da frente de nossas trincheiras — já que estes

se tornam insuportáveis por causa do mau cheiro. Ofe-recem-se aos homens prêmios e promoção para que saiam

e queimem os alemães, e muitos feitos valorosos estão

sendo realizados. Um homem do 2/39°, depois de se des

fazer de três cadáveres num descampado, a üns 50 me

tros das trincheiras alemãs — foi morto na quarta tenta

tiva — abatido a sangue-frio.14

Mortimer escreveu esta nota, sem outros comentários, evidentemente com toda a seriedade. Quanto tempo ainda levaria para

que os homens sentissem as horríveis ironias de um mundo

em que se exigia bravura para lutar contra cadáveres, em que

os vivos morriam tentando destruir os já mortos? O 9? Bata

lhão Real da Infantaria Ligeira de Yorkshire, a que pertencia

Basil Liddell Hart, marchou com seus oitocentos homens para

a batalha do Somme, em julho de 1916, cantando "Pack Up

Your Troubles in Your Old Kit-Bag” (Guarde Seus Proble

mas na Velha Mochila). Alguns dias mais tarde, setenta ho

mens e quatro oficiais marcharam de volta. Novamente canta

vam "Pack Up Your Troubles”!15

Mas, a esta altura, as ironias tinham começado a impreg

nar tudo. A esta altura "Auld Lang Syne” (Os velhos tempos)

havia recebido versos que ficariam bem numa canção dadaísta.

“Estamos aqui porque estamos aqui porque estamos aqui, porqueestamos aqui”, cantava o soldado britânico. E com a melodia

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de "Take It to the Lord in Prayer” (Ofereça-o ao Senhor em

Oração) Tommy cantava:

Quando acabar esta guerra 

 Mando às favas a caserna.

 E mais uma vez à paisana  A vida volta a ser bacana.

 Domingos livres, sem paradas, 

sem igreja, nem passes, nada.

 Nosso bom sargento-ajudante

Que enfie os passes. . . ele sabe onde.

Conversa escutada nas trincheiras em março de 1916:

 — Diga, Bill, quando é que esta guerra vai acabar?

 — Ah, sei lá: quando não houver mais Bélgica para pôr

nos sacos de areia.16

 No dia 12 de fevereiro de 1916, numa velha gráfica bom

 bardeada, numa transversal da praça principal perto do Cloth

Hall, em Ypres, foi publicado o primeiro número de Wipers 

Times, famoso precursor de " New Church” Times, Kemmel Ti

mes, B.E.F. Times  e finalmente, em novembro de 1918,  Better  Times.  O humor era, com raras exceções, negro. Além de car

tas ao editor, imitando o Times  de Londres, sobre o primeiro

cuco da estação a ser avistado, havia anúncios.

Terreno para Construção à Venda.

Construa aquela Casa sobre a Colina 60 

 Luminosa —  Arejada 

& Revigorante.

Oferece excelente vista da histórica 

cidade de Ypres. Para pormenores de venda 

dirija-se a: BOSCH & Co. MENIN17 

 No Somme Times,  no final de julho de 1916, seria encontrado

um questionário:

Você é uma vítima do Otimismo?

 Não sabe?

283

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Então faça a si mesmo as seguintes perguntas.

1. Sofre de animação?

2. Acorda de manhã sentindo que tudo vai bem para os

Aliados?

3. Acha de vez em quando que a guerra vai acabar nos próximos doze meses?

4. Prefere acreditar nas boas notícias a acreditar nas

ruins?

5. Acha que os nossos líderes são competentes para con

duzir a guerra a um final vitorioso?

Se a sua resposta é “Sim” a qualquer uma destas per

guntas, então você está preso nas garras desta terrível

doença.Podemos curá-lo.

Dois dias em nosso estabelecimento erradicarão eficiente

mente do seu organismo todos os vestígios do mal.

 Não hesite — para saber das condições dirija-se

imediatamente a:

SRS. WALTHORPE, FOXLEY, NELMES E CIA.Telefone 72: “Pedra dãs Queixas”

Telegramas: “Resmungão”18

Como Louis Mairet percebia e lamentava, grande parte

da ironia expressa pelos soldados era “falsa”. “Uma doença

está destruindo a presente geração: a falsa ironia”, acusou ele

no começo de 1916. “O pior é que ela traz consigo uma insen

sibilidade, ou antes o seu simulacro, o que é ainda mais terrível.”19 A introdução a uma reimpressão de Wipers Times 

em 1918 também se viu compelida a assinalar que “a hilari

dade era na maioria das vezes mais histérica do que natural”.

O soldado David Ghilchik certamente estava de acordo. “En

graçado, querida”, disse à sua mulher numa carta escrita do

 front   italiano, onde servia como motorista de caminhão em

agosto de 1918, “mas eu pareço ter perdido a capacidade de

rir”.20 Porém, se grande parte do humor era forçado, o própriofato de agradar a muitos sugere que tocava realmente num

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 ponto sensível. A corrente subterrânea representada pela ironiadurante a guerra iria se tornar uma maré enchente no mundodo pós-guerra.

Entretanto, para alguns, incapazes de rir, a interioridadese fazia acompanhar de silêncio. Dadá podia gritar sobre o

nada, mas alguns homens descobriam que até o ímpeto degritar era abafado pelo terror ou pela totalidade da incom preensão. “A guerra... é um- professor silencioso, e aqueleque aprende se torna silencioso também”, escreveu Rudolf Bin-ding.21 "A realidade supera toda a literatura, toda a pintura,toda a imaginação”, insistiu outro sobrevivente.22 Um com

 batente que não sobreviveu, Marc Boasson, estava dominado pelo pessimismo: "Nada está sendo criado, tudo está sendo

 perdido.” Queixava-se de ser asfixiado espiritualmente pelaguerra, como se também existissé um gás venenoso para a alma.O humanismo, depois de três séculos de agonia,, experimentava as convulsões da morte.

A regressão intelectual e moral do mundo pode ser tão pouco evitada quanto uma absoluta mesquinhez de pensamento, que ficará envolta em perfeição técnica e habili

dades práticas estimuladoras da ilusão. A aflição que seseguirá à guerra trará consigo uma industrialização prodigiosa, uma multiplicação de melhoramentos úteis. Toda aatividade humana se voltará para fins práticos... A cultura desinteressada teve o seu dia. A humanidade estádando lugar ao material humano, expressão que a guerra

 já tornou familiar. A Renascença está falida. A fábricaalemã está absorvendo o mundo.23

A "fábrica alemã” é aqui equiparada à "perfeição técnica eàs habilidades práticas estimuladoras da ilusão”.

Se o passado se tornara ficção e se tudo era puro fluxo,talvez o cinema, conforme sentiam algumas testemunhas, fosseo único veículo apropriado para captar o movimento em direção ao abismo. É extraordinária a freqüência com que o cinema é referido nas cartas, diários e lembranças dos soldados.

A novidade desse meio de expressão e a excitação provocada por seu desenvolvimento explicam em parte as freqüentes re-

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fcrências, mas os participantes parecem ter realmente experi

mentado um sentimento genuíno de que os acontecimentos da

guerra de alguma forma pertenciam mais à tela do que à vida.

Um vmembro do 360? Regimento de Infantaria Francesa pre

senciou um ataque de um batalhão vizinho, perto de Arras,

em maio de 1915. Os homens saíram de suas trincheiras, cor

reram para o arame farpado e foram abatidos pelo fogo das

metralhadoras. O observador e seus homens, de pé em suas

trincheiras, espichavam os pescoços para acompanhar a ação

 — “podia-se muito bem estar no cinema”.24 Um soldado bri

tânico que esteve em Gommecourt em 1916 escreveu mais

tarde: “Os outros homens pareciam figuras numa tela cinema-,

tográfica — um velho filme que tremia violentamente — todomundo com uma pressa desesperada. . . ,,2S

ARTE E MORALIDADE

A guerra atacou os padrões morais tão rudemente quanto

as formas estéticas. O fato de que a matança em massa por

qualquer método imaginável se tivesse convertido em rotina,

em dever, em propósito moral, foi apenas o mais cruel dos

ataques a uma ordem moral que se dizia enraizada numa ética

 judaico-cristã. Embora Kitchener tivesse despachado a BEF

com a recomendação de evitar as mulheres e os vinhos da

França, não demorou muito para que os comandantes dos exér

citos de todos os lados começassem a fazer arranjos para aten

der às necessidades sexuais básicas das massas de homens —

c claro, para manter o moral! No mundo do século XIX a

moral e o moral eram considerados indistinguíveis; a Grande

Guerra fez grande estrago nessa parceria e ameaçou torná-los

mutuamente exclusivos. Para um grande número de pessoas,

 provavelmente a maioria, eles continuaram relacionados, comovimos antes, mas uma crescente parcela de homens passou a as

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sociar o moral das tropas ao repúdio da moral ou pelo menos

a um afrouxamento do código moral.

Ao enfrentarem perigo mortal e morte iminente, exércitos

e soldados, em todas as épocas históricas, se consideram cida

dãos privilegiados em relação à moralidade, entre outras coi

sas. A própria democratização da guerra entre 1914 e 1918

significou que milhões de homens assumiram esses privilégios.

Para um inocente organista e mestre de coro de Edimburgo

como Peter McGregor, até o campo de treinamento, perto de

Plymouth, foi um mundo novo e excitante. Num domingo de

setembro de 1915, ele foi a Plymouth. “Eu me diverti bas

tante”, contou numa carta à sua mulher, que provavelmente

teve um ataque quando leu o que se seguia.

Descobrimos uma casa de chá onde comi peixe frito. Mas

isto não é tudo. Estava comprando um maço de cigarros

na tabacaria e perguntei ao dono se não sabia de algum

lugar onde pudéssemos tomar chá, e ele nos falou desse

estabelecimento. Bem, era um lugar francês sem dúvida,

com damas bem vestidas e pintadas, que fumavam cigar

ros e riam para os homens. Havia homens de Argyllshiree marinheiros. Oh céus, podia-se conseguir o que se qui

sesse, a comida era boa e bem servida. O garçom era fran

cês. Era uma casa de má reputação, afinal. Nunca estive

num lugar desses antes. Eu me sentia bem. Não fique

alarmada com seu velho marido — ele está são e salvo.

Comi tanto que meu cinto não queria fechar. Peixe frito

com lascas de batatas fritas é muito bom, e chá em xí

cara sobre uma mesa com toalha branca e colheres, etc.Mas a companhia! Céus! As damas simplesmente me des

concertaram, só vendo como se comportavam. Estávamos

esperando junto à porta do banheiro, e achávamos que

quem ia sair de lá era um homem, mas saíram duas damas,

 bem, isso é tudo. Saí correndo de lá.1

Em dois meses o choque de McGregor já havia passado, mas

a novidade de sua vida recente continuou. No fim de novem bro ele estava em Guilford: “Tomamos chá numa pequena sala

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mulheres, à medida que ingressavam na força de trabalho de

vido à ausência de homens, acarretou o relaxamento das res

trições morais da autoridade doméstica e paterna. Era agora

maior o número de mulheres que tinham aposentos próprios

onde recebiam amigos do sexo masculino. Se o ataque a um

código moral fixo já fora desfechado antes de 1914, a guerrafuncionou como um aríete. A moralidade é o sexo deixaram

de ser uma questão de preceito social para se tornarem cada

vez mais um problema de consciência individual.

Frederic Manning notou que o ânimo dos soldados pare

cia oscilar " entre os extremos de um sentimentalismo pega-

 jogo e uma obscenidade indecente”.6 Talvez sempre tenha sido

assim com soldados. Uma das primeiras coisas que impressio

naram Percy Jones quando ele se alistou em 1914 foram os pa

lavrões dos colegas: "Dizer palavrão parece ser natural aos

soldados, como cabelos compridos aos artistas e roupas de xa

drez aos golfistás.”7 Mas os soldados da Grande Guerra pare

cem ter sentido uma necessidade especial de bater na tecla

da escatologia. A imagética da defecação tornou-se um motivo

 predominante. Não é certamente de surpreender. Milhares de

homens morreram, e, ao morrerem, não foram "para oeste”,

como quer o eufemismo britânico; em vez disso, "bateram as

 botas”, sujas de excremento. Quando chegava o "grande alí

vio”, este vinha em primeiro lugar dos intestinos. "A guerra

é muito bonita nos livros, mas na realidade fede a merda e

a carne apodrecida”, queixava-se Charles Delvert.8

O  front   interno britânico relacionava a analidade com a

Alemanha. Uma compilação feita em 1917 de alegados crimes

de guerra acusava os alemães de comportamento brutal e "as

queroso”. "Em casas assaltadas por alemães, eles deixam, como

cartões de visita, excremento nas camas, sobre as mesas e em

guarda-louças.”9 Mas os soldados no  front   tinham um modo

diferente de ver as coisas. Vivendo em meio à morte e à de

composição causada por máquinas desumanas, os homens des

cobriam uma inocência simbólica na sujeira humana. A arti

lharia atrás das linhas talvez tivesse mandado registrar todas

as latrinas do inimigo,10 como Humphrey Cobb afirmou em seuromance baseado na guerra — a cultura burguesa não permite

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dade de seu peido. Neste nível a guerra mais uma vez trans

formava a revolta de pequenas rodas artísticas num fenômeno

de massa.

VANGUARDA

Todos os soldados ansiavam por licença. Muitos, é claro,

gozavam-na inteiramente. Voltar para casa como um veterano

amadurecido assegurava uma súbita e bem-vinda respeitabili

dade. Roland Mountfort tinha trabalhado para a Prudential Life

Insurance Company de Londres antes da guerra, e, ao revisitaro escritório em julho de 1916, foi, segundo suas palavras,

levado de um lado para outro, até para a sala dos Sub

gerentes, pessoas muito importantes diante de quem nos

velhos tempos eu teria me mantido de pé e trêmulo, mas

com quem agora, em minha nova condição, tive uma con

versa bastante informal.1

Os soldados franceses se amotinaram em 1917 em parte por

que falharam os entendimentos em tornò de critérios justos para

a concessão de  permissions, ou licenças.

Entretanto, alguns soldados, ao voltarem para casa, acha

vam exasperadora e deprimente a vida que tinham conhecido

antes. Quando foi mandado para casa por motivos de saúde

em agosto de 1916, Robert Graves achou “quase impossível”conversar até com seus pais. Perguntado em dezembro se gos

taria de servir mais alguns meses em casa, respondeu que não.2

Esta experiência não era incomum. Louis Mairet, de licença

em casa em março de 1916, ficou chocado ao descobrir pes

soas que continuavam a viver suas vidas como se nada de

extraordinário estivesse acontecendo. Ficou especialmente abor

recido com aqueles que, ao serem informados de algumas das

condições precárias do  front   e da tenacidade do inimigo, bocejavam e reclamavam do preço da carne de vitela.3 Um sol

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dado inglês, a quem um amigo perguntou se havia contado à

mulher sobre o  front   durante a sua licença, replicou:

Ela não me deu uma chance, ocupada como estava em me

falar do gato da Sra. Bally que matou o passarinho da

Sra. Smith, do novo vestido da irmã da Sra. Cramp, e docachorro de Jimmy Murphy que tinha destruído a boneca

de Annie Allen.4

Havia entre os soldados um sentimento comum de que

a experiência no  front   criara uma barreira intransponível entre

eles e os civis. A comunicação com a família não era mais

 possível. As pessoas simplesmente não entendiam o que se

 passara com os soldados, e os próprios soldados não conse-

guiam expressar sua experiência apropriadamente. A Ernst

Jíinger desagradavam as “frases desenxabidas sobre heróis e

morte heróica” que escutava em casa. Os soldados não preci-

savam desta espécie de agradecimentos, ele protestava. Dese-

 javam um pouco de “simpatia”.5 Mas seria possível uma sim-

 patia genuína, baseada em compreensão?

Para aqueles que fingiam compreender, mas de fato nãocompreendiam, os soldados reservavam seu ódio mais veneno-

so. Os jornalistas que escreviam sobre a guerra, ao invés de

combater, formavam uma categoria à parte. Marc Boasson con-

siderava os jornalistas “idiotas”.6 Com suas tolas e mentirosas

reportagens de batalhas, com sua difamação do inimigo, desva-

lorizavam o esforço francês, conseguindo o contrário do que

 pretendiam. “Os jornais me dão ataques epilépticos”, escreveu

outro soldado francês. “Se algum dia erigirem uma estátua à

Imprensa, faço questão de que dêem a esta deusa pés de pato,

estômago de avestruz, cérebro de ganso e focinho de porco.”7

 Na hierarquia do desprezo vinham em seguida os estrate-

gistas de gabinete. Esses também nauseavam o soldado. “Você

sente um ódio inextinguível pelo burguês pançudo, afável e

 bem cuidado, que à luz da lâmpada discute operações milita-

res num tom peremptório de voz, rodeado pela família cheiade admiração”, escreveu Charles Delvert. Esse burguês gordo

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e desprezível, M. Prudhomme, não tinha absolutamente noção

alguma —  pas même le soupçon  — do que estava acontecendo

nas trincheiras.8

Entretanto, é preciso não exagerar. Mesmo Delvert, que

em sua amargura não poupava jornalistas e estrategistas ama

dores redondos como peras, admitia que o material de leitura,

vindo de casa, era essencial para a sanidade mental na linha

de frente. A luxuosa Vie Parisienne, cheia de  pin-ups  desenha

das — as fotografadas pertenciam à Segunda Guerra Mundial

 —, era a revista mais popular nas trincheiras francesas, “com

as mulherzinhas de espartilho e calção Gerda Wegener”. Du

rante os bombardeios, a lourinha “de olhos grandes e voluptuosa

 palidez enlanguesce em sua cadeira à minha direita e me lem bra que para além das linhas a vida continua”. Mas enquanto

 pensa e escreve, o sarcasmo de repente volta a aparecer, e

Delvet conclui: “Estamos realmente na época do Diretório”,

referência ao interregno depois da Revolução e antes de Napo-

Ieão, quando — como acusava a interpretação radical da his

tória da França — o melhor da França estava na frente lutan

do contra o inimigo e o pior estava em casa governando, se

èstá é a palavra, o país.9

As cartas de casa eram freqüentemente dolorosas por causa

de sua ingenuidade. As ironias saltavam aos olhos dos soldados:

“Procure não ser ferido!” ou “Nós também estamos passando

dificuldades!” “Meu Deus! com o quê?”, foi a resposta de

Delvert.10 Ao ler esses comentários vindos de casa, a sensação

do soldado era quase sempre de completo isolamento. As tro

 pas bem que poderiam estar na lua. Viviam e lutavam numlugar além da compreensão, além da imaginação e até além

do sentimento. “O Exército luta sozinho”, foi a conclusão de

Garfield Powell durante a ofensiva do Somme. Powell espe

rava que, dado o número de soldados britânicos envolvidos

na luta no Somme e dado o esforço extra exigido do  front  

interno para equipar os exércitos, alguma mudança pudesse

vir a ocorrer, mas admitiu que a esperança era pequena: “En

quanto os ingleses forem a raça fria, calculista e egoísta quesempre foram, e enquanto o idealismo for inexistente e desen

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corajado, estaremos sempre à beira do desastre nacional.”11 As

 palavras poderiam ter sido escritas por um- propagandista

alemão.

Alguns soldados, dominados pela sensação de isolamento,

sentiam mais ódio e desprezo pelos civis de seu país do que

 pelo inimigo. Esses sentimentos vieram à tona com freqüênciadurante os motins franceses. Ali havia o material para uma

revolução, e as autoridades políticas e militares francesas es

tremeceram, em maio e junho de 1917, ao pensar que a França

 poderia estar à beira do colapso total e de uma convulsão so

cial. Até Siegfried Sassoon brincou com a idéia de virar os

canhões para o lado oposto.12

Oprimidos pela sensação de estarem sós — sentimento

que a expressão “geração perdida” captaria depois da guerra —,alguns soldados chegaram a considerar sagrada a sua solitária

fraternidade. Apartados do  front   interno, apartados até do mi

litarismo do pré-guerra, para o qual não tinham senão des

 prezo — “dólmãs de cetim, bigodes de gatos beíicosos, almas

de burocratas mesquinhos”,13 sua admiração pelo exército do

tempo da guerra não conhecia limites. Pierre Drieu la Rochelle,

Herbert Read, Siegfried Sassoon, Ernst Jünger e Robert Graves

 partilhavam todos a mesma opinião, mas eram apenas os re presentantes eloqüentes de um grupo que incluía virtualmente

todos os voluntários, assim que se tornavam veteranos expe

rimentados.

O tom da elocução variava — podia-se encontrar nostal

gia misturada com desafio —, mas todos concordavam que a

experiência de guerra, a experiência da “guerra real” nas trin

cheiras, separava os homens do resto , da sociedade. Como dizia

a expressão alemã, tratava-se de um Schicksalsgemeinschaft, uma comunidade de destino. Todos estavam de acordo quanto

ao fato de que, para eles, uma época chegara ao fim, um

mundo tinha terminado. O momento, a intensidade do mo

mento, era a única certeza; e em graus variados, apesar do

horror e -da mutilação disseminados, apesar de pontadas de

tristeza e pesar, a experiência se mostrava estimulante. A maio

ria dos soldados que participaram dos combates não lamen

tava a experiência, a despeito de sua amargura sobre a condução oficial da guerra.

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 Não há como exagerar o horror da guerra para aqueles

que realmente tomaram parte nela. Sei que minhas expe

riências se deram com um grupo de homens excepcional

mente unido e bem-sucedido, e que para muitos a guerra

foi um verdadeiro inferno. Mas, para muitos de nós, não

era pouco o que havia em contrapartida. Não se tratavade alegria pela luta em si, nem de fascinação por uma

aventura espalhafatosa. Havia coisas mais elevadas. Pode-

se dizer que estávamos espiritualmente drogados e pateti

camente iludidos. Mas nunca antes, nem desde então, ex

 perimentamos tais sentimentos. Naqueles dias de compa

nheirismo e dedicação havia uma exaltação que dificil

mente teria acontecido em outras circunstâncias. Assim,

 para aqueles que cavalgaram com Dom Quixote de umlado e Rupert Brooke do outro, a Linha é terreno sa

grado, pois ali vislumbramos a visão magnífica.22

O laço espiritual forjado entre os soldados no isolamento

das trincheiras não era, entretanto, muito resistente fora da

zona da batalha, quando os homens se viam forçados a en

frentar as complexidades do mundo "real”. A intensidade de

sentimento e companheirismo pertencia a um tempo e lugarsingulares. Isso explica por que alguns soldados ficavam an

siosos para voltar às trincheiras, quando de licença ou até nos

alojamentos de descanso. Herbert Read, de licença na Ingla

terra, perdeu um ataque em que seu regimento esteve envol

vido: “Sinto-me um pouco envergonhado de ter escapado de

tudo isso. Há sempre um remorso de não ter compartilhado

os perigos com os amigos. Talvez seja ciúme de suas expe

riências.”23Se os soldados nas fileiras, incapazes de formar uma ima

gem coerente da guerra como um todo, se mostravam perple

xos com a situação geral, os estados-maiores, incapazes de pro

 jetar qualquer abordagem estratégica e tática bem-sucedida,

estavam igualmente desconcertados.' Alguns, como Haig e

Fayolle, voltavam-se para a religião em busca de arrimo. “Es

tou convencido de que Deus salvará a França mais uma vez”,

confidenciou Fayolle a seu diário em fevereiro de 1918, “masEle terá de se envolver na luta diretamente”.24 A guerra pa

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recia ter escapado ao controle de mãos humanas há muitotempo. Para alguns comandantes, os repetidos desastres nunca

 poderiam ser explicados em termos de inadequação de equi pamento ou de homens: os fracassos eram projetados nos outros, especialmente nos agentes secretos e obscuras forças cor

relatas. Teorias de conspiração floresciam. Quando os motinsinfectaram seus exércitos em 1917, muitos generais francesesconvenceram-se de que, em última análise, os problemas não provinham de sua própria má administração da guerra, masde sinistras forças ocultas — agents provocateurs  e organizações clandestinas financiadas pela Alemanha. Qualquer peculiaridade tornava-se suspeita. Um soldado- foi investigadocomo possível agente da revolução porque suas cartas indi

cavam que tinha noções de inglês e alemão.25 Se Pétain nãotivesse sido admiravelmente sensato ao tentar retificar as in justiças administrativas que atormentavam a existência do poilu; se os exércitos franceses tivessem entrado em colapso;se os franceses não estivessem no lado “vitorioso” da guerra,é mais do que provável que tivessem tido uma versão da caçaàs bruxas, no caso, sabotadores, que ocorreu na Alemanha nasdécadas de 1920 e 1930.

 Na Grã-Bretanha havia análoga corrente oculta de paranóia. No quarto aniversário da deflagração da guerra RichardStokes ainda escrevia: “Como eu gostaria que internassem todos estes porcos estrangeiros.”26

A guerra impôs aos soldados uma “viagem interior”, masos civis empreenderam uma viagem paralela no país natal. Acensura e a propaganda desempenharam o papel principal neste processo, dissimulando, como era seu propósito, a realidade da

guerra. O  front   interno nunca soube com precisão como a guerra se desenrolava. As derrotas eram apresentadas como vitórias, o impasse como manobra tática. Â verdade tornava-sementira, e a mentira, verdade. Como o eufemismo se tornoua ordem do dia oficial, à linguagem foi virada de cabeça para

 baixo e de dentro para fora. Inventavam-se histórias de atrocidades, e calava-se sobre atrocidades reais. A intenção doslíderes civis e militares era, é claro, manter o moral, divulgar,

interna e externamente, a imagem de sociedades que com entusiasmo se dedicavam à “causa”. Os jornais estavam proibidos

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de publicar fotografias de soldados mortos, ou, mais freqüen-temente, de imprimir histórias sobre desastres de trens e acidentes industriais. Entretanto, qualquer coisa que elevasse omoral era encorajada. No começo da guerra circulavam histórias na imprensa francesa sobre armas alemãs que negavam

fogo, metralha que caía como chuva inofensiva, balas que nãoeram perigosas porque atravessavam a carne sem dilacerá-la.Ao verem o arsenal alemão, “nossos soldados de infantariadesataram a rir”, insistia U Intransigeant.27  A mesma publicação tinha apresentado a seguinte manchete em 4 de agostode 1914: AS GUERRAS DE HOJE SÃO MENOS ASSASSI NAS DO QUE AS DO PASSADO. Com a continuação daguerra, este bourrage de crâne, como os soldados franceses

rotulavam a propaganda, não cessou. “Nossos soldados nãofazem caso do gás venenoso”, escrevia  L’Êcho de Paris  em16 de dezembro de 1916. “Entre as muitas vítimas do gás”,informava o Petit Journal  em 24 de agosto de 1917, “é difícilencontrar uma única morte”.

Os soldados eram dissuadidos de manter diários, e nãose permitiam máquinas fotográficas pessoais nas linhas defrente, pelo receio de que provas dos planos e preparativos

militares pudessem cair nas mãos dos inimigos. Tal raciocínioera normal. Mas à medida que a guerra continuava, uma razãoigualmente importante para tais proibições veio a ser o medode que as más notícias, de forma documentada, pudessem chegar até o país natal e perturbar o ânimo de todos. Os censores investigavam cuidadosamente todas as cartas enviadasdo  front.  Parte da correspondência que chegava ao  front   tam bém era examinada. “Somos atormentados por uma censurade terrível escrupulosidade”, reclamava John Harvey, sem estar seguro de que esses comentários chegariam ao seu destino;

e acredito que outras cartas minhas sofreram severamentenas mãos do censor. . . Se você visse toda a lista decoisas proibidas que não podemos dizer, compreenderíaque requer algum esforço planejar uma carta que nãoserá riscada e retida.28

O poder do ceíisor de intervir no discurso e na emoção, tantoem casa quanto no  front,  fica evidenciado num exemplo in

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cisivo e, para os seres humanos envolvidos, de grande influência. “Um de nossos oficiais”, escreveu John Walker, "notou,ao censurar a correspondência, que o mesmo homem escrevera duas cartas a duas garotas — cartas de amor que tinhamo objetivo de solicitar pacotes. Ele colocou a carta de Ethel no

envelope de Meg e vice-versa”.29 Ê curioso que essa pequenahistória tenha chegado a público.

O efeito desse tipo de interferência dos oficiais — emgrande escala ou afetando apenas uma Ethel ou uma Meg —era desencadear fantasias, medos, neuroses. Ao verem negadoo seu direito ao conhecimento dos fatos, as pessoas’voltavam-se para dentro de si. Criavam-se mitos, alguns de assombrosamagnitude: os anjos que protegeram a retirada britânica em

Mons; as legiões de russos que, destinados à Frente Ocidental,viajaram "com neve cobrindo suas botas” desde Archangelaté a Escócia e depois, em centenas de velozes vagões fechados, aos portos do Canal da Mancha; os canadenses literalmente crucificados pelos alemães. Além disso, em meio ao silêncio forçado, achava-se que traidores, espiões e inimigos seescondiam embaixo de cada cama.

As fronteiras entre a verdade e a mentira tornaram-se tão

indefiníveis que se tomavam os desmentidos oficiais de boatos por tentativas de desorientar o inimigo. Henry James, por exem plo, acreditou piamente na história das tropas russas destinadasà Frente Ocidental. No começo de setembro de 1914 enviou aEdith Wharton nos Estados Unidos uma fotografia, recortadado  Daily Mail  de 1° de setembro, na qual se viam soldados que

 pareciam russos desembarcando em Ostend: "se eles não saíramdiretamente de uma página histórica ou até fictícia de Tolstoi,

comerei o maior par de botas de mujique da coleção!” ParaJames, a foto era "uma prova preciosa”. Alguns dias maistarde, entretanto, o Ministério da Guerra negou as informações. James, porém, mostrou-se cético:

Persiste um extraordinário resíduo factual que deve serlevado em conta: é indiscutível, dada a incrível convergência de testemunhos, que muitos trens repletos de sol

dados vistos à luz do dia por inumeráveis observadorese indivíduos espantados que não os reconheceram como

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ingleses atravessaram do norte para o leste durante o fim

da semana passada e o início desta. Parece difícil que

tenha ocorrido esta quantidade tão heterogeneamente dis

 persa de alucinação, falsa interpretação, invenção fantás

tica ou o que quer que seja — mas me dou por vencido!30

Outros, entretanto, não se "davam por vencidos” tão facil

mente e continuavam a acreditar no transporte de soldados

russos, mesmo depois que um segundo desmentido foi emi

tido na metade de setembro. Qual era a origem da história?

Uma teoria dizia que tudo começara quando um comerciante

de provisões recebeu um telegrama da Rússia afirmando: "Du

zentos mil russos estão sendo despachados via Archangel.” A

mensagem não se referia a soldados mas a ovos. Qualquer

que tenha sido a origem, o fato é que as pessoas precisavam

desesperadamente de ajuda e estavam prontas a aceitar as

histórias mais loucas.

Vivendo sob tensão, as pessoas inventavam o auxílio, mas

também imaginavam o perigo. Em todos os países beligerantes

circularam, durante a guerra, histórias bizarras de agentes que

destruíam trens dominando os sinaleiros, sentinelas ou guardas; espiões que faziam sinais com luzes para os navios e os

submarinos; traidores que usavam pombos-correio para enviar

mensagens ao inimigo. Havia moinhos de vento que giravam

quando o inimigo se aproximava, ou ficavam parados quando

as condições para atacar eram consideradas favoráveis. Até

o mau tempo se devia a feitiçarias do inimigo. E quando, em

 junho de 1915, chegou a Londres a notícia de que Kitchener

tinha morrido afogado depois que*seu navio afundara no Mar

do Norte, espalhou-se rapidamente um boato de que a in

formação não passava de invenção para confundir os alemães.

Kitchener estava supostamente vivo, em boas condições de

saúde e viajando para a Rússia por uma rota diferente.

Se os britânicos foram encorajados a acreditar que os

alemães esmagavam os crânios de bebês belgas e franceses

com suas botas de montaria, que o kaiser participava pessoalmente da tortura de crianças de três anos em rituais satâni-

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cos, e que os cadáveres eram reciclados na Alemanha para

 produzir gordura, óleo e forragem de porco, os alemães ou

viam dizer que soldados Gurkha e Sikh se arrastavam pela

terra de ninguém à noite, introduziam-se nas trincheiras adver

sárias, cortavam as gargantas, dos alemães e depois bebiam o

sangue das vítimas, e que os senegaleses que lutavam ao lado

dos franceses eram canibais.

A imprensa liderava o esforço de propaganda, mas clé

rigos, educadores, artistas, músicos e autores o reforçavam.

Todos os beligerantes se envolveram na criação de mitos e

na distorção da realidade. A realidade, o senso de proporção

e a razão — eis as principais baixas da guerra. O mundo

tornou-se uma invenção da imaginação, ao invés de ser a imaginação uma invenção do mundo. O fundamento alemão para

a guerra teve desde o início uma orientação metafísica; o argu

mento dos Aliados foi inicialmente mais prático: defesa contra

o ataque alemão. Mas com a continuação da guerra, quando as

 provocações imediatas — o ataque austríaco à Sérvia e a in

vasão alemã da Bélgica — se tornaram insignificantes, quando

até os valores civilizados perderam o seu brilho em face da

matança interminável, era às vezes impossível distinguir a retórica aliada daquela utilizada pelos alemães.

“Matem os alemães! Matem-nos!” berrava o Reverendíssimo

A. F. Winnington-Ingram, bispo de Londres:

. . . não por matar, mas para salvar o mundo. . . matem

os bons e não só os maus. . . matem os jovens e os ve

lhos. . . matem aqueles que foram bondosos com os nossos

feridos e também aqueles demônios que crucificaram o

sargento canadense. . . Como já disse mil vezes, considero

esta uma guerra pela pureza, considero mártires todos os

que nela morrerem. . . 31

Clérigos vestiam Jesus de cáqui e faziam-no atirar com metra

lhadoras. A guerra tornou-se uma guerra não de justiça mas

de virtude. Matar os alemães era livrar o mundo do Anticristo,

a grande besta saída do abismo, e anunciar a Nova Jerusalém.

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 Na Igreja Batista de Madison Avenue, em Nova York, o Reverendo Charles Aubrey Eaton atacou Woodrow Wilson por nãovingar o  Lusitania.  Era preciso vigiá-lo, "mesmo que issocustasse a vida de dez milhões de homens, mesmo que nossascidades fossem destruídas e tivéssemos de retroceder uma cen

tena de anos”.32 Desde as guerras de religião do século XVII,e talvez desde as cruzadas, os membros do clero não tinhamencorajado com tanto entusiasmo o ato de matar para a maiorglória de Deus.

A propaganda, de natureza tanto positiva quanto negativa,evocava extremos de emoção: ódio apaixonado e visões irrealistas do futuro. Nesse processo, as esperanças se tornavamapocalípticas e o passado era posto de lado, por muitos deforma cruel. E para muitos no campo dos Aliados, assim como

 para os alemães, o conflito tornou-se uma guerra que buscavaalcançar a utopia, não uma guerra para preservar realizações.Muitos sentiam que o equilíbrio havia se deslocado. Glorificava-se agora o futuro em lugar do passado; mas o futuro eraum produto da imaginação, mais uma questão de desejo deses

 perado do que de planejamento construtivo. Quando a guerra

finalmente terminou, Isadora Duncan, em Paris, teve a sensação de que "no momento somos todos poetas”.33

Embora as diferenças entre as motivações anglo-francesase as alemãs, que enfatizamos antes, permanecessem distintas para os soldados e os civis durante toda a guerra, a sensi bilidade de britânicos e franceses tinha se aproximado da alemã. Nesse sentido, no mesnfo dia em que os alemães pela primeiravez usaram gás em Ypres, 22 de abril de 1915, Louis Mairet, sem

saber das novas ocorrências, exigia uma ética do olho por olho,dente por dente: "É com selvageria que derrotaremos os selvagens.”34 Depois da guerra, o general Sir Ian Hamilton, quetinha comandado o malfadado empreendimento dos Dardanelos,admitiu: "A guerra nos forçou a plagiar o inimigo.”35 Referia-se principalmente à organização e à disciplina militar, mas suaafirmação era igualmente válida em nível social e cultural maisamplo. Durante a guerra as nações ocidentais caminharam em

direção a um controle social mais forte, mas também rumoa uma nova liberalidade espiritual. Nesse paradoxo, enquanto

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TERCEIRO ATO

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DANÇARINO NOTURNO

 VIII

Tinhas dançado toda aquela noite,

E partiste, na aurora inquieta,Como Alan Seeger, menos criança que ele,

Mas também poeta!

Ma u r i c e   Ro s t a n d  

 Maio de 1927 

Não cabe falar de arte quando entra em cena a idéia 

de bater recorde.

An d r é   Gid e  

1910

O cadáver que plantaste ano passado em teu jardim 

Já começou a brotar? Dará flores este ano?

Ou foi a imprevista geada que o perturbou em seu leito?*

T. S. El io t  

The Waste Land, 1922

Sem pudor e sem desonra 

Durmo com o bando todo,

Não com um sujeito só.

Moderno é não ter limites.

Canção cantada por ILSE BOIS, 

 artista de cabaré

O NOVO CRISTO

Sábado, 21 de maio de 1927. Paris.

Os matutinos predizem que ele talvez chegue, se é que

vai chegar, pouco depois das nove da noite.  Le Temps  acredita

* Tradução de Ivan Junqueira, em T. S. Eliot,  Poesia,  trad., introd.. e 

notas de I. J, 2^»ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, p. 91.

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que chegará mais cedo.  Le Matin  diz que não antes de uma

ou duas da madrugada de domingo. Os cafés de Montmartre

e Montparnasse fervilham de conversas excitadas. durante todo o

dia. Mas domina o pessimismo. Ao entardecer, as estradas para

Le Bourget, que fica a quinze quilômetros do centro de Paris

na direção norte, estão entupidas. O primeiro engarrafamentomoderno está em formação. Por volta das nove da noite o trá

fego está totalmente interrompido e até os ônibus especiais,

que naquela noite partem da Place de 1’Opéra apinhados de

 passageiros a cada dois ou três minutos, não podem prosse

guir. Só aqueles que vão de bicicleta ou a pé conseguem avan

çar passando pelos veículos parados, muitos dos quais a esta

altura foram abandonados nas laterais das várias estradas de

acesso, enquanto seus ex-passageiros correm em bandos na direção das luzes de Le Bourget.

O correspondente em Paris de um jornal alemão, o  Deut- 

scher Tageszeitung,  acha o tráfego em Porte de la Villette tão

ruim por volta das oito da noite que tem de fazer a pé todo

o resto do percurso, aproximadamente oito ou nove quilôme

tros.'Isadora Duncan, a caminho de um,jantar em Chantilly,

dezoito quilômetros mais ao norte, fica presa no trânsito, de

siste de seus planos para aquela noite e se junta à multidãocuriosa, cujo tamanho nenhum estádio em Paris e nem mesmo

o Wembley de Londres, construído alguns anos antes para

acomodar 100 mil espectadores, podia comportar. Muitos dos

 jornalistas enviados para fazer a cobertura do espetáculo não

chegam a seu destino e acabam por entregar reportagens de

segunda mão, cheias de imprecisões e de boatos. Mesmo os

repórteres que conseguem chegar ao local têm dificuldade de

se moverem no meio da multidão, de serem admitidos no pró prio campo com seus passes de imprensa, e de observarem

os acontecimentos principais. Algumas estimativas da multidão

que comparece a Le Bourget atingirão a cifra de um milhão;

a maioria se manterá entre 150 mil e 200 mil pessoas.

Montmartre, o ponto mais alto de Paris, do qual as pes

soas esperam ver pelo menos as luzes de Le Bourget, parece

um formigueiro em comoção por volta das nove e meia. Na

Place du Tertre, perto do Sacré Coeur, o acotovelamento humano é de tal ordem que o movimento se torna quase im

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 possível. Na Place de POpéra, uma multidão, estimada por

um jornalista em dez mil pessoas, remoinha expectante. Nos

grandes bulevares, por toda a cidade, o tráfego, triturado, tem

que parar. Certos cafés começam a colar telegramas nas pa

redes depois das nove e meia. Em alguns teatros as represen

tações são interrompidas com boletins de notícias.

Em Le Bourget a multidão densamente compacta faz pres

são contra as cercas que circundam o campo. Luzes, verme

lhas e verdes, lampejam, e holofotes de acetileno sibilam en

quanto esquadrinham o céu. Um sudoeste frio sopra o tempo

todo. De vez em quando grupos na multidão começam a cantar.

Harry Crosby, veterano de Verdun e agora um expatriado ame

ricano que vive em Paris, chegou cedo, por volta das oito danoite, com sua mulher, Caresse, e um grupo de amigos. O

evento, mais do que qualquer outra coisa desde a guerra, deixa

Crosby emocionado. São dez e vinte da noite.

E de repente o som inconfundível de um aeroplano (si

lêncio absoluto) e então à nossa esquerda um clarão branco

contra o céu negro (escuridão) e outro clarão (como um

tubarão em disparada na água). Depois nada mais. Nenhum som. Expectativa. E novamente um som, desta vez

em algum lugar perto à direita.. . Então, veloz e rá

 pido no brilho dourado dos holofotes, um pequeno aero

 plano branco mergulha como um gavião e corre pelo cam

 po — C'est lui, Lindbergh, LINDBERGH! e há pande

mônio animais selvagens soltos em disparada e um es

touro de boiada em direção ao aeroplano e C e eu agar

rados um ao outro correndo pessoas à frente correndo pessoas por toda parte ao nosso redor correndo e a mul

tidão atrás resfolegando como búfalos empurrões e encon

trões e onde está ele onde está ele Lindbergh onde está

ele e a extraordinária impressão que eu tive das mãos

milhares de mãos se agitando como larvas sobre as asas

 prateadas do Spirit of Saint-Louis e é como se todas as

mãos do mundo estivessem tocando ou tentando tocar o

novo Cristo e còmo se a nova Cruz fosse o Avião e facasretalham a fuselagem mãos multiplicam-se mãos por toda

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 parte arranhando rasgando e é quase meia-noite quando

começamos a lenta viagem de volta a Paris.1

O "novo Cristo” tinha chegado! Contra todas as proba

 bilidades. Sozinho. Completamente só. Do Novo Mundo ao

Velho. De Roosevelt Field em Nova York a Le Bourget emParis. Tinha deixado para trás até a gatinha cinzenta, Patsy,

que algumas reportagens diziam que ele trazia consigo. A via

gem teria sido perigosa demais para ela; esta foi a explicação

atribuída ao herói. O comentário acentuava, assim todos sen

tiam, a magnífica simplicidade, o verdadeiro heroísmo do ho

mem. Ele não tinha instrumentos especiais no aeroplano, nçm

mesmo um rádio, apenas uma bússola magnética.

Os parisienses ansiavam por vê-lo. Queriam aclamá-lo,tocá-lo, carregá-lo nos ombros, adorá-lo. Derrubaram os por

tões de ferro e as cercas de arame farpado do aeroporto;

esmagaram-se uns contra os outros. O correspondente em Paris

do  Daily Mail, provavelmehte num estado semelhante ao das

 pessoas que descrevia, passou um cabograma para seu jornal:

Milhares de pessoas lutaram entre si e com corpulentos

 policiais para chegar perto de Lindbergh e apertar-lhe amão. Mulheres que tinham jurado beijá-lo tiveram seus

casacos de pele reduzidos a farrapos e saíram da briga

sem os seus chapéus, com os cabelos desgrenhados e os

vestidos amarfanhados e rasgados.2

Dez pessoas foram levàdas para o hospital, uma mulher e uma

criança em estado grave. As pessoas atacaram o aeroplano em

 busca de lembranças. Mãos puxaram e romperam a lona dasasas; canivetes foram utilizados, com melhores resultados. A

iniciativa de funcionários locais e de alguns admiradores salvou

o aviador. Um carro partiu em alta velocidade para o aero

 plano, e Lindbergh foi resgatado por pilotos e soldados que

usavam a coronha dos fuzis para abrir caminho. Deram-lhe

 prontamente uma túnica militar francesa para usar como dis

farce, e ele correu até um hangar distante, onde recebeu os

cumprimentos oficiais. A fim de desviar a atenção da multidão,impostores eram carregados nos ombros, e a turba venerava os

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chamarizes.3 Um pai levantou seu filho para que o menino pudesse ver, e a massa aclamou a criança. Na escuridão, Lind- bergh se tornara Todo Mundo, e Todo Mundo se tornaraLindbergh.

 Nos dias que se seguiram Lindbergh foi festejado como

nenhuma outra pessoa antes na história, nem reis ou rainhas,estadistas ou religiosos. Da noite para o dia ele se tornara ohomem mais famoso de todos os tempos. Da noite para o dia!Um dia antes era apenas “o bobo voador” e “Lindy sortudo” para os seus companheiros, um piloto do correio aéreo e ca pitão da reserva da Força Aérea Americana, um avéntureiro jovem que, em geral, tinha como platéia pombos ou curiangos.Agora, era LINDBERGH! — komme de rêve, komme oiseau —,

um ícaro moderno que, ao contrário de seu antepassado mítico, dispensara a tragédia. Do mundo inteiro chegavam congratulações à embaixada dos Estados Unidos em Paris e aoDepartamento de Estado em Washington, de monarcas e chefes de Estado, bem como de pessoas comuns. Em Paris, bandeiras americanas ondulavam por toda parte, até naquele bastião de introspecção e sangue-frio gaulês, o Quai d'Orsay, queno passado tinha reservado essa honra para os chefes de Es

tado em visita à cidade.Todos pareciam querer escrever odes a Lindbergh. Apeli

davam drinques em sua homenagem e batizavam crianças como seu nome. Charles Augustus Lindbergh. O nome do meio pressagiava a realização imperial. As multidões que o saudavam eram intermináveis — provavelmente meio milhão numatarde de quinta-feira, dia vinte e seis, quando seu corso saiuda embaixada americana, onde ele tinha se hospedado, e se

guiu pela Avenue dTéna, Rue Pierre-Charron, Champs-Élysées,Place de la Concorde, Rue de Rivoli até o Hotel de Ville —,e seu entusiasmo, inexorável. Mãos onipresentes procuravamalcançá-lo. mais uma vez, atiravam flores e acenavam lençose chapéus. Durante uma semana Paris se entregou ao que foi provavelmente a mais extraordinária efusão de emoção que jáhavia demonstrado. E tudo isso para um americano de LittleFalis, Minnesota, que aos vinte e cinco anos e com seus ca

 belos em desalinho, seus olhos azuis, sua sinceridade e suasroupas mal-amanhadas parecia ser muito mais moço do que era

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e personificar a própria antítese da grandeur   e gloire  que osfranceses cultivavam com tanto empenho.

O mundo oficial tentou acompanhar o sentimento público.Figurões respeitáveis competiam entre si para conceder honrase mais honras ao jovem americano. Praticamente todos os pi

lares do establishment   francês lhe dirigiram saudações e elogios. O presidente francês, Doumergue, prendeu a cruz da Lé-gion dTíonneur em seu peito, a primeira vez em que umamericano recebia essa honraria. As autoridades nacionais emunicipais fizeram fila para festejá-lo — Briand, Poincaré,Painlevé, Doumer, Godin, Bouju, Chiappe. Ele almoçou comBlériot, o primeiro homem a sobrevoar o Canal da Manchaem 1909. Foi recebido pelos Marechais Joffre e Foch. O em

 baixador francês em Washington, Paul Claudel, poeta-diplo-mata, esteio da sensibilidade clássica francesa, que tinha retornado à Europa de licença em abril, propôs um brinde àmãe de Lindbergh.

E com gestos simbólicos, numa tentativa evidente de afran-cesá-lo e poder considerá-lo um dos seus, dois restaurantesde Paris ofereceram-se para servi-lo e um alfaiate propôs vesti-lo grátis pelo resto da vida; depois, numa brincadeira deli

ciosa, um estudante da École Normale telefonou à imprensa para proclamá-lo um élève  honorário da instituição, que eraum degrau tradicional para os escalões superiores da hierarquia administrativa francesa.

A França, é claro, não tinha uma monarquia desde 1870; portanto, para ter o reconhecimento dos símbolos supremosda historicidade da Europa, suas monarquias, Lindbergh tinhade ir para o norte ou para o sul. Tomaram a decisão por ele,

que teve de seguir para o norte, para as cortes das naçõesaliadas que não tinham vacilado na guerra: Bruxelas e Londres. No sábado, 28 de maio, Lindbergh voou num remendadoSpirit of St. Louis  até Bruxelas, onde o Rei Alberto o condecorou com a insígnia de Cavaleiro da Ordem de Leopoldo,e no dia seguinte, domingo, 29 de maio, prosseguiu viagem

 para Londres.Ali, no campo de aviação de Croydon, a recepção foi ainda

mais frenética e carnavalesca do que em Le Bourget uma semana antes. As pessoas começaram a chegar ao campo pelo

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meio da manhã, e à tarde já se reunira uma multidão que

muitos estimavam em mais de 100 mil. Ao redor de todo o

 perímetro do campo, cobertores tinham sido estendidos^ sobre

a grama e as pessoas faziam piqueniques festivamente. Excur

sões aéreas para os ousados e abonados eram oferecidas a

cinco xelins o passeio, e cinco aeroplanos fizeram bons negócios durante todo o dia. Pouco depois das quatro horas, um

desses aeroplanos sofreu um desastre diante dos olhos dos

aterrorizados espectadores. Quando se preparava para aterris

sar, o motor parece que enguiçou e o avião mergulhou de

 bico no chão, esmagando o trem de aterrissagem. Embora os

quatro passageiros não tivessem se ferido gravemente, o aci

dente, como se fosse uma ,deixa, tornou bem claro aos especta

dores o perigo e a imensidade da façanha de Lindbergh.Quando o avião de Lindbergh foi finalmente avistado, al

guns minutos antes das seis da tarde, todo o autocontrole

 britânico se dissolveu, e a massa humana foi tomada de uma

fúria cega, rompendo as pesadas barreiras de madeira, as cer

cas de arame e os cordões de policiais — os quais, reforçados

depois do episódio de Le Bourget, tinham sido considerados

adequados para refrear a turba —, pisando uns nos outros e

 precipitando-se para a pista. Lindbergh teve de abortar a sua primeira tentativa de aterrissagem com receio de abrir um

sulco no mar de pessoas que lhe davam as boas-vindas. Na

segunda tentativa aterrissou mais adiante na pista e começou

a taxiar em direção à torre de controle da Imperial Airways,

mas a multidão não se conformou. Rapidamente cercou o avião

e tornou impossível qualquer avanço. Lembrando-se dos estra

gos què seu aeroplano tinha sofrido em Le Bourget, Lindbergh

lutou para manter as pessoas a distância, empurrando e dandoencontrões, mas sem resultado. Mãos, mãos e mais mãos. Elas

arrastavam o avião, puxavam as roupas do aviador, agarravam

seu capacete. Uma testemunha ocular:

A polícia mais de uma vez atacou a multidão, tentando

abrir espaço ao redor da máquina, e os gritos e vivas das

 pessoas se misturavam ao frenético silvo dos apitos dos

 policiais. Carros buzinando sem parar tentavam passar pela turba a fim de resgatar Lindbergh.4

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O ardil que tinha funcionado à noite em Le Bourget —

um chamariz usando um capacete de aviador — não conseguiu

enganar a multidão diurna em Croydon. No aperto pessoasdesmaiavam. Dez foram levadas a hospitais da localidade.

Umas cinqüenta pessoas tinham subido no telhado de um pré

dio em ruínas fora do campo de aviação, mas o telhado cedeue algumas caíram, embora ninguém tivesse se ferido gravemente.

Finalmente Lindbergh foi resgatado. Quando subiu na torre

de controle para saudar a multidão, esta começou espontanea

mente a canção tradicional de aceitação e aprovação: "For  

 He's a folly Good Fellow!"   Depois de uma breve cerimônia

na qual o americano reconheceu que sua recepção em Croy

don, embora agradável, tinha sido ainda mais angustiante que

a de Le Bourget, Lindbergh entrou com o embaixador Houghton

na limusine da embaixada, mas o acotovelamento dos admira

dores era de tal ordem que duas janelas do carro foram que

 bradas e, ao retirar pontas de vidro de um caixilho, o herói

sofreu um corte superficial. O correspondente do  Berliner Ta-

geblatt   em Londres informou:

Já fui testemunha do potencial de entusiasmo britânico

na abertura de Wembley, na Final da Taça, na corrida

de barcos e no retorno de Allan Cobham da* Austrália.

Mas 'a recepção dada a Lindbergh ontem ofusca tudo isso.5

 No programa de Londres Lindbergh foi recebido jpelo Rei

Jorge no Palácio de Buckingham e agraciado com a Cruz da

Força Aérea. Na Câmara dos Comuns teve como anfitriã Lady

Astor, americana de nascimento. No Derby Eve Ball foi um

convidado do Príncipe de Gales e, em Epsom Derby, do Conde

de Lonsdale.

Depois de sua visita a Londres Lindbergh retornou por

alguns dias a Paris, embarcando em Cherbourg no navio que

o levaria de volta a Nova York. Ali, no dia 13 de junho, foi

submetido ao inevitável desfile na Broadway, durante o qual

aproximadamente quatro milhões e meio de americanos o aplau

diram, festejando a volta de seu herói com mil e oitocentastoneladas de serpentina. Em Washington o presidente Coolidge

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O jovem parecia incapaz de dar um passo em falso. Myron T.Herrick, embaixador americano em Paris — diplomata experimentado que desde 1920 era pela segunda vez embaixadorem Paris, depois de ali ter servido na deflagração da guerraem 1914 —, ficou deslumbrado com o equilíbrio de Lind-

 bergh. Seus discursos de improviso não poderiam ser aperfeiçoados por um manual de treinamento para diplomatas, e ostelegramas de Herrick para a América cantavam louvores aLindbergh com uma admiração sem limites, referindo-se a seu“temperamento divino e à sua simples coragem” e chamando-ode “embaixador sem pasta”. As comparações que Herrick, emseus discursos públicos, fazia sobre Lindbergh e Joana d’Arc,Lafayette e até um bíblico Davi parecem forçadas, vistas agoraem retrospecto, mas foram emitidas, ao que parece, sem traçoalgum de hipocrisia. Nenhum estadista, nenhum político, nemmesmo Woodrow Wilson — tal era a inferência — jamaistinha feito tanto pela imagem americana na Europa. “Alguém

 já viu um embaixador desse quilate?” perguntava Herrick re-toricamente.1 Ernest Hemingway comentou: “Não é ótimo oque a embaixada americana está fazendo por Lindbergh? É comose tivessem pego um anjo que fala como Coolidge.”2

Os jornalistas de Paris e Londres, que não eram princi piantes na arte de lidar com visitantes eminentes, concordaramcom a opinião oficial. Sem exceção, cumularam de elogios odesempenho de Lindbergh como personalidade pública. “Lind bergh está fazendo mais pela reconciliação das nações do quetodos os diplomatas”, observou uma exultante  Ère nouvelle.3A direita conservadora estava tão fascinada quanto a esquerdacomunista e socialista. E a imprensa liberal estava em êxtase.

O conservador Times  de Londres ficou encantado como comportamento de Lindbergh no Palácio de Buckingham, par-ticularihente com seu gesto gentil para com a Princesa Eliza-

 beth que, ainda aprendendo a caminhar, tinha sido trazida pela babá para ver a chegada dele. “O capitão Lindbergh cruzoua sala na sua direção, tomou-lhe a mão e acariciou-a no rosto.”Quando partiu, Lindbergh mais úma vez se lembrou da prin

cesa, aproximou-se da menina e apertou-lhe a mão num gestode despedida.4

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O órgão comunista francês UHumanité   foi mordaz comas extravagâncias do mundo oficial. LINDBERGH, VITIMADAS AUTORIDADES, A ÁGUIA DEVORADA POR ANÕES,O HOMEM PÁSSARO LINDBERGH PRESO NA CLOACAPARLAMENTAR — estas foram algumas de suas manchetes

durante a semana de Lindbergh em Paris. Mas para o próprioLindbergh e para as multidões entusiásticas não houve umaúnica palavra sarcástica. Ao contrário, "Em Lindbergh saudamos UM HOMEM, da melhor espécie”, julgava o jornal.5

 Na sua entrevista coletiva à imprensa Lindbergh foi, éclaro, assessorado por autoridades americanas. Em Paris Herrickinterceptou algumas das perguntas mais difíceis, mas durantetodo o tempo Lindbergh manteve o equilíbrio, mesmo que às

vezes parecesse inseguro, como afirmou Waverley Root, daequipe da edição parisiense do Chicago Tribune.  Quando HankWales, antigo repórter policial em Nova York, conhecido porsua grosseria* e por seus charutos, e agora principàl corres

 pondente em Paris do Tribune, perguntou abruptamente: "Diga,Lindy, você tinha uma latrina naquele avião?” — tanto Herrickcomo Lindbergh não perderam a compostura e simplesmentecontornaram a pergunta indelicada.6

A Europa e a América ficaram histéricas com relação aLindbergh em 1927. Quando ele retornou a Nova York, amanchete da reportagem do Observer   de Londres incluía as palavras O HERÓI INCÓLUME.7

Lindbergh foi, de alguma forma, uma criação da im prensa? A imprensa estava no seu apogeu na década de 1920. Nunca antes ou desde então foram tantos os jornais, nem tantos os leitores da palavra impressa. A imprensa era a fonte

de notícias, informações e entretenimento. Toda capital euro péia tinha dúzias de jornais. Além disso, muitos editores consideravam o voo de Lindbergh a história mais sensacional desde a guerra.

Mas, embora desempenhasse o papel importante de divulgar a façanha de Lindbergh e os aplausos com que foi aclamada, dificilmente se pode atribuir à imprensa a criação dafama do americano. Quando muito pode-se dizer que a pala

vra impressa e a escassez de material ilustrativo encorajarammuita gente a se aventurar até os campos de aviação e as ruas

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Lindbergh recusou todas as recompensas e tentações ma

teriais e monetárias com que lhe acenaram: não apenas rou

 pas, refeições, mas casas e enormes somas de dinheiro ofere

cidas para que aparecesse em filmes, no palco, no rádio ou

em anúncios comerciais. Um correspondente calculou que, nos

dois dias seguintes ao voo, foram oferecidos a Lindbergh cercade 650 mil dólares. O mundo conservador a adorava por seu co

medimento. Até o associava indiretamente ao estancamento ou,

 pelo menos, à suavização de algumas das manifestações mais

indecorosas da cena moderna. No Derby Ball> "a dança”, co

mentou um observador, “foi inusitadamente calma, e dezenove

em cada vinte homens estavam de casaca”. Os vestidos, é claro,

eram longos, pouco apropriados à versão frenética clássica do

charleston. “Mas é uma dança adaptável”, continuou nosso

observador. “Ontem à noite, dois indianos, em trajes de noite

rigorosamente ingleses, dançavam o charleston de maneira en

cantadora e calma, formando um quadro perfeito.”10 Era o

mundo antigo adaptando-se aos novos tempos, e interpretava-

se Lindbergh como um modelo em que a ordem antiga devia

se inspirar para enfrentar e superar os desafios da era mo

derna. Portanto, monarcas, patriarcas e todo o mundo oficial

homenageavam o jovem americano.

A sensibilidade moderna, entretanto, estava igualmente

inebriada. Sobretudo encantada com a  façanha.  Lindbergh não

tinha cruzado o Atlântico a nado, nem remando, nem fora

lançado por uma catapulta sobre o oceano. Ele tinha voado!

O homem e a máquina tinham se tornado uma coisa só neste

ato de ousadia. O objetivo não contava. O ato era tudo. Quase

captava a noção, apresentada por Gide no período de pré-guerra, de um acte gratuit , um ato perfeitamente livre, des

tituído de qualquer outro significado que não fosse sua in

trínseca energia e realização. E Lindbergh tinha voado sozi

nho, completamente só, livre da civilização e de suas restri

ções, em comunhão com os oceanos* e as estrelas, os ventos

e as chuvas. Não voou para ninguém, nem mesmo para a

humanidade. Voou para si mesmo. Esta foi a grande audácia

 — voar para si mesmo. O fato de ser jovem, de não ser casado, de sequer ter uma namorada, de ser bonito — tudo isso

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aumentava o encantamento. Ele não era a criação de um

mundo antigo; era o precursor de uma nova aurora.

O romantismo, no século anterior, tinha associado o ar

tista ao voo, ao pássaro planando livre nas alturas, à cotovia

 — a uma transcendência do mundo real. Na segunda metade

do século Nietzsche, entre outros, ficara fascinado com a idéiade voar. Tinha dado à passagem final de  Aurora  o título de

"Nós Aeronautas do Intelecto”. Na virada do século outros

modernos também foram cativados pela idéia e, mais tarde,

 pela realidade do voo. O aeroplano chamou a atenção de Kafka

em 1909; figurou no manifesto futurista de Marinetti no mes

mo ano. Robert Delaunay prestou homenagem à travessia aérea

de Blériot sobre o Canal da Mancha num de seus quadros.

Em 1912 o Grand Palais em Paris apresentou a exposição "Locomoção Aérea”. Léger, Brancusi e Duchamp a visitaram. Aos

outros Duchamp observou: "A pintura está acabada. Quem

 poderia fazer melhor do que esta hélice? Vocês  poderiam fazer

isso?”11 Em suma, Lindbergh tinha se tornado o "aeronauta”

nietzschiano que realizara uma paixão pessoal, que voara não

rumo ao sol poente, mas em direção à manhã.

Harry Crosby o idolatrava. No que era secundado por

Maurice Rostand, filho de Edmond, o dramaturgo criador deCyrano.  Maurice, pálido e encolhido, sempre vestido de preto

e branco, com sapatos de salto alto e cabelos compridos enca

racolados, escreveu um poema a Lindbergh, de treze estrofes,

que datou de 21 mai 1927, onze heures du soir.  Como Lind

 bergh só chegou às 10:22h, isto significava, como Janet Flanner

apontou em sua "Letter from Paris” para o The New Yorker, 

que Rostand deve ter composto um verso por minuto e 'que,

 portanto, deve ter sido "quase tão veloz quanto The Splrit of  St. Louis”.  Anna, Comtesse de Noailles, poeta de estatura e

 patrocinadora de Diaghilev e dos Ballets Russes, referia-se a

Lindbergh como um enfant sublime.12

E assim foi. Os modernos estavam tão extasiados quanto

os antigos. Uns e outros adotavam como um dos seus este indi

víduo homérico, de uma pequena cidade do meio-oeste ame

ricano. Em seu entusiasmo, entretanto, os dois lados falavam

sem se entenderem. Ninguém podia explicar com convicção por que Lindbergh tinha excitado imaginações e desejos em

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tão alto grau. Mas se olharmos além da excitação imediata, ve

remos um motivo que se repete mais de uma vez — no itine

rário do americano, na linguagem dos repórteres e comenta

ristas, e em outros eventos que emolduraram a conquista da

Europa por Lindbergh; um motivo que ninguém discutiu deta

lhadamente na época, mas que atravessa toda a paisagem cultural como um fio preto. A guerra.

PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS

Oficialmente, a guerra terminara oito anos e meio antes, nodia 11 de novembro de 1918. Os civis, aqui e ali, haviam ce

lebrado com algumas festas da vitória. De modo geral os sol

dados tinham sentido pouca emoção. O fim chegara, como para

os “Homens 00)8” de T. S. Eliot, “não com uma explosão, mas

com um suspiro”.

Um rancoroso tratado de paz, amargamente debatido, fora

apresentado aos alemães sob a forma de ultimato. Na Alema

nha, o novo governo democrático e republicano — eleito na

esteira dos distúrbios que tinham tomado conta do país em

novembro e dezembro de 1918, induzindo o kaiser a abdicar 

 — caiu quando confrontado com o tratado; mas o governo

substituto provisório não viu outra alternativa senão aceitar

os termos de Versailles. O “bloqueio de fome”, imposto ao

 país pela armada britânica, tinha se tornado mais rigoroso no

final da guerra. O Reno foi bloqueado, e tropas francesas,

americanas e britânicas ocuparam cabeças-de-ponte sobre o rio

 — em Colônia, Coblença e Mogúncia, respectivamente. A ameaça era de fome e colapso social. Ninguém, em nenhum dos

lados, estava satisfeito com o tratado, que tentava conciliar

o idealismo de Woodrow Wilson, o desejo de vingança deGeorges Clemenceau e o pragmatismo de David Lloyd George.

Os alemães consideravam os termos duros demais; as popula

ções aliadas, suaves demais. Lançou-se sobre a Alemanha uma

culpa pela guerra que ela se recusava moralmente a aceitar.

Mas o que poderia ela fazer? A levée en masse  que nos últimos dias da guerra a imaginação apocalíptica de Walter Ra-

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thenau tinha invocado como defesa contra a invasão estrangei

ra do sagrado solo alemão era, no verão de 1919, não só im

 praticável como impossível.

Em 14 de julho de 1919, dia da queda da Bastilha, Paris

 produziu um desfile oficial da “vitória”. Seu tamanho foi gran

dioso; suas emoções, não. A América se recusou a ratificaro tratado e até a adotar a cria política de Woodrow Wilson, a

Liga das Nações. Os Estados Unidos se recolheram no isola-

cionismo, abandonando a Europa à sua cadeira de rodas.

O esforço gigantesco, especialmente a intensidade emo

cional, da guerra não podia perdurar na manutenção da paz,

e a Europa afundou numa monumental melancolia. Os lares

 prometidos a seus heróis continuaram a ser palácios fictícios,

e os sonhos sociais utópicos evocados pela retórica da guerra

foram brutalmente eliminados pela inflação, pelo desemprego

e pelas privações generalizadas, sem falar numa epidemia de

gripe que devastou o mundo em 1918-1919, matando mais

gente do que a própria guerra., A desilusão foi o desfecho

inevitável da paz.

Confrontadas com a idéia horrenda de que a guerra talvez

não tivesse valido a pena, as pessoas simplesmente enterraram esse pensamento por uns tempos. E, se esse pensamento

devia ser enterrado, tinha-se de enterrar a guerra também. Que

assim fosse. A guerra foi enterrada. Robert Graves e T. E. Law-

rence fizeram um pacto em Oxford, prometendo que não

discutiriam a guerra. Edmund Blunden tentou escrever suas

memórias em meio às conseqüências imediatas da guerra e

descobriu que a tarefa era simplesmente impossível. Por isso,

depois de compor um fragmento, interrompeu o trabalho. Chorava-se pelos seres amados, mas evitava-se pensar no objeto

 pelo qual se pagara esse preço. Nove milhões de mortos. Vinte

e um milhões de feridos. Economias em ruína. O bolchevismo

ateu na Rússia e ameaçando a Europa central. Guerra civil na

Rússia, na Alemanha, Hungria, Polônia, Irlanda, Itália — por

toda parte, ao que parecia. Turquia e Grécia em guerra. O

Oriente Médio em chamas. “Para que não esqueçamos” foi

entoado em toda ocasião imaginável, mas esquecer era exatamente o que todos queriam.

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Organizações de veteranos tinham sido fundadas, mas re

lativamente poucos veteranos quiseram tornar-se membros. Os

empregadores foram encorajados a contratar antigos soldados,

mas muitos os achavam um risco desagradável. A incidência

de desemprego entre ex-combatentes era deploravelmente ele

vada. Quando o diplomata soviético Ilya Ehrenburg chegou aBerlim no outono de 1921, descobriu que as pessoas estavam

claramente tentando reprimir a guerra, mesmo que as cicatri

zes do conflito estivessem por toda parte. Viu, conforme sua

expressão, “a catástrofe... apresentada como uma existência

 bem ordenada”, e notou que

os membros artificiais dos mutilados de guerra não ran

giam, as mangas vazias eram presas com alfinetes de segurança. Homens cujos rostos tinham sido chamuscados

 por lança-chamas usavam grandes óculos pretos. A guerra

 perdida tratava de se camuflar enquanto perambulava

 pelas ruas.1

 Nos países vencedores a mascarada não era menos requintada.

Tinham vencido, sim, mas o que haviam ganho?

O repúdio pelos administradores da guerra e pelos políticos militares veio rapidamente. Wilson, Lloyd George, Cle-

menceau, Orlando, Ludendorff, Hindenburg, todos foram logo

forçados a se refugiarem num isolamento frustrado ou na opo

sição. (Hindenburg iria se tornar a única exceção, quando foi

 persuadido a sair de seu recolhimento em 1925 para ser eleito

 presidente da república alemã.) Por toda parte a esquerda

ganhava terreno. Na Grã-Bretanha, o Partido Liberal foi dizi

mado, e em 1924 o Partido Trabalhista, de ascensão meteóricatão rápida quanto a extinção assombrosa dos Liberais, formou

 pela primeira vez um governo. Na França, no mesmo ano, uma

coalizão de centro-esquerda chegou ao poder. Na Alemanha, os

sociaisdemocratas foram de longe o maior partido na década

após a guerra, e o Partido Comunista, fundado em dezembro

de 1918, também ganhou força.

O crescimento da esquerda refletia um desejo de mudança

radical na esteira do que se considerava a bancarrota da velhaordem. O efeito desta rápida ascensão da esquerda foi reforçar 

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a visível inclinação do conservadorismo para uma posição mais

extrema à direita, um “novo conservadorismo”. Tal mudança

não foi, entretanto, apenas uma reação contra a esquerda; era

movida pelo reconhecimento de que o conservadorismo tinha

agora de fazer algo mais do que conservar: a tarefa não era

conservar, mas reconstruir. A direita também tinha de se enga jar na reforma radical se quisesse endireitar o mundo.

A polarização política, que devia ser por toda parte a

marca do período entre as duas guerras, confirmava o desa

 parecimento de uma normalidade que todos desejavam, mas

que ninguém sabia como produzir. A guerra era o estimulante

crítico na esfera política, não aa questões sociais ou os proble

mas econômicos. Apesar de visíveis e agudos, eles ainda esta

vam subordinados a uma única pergunta: Qual foi o real significado da guerra? Esta era a pergunta central por trás de

toda a atividade política, na verdade por trás de toda a ativi

dade no período de pós-guerra que foi chamado de paz. Mas

 poucos atacavam a questão diretamente. A guerra “tratava de

se camuflar” enquanto perambulava não só pelas ruas mas

 pelos corredores do poder.

Histórias oficiais da guerra em geral e histórias parciais

das forças armadas e dos regimentos saíam em profusão dos prelos no começo da década de 1920, mas depois das rese

nhas formais e amabilidades comemorativas nos periódicos

apropriados, iam para as estantes das bibliotecas e das casas

de ex-combatentes ou desolados familiares de soldados mortos,

sem serem lidas ou, se lidas, sem serem discutidas. Os alemães

estabeleceram um comitê legislativo, em agosto de 1919, para

examinar as causas de sua derrota, e os trabalhos do comitê

levaram mais tempo do que a guerra, tanto tempo, de fato,que ele foi esquecido pelo público e, durante longo período,

 pela imprensa.

Erigiam-se cenotáfios, arrumavam-se cemitérios, manufatu

ravam-se pedras tumulares. Entre 1920 e 1923 as remessas bri

tânicas de pedras tumulares para a França chegaram a quatro

mil por semana. No dia 11 de novembro de 1920 o soldado

desconhecido foi transportado da França e enterrado na Abadia

de Westminster, e em dois dias 100 mil coroas de flores foramdepositadas no cenotáfio de Whitehall. Ano após ano, em

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toda ocasião possível, e não apenas no Dia do Armistício, osrituais e as frases solenes se repetiam. Para alguns talvez trouxessem algum consolo, mas o que significavam realmente oritual e a retórica, especialmente em relação ao mundo do pós-guerra? Os antigos lemas — liberdade, dignidade, justiça —

soavam simplesmente ocos. Até argumentos referentes ao quefora evitado pela guerra, em contraposição ao que tinha sidorealizado, ofereciam pouco amparo em relação ao sacrifício.Melhor não fazer essas perguntas. Comemorar, sim; pensar, não.

Esse desequilíbrio entre a experiência da guerra e a reação subseqüente fez com que a guerra, em seu sentido maisimportante, como problema social, político e, sobretudo, existencial, fosse relegada à esfera do inconsciente ou, mais pre

cisamente, à do conscientemente recalcado. Atribuir a questãocrucial do momento à neurose ou simplesmente à ignorância,no verdadeiro sentido desta última palavra, confirmava a viagem, iniciada durante a guerra, da sociedade ocidental comoum todo — e não mais simples grupos de intelectuais, algunssegmentos da população ou até apenas um único país — paraa beira de um abismo entre a consciência individual e os pro

 blemas tangíveis. A antiga autoridade e os valores tradicionais

 já não tinham credibilidade. Entretanto, nenhuma nova autoridade nem valores novos haviam surgido em seu lugar.

 Não é surpreendente que o ato de recalque, individualou coletivo, consciente ou inconsciente, dòs acontecimentosmais importantes da época exigisse exatamente o contrário:a negação do recalque. À medida que se tornavam menos ca

 pazes de responder à pergunta fundamental do significado davida -— e a guerra colocava essa questão de forma brutal em

nove milhões de casos —, as pessoas insistiam ainda mais ruidosamente em que o significado residia na própria vida, noato de viver, na vitalidade do momento. Conseqüentemente osanos vinte presenciaram um hedonismo e narcisismo de pro porções extraordinárias. Todos se agarravam ansiosamente à psicologia freudiana para justificar esta negação do recalque,e tornou-se completamente fora de moda ser “recalcado”. As pessoas se entregavam aos sentidos e aos instintos, e o inte

resse próprio passou a ser, mais do que em qualquer época passada, a motivação do comportamento. O crescimento do

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radicalismo político foi apenas uma das manifestações desse

estado de coisas. Os rituais da vida pública ainda estavam en

raizados nas certezas positivistas do século anterior, mas o

 pano de fundo da representação consistia em pesadelo e alu

cinação. “ A guerra tinha derrubado o soalho do salão de baile

onde se desenrolava a vida da classe média inglesa”, lembrouStephen Spender. “As pessoas pareciam dançarinos suspensos

em pleno ar, mas eram milagrosamente capazes de fingir que

ainda estavam dançando.”2

Mais de um historiador objetou que as gerações recen

tes não se lembram dos anos vinte, mas apenàs dos sonhos dos

anos vinte. Alegam que demasiada atenção tem sido dada aos

exibicionistas urbanos, às “coisinhas doces”, ao dandismo ra

refeito dos Sonnenkinder,  aos esgares e acessos de fúria dosdadaístas, surrealistas e expressionistas; e tem sido ignorada a

reàlidade do desemprego, do ressentiment   urbano, da ansiedade

rural, ou, em contraste, dos esforços amplamente bem-sucedi

dos da parte dos empresários de classe média no sentido de

reorganizar e reconstruir. A vida continuou nos anos vinte

como sempre fora, assim reza o argumento, com os problemas

triviais de trabalho, salários, comida, bem-estar familiar e am

 bição pessoal preocupando as pessoas que não tinham tempo para planos grandiosos de renovação política e cultural. Se

a política se encaminhava para os extremos, isto acontecia —

afirmam esses críticos — por motivos imediatos, e não por

visionários.

Esta crítica tem sua razão de ser e provocou algumas ex

celentes análises dos fundamentos sociais e econômicos da ati

vidade política. Mas a recente onda de história social não

conseguiu exorcizar com sucesso os demônios, as debutantes eos sonhos dos anos vinte. Uma profunda sensação de crise es

 piritual foi a marca daquela década; afetou trabalhadores ru

rais, latifundiários, industriais, operários, balconistas e intelec

tuais urbanos. Atingiu tanto os jovens como os velhos, tanto

as mulheres como os homens. Os desastres econômicos e a inse

gurança social simplesmente acentuaram e intensificaram o que

era antes de tudo uma crise de valores provocada pela guerra

e particularmente pelas consequências da guerra, quando a pazclaramente deixou de satisfazer aquelas expectativas enuncia-

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das pelos líderes durante o conflito. "A tempestade se extin

guiu”, disse Paul Valéry numa conferência em Zurique em

1922, “e ainda estamos inquietos, desassossegados, como se

a tempestade estivesse por irromper. Quase todas as atividades

do homem continuam numa terrível incerteza.” Ele falou de

tudo o que tinha sido danificado pela guerra: as relações econômicas, os negócios internacionais e as vidas individuais.

“Mas no meio de todas estas coisas danificadas encontra-se a

mente”, afirmou. “A mente foi na verdade cruelmente feri

da. . . Duvida profundamente de si mesma.”3

A parceira inevitável dessa dúvida foi a fuga, uma fuga

da realidade. Se o novo tinha sido um forte interesse alemão

antes de 1914 e durante o conflito, depois da guerra tornou-se

uma preocupação universal no Ocidente, aceito por socialistase conservadores, ateus e fundamentalistas, hedonistas e realis

tas. O desejo do novo estava arraigado no que os radicais con

sideravam a bancarrota da história e os moderados julgavam

ser, pelo menos, o descarrilhamento da história. Até entre aque

les que chafurdavam na nostalgia de uma idade de ouro ante

rior à guerra havia o reconhecimento básico de que qualquer

tentativa de resgate requereria um enorme esforço de recons

trução. Mas a devastação era tão ampla e a tarefa de reconstrução tão esmagadora que as idéias de como isso deveria ser

realizado dissolviam-se freqüentemente em fantasias e pensa

mentos desider ativos.

As modas e o comportamento avoado da geração jovem

dos anos vinte eram motivados em grande parte pelo cinismo

em relação à convenção sob todas as suas formas e particular

mente em relação ao idealismo moralista que mantivera em

atividade o matadouro que foi a Frente Ocidental. Quer aatividade fosse socialmente circunscrita, como as desvairadas

festas de caça ao tesouro promovidas pelas “coisinhas brilhan

tes” no Mayfair de Londres, ou mais difundida como o culto

nudista, ou ainda mais geral, como a mania do ioiô, ou o novo

interesse pelas viagens ou a fascinação pelas estrelas de cine

ma, seria tolo tentar explicar essas preocupações unicamente

em termos de mais tempo de lazer com o advento do dia de

trabalho de oito ou nove horas. Intrínseca à atividade eraa celebração da vida, não num sentido social ou de grupo, mas

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como afirmação individual contra  as normas e os costumes so

ciais. A inspiração era anárquica. Quando Josephine Baker fez

a sua estréia parisiense em 1925 no Théâtre des Champs-Ely-

sées, entrando no palco com a cintura rodeada de bananas e

carregada de cabeça para baixo enquanto as pernas se abriam

e fechavam, ela simbolizava a extravagância não só da boêmiaurbana, mas de uma cultura ocidental que, de modo geral,

tinha perdido as suas amarras. Alguns achavam essa "libera

ção” excitante, -outros, inquietante, mas a cultura como um

todo estava à deriva.

Tornou-se costumeiro argumentar que como o lamento do

saxofone, os passos frenéticos do charleston, os ritmos sinco

 pados do jazz e a figura da melindrosa embebedando-se de

gim eram fenômenos principalmente urbanos, o campo se mantinha incólume e ainda arraigado aos costumes tradicionais.

Mas a melhora dos serviços de trem e ônibus, a difusão do

cinema nas cidades pequenas e o advento do rádio fizeram com

que as barreiras entre a cultura rural e a urbana começassem

a desabar. Além disso, ao voltarem da guerra,. os veteranos

retornavam não apenas às cidades, mas também a fazendas e

vilas; e realmente, agora que tinham visto “Paree”, era difícil

mantê-los sob controle. Quando esses jovens "heróis” caiamna farra nas tabernas locais, quebravam janelas e cadeiras, ata

cavam as garotas ou causavam um começo de escândalo, a

reação invariável dos cidadãos consistia em abafar a ofensa,

demonstrar tolerância e dizer: "Estes são os nossos heróis de

guerra. Temos de ser indulgentes e tentar compreender.” En

quanto as crises econômicas dos anos vinte chegavam às cida

des em ondas — ondas de maré, certamente —, o campo sofreu

séria depressão durante toda a década, sem ter nunca partici pado verdadeiramente do modesto desenvolvimento dos mea

dos da década. Atormentados pela falta de crédito, pela obso

lescência da maquinaria e das técnicas, e pelo esfacelamento

dos mercados, os fazendeiros lutavam para sobreviver e mui

tos não conseguiram.

Subproduto desse estado de espírito foi* uma certa sensa

ção de transitoriedade. Fosse na moda, na arquitetura ou nos

quadros de Piet Mondrian, as curvas foram abandonadas emfavor das linhas retas, linhas que sugeriam movimento, uma

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nova simplicidade e um novo começo. As mulheres foram libe

radas dos vestidos de gola alta e saias compridas até o tornoze

lo, que deram lugar a "trapos alegres” e ao "jeito de menino”.

Pela primeira vez na história os seios foram considerados um

defeito, e o sutiã mais os achatava que realçava. Eliminou-se

a forma natural da cintura, passando os cintos a envolver osquadris. Desde que se ridicularizava a mais leve sugestão de

curva como prova de incontinência alimentar, as dietas se tor

naram moda. As nádegas também desapareceram. Como se

associava a opulência à decadência, Coco Chanel introduziu

o "estilo pobre” do chique digno — le luxe dans la simplicité :

trajes simples de lã, com jaquetas de malha de lã e saias sim

 ples ou pregueadas. Cabelos curtos tinham surgido antes da

guerra — Irene Castle adotou-os em Nova York e IsadoraDuncan encurtava os cabelos à medida que encurtava as saias

 —, mas tQrnaram-se, cortados bem curtos ou à la garçonne, 

uma parte do jeito de menino dos anos vinte. Sobre íris Storm

e seu cabelo à la garçonne, Michael Arlen escreveu em The 

Green Hat :

Seu cabelo era grosso e castanho. .. Como o cabelo de

um menino, penteado para trás desde a testa ... Sobrea nuca seu cabelo morria uma morte muito masculina,

uma morte mais masculina que a de qualquer outro ca

 belo cortado bem curto.4

Seria acidental a metáfora do cabelo a morrer "uma morte

muito masculina”? As imagens e o vocabulário da guerra per

meavam todas as formas de cultura nos anos vinte. O mundo

ainda não terminara sua farra com a morte.

 Na arquitetura e no desenho industrial começou a vigo

rar nos anos vinte um novo "estilo internacional” que enfa

tizava não apenas as1linhas retas mas uma honestidade geral

no uso dos materiais; empregando vidro e laca, o estilo suge

ria, através de transparência e reflexos, que as barreiras entre

o homem e a natureza, p sujeito e o objeto, eram menos rígidas

do que a antiga ordem fizera crer.

 Na busca de uma nova fluência e harmonia estava im plícita uma profunda revolta contra a geração mais velha, con

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tra os pais que tinham conduzido seus filhos à matança. O

culto da juventude teve o seu primeiro florescimento nos anos

vinte. A literatura, o cinema, a propaganda comercial e até

a política da época estavam dominados por essa adoração da

 juventude. O parricídio e o ato de regeneração moral que o

assassinato do pai acarretava fascinavam a nova geração literária. Só os jovens eram genuinamente humanos; os velhos

eram invariavelmente feios, venais e hipócritas. Em Contrapon

to  de Aldous Huxley, Lucy Tantamount chama as gerações

mais velhas de “alienígenas”:

O que torna os velhos tão parecidos com um chá árabe

são as suas idéias. Eu simplesmente não posso conceber

que a arteriosclerose me faça um dia acreditar em Deus,na moral e no mais que segue. .. Saí do meu casulo du

rante a Guerra, quando tudo estava fora dos eixos. Não

vejo como nossos netos possam fazer uma derrubada mais

completa do que a que se fez naquela época.5

Robert Musjl em O  Jovem Tõrless,  Hermann Hesse em  Demian 

e Henry de Montherlant em  La Relève du matin  estavam entre

aqueles que se voltaram para a descrição da infância a fim

de evocar, à la Rousseau, visões da nobre inocência sujeita aos

ardis e trapaças da civilização adulta. Paul Klee encontrou ins

 piração para suas telas surrealistas nos borrões inconscientes

de crianças. A geração mais velha, triste e culpada da matança

da juventude na guerra, quase não protestou. “Uma turma frí

vola, esses modernos”, foi a resposta suave de H. G. Wells.6En

tretanto, embora alguns os considerassem uma turma frívola,a maioria cortejava e mimava os jovens rebeldes, particular

mente os partidos políticos que se esforçavam por formar or

ganizações de juventude e se engalfinhavam a fim de atrair

 jovens membros. O radicalismo levava a melhor nesse esforço.

A juventude dos anos vinte inclinava-se a rejeitar com desprezo

a política tradicional. Para Christopher Isherwood e seus ami

gos de Cambridge, “política” era uma “palavra em extinção”,

e essa atividade era “automaticamente descartada como aborrecida e desprezível”.7

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hospedado num dos grandes hotéis da cidade, o Majestic, pertoda Étoile, de modo que o carro, depois de percorrer toda aRue Lafayette e passar pela Madeleine, rumou para os Champs-Élysées a partir da Place de la Concorde. No meio desta grandeavenida, parou no Hotel Claridge, onde foram comprados vá

rios buquês de flores — rosas e centáureas.1O carro continuou depois pelos Champs e se deteve no Arco

do Triunfo, onde Lindbergh desceu e colocou as flores notúmulo do soldado desconhecido. Portanto, seu primeiro atooficial em Paris, à uma hora da madrugada, foi prestar homenagem aos mortos da guerra. Quando o carro partiu depois emdireção à pequena rua transversal que é a Rue Dumont d'Urville, a um passo da Étoile, a imensa multidão reunida na

frente do Majestic e já se derramando pela Avenue Kléber deixou claro que Lindbergh não teria sossego num hotel, sendolevado então para a embaixada americana.

Em Bruxelas, no sábado seguinte, repetiu-se a mesma rotina. No caminho do aeroporto até a embaixada dos EstadosUnidos, antes mesmo de mudar de roupa, Lindbergh depositouuma coroa de flores no túmulo do soldado desconhecido nacapital belga. Na manhã de segunda-feira, seu primeiro dia

inteiro em Londres, assistiu a uma cerimônia em memória dosmortos da guerra na igreja de St. Margaret, Westminster, edepois foi prestar sua homenagem na tumba do soldado desconhecido na Abadia de Westminsterv Em todas as três capitais foi recebido e aplaudido por organizações de veteranos.As autoridades tiveram o cuidado especial de apresentar aLindbergh representantes dos mutilados da guerra e dos cegos.Em Bruxelas, durante sua visita à Prefeitura, também foi sau

dado pelos Vieux Volontaires de la Grande Guerre, aquelesque, apesar de já terem mais de cinquenta anos na época,tinham conseguido, por bem ou por mal, participar do conflito.Organizações de veteranos de todo o mundo enviaram a Lind

 bergh telegramas de congratulações. Até grupos alemães seassociaram a essas demonstrações.

Os discursos e outros pronunciamentos públicos em homenagem a Lindbergh, feitos em Paris, Bruxelas e Londres,

estavam cheios de referências à guerra, à amizade franco eanglo-americana, aos aviadores americanos da Esquadrilha La-

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fayette, e à contribuição americana em geral para o esforço

de guerra dos Aliados. O embaixador Herrick fez comparações

místicas entre o voo de Lindbergh e as façanhas no Marne;

um sublime destino regia ambas as vitórias. E Maurice Ros-

tand, em sua ode a Lindbergh, declarou que a visita do avia

dor aos túmulos das vítimas tinha sido predeterminada.Em 1927, de fato, a comemoração ritualista da guerra

chegou ao apogeu quando numerosos memoriais de guerra,

grandes e pequenos, nacionais e de regimentos, regionais e

municipais, em Douaumont, Tannenberg, Passchendaele, Ypres,

 bem como cemitérios por toda a Bélgica e França, em vilas

e cidades de todos os países beligerantes foram inaugurados.

Em 24 de maio o Scotsman  de Edimburgo, por exemplo, pu

 blicou duas fotos na mesma página, uma do embaixador Herrick congratulando Lindbergh e a outra da consagração do

memorial de guerra do Regimento Seaforth em Fampoux, perto

de Arras. No  Daily Herald   de 31 de maio, no pé de uma co

luna registrando o dia anterior de Lindbergh em Londres, um

 pequeno tópico anunciava: “Cem viúvas de guerra, órfãos e

ex-combatentes da Grã-Bretanha devem visitar os cemitérios

de guerra da Bélgica no próximo mês.”

 Não houve comentário algum sobre as conexões entreesses acontecimentos — entre o voo de Lindbergh e a guerra.

 Na verdade, não havia uma conexão óbvia. Mas sem a guerra,

o fenômeno Lindbergh não pode ser compreendido. Embora

ele não tivesse participado dela, a guerra deu ao feito de Lind

 bergh suas extraordinárias dimensões. Sem a guerra, a façanha

teria sido sem dúvida celebrada, mas figuras públicas amadu

recidas e responsáveis não teriam recorrido a hipérboles, como

a de Mackenzie King, primeiro-ministro canadense, que chamou o voo de Lindbergh de “o maior feito individual da his

tória do mundo”. Nem o público teria sido tão delirante na

aclamação.

A guerra seguia Lindbergh por toda parte — não somente

a guerra passada, mas também a guerra futura. Como era na

tural, os militares demonstraram interesse especial pelo feito

de Lindbergh. Atrás da observação de um certo general Girod,

que presidia a subcomissão do exército na Câmara dos Deputados da França, declarando o voo de Lindbergh “o ato mais

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ousado já visto em todos os séculos”, havia um reconhecimento

do potencial militar da façanha.2 Os críticos dos militares, en

tretanto, invocàvàm visões de uma guerra aérea em que bom

 bas de gás choveriam sobre os civis. Cartas aos editores de

 jornais revelavam que o público estava intensamente preocupa

do com esta aterrorizante implicação do progresso da aviação.Mas outros comentaristas aproveitavam a efusão de emoção pú

 blica em relação a Lindbergh para mostrar que, mais do que

os militares, a humanidade era a principal beneficiária do voo

transatlântico. O jornal parisiense Populaire  chamou o feito de

Lindbergh de “a maior façanha do heroísmo pacifista na

história”.3 De qualquer forma, a guerra fornecia o contexto

 para o julgamento da questão.

Se milhões de mortos da guerra cercavam Lindbergh durante sua visita à Europa, a morte contemporânea, especial

mente a alta taxa de fatalidade entre os aviadores, também

o rondava. Ele próprio tinha sobrevivido a dois acidentes em

anos anteriores, quando tivera de saltar de pára-quedas para

salvar-se. Um dos fatores que contribuíram para a reação emo

cional dos franceses com relação a Lindbergh foi o desapare

cimento, havia menos de duas semanas, de dois ases de guerra

franceses, Charles Nungesser e François Coli, que tinham de

colado de Paris a 8 de maio com o intento de voarem até

 Nova York. Haviam desaparecido sem deixar vestígios. A ex

citação, a expectativa e a tensão geradas por esta aventura e

seu desfecho foram transferidas para Lindbergh. Um de seus

 primeiros atos no domingo de manhã, o dia seguinte ao da

sua chegada, foi visitar a mãe de Nungesser no Boulevard du

Temple, para lhe manifestar a esperança de que os dois heróisde guerra ainda fossem encontrados com vida. Dois aviadores

 britânicos, Carr e Gilman, que, tentando quebrar o recorde

de voo de longa distância sem escalas, partiram com destino a

Karachi na sexta-feira, 20 de maio, o mesmo dia em que Lind

 bergh decolou de Nova York, foram forçados a pousar na água

 perto do porto persa de Bandar Abbas dois dias mais tarde.

Sobreviveram, como o aviador italiano de Pinedo, que, no meio

da semana de Lindbergh em Paris, desapareceu a cerca de 240quilômetros dos Açores durante seu voo da Terra Nova a Por

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objeto de ilimitada inveja entre os soldados da infantaria, ato

lados na lama e aparentemente indefesos. Os soldados levan

tavam os olhos de suas trincheiras e viam no ar uma pureza

de combate que a guerra terrestre tinha perdido. Os “ cavalei

ros do céu” estavam envolvidos num conflito em que o esforço

individual ainda contava, em que as noções românticas dehonra, glória, heroísmo e bravura ainda se mantinham intatas.

 No ar, a guerra ainda tinha significado. Os aviadores consti

tuíam a “aristocracia do ar” — “a ressurreição de nossa per

sonalidade”, como se expressou um escritor.5 Associava-se o

ato de voar à liberdade e à independência, uma fuga da hor

renda matança coletiva de uma guerra de equipamentos. Na

guerra aérea podiam-se conservar valores, inclusive o respeito

 pelo inimigo, valores que jaziam nos fundamentos da civilização e que a guerra terrestre parecia estar negando. Desta for

ma, a realização tecnológica mais significativa do mundo mo

derno também era vista como um meio de afirmar valores tra

dicionais.

Durante a década do pós-guerra voar continuou a ter

essas associações. As honrarias recebidas por Lindbergh pare

ciam fazer renascer todo um vocabulário. O entusiasmo com

que os franceses usavam palavras como héros, gloire, victoire e chevalier   para descrever Lindbergh e seu feito sugeria que

desejavam usar esta linguagem de forma inequívoca mais uma

vez. O  Daily Express  notou uma necessidade semelhante no

 público britânico:

Servir ao herói é tão maravilhoso e consolador que é em

si uma das principais alegrias da vida. Milhões descobri

ram isto durante a guerra. Tiveram oportunidade de cuidar de algum soldado, marinheiro ou aviador e ficaram

felizes com esse serviço. Conseguiram também uma par

ticipação no sacrifício que o homem oferecia e sentiram-se

unidos a ele. Temos necessidade permanente de heróis que

nos elevem acima do cotidiano de nossa vida.6

Esta última expressão, “o  cotidiano de nossa vida”, ou, na

sua versão francesa, notre médiocre condition humaine,  aparecia constantemente em comentários nos dois lados do Canal

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da Mancha. Lindbergh tornou-se um símbolo do desejo de uma

reafirmação de valores mas ao mesmo tempo de uma profunda

insatisfação com a existência contemporânea. Da mesma forma,

a fascinação pelo voo era um indício da vontade de escapar

da banalidade da época, uma época que tinha perdido sua fé.

Paul Claudel estava consciente das ilusões que cercarama recepção oficial dada a Lindbergh. A anotação do dia 23 de

maio em seu diário é enigmática mas sugestiva:

 Na emb[aixada] am[ericana] aperto a mão do jovem

Charles Lindbergh, magro, rosado, louro, tímido. Unam 

Omnium rempublicam agnoscimus, mundum  (Tertuliano) .*

Profundo nojo pela glória e por todos estes cumprimen

tos nauseantes.7

Lindbergh representava sem dúvida uma realização impor

tante, mas também se tornou um produto poético de um mun

do virado para dentro de si. Foi o que virtualmente disse

Pierre Godin, presidente do Conselho Municipal de Paris, na

recepção dada na Prefeitura:

Pensamos muito menos em homenageá-lo, senhor, do queem homenagear a nós mesmos através de sua pessoa. O

senhor é um destes homens cujo exemplo preservará a hu

manidade se ela algum dia for tentada a duvidar de sua

grandeza e a desesperar de seu futuro. O senhor é um

daqueles homens em quem uma grande nação reconhece

a imagem de seus ideais.8

As palavras de Godin devem ser lidas, acima de tudo, comouma declaração de dúvida acerca da humanidade, mais do que

de afirmação, de defesa mais do que de promessa. O senador

Dherbécourt, presidente do Conseil Général de la Seine, disse

ser a façanha de Lindbergh "um feito que só a mente de um

 poeta poderia ter concebido e cuja magnificência só o verso

entusiástico poderia suficientemente exaltar”. E o prefeito de

* Reconhecemos apenas um estado, o universo.

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 polícia, Chiappe, referiu-se à “incomparável beleza” da proeza

de Lindbergh.9 A linguagem destas autoridades públicas é a

do desejo, da vontade de estetizar o mundo, de transformar

a vida em poesia. Os Langbehns e os Chamberlains da Alema

nha de pré-guerra tinham falado e escrito exatamente no mes

mo espírito.Os poetas faziam coro, exprimindo sentimentos análogos.

Lindbergh, “belo primogênito de Sagitário... vencedor do

vazio”, conquistara a morte!

Tu foste aquele por meio de quem os homens 

 De repente veem amanhecer um dia mais belo.

Fora das trevas em que nos encontramos 

 A águia enfim caça o corvo! . . .Oh! nós vivemos um tempo augusto,

Pois nasceram os novos dias!

 A morte nada é!

“A morte nada é!” Assim escreveu Alexandre Guinle em sua

“Ode a Charles A. Lindbergh”.10 No sábado, 28 de maio,  Le 

Figaro  publicou em seu suplemento literário três poemas, de

Pierre de Regnier, Maurice Levaillant e André David. Levail-lant referiu-se a Lindbergh, como “o homem-Titã”; David cha-

mou-o de “poeta do azul. . . criador de um novo mito”. E no

 Journal des débats politiques et littéraires,  Marcei Berger qua

lificou o feito de Lindbergh de “uma obra de arte” por ser

“belo em si mesmo”.11 O poeta alemão Ivan Goll, radicado em

Paris, publicou uma ode extasiada no  Berliner Tageblatt   em

25 de maio. A chave para compreender Lindbergh era o fato

de sua meta estar “nele mesmo”. Paris vivia em sua mente, amente de um jovem feliz que nunca tinha lido uma linha de

Kant e cuja imaginação não estava enterrada entre as ruínas

do Egito ou sufocada nos tristes corredores das universidades.

O tema em todos esses comentários e reações é o de uma revi

vescência da imaginação — “o sorriso louro de sua juventude

nos cega como os holofotes de Roosevelt Field” — em meio

a uma civilização em ruínas, de uma revivescência da vontade

e do espírito individual. Só isso arrancaria a Europa de seu pessimismo e desânimo. Mas por toda parte o tom é mais de

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 pesar que de esperança. O individualismo perdeu sua dimensão

social; a verdade não será encontrada numa realidade. social

mas na imaginação individual, na energia e vontade dionisíaca.

Os aplausos a Lindbergh eram um elogio a uma época pas

sada de individualismo social e, ao mesmo tempo, um reco

nhecimento, ainda que inconsciente, de que no mundo moderno o indivíduo estava sozinho, em permanente fuga, privado

de apoio, privado até da segurança sentimental de uma gatinha.

O homem fora deixado solto. A liberdade já não era uma

questão de ser livre para fazer o que é moralmente correto e

eticamente responsável. A liberdade tornara-se uma questão

 pessoal, uma responsabilidade sobretudo para consigo mesmo.

O impulso moderno antes da guerra possuía um alto grau de

otimismo, oriundo da religião burguesa do meliorismo. Esse otimismo não tinha desaparecido por completo nos anos vinte,

mas era então mais desejo do que predição confiante. Sua pai

sagem era de destruição e desolação, não apenas a da aridez

que a vanguarda tanto desprezara antes da guerra.

NOVOS MUNDOS E O ANTIGO

O episódio Lindbergh revelou que a forma de modernismo jdo

 período de pré-guerra, com seu ímpeto positivo, se mudara

 para a América. A Europa reconheceu o fato. Lindbergh era

constantemente mencionado como um símbolo do "alto grau

de coragem e vigor da jovem América”, um representante da

energia sem limites da América. Esta energia — tão óbvianos artefatos, nas formas e personalidades culturais que a

América exportava, fossem épicos ou comédias-pastelão de

Hollywood; fossem o ragtime, o jazz ou o charleston; as me

lindrosas de cabelos curtos que se encharcavam de gim e

fumavam cigarros; sensualistas exóticas como Josephine Baker;

ou expatriados de vida dura como Ernest Hemingway e F.

Scott Fitzgerald —, esta energia implacável e contumaz era

inevitável. Ruidosa e atrevida. A maioria dos modernos estava encantada.

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Maurice Ravel introduziu um provocador ritmo de fox-

trote em seu  L’Enfant et les sortilèges. Francis Poulenc pro

duziu uma  Rhapsodie nègre; e tanto Georges Auric como Igor

Stravinsky compuseram obras intituladas  Rag-Time.  O one- 

step  e o two-step  apareceram no palco das Folies Bergères. No

Mayfair de Londres as “coisinhas brilhantes” dos anos vinteadotaram um sotaque americano, e, no rastro da estada de

Lindbergh, “visitas voadoras” aqui e ali se tornaram parte

de seu estilo. Em Paris o arrastado francês americanizado de

Joséphine Baker, usualmente tão desagradável à sensibilidade

gaulesa, transformou-se de repente na grande mania. O local

noturno favorito de Nancy Cunard em Paris era o Plantation,

com seus murais de navios a vapor do Mississippi e “pretos”.

Mas o fulgurante sonho americano também fascinou asclasses trabalhadoras da Europa, que viam em toda história

de pobres que ficam ricos o final feliz de suas próprias vidas.

Aos críticos que diziam ser a América nada mais que um

símbolo do materialismo grosseiro, desprovido de valores espi

rituais, os defensores da América respondiam que esse era

um julgamento superficial que deixava de fora o que era im

 portante. O significado da América era, em primeiro lugar,

espiritual. Wall Street, dizia Fernand Léger, simbolizava a“América audaciosa, que sempre age e nunca olha para trás”.

 Nova York e Moscou, ele dizia, eram os centros da atividade

moderna. Paris tornara-se simplesmente um observador.1

Segundo outro francês, Lucien Romier, a América repre

sentava juventude, vibração, espírito de iniciativa e magnani

midade. “Os Estados Unidos parecem ser hoje”, insistia em 1927,

o único grande país cujos cidadãos declaram incessantemente seu amor pela sociedade a que pertencem, trabalham

 juntos com entusiasmo pelo aperfeiçoamento dessa socie

dade e, num mundo conduzido ao pessimismo extremo

 pelos problemas sociais, se revelam otimistas nas ques

tões sociais.

A América, dizia ele ainda, tinha conseguido “desproletarizar”

suas massas: “A democracia americana eleva as massas comseu moralismo, mas as democracias européias saturam seus po

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vos de intelectualismo.” E, com muitos outros, Romier assina

lava o domínio das mulheres na família americana. A inexis

tência de medo dos homens, a rejeição do patriarcado, era

eminentemente moderna e libertadora, segundo ele.2

Para Henry W. Nevinson, londrino, romancista e pai do

 pintor C. R. W. Nevinson, até o brilho e o materialismo daAmérica significavam imaginação e vigor. Ao sair de Nova

York, ele escreveu:

Adeus aos escritórios empilhados no céu, tão limpos, tão

aquecidos, onde encantadoras estenógrafas, com meias de

seda e rostos empoados, trabalham comodamente sentadas

ou conversam com uma tranqüilidade encantadora!. . .

Estou indo para uma cidade antiga de ruas miseráveis e

decadentes, de abrigos ignóbeis para a humanidade, que

se estendem monotonamente por muitos quilômetros; cheia

de fumaça imunda que adere mais à pele do que um co

 bertor; de datilógrafas sujas que pouco sabem de seda ou

 pó-de-arroz, e muito menos de comodidade e tranqüili

dade encantadora. .. Adeus ao aquecimento central e aos

radiadores, símbolos adequados dos corações que aque

cem! Adeus aos numerosos e bem equipados banheiros,

viva a arte do encanador!. . . Adeus ao longo fluxo deautomóveis — "limusines” ou "baratinhas”! . . . Adeus

América! Eu vou para casa.3

Quer admirassem ou menosprezassem a efervescência da Amé

rica, muitos concordavam que o futuro da humanidade estava

nesse continente. Os americanos, dizia a escritora britânica

Mary Borden,

deveriam ser observados por qualquer pessoa interessada

no futuro da humanidade, pois os andaimes do mundo do

futuro se erguem contra o céu da América, um mapa

tosco do que há de vir está aberto sobre esse continente,

cuja voz martela e grita as notícias do que vai acontecer

sobre a terra.4

Alguns modernos sentiam-se, no entanto, divididos diantedesta perspectiva. Ivan Goll elogiou Lindbergh, mas não tinha

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certeza de que a América poderia oferecer uma panacéia paraa Europa. "Sem dúvida a Europa está morrendo de senilidade,do ‘eurocoque’. Mas vossa pílula ‘Ameriçoon’ ”, disse ele aosamericanos, "nada mais é do que bicarbonato de sódio”.5 Dia-ghilev revelou a mesma ambivalência. "Á América terá muito

a dizer na arte do futuro”, admitiu em 1926.

Sua influência já se faz sentir por toda parte — na pintura, no teatro e na música. Compositores franceses aproveitaram o idioma do ]azz,  e a América impôs a sua vozaté na antiga e conservadora instituição do balé.6

Mas ele também ficaria muito irritado com a vulgaridade ame

ricana. Em agosto de 1926, em Veneza, seu estado de espírito maldoso:

 Nós nos hospedamos no Hotel des Bains porque a algazarra no Excelsior torna a vida impossível. Veneza inteiraestá em pé de guerra contra Cole Porter por causa deseu  jazz  e de seus negros. Ele inaugurou uma casa noturna idiota num barco ancorado diante da Salute, e agora

o Grande Canal está fervilhando dos mesmos negros quenos fizeram fugir de Londres e Paris. Estão ensinando ocharleston na praia do Lido! É terrível! Os gondoleirosameaçam massacrar todas as velhas americanas daqui.7

Os tradicionalistas franziam as sobrancelhas, reclamavame suspiravam diante da "americanização” da Europa. A América, como os seus filmes, era só energia brilhante e nenhuma

substância. A nação constituía uma gritante contradição, diziam. Ao patriotismo insensato dos americanos cabia contrapora falta de unidade física do país; à grandiosidade arquitetônica de Nova York, a incrível sujeira dessa cidade; ao recatoe puritanismo da América, sua criminalidade e indecente sexualidade; ao humanismo de seus ideais, seu racismo e seus linchamentos; à devoção de sua religião, o caráter burlesco deseus evangelistas esgrimidores de bíblias. Os adjetivos e sí

miles que os britânicos e franceses tinham reservado para osalemães durante a guerra eram agora dirigidos aos americanos.

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ricana começaram a estender os seus tentáculos e exerceramna Alemanha uma influência maior do que em qualquer outra

 parte da Europa, comprando participação em companhias alemãs, adquirindo cinemas e fazendo filmes no país para o mercado alemão. Escritores como Hemingway faziam mais su

cesso na Alemanha do que em todo o resto do mundo, excetoos Estados Unidos.11 Talvez a Lei Seca tenha sido a únicaexperiência americana que os alemães não imitaram na década de 1920. “A Alemanha hoje é uma espécie de América”,escreveu Hermann Hesse. “É preciso nadar e fazer grande alvoroço para não se afogar. Se alguém consegue agir assim, estásão e salvo.”12 Muitos alemães, freqüentemente com hesitaçãoe má consciência, mostravam-se dispostos a declarar, em 1927,

que se sentiam muito mais próximos dos Estados Unidos do queda Grã-Bretanha ou da França. Thomas Mann, como Hesse,não tinha certeza de que isso fosse bom, mas parecia ser realmente uma característica da vida alemã. Até os monumentosda cultura alemã pareciam estar submetidos à americanização, protestou Mann: “Não tenho dúvida alguma de que Bayreuthinteressa hoje mais ao cavalheiro de São Francisco do queao espírito alemão e seu futuro.”13

ASSOCIAÇÕES

 No dia 26 de maio, na noite de quinta-feira da semana queLindbergh passou em Paris, foi organizada uma festa de gala

em sua homenagem, e, dentre todas as alternativas possíveis,o local escolhido foi o Théâtre des Champs-Élysées na AvenueMontaigne. Quando chegou ao teatro, que, convém lembrar,na opinião de um crítico fora construído em estilo zepelim,Lindbergh foi saudado na entrada pelo marechal Franchetd’Espérey, que fora um dos generais franceses mais bem-sucedidos na Grande Guerra e que agora desempenhava a funçãode presidente do fundo de bem-estar dos aviadores. O pú

 blico da festa de gala consistia em ases da aviação francesa,do passado e do presente, e do programa constavam discursos

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c leituras aclamando Lindbergh e a conquista do ar em geral. Neste acontecimento, o herói moderno, a guerra e a estéticamoderna se fundiram simbolicamente.

 Na noite seguinte, sexta-feira, 27 de maio, Diaghilev iniciou sua nova temporada de Paris. O evento celebrava o vigé

simo aniversário da fundação de sua companhia de balé. Olocal, porém, não era o Théâtre des Champs-Élysées, e simo teatro Sarah Bernhardt em Châtelet. Estavam programadasdez representações até 9 de junho. Na noite de estréia o programa consistia em The Triumph of Neptune,  balé “ inglês ”que tivera uma  première  de sucesso em Londres no mês dedezembro anterior, com música de Gerald Berners, libreto deSacheverell Sitwell e coreografia criada pela mais recente des

coberta de Diaghilev, George Balanchine;  La Chatte,  um novo balé, com música de Henri Sauguet, cenário de Naum Gaboe coreografia, especificamente idealizada para Olga Spessivtseva,mais uma vez de Balanchine; e finalmente um revivido Pássaro de fogo,  com o próprio Stravinsky na regência, cenário e figurinos de Goncharova e Larionov, futuristas russos, e coreografia de Fokine.

A imprensa parisiense não deu muita atenção à nova tem

 porada, apesar do aniversário que ela assinalava, e houve poucos artigos de crítica. Lindbergh dominava a atenção detodos. Que ele, a própria encarnação do “pássaro de fogo”,fosse agora festejado no Théâtre des Champs-Élysées, e porum público de aviadores, era uma indicação reveladora decomo o mundo havia mudado. O balé russo era velharia. AAmérica era o novo. Lindbergh estava no palco que Jose- phine Baker e La Revue Nègre tinham conquistado alguns

meses antes. (Quando Lindbergh aterrissou, Mademoiselle Ba-kér, ainda a paixão da vida noturna parisiense, interrompeuseu espetáculo no Folies para anunciar a chegada de seu colega americano.) No entanto,  Le Figaro,  que tinha criticado Le Sacre  de forma tão sarcástica em 1913, não deixou defazer, apropriadamente, uma avaliação da noite de estréia em1927. Sobre Diaghilev, P. B. Ghéusi escreveu:

Este animador russo tem sido o Antoine da moderna artecoreográfica. Sua silenciosa tenacidade, sua fé mística em

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seu próprio sucesso, que o demônio perverso do teatro

não lhe vendeu barato, o fanatismo sorridente de sua arte,

muito mais pessoal do que eslava — tudo isso criou uma

nova escola de pensamento, agora aceita tanto pelo pú

 blico quanto pelo mundo profissional.

Stravinsky também foi lisonjeado por Ghéusi.1 Como Paris e

o mundo ocidental tinham mudado desde 1913!

Pavlova se apresentava em Estocolmo no final de maio.

Chaliapin em Viena. Os críticos mal os notavam. Os que lhes

davam atenção eram bondosos. A voz de Chaliapin tornara-se

menor desde os primeiros tempos, disse um crítico, mas o ar

tista que ele era tinha crescido.2

E Nijinsky? O que lhe acontecera? Em seu último recital, no começo de 1919, antes de ser internado num sanató

rio, ele tinha tentado, diante de um público restrito em St.

Moritz, captar a guerra na dança. "Agora dançarei para vocês

a guerra”, anunciou, "com seu sofrimento, sua destruição, sua

morte”.3 Em seu diário daqueles dias ele se identificava com

Deus, como Nietzsche já o fizera em suas últimas declarações

antes que a escuridão completa da loucura o envolvesse.

Em dezembro de 1928, dias depois do Natal, HarryKessler assistiu a uma representação da companhia de Dia-

ghilev no Opéra de Paris.

Depois, quando eu esperava por Diaghilev no corredor

atrás do palco, ele se aproximou junto com um jovem

 baixo e macilento, metido num casaco esfarrapado. "Não

sabe quem ele é?” perguntou. "Não”, respondi, "real

mente não faço idéia”. "Mas é Nijinsky!”  Nijinsky!  Fiquei estupefato. Seu rosto, tantas vezes radiante como o

de um deus, para milhares uma experiência inesquecível,

estava agora cinzento, flácido, vazio, só fugazmente ilu

minado por um sorriso sem expressão, o brilho brevç de

uma chama quase apagada. Não saiu uma só palavra de

seus lábios. Diaghilev segurava-o por baixo de um dos

 braços e, para descer os três lances de escada, me pediu

que o apoiasse sob o outro, porque aquele que outrora parecia capaz de saltar por cima dos telhados, agora avan

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çava às apalpadelas, incerto, ansioso, de degrau em de

grau. Eu o segurei, apertei-lhe os dedos finos e tentei

animá-lo com palavras amigas. Sem compreender, ele me

fitava com grandes olhos infinitamente comovedores que

me lembravam um animal doente.4

E o que acontecera à primavera? Em 1913, pouco antes

da estréia de  Le Sacre,  os filhos de Isadora Duncan tinham

morrido; o carro em que se encontravam desacompanhados

rolara para dentro do Sena. Agora, em 1927, em Nice, a

"divina Isadora” entrou num Bugatti para um passeio pela

Promenade des Anglais. Arrastava atrás de si uma longa e

elegante echarpe. Que ficou presa. Numa roda. Isadora mor

reu instantaneamente. Havia quebrado o pescoço.T. S. Eliot tinha uma resposta para o problema da pri

mavera. Ele era de St. Louis, como Josephine Baker. E Lind-

 bergh voou no Spirit of St. Louis. Eles todos tinham ido para

a Europa.

 Abril é o mais cruel dos meses, germina

 Lilases da terra morta, mistura

 Memória e desejo, aviva Agônicas raízes com a chuva da primavera.5

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IX

MEMÓRIA

Nós que fizemos a guerra não devemos esquecer a 

guerra nunca. E é por isso que tenho uma foto do 

cadáver de um soldado pregada na porta da minha 

biblioteca.Ha r r y   Cr o s b y

Sejamos, por nossa vez, a primavera que reverdece as terras cinzentas de morte, e de nosso sangue derramado 

pela, justiça façamos surgir, depois das vigílias de horror, belos amanhãs.

Jo s é   Ge r m a i n  

1923

Na escola, e nos livros escritos para meninos, éramos 

tão insistentemente lembrados de que tínhamos ganho 

a guerra que meus amigos de escola e eu sentíamos a curiosidade aguçada a respeito daqueles que a tinham 

perdido. Perder parecia muito mais original e estimulante do que ganhar.

Ri c h a r d   Co bb  

1983

Quem teria pensado, há dezessete anos, que se poderia 

elogiar a harmonia do Sacrel   É um fato. Não se pensa 

mais em suas audácias, admiram-se suas perfeições.

An d r é   Ro u s s e a u  

 Fevereiro de 1930

A VALORIZAÇÃO DA GUERRA

 Im Westen nichts Neues  ou  Nada de novo no front,  de Erich

Maria Remarque, foi publicado pela primeira vez em Berlim

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 pela editora de Ullstein, no final de janeiro de 1929. Vinte

meses depois, em outubro de 1930, o  Nouvelles littéraires  de

Paris se referia a Remarque como o “ autor que tem hoje o

maior público do mundo”.1

Quando o livro foi publicado, precedido de uma cam

 panha publicitária maior do que qualquer outra até entãolançada por uma editora alemã, já tinham sido feitas umas

dez mil encomendas. Durante semanas os pilares de anúncios

comerciais em Berlim estiveram cobertos de cartazes, cada

semana um cartaz diferente. Primeira semana: “Vem aí.” Se

gunda semana: “O grande romance da guerra.” Terceira se

mana: “Nada de novo no front.” Quarfa semana: “De Erich

Maria Remarque.” A esta altura o romance tinha sido pu

 blicado em folhetim no jornal mais importante de Ullstein,o Vossische Zeitung,  de 10 de novembro, um dia antes do

décimo aniversário do Armistício, até 9 de dezembro. Embora

a circulação do jornal não tenha aumentado vertiginosamente,

como alguns alegaram, as vendas subiram realmente um pouco,

e as edições diárias em geral se esgotavam.

Mas, depois da publicação, cohieçou a corrida. Em três

semanas, foram vendidos 200 mil exemplares. A venda de

20 mil exemplares em um só dia não era incomum. No começo de maio 640 mil exemplares tinham sido vendidos na

Alemanha. Traduções inglesas e francesas foram preparadas às

 pressas. A edição inglesa apareceu em março, a americana no

final de maio, e a francesa em junho. O Clube do Livro-do-

Mês Americano fez do romance o escolhido de junho e enco

mendou 60 mil exemplares para os seus 100 mil assinantes.

A Sociedade do Livro, um equivalente do clube do livro na

Grã-Bretanha, “recomendou” o romance a seus sócios. No final do ano, as vendas chegaram a quase um milhão de exem

 plares na Alemanha, e a um outro milhão na Grã-Bretanha,

França e Estados Unidos juntos. Na Alemanha os Ullsteins es

tavam utilizando os serviços de seis gráficas e dez firmas de

encadernação para tentar dar conta da demanda. Na Grã-

Bretanha a biblioteca pública de Bàrrow anunciou a seus usuá

rios em novembro que  Nada de novo no front   tinha reservas

antecipadas para dois anos! No espaço de um ano o livro foratraduzido para cerca de vinte línguas, inclusive, chinês e espe-

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ranto, e os Ullsteins, em seu notável esforço promocional,

mandaram até preparar uma edição alemã em Braille, que era

enviada sem ônus para todo veterano cego que a solicitasse.2

Quase da noite para o dia o romance de Remarque se

tornara, como dizia um comentário, "o fenômeno da venda

de livros no pós-guerra”. Mas isso era dizer pouco. O sucesso de Remarque não tinha precedentes em toda a história

editorial. Na Inglaterra e na Alemanha o comércio livreiro,

que havia sofrido durante toda a década mas àquela altura se

encontrava em apuros ainda maiores devido ao declínio geral

da economia em 1928-1929, agradeceu. “Remarque é o pão

nosso de cada dia”, gracejavam os* livreiros de Berlim.3

O sucesso espetacular de Remarque provocou uma en

chente de livros de guerra e de outros textos que tratavam da

guerra, introduzindo o que veio a ser conhecido como a “valo

rização da guerra” de 1929-1930. Romances e memórias de

guerra dominaram de repente as listas das editoras. Robert

Graves, Edmund Blunden, Siegfried Sassoon, Ludwig Renn, Ar-

nold Zweig e Ernest Hemingway, entre outros, tornaram-se

nomes familiares. Eram tão requisitados, para falar em pú

 blico e no rádio, que não conseguiam atender ao excesso de

convites. O repentino interesse público pela guerra fez. comque manuscritos mofados, antes rejeitados por editores caute

losos que achavam que a guerra não venderia, fossem im

 pressos às carreiras. Novos livros também eram rapidamente

encomendados e redigidos em ritmo veloz.

Os tradutores eram muito solicitados. O palco logo abriu

espaço para o drama de guerra, e Fim de jornada, de R. C.

Sherriff, no qual Laurence Olivier desempenhou o papel prin

cipal na última parte da temporada londrina, tornou-se umsucesso internacional. Em novembro de 1929 a peça estava

sendo representada em doze países estrangeiros. O cinema, que

não se mostrara tão relutante quanto as editoras em aproveitar

o filão da guerra — Hollywood começara uma pequena onda

em 1926 através de filmes como What Price Glory?, O grande 

desfite  e  Asas  —, o cinema veio então se juntar à nova voga

com uma série de filmes de guerra. As galerias expunham

 pinturas e fotografias da guerra. Os jornais e periódicos davam muito espaço a discussões sobre a guerra, passada e fu

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tura. Rompia-se vingativamente o que alguns sentiam ter sido

um silêncio deliberado sobre a guerra.

O que provocou o repentino ressurgimento do interesse

 pela guerra no final dos anos vinte? E o que a valorização

da guerra revelava? Um exame das motivações que levaram

Remarque a escrever seu romance talvez nos dê algumas pistas.

VIDA DA MORTE

Até a publicação de  Nada de novo no front,  Erich Maria Re

marque tinha levado uma vida moderadamente bem-sucedida,embora instável, como um intelectual diletante e aspirante a

escritor. Nasceu em 22 de junho de 1898, em Osnabrück,

filho de um encadernador católico, Peter Franz Remark, e de

sua esposa, Anne Maria. Batizado Erich Paul, adotou um pseu

dônimo depois da guerra, abandonando o Paul — o perso

nagem principal de  Nada de novo no front   chama-se Paul e

morre perto do fim da guerra —, acrescentando o nome dc

sua mãe e afrancesando o sobrenome. Remarque não teve umainfância feliz. Seu ambiente de classe média baixa aparente

mente o deprimiu. Como disse mais tarde, ficou profundamente

comovido quando jovem com os sofrimentos do Werther sen

sível e neurastênico de Goethe; dizia-se um romântico; e fre-

qüentemente brincava com a idéia de suicídio. Esse ânimo

de dúvida existencial nunca o abandonaria. Impregna toda a

sua oeuvre.  Em público, apesar de desejar claramente o reco

nhecimento, sempre assumia os modos de um recluso. Emboraacabasse por se casar com Paulette Goddard, estrela de cinema

e ex-mulher de Charles Chaplin, e levasse uma vida extra

vagante em Nova York, rodeado de todos os sinais exteriores

do* sucesso, continuaria — segundo as aparências — desespe

radamente infeliz, um fumante inveterado, um bêbado contu

maz, fixado em carros velozes, lanchas e fuga.

A origem social de Remarque não pode ser desconside

rada. Ele era produto de um grupo social fortemente afetado pelas mudanças tecnológicas e sociais. John Middleton Murry,

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que também sofrera em sua juventude de uma intensa ansie

dade que ele suspeitava provir de sua origem social, dizia

que a baixa classe média urbana era “o segmento mais com

 pletamente deserdado da sociedade moderna”.1 Era uma ca

mada que a guerra e especialmente a instabilidade econômica

dos anos vinte atacariam com ferocidade.

Um mistério enorme cerca a experiência de guerra de

Remarque. Com dezesseis anos quando irrompeu a guerra,

em agosto de 1914, ele foi convocado dois anos mais tarde,

em novembro de 1916, enquanto estudava para ser professor,

e enfrentou pela primeira vez o combate na linha de frente em

Flandres, em junho de 1917. No  frcnt   foi ferido, segundo seu

 próprio testemunho, quatro ou cinco vezes, mas conforme ou

tras fontes, apenas uma vez gravemente. O Ministro do Exército alemão, general Groener, informaria a seus colegas de

gabinete em dezembro de 1930 que Remarque tinha sido fe

rido no joelho esquerdo e sob um dos braços em 31 de julho

de 1917, permanecendo num hospital em Duisburg de 3 de

agosto de 1917 até 31 de outubro de 1918. O ministro rejeitou

como falsas as informações de que Remarque tinha sido con

decorado ou promovido.2

 Não se sabe muito mais sobre os dias de soldado deRemarque. Depois que foi catapultado para a fama interna

cional, mostrou-se relutante em dar entrevistas, e menos ainda

informações precisas sobre sua carreira na guerra. Demons

trou pouco interesse em rebater qualquer um dos boatos gros

seiros que circulavam sobre sua vida anterior, e muitos de

seus críticos achavam suspeita suá aversão à notoriedade. Em

1929 e 1930 houve uma tentativa sistemática de desvendar o

“verdadeiro” Remarque, especialmente para refutar a afirmação de seu editor, Ullstein, de que Remarque era um sol

dado tarimbado. Um homem chamado Peter Kropp contou ter

 passado um ano no hospital junto com o autor durante a

guerra e ter sido o modelo para Albert Kropp, um dos perso

nagens de  Nada de novo no front.  Kropp disse que o feri

mento na perna que hospitalizou Remarque tinha sido feito

 pelas próprias mãos do escritor, e insistia em que, uma vez

curado o ferimento, ele se tornara funcionário do hospital. No final das contas, afirmava Kropp, Remarque não tinha

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qualificações especiais para representar os sentimentos e o

comportamento do soldado do  front .3 Embora muitas das ale

gações dos críticos e adversários de Remarque fossem mal

dosas e inspiradas pela inveja, pelo oportunismo e pelo pro

 pósito político, parece haver realmente motivos para suspeitar

que a experiência de guerra de Remarque não foi tão amplaquanto sugeria seu romance e, particularmente, o esforço pro

mocional que o cercou.

Depois da guerra, Remarque retornou brevemente ao se

minário católico para professores, de Osnabrück, e no início

de 1919 tornou-se mestre-escola de aldeia. Logo abandonou

esta ocupação, passando a atuar como jornalista  free-lance  e a

realizar outras tarefas extras para enfrentar suas necessidades

financeiras. Publicou artigos sobre carros, barcos, receitas decoquetel; trabalhou por algum tempo numa firma de manufa

tura de pneus em Hanover, escrevendo  jingles  de propaganda;

finalmente tornou-se editor de fotografia em Berlim para uma

 publicação de propriedade de uma firma de tendência direi

tista, Scherl. Apesar de seu título enganador, a revista lu

xuosa, da alta sociedade, Sport im Bild   era uma versão alemã

de The Tatler.  Enquanto isso, Remarque tentava escrever seria

mente, trabalhando em romances, poesias e numa peça deteatro. Dois de seus romances foram publicados,  Die Traumbude 

(O quarto dos sonhos) em 1920 e Station am Horizont   (Es

tação Horizonte) em 1928, mas não parece ter ficado muito

satisfeito com o resultado. O sentimentalismo b^nal relegava

a primeira obra à categoria de ficção barata. Sobre  Die Traum

bude  Remarque diria mais tarde:

Um livro realmente infame. Dois anos depois de o pu blicar, tive vontade de comprar todos os exemplares e

tirá-lo de circulação. Infelizmente não tinha dinheiro sufi

ciente. Os Ullsteins fizeram isso por mim, mais tarde. Se

não tivesse escrito nada melhor depois, o livro teria sido

uma razão para me suicidar.4

Em 1921 enviou alguns poemas a Stefan Zweig para que este

os comentasse, anexando uma carta de quase desespero: "Lem bre-se de que esta é uma questão de vida ou morte para mim!”

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Uma tentativa de escrever uma peça de teatro deixou-o profundamente deprimido.5

O motivo da morte aqui é impressionante: pensamentossobre suicídio na juventude e ameaças de consumá-lo quandoadulto. Junto com o romantismo resultante e a existência nômade, o motivo indica um homem profundamente desconsolado, procurando uma explicação para sua insatisfação. E nesta busca;Remarque finalmente encontrou a Kriegserleben,  a experiência de guerra.

A idéia de que a guerra era a fonte de todos os maleslhe veio de repente, confessou. “Todos nós estávamos”, dissede si mesmo e de seus amigos numa entrevista em 1929, “e

ainda estamos, inquietos, sem rumo, às vezes excitados, àsvezes indiferentes e vessencialmente infelizes”. Mas, num momento de inspiração, ele tinha pelo menos descoberto a chave para o mal-estar. A guerra!6

 Numa resenha que escreveu em junho de 1928 para Sport  im Bild , sobre os livros de guerra de Ernst Jünger, FranzSchauwecker e Georg von der Vring, entre outros, pode-sever que, depois de sua “descoberta”, ele não estava verdadei

ramente interessado em explorar a variedade da experiênciada guerra, sendo o seu objetivo principal apenas descrever osterríveis efeitos da guerra sobre a geração que cresceu duranteo conflito. É até possível que esses livros tenham sido a fontede sua inspiração. O vitalismo efusivo e inebriante de Jüngere sua grandeza brutal, o nacionalismo místico e ansioso deSchauwecker e a simplicidade lírica de von der Vring foramreunidos numa análise um tanto vaga que demonstrava pouca-

estima por essas interpretações distintas da experiência daguerra.7 Deve-se concluir que Remarque estava mais interessado em justificar o desequilíbrio emocional de uma geração doque em oferecer um relato abrangente ou mesmo preciso da ex periência e dos sentimentos dos homens nas trincheiras. Muitas das metáforas e imagens que Remarque utilizou em seulivro‘são impressionantemente semelhantes às empregadas pelosautores que tinha discutido, Jünger em particular, e não é

desarrazoado sugerir que tenha tirado muitas de suas idéiasdessas fontes.

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Em julho de 1928 Remarque publicou um outro artigo

em Sport im Bild   que lança ainda mais luz sobre seu modo

de pensar na época. Era um texto curto e um tanto ingênuo

sobre a fotografia moderna, no qual ele lamentava a injustiça

que a maioria dos fotógrafos profissionais cometia em relação

à realidade. Ao isolarem seus temas de um contexto mais am plo, ao transformarem o mundo num "formato 9x12 ou

10x15” limpo e róseo, os fotógrafos criavam um mundo ilu

sório.8 A tese era simples e honesta, mas vindo de um editor

de fotografia de uma revista cara e esnobe, tinha uma pungên

cia patética; indicava como o autor estava infeliz no seu tra

 balho e ambiente.

Tendo-se fixado na "experiência da guerra”, Remarque

sentou-se para escrever em meados de 1928. Trabalhando ànoite e nos fins de semana, completou seu livro, segundo afir

mou, em seis semanas. A subitaneidade da inspiração, a velo

cidade da composição e a simplicidade do tema indicam que

o livro de Remarque não foi o produto de anos de reflexão e

 ponderação, mas de um impulso nascido da exasperação

 pessoal.

Remarque enunciou o objetivo de  Nada de novo no front  

num breve e enérgico comentário preliminar:

Este livro não pretende ser um libelo nem uma confissão,

muito menos uma aventura. . . Apenas procura mostrar o

que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapa

do às granadas, foram destruídos pela guerra.9

A história relata então as experiências de Paul Bàumer e seus

companheiros de escola, que saem das salas de aula para astrincheiras, cheios de energia e convicção, cavaleiros entusias

tas de uma causa pessoal e nacional. Um a um, eles são ani

quilados no  front , não apenas pelo fogo do inimigo mas tam

 bém por um crescente sentimento de inutilidade. A guerra deixa

de ser uma causa para se tornar um Moloch inexorável e insa

ciável. Os soldados não têm como escapar da matança roti

neira; são homens condenados. Morrem gritando, mas sem serem

ouvidos; morrem resignados mas em vão. O mundo para alémdos canhões não os conhece; não pode conhecê-los. "Acredito

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que estamos perdidos”, diz Paul. Só resta a fraternidade da

morte, a camaradagem dos condenados. No final Paul morre,

infeliz mas estranhamente em paz com seu destino. A última

cena da versão cinematográfica americana do romance iria

ser uma evocação magistral da atmosfera da obra de Remar

que: a bala de um atirador de tocaia atinge o-alvo quando Paulse ergue na trincheira para tocar o que a guerra tornara intan

gível, uma borboleta. Todos os lemas perdem seu significado

quando os homens sofrem mortes violentas — patriotismo, de

ver nacional, honra, glória, heroísmo, bravura. O mundo ex

terior consiste apenas em brutalidade, hipocrisia, ilusão. Até

os laços íntimos da família foram despedaçados. Resta o homem

só, sem um ponto de apoio no mundo real.

A simplicidade e a potência do tema — a guerra comoforça aviltadora e totalmente destrutiva, na verdade niilista —

adquirem áspera expressividade graças a um estilo incisivo e

mesmo brutal. Cenas breves e frases curtas e vivas, na primei

ra pessoa e no presente do indicativo, criam uma instantanei-

dade inescapável e absorvente. Não há delicadeza. A lingua

gem é freqüentemente rude, as imagens quase sempre medo

nhas. O romance tem uma consistência de estilo e propósito

que faltara à obra anterior de Remarque e que poucas de suas

obras subseqüentes alcançariam.

Apesar do comentário introdutório de Remarque e de sua

reiteração da idéia em declarações posteriores, poucos críticos

contemporâneos notaram, e os que vieram depois geralmente

ignoraram, que  Nada de novo no front   não era um livro sobre

os acontecimentos da guerra — não era uma memória, muito

menos um diário10 —, mas uma denúncia irada dos efeitos daguerra sobre a jovem geração que viveu o conflito. Cenas, inci

dentes e imagens foram escolhidos para mostrar como a guerra

tinha destruído os laços psicológicos, morais e reais entre a

geração no  front   e a sociedade nacional. “Se voltarmos”, diz

Paul, “estaremos cansados, alquebrados, destruídos, sem raízes

e sem esperanças. Não seremos mais capazes de encontrar nosso

caminho”. A guerra, declarou Remarque em 1928, tinha des

truído a possibilidade de levar o que a sociedade considerariauma existência normal.

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Portanto,  Nada de novo no front   é mais um comentário

sobre o espírito do pós-guerra, sobre a visão da guerra no

 pós-guerra, do que uma tentativa de reconstruir a realidade da

experiência da trincheira. De fato, aquela realidade é distor

cida, como insistiram muitos críticos — embora com pouca

influência sobre a aclamação inicial que o romance recebeu.Os críticos de Remarque diziam que no mínimo ele represen

tava erroneamente a realidade física da guerra: um homem com

as pernas ou a cabeça arrancadas não podia continuar a correr,

 protestavam veementemente, referindo-se a duas das imagens

que Remarque tinha usado. Mas muito mais séria do que essas

inabilidades, alegavam, era sua falta de compreensão dos as

 pectos morais do comportamento dos soldados. Os soldados

não eram robôs, destituídos de qualquer senso de finalidade.Apoiavam-se num amplo espectro de valores firmemente esta

 belecidos.11

Embora seu editor não gostasse dessas restrições, porque

minavam a credibilidade do romance, Remarque estava pronto

a afirmar que seu livro tratava fundamentalmente da geração

do pós-guerra. Em 1929, numa discussão pela imprensa com

o general Sir Ian Hamilton, comandante britânico em Gallipoli

em 1915 e agora comandante da Legião Britânica, Remarque

expressou seu "espanto” e sua "admiração” pelo. fato de Ha

milton, por exemplo, ter compreendido as suas intenções ao

escrever  Nada de novo no front :

Eu queria simplesmente despertar compreensão para uma

geração que, mais do que todas as outras, achou difícil,

depois de quatro anos de morte, luta e terror, encontrar

o caminho de volta aos campos pacíficos do trabalho e do

 progresso.12

Foi em parte a interpretação errônea de seu objetivo que levou

Remarque a escrever uma continuação de  Nada de novo no 

 front. Der Weg zurück   (O Caminho de Volta),  romance pu

 blicado em 1931, discutia explicitamente o caso da "geração perdida”.

Pode-se ver  Nada de novo no front   não como uma expli

cação mas como um sintoma da confusão e desorientação domundo do pós-guerra, particularmente da geração que atingiu

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a maturidade durante a guerra. O romance era uma condenação

emocional, uma afirmação do instinto, um cri d'angoisse  de

um insatisfeito, um homem que não conseguia encontrar seu

lugar adequado na sociedade. Que a guerra contribuiu grande

mente para a inépcia de grande parte da geração do pós-guerra

é inegável; que a guerra foi a causa básica deste transtornosocial é pelo menos discutível; mas Remarque nunca participou

diretamente do debate. Para Remarque a guerra se transforma

ra num veículo de fuga. Remarque e seu livro eram, tomando

emprestadas as palavras de Karl Kraus, sintomas da doença

que afirmavam diagnosticar.

Apesar da declaração inicial de imparcialidade por parte

de Remarque — de que seu livro não era "nem uma acusação,

nem uma confissão” —, o romance era de fato as duas coisas.E mais. Era uma confissão de desespero pessoal, mas era tam

 bém uma denúncia indignada contra uma ordem social e polí

tica insensata, inevitavelmente contra aquela ordem que produ

zira o horror e a destruição da guerra mas particularmente

contra aquela que não conseguia liquidar a guerra e lidar com

as aspirações dos veteranos. Através de personagens identificá

veis com o Estado — o mestre-escola com suas fantasias imu

táveis sobre patriotismo e bravura, o ex-carteiro que funcionacomo um robô sem sentimentos em seu novo papel de sargento

instrutor, os funcionários e médicos do hospital que não tratam

do sofrimento humano, apenas de corpos — Remarque acusava.

Acusava uma civilização mecanicista de destruir valores huma

nos, de negar a caridade, o amor, o humor, a beleza e a indi

vidualidade. Porém, Remarque não oferecia alternativas. As

 personagens de sua generazione bruciata  — a idéia italiana de

uma "geração queimada” é apropriada — não agem; são apenas vítimas. De todos os livros sobre a guerra publicados no

final dos anos vinte — os romances de Arnold Zweig, Renn,

R. H. Mottram, H. M. Tomlinson, Richard Aldington, Heming

way, e as memórias de Graves, Blunden, Sassoon, para citar

apenas algumas das obras mais importantes — o de Remarque

demonstra, de uma forma muito direta e emocional, até espa

lhafatosa, que a sua era uma geração verdadeiramente perdida,

e esse estilo direto e passional estava no âmago de seu apelo popular.

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Porém havia mais. A “agonia romântica” era um grito

selvagem de revolta e desespero —‘e um grito de regozijo. Na

 perversão podia haver prazer. Na escuridão, luz. A relação

de Remarque e de sua geração %com a morte e a destruição

não é tão singela como parece. Em sua vida pessoal e em suas

reflexões sobre a guerra, Remarque parecia estar fascinado pela

morte. Toda a sua obra posterior transpira esta fascinação. Co

mo um crítico disse mais tarde, Remarque “provavelmente ga

nhou mais com a morte do que os mais elegantes agentes fune

rários”.13 Como os dadaístas, ele se deixou enfeitiçar pela guer

ra e*seu horror, pelo ato de destruição, até o ponto em que

a morte deixa de ser a antítese da vida e passa a ser a expres

são máxima da vida, em que a morte se torna uma força criativa, uma fonte de arte e vitalidade. Ao conhecer Remarque,

um jovem, Michel Tournier, notou a natureza paradoxal deste

autor-herói moderno: famoso mundialmente por seu antimilita-

rismo, Remarque, “com sua postura rígida, seu rosto severo e

retangular e seu inseparável monóculo”, parecia um oficial

 prussiano em tamanho maior que o natural.14

Muitos da geração de Remarque compartilhavam a sua

visão apocalíptica pós-cristã de vida, paz e felicidade na morte.Quando se apresentava num concerto para executar sua pró

 pria música, George Antheil carregava uma pistola no casaco

de seu traje a rigor. Ao se sentar para tocar, tirava a pistola

e a colocava sobre o piano. O revólver belga de calibre .25

que Harry Crosby usou em dezembro de 1929 para matar a sua

amante e se suicidar tinha um símbolo do sol gravado no lado.

Um ano antes, ao saudar Dido, Cleópatra, Sócrates, Modigliani

e Van Gogh entre outros, ele tinha prometido que em breve“gozaria um orgasmo com a sombria Escrava da Morte, a fim

de renascer”. Ele ansiava por “explodir. . . na fúria frenética

do Sol, na loucura do Sol nos quentes braços dourados e nos

quentes olhos dourados da Deusa do Sol!”15

O sucesso não suavizaria Remarque nem acalmaria sua

ansiedade crônica. Até* a vivaz Condessa Waldeck, nascida

Rosie Gráfenberg, que em 1929-1930 era a mulher de Franz

Ullstein, tinha mais tarde o seguinte a dizer sobre o jovemautor no auge de seu sucesso:

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Rçmarque estava na faixa dos trinta anos. Tinha um rosto

de menino bonito com uma boca desafiadora e macia. Os

Ullsteins o achavam um pouco difícil. Mas isso se deviaapenas ao fato de Remarque ter quase recusado o carro

que a firma agradecida lhe deu de presente, porque fal

tavam as malas de viagem que, em sua opinião, faziam parte do porta-malas. Eu mesma achava encantadoramente

infantis esta e outras características de Remarque; ele que

ria o seu brinquedo exatamente como o tinha imaginado.

Era um trabalhador esforçado. Freqüentemente trancava-

se dezessete horas a fio num quarto em que nem sequer

um divã era permitido, pois poderia ser um convite à

 preguiça. Tinha uma pena enorme de si mesmo por tra

 balhar tanto — por ser Remarque.16

FAMA

Segundo Remarque, seu manuscrito pronto ficou seis meses

na gaveta. Na verdade ficou provavelmente uns dois ou três

meses. A firma em que trabalhava, a Scherl, parte importantedo império jornalístico de tendência nacionalista de direita co

mandado por Alfred Hugenberg, não podia sequer ser cogitado

como um potencial editor da obra. Por fim, Remarque entrou

em contato com a S. Fischer Verlag, a editora literária mais

 bem conceituada da Alemanha, mas Samuel Fischer ainda es

tava convencido de que a guerra não venderia livros. Rejeitou

o manuscrito.

Através de um conhecido, Remarque ficou sabendo queFranz Ullstein sentia, ao contrário, que era hora de publicar

livros sobre a guerra. Remarque tentou a Ullstein Verlag. Ali

o manuscrito passou pelas mãos de vários leitores. “O tom inu

sitado prendeu a atenção” de Max Krell; Cyril Soschka, chefe

do departamento de produção e veterano da guerra, convenceu-

se de que seria um grande sucesso, porque dizia “a verdade

sobre a guerra” — uma frase em torno da qual giraria a con

trovérsia sobre o livro; Monty Jacobs, editor de  feuilleton  doVossische Zeitung  de Ullstein, aceitou o romance para ser pu

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 blicado em folhetim. Os Ullsteins adquiriram grande confiança

no livro e, liderados por Franz Ullstein, um dos cinco irmãos

que dirigiam o grande complexo editorial e jornalístico, lan

çaram a seguir a sua ostentosa e cara campanha publicitária.1

A reação crítica inicial ao livro de Remarque foi muito

entusiástica, não só na Alemanha, onde o dramaturgo CariZuckmayer escreveu a primeira resenha para o jornal de gran

de ^circulação  Berliner lllustrirte Zeitung  dos Ullsteins, chaman

do  Nada de novo no front   de um “diário de guerra”, mas tam

 bém quando foram publicadas as traduções francesa e inglesa.

Foram elogiados com entusiasmo o retrato supostamente franco

que Remarque teria delineado das reações humanas à guerra e

a descrição de uma dolorosa dignidade em meio ao sofrimento.

“O maior dos romances da guerra” era uma expressão queaparecia repetidas vezes nas resenhas. Sua “sagrada sobrieda

de” provocaria “a reabilitação.de nossa geração”, predisse Axel

Eggebrecht, famoso e respeitado crítico alemão. Herbert Read,

veterano* poeta e historiador de arte, anunciou a história de

Remarque como “a Bíblia do soldado comum” e fez vibrar,

dessa forma, uma nota religiosa que voltaria a ser empregada

com freqüência nos comentários. “Arrebatou a Alemanha como

o evangelho”, escreveu Read, “e deve arrebatar o mundo todo, porque é a primeira expressão literária inteiramente satisfató

ria do maior acontecimento de nosso tempo”. Acrescentou que

àquela altura já tinha lido o livro “seis ou sete vezes”. Um

americano exaltou “sua simplicidade explosiva” e rotulou o ro

mance de o “Livro da Década”: “Gostaria de ver a venda atin

gir a cifra de um milhão de exemplares”, concluiu Christopher

Morley. Daniel-Rops, filósofo, teólogo e historiador, compar

tilhava esses sentimentos na Suíça; era “o livro que esperávamos” há dez anos, dissfe. Bruno Frank, Bernhard Kellermann,

G. Lowes Dickinson e Henry Seidel Canby foram outras emi

nentes figuras literárias entre os primeiros entusiastas. Várias

 pessoas sugeriram que Remarque deveria ganhar o Prêmio No-

 bel de literatura.2

 Nas resenhas iniciais, portanto, foi rara a nota de crítica

enérgica, e havia unanimidade na crença de que o livro apre

sentava “a verdade sobre a guerra”, ou, como disse o Sunday Chronicle  de Londres, “a verdadeira história do maior pesadelo

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do mundo”.3 A exuberância, especialmente o emprego extra

vagante de superlativos e absolutos, bem como a estridente in

sistência em afirmar que este livro contava “a verdade”, indi

cava que Remarque havia tocado num nervo sensível e que

muitas pessoas compartilhavam inteiramente a sua frustração

 — sua frustração pós-guerra. O tom do romance e o tom das primeiras críticas eram muito semelhantes.

Mas qual era esta “verdade” a que quase todos se refe

riam? Que a guerra tinha sido uma matança niilista sem fun

damento lógico? Que seus protagonistas da linha de frente e

 principais vítimas não tinham nenhuma noção do propósito de

sua luta? Que, em suma, a guerra tinha sido em vão? Poucos

falavam assim sem rodeios, mas á esquerda liberal e os socia

listas moderados de toda a Europa, e até de algumas partesda América e dos países da Comunidade Britânica de Nações,

tendiam a ver a guerra como um conflito civil trágico e inútil

na Europa, algo que não precisava ter ocorrido.

Entretanto, quando as vendas cresceram durante a prima

vera e o verão de 1929, uma oposição começou a se organizar

e a expressar suas opiniões, de forma tão ruidosa quanto os

 primeiros admiradores. A esquerda comunista ridicularizava o

romance por ser um exemplo da esterilidade da inteligência burguesa: a mentalidade burguesa, incapaz de localizar a fonte

real da desordem social, recorria, em seu tratamento da guerra,

a uma sentimentalidade lacrimosa e ao remorso. O livro e.ra

visto como uma bela ilustração do “declínio” da mentalidade

“ocidental”.4 Para aqueles que se encontravam na outra extre

midade do espectro político, a direita conservadora, a obra

de Remarque revelava-se perniciosa porque ameaçava todo o

significado do conservadorismo do pós-guerra, a idéia de umaregeneração baseada em valores tradicionais. Aos olhos dos

conservadores de todos os países beligerantes a guerra tinha

sido uma necessidade, trágica certamente, mas ainda assim ine

vitável. Caso se passasse a considerar que a gúerra fora um

absurdo, então o conservadorismo como conjunto de crenças

era um absurdo. Conseqüentemente,  Nada de novo no front  

tinha de ser rejeitado — como “imundície e horror” delibera-

damente “comercializados” e como a excrescência de umamente desesperada que não soubera se elevar acima do inevi

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tável horror da guerra para ver "as questões eternas envolvi

das”, a grandeza de uma idéia, a beleza do sacrifício e a no

 breza do propósito coletivo.5

A oposição fascista ao romance misturava-se freqüente-

mente com a dos conservadores e apresentava muitos dos mes

mos argumentos, mas havia uma diferença essencial no raciocínio. Para os fascistas o objetivo da guerra era menos sagra

do do que a "experiência” da guerra, a própria essência da

guerra, seu caráter imediato, sua tragédia, sua alegria, sua

definitiva inefabilidade em quaisquer termos que não fossem

místicos e espirituais. A guerra, como veremos, deu significado

ao fascismo. Assim, qualquer sugestão de que a guerra fora

sem propósito constituía uma censura à própria existência dessa

forma de extremismo. Foi aqui, na extrema direita, que sereuniu a oposição mais ativa a Remarque e a toda a onda dos

chamados livros, filmes e outros artefatos negativos sobre a

guerra.

Tanto ós tradicionalistas como os extremistas de direita

se enfureciam com o que achavam ser um retrato inteiramente

unilateral da experiência de guerra. Tinham objeções à lingua

gem do romance, às imagens horripilantes, às freqüentes refe

rências às funções do corpo e especialmente a uma cena queapresentava um grupo jovial empoleirado nas latrinas do campo.

Little, Brown and Company' de Boston, a editora americana,

eliminou de fato a cena da latrina por insistência do Clube

do Livro-do-Mês, cortou um episódio que dizia respeito a uma

relação sexual num hospital e suavizou certas palavras e ex

 pressões da tradução britânica de A. W. Wheen.6 A passagem

da latrina, conservada na edição britânica, foi o alvo preferido

de um grande número de críticos britânicos, que começaram ase referir a Remarque como o sumo sacerdote da "escola de

lavatório” dos romancistas da guerra. Em novembro de 1929

The London Mercury  sentiu necessidade de emitir sua opinião

sobre esta escola.

"A crítica”, escreveu Anatole France, "é a aventura da

alma entre obras-primas”. A aventura da alma entre lava

tórios não é convidativa: mas isto é,.de certa forma, o que.a crítica dos romances alemães recém-traduzidos deve

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sem a coragem e a honestidade de desejar saber como é realmente a guerra moderna”, ele acrescentou: “Não precisam temer a propaganda alemã. O livro está bem acima de tudoisso. É a verdade, dita por um homem dotado da força deum grande artista, embora mal tenha consciência do grande

artista que é.”10Mas J. C. Squire e The London Mercury  não queriam sa

 ber de nada disso. “Esta não é a verdade”, retrucavam, refe-rindo-se à obra de Remarque e a outros romancistas alemãesda guerra, e advertiam contra a aparente tendência do público

 britânico a “sentimentalizar-se com os alemães” e negligenciaros franceses. Depois, com uma explosão assombrosa de ferocidade que lembrava a própria guerra, continuaram:

Repetimos. . . (na condição de cosmopolitas e pacifistas.,mas igualmente na de quem enfrenta os fatos) que osalemães (muitos dos .quais só foram cristianizados no século XVI) contribuíram na verdade muito pouco para acultura européia... Na guerra exageramos os defeitos doinimigo; que não sejamos levados a exagerar seus méritosem tempo de paz; acima de tudo, que, numa reação ca

 prichosa, não nos interessemos mais pelo inimigo do que pelo amigo. A verdade nua e crua é que os russos, queainda são em grande parte bárbaros, contribuíram muitomais, na música e na literatura, para a cultura dô séculoXIX do que os alemães, sem falar nos prussianos de cabeçaquadrada, contribuíram em centenas de anos... Paz comos alemães, sem dúvida; entendimento com os alemães, se possível; mas não concentremos, por mero sentimentalismo, nosso olhar nos alemães a expensas de •povos mais

cultivados, produtivos e civilizados. Acolhamos, sem dúvida, tudo de bom que possa vir da Alemanha; mas a tendência atual é pensar que qualquer coisa que vem da Alemanha deve ser boa. “Omne Teutonicum pro magnifico” parece o lema dos editores e da imprçnsa: é um lemagrotesco.11

Paradoxalmente, quando em fevereiro de 1930 Wilhelm Frick,

recém-nomeado Ministro do Interior nazista do governo estadual da Turíngia, proibiu  Nada de novo no front   nas escolas

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do Estado, um jornal nazista, ao anunciar o decreto, comentou:“É hora de sustar a infecção das escolas com propaganda marxista pacifista.”12

Tanto o elogio crítico como os insultos que  Nada de novo no front   provocou tinham, afinal, pouco a ver com a substân

cia do romance. Assim como  Nada de novo no front   era umreflexo mais da mentalidade do pós-guerra do que da mentalidade do tempo da guerra, o comentário também era umreflexo dos investimentos políticos e emocionais do pós-guerra.Mas todos fingiam estar discutindo objetivamente a essência daexperiência da guerra. O diálogo crítico era digno de personagens de uma peça de Tchekhov. As falas de todos passavamao largo dos interlocutores. A reação do público em geral era

semelhante.O sucesso de Remarque aconteceu durante o que agora

compreendemos ter sido uma encruzilhada no período entreas duas guerras: a interseção de dois estados de espírito, um,de vaga, implorante esperança, e o outro de medo paralisador;“o espírito de Locarno” e um movimento de aparente pros

 peridade cruzando com uma incipiente crise econômica e umacrescente introspecção nacional.

Junto com os esforços em favor de uma dêtente  internacional depois de 1925, uma onda de humanismo varreu o Ocidente. Mas era um humanismo mais desiderativo que afirmativo. Em 1927 Thomton Wilder concluiu seu romance vencedor do Prêmio Pulitzer,  A ponte de San Luis Rey, com aseguinte frase: “Há uma terra dos vivos e uma terra dos mortos, e a ponte é o amor, a única sobrevivência, o único significado.” Melancolia, sentimentalismo e desejo constituem aqui

a atmosfera dominante. Dois anos mais tarde, em 1929, o desastroso colapso econômico trouxe à tona, de maneira brutal,a dúvida latente. Em sua totalidade, as atividades culturais

 populares dos anos vinte eram, mais ou menos, uma saudação perplexa a um tempo passado em que o indivíduo havia tidoum objetivo social reconhecido.

A valorização da guerra no final dos anos vinte e no começo dos anos trinta foi um produto dessa mistura de aspira

ção, ansiedade e dúvida. Todos os livros de guerra bem-sucedidos foram escritos do ponto de vista do indivíduo, e não

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da unidade militar ou da nação. O livro de Remarque, escritona primeira pessoa, personificou para todos o destino do soldado desconhecido. Paul Bãumer tomou-se Todo Mundo. Sóneste nível é que a guerra podia ter algum significado, no níveldo sofrimento individual. A guerra era mais uma questão de

experiência individual do que de interpretação coletiva. Passara a ser uma questão de arte, e não de história.

A arte se tornara mais importante do que a história. Ahistória pertencia a uma era de racionalismo, ao século XVIIIe particularmerite ao século XIX. Este último demonstrara grande respeito pelos seus historiadores. Os Guizot, Michelet, Ranke,Macaulay e Acton eram lidos e apreciados, especialmente poruma burguesia empenhada em expansão e integração. Nosso

século, ao contrário, tem sido uma era anti-histórica, em parte porque os historiadores não conseguiram se adaptar aos sentimentos de sua época, mas sobretudo porque este século temsido mais de des-integração do que de integração. Conseqüen-temente, o psicólogo tem sido mais requisitado do que o historiador. E o artista tem sido alvo de mais respeito do que qualquer um deles.

É digno de nota que, entre as montanhas de escritos sobre

o tema da Grande Guerra, uma boa quantidade das tentativasmais satisfatórias de lidar com o seu significado veio da penade poetas, romancistas e até críticos literários, e que os historiadores profissionais produziram, de modo geral, relatos especializados e limitados, a maioria dos quais de pálida força evocativa e explicativa, se comparados com os dos littérateurs.  Oshistoriadores não conseguiram encontrar explicações para o conflito que correspondessem às horrendas realidades, à experiên

cia real da guerra. A enorme quantidade de histórias oficiaise não-oficiais surgidas nos anos vinte foi em grande parte ignorada pelo público. Por contraste,  Nada de novo no front,  deRemarque, tornou-se, quase da noite para o dia, o livro maisvendido de todo o período anterior. Foi a literatura imaginativa, não histórica, que produziu a centelha da intensa reconsideração do significado da guerra no final dos anos vinte. Aimaginação histórica, còmo grande parte do esforço intelectual

do século XIX, fora dolorosamente desafiada pelos acontecimentos da guerra; e era coerente com a subseqüente dúvida que

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essa disciplina veio a ter a respeito de si mesma o fato de que

o lamento de H. A. L. Fisher em 1934, no prefácio de sua

 History of Europe,  se tivesse tornado um dos mais citados enun

ciados teóricos feitos por um historiador de nosso século:

Homens mais sábios e mais cultos do que eu discerniramna história um enredo, um ritmo, um padrão predetermi

nado. Essas harmonias estão escondidas de mim. Só con

sigo ver um acontecimento sucedendo-se a outro, assim

como uma onda segue outra onda.13

Se os poemas, romances e outros trabalhos imaginativos

 provocados pela guerra perduram como "grande” arte é uma

questão discutível. William Butler Yeats, na sua idiossincráticaedição de 1936 de The Oxford Book of Modem Verse, omitiu

Wilfred Owen, Siegfried Sassoon, Ivor Gurney, Isaac Rosen-

 berg, Robert Graves, Herbert Read e outros, àlegando que o

sofrimento passivo não podia ser matéria da grande poesia, a

qual precisava ter uma visão moral. Mas ele estava impondo

sua visão crítica a um público que sentia de outra maneira.

Dez anos depois do conflito, no meio da superabundância de

romances de guerra aparecidos durante o período de valorizaçãoda guerra, o  Morning Post   lamentava num editorial que "o

grande romance da Grande Guerra, que mostrará todas as coi

sas numa perspectiva verdadeira, ainda está para ser escrito”.14

O grande romance da guerra, explicador de tudo, era uma visão

constante entre intelectuais nos anos vinte e até nos trinta.

A trilogia Spanish Farm  de Mottram,  All Our Yesterdays  de

Tomlinson,  Death of a Hero  de Aldington e, numa veia dife

rente mas com intenção semelhante, Krieg  de Renn e  Nada de novo no front   de Remarque, para citar apenas alguns, foram

motivados por esse desafio e essa busca. "O testemunho de cem

mil joões-ninguém”, escreveu André Thérive em  Le Temps  em

dezembro de 1929, "não vale a semificção concebida por um

grande homem”.15 Esta atitude, de que a arte talvez fosse mais

fiel à vida do que a história, não era uma noção nova, mas

até então nunca tinha sido tão difundida nem tão dominante.

Ironicamente, os soldados franceses é britânicos tinhamse tomado durante a guerra as personalidades "limite”, identi-

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ficadas com a vanguarda e com a Kultur   alemã de antes da

guerra; eram os homens que haviam experimentado os próprios

limites da existência, que tinham visto a terra de ninguém, que

haviam testemunhado o horror e a agonia, e que, devido a essa

mesma experiência que os transformou em heróis, viviam à mar

gem da respeitabilidade e da moralidade. Dada a incapacidadeda era pós-guerra para produzir a solução apocalíptica prome

tida pela propaganda do tempo de guerra, todo o objetivo social

do conflito — o conteúdo de dever e devoir   — começou a soar

falso. Como os resultados tangíveis da guerra nunca poderiam

 justificar o seu custo, especialmente o ônus emocional, a desi

lusão era inevitável, e os soldados no mundo do pós-guerra se

afastavam das atividades e compromissos sociais. Só uma mino

ria se dava ao trabalho de participar das organizações de veteranos. Em termos relativos, poucos sabiam dar voz a seu alhea

mento, mas as estatísticas falam alto: dos desempregados de

trinta a trinta e quatro anos na Grã-Bretanha no final dos

anos vinte, 80% eram ex-combatentes. A incidência de doen

ça mental entre os veteranos também era aterradora. “O pior

de tudo nessa geração de introvertidos produzida pela guerra”,

disse T. E. Lawrence, “é que eles não conseguem refrear seus

malditos egos”. Aldington falava das “autoprisões”, verdadeiras armadilhas em que os ex-soldados tinham caído, e Graves

escreveu sobre seus “companheiros de jaula”.16

Entretanto, embora os ex-soldados sofressem de uma alta

incidência de neurastenia e impotência sexual, compreendiam

que a guerra, nas palavras de José Germain, era “o eixo tre

 pidante de toda a história humana”.17 Se a* guerra como um

todo não tinha significado objetivo, então, invariavelmente, toda

a história humana se condensava na experiência pessoal decada homem; cada pessoa era a soma total da história. Ao

invés de ser uma experiência social, uma questão de realidade

documentável, a história era pesadelo individual, ou até, como

insistiam os dadaístas, loucura. De novo vem à lembrança a

afirmação de Nietzsche, à beira de seu completo colapso men

tal, de que ele era “todos os nomes na história”.

A carga de ter estado no centro da tempestade e de, no

final, nada ter resolvido era torturante. Resultava freqüente-mente na rejeição da realidade social e política e, ao mesmo

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tempo, na rejeição até da capacidade de percepção — só restavam o sonho e a neurose, um mundo de ilusões caracterizado por um difundido negativismo. A fantasia tornou-se a fonte principal da ação, e a melancolia, o estado de ânimo geral. Nous vivons une triste époque.. . Tout est foutu  — Quoi? 

Tout un monde  . .  Il fait beau, allons au cimetière*  Em 1930Carroll Carstairs terminou seu livro  A Génération Missing  comas palavras: “É um mundo fatigado, e a geléia de framboesaque me enviaram de Paris agora acabou de vez.”18

O que era verdade sobre os soldados, com um caráter menos direto e pungente também era verdade sobre os civis. As boates apinhadas de gente, a dança frenética, o extraordináriocrescimento do jogo, do alcoolismo e do suicídio, a obsessão

do voo, do cinema e das estrelas da tela, tudo isso evidenciavaem nível popular estas mesmas tendências, um impulso rumoao irracionalismo. É claro que a Europa burguesa tentava se“remodelar”, mas só era capaz de o fazer superficialmente.O temperamento moderno tinha sido forjado; a vanguarda vencera. A “cultura do inimigo” se tornara a cultura dominante;ironia e ansiedade, o estilo de vida e o estado de ânimo. “Aguerra está nos destruindo, mas também está nos dando uma

nova forma”, Marc Boasson tinha escrito em julho de 1915.Quinze anos mais tarde, Egon Friedell, historiador da cultura,afirmava enfaticamente: “A história não existe.”19

 Nada de novo no front   captou para a mente popularalguns dos mesmos instintos que estavam sendo expressos na“arte elevada”. Proust c Joyce também condensaram a históriano indivíduo. Não há realidade coletiva, apenas a resposta individual, apenas sonhos e mitos que perderam seu nexo com a

convenção social. No atormentado e aviltado soldado do  front   alemão delineado em Nada de novo no front   — e bem que poderia ter sidoum Tommy, um  poilu  ou um soldado de infantaria dos EstadosUnidos — o público via sua própria sombra e sentia seu pró

 prio anonimato e desejo de segurança. Um pequeno número

* Vivemos uma época triste.. . Tudo fodido — Quê? Um mundo todo. . . Tá bonito lá fora. Vamos ao cemitério.

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de críticos percebeu esse fato na época. “O efeito do livro pro

vém de fato”, escreveu um comentarista alemão,

da terrível desilusão do povo alemão sobre o estado em

que se encontra, e o leitor tende a sentir que este livro

localizou a fonte de todas as nossas dificuldades.20

Um americano observou: “Em Remarque, o sentimento da épo

ca vem a florescer.”21 Nada de novo no front   parecia encerrar

todo o impulso moderno tal como se manifestava no mundo

do pós-guerra: a fusão de oração e desespero, de sonho e caos,de desejo e desolação.

Em cada país havia uma variação específica sobre este

tema geral. Na Alemanha, depois de 1925, notava-se um nítidoabrandamento da tensão política, evidenciado, nas eleições na

cionais de maio de 1928, as primeiras desde dezembro de 1924,

 pelo mais baixo índice de comparecimento às urnas registrado

em todo o período Weimar. O governo que se formou em

 junho de 1928 foi, como era de esperar, uma “grande coali

zão”, abrangendo desde os sociaisdemocratas à esquerda, que

chefiavam o governo, até o Partido do Povo, de direita mode

rada, de Gustav Stresemann. O governo começou sua vida numânimo conciliador. Entretanto, em maio de 1930 caiu vítima

de um renovado sentimento conservador e nacionalista.

Mil novecentos e vinte e nove foi o ano crítico. O fato

de a situação econômica se deteriorar drasticamente no ano

do décimo aniversário do Tratado de Versailles foi uma infeliz

coincidência. As reparações ainda estavam na mente do pú

 blico. Alfred Hugenberg, magnata da imprensa e líder do

Partido Nacionalista do Povo, de direita, fez campanha porseu referendo contra o Plano Young, a nova proposta dos Alia

dos a respeito das reparações, e aceitou Adolf Hitler em suas

fileiras. A direita, em sua nova e enérgica ofensiva contra a

república, responsabilizou o draconiano acordo de paz e o

desejo de sangue dos Aliados pelas renovadas dificuldades eco

nômicas da Alemanha. As manifestações públicas contra a “men

tira da culpa da guerra” cresceram em número e frenesi no

começo de 1929 e atingiram o clímax num dilúvio de comíciosem junho. O governo proclamou o 28 de junho, aniversário do

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tratado, dia de luto nacional. Remarque pôde capitalizar tanto

os resquícios de moderação política como a intensificada sen

sibilidade à questão da guerra.

Remarque responsabilizava a guerra por sua desorientação

 pessoal; o público alemão também supunha que seu sofrimento

era um legado direto da guerra.  Nada de novo no front   des pertou realmente a consciência dos alemães para a questão da

guerra como fonte de suas dificuldades.

 Na Grã-Bretanha, onde a economia ia muito mal no final

de 1928 e onde o desemprego dominou a campanha eleitoral

na primavera de 1929, o retrato do soldado da linha de frente

alemã, pintado por Remarque como um peão miserável e opri

mido lutando para manter alguma dignidade e humanidade,

despertou simpatia. No final dos anos vinte grande parte daopinião britânica tinha-se tornado favorável à Alemanha. A

mesquinharia e turbulência francesa no começo da década e

mais tarde o “ espírito de Locarno” levaram os britânicos para

mais longe dos franceses e mais perto dos alemães. “Nas rela

ções exteriores o drama psicológico da política britânica é pre

cisamente o fato de que agora gostamos mais dos alemães e

menos dos franceses ”, ponderou The. Fortnightly Review, “mas

com os primeiros brigamos e os outros somos obrigados a aceitar como parceiros”. Entretanto, mesmo esta parceria com a

França era questionada em algumas áreas. J. C. C. Davidson,

confidente do líder conservador, Stanley Baldwin, falava sobre

as vantagens de afrouxar os laços com a França, uma nação

“provinciana e altamente cínica cuja população está em declí

nio e cujos métodos se harmonizam tão pouco com os nos

sos”. Douglas Goldring, que se descrevia como um “obstinado

defensor da liberdade e um inglês de arraigados instintos Tory,contrário à política imperialista”, sugeria que alguns erros ter

ríveis tinham sido cometidos pelos estadistas britânicos: “Qual

quer universitário inteligente, ao interpretar o passado à luz

dos acontecimentos recentes, chegaria provavelmente à conclu

são de que nossa entrada na guerra foi um erro. .. Minha ge

ração”, ele concluiu, “foi traída, enganada, explorada e dizi

mada por seus superiores em 1914”. E Robert Graves, em suas

memórias, Goodbye to AU That , escritas na primavera e noverão de 1929, achou apropriado citar Edmund Blunden: “Não

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quero mais saber de guerras! De modo algum! Exceto contraos franceses. Se algum dia houver uma guerra contra eles,

 parto imediatamente.”22

A subcorrente de suspeita e desprezo, presente na aliançaanglo-francesa, naturalmente não fluía apenas numa direção.

 Nos anos vinte os franceses estavam convencidos de que avitória na guerra se devia sobretudo a eles; a contribuição britânica nunca fora igual à francesa. Como poderia ter sido? Osfranceses tinham defendido três quartos da linha na Frente Ocidental. Além disso, os interesses britânicos sempre estiveramvoltados para o além-mar, não para a Europa. Mesmo durantea guerra os franceses se inclinavam a acusar os britânicos delutarem até a última gota do sangue de outros povos. Joffre

dizia dos britânicos em 1915: “Nunca deixaria que defendessem a linha sozinhos — o inimigo abriria uma brecha e passaria por eles. Só confio neles quando secundados por nós.” Durante os motins de junho de 1917 ouviu-se um soldado francêsdizer: “Precisamos ter os boches do nosso lado dentro de ummês, para nos ajudar a expulsar os britânicos”. Em 1922, mesmo antes da crise do Ruhr, quando os britânicos não apoiaramas medidas punitivas francesas e belgas contra os alemães no

tocante às reparações, o general Huguet, antigo adido francês junto aos exércitos britânicos, descrevia a Grã-Bretanha comoum “adversário”.23 À medida que a década se aproximava dofim, a relação se deteriorava ainda mais. Por isso, embora tivessem reagido geralmente com mais calma ao romance de Remarque, os franceses se sentiram atraídos por um livro queretratava o inferno mútuo pelo qual os principais combatentes,soldados franceses e alemães, tinham passado. Talvez o  poilu 

e o boche  não fossem irreconciliáveis. O sucesso de  À Vouest  rien de nouveau  acarretou uma grande quantidade de traduçõesfrancesas de obras alemãs sobre a guerra, e, conseqüentemente, pelo menos nas fases iniciais da valorização da guerra, os livrosde guerra britânicos foram negligenciados pelos editores franceses.24

A grande descoberta que os leitores estrangeiros diziamfazer através de  Nada de novo•no front   era a verificação de que

a experiência do soldado alemão na guerra, em seus aspectosessenciais, não fora diferente da dos soldados de outras na-

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ções. Ao que parecia, o soldado alemão também não quiseralutar depois que se despedaçara o cenário emocional montado pelo  front   interno. O romance de Remarque contribuiu bastante para solapar a opinião de que os alemães eram “peculiares” e não mereciam confiança. Além disso,  Nada de novo 

no front   promovia em nível popular o que o revisionismo histórico estava realizando em nível acadêmico e político: a erosão da idéia de uma culpa alemã coletiva na guerra. Mas, tam bém a esse respeito, a “arte” foi claramente mais eficaz do quea “história”. Sozinho, Remarque realizou muito mais do quetodos os historiadores revisionistas juntos, da América e daEuropa.

Quem leu  Nada de novo no front   com mais interesse? Emgeral os veteranos e os jovens parecem ter sido os leitores maisávidos dos livros de guerra. No final da década a desilusão deantigos combatentes sobre a sociedade do pós-guerra tinha amadurecido e se transformado em despr.ezp injurioso pela chamada

 paz, não apenas nos países deríotados mas também nas naçõesvitoriosas.  Nada de novo nojront   e outros livros de “desencanto” sobre a guerra, como a precoce aventura de C. E. Monta-

gue neste gênero foi de fato intitulada, provocaram muitosaplausos em veteranos entristecidos e amargurados. Mas houvetambém freqüentes condenações por parte de veteranos queconsideravam o espírito e o sucesso de  Nada de novo no front  como manifestação do mal-estar em que mergulhara o mundodo pós-guerra, como um sintoma do espírito que traíra umageração e suas esperanças. É difícil determinar para onde pendia a balança. Fica claro, entretanto, que o interesse dos veteranos pelo protesto literário baseava-se em grande parte na suaexperiência do pós-guerra. Reagiam ao desaparecimento, durante a década, da visão que a guerra tinha prometido.

Os jovens que haviam amadurecido após o conflito mostravam-se naturalmente curiosos da guerra. Muitos comentaristas observavam que os pais que tinham sobrevivido ao  front  relutavam em falar sobre essa experiência até com suas famí

lias, razão pela qual os jovens, desejando desvendar o silêncio,constituíam uma parte bastante grande dos leitores. E tendo

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crescido à sombra do pai-herói, também ficavam fascinados pela descrição "negativa” da guerra. A literatura de desencantooferecia um retrato menos ascético, mais humano e, portanto,mais interessante do pai-guerreiro.25 Numa votação não-oficiàlsobre autores preferidos, realizada entre estudantes de um

Gymnasium  superior, ou escola secundária, em Düsseldorf em janeiro de 1930, Remarque ganhou o maior número de votos,superando Goethe, Schiller, Galsworthy, Dreiser e Edgar Wal-lace. É digno de nota, entretanto, que, ao lado de diários ememórias da guerra, as obras sobre economia provocavam omaior interesse entre os estudantes consultados.26 É evidenteque havia uma relação entre a insegurança econômica sentida pelos estudantes numa Alemanha dominada pela depressão eo fascínio pelas histórias de horror e morte nas trincheiras.A juventude também se inclinava a responsabilizar a guerra

 pelas perspectivas incertas de emprego.

A "guerra real” deixara de existir em 1918. Depois dessadata foi devorada pela imaginação sob a forma de memórias.Para muitos, a guerra tornava-se absurda em retrospecto, não

 por causa da experiência da guerra em si mesma, mas devido

à incapacidade da experiência do pós-guerra para justificar oconflito. Para outros a mesma lógica transformava a guerranuma experiência limite, novamente em retrospecto. WilliamFaulkner aludiu a esse processo de metamorfose quando escreveu em . 1931: "A América foi conquistada não pelos soldadosalemães que morreram nas trincheiras francesas e flamengas,mas pelos soldados alemães que morreram em livros alemães.”27A viagem interior que a guerra proporcionou a milhões de ho

mens foi acelerada pelas circunstâncias do pós-guerra.Ao contrário das afirmações de muitos de seus entusiásticos leitores,  Nada de novo no front   não era "a verdade sobrea guerra”; era, sobretudo, a verdade sobre Erich Maria Remarque em 1928. Mas, da mesma forma, a maioria de seus críticosnão se encontrava mais perto da "verdade” de que também falavam. Expressavam apenas o teor de seus próprios esforços.Remarque usou a guerra; seus críticos e o público fizeram o

mesmo. Hitler e o nacional-socialismo deveriam ser, no final,os mais obsessivos e bem-sucedidos exploradores da guerra. A

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valorização da guerra no fim dos anos vinte refletia menos um

interesse genuíno pela guerra do que uma perplexa autocomise-

ração internacional.

O MALABARISTA DAS NUVENS

A elegia de Hart Crane para Harry Crosby chamou-se “O Ma

labarista das Nuvens”. O título teria servido igualmente para

Erich Maria Remarque. Crosby literalmente colocou uma pis

tola contra a cabeça e puxou o gatilho. Remarque fez o mes

mo em sentido figurado, mais de uma vez. A figura paradoxalda vítima fatal — contorcendo-se, contraindo-se, suplicando e

 praguejando diante do aniquilamento — preocupava os dois.

Para ambos, a arte se tornara superior à vida. Na arte residia

a vida.

Praticamente tudo o que Remarque escreveu depois de

 Nada de novo no front   dizia respeito à desintegração e à morte.

Mas praticamente tudo o que escreveu foi um sucesso inter

nacional.A versão cinematográfica de  Nada de novo no front   foi

um belo trabalho, dirigido por Lewis Milestone para Univer

sal Studios e lançado em maio de 1930. Foi recebido com

críticas entusiásticas, passou em cinemas lotados de Nova York,

Paris e Londres, e recebeu o maior prêmio de Hollywood, o

Prêmio da Academia concedido ao melhor filme de 1930. Em

Berlim, entretanto, depois que várias sessões foram interrom

 pidas por desordeiros nazistas chefiados por Joseph Goebbels,foi proibido em dezembro, ostensivamente porque difamava a

imagem alemã mas na verdade porque constituía uma ameaça

à segurança e à ordem interna por causa da controvérsia que

 provocava.1

Em 11 de maio de 1933, depois que Hitler assumiu o

 poder na Alemanha, os livros de Remarque estavam entre os

que foram queimados simbolicamente na Universidade de Ber

lim por serem "política e moralmente não-alemães”. "Abaixoa traição literária dos soldados da guerra mundial!” entoou um

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estudante nazista. “Em nome da educação de nosso povo no

espírito de bravura, lanço às chamas os escritos de Erich Maria

Remarque."2

Em 20 de novembro de 1933, 3.411 exemplares de  Nada 

de novo no front   foram apreendidos na editora Ullstein pela

 polícia de Berlim, com base no decreto presidencial de 4 defevereiro, promulgado “para a proteção do povo alemão". Em

dezembro, a Gestapo deu instruções para que esses exemplares

fossem destruídos.3 Em 15 de maio Goebbels, que era um ra-

 pazinho durante a guerra, tinha dito a representantes do co-

mércio livreiro alemão que o Volk , o povo alemão, não devia

servir aos livros, mas os livros deviam servir ao Volk;  e con-

cluíra:  Denn es wird am deutschen Wesen noch einmal die Welt  

genesen**Erich Maria Remarque procurara refúgio na Suíça em

1930. Depois de uma longa viagem a Nova York, a Hollywood

e da volta à Europa, morreria ali em seu retiro nas montanhas

em 1970, ainda belo e ainda infeliz.*

* Ver página 111.

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X

PRIMAVERA SEM FIM

Ela [a guehra] deixou sua marca nas almas, c todas 

essas visões de horror que fez jorrar em torno de nós, os selvagens corpo-a-corpo, os clarões que o,obus nos 

lançava no rosto, todas essas noites fulgurantes de / 

Verdun, nós as reencontraremos, um dia, nos olhos de nossos filhos.

PlERRE DE MàZENOD

1922

Há muito tempo compreendi que os atores e artistas 

têm freqüentemente idéias tão fantásticas que se é compelido de vez em quando a admoestá-los com o dedo em  

riste e trazê-los de volta à terra.

Ad o l f    H i t l e r  1942

Protestamos energicamente contra o fato de a imprensa 

[estrangeira] vir agora nos acusar, logo a nós, de sermos 

q s   anarquistas que mergulharam a Europa neste terrível desastre. É o método bem conhecido de inculpar o 

assassinado e não o assassino. . . Vivemos em tempos tão loucos que a razão humana não serve para nada.

A razão já não tem voz.

Jo s e ph   Go e bbe l s  16 de março e 1 de abril de 1945

ALEMANHA, DESPERTA!

Berlim, segunda-feira, 30 de janeiro de 1933.

Aproximadamente às onze horas da manhã Adolf Hitleré nomeado, chanceler da Alemanha. Em seu gabinete de onze

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ministros há apenas dois outros nazistas, Wilhelm Frick e Her-mann Goering. Nas últimas eleições nacionais, em novembro,o partido de Hitler, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), obteve um terço dos votos. O partido manteve sua posição como o maior grupo do Reichstag.

Apesar de minoritários no legislativo, Hitler e sua coorteinterpretam o acesso ao poder e à responsabilidade como avitória por fim, depois de quatorze anos de luta, o Kampfzeit ,como chamariam o período, a maior parte do quaf transcorridoem isolamento político. Começa a “renovação nacional”. Oestado de espírito entre os nazistas é de êxtase. Em seu diário,naquele dia, Joseph Goebbels, artista da propaganda de Hitler,anotará cheio de júbilo: “É como um sonho. . . A grande deci

são foi tomada. A Alemanha se encontra num momento críticode sua história... A nação explode! A Alemanha está des

 perta! . .. Atingimos nosso objetivo. A revolução alemã teminício!”1

 Na manhã do dia 30, entretanto, não há tempo para diários. Goebbels é um dervixe na roda-viva. Entra em ação erapidamente organiza para aquela noite um gigantesco desfileà luz de tochas. Os Camisas-Pardas e. os Camisas-Pretas, SA

e SS, são mobilizados. A eles vêm se juntar membros do Stahlhelm, organização paramilitar associada ao nacionalismo conservador do país. O Stahlhelm é convidado a participar porqueAlfred Hugenberg, líder do Partido Nacionalista do Povo, eoutros elementos da direita se incorporaram ao governo. Cercade vinte e cinco mil homens se reúnem e marcham para ocentro de Berlim vindos das áreas periféricas. Atravessam aPorta de Brandemburgo, seguem por Unter den Linden, descem

a Wilhelmstrasse e passam pela Chancelaria. Começando àssete horas da noite, assim que a escuridão do inverno cobretudo, desfilam durante cinco horas, cantando suas canções marciais:  Es zittern die morschen Knochen. . .  Heute gehört uns 

 Deutschland und morgen die ganze Welt *

André François-Poncet, o embaixador francês em Berlim, presencia os acontecimentos. As colunas passam marchando

* Os velhos fósseis tremem. . . Hoje a Alemanha, amanhã o mundo.

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 por seu escritório. Parecem-lhe intermináveis. Filas e filas de

gente. Botas, tambores, canções, luzes, ritmos. Multidões se

alinham ao longo do caminho. Entusiasmo sem limites. Ao des

crever os eventos, dois repórteres de rádio ficam arrebatados

 pela excitação: “Aplausos continuam a jorrar”, dizem a seus

ouvintes.

Adolf Hitler está de pé junto a uma janela. .. seus olhos

 brilham sobre a Alemanha que desperta, sobre este mar

de gente de todas as condições sociais, de todas as cama

das da população, que desfila diante dele, trabalhadores

intelectuais e braçais — todas as diferenças entre as clas

ses desapareceram... Um quadro maravilhoso, algo que

não veremos novamente tão cedo! Esses braços estendidos,

esses gritos de “Heil!” . .. Espero que nossos ouvintes te

nham pelo menos uma idéia, uma vaga noção, deste grande

espetáculo, de como este momento é incomensuravelmente

grandioso!2

Harry Graf Kessler caminha pelas ruas naquela noite e

constata uma “atmosfera de carnaval”.3

O fim sobreveio doze anos e alguns meses depois. Em mea

dos da década de 1930 Hitler dizia que em dez anos Berlim

estaria tão transformada que ninguém a reconheceria. Durante

a guerra que se seguiu, ele predisse que Berlim seria em breve

a capital do mundo. Em 1945 Berlim estava irreconhecível e

tornara-se um emblema da crise européia, e na verdade da crisegeral do Ocidente — um panorama de entulho e devastação sem

fim. No final da guerra, para cada tonelada de bombas que

os alemães tinham lançado do céu sobre a Grã-Bretanha, os

Aliados — principalmente a Grã-Bretanha e a América — ha

viam lançado 315 toneladas sobre a Alemanha.

Do drama que terminou em maio de 1945 Malcolm Mug-

geridge considerava “Berlim devastada” a “peça central”. “Quemtenha posto os olhos nesse extraordinário espetáculo pode

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rá um dia esquecê-lo?” A primeira impressão era de tqtal deso

lação, uma paisagem lunar árida, onde o cheiro acre de cadá

veres em decomposição dominava os sentidos. Mas uma inspe

ção mais cuidadosa revelava texugos humanos escavando e so

 brevivendo nas ruínas. Eram os "cidadãos libertados de Ber

lim”. "Foi isso”, pefguntava-se Muggeridge, "a realização de

nossos objetivos de guerra. . .? Isso representava o triunfo do

 bem sobre o mal?”4

Os soldados britânicos, americanos e russ.os que libertaram

os sobreviventes dos campos de extermínio nazistas não tive

ram essas dúvidas. Em vez de montanhas de entulho, encon

traram montes de cadáveres empilhados, com membros ema-

ciados se projetando em milhares de contorções, como camadasde lenha mal podada. Os fomos ainda ardiam. O tifo era uma

ameaça. Também aqui os moradores surgiram lentamente para

saudar seus libertadores. Pareciam criaturas deformadas de

outro planeta, esquálidos, tatuados, caminhando como brinque

dos mecânicos desenhados por uma imaginação terrível. Era

como se o Hades tivesse entrado em erupção e regurgitado seu

conteúdo.

Aos poucos as dimensões da atrocidade nazista começa

ram a vir à tona. O tributo pago fora horrendo: milhões de

 judeus, milhões de trabalhadores escravos estrangeiros, ciganos,

homossexuais, Testemunhas de Jeová, os inválidos. Auschwitz

também se tornou um emblema do espírito ocidental. Segundo

Theodor Adorno, depois de Auschwitz não havia mais lugar

 para a poesia. As palavras, até então os principais veículos da

sensibilidade e do; racionalismo ocidentais, já não eram ade

quadas ou apropriadas. Para muitos, o silêncio parecia a única

resposta conveniente.

As cenas reveladas pelos exércitos aliados em 1945 não

eram a conseqüência inevitável dos acontecimentos que ocorre

ram no começo de 1933, mas constituíam um provável resul

tado. O nacional-socialismo foi outro produto dc híbrido que

foi o impulso modernista: irracionalismo misturado com tecni

cismo. O nazismo não foi apenas um movimento político; foiuma erupção cultural. Não foi imposto por uns poucos; de

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senvolveu-se entre muitos. O nacional-socialismo foi a apoteose de um idealismo secular que, impelido por um terrívelsenso de crise existencial, perdeu todo e qualquer vestígio dehumildade e modéstia — certamente, de realidade. Fronteiras elimites perderam o sentido. No final esse idealismo completou

seu círculo, virou-se contra si mesmo e tornou-se antropófago.O que começou como idealismo terminou como niilismo. O quecomeçou como celebração terminou como calamidade. O quecomeçou como vida terminou como morte.

Ao contrário de muitas interpretações do nazismo, que seinclinam a interpretá-lo como um movimento reacionário, como,nas palavras de Thomas Mann, uma “explosão de antiquaris-mo”, decidido a transformar a Alemanha numa comunidade pastoril de chalés cobertos de palha e camponeses felizes, oimpulso geral do movimento, apesar de todos os arcaísmos, erafuturista. O nazismo foi um mergulho de cabeça no futuro,rumo a um “admirável mundo novo”. É claro que tirou o máximo proveito dos resíduos de desejos conservadores e utópicos, prestou homenagens a essas visões românticas e foi buscarsuas miçangas ideológicas no passado alemão, mas seus objeti

vos eram, a seus próprios olhos, nitidamente progressistas. Nãoera um Jano de dupla face cujos rostos estivessem igualmenteatentos ao passado e ao futuro, nem era um Proteu moderno,o deus da metamorfose, que duplica formas preexistentes. Aintenção do movimento era criar um novo tipo de ser humanodo qual surgiria uma nova moralidade, um novo .sistema sociale finalmente uma nova ordem internacional. Esta era, de fato,a intenção de todos os movimentos fascistas. Depois de uma

visita à Itália e de um encontro com Mussolini, Oswald Mosley.escreveu que o fascismo “produziu não apenas um novo sistemade governo, mas também um novo tipo de homem, tão diferente dos políticos do velho mundo quanto um homem de outro planeta”.5 Hitler falava nesses termos sem cessar. O nacional-socialismo era mais do que um movimento político, dizia; eramais do que um credo; era um desejo de recriar a humanidade.6

O nazismo implicava, talvez mais do que qualquer óutra

coisa, um amor do ego, não da realidade do ego, mas do egoque é refletido no espelho. Este narcisismo foi projetado num

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res realizações culturais do homem moderno, tornou-se no Ter

ceiro Reich o lar de  Richter und Henker*  encarnação do

kitsch  e do niilismo.

HERÓI VÍTIMA

A juventude de Adolf Hitler parece ter sido repleta de angústia,

fracasso e fobias florescentes. Suas repetidas tentativas, em

1907 e 1908, de entrar, como estudante das províncias, na

Academia de Artes de Viena não tiveram sucesso, e durante

seis anos ele levou uma vida triste e errante na capital austríaca, absorvendo a atmosfera trepidante de uma cidade cuja

grandeza evocava mais a glória passada do que promessas futu

ras, e de uma política urbana em que uma crescente paranóia

de classe média se fazia acompanhar da fuga para uma estranha

mistura de estetismo e ódio. Mergulhou na arte e na música,

sonhou ser um espírito livre, mas continuou dolorosamente

consciente dos reveses que sofrera nas mãos da ordem estabe

lecida. Se tivesse obtido algum sucesso comercial em seus esforços artísticos particulares, poderia ter vivido seus dias como

o boêmio arquetípico que, através de talento, iniciativa e von

tade pessoais, enfrenta o establishment   e ganha a vida com a

criatividade contracultural. Em busca de oportunidades, mu-

dou-se em 1913 para Munique, e ali, ainda sem emprego, fre-

qüentou as tabernas e os cafés de Schwabing, o bairro boêmio

de Munique, .e as cervejarias do centro da cidade.

Desde cedo, portanto, Hitler tinha certamente o temperamento, exacerbado por suas circunstâncias sociais, para tornar-

se um artista da “cultura adversária”. O que lhe faltava era

qualquer talento excepcional como pintor ou desenhista. Mes

mo que alguns, como o arquiteto Albert Speer, o pintor e es

cultor Arno Breker e o cenógrafo Gordon Craig, alegassem mais

tarde que seus trabalhos revelavam um talento considerável,

* Juízes e carrascos.

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ninguém jamais sugeriu que ele tenha sido um gênio artístico

em potencial, frustrado pelo establishment . A melhor nota que

Hitler recebeu em arte na escola foi “bom”.1 Entretanto, seu

espírito era o de um artista, e, como ele insistiria até o fim,

um artista foi o que ele sempre foi. Mais tarde apenas dirigiria

suas inclinações artísticas para atividades mais amplas. Transformaria, era o que alegava, a política e a vida em arte. Foi

a guerra, a Grande Guerra, que ampliou sua tela de forma

tão incomensurável.

Como muitos na comunidade artística, intelectual e ra

dical, ele tomou a deflagração da guerra em agosto de 1914

como uma súbita libertação de restrições burguesas embrute-

cedoras, como a oportunidade de um novo começo, como um

instrumento para provocar alguma espécie de revolução. Aextraordinária foto que temos de Hitler no meio da multidão,

na Odeonplatz em Munique, aplaudindo a proclamação da

guerra, é muito expressiva. Ele está de pé numa das primei

ras filas, o desajustado, sem amigos, sem mulheres em sua

vida, sem emprego, sem futuro. Mas a expressão é de puro

êxtase, radiante. Os olhos parecem brilhar. Tem um ar de ter

acabado de receber — de repente, e como uma total surpresa —

a informação de que todas aquelas recusas da Academia deArtes de Viena tinham sido um terrível engano, e de que ele,

Adolf Hitler, de fato apresentara, com suas propostas, os mais

 belos trabalhos que a academia já recebera. “Para mim aquelas

horas”, declarou mais tarde,

 pareciam uma liberação dos dolorosos sentimentos de mi

nha juventude. Mesmo hoje não me envergonho de dizer

que, dominado por um. poderoso entusiasmo, òaí de joelhos e agradeci ao céu, com um coração transbordante de

emoção, por ter me concedido a sorte de estar vivo num

momento desses.2

 No dia 3 de agosto pediu para alistar-se, apesar de sua cida

dania austríaca, num regimento bávaro. A resposta veio no

dia seguinte. Tinha sido designado para o 16? Regimento de

Infantaria da Reserva da Baviera. “Foi”, disse ele, “com sentimentos de puro idealismo que parti para o  front   em 1914”.3

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A guerra devia ser, em suas próprias palavras, "o tempo

mais grandioso e inesquecível de minha experiência terrena”.4

Todas as evidências disponíveis sugerem que ele continuou a

ser um solitário em seu regimento e até em silas tarefas na

linha de frente, preferindo estar sozinho, recebendo pouca cor

respondência enquanto seus companheiros ficavam freqüente-mente soterrados pelas cartas de casa1, e recusando-se, até no

 Natal, quando não recebeu pacote algum, a aceitar presentes

de seus colegas.5 Serviu durante a maior parte da guerra como

mensageiro, levando e trazendo mensagens entre as posições

do estado-maior na retaguarda e as linhas de frente. Era alta

entre os mensageiros a taxa de baixas, especialmente em Flan-

dres, Artois, Champagne e no Somme, as áreas emf que o

regimento de Hitler passou a maior parte da guerra, porquemuitas vezes tinham de se mover em espaço aberto para con

tornar trincheiras de comunicação inundadas ou intransitáveis.

Ele chegou ao  front   de Ypres em outubro de 1914, foi ferido

na perna esquerda em outubro de 1916 e sofreu o efeito do

gás num ataque britânico um mês antes do Armistício; por

tanto, com a exceção de nove meses, gastos em treinamento,

recuperação e licença, passou toda a guerra no serviço ativo,

e todo esse tempo no inferno da Frente Ocidental. Foi condecorado três vezes por bravura, recebendo a Cruz de Ferro

de Segunda Classe ainda em dezembro de 1914, um certifi

cado do regimento em maio de 1918 e a Cruz de Ferro de

Primeira Classe em agosto do último ano da guerra. Não foi

um Erich Maria Remarque que extrapolou a experiência de

alguns meses, transformando-a numa narrativa geral da guerra.

 Nunca houve qualquer insinuação de que Adolf Hitler tenha

sido relapso ou covarde. Ele viveu a experiência da linha defrente quase do início até o fim.

Investiu nessa experiência emoção, coragem e inquestio

nável dedicação, obtendo dela, por sua vez, um sentimento de

finalidade, integração, aceitação, e o mais alto reconhecimento

de fortaleza e excelência a que um soldado alemão podia as

 pirar. Não é de admirar que tenha passado a considerar sua

experiência da guerra como sua educação, seu treinamento para

a vida, mais valioso do que qualquer número de anos de estudos universitários, assim como não é de admirar que mais

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é uma luta cruel e não tem outro objetivo senão a preser

vação da espécie”;8 todas essas opiniões foram formadas pelo

que ele experimentou entre 1914 e 1918.

Até o uso do gás contra os inimigos do Reich se radi

cava em sua experiência pessoal. O fato de ter sido vítima

do gás tivera efeito traumático, física e emocionalmente. Ele,uma criatura visual, um artista dependente de seus olhos, fi

cara temporariamente cego. A passagem de  Mein Kampf,  mui

tas vezes citada pelos historiadores, mas raramente sublinhada

 pelos contemporâneos, assume um significado especial neste

contexto:

Se, no começo e durante a guerra, alguém tivesse subme

tido ao gás venenoso cerca de doze ou quinze mil desseshebreus destruidores do povo — algo que centenas de

milhares de nossos melhores trabalhadores de todas as

classes e de todas as condições sociais sofreram no campo

de batalha —, então o sacrifício de milhões no  front   não

teria sido em vão.9

Hitler referia-se constantemente aos judeus como “parasitos”.

E lembrava-se de que durante a guerra o instrumento maiseficaz contra os parasitos — ratos e outras pragas — tinha

sido o gás. O extermínio dos judeus por meio do gás, Hitler

descreveria como uma forma de “espiolhar”.

Para Hitler a guerra não terminou em, 1918. Ele era

simplesmente incapaz de aceitar que a experiência mais forta-

lécedora de sua vida acabasse em derrota. Embora, por mais

de uma década, a maioria dos alemães não visse nenhuma

alternativa prática à aceitação da derrota, em seus coraçõestodos os alemães se inclinavam a simpatizar com os elemen

tos radicais que pelo menos tinham a coragem de vir a pú

 blico negar vigorosamente que o esforço de guerra tinha sido

em vão. Todos os partidos políticos de Weimar, sem exceção,

atacavam o Tratado de Versalhes, mas só a direita radical afir

mava ser o tratado de paz produto dos mesmos elementos

domésticos traiçoeiros, mancomunados com o inimigo, que ti

nham solapado o esforço de guerra alemão e apunhalado oexército vitorioso pelas costas. Se fosse possível derrubar os

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traidores, os "criminosos de novembro”, que tinham arquite

tado a derrota e criado a república da vergonha, então podia-

se começar a erradicar a praga que havia atacado as "idéias

de 1914”, o "espírito do  front” e a "comunidade das trinchei

ras”. Friedrich Wilhelm Heinz, veterano da guerra e iqais

tarde chefe da SA na Alemanha Ocidental, afirmava:

Aquelas pessoas nos disseram que a guerra estava termi

nada. Foi uma gargalhada geral. Nós mesmos somos a

guerra: sua chama arde com força em nós. Envolve todo

o nosso ser e nos fascina com o sedutor impulso de

destruir.10

Tinha-se de voltar de algum modo àquele supremo júbilo que

foi a guerra antes da derrota. Para tal, tinha-se de empregar

métodos ensinados pela guerra: tinha-se de destruir.

Se nos primeiros anos depois da guerra as pessoas ainda

estavam chocadas com os horrores, viria o tempo, escreveu

Ernst Jünger em 1921, em que a guerra assumiria o caráter

dos "quadros da crucificação pintados pelos velhos mestres:

uma idéia grandiosa cujo brilho domina a noite e o sangue”.11Para os nazistas, entretanto, e para outros grupos de direita,

a guerra já era uma inspiração. "O nacional-socialismo é, em

seu significado mais verdadeiro, o domínio do  front ”, insistiu

Gottfried Feder, um dos membros originais do partido. O

socialismo do nacional-socialismo, dizia Robert Ley, tinha a

intenção de reproduzir a comunidade das trincheiras. Gregor

Strasser, assessor de Hitler em Berlim, exaltava constantemente

o soldado do  front , a quem prometia liderança no novo Reich.Tudo isso era comparável à noção, sugerida por Mussolini,

de uma trincerocrazia,  uma "trincheirocracia”, que seria a

elite do fascismo. E Hitler pessoalmente se considerava a en

carnação do soldado desconhecido, a personificação daquela

força anônima que tinha sido desencadeada e depois mode

lada pela guerra.12

Reanimar aquele espírito e senso de compromisso era oobjetivo de todos os elementos de orientação nacionalista na

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Alemanha de Weimar, até de políticos moderados do centro,

mas foram os radicais da direita que buscaram atingir esta

meta da forma menos equívoca. A valorização da guerra no

final dos anos vinte, com sua onda de desencanto literário,

teve o efeito paradoxal de preparar o caminho para um re

vide nacionalista. Em 1930, quando a depressão econômica se

aprofundou, floresceu uma literatura do “redespertar nacional”.

Ernst Jünger começou a ser lido com avidez. Franz Schauwecker

ganhou um numeroso público. E um bando de autores nacio

nalistas de menor importância também prosperou. Foi neste

contexto de crescente desespero econômico e de um recém-

expresso interesse pela guerra que os nazistas registraram suas

formidáveis vitórias nas eleições estaduais e locais de 1929e 1930, e especialmente nas eleições nacionais de setembro

de 1930.

Depois, no meio da nova respeitabilidade que o sucesso

trouxe consigo, embora alguns dos pontos programáticos do

 partido — sobre a questão judia, por exemplo — fossem

atenuados, foi apregoada para um público cada vez maior a

necessidade urgente de eliminar a república da vergonha, da

corrupção e da renúncia nacional, substituindo-a por uma

verdadeira Volksgemeinschaft   que ressuscitaria o ânimo e a

unidade de 1914 e das trincheiras. A palavra Kultur   era cons

tantemente usada pelos nazistas para invocar o espírito da

guerra., Eles se diziam legítimos herdeiros desta Kultur,  de

um espírito de dedicação altruísta à idéia da nação e do des

tino alemão. Quando Hitler decidiu se candidatar à presidên

cia da república na primavera de 1932, a única maneira queos seus adversários encontraram de contra-atacar seu apelo

 popular foi persuadir o velho líder da guerra Hindenburg a

se candidatar mais uma vez, apesar de seus oitenta e quatro

anos. Só o marechal-de-campo tinha estatura para derrotar

o "cabo boêmio”. Hindenburg derrotou realmente Hitler na

quela eleição, mas o apoio aos nazistas continuou a crescer.

 Nas eleições nacionais de julho o partido tornou-se, com

37,4% dos votos e 230 cadeiras de deputados, o maior partido isolado a ter assento num Reichstag alemão. Seis meses

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mais tarde Hitler foi nomeado chanceler pelo mesmo Hinden-

 burg que fora recrutado para mantê-lo longe do cargo. Assim,finalmente, em 30 de janeiro de 1933, atingiu-se o primeiro patamar importante do rejuvenescimento da Alemanha, do des

 pertar nacional.

Semanas depois da nomeação de Hitler, Philipp Witkoplançou uma nova edição, uma Volksausgabe  ou edição po

 pular, das cartas de estudantes alemães que morreram na guerra.

Seu novo prefácio afirmava:

Estas cartas são para nós um legado para que possamos

realizar aquela pátria ideal que os autores ardentemente

imaginaram e pela qual sacrificaram suas vidas. Estes

 jovens mortos são os mártires não de uma Alemanha per

dida mas de uma nova Alemanha, da qual nos tornaremos

os criadores e os cidadãos.

Assinalava que as cartas continham uma "verdade pessoal e

histórica indubitável”, muito mais profunda do que a que se

 podia aprender em qualquer romance ou história da guerra.

E acrescentava:

 Nestes dias de autoconsciência nacional nós nos incli

namos diante desses estudantes e juramos pela sua me

mória que eles não morreram em vão, que cumpriremos

seu testamento e que, através de incessantes esforços, $e-

remos dignos deles.13

Christopher Isherwood descia a Bülowstrasse em Berlim

 pouco depois que os nazistas assumiram o poder quando .ssis-

tiu a um assalto nazista a uma editora liberal. Livros eram

colocados num caminhão e os títulos lidos em voz alta. “Nie wieder Krieg”,  gaitou um camisa-parda, segurando o livro por uma ponta com dedos rígidos e compridos. "Guerra nunca

mais!” repetiu uma mulher gorda e bem vestida, com um selvagem riso de desprezo. "Que idéia!”14

Quatro anos mais tarde Thomas Mann refletia sobre todoo empreendimento nazista: "Se a idéia da guerra, como fim

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o Terceiro Reich foi um teatro absorvente e espetacular. Isso

é o que ele pretendia ser.

O mito tomou o lugar da história concebida objetiva

mente. O mito, disse Michel Tournier, é “a história que todo

mundo jà conhece”.2 Como tal, a história se torna mero ins

trumento do presente, sem qualquer integridade própria. Em bora não fosse tão ignorante do detalhe histórico quanto fre-

qüentemente se afirma, Hitler submetia esse detalhe, e o pas

sado como um todo, ao teste de sua experiência pessoal. Todos

os conceitos históricos eram arrastados para essa experiência

 — a nação, o Estado, a política, a cultura, a sociedade e a

economia. Sua experiência pessoal tornava-se a estrela-guia da

vida, tanto nacional como internacional. Quando o fim estava

 próximo, ele perdeu o interesse pela história, até pela carreira de Frederico o Grande, cujas vitórias miraculosas, arre

 batadas às garras da derrota, tinham lhe dado muito consolo,

 particularmente quando lidas na versão de Thomas Carlyle.

“Mesmo os meus exemplos históricos não o impressionam

muito”, escreveu Goebbels em seu diário no dia 21 de março

de 1945.3 A história se tornou, portanto, mera extensão da

 personalidade e do destino de Hitler.

 Neste cor^exto o ato tomou o lugar da deliberação, a açãosubstituiu a ética. O programa do partido, os chamados Vinte

e Cinco Pontos, lançado em 1920 e mais tarde proclamado

imutável, era mais um ato declamatório do que uma declara

ção de princípios e metas. Tratava-se de um gesto propagan-

dístico e tático, e todas as subseqüentes declarações de imuta

 bilidade foram atos do mesmo teor. O importante era o ato, a

declaração, o pronunciamento teatral, e não o conteúdo. O

mesmo se podia dizer dos discursos de Hitler. Também erammais atos do que discursos no sentido tradicional. Não é de

admirar que Hitler insistisse em afirmar que o NSDAP era

mais um “movimento” do que um partido. Partidos estavam

ligados a regras, plataformas e agendas. Ao contrário, a pró

 pria essência do nacional-socialismo era um movimento perpé

tuo, vitalismo, revolta. O próprio Hitler personificava esta

imprecisão. Parecia congenitamente incapaz de uma rotina de

trabalho metódica. Era famoso por faltar a compromissos, portratar a papelada de modo desleixado e por trabalhar em horas

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inusitadas — ficando acordado até o amanhecer e dormindo

até tarde —, o que deixava esgotado seu círculo mais íntimo.

Também se atribuía esse estilo, como o cabelo rebelde caído

na testa, ao artista que havia nele.

A proposta nietzschiana de “viver perigosamente” tornou-

se o único mandamento do nazismo. Viver perigosamente significa, é claro, atrair conscientemente a objeção e a resistência,

transgredir normas sociais reconhecidas, rejeitar a moralidade

herdada. Viver perigosamente significa não aceitar nunca o

status quo;  significa fazer constantemente o papel de adver

sário; significa exagerar, provocar. Significa conflito perma

nente. “O nazismo é”, disse Hitler, “uma doutrina do conflito”.

 Nessa Weltanschauung,  a piedade, a compaixão, o Sermão

da Montanha, tudo se torna relíquia. A piedade nada mais erado que sentimentalismo burguês, disse Goebbels, uma expres

são da desigualdade que a comunidade nazista estava elimi

nando. A literatura burguesa de desencanto pela guerra cha

furdava na compaixão. Se esse tipo de memória da guerra e

se a decadência burguesa em geral deviam ser superados, não

 podia haver lugar para a piedade. Em sua fase fascista, Ezra

Pound também escarneceu da compaixão. E Yeats, ao orga

nizar a edição de The_ Qxford Book of Modern Verse, nãodemonstrou tolerância para com um sentimento tão ignóbil

como a piedade. Excluiu Wilfred Owen, que tinha dito de seus

versos: “A poesia está na compaixão.” Para Yeats, a verda

deira arte não podia se radicar num sentimento tão ignóbil

quanto a compaixão.

O . conceito titânico em ação aqui não é “um heroísmo

da vontade”, como se alegava, mas um “heroísmo do absurdo”,

um monumental egocentrismo que excluía compromisso, de bate, conciliação — qualquer reconhecimento, em suma, de

uma existência dialética de “Eu e Tu”, de um mundo objetivo

que estimula constantemente o desenvolvimento do caráter e

da personalidade através das reações que provoca. Agora es

tava-se num reino da ilusão que inventava o mundo exterior

à sua própria imagem. Se a tendência do modernismo, desde

suas raízes no romantismo, era “objetificar o subjetivo”, tra

duzir em símbolo a experiência subjetiva, o nazismo tomouesta tendência e transformou-a numa filosofia geral da vida

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e da sociedade. Para o colaboracionista francês Robert Bra-

sillach, o fascismo era poesia — "a poesia do século XX".4

Para Hitler, a vida era arte, o movimento hitlerista, um sím

 bolo. No "dia de Potsdam”, a abertura oficial, magnificamente

encenada, da nova sessão dò Reichstag em 21 de março de

1933, quando Hitler, o cabo austríaco pequeno-burguês, apertou a mão de Hindenburg, o aristocrático marechal-de-campo

 prussiano e presidente do Reich, sobre o túmulo de Frederico

o Grande, o novo chanceler atribuiu à arte a responsabilidade

de gerar o fenômeno redentor que era o nacional-socialismo.

Da arte surgia "o desejo de uma nova ascensão, de um novo

Reich e, portanto, de uma nova vida".5 O esforço alemão em

ambas as guerras, e a luta de seu próprio partido para ser

aceito, Hitler igualaria à "beleza".6 Ele se considerava a encarnação do tirano-artista que Nietzsche havia preconizado, o

executor da "ditadura do gênio" pela qual Wagner suspirara.

Ao tratar da política externa, vangloriou-se de ser "o maior

ator de toda a Europa”. Sua malignidade pode ter sido banal

no fim das contas, mas, não menos que Tosca, ele podia dizer

que viveu para a "arte”.

O MITO COMO REALIDADE

O fascismo, em sua forma alemã e em outros formatos, era

certamente uma realidade política, mas era uma realidade po

lítica que emanava de uma disposição de espírito. As consi

derações econômicas e sociais ajudaram naturalmente a criaresse estado de espírito, mas foi, em última análise, o vazio

existencial, e não interesses materiais específicos, que deter

minou a reação. O nazismo não foi apenas um sistema coer

citivo imposto ao povo por traficantes do poder, menos ainda

 por industriais, financistas ou elites reacionárias. O terror e a

violência foram na verdade instrumentos políticos do sistema,

mas, apesar de sua eficácia em reprimir uma séria oposição

 — pelo menos até julho de 1944, quando Hitler escapou porum triz de um atentado contra sua vida —, não foram fatores

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essenciais à aceitação do nazismo pela grande massa dos ale

mães. Em 1933 Goebbels tinha dito que havia duas maneiras

de tratar a "revolução”:

Pode-se atirar na oposição com metralhadoras até eles

reconhecerem a superioridade dos artilheiros. Este é ométodo mais simples. Mas pode-se também transformar

a nação por meio de uma revolução mental, vencendo

dessa forma os opositores sem aniquilá-los. Nós, nacional-

socialistas, adotamos o segundo método e pretendemos

continuar a empregá-lo.1

Os alemães não eram forçados a se tomar nazistas. Mas eram

atraídos pela força do movimento.A SS, a Gestapo e outros órgãos policiais e de segurança

na Alemanha, embora extremamente eficazes em eliminar e

destruir a oposição potencial, eram, para a maioria dos ale

mães, antes símbolos da vitalidade do regime do que instru

mentos práticos indispensáveis à sua segurança. Da mesma

forma, a guerra, quando finalmehte aconteceu, não foi o re

sultado de uma trama de mestre executada resolutamente por

um maquinador magistral, mas o produto inesperado — naquele momento particular — de um dinamismo irreprimível

que trazia consigo o confronto inevitável. Os alemães esta

vam convencidos de que a guerra em 1939 era uma questão

de sobrevivência, uma continuação fatal do conflito de 1914-

1918. Ou a Alemanha se afirmava, territorial e politicamente,

na Europa, ou seria destruída. Tais eram as alternativas apre

sentadas aos alemães não só por Hitler, mas, assim se pensava,

 pelos britânicos, franceses e russos, entre outros; em suma, pelas realidades históricas e geopolíticas. Em conseqüência,

esta fase do conflito, que começou em setembro de 1939, foi

recebida com resignação estóica, em contraste com a exuberância de agosto de 1914; mas nunca houve dúvida quanto à

lealdade dos alemães. Lutaram na aguerra, com determinação,

convictos de que sua existência estava em jogo. Poder mun

dial ou extinção pareciam as únicas possibilidades.

Entretanto, se a violência e o terror não eram instrumentos indispensáveis de controle social no Terceiro Reich, eram

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ticidade, as especificidades do “programa” sempre foram su

 bordinadas à noção do movimento como energia, do conflito

como liberação. Importava o confronto constante, uma pos

tura inflexível de adversário, não os detalhes dessa postura.

Assim o partido antes de 1933 e depois o governo do Ter

ceiro Reich foram palco de uma discórdia extraordinária, caracterizada por centenas de ciúmes mesquinhos, rivalidades, desen

tendimentos e uma caótica disputa de poder e influência.

Goebbels desprezava Goering; Goering odiava Hess; todos

eles abominavam Rosenberg; e assim seguia a voragem inter

minável de rancores e animosidades intestinas. Ao contrário

das impressões superficiais de unidade monolítica centrada no

Führer e de eficiência, se não magia, administrativa, o partido

e o Reich representavam uma “anarquia autoritária”.5O movimento revelava contradições notáveis entre as afir

mações programáticas e a prática política. O campesinato era

anunciado como o “princípio vivificante da nação”, mas o des-

 povoamento das áreas rurais continuou e a Alemanha tornou-

se de fato mais urbanizada durante o Terceiro Reich. Apesar

das promessas de dar a cada alemão “uma pequena casa no

campo”, os planos de construção nazistas se concentraram

quase exclusivamente na arquitetura urbana monumental. Asmulheres deviam ficar em casa e dedicar-se a seu papel de

mães, mas, mesmo antes da deflagração da guerra em 1939,

havia mais mulheres na força de trabalho do que até então.

O pequeno empresário devia prosperar no Terceiro Reich, mas

na realidade os negócios e a indústria tornaram-se mais con

centrados. As contradições, como as animosidades, eram inu

meráveis.

Para um observador de fora, talvez a mais irônica dasafirmações nazistas tenha sido a tese sobre a raça. Que a

supremacia da raça ariana fosse proposta por seres como Hitler,

Goebbels, Goering e o resto era simplesmente ridículo. Tome-

se Hitler, com seus cabelos escuros, oíhos pequenos, testa es

treita, largas maçãs do rosto, gestos efeminados com as mãos,

o queixo sempre prestes a se dissolver num tremor irrefreável;

ou Goebbels, o “superanão” extraordinariamente feio, do pé

torto; ou Himmler, o criador de galinhas que usava monóculo,veterinário fracassado, que parecia uma caricatura das cari-

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caturas hollywoodianas dos nazistas; ou Goering, o bufão com

ar de tio indulgente; ou Ley, o bêbado cheio de varizes que

recebeu o apelido de “o beberrão do Reich”; ou Rosenberg,

de quem até os colegas não paravam de troçar, dizendo que

 parecia judeu; ou Streicher, o bávaro imbecil, sádico e conhe

cedor de pornografia. O “higienista racial” Max von Gruberdeclarou em 1924 que a aparência de Hitler era certamente

não-nórdica, sugerindo antes a estirpe alpino-eslava.6 O resto

da hierarquia nazista era igualmente inconvincente como pro

 paganda de pureza racial. Mas nenhuma dessas contradições

ou ironias parecia ter importância. A energia e a fé fanática

invocadas por Hitler anulavam todas elas.

A fé nazista não tinha outra direção ou definição real

além de sua vulgar afirmação do ego. Tal fé se voltava paraa “nação”, mas seu lugar era o indivíduo. Embora a eugenia

tivesse sido acrescentada aos currículos de escolas e univer

sidades, o tema não conseguia fugir a seus argumentos cir

culares. O arianismo resistia a uma definição e era pouco mais

do que um artigo de fé. A teoria nazista da raça superior,

com sua ênfase em protótipos fabulosamente belos, jovens e

donzelas perfeitos, não passava de uma estetismo banal. Uma

noção simples e estúpida de beleza era só o que havia nocerne do arianismo. O racismo tem relação com o narcisismo,

e havia uma semelhança extraordinária nos caminhos seguidos

 por Maurice Barrès na França, Gabriele d’Annunzio na Itália

e Hitler. Eram todos egocêntricos míopes e frustrados que,

 para tomar emprestada a terminologia de Barrès, pareciam

transitar de um culte du moi  a uma preocupação com Vénérgie 

nationale.  De fato, a aparente passagem do estetismo para o

nacionalismo constituía apenas uma reordenação da terminologia, em vez de uma mudança de foco, uma transferência

egomaníaca das próprias ilusões do ego para a nação.

E os judeus? Nietzsche tinha observado que o anti-semi

tismo era a ideologia daqueles que se sentiam enganados. O

 judeu era o bode expiatório mais conveniente e mais visível

que havia na cultura cristã ocidental para explicar os males

e fracassos da sociedade e dos indivíduos. O judeu tinha afi

nal matado Jesus Cristo; portanto, o judeu devia ser o Anti-cristo. Mas um ressentimento tão geral, predominante na so

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ciedade ocidental durante séculos, não explica as dimensões

da perversidade nazista para com os judeus e não pode co

meçar a explicar o Holocausto. Neste ponto, mais uma vez,

a noção de transferência é útil. Se um nacionalismo racial

consistia numa projeção da fantasia e ilusão pessoal no nível

nacional, o anti-semitismo era, de modo análogo, uma pro jeção do profundo ódio e dúvida de si mesmo sobre o judeu.

O modelo de Hitler, Karl Lueger, prefeito de Viena, disse

certa vez: “Eu decido quem é judeu.” O judeu, em outras

 palavras, tornou-se uma função negativa do ego.

Para Hitler, o judeu acabou associado a todos os instintos'

obscuros de sua própria personalidade e sexualidade. O motivo

sexual em seu anti-semitismo, em seus discursos bombásticos

sobre os judeus, é inconfundível. Eles são os portadores dasífilis, os organizadores da prostituição, os morenos e peludos

 poluidores da raça escondidos nas sombras, à espreita de ví

timas louras, virginais e de olhos azuis. Se Hitler tinha um ou

dois testículos, se de fato era um “ondinista” ou coprófilo

que sentia prazer sexual quando as mulheres urinavam ou

defecavam sobre ele, como alguns alegaram com base em

 provas um tanto insuficientes, é em si mesmo incidental. Mas

não há dúvida alguma de que Hitler projetava seus própriosfracassos e culpa, sexuais ou de outra natureza, sobre os ju

deus. O “inimigo universal” representava o que ele mais odiava

em si mesmo.7

Em termos tanto pessoais como sociais Hitler foi um fra

casso. Nada nele era natural ou 'franco. Não tinha senso de

humor, vivia sempre desajeitado, sempre representando. Até

seu erotismo, disse Putzi Hanfstaengl, era “puramente operís-

tico, nunca operativo”.8 Tudo nele era artificial e sub-reptício.Era incapaz de amizade, amor ou até de um sorriso verda

deiro. A autenticidade que ele apregoava à nação lhe era com

 pletamente estranha e atemorizadora. Se lhe provocavam o

riso, sempre punha a mão na frente do rosto. Tomava pílulas

 para gases, pois ficava apavorado com a idéia de soltar tra

ques. Mudava a roupa de baixo três vezes ao dia. Tudo era

símbolo, substituição, abstração. No centro, nada havia, um

vazio total. Só um público podia dar significado a Hitler; ele próprio não tinha nenhum.

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Para a escuridão se tornar luz, o judeu, símbolo da escuridão, tinha de ser eliminado. Quando Walther Rathenau,ministro das Relações Exteriores judeu, foi assassinado em junho de 1922, os jovens responsáveis programaram o ato paracoincidir com o solstício de verão. O judeu, agente da escuri

dão, foi sacrificado ao deus solar germânico. Hitler pensavaem termos semelhantes. Que forma a “eliminação” ou “extir

 pação” — Hitler empregava a palavra  Entfernung  — tomarianão estava definido durante os anos vinte e trinta e mesmono início da guerra. Reassentamento, em Madagáscar, numaregião da Polônia ou na Sibéria, e isolamento em guetos eram propostas discutidas. Mas quando, na segunda metade de 1941,depois que a Grã-Bretanha se recusou a capitular e depois

que o ataque alemão à Rússia foi detido, surgiu a possibilidade de o nazismo não alcançar seus objetivos no leste, o processo de transferência seguiu seu curso lógico. O que atéo fim de 1941 não passara de matança esporádica de judeusrussos e da Europa Oriental transformou-se em chacina sistematizada. Em Auschwitz os assassinatos em massa começaramem fevereiro de 1942. À medida que se acumulavam os fracassos militares, o ritmo do genocídio se acelerava. Quando

os exércitos russos avançaram sobre a Alemanha em 1944 eno início de 1945, o “problema judeu” teve precedência sobretudo o mais; para Hitler e seus sequazes tornou-se mais im

 portante do que a preservação da Alemanha.

Em 14 de março de 1945 Goebbels anotou em seu diárioa “grotesca impressão” gerada pela notícia de que os judeus

 palestinos tinham convocado uma greve de um dia em solidariedade aos judeus da Europa:

Os judeus estão fazendo um jogo sujo e irrefletido. Ninguém pode dizer com certeza que nações estarão do lado perdedor e quais as que estarão do lado vencedor no fimda guerra; mas não há dúvida de que os judeus serão os

 perdedores.9

Dado o massacre generalizado de judeus europeus que ocorria

no exato momento em que Goebbels escrevia, a anotação étotalmente incompreensível a menos que se substitua “judeus”

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 por "nazistas”. O judeu era o representante de tudo o que o

nazista se recusava a aceitar sobre si mesmo. Eram os nazistas

que estavam fazendo o “jogo sujo e irrefletido”, e em março

de 1945 já não podia haver “dúvida” de que seriam os na

zistas “os perdedores”. No final, o processo de inversão que

caracterizava o nazismo fez com que a luz se transformasseem escuridão. Na bandeira nazista, a suástica, símbolo solar,

era preta.

A maneira pela qual Hitler executou a “solução final”

foi monomaníaca mas eficiente. Havia uma gigantesca e im

 pessoal burocracia da morte — a burocracia final — que tal

vez abrangesse uns oitenta mil “empregados”. Cada um tinha

uma tarefa determinada para cumprir, e poucos eram clara

mente informados do objetivo da tarefa, exceto em termosvagos e eufemísticos. Maquinistas de trem, encarregados da

manutenção das ferrovias, guardas dos campos e “cientistas”

faziam seu trabalho como teriam feito qualquer outro. Goebbels

anotava freqüentemente em seu diário que o sigilo era essen

cial para a eficiência. A tecnologia da destruição era desen-

voj^ida com entusiasmo. O envenenamento por gás, primeiro

em vagões móveis e depois nas câmaras de gás e nos crema

tórios dos campos, logo substituiu os fuzilamentos em massa.A obsessão com a eficiência no extermínio dos judeus foi o

clímax da preocupação geral do regime com a técnica. Este

era o outro lado da moeda da vida como mito. Enquanto

 prosseguia a viagem interior, enquanto se acentuava a fan

tasia, havia uma correspondente intensificação da técnica.

Sem a ênfase na técnica, a ascensão de Hitler ao poder

é inconcebível. O zelo em realçar o apelo do ritual, a obsessão

da propaganda e o interesse pela tecnologia e pelas aplicações, em contraste com a substância, da ciência, tudo se en

caixava nessa rubrica do tecnicismo. A “amizade” que Hitler

tinha com Albert Speer baseava-se na fascinação dos dois

 pelos instrumentos do poder. Speer criou os palácios de luz

impressionantemente eficazes para os comícios-monstros dé

 Nuremberg, projetou vários dos edifícios monumentais do

Reich, fez planos para uma futura Berlim, e mais tarde, du

rante a guerra, tornou-se Ministro das Munições. Da mesmaforma, o relacionamento produtivo que Hitler teve com Leni

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Riefenstahl, a cineasta que, especialmente em O triunfo da 

vontade, evocou a "beleza*.do nazismo, provinha de uma fas

cinação conjunta pela “arte” do controle social.

A propaganda não éra para Hitler apenas um mal neces

sário, uma questão de mentiras justificáveis, de exagero per-

missível. Para ele, a propaganda era uma arte. Mais uma vezfoi a experiência da guerra que o convenceu disso. O aparato

 propagandístico do partido e mais tarde do regime era, por

isso, verdadeiramente impressionante, e mesmo aterrador. O

 partido e sua propaganda se fundiram: tornaram-se indistinguí

veis. Essa espécie de fusão de técnica e substância foi também

a base do Führerprinzip, o princípio de chefia: o chefe e os

comandados passaram a ser uma coisa só. Não é de surpreen

der que, inicialmente no partido e depois no Terceiro Reich,os técnicos e os administradores passassem para o primeiro

 plano. Sentiam-se muito atraídos pela idéia do nacional-socia

lismo, e o nazismo, por sua vez, se tornou em grande parte

um movimento de técnicos, de uma espécie ou de outra.

A fascinação nazista pela técnica afetou todos os aspectos

da organização social e da vida institucional no Terceiro Reich,

sobretudo o militar. Hitler considerava “degenerada” a ma

neira pela qual a Grande Guerra fora travada, com formaçõesem massa e ataques frontais diretos. Essa forma de guerrear

não voltaria a acontecer, ele prometia. A próxima guerra seria

 bem diferente, o que foi sem dúvida alguma. Foi uma guerra

de movimento, de divisões mecanizadas, uma  Blitzkrieg, pre

 parada cuidadosamente de antemão.* Tanques e aviões foram

a chave dessa guerra, dirigida em grande parte pessoalmente

 por Hitler devido a suspeitas firmemente inculcadas sobre a

falta de confiabilidade do alto comando.A importância das “comunicações” para o seu movimento

despertou a curiosidade de Hitler pela tecnologia de transporte

e informação, o que o levou a se associar aos avanços nessa

área. Era freqüentemente fotografado na sua Mercedes-Benz e

gostava da sensação de dirigir, quase sempre em alta veloci

dade, no meio de multidões. Nos monólogos que mantinha com

seus assessores discorria horas a fio sobre a arte de dirigir

um automóvel. Considerava a rede de estradas de rodagemque tinha construído na Alemanha uma de suas maiores reali

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zações e legados, dizendo que “os primórdios de toda civilização se expressam em termos de construção de rodovias”.A construção de rodovias, em contraposição a ferrovias, que

 pertenciam ao século passado, seria uma primeira prioridadenuma Rússia conquistada. A este respeito, ele fez um comen

tário particularmente notável sobre as  Autobahnen: “Mesmonas áreas mais densamente povoadas elas reproduzem a atmosfera dos descampados.”10 A tecnologia, é claro, era um meiode escapar dos confins da realidade, um modo de liberar aimaginação.

Por essa razão, voar também despertava sua curiosidade,ainda que seu estômago tolerasse menos a sensação do quesua mente. Um dos mais bem-sucedidos slogans  nazistas foi

o da campanha da eleição presidencial de 1932: “Hitler so bre a Alemanha.” Baseava-se evidentemente no freqüente usodo avião no turbilhão de sua campanha naquela primavera.Voou cerca de quarenta e oito mil quilômetros e falou emaproximadamente duzentos comícios. Foi o primeiro político aempregar o avião de forma tão ampla.

O ar, como arena de combate, naturalmente também interessava a Hitler, assim como atraíra a atenção dos soldados

de infantaria da Grande Guerra, e a Luftwaffe tornou-se, de pois de spa. criação em 1935, em franca contravenção ao Tratado de Versalhes, um ramo favorecido das forças armadas.Hitler queria a maior força aérea do mundo e os melhores pilotos. Considerava a guerra aérea uma forma germânica decombate.11

Ouando demonstrou interesse em visitar a Alemanha,Charles Lindbergh foi recebido de braços abertos, em 1936

e novamente em 1937 e 1938, não só por causa dos benefícios propagandísticos que o regime lucraria com tais visitasmas devido a um respeito genuíno pelo ás da aviação. Emoutubro de 1938, por ocasião da terceira visita do aviador,Goering condecorou Lindbergh com a Cruz de Serviços daÁguia Alemã, “por ordem do Fíihrer”. A admiração era recí proca.. Em 1938 Lindbergh pensou seriamente em fixar residência em Berlim, e não há dúvida de que pelo menos parte

de suas razões para advogar a neutralidade americana depoisda deflagração da guerra provinha de uma simpatia pelo fas-

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detalhes: desfiles de alta precisão, florestas de bandeiras, discursos catequéticos cuidadosamente ensaiados. Por último, vinha Hitler. Seu discurso final era cronometrado para terminarquando a noite caísse. O comício-monstro se encerrava sob oencanto mágico da “catedral de gelo” de Speer: centenas de

holofotes apontando para o céu. Da grandiosidade do comícioa que assistiu, Nevile Henderson disse: “Passei seis anos emSão Petersburgo antes da guerra, nos bons tempos do antigo

 balé russo, mas nunca vi um balé que se comparasse à belezagrandiosa desse espetáculo.”16 Não foi por acaso que foi levado a fazer essa comparação. Albert Speer, que planejavaos efeitos visuais dos comícios, interessava-se muito pelas teorias coreográficas de Mary Wigman.17 As idéias dela a respeito

de “coros de movimento” que deviam “conquistar o espaço”sofreram por sua vez a influência de Émile Jacques-Dalcroze,de quem já falamos antes, e de Rudolf von Laban, que setornou mestre de balé dos teatros estatais prussianos. Todasessas pessoas tinham trabalhado com os russos ou haviam sido por eles estimuladas.

Mas onde situar Hitler, o indivíduo, em relação ao fenômeno nazista como um todo? Deve-se dizer que o brilho diabó

lico de sua perversidade não tem paralelo, e que é na verdade impossível imaginar que o movimento teria sido o mesmosem sua marca carismática. Certamente ninguém, mais na hierarquia nazista exerceu influência que mesmo de longe se aproximasse da sua ou demonstrou possuir magnetismo que suportasse comparação com o seu. Mas dito isto, Hitler continua aser inegavelmente a criação do seu tempo, um produto maisda imaginação alemã do que, a rigor, das forças econômicas

e sociais. Nunca foi considerado, em primeiro lugar, como oagente potencial da recuperação econômica e social — esta foiuma interpretação  post facto  —, mas antes como um símbolode revolta e contra-afirmação por parte dos deserdados, dosfrustrados, dos humilhados, dos desempregados, dos ressentidos, dos raivosos. Hitler representava protesto. Era uma construção mental no meio da derrota e do fracasso, da inflaçãoe da depressão, do caos político interno e da humilhação inter

nacional. Diante de seu pódio de orador, como observou Joa-chim Fest, as massas realmente celebravam a si mesmas.18

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Hitler produzia milhões de pequenos clones na religiosidade

orgiástica de seu movimento. Apelava para a imagética do

homem comum. Ele, Hitler, como dizia freqüentemente em

seus discursos, era um “vagabundo solitário vindo do nada”.

Era o “soldado desconhecido”, o “guerreiro anônimo”, o “tra

 balhador”, o “homem do povo”. Sua indumentária era sempreaustera. Seus discursos não tinham lugar para piadas ou frivo

lidades. E ele sabia da vantagem política de não se casar.

Uma dedicação sincera era o que pretendia sugerir e o que

evocava em seu público. E as multidões reagiam em êxtase,

testemunhas de uma visão sagrada. Mas, em tudo isso, a ne

cessidade e a imaginação da massa engendravam a realidade

de Hitler. E até hoje, com seus poderes evocativos, como sím

 bolo do gênio do “mal”, ele continua a ser uma criação denossas imaginações. Ele é de fato, como afirmou o absorvente

filme de Syberberg no final dos anos setenta, o “nosso Hitler”.19

Ele é antítese. Supremo artista kitsch,  encheu o abismo de sím

 bolos de beleza. Transformou a vítima em herói, o inferno

em céu, a morte em transfiguração.

A ênfase do nazismo não incidia no passado, mas no

“irromper” no futuro —  Aufbruch  era uma das palavras pre

diletas do movimento, captando a idéia de erupção, a exu berante erupção de vida que surge com o despertar da pri

mavera. Falava-se da “erupção da nação”, da “erupção do

espírito”. Assim, como o tema dominante de  Die Meistersinger  

 — segundo Hanfstaengl, a ópera favorita de Hitler — é o

despertar da vida e da arte que vem com a primavera, assim

era também o do nazismo.

“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!”

-Gründe parte da comunidade intelectual e artística ficou enre

dada no drama do nazismo e do Terceiro Reich. Em seus pri

meiros tempos em Munique, o partido atraiu um número sig

nificativo de membros da comunidade artística de Schwabing.1Em 1931 os nazistas contavam com duas vezes mais apoio

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nas universidades do que no país em geral. Em 3 de março

de 1933, trezentos professores universitários se posicionaram

 publicamente a favor de Hitler numa declaração de voto.2 Se

inúmeras pessoas de talento e renome abandonaram a Alema

nha depois de janeiro de 1933, assim agiram, na maioria dos

casos, porque eram judias ou porque temiam, por essa ouaquela razão, perder o seu meio de vida. Os que partiram

 por razões morais, como manifestação de oposicionismo, cons

tituíam uma fração diminuta. Em relação aos que permanece

ram, os exilados foram uma pequena minoria.3

Para cada não-judeu de estatura internacional que partiu,

muitos foram os que continuaram na Alemanha, como Got-

tfried Benn, Richard Strauss, Gerhart Hauptmann, Emil Nolde

e Martin Heidegger. Vários destes, intrinsecamente cautelososcom um franco envolvimento político por causa das conotações

negativas da política, na verdade envolveram-se publicamente,

 pelo menos a princípio, na excitação de 1933. “Tudo o que

leva à experiência é lícito”, Benn tinha escrito antes.4 Esta es

 pécie de amoralidade e aventureirismo, de inspiração tão nietzs-

chiana, esteve em voga em 1933 e caracterizou a resposta inte

lectual ao nazismo. Para Rudolf Binding, o advento do Terceiro

Reich representava a realização de um “grande desejo”. “Estedesejo não é externo mas interno, e todo aquele que o exte

rioriza acaba profanando-o.”5 Como para Robert Brasillach, o

fascismo constituía para Binding uma construção poética. No

Terceiro Reich o poeta e o soldado se fundiam. Poucos dos

intelectuais eminentes se tornaram realmente membros do par

tido, sendo inegável que a organização da vida cultural foi

deixada a cargo de talentos de segunda classe. Mas as mentes

criativas sempre se esquivaram de envolvimentos com o mundano e a rotina; por isso a filiação partidária não deveria dar

a medida do apoio ou aceitação.

Fora da Alemanha, também, havia muito interesse e sim

 patia entre os grupos artísticos e intelectuais pelo experimento

que se realizava na Europa central, assim como tinha havido

antes pelo advento do bolchevismo na Rússia e depois pelo

fascismo na Itália. Todos esses experimentos pareciam captar

a mística dos movimentos de vanguarda de uma época anterior: abraçar a vida, rebelar-se contra a esterilidade burguesa,

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odiar a sociedade respeitável e sobretudo revoltar-se — provocar uma radical revisão de todos os valores. O infortúnio tor-nava-se dádiva; a necessidade, salvação; o desânimo, exaltação;a fraqueza, força. Em abril de 1917 Paul Morand escutara MisiaSert, a admiradora e patrocinadora de Diaghilev, “falar entu

siasticamente da revolução russa, que lhe parece um enorme balé”.6 O amigo dela, Serge Lifar, um dos primeiros protegidos de Diaghilev, que devia se tornar diretor do Balé da Óperade Paris sob a ocupação alemã, se referia várias vezes em suasconversas a um encontro que tivera com Hitler: “Em toda aminha vida só dois homens me acariciaram assim”, dizia enquanto deslizava a mão pelo braço de seu interlocutor, “Diaghilev e Hitler!”7 O vitalismo, o heroísmo, o erotismo do pri

meiro bolchevismo e depois do fascismo produziram uma infusão muito forte para artistas e intelectuais. Nietzsche afirmaraque a única maneira de justificar o mundo era considerá-loum fenômeno estético, e Benn achava em 1933 que a Alemanhaestava prestes a compreender o significado dessa declaração.8Maurice Mandelbaum estava com W. H. Auden em Swarth-more entre 1942 e 1945. Numa conversa, certo dia, Auden perguntou em quem se podia confiar se o fascismo chegasse

à América. Os dois decidiram que seria melhor confiar emnão-acadêmicos do que em acadêmicos.9

É claro que havia um constante desgaste de apoio intelectual ao regime nazista. Jünger, Benn, Strauss, Heidegger,todos recuaram de seu primeiro entusiasmo. Muitos ficaramestarrecidos com o massacre da Noite das Longas Facas, em30 de junho de 1934, quando os líderes da SA foram assassinados para aplacar os mordomos do exército que viam uma

ameaça nos Camisas-Pardas e em suas ambições, e quando várias outras contas antigas foram acertadas com os assassinatosde Gregor Strasser, do general Kurt von Schleicher e sua mu-l h ^ Gustav von Kahr, Edgar Jung, Erich Klausener e, porum engano de identidade, o crítico musical Willi Schmidt. A progressão constante de medidas anti-semitas, culminando antesda guerra na Noite dos Cristais, em novembro de 1938, quandosinagogas e lojas judias foram destruídas e incendiadas, apa

vorou outros. Fora da Alemanha, ocorreu o mesmo processode distanciamento. Em 1934 James Joyce observou sarcasti-

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camente:' “Receio que o pobre Sr. Hitler terá em breve poucos

amigos na Europa, fora meus sobrinhos e os Mestres W. Lewis

e E. Pound.”10

Entretanto, a gradativa deserção foi ocasionada menos pelo

que o nazismo representava como fenômeno geral do que por

sua maneira de tratar a intelligentsia: a insolência dos quadrosdo partido para com os intelectuais, sua desconfiança e seus

sentimentos de inferioridade em relação a eles. O antigo e me

díocre expressionista que se transformou num nazista ardoroso,

Hanns Johst, chamava o intelectualismo de combinação da “arte

da persuasão e rabulice judia”.11 Speer relatou que Hitler se

sentia constrangido na presença de convidados ilustres. Por isso

 preferia não convidá-los para audiências privadas ou mesmo

 para as festas do partido. As pessoas que ele de fato convidavaeram mais frequentemente artistas ou estrelas do cinema do que

escritores ou pensadores. Muitos destes últimos se afastavam

em razão do que consideravam o estilo vulgar do regime, as

táticas agressivas e oportunistas da “SA espiritual”, os jovens

arrivistas que controlavam as academias e as instituições cul

turais do Reich.

As ambições de muitos intelectuais alemães de serem acla

mados como heróis nacionais foram assim aniquiladas. Musso-lini homenageou Marinetti e d'Annunzio, e o futurismo recebeu

um reconhecimento quase oficial como antepassado espiritual

do fascismo italiano. Muitos expressionistas alemães, entre eles

Benn, esperavam que algo semelhante acontecesse na Alema

nha. Não aconteceu. Em vez disso, o sarcasmo — “Quando

ouço a palavra cultura, levo a mão ao revólver” — tornou-se

tão popular que sua origem foi atribuída a praticamente todo

chefe nazista. Captava o ressentimento pequeno-burguês doregime contra os intelectuais e também expressava a recusa do

movimento a se deixar envolver com qualquer grupo social tra

dicional. A Kultur   devia ser despojada de todas as suas impli

cações elitistas e receber um significado genuinamente populista.

A cultura era um assunto do povo, do Volk , não de intelectuais.

 Nessa atmosfera os intelectuais começaram invariavelmente

a se afastar do partido, embora não necessariamente da suble

vação do país que ele simbolizava. A conseqüência foi ambi-güidade e ambivalência. O partido e seus líderes começaram

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a ser desprezados como vulgares. Seus objetivos, entretanto,

continuavam legítimos. O resultado não foi oposição, mas o que

os alemães vieram a chamar de “exílio interno” — afastamento

da vida pública. Mas quando veio a guerra em 1939 muitos

destes exilados retornaram para se alistar e lutar pela causa

nacional que Hitler, é claro, ainda comandava. O divórcio nãotinha sido completo.

A princípio é-se tentado a aceitar a designação do nazis

mo como "modernismo reacionário”,12 mas a implicação desse

rótulo é que o nazismo usou os instrumentos e a tecnologia da

modernidade numa tentativa de impor à Alemanha uma visão

do passado. Como argumentamos, isso seria interpretar erro

neamente, de fato inverter, o impulso central do movimento

no contexto de sua época. A Alemanha do pós-guerra herdouda era imperial, especialmente de suas últimas décadas, titna

ânsia agressiva de se expandir, de estabelecer seu predomínio,

 pelo menos no continente da Europa, que ainda era conside

rada o centro do mundo. No período pré-1914 ela tinha encar

nado a rebelião contra a época burguesa anglo-francesa do

materialismo, industrialismo e imperialismo. Ao mesmo tempo,

era também filha dessa época: a personificação da juventude,

do rejuvenescimento e da eficiência técnica. Sua derrota naguerra correspondeu à morte de uma geração jovem, e suas

frustrações eram emblemáticas das frustrações dos sobreviven

tes confusos, neuróticos, rebeldes que em bandos e por toda

 parte nos anos vinte apanharam a tocha da vanguarda do pré-

guerra e fizeram da rebelião contra o odiado burguês uma

questão não mais de indivíduos, nem mesmo de uma nação,

mas de toda uma geração. A Alemanha continuou a ser a prin

cipal representante nacional dessa revolta. A Grande Guerra foio momento psicológico decisivo para a Alemanha e para o mo

dernismo como um todo. O impulso de criar e o impulso de

destruir^írocaram de lugar. O impulso de destruir foi intensi

ficado; o impulso de criar tornou-se cada vez mais abstrato. No

final as abstrações se transformaram em insânia, e tudo o que

restou foi destruição, Götterdämmerung*

Crepúsculo dos deuses.

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“Sob os escombros de nossas cidades destroçadas”, escre

veu Joseph Goebbels em 1945, com uma embriaguez ofegante

que lembra as peças do teatro expressionista dos anos vinte e,

na verdade, seus próprios diários daquela década,

foram enterradas as últimas pretensas realizações do século XIX classe média. . . Junto com os monumentos da

cultura desmoronam também os últimos obstáculos ao

cumprimento de nossa tarefa revolucionária. Agora que

tudo está em ruínas, somos forçados a reconstruir a Eu

ropa. No passado, os bens particulares nos amarravam às

restrições burguesas. Agora as bombas, em vez de matar

todos os europeus, apenas despedaçaram as paredes das

 prisões que os mantinham cativos. . . Ao tentar destruir

o futuro da Europa, o inimigo conseguiu destruir o seu

 passado; e com isso, tudo o que era velho e gasto desa

 pareceu.13

Estas afirmações destinavam-se ao consumo do público do rádio

e da imprensa. Em seu diário, o tom era mais sombrio, mas

a substância continuava a mesma. Em meados de março, ao

saber que um reide sobre Würzburg demolira o centro da cida

de, comentou:

Assim desapareceu a última bela cidade alemã ainda in

tacta. Dessa forma damos um adeus melancólico a um

 passado que nunca retornará. Um mundo está vindo abai

xo, mas todos conservamos uma fé firme em que um novo

mundo surgirá de suas cinzas.14

Em meados de abril de 1945, quando o fim era iminente,Goebbels — que também apreciara o balé russo vinte anos

antes15— ainda pensava em termos de “arte”, um grandioso fil

me colorido que seria finalmente feito sobre o Crepúsculo dos

Deuses em Berlim.

Posso lhe assegurar que será um filme belo e glorificante

e em nome dessa perspectiva vale a pena resistir. Mantenha-

se firme agora para que daqui a cem anos o público nãovaie e assobie quando você aparecer na tela!16

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Estaria pensando na sessão do filme Sem novidade no front, 

na Mozartsaal do Theater am Nollendorfplatz de Berlim, que

ele ajudara a interromper de forma tão rude em dezembro de

1930? Certamente pensava em seu próprio reflexo nesse espe

lho moderno da civilização, a tela de cinema. O pensamento

de que o Terceiro Reich sobreviveria nessa moderna forma dearte lhe proporcionava algum consolo. Junto com Hans Sachs,

 poderia ter dito:

 Mesmo que se dissolvesse 

O Sacro Império Romano,

 Ainda nos restaria 

 A sagrada arte alemã!

Em 1? de maio, Goebbels, o Mestre de Cerimônias Fúne

 bres do Reich, como era freqüentemente chamado, cujo forte

sempre tinha sido o discurso fúnebre, envenenou seus seis filhos.

A seguir, depois de sua mulher Magda tomar também uma

dose fatal, matou-se com um tiro. Alguns dias antes, em 28 de

abril, confinada no bunker   do Führer por causa das lutas nas

ruas, Magda redigira uma carta de despedida a Harald Quandt,

filho de seu primeiro casamento.

 Nossa esplêndida concepção está se extinguindo e com ela

tudo o que de belo, admirável, nobre e bom conheci em

minha vida. Não vale a pena viver no mundo que virá

depois do Führer e do nacional-sociajismo; por isso trouxe

as crianças para cá também. São boas demais para a vida

que virá depois de nós. . . Harald, meu querido, eu lhe

dou o que de melhor a vida me ensinou: continue fiel —

fiel a você mesmo, fiel à humanidade, fiel a seu país, sobtodos os aspectos.17

O kitsch, a transposição de valores, a morte na vida, continuaram até o fim.

 No mesmo dia em que Magda Goebbels escreveu a seu

filho, Hitler começou uma última série de gestos para o mundo

que o tinha criado. No final do dia 28 casou-se com sua amante

Eva Braun. O casamento não foi um ato de abdicação: nãomarcou o fim da pose. A inversão das normas continuava. O

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casamento destina-se a marcar um começo. Aqui assinalava o

fim. Na madrugada de 29, depois da cerimônia, Hitler redigiu

seu testamento. Continha as velhas invectivas contra os judeus

e a reiteração da necessidade de territórios no leste, mas umaf

 passagem interessante sugeria seus pensamentos sobre a relação

entre a vida e a morte. “A morte”, dizia ele de si mesmo e desua nova esposa, “nos compensará pelo que meu trabalho a

serviço de meu povo roubou de nós dois.”18 Ao que parece,

a morte devia ser considerada uma recompensa, uma “compen

sação” pelo sacrifício. A morte era a antítese do trabalho. A

morte era a suprema manifestação da vida. No bunker   o dia e a noite se fundiam. Na madrugada do

dia 30 Hitler convocou o pessoal que servia no abrigo subter

râneo para a despedida final. Havia secretárias, ordenanças, oficiais — uns vinte homens e mulheres. Houve uma série de

apertos de mão. Hitler estava calado ; Depois retirou-se. Todos

sabiam que o Führer planejava se matar.

Foi então que ocorreu um estranho happening.  Na cantina

da chancelaria, cujo ruído se podia ouvir no bunker   do Führer,

iniciou-se uma dança. Soldados, secretárias, ordenanças, cria

dos e outros moradores do bunker   começaram a se divertir.

Um general deu uma palmada nas costas de um alfaiate. Con

versaram. As distinções hierárquicas desapareceram. O baru

lho chegou aos alojamentos do Führer, e veio um recado para

moderar a agitação. Mas a dança continuou.19

Doze horas depois o cerco do Exército Vermelho se es

treitara. Os russos haviam tomado o Tiergarten. Já ocupavam

os túneis da ferrovia na Friedrichstrasse. Tinham alcançado a

 ponte Weidendammer sobre o Spree. Da suíte subterrânea do

Führer ouviu-se um único tiro. Anos antes Karl Kraus havia

escrito: “Quando penso em Hitler, nada me vem à mente.”Uma canção popular alemã de 1945 intitulava-se: “Es ist

ein Frühling ohne Ende!”*

* É uma primavera sem fim.

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AGRADECIMENTOS

Um livro que, como este, levou tanto tempo para ser escrito pertence a muitas pessoas além de seu autor, quer elas desejemcrédito por isso ou não. É um prazer agradecer a ajuda.

O Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais e Humanidadesdo Canadá assegurou recursos, sob a forma de uma licença remunerada e subsídios à pesquisa, para que o trabalho na Europa, em várias etapas, pudesse ser realizado. Sem este generoso apoio não poderia ter escrito o livro. Minha sede acadêmica, o Campus Scarborough da Universidade de Toronto, meincentivou de várias maneiras.

Aos arquivistas, bibliotecários e funcionários das instituições listadas na nota sobre as fontes devo agradecimentos. Entretanto, é preciso mencionar algumas pessoas que interromperam sua rotina para ajudar: Clive Hughes, Philip Reed e PeterThwaites no Imperial War Museum, esse extraordinário repositório de documentos da Grande Guerra; Général Deltnas noService historique de 1’armée de terre em Vincennes; M.  Du- chêne-Marullaz, um pesquisador solitário que me deu orienta

ções valiosas; Hans-Heinrich Fleischer, dos arquivos militaresda Alemanha Ocidental em Freiburg; Gerhard Heyl, da seçãomilitar dos arquivos públicos da Baviera em Munique; e Par-menia Migel Ekstrom, da Fundação Stravinsky-Diaghilev de Nova York.

James Joll, George Mosse e Fritz Stern auxiliaram nãosó com seu exemplo mas também com encorajamentos. RobertSpencer, John Cairns e Martin Broszat estimularam meus es

forços com um sorriso benévolo, talvez rindo também da minhalabuta.

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Para Martin Landy e Ruth Caleb, Nigel Thorpe e Susan

Bamforth, Michael e Colette Llewellyn Smith, Russell e Lulu

Hone, Suzanne Weinberg e François Bursaux, Susan Meisner

e Thomas Brown, Volker Klein e Ernst-Giinther Koch, para

todos estes amigos eu me inclino, agradecendo importantes fa

vores. Diante de John e Valerie Bynner, entretanto, eu me prosterno. A bondade dos dois foi excepcional.

Dos meus colegas destaco William Dick, que leu ps origi

nais com seu olho crítico, Thomas Saunders, que pesquisou

algum material, e Paul Gooch, Wayne Dowler e Paul Thomp

son, que ofereceram suporte administrativo a meus esforços.

David Harford ajudou nas ilustrações e Lois Pickup em várias

tarefas vitais.

Material de propriedade da Coroa, tanto no Imperial WarMuseum como no Public Record Office, é reproduzido com a

 permissão do Superintendente do Stationery Office de Sua Ma

 jestade. Pela permissão de citar trechos de vários documentos

 particulares, agradeço a L. W. Galer, B. C. Gregson, Paul P. H.

Jones, R. McGregor, N. J. Mountfort, Sybil OT)onoghue, W. E.

Quinton, F. H. T. Tatham e A. Walker. Os editores de The 

 Journal of Contemporary History  e The Canadian Journal of  

 History  tiveram a bondade de permitir que eu usasse neste livrosegmentos de artigos que apareceram pela primeira vez nas

 páginas de suas publicações.

Por sua confiança no futuro deste livro agradeço a Malcolm

Lester. Mas devo ao bom senso de Beverley Slopen, meu agente,

que este afortunado original tenha chegado finalmente às mãos

de Peter Davison, poeta e confrade, para receber os cuidados

de seu zelo e tato, e depois às de Frances Apt, preparadora de

originais sans^pareil.

 No curso de nossos trabalhos comuns, minha mulher, Jayne,

várias vezes me lembrou os sentimentos do “IP de Rudyard

Kipling. Para ela cito agora as palavras de James Joyce, em

1921, endereçadas a Harriet Shaw Weaver: “Sou muito grato

 por sua lealdade incessante para com meu ego difícil e minhainterminável composição.”

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M. E.Toronto e Maussane-les-Alpilles

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NOTAS

PRÓLOGO: VENEZA

1. Esta c outras citações da novela são tiradas da tradução de  Death 

in Venice 

feita por H. T. Lowe-Poter (Nova York, 1954).2. Misia Sert,  Misia  (Paris, 1952), 229-30.

3. Heinrich Mann, “Der Tod in Venedig”,  März ,  7/13 (1913), 478.

4. Thomas Mann, ‘‘Lebensabriss” (1930), Gesammelte Werke, 14 vols. 

(Frankfurt am Main, 1960-1974), XI: 123-24; Karl Ipser, Venedig 

und die Deutschen  (Munique, 1976), 90-91; e Peter de Mendelssohn, 

 Der Zauberer   (Frankfurt am Main, 1975), 869-73.

5. In Carl Schorske, Fin-de-siècle Vienna  (Nova York, 1980); 164; e J. 

E. Chamberlin, “From High Decadence to High Modernism”, 

Queers Quarterly,  87 (1980), 592,

6. John Hellmann, Fables of Fact: The New Journalism as New Fiction {  Urbana, 111., 1981).

7. John Ruskin, The Stones of Venice,  in The Complete Works,  13 

vols. (Nova York, s .d .) , VII: 15.

8. In Ipser, Venedig,  93.

PRIMEIRO ATO

I — PARIS

VISÃO

1. Vera Stravinsky e Robert Craft, Stravinsky  (Nova York, 1978), 75.

29 DE MAIO DE 1913

1.  Le Figaro,  17 de maio de 1913.

2. Gabriel Astruc,  Le Pavillon des fantômes  (Paris, 1929), 286-87.

3. Jean Cocteau, Oeuvres complètes.  11 vols. (Genebra, 1946-1951), IX:43-49.

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4. Carl Van Vechten (ed.), Selected Writings of Gertrude Stein  (Nova York, 1946), 113.

5.  Le Figaro ,  31 de maio de 1913.6. Para Cocteau, ver n. 3 acima; para Stravinsky, seu Conversations 

(Londres, 1959), 46.7. Grifo meu. Citado in Richard Buckle,  Nijinsky  (Harmondsworth, 

1980), 357.8. Carl van Vechten,  Music and Bad Manners  (Nova York, 1916), 34.9. Bronislava Nijinska, Early Memoirs  (Nova York, 1981), 470.

10. Grifo meu. Carl Van Vechten,  Music After the Great War  (Nova York, 1915), 88.

11. In Nigel Gosling, Paris 1900-1914  (Londres, 1978), 217. Também 

John Malcolm Brinnin, The Third Rose: Gertrude Stein and Her  World   (Londres, 1960), 190-91.

 LE THÉÂTRE DES CHAMPS-ÉLYSÉES 

1. J. M. Richards, por exemplo, em sua edição de Who's Who in  Architecture  (Nova York, 1977), 252.

2. In Nikolaus Pevsner, Pioneers of Modern Design  (Harmondsworth, 1970), 181.

3. In Peter Collins, Concrete, the Vision of a New Architecture  (Londres, 1959), 153.

4. In Daniel Bell, The Cultural Contradictions of Capitalism  (Nova York, 1976), 110-11.

5. In Pierre Lavedan, French Architecture  (Harmondsworth, 1956), 

227; Collins, Concrete,  191.6. Astruc,  Le Pavilion,  240-59.7. A pronúncia de seu nome era Greffeuille, como Jacques-Émile 

Blanche nos informa em  La Pêche aux souvenirs  (Paris, 1949), 202. Albert Flament,  Le Bal du Pré Catlaan  (Paris, 1946), 258; George D. Painter:  Proust; The Early Years  (Boston, 1959), 115.

8. Austruc,  Le Pavillon,  282.9. Ibid., 283-84; Blanche, “Un Bilan”,  Revue de Paris,  t.6 (15 de 

novembro de 1913), 283-84.

 DIAGHILEV^E-eS BALLETS RUSSES 1. In Arnold Haskell,  Diaghileff   (Londres, 1935), 87.2. Romola Nijinsky,  Nijinsky  (Nova York, 1934), 49. O  Diaghilev 

de Richard Buckle (Nova York, 1979) contém um tesouro de detalhes biográficos.

3. John E. Bowlt, The Silver Age: Russian Art of the Early Twentieth 

Century and the “World of Art " Group  (Newtonville, Mass., 1979), 166-67.

4. Misia Sert,  Misia,  151.

5. In Janet Kennedy, The “Mir iskusstva" Group and Russian Art, 1898-1912  (Nova York, 1977), 343.

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6. In Robert Craft, “Stravinsky’s Russian Letters”,  New York Review  

of Books ,  21 de fevereiro de 1974, 17.7. Buckle,  Nijinsky, 92.

8. Tamara Karsavina, Theatre Street   (Londres, 1981), 236.9. Marcel Proust,  À la recherche du temps perdu, 3 vols. (Paris, 1954).

 

Ill: 236-37.

10. Carta de 4 de março de 1911, Marcel Proust, Correspondance, 

org. Philippe Kolb, 15 vols. (Paris, 1970-1987), X:258.

11. Harold Acton,  Memoirs of an Aesthete 

(Londres, 1948), 113.

12. In Edward Marsh,  Rupert Brooke  (Toronto, 1918), 75.13.  Le Figaro,  31 de maio de 1912.

14. Na anotação, em seu diário, de 17 de março de 1914; Charles Ricketts, Self-Portrait,  org. Cecil Lewis (Londres, 1939), 189.

15. In Cyril W. Beaumont,  Michel Fokine and His Ballets  (Londres, 

1935), 23-24.16. In Buckle,  Nijinsky,  346.

17. E. G. V. Knox, “Jeux d’Esprit at Drury Lane”, Punch, 

145 (16 de 

 julho de 1913), 70.

18. In Vera Krasovskaya,  Nijinsky, trad, de John E. Bowlt (Nova 

York, 1979), 91.19. In  Revue de Paris,  t. 6, 525.

20. “Serge de Diaghilew”,  Revue musicale,  XI/110 (dezembro de 

1930), 21.21. In Bowlt, Silver Age,  169-70.

 REBELIÃO

1. Ludwig Feuerbach, The Essence of Christianity, 

trad, de George 

Eliot (Nova York, 1957), 185.

2. O verso de Wedekind se encontra em seu  Marquis of Keith,  e 

Eastman é citado in John P. Diggins, Up From Communism  (Nova 

York, 1975), 5.

3. In Leon Edel,  Blommsbury  (Philadelphia, 1979), 149.4. Ver a troca de cartas entre Gide e Paul Claudel, 2 e 7 de março

 

de 1914, em sua Correspondance î 899-1926,  org. Robert Mallet (Paris, 1949), 217-22.

5. Igor Stravinsky,  Memories and Commentaries 

(Nova York, 1960), 

40.6. The Diary of Vaslav Nijinsky,  org. Romola Nijinsky (Londres,

 

1937), 154.

7. Cocteau, Oeuvres complètes,  IX:42.8. Principe Peter Lieven, The Birth of the Ballets-Russes,  trad, de

 

L. Zarine (Londres, 1936)-, 126-7.

9. In Charles Spencer et al., The World of Serge Diaghilev  (Chicago, 

1974), 51.10. Stravinsky,  Memories,  38.

11. In Michael Holroyd,  Lytton Strachey, 2 

vols. (Nova York, 1968), 

11:95.12. Pierre Lalo in  Le Temps,  5 de junho de 1913.

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13. “The Old Ballet and the New: M. Nijinsky’s Revolution”, Times 

(Londres), 5 de julho de 1913, lid. Este artigo e a crítica de Jean 

Marnold em Mercure de France,  CV (l.° de outubro de 1913), 623-30, 

ainda estão entre as melhores análises das realizações de Nijinsky 

que possuímos.

14. Stanley J. Fay, “All the Latest Dances”, Punch,  141 (l.° de novem

bro de 1911), 311.

CONFRONTO E LIBERAÇÃO

1. Stravinsky,  Memories,  29; Vera Stravinsky, Stravinsky,  76-105.

2. In Craft,  New York Review,  21 de fevereiro de 1974, 19.

3. Ibid.4. Hugo von Hofmannsthal e Richard Strauss, The Correspondence,

 

org. e trad, de Hanns Hammelmann e Ewald Osers (Londres, 1961), 

150.

5. In Robert Craft, “Le Sacre and Pierre Monteux”,  New York Review of Books,  3 de abril de 1975, 33.

6. In Craft,  New York Review,  21 de fevereiro de 1974, 17.

7. Ibid. A referência a la sale musique  numa carta de Monteux a M. 

Fichefet, 28 de outubro de 1911, pode ser encontrada nos Astruc 

Papers, arquivo 61, p. 7, Dance Collection, New York Public Li

brary.

8. In Craft,  New York Review,  21 de fevereiro de 1974, 18.9.  New York Times,  23 de janeiro de 1916.

10. Buckle,  Diaghilev,  88; Haskell,  Diaghileff,  150.11. In Bowlt, Silver Age,

 

202.

12. D. H. Lawrence, The Rainbow  (Harmondsworth, 1977), 184.

O PÚBLICO

1. William L. Shirer, 20th Century Journey  (Nova York, 1976), 216.

2. Harold Rosenberg, The Tradition of the New  (Nova York, 1959), 

209.

3. In Agathon,  Les Jeunes Gens d'aujourd'hui  (12. ed., Paris, s.d.

[1919]), 4-5.------

-4. Oliver Wendell Holmes, One Hundred Days in Europe  (1891), in 

The Writings of Oliver Wendell Holmes,  14 vols. (Boston), 1899- 

1900), X:177.

5. Jack Kerouac, Satori in Paris  (Nova York, 1966), 8.6. Georges Clemenceau,  Dans les champs du pouvoir   (Paris, 1913), 82.7.  Le Crapouillet,  outubro de 1931, 14.

8. Arthur Rubinstein,  My Young Years  (Toronto, 1973), 132.9. In George P. Gooch, Franco-German Relations, 1871-1914  (Lon

dres, 1928), 26.

10. Alexandre Benois, “Lettres artistiques: les représentations ruçses 

à Paris”, texto datilografado nos Astruc Papers, 30, 11-14, com a

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legenda “Journal de St. Pétersbourg” e a data de 2 de julho de 

1909.

11. Samuel Rocheblave,  Le Goût en France  (Paris, 1914), 323-28.

12. Jean Cocteau,  Professional Secrets,  org. Robert Phelps, trad. R. Howard (Nova York, 1970), 70-71.

13. Blanche,  Revue de Paris,  t. 6, 279.

14. Ibid., 276-77.

O ESCÂNDALO COMO SUCESSO

1. O estudo de Jacques Rivière, “Le Sacre du printemps”,  Nouvelle 

 Revue Française,  X (novembro de 1913), 706-30, talvez seja ainda 

a apreciação mais perspicaz que temos da obra. Pode-se encontrá- 

lo em inglês in Jacques Rivière, The Ideal Reader,  trad. Blanche A. Prince (Nova York, 1960), 125-47.

2. In Arthur Gold e Robert Fizdale,  Misia: The Life of Misia Sert 

(Nova York, 1980), 151.3. Truman C. Bullard reproduz a maioria das críticas francesas em 

sua tese, apoiada em notável pesquisa, “The First Performance 

of Igor Stravinsky’s ‘Sacre du Printemps’ ”, 3 vols., Eastman School 

of Music, Universidade de Rochester, 1971.

4.  Le Figaro, 31 de maio de 1913.5. In Buckle,  Nijinsky,  361.

6. Louis Laloy ibid.7. Marie Rambert, Quicksilver  (Londres, 1972), 61.

8. Maurice Dupont, “Les Ballets russes: l’orgie du rythme et de la 

couleur”,  Revue Bleue,  52a., II (11 de julho de 1914), 53-56.9. Charles Nordmann, “La Mort de l’univers”,  Revue des deux mon

 des,  t. 16 (l.° de julho de 1913), 205-16.

II — BERLIM

VER SACRUM 

1. The Diaries of Franz Kafka, 1910-1923,  org. Max Brod, trad. M. Greenberg (Harmondsworth, 1965), 145.

2. In Georg Kotowski et al. (org.),  Das wilhelminische Deutschland  

(Munique, 1965), 145.3. Vossische Zeitung,  374, 26 de julho de 1914.

4. Nota de 27 de julho de 1914, Kurt Riezler, Tagebücher, Aufsätze, 

 Dokumente,  org. K. D. Erdmann (Göttingen, 1972).5. The Letters of Charles Sorley  (Cambridge, 1919), 211-12.

6. In Fritz Klein et al.,  Deutschland im ersten Weltkrieg,  3 vols. 

(Berlim [Oriental], 1968-1970), 1:262-63.

7.  Frankfurter Zeitung,  211, l.° de agosto de 1914.8. In Martin Hürlimann,  Berlin  (Zurique, 1981), 193.

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9. Frankfurter Zeitung,  212, 2 de agosto de 1914.

10. In Frankfurter Zeitung,  213, 3 de agosto de 1914.

11. In Dieter Groh, Negative Integration und revolutionärer Attentismus 

(Frankfurt am Main, 1973), 675.

12. Nota do diário, 15 de agosto de 1914, Tagebücher.  Também Kon

rad H. Jarausch, The Enigmatic Chancellor   (New Haven, Conn.: 

1973), 177.13. Thomas Mann em seu prefácio de 1924 a  Der Zauberberg.

 

Cf. 

The Magic Mountain, trad. H. T. Lowe-Porter (Nova York, 1969), 

ix. Friedrich Meinecke, Strassburg-Freiburg-Berlin, 1901-1919  (Stutt

gart, 1949), 137-38.

 ABERTURA

1. In Norbert Elias, The Civilizing Process,  trad. E. Jephcott (Nova 

York, 1978), 11-12.

2. Friedrich Schiller e J. W. von Goethe, “Das Deutsche Reich”, 

 Xenien,  in Schiller, Gesamtausgabe,  20 vols. (Munique, 1965-1966), 

11:30.

TÉCNICA

1. In Gordon A. Craig, The Germans  (Nova York, 1982), 27.

2. David Landes, The Unbound Prometheus  (Cambridge, 1969), 342.

3. In Paul M. Kennedy, The Rise of the Anglo-German Antagonism, 

1860-1914 

(Londres, 1980), 110.4. In Klaus Dockhorn,  Der deutsche Historismus in England   (Göttin

gen, 1950), 217.

5. Landes, Prometheus,  354.

6. In Kennedy,  Rise,  71.

7. In Fritz Fischer, Krieg der Illusionen  (Düsseldorf, 1969), 154-55.

 A CAPITAL

1. In Rolf H. Foerster,  Die Rolle Berlins im europäischen Geistesleben 

(Berlim, 1968), 115.2. Moritz J. Bonn, Wandering Scholar 

 

(Londres, 1949), 44-45.

3. Friedrich Sieburg, Gott in Frankreich?  (Frankfurt am Main, 1931),

120.

KULTUR

1. In Richard Ellmann,  James Joyce  (Nova York, 1959), 116.

2. In Geoffrey G. Field, Evangelist of Race 

(Nova York, 1981), 43.

3. In ibid., 216.

4. Friedrich Nietzsche, Twilight of the Idols, 

trad. R. J. Hollindale 

(Harmondsworth, 1968), 23.

426

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CULTURA E REVOLTA

1. Katherine Anthony, Feminism in Germany and Scandinavia  (Nova 

York. 1915). 169-204.

2. In William Rubin (org.), Pablo Picasso: A Retrospective  (Nova 

York, 1980), 18.

3. In Samuel Hynes, The Edwardian Turn of Mind  

(Princeton, 1968), 

334.4. In Marshall Berman,  All That Is Solid.Melts into Air 

 

(Nova York, 

1982), 239.

5. Pevsner, Pioneers ,  32. Também Joan Campbell, The German Werk

bund   (Princeton, 1978).

6. In Buckle,  Nijinsky ,  316.

7. Emil Nolde,  Das eigene Leben  (Flensburg, 1949), 238.

8. In John Russell, The Meanings of Modern Art   (Nova York, 1981), 

83.

9. In James D. Steakley, The Homosexual Emancipation Movement  in Germany  (Nova York, 1975), 49.

10. Ibid., 24-27.

11. Marc a Macke, 14 de janeiro de 1911, August Macke e Franz Marc, 

 Briefwechsel  (Colônia, 1964), 40.

12. Emil Nolde,  Briefe aus den fahren 1894-1926, 

org. Max Sauerlandt 

(Hamburgo, 1967), 99.

13. George Santayana, “English Liberty in America”, Character and  Opinion,

 

in The Works of George Santayana, 

14 vols. (Nova York, 

1936-1937), VIII:120.

14. George Santayana, “Egotism in German Philosophy”, in ibid., VI: 

152.15. In  New York Times,

  5 de agosto de 1914, citado in Barbara Tuch- 

man, The Guns of August   (Nova York, 1962), 312.

16. Carta a Maximilian Steinberg, in Craft,  New York Review , 21 de 

fevereiro de 1974, 18.17. Walther Rathenau, “Der Kaiser”, in Gesammelte Schriften, 6 vols.

 

(Berlim, 1925-1929), VI:301.

18. Bertrand Russell, Freedom Versus Organization, 1814-1914  (Nova 

York, 1962), 430.

19. Principe Bernhard von Bülow,  Memoirs, 1849-1897 , trad. G. Dunlop 

e F. A. Voigt (Londres, 1932), 637.

20. “Spectator”, Prince Bülow and the Kaiser,  trad. O. Williams (Lon

dres, s.d.), 71; e Isabel V. Hull, The Entourage of Kaiser Wilhelm 

 II, 1888-1918   (Cambridge, 1982), 69-70.

21. Viktoria Luise, Princesa da Prússia, The Kaiser's Daughter, 

trad. 

R. Vacha (Londres, 1977), 76.

22. Julius Meier-Graefe, Wohin treiben wir?  (Berlim, 1913); Theodor 

Fontane, numa carta de 5 de abril de 1897,  Briefe an Georg Fried- 

laender,  org. Kurt Schreinert (Heidelberg, 1954), 309.

23. Diário, 29 de maio de 1888, in Helmuth von Moltke (Stuttgart, 1922), 139.

427

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 A GUERRA COMO CULTURA

1. Friedrich von Bernhardi, Germany and the Next War  ,  trad. Allen 

H. Powles (Nova York, 1914), 18.

2. In Wolfgang Rothe, Schrif steiler und totalitäre Welt   (Berna, 1966), 

19.

3. Theodor Heuss, “Der Weltkrieg”, März, 8/3 (5 de agosto de 1914), 221-25.

4. Conrad Haussmann, “Europas Krieg”,  März,  8/3 (22 de agosto 

de 1914), 250.

5. Friedrich Meinecke,  Die deutsche Erhebung von 1914  (Stuttgart, 

1914), 29.

6. In Groh,  Integration,  704.

7. In Konrad Haenisch,  Die deutsche Sozialdemokratie in und nach 

dem Weltkriege  (Berlim, 1919), 20-26.

8. Eduard David, nota de diário, 4 de agosto de 1914,  Das Kriegstage

buch des Reichstagsabgeordneten Eduard David 1914 bis 1918,  org. Susanne Miller (Düsseldorf, 1966), 12.

9. Ludwig Thoma, “Stimmungen”,  März,  8/3 (5 de setembro de 1914), 

296-99.

10. Magnus Hirschfeld, Warum hassen uns die Völker?  (Bonn, 1915), 

II, 18, 33.

11. “Burschen heraus!” Vossische Zeitung,  391, 4 de agosto de 1914.

12. Carl Zuckmayer,  Als wär’s ein Stück von mir  (Frankfurt am Main, 

1969), 168; Schauwecker e Hirschfeld in Eric J. Leed,  No Man's 

 Land   (Cambridge, 1979), 21, 46-47.

13. Emil Ludwig, “Der moralische Gewinn”,  Berliner Tageblatt,  392, 

5 de agosto de 1914; e Emil Ludwig,  Juli 1914  (Hamburgo, 1961), 

7-8, e cap. 13.

14. Ernst Glaeser,  Jahrgang 1902  (Berlim, 1929), 191-95.

15. Numa carta de 18 de novembro de 1914, in Philipp Witkop (org.), 

 Kriegsbriefe deutscher Studenten   (Gotha, 1916), 25.

16. In Erich Kahler, The Germans  (Princeton, 1974), 272.

17. Numa carta de 26 de dezembro de 1914, in Ralph Freedman,  Her

mann Hesse: Pilgrim^of Crisis  (Nova York, 1978), 168.

18. Nota de diário, 17 de sfctembro de 1914, in Guy Chapman, Vain 

Glory  (Londres, 1937), 107.

Ill — NOS CAMPOS DE FLANDRES

UM RECANTO DE UM CAMPO ESTRANGEIRO

1. “An Armistice”, Western Times  (Exeter), l.° de janeiro de 1915, 3a.

2. “Leicestershire and the War”.  Leicester Mail,  6 de janeiro de 1915, 5c.

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12. Carta* de 19 de dezembro de 1914, in Christopher Isherwood, 

Kathleen and Frank   (Londres, 1971), 308.

13. Nota de diário, 23 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM.14. Carl Groos (org.),  Infanterie-Regiment Herwarth von Bittenfeld  

(/. Westfälisches) Nr. 13 im Weltkriege '1914-18   (Oldenburg, 1927), 

70. Também Solleder (org.),  R.I.R. 16,  93; e diário, Ist Royal Irish 

Füsiliers, W095/1482, PRO.15. Gustav Riebensahm,  Infanterie-Regiment Prinz Friedrich der Niederlande (2. Westfälisches) Nr. 15 im Weltkriege 1914-18   (Mindeni. W., 1931), 94.

16. Diário, 6.a Divisão, 17 de janeiro de 1915 W 095/158]. Também, carta do soldado H. Hodgetts, 2nd Worcestershires, impressa no

 

 Morning Post,  de 24 de dezembro de 1914, 4.a Diário, 2.° Exército, 

22 de janeiro de 1915, W 095/268. O material francês está repleto 

de casos semelhantes: Note de service, 4.° CA, 29 de dezembro 

de 1914, 22N556; relatório do 68.° Regimento de Infantaria, 24 

de dezembro de 1914, 22N557; e despacho do Chef d’État-Major Louis, 30 de dezembro de 1914, 22N1134, SHAT.

17. Ordem do Comandante, II Corps, aos Comandantes de Divisão, 4 

de dezembro de 1914, W095/268, PRO.18. Sorley,  Letters,

  283.19. The Scotsmah  (Èdimburgo), onde a carta foi publicada em 2 de

 

 janeiro de 1915 9e, lhe deu o título de: SOLDADOS ALEMÃES 

QUEREM PAZ. Eis um exemplo básico de como a frente interna 

podia interpretar mal os fatos é tirar conclusões precipitadas e totalmente injustificadas sobre a realidade nas linhas de combate.

20. Sólleder (org.), 16 R.I.R., 

88.21. Diário, 12:a Brigada, 10 de dezembro de 1914, WO95/1501, PRO.22. Diário, 4.a Divisão, l.° de dezembro de 1914, WO95/1440, PRO.23. Ibid.24. A ordem, datada de 28 de novembro de 1914, pode ser encontrada

 

nos arquivos da 6.a Divisão de Reserva Bávara, Bd. 5, Bayerisches 

Kriegsarchiv (daqui em diante referido como BKA).25. O modo como se pensava realizar esta manobra é esclarecido numa

 

reprodução em The IllusiMted London News,  de 6 de janeiro de 

1915, 37.

26. Diário, l l . a Brigada, W095/1486, PRO.27. Diário, 15/ Brigada, 23 de dezembro de 1914, W095/1566, PRO.28. S. R. de Belfort, 10 de janeiro de 1915, 18N302, SHAT.29. Nota de diário, 24-26 de dezembro de 1914, Albert Sommer Tage

buchaufzeichnungen, MSg 1/900, BAM.

PAZ NA TERRA

1. Nota de diário, 27 de dezembro de 1914, P. H. Jones, IWM.

2. Curt Wunderlich, Fünfzig Monate Wehr im Western: Geschichte 

des Reserve-Infanterie-Regiments Nr. 66  

(Eisleben, 1939), 280-81.

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3. Guilherme, Príncipe Herdeiro da Alemanha,  My War Experiences (Londres, s.d.), 122-23.

4. Carta de 26 de dezembro de 19Í4, BÀM.5. Diário, 1st Somerset Light In fa n ts W095/1499; as cartas de Ja

mes M’CormSackT em The Scotsman ,  de 9 de janeiro de 1915, 12d, e de J. Dalling em The Western Times,  de 11 de janeiro de 1915, 3g.

6. “Letters from the Trenches”,  Daily Mail,  4 de janeiro de 1915, 9cd.7. Diário, 2nd Scots Guards, 25 de dezembro de 1914, W095/1657;  carta no  Daily Mail, de l.° de janeiro de 1915, 4d; D.. Mackenzie, The Sixth Gordons in France and Flanders  (Aberdeen, 1921), 23-24; Riebensahm,  Infanterie-Regiment 15,  96.

8.   Daily Mail,  4 de janeiro de 1915, 9cd; The Scotsman, 4 de janeiro de 1915, 2g.

9. Diário, 10.a Brigada, W095/1477. Também diário, 20.® Brigada, WO95/1650, PRO.

10. Diário, 28 de dezembro de 1914, Samuel Judd, IWM.

11. Glasgow Herald  ,

  14 de janeiro de 1915, 9fgh.12. Relatório dp Capitão Beckett, 1st Hants, W095/1488, PRO.13. Diários, individuais e dos regimentos, 25 de dezembro de 1914, 

em W095/1413, PRO.14. Diário, 20.° Regimento de Infantaria da Baviera, 25 de dezembro de 

1914, Bd. 8, BKA.15. Diário, 56.a Brigada, 25 de dezembro de 1914, 26N511, SHAT.16. W 095/1496, PRO.

O PORQUÊ 

1. W095/1657, PRO.2. Mackenzie, 6th Gordons,  26.3. In George Watson, The English Ideology: Studies in the Language 

of Victorian Politics  (Londres, 1973), 61-62.4. Ford Madox Ford, Thus to Revisit   (Loiidres, 1921), 136-37; Virginia 

Woolf. “Mr. Bennett and Mrs. Brown” (1924), in The Captain's  Death Bed and Other Essays  (Londres, 1950), 91.

5. Walter Sickert, “Post Impressionists”, Fortnightly Review,  89 (ja

neiro de 1911), 79.6. Stanley Weintraub, The London Yankees  (Nova York, 1979).7. Acton estava citando Froude: Lord Acton,  A Lecture on the

Study of History, delivered at Cambridge, June 11, 1895  (Londres, 1895), 72.

8. In Watson,  Ideology,  60.9. Thomas Mann, “Gedanken im Kriege”, Gesammelte Werke,  XIII: 

530-32. O ensaio foi publicado pela primeira vez em  Die Neue  Rundschau,  em novembro de 1914.

10. A. E. Housman, “1887”, The Collected Poems  (Londres, 1962), 10.

11. A. D. Gillespie, in John Laffin (org.),  Letters from the Front,'1914-1918   (Londres, 1973), 12.

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12. O diário de Pattenden agora faz parte dos documentos do regi

mento, 1st Hants, W095/1495, PRO.13. In James Walvin,  Leisure and Society , 1830-1950  (Londres, 1978), 

85.

14. In Tony Mason,  Association Football and English Society, 1863- 

1915  (Brighton, 1980), 224.

15. In Peter Bailey,  Leisure and Class in Victorian England   (Londres, 1978), 128.

16. In Mason, Football,  228.

17. In Donald Read,  Edwardian England, 1901-15  (Londres, 1972), 53- 

54.18. Carta a Sir Claude Phillips, 31 de julho de 1914, in The Letters of  

 Henry James,  ed. Percy Lubbock, 2 vols. (Londres, 1920), 11:389-92.

19. No poema “Peace”, de Rupert Brooke, Tile Collected Poems,  org.

G. E. Woodberry (Nova York, 1943), 111.

20. The Letters of Rupert Brooke,  org. Geoffrey Keynes (Nova York, 

1968), 625.21. “One Day of Peace at the Front”, Daily Mail,  l.° de janeiro de 1915, 

4d.

22. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle,  9 de 

 janeiro de 1915, 5c.

23. Jerome K. Jerome, “The Greatest Game of All: The True Spirit 

of the War”,  Daily News and Leader,  5 de janeiro de 1915, 4ef.

24. In Paul Fussell, The Great War and Modern Memory  (Nova York, 

1975), 27.

25. Carta de julho de 1916, p. 163, R. D. Mountfort, IWM.

26. Western Times,  19 de janeiro de 1915, 6f, baseado numa reporta

gem do  Berliner Tageblatt .

27. Nota de diário, 27 de agosto de 1916, Louis Mairet, Carnet dfun 

combattant (11 févier 1915— 16 avril 1917)  (Paris, 1919), 212-13.

28. P. B. Ghéusi, Cinquante ans de Paris: mémoires dfun témoin, 1892- 1942. 4  vols. (Paris, 1939-1942), IV: 185-97.

29. Walvin,  Leisure,  129. —

30. Diário dé guerra do 17th Middlesex, W095/1361, PRO. Também 

os documentos de W. G. Bailey, atacante que jogou no Reading, e  

também os de R. Stafford, que comandou o Footballers Battalion 

de agosto de 1917 a fevereiro de 1918: ambos em IWM.

31. In Mason', Football,  225.

32. W. R. M. Percy in H. E. Boisseau (org.), The Prudential Staff and  the Great War   (Londres, 1938), 18. Percy foi morto perto de Ypres, 

em 28 de abril de 1915.

33. Diário, 27 de dezembro de 1914. P. H. Jones, IWM.

34. Western Times,  11 de janeiro de 1915, 3g.

35. Diário, 2nd Scots Guards, 25 de dezembro de 1914. W095/1657, 

PRO.

36. “The Christmas Truce in the Trenches”, Chester Chronicle, 9 de 'janeiro de 1915, 5e.

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37.  La Vie de tranchée  (Paris, 1915), 35.38.  History of the 1st and 2nd Battalions the North Staffordshire Re

giment (The Prince, of Wales') 1914-1923  (Longton, 1932), 14-15.

39. “Letters from the Trenches”,  Daily Mail ,  31 de dezembro de 1914, 

8a.

SÍNTESE VITORIANA1. Ver Gertrude Himmelfarb, “The Victorian Ethos: Before and After 

Victoria”, em seu Victorian Minds  (Nova York, 1968), 276-78.

2. In H. E. Meller,  Leisure and the Changing City, 1870-1914  (Lon

dres, 1976), 248-49.3. Robert Roberts, The Classic Slum: Salford Life in the First Quar

ter of the Century  (Manchester, 1971), 15-16.

4. J. B. Priestley,  Margin Released   (Londres, 1962), 46-47.

5. Gerald Gould, “Art and Morals”,  New Statesman ,  23 de agosto 

de 1913, 625-26.

 AINDA HÁ MEL PARA O CHÁ?

1. In Christopher Hassall,  Rupert Brooke  (Londres, 1964), 456.-

2. In John Grigg,  Lloyd George: From Peace to War, 1912-1916   (Ber

keley, 1985), 166.3.   La Vie de tranchée,  71-72.

4. Numa carta a E. M. House, 7 de dezembro de 1915, in Burton J. 

Hendrick, The Life and Letters of Walter H . Page,  3 vols. (Nova 

York, 1922-1925), 11:108.5. Guy Pedroncini,  Les Mutineries de 1917   (Paris, 1967), 177.

6. Charles Smith, War History of the/ 6th Battalion: The Cheshire 

 Regiment   (Chester, 1932), 5.

SEGUNDO ATO

IV — RITOS DE GUERRA

O  BALÉ DA BATALHA

1. In John Keegan, The Face of Battle  (Nova York, 1976), 264.

2. Charles Delvert usa a palavra troglodita  em seu diário, 11 de feve

reiro de 1916, Carnets d’un fantassin  (Paris, 1935), 145; e Peter 

McGregor a emprega numa carta de 6 de agosto de 1916, P. Mc

Gregor, IWM. Portanto, o termo não é, como querem alguns, uma 

invenção da era de pós-guerra.

3. Numa carta à sua mulher, 24 de julho de 1916, P. McGregor, IWM.

4. H. Winter, in Denis Winter,  Death's Men: Soldiers of The Great  War   (Harmondsworth, 1979), 177.

433

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TEMAS 

1. Charles Sorley, numa carta à sua mãe, 10 de julho de 1915,  Letters, 

284.2. In Alistair Horne,  Death of a Generation  (Londres, 1970), 104.

3. Ivan Goll, “Requiem for the Dead of Europe” (1917), in John 

Silkin (org.), The Penguin Book of First World War Poetry  (Har- mondsworth, 1979), 232.

4. Ernst Jiinger,  In Stahlgewittern  (Berlim, 1931), 100.

. 5. Em Ordre général, N.° 32, 17 de dezembro de 1914, 16N1676, SHAT.

6. Keegan, Face of Battle,  227-37.7. In John Ellis,  Eye-Deep in Hell  (Londres, 1977), 94.8. Roger Campana,  Les Enfants de la “Grande . Revanche”: Carnet  

de route d’un Saint-Cyrien, 1914-1918   (Paris, 1920), 204.

9. Herbert Read, “In Retreat: A Journal of the Retreat of the Fifth Army from St. Quentin, March 1918”, in The Contrary Experience 

(Londres, 1963), 248.10. Paul Rimbault, in Jean Norton Cru, Témoins  (Paris, 1929), 465.

11. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Paul Nash, 

Outline: An Autobiography and Other Writings  (Londres, 1949), 

210-11.

12. In Alistair Horne, The Price of Glory: Verdun 1916   (Londres, 

1962), 173.

13. Herbert Read, diário, 10 de janeiro de 1918, in Contrary Experience,  116.

14. Diário, 27 de setembro de 1915, Mairet, Carnet , 96.

15. Guy Buckeridge, “Memoirs of My Army Service in the Great War”, 65, IWM.

16. In Horne, Price of Glory,  62.

17. Carta, 14 de fevereiro de 1915, J. W. Harvey, IWM.

18. Cartas, 7 e 11 de junho de 1916, P. McGregor, IWM.

19. In Silkin (org.), Poetry,  91.

20. Jiinger, In Stahlgewittern,  163-64.

21. Campana, 19 de janeiro deT ?I5,  Enfants,  69.

22. Carta, 27 de novembro de 1915, Marc Boasson,  Au Soir d’un monde: lettres de guerre  (Paris, 1926), iii-iv.

23. Wilfred Owen, The Collected Poems,  ed. C. Day Lewis (Londres, 1964), 48-49.

24. Siegfried Sassoon,  Memoirs of a Fox-Hunting'Man  (Londres, 1960), 300.

25. Diário, 29 de março de 1916, Delvert, Carnets, 184.

26. Carta, 19 de agosto de 1916, R. D. Mountfort, IWM.

27. Campana, notas de diário, novembro de 1915, Enfànts, 115.

28. Carta, 16 de junho de 1916, R. D. Mountfort, IWM.

29. Diário, 16 de dezembro de 1915, e carta, 3 de janeiro de 1916, P.H. Jones, IWM.

30. Diário, 12 de janeiro de 1916, Delvert, Carnets,  129-30.31. In Winter,  Death’s Men,  101.

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32. Diário, 8 de dezembro de 1915, Delvert, Carnets ,  101.33. Wilfred Owen, “Dulce et Decorum Est”, Collected Poems, 55.

34. W. C. S. Gregson, Documentos, IWM.

35. Carta, 2 de agosto de 1916, F. H. T. Tatham, IWM.

36. Carta, 31 de julho de 1916, in C. E. W. Bean, The Official History 

of Australia in the War of 1914-1918 , 6 vols. (Sydney, 1929-1942), 

111:659.37. In Ellis, Eye-Deep in Hell ,  59.38. Jünger,  In Stahlgewittern ,  123, 207.

39. In Horne, Price of Glory ,  187.

40. Diário, 27 de janeiro de 1916, Delvert, Carnets ,  138-39.

41. Diário, 16 de junho de 1916, César Méléra, Verdun  (Paris, 1925), 

34-35.42. Home, Price of Glory,  99.43. Diário, 16 de outubro de 1916, Paul Morand,  Journal d’un attaché  

d’ambassade 

(Paris, 1963), 39.

44. Ver a análise informativa “Kurzschüsse der Artillerie”, 16 de setembro de 1918, nos arquivos do 16.° Regimento de Infantaria de

 

Reserva da Baviera, Bd. 13, BKA.

45. Siegfried Sassoon, “Counter-Attack”, Collected Poçms 1908-1956  (Londres, 1961), 68.

46. Diário, 10 de março de 1917, Mairet, Carnet,  294.

47. Fritz Kreisler, Four Weeks in the Trenches: The War Story of a 

Violinist   (Boston, 1915), 65-66.

48. Carta, 20 de dezembro de 1914, J. W. Harvey, IWM.

49. Kreisler, Four Weeks,  66.

50. Carta a Frank N. Doubleday, Natal de 1915, in Hendrick,  Life and   Letters of Walter H. Page,  11:111.

PARA ALÊM DOS VALORES ESTABELECIDOS 

1. Ver Geoffrey Best, “How Right is Might? Some Aspects of the 

International Debate About How to Fight Wars and How to Win 

Them, 1870-1918”, in War, Economy and the Military Mind,  org. 

G. Best e A. Wheatcroft (Londres, 1976), 120-35.2. Henry James numa carta a Edith Wharton, 21 de setembro de 1914,

 

The Letters of Henry James, 

11:420-21.

3. Meinecke, Erhebung,  71-72. Também, Max R. Funke, “In Rheims”, 

 März,  8/4 (19 de dezembro de 1914), 242-45.

4. Kölnische Zeitung,  29 de janeiro de 1915.

5. Klaus Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral; Die deutschen 

 Hochschullehrer und die politischen Grundfragen des Ersten 

Weltkrieges  (Göttingen, 1969), 23.

6. Reproduzido in Ernst Johann (org.),  Innenansicht eines Krieges: 

 Deutsche Dokumente, 1914-1918  

(Munique, 1973), 47-48.7. Jünger,  In Stahlgewittern,  114-15.

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3. Ibid., 101.4. Carta de 4 de abril de 1915, da França, in Philipp Witkop (org.),

 

Kriegsbriefe deutscher Studenten 

(Gotha, 1916), 45-46.

5. Carta, 26 de março de 1917, Boasson,  Au Soir,  218-19.

6. Kreisler, Four Weeks ,  2-3.7. In Horne, Price of Glory,  227.

8. J. L. Jack, General Jack’s Diary, 

org. John Terraine (Londres, 1964), 

188-89.9. Diário, 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM.

10. Dorgelès, Souvenirs,  20.11. André Bridoux, Souvenirs du temps des morts  (Paris, 1930), 16.

12. “Dictée”,  Nouvelle Revue Française, 

33 (l.° de julho de 1929), 21-22.

13. Carta, 25 de agosto de 1916, Rev. J. M. S. Walker, IWM.14. Jacques Rivière, “French Letters and the War”, The Ideal Reader,

 

271.15. In Ducasse, Vie et mort,  94.

16. Diário, 12 de junho de 1916, Delvert, Carnets, 

286.17. Carta, 23 de julho de 1917, a Ronald Rees, R. D. Rees, IWM.18. Esta ênfase no dever foi muito atenuada na subseqüente literatura

 

sobre  a  guerra, dominada pela escola de pensamento do “desencanto”. Charles Delvert foi um que apontou a importância do

 

dever: “L’histoire de la guerre par les témoins”,  Revue des deux 

mondes,  99a. (dezembro de 1929), 640.

 DEVER

1. In Asa Briggs, Victorian People 

(Harmondsworth, 1965), 124.2. Ian Hay, The First Hundred Thousand   (Londres, 1916), xi.

3. Anthony Powell, The Kindly Ones  (Londres 1971), 161.

4. Woodward, Great Britain and the War,  xv-xvi.

5. In Bill Çammage, The Broken Years: Australian Soldiers in the 

Great War   (Canberra, 1974), 47.6. David Jones, in D. S. Carne-Ross, “The Last of the Modernists”,

 

 New York Review of Books,  9 de outubro de 1980, 41.7. Mairet, Carnet,  32.8. Jean-Marc Bernard, “De Profundis”, in Ducasse, Vie et mort,  102.

9. Carta, 28 de outubro de 1915, P. H. Jones, IWM.10. Numa carta a seu pai, 2 de setembro de 1915, Sorley,  Letters,  307.11. Vera Brittain, Testament of Youth  (Londres, 1933), 259.

12. Diário, 4 de agosto de 1916, G. Powell, IWM.13. Diário, 11 de maio de 1916, Abel Ferry, Carnetssecrets,1914-1918 

(Paris, 1957), 140.14. In Ducasse, Vie et mort,  159-60.15. Carta, 28 de abril de 1918, Herbert Read, Contrary Experience,

 

127.

16. Cartas, 15 e 20 de janeiro de 1915, in Christopher Isherwood, 

Kathleen and Frank   (Londres, 1971), 312.

17. Cartas, 28 de agosto e 20 de dezembro de 1917, R. R.Stokes, IWM.18. Diário, 26 de junho de 1916, P. H. Jones, IWM.

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19. Diário, l.° de julho de 1916, E. Russell-Jones, IWM.

20 . QG Ille Armée, “Controle de la Correspondence”, relatório datado 

de 31 de maio de 1917, 16N1521, SHAT.21. In Stephen R. Ward, “Great Britain: Land Fit for Heroes Lost”,

 

in S. R. Ward (org.). The War Generation  (Port Washington, N. Y., 

1975), 28.

22. Humbert, carta, l.° de junho de 1917, 16N1521, SHAT.23. Wilfred Owen, “Apologia Pro Poemate Meo”, Collected Poems ,  39.

24. Carta, 29 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet  ,  273.

25. Cartas, 15 de setembro de 1916, P. McGregor, IWM.

26. In Brittain, Testament of Youth ,  316.

27. In Keegan, Face of Battle ,  275.

28. Diário, 14 de junho de 1916, Méléra, Verdun,  30-31.

29. Carta, 27 de julho de 1917, Read, Contrary Experience,  107.

30. In Charles S. Maier,  Recasting Bourgeois Europe  (Princetofi, 1976), 

32.31. Benjamin Crémieux, “Sur la guerre et les guerriers”,  Nouvelle Re

vue Française,  34 (1930), 147.

32. J. S. Mill, “Coleridge”, in  John Stuart Mill: A Selection of His 

Works,  org. John M. Robson (Toronto, 1966), 445-48.

33. Sassoon,  Memoirs of a Fox-Hunting Man,  271.

34. Basil Liddell Hart chamou Haig de “a quintessência da Grã-Bre

tanha pré-guerra” em Through the Fog of War   (Londres, 1938), 57.

35. In Ducasse, Vie et mort,  150.36. In ibid., 104.

37. In Ellis,  Eye-Deep in Hell ,  81-82.38. Estas observações feitas pelo Capitão Laffargue do 153e RI foram

 

redigidas em 25 de agosto de 1915 e descobertas pelos alemães exa

tamente um mês mais tarde, depois de um ataque. Podem ser en

contradas numa tradução alemã, “Studie über den Angriff in gegenwärtigen Zeitabschnitt des Krieges”, no espólio de Franz von

 

Trotta gen. Treyden, N234/3, BAM.

39. In Horne,  Death of a Generäfiönr$9-40. Robert Graves, “The Dead Fox Hunter”, Poems (1914-26)  (Lon

dres, 1927), 48-49.

41. Bean, Official History, 

111:873.42. In Martin Middlebrook, The First Day on the Somme  (Londres,

 

1975), 28.

.43. Guy Hallé, in Horne, Price of Glory,  237.

44. Carta a Colin Owen, 14 de maio de 1917, Wilfred Owen, Collected   Letters,  org. Harold Owen e John Bell (Londres, 1967), 458.

45. In Ellis,  Eye-Deep in Hell,  187.

46. “Raport de controle postal du 129e RI”, 4 de junho de 1917, 

16N1521, SHAT.

47. Diário, 14 de setembro de 1917, Michael MacDonagh, in  London 

 During the Great War  

(Londres, 1935), 24.48. Jean Norton Cru,  Du témoignage  (Paris, 1930), 23.

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49. J. M. Winter, “Britain’s ‘Lost Generation’ of the First World War”, 

 Population Studies,  31/3 (1977), 454.

50. Henri Berr,  La Guerre allemande et la paix française  (Paris, 1919), 

xvii.51. Louis Huot e Paul Voivenel,  La Psychologie du soldat  (Paris, 1918).

52. Carta, 7 de maio de 1917, Mairet, Carnet,  xiv.

53. The Private Papers of Douglas Haig, 1914-1919,  10.54. The Bodley Head Scott Fitzgerald,  6 vols. (Londres, 1963-1967), 

11:67-68.

VI — DANÇA SAGRADA

O  DEUS DA GUERRA

1. Ernst Schultze,  Die Mobilmachung der Seelen  (Bonn, 1915), 58.

2. In Field,  Evangelist,  378-79.3. Carta, 7 de agosto de 1914, de Walter Limmer, in Philipp Witkop 

(org.), Kriegsbriefe gefallener Studenten  (Munique, 1928), 8.

4. E. Küster, Vom Krieg und vom deutschen Bildungsideal  (Bonn, 

1915), 24.5. Schultze,  Mobilmachung,  26.

6. “Fünf Gesänge”, in Thomas Anz e Joseph Vogl (org.),  Die Dichter  und der Krieg: Deutsche Lyrik, 1914-1918   (Munique, 1982), 31-32.

7. Arthur Schoppenhauer,  Ein Lesebuch,  org. Arthur e Angelika 

Hübscher (Wiesbaden, 1980), 168.

8. Carta de Burckhardt a Preen, 31 de dezembro de 1870, in The  Leiters of Jacob Burckhardt,  org. e trad. Alexander Dru (Londres, 

1955), 145; e Burckhardt, Force and Freedom,  org. J. H. Nichols 

(Nova York, 1943), 153.

9. Theodor Mommsen,  Reden und Aufsätze   (Hildesheim, 1976), 91.

10. Carta, 6 de janeiro de 1889, in The Portable Nietzsche,  org. e trad. 

Walter Kaufmann (Nova York, 1954), 686.

11. Carta, 16 de abril de 1915, Witkop (org.), Kriegsbriefe  (1916), 49-51.

12. Em seu poema “Anrufung”, in Anz (org.),  Dichter und Krieg,  51.

13. Leopold Ziegler,  Der deutsche Mensch  (Berlim, 1915), excerto in 

Johann (org.),  Innenansicht,  65. Um slogan popular era “ Jeder   Deutsche ist Deutschland, Deutschland ist in jedem Deutschen” 

(Cada alemão é a Alemanha, a Alemanha está em cada alemão).14. Schultze,  Mobilmachung,  67.

15. In Schwabe, Wissenschaft und Kriegsmoral,  25.

16. Carta, 14 de outubro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe  (1916) 71.

17. Ibid., 70.

18. Cartas, 23 e 24 de setembro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe 

(1928), 20-21.

19. Carta, 28 de agosto de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe  (1916), 61.

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3. Dorgelès, Souvenirs, 8.4. In Klein et al.,  Deutschland im ersten Weltkrieg, I:xvii.5. In Gold e Fizdale,  Misia,  166.6. In Johann (org.),  Innenansicht  ,  163.7. In ibid., 164.8. John Galsworthy,  A Sheaf   (Londres, 1916), 208.

9. David Jones,  In Parenthesis  (Londres, 1982), ix; e D. S. Carne- Ross, “The Last of the Modernists”,  New York Review of Books, 9 de outubro de 1980, 41.

10. James Joyce, Ulysses  (Harmondsworth, 1968), 40.11. Carta de 21 de junho de 1916, P. McGregor, IWM.12. Carta de 18 de novembro de 1914, in Witkop (org.), Kriegsbriefe

(1916), 25.13. Carta de 10 de julho de 1916, Boasson,  Au Soir,  127.14. Carta de 22 de dezembro de 1917, ibid., 299-300.15. In Leed,  No Man's Land,  183-84.

16. In Roland N. Stromberg,  Redemption by War: The Intellectuals 

and 1914  (Lawrence, Kan., 1982), 152.17. Diário, 4 de março de 1917, Mairet, Carnet,  291.18. Graves, Goodbye to All That,  98.19. Wyn Griffith, Up to Mametz  (Londres, 1931), 187, 212.20. Jacques-Émile Blanche, Portraits of a Lifetime,  org. e trad. Walter 

Clement (Londres, 1937), 259-60.21. Diário, 28 de outubro de 1915, e carta de 12 de dezembro de 1915, 

P. H. Jones, IWM.22. Carta, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM.23. Diário, 28 de agosto de 1916, G. Powell, IWM.24. David Jones,  In Parenthesis,  x.25. In Heather Robertson,  A Terrible Beauty: The Art of Canada at  

War   (Toronto, 1977), 92.26. In Malcolm Cowley,  Exile's Return  (Nova York, 1934), 256; e 

Geoffrey Wolff,  Black Sun: The Brief Transit and Violent Eclipse of Harry Crosby  (Nova York, 1976), 59.

 A ARTE COMO FORMA123456 

1. Carta de 29 de dezembro de 1916, Mairet, Carnet,  270-71.2. Numa carta à sua mulher, 16 de novembro de 1917, in Nash, Ou

tline,  210.

3. Em sua introdução a um catálogo da exposição das obras futuristas de Gino Severini, Marlborough Gallery, abril de 1913, citada in John Rothenstein,  Modern English Painters, 2  vols. (Nova York, 1976), 11:129.

4. Memorando de 16 de outubro de 1917, arquivo de C. R. W. Ne- vinson, Departamento de Arte, IWM.

5. Este prefácio, junto com as objeções à obra de Nevinson citadas 

acima, podem ser encontrados em ibid., IWM.6.  Daily Express,  30 de maio de 1919.

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7. In Michael L. Sanders e Philip M. Taylor,  British Propaganda 

 During the First World War, 1914-18   (Londres, 1982), 157.8. Dorgelès, Souvenirs ,  10.9. De uma carta à sua mulher, 21 de outubro de 1916, in Constance 

B. Smith,  John Masefield: A Life  (Nova York, 1978), 164.10. T. S. Eliot, “Burnt Norton”, Collected Poems: 1909-1962  (Londres,

 

1963), 194 [Poesia, 

trad., introd. e notas de Ivan lunqueira. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira^ 1981, 2Ç)4].

11. Cartas, 17 de abril de 1917, 26 de novembro de 1917, 2 de outubro de 1918, R. R. Stokes, IWM.

12. Carta a seus pais, 23 de dezembro de 1915, J. W. Gamble, IWM.13. Jlinger,  In Stahlgewittern,  198 Graves, Goodbye,  97; Horne, Price 

of Glory  147, 259; Marie-Émile Fayolle,  Les Carnets secrets de la 

Grande Guerre,  org. Henry Contamine (Paris, 1964), 259.14. Diário, 29 de novembro de 1914, P. Mortimer, IWM.15. Basil H. Liddell Hart, The Memoirs of Captain Liddell Hart, 2 

vols. (Londres, 1965), 1:21-23.16. Diário, 10 de março de 1916, W. C. S. Gregson, IWM.17. Wipers Times,  .12 de fevereiro de 1916.18. Somme Times,  31 de julho de 1916.19. Diário, s .d ., Mairet, Carnet,  129.20. Carta de agosto de 1918, D. L. Ghilchick, IWM.21. Carta, Páscoa de 1915, Binding, Fatalist,  60.22. Marcel-Edmond Naegelen,  Avant^qtte-meure le dernier   (Paris, 1958),

222.

23. Carta de 19 de março de 1918, Boassori,  Au Soir,  311.

24. In Gaston Esnault,  Le Poilu tel qu’il parle 

(Paris, 1919), 160-161.25. In Ellis,  Eye-Deep in Hell,  102.

 ARTE E MORALIDADE 

1. Carta de 14 de setembro de 1915, P. McGregor, IWM.2. Carta de 21 de novembro de 1915, ibid.3. In Michael Moynihan (org.),  People at War 1914-1918  (Newton 

Abbot, 1973), 107.

4. Winter,  Death's Men,  150.5. Huot,  Psychologie,  156-57.6. Frederic Manning, The Middle Parts of Fortune  (Londres, 1977),

 

50.7. Diário, 24-25 de outubro de 1914, P. H. Jones, IWM.8. Diário, 18 de fevereiro de 1916, Delvert, Carnets,  149.9. Their Crimes  (Londres, 1917), 14.

10. Humphrey Cobb,  Paths of Glory  (Nova York, 1935), 4-5.11. Philippe Girardet, Ceux que j’ai connus, souvenirs  (Paris, 1952),

 

104-105.

12. E. E. Cummings, The Enormous Room  (Nova York, 1922, reimpr. 1978), 17.

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VANGUARDA

1. Carta à mãe, 23 de julho de 1916, R. D. Mountfort, IWM.2. Graves, Goodbye,  188, 194.3. Diário, 5-12 de .março de 1916, Mairet; Carnet,  131-32.4.  Literary Digest,  60/10 (8r de março de »1919), 105.

5. Jünger, in Stahlgewittern,  ix.6. Carta de l.° de julho de 1915, Boasson,  Au Soir,  10.7. In Pedroncini,  Les Mutineries, 271.8. Diário, 26 de março de 1916, Delvert, Carnets,  182-83.9. Diário, 29 de março de 19Í6, ibid., 185.

10. Diário, 13 de julho de 1916, ibid., 311.11. Diário, 2 e 23 de julho de 1916, G. Powell, IWM.12. Siegfried Sassoon, “Blighters”, Collected Poems,  21.13. Jean Galtier-Boissière,  Le Crapouillet,  IV/5 (agosto de 1918), 7-8.14. Pierre Drieu la Rochelle,  Interrogation  (Paris, 1917), 55.

15. Bridoux, Souvenirs,  39, 45.16. Especialmente sua carta de 29 de maio de 1917, Boasson,  Au Soir, 

235-36.17. Graves, Goodbye,  78.18. Diário, 15 de junho de 1917, Read, Contrary,  97.19. In Ducasse, Vie et mort,  96; e G. L. Dickinson, War  (Londres, 

1923), 6-7.20. Henry de Montherlant, Chant funèbre pour les morts de Verdun 

(Paris, 1924), 115.21. Diário, 9 de maio de 1918, Read, Contrary,  128.

22. Dickinson, War,  5-6.23. Diário, 7 de outubro de 1917, Read, Contrary,  110.24. Diário, 27 de fevereiro de 1918, Fayolle, Carnets,  257.25. “Rapport du Capitaine Canonge”, l.° de junho de 1917, 3e Armée, 

16N1521, SHAT.26. Carta a seu pai, l.° de agosto de 1918, R. R. Stokes, IWM.27. V  Intransigeant,  17 de agosto de 1914.28. Carta de 29 de dezembro de 1915, J. W. Harvey, IWM.29. Carta de 2 de junho de 1916, J. M. S. Walker, IWM.30. Cartas, 1 e 3 de setembro de 1914, em The Letters of Henry James, 

11:414-19.31. In Roland H. Bainton, Christian Attitudes to War and Peace  (No- .. va York, 1960), 207.

32. In Ray H. Abrams, Preachers Present Arms  (Nova York, 1933), 28.33. Isadora Duncan,  My Life  (Nova York, 1927), 349.34. Carta de 22 de abril de 1915 a seus pais, Mairet, Carnet,  42.35. Ian Hamilton, The Soul and Body of an Army  (Londres, 1921), 92.36. Robert Graves, “Recalling War”, em Collected Poems, 1959  (Nova 

York, 1959), 121.37. John Brophy e Eric Partridge, The Long Trail  (Londres, 1965), 27.

38. Diário, 11 de novembro de 1918, Carnet de route du lieutenant René Hemery, Dons et Témoignages 170, SHAT.

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PARA QUE NÃO ESQUEÇAMOS 

1. Ilya Ehrenburg,  Men , Years  —  Life,  6 vols., trad. T. Shebunina (Londres, 1962-1966), 111:11-12.

2. Stephen Spender, World Within World   (Londres, 1951), 2-3.3. Paul Valéry, Variety,  trad. Malcolm Cowley (Nova York, 1927), 

27-28.4. Michael Arien, The Green Hat   (Nova York, 1924), 53.5. Aldous Huxley, Point Counter Point   (Harmondsworth, 1971), 138 

[Contraponto,  trad, de Érico Veríssimo e Leonel Vallandro; 6. cd.; Porto Alegre, Editora Globo, 1956, p. 150].

6. In Beverley Nichols, The Sweet and Twenties  (Londres, 1958), 18.7. Christopher Isherwood,  Lions and Shadows  (Londres, 1953), 73-74.8. Ehrenburg,  Men> Years,  111:129.9. Isherwood,  Lions and Shadows,  217.

 ITINERÁRIO E SÍMBOLO

1. Um dos relatos mais detalhados e nuançados da chegada pode ser encontrado no  Berliner Tageblatt,  241, 23 de maio de 1927, 4.

2. Groupe sénatorial de l’aviation,  Réception par le sénat de l’aviateur américain Charles Lindbergh  (Paris, s.d. [1927]), s.p.

3. O comentário foi citado aprovadoramente em Vorwärts,  241, 23 de maio de 1927, 5.

4.  Manchester Guardian,  23 de maio de 1927, 8b.

5. In J. P. Dournel, “L’image de l’aviateur français en 1914-1918”, 

 Revue historique des armées,  4 (1975), 62.6.  Daily Express,  23 de maio de 1927, 10b.7.  Paul Claudel,  Journal, vol. 1: 1904-1932,  org. F. Varillon e J.

Petit (Paris, 1968), 772.8. In René Weiss,  Les premières traversées aériennes de l’Atlantique 

(Paris, 1927), 21.9. In ibid., 22, 28.

10. Alexandre Guinle, Ode à Charles A. Lindbergh  (Paris, 1927).11.   Journal des débats politiques et littéraires,  23 de maio de 1927.

 NOVOS MUNDOS E O ANTIGO

1. “New York”, Cahier d’Art,  1931, citado em  Léger et l’esprit moderne,  197.

2. Lucien Romier, Qui sera le maître: Europe ou Amérique  (Paris, 1927), 155-58.

3. In Allan Nevins (org.),  America Through British Eyes  (Nova York, 1948), 396.

4. Mary Borden, “The American Man”, The Spectator,  140 (30 de 

 junho de 1928), 958.5. Ivan Goll, Transition,  13 (1928), 256.

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6. In Haskell,  Diaghileff,  296.

7. Carta a Boris Kochno, 7 de agosto de 1926, in Buckle,  Diaghilev, 473.

8. Margaret Halsey, With Malice Towards Some  (Nova York, 1938), 

194.

9. B. Henriques, citado em The Observer,  19 de junho de 1927, 21b.

10. Octave Homberg, Uimpérialisme américain 

(Paris, 1929), 22.11. Ernest Hemingway,  A Moveable Feast   (Nova York, 1965), 71; e 

Wayne E. Kvam,  Hemingway in Germany  (Athens, Ohio, 1973).

12. In Freedman,  Hesse,  227.

13. Carta (“Brief an einen Opernleiter”), 15 de novembro de 1927, Mann, Gesammelte Werke,  X:894.

 ASSOCIAÇÕES 

1.   Le Figaro,  30 de maio de 1927.

2. Adolf Weissmann, Vossische Zeitung, 

121, 25 de maio de 1927.3. Romola Nijinsky,  Nijinsky,  361.

4. Diário, 27 de dezembro de 1928, Harry Graf Kessler, Tagebücher  1918-1937,  org. Wolfgang Pfeiffer-Belli (Frankfurt am Main, 1961), 

612-13.

5. T. S. Eliot, “The Waste LancU^ Collected Poems,  63. [“A terra 

desolada”, em T. S. Eliot, Poesia,  trad., introd. e notas de Ivan 

Junqueira, 2. ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981, 89.].

IX — MEMÓRIA

 A VALORIZAÇÃO DA GUERRA

1.   Nouvelles littéraires,  25 de outubro de 1930.

2.  Börsenblatt für den deutschen Buchhandel,  10 de junho de 1930, 540;  Die Literatur , 31 (1928-29), 652; Publisher’s Weekly,  21 de 

setembro de 1929, 1332;  Daily Herald,  23 de novembro de 1929.

3. Friedrich Fuchs em  Das Hochland, 2  (1929), 217.

VIDA DA MORTE 

1. John Middleton Murry,  Between Two Worlds  (Londres, 1935), 65.

2. Atas do Gabinete, 19 de dezembro de 1930, arquivos do Reichs

kanzlei, R431/1447, 383, Bundesarchiv Koblenz (daqui em diante 

referido como BAK).

3. Peter Kropp, Endlich Klarheit über Remarque und sein Buch “Im  

Westen nichts Neues” (Hamm i. W., 1930), 9-14.

4.  Der Spiegel,  9 de janeiro de 1952, 25.

5. In D. A. Prater, European of Yesterday: A Biography of Stefan  Zweig  (Oxford, 1972), 140.

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6. Entrevista com Axel Eggebrecht,  Die Literarische Welt  ,  14 de ju

nho de 1929.7. Sport im Bild,  8 de junho de 1928.

8. Ibid., 20 de julho de 1928.

9. Usei a tradução de A. W. Wheen (Londres, 1929) para fazer as citações. [Nada de novo no front,  trad, de Helen Rumjanek, São 

Paulo, Círculo do Livro, 1975]. Wheen era ele próprio um veterano da guerra; ver R. Church, The Spectator,  142 (20 de abril de 1929), 624.

10. Hanna Hafkesbrink, por exemplo, chamava  Nada de novo  de uma 

“genuína memória da guerra”; ver Unknown Germany: An Inner  Chronicle of the First World War Based on Letters and Diaries (New Haven, Conn., 1948), ix.

11. Para exemplos da crítica, ver Jean Norton Cru, Témoins,  80; e Cyril Falls, War Books  (Londres, 1930), x-xi, 294.

12. E. M. Remarque e Gen. Sir Ian Hamilton, “The End Of War?” 

 Life and Letters,  3 (1929), 405-406.13. Time,  24 de março de 1961, em sua resenha de  Heaven Has No 

Favorites.

14. Michel Tournier,  Le vent Paraclet   (Paris, 1977), 166.15. Harry Crosby, “Hail: Death!” Transition,  14 (1928), 169-70.16. R[osie] G[räfenberg], Prelude to the Past   (Nova York, 1934), 320-21.

FAMA

1. As lendas sobre Remarque e  Nada de novo  são muitas. Uma diz que ele ofereceu seu manuscrito a quarenta e oito editoras. Ver o 

obituário em  Der Spiegel,  28 de setembro de 1970. Para relato sobre a publicação, ver Peter de Mendelssohn, S. Fischer und sein 

Verlag  (Frankfurt am Main, 1970), 1114-18 Max Krell,  Das gab es 

alles einmal  (Frankfurt am Main, 1961), 159-60; a versão de Heinz 

Ullstein numa nota de divulgação dpa,  15 de junho de 1962, bem 

como sua carta ao Frankfurter Allgemeine Zeitung,  9 de julho de 1962; e os comentários de Carl Jödicke, empregado de Ullstein, 

em seu näo-publicado “Dokumente und Aufzeichnungen” (F501), 40, 

Institut für Zeitgeschichte, Munique.2. Carl Zuckmayer,  Als wär’s ein Stück von mir,  359-60; Axel Eggeb

recht,  Die Weltbühne, 5 de fevereiro de 1929, 212; Herbert Read, “A Lost Generation”, The Nation  &  Athenaeum,  27 de abril de 

1929, 116; Christopher Morley, The Saturday Review,  20 de abril de 1929; 909, Daniel-Rops,  Bibliothèque universelle et Revue de 

Genève,  1929, II, 510-11.3.  O Sunday Chronicle é citado em The Saturday Review, l.° de junho 

de 1929, 1705.4. Ver a sinopse feita por Antkowiak das críticas comunistas in Pa

wel Toper e Alfred Antkowiak,  Ludwig Renn, Erich Maria Remarque: Leben und Werk   (Berlim [Oriental], 1965).

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5. Freiherr von der Goltz,  Deutsche Wehr  ,  10 de outubro de 1929, 270; 

Valentine Williams,  Morning Post  ,  11 de fevereiro de 1930; The  London Mercury,  21 (janeiro de 1930), 238; e  Deutschlands  Erneuerung,  13 (1929), 230.

6. Ver as reportagens no  New York Times,  31 de maio, l.° de junho 

14 de julho, 29 de julho, 1929.

7. 

The London Mercury, 

21 (novembro de 1929), 1.8. The Army Quarterly,  20 (julho de 1930), 373-75.

9.  Berliner Börsen-Zeitung,  9 de junho de 1929;  New York Times,  17 

de novembro de 1929;  Daily Herald,  12 de novembro de 1929.

10. The Cambridge Review,  3 de maio de 1929, 412.

11. The London Mercury,  21 (janeiro de 1930), 194-95.

12. Relatado em  New York Times,  9 de fevereiro de 1930.

13. H. A. L. Fischer,  A History of Europe,  3 vols. (Londres, 1935), 

I: vii.

14. “War Novels”,  Morning Post, 

8 de abril de 1930.15. André Thérive, “Les Livres”,  Le Temps,  27 de dezembro de 1929.

16. Robert Wohl, The Generation of 1914  (Cambridge, Mass., 1979), 

120; A. C. Ward, The Nineteen-Twenties  (Londres, 1930), xii; Ro- 

bert Graves, “The Marmositels-Miscellany”, Poems (1914-26)  (Lon

dres, 1927), 191.

17. José Germain, em seu prefácio a Maurice d’Hartoy,  La Génération du feu  (Paris, 1923), xi.

18. Carroll Carstairs,  A Generation Missing  (Londres, 1930), 208.

19. Carta de 2 de julho de 1915, Boasson,  Au Soir,  12; Egon Friedeil,

 A Cultural History of the Modern Age, 

trad, de C. F. Atkinson 

(Nova York, 1954), 111:467. '

20. W. Müller Scheid,  Im Westen nichts Neues  — eine Täuschung (Idstein, 1929), 6.

21. Commonweal,  27 de maio de 1931, 90.

22. The Fortnightly Review,  l.° de outubro de 1930, 527; Davidson, in 

John C. Cairns, “A Nation of Shopkeepers in Search of a Suitable 

France: 1919-40”, The American Historical Review,  79 (1974), 728; 

Douglas Goldring, Pacifists in Peace and War   (Londres, 1932), 12, 

18; Graves, Goodbye,  240.

23. Joffre, in Marc Ferro,  La Grande Guerre 1914-1918   (Paris, 1969), 

239; Pedroncini,  Les Mutineries,  177; General Huguet,  LTnterven- tion militaire britannique en 1914  (Paris, 1928), 231.

24. Ver os comentários introdutórios de René Lalou a  La Ferme es-  pagnole  de R. H. Mottram, trad. M. Dou-Desportes (Paris, 1930), 

i-iv.

25. Isherwood,  Lions and Shadows,  73-76, e também seu Kathleen and  Frank,  356-63; e Jean Dutourd,  Les Taxis de la Marne  (Paris, 1956), 189-93.

26.  New York Times, 

18 de janeiro de 1930.27. William Faulkner, The New Republic,  20 de maio de 1931, 23-24.

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O MALABARISTA DAS NUVENS 

1. Ver o meu “War, Memory, and Politics: The Fate of the Film 

 All Quiet on the Western Front”, Central European History,  13/1 

(março de 1980), 60-82.2. In Henry C. Meyer (org.), The Long Generation  (Nova York, 1973),

221.3. Ver a correspondência entre o Polizeipräsident em Berlim e o 

Geheime Staatspolizeiamt, 4 e 16 de dezembro de 1933, arquivos 

do Reichssicherheitshauptamt, R58/933, 198-99, BAK.

4. Relatório do WolfPsche Telegraphen Büro, 15 de maio de 1933, nos arquivos do Neue Reichskanzlei, R43II/479, 4-5, BAK.

X — PRIMAVERA SEM FIM

 ALEMANHA,  DESPERTA!

1. Diário, 30 de janeiro de 1933, Joseph Goebbels, Vom Kaiserhof   zur Reichskanzlei  (Munique, 1934), 251-54.

2. In Hannah Vogt, The Burden of Guilt,  trad, de H. Strauss (Nova 

York, 1964), 118.

3. Diário, 30 de janeiro de 1933, Kessler, Tagebücher,  747.4. Malcolm Muggeridge, The Infernal Grove: Chronicles of Wasted  

Time, Part 2  (Londres, 1975), 283-84.

5. In Colin Cross, The Fascists in Britain  (Londres, 1961), 57.6. Hermann Rauschning,  Hitler Speaks  (Londres, 1939), 242. Se 

Rauschning foi desacreditado ultimamente como transmissor acurado das palavras de Hitler, ainda é um delineador bastante confiável das idéias de Hitler.

7. Walter Benjamin,  Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen 

 Reproduzierbärkeit   (Frankfurt am Main, 1963), 48.

8. Anson G. Rabinbach, “The Aesthetics of Production”,  Journal of  Contemporary History,  11/4 (1976), 43-74.

9. Matei Calinescu, Faces of Modernity: Avant-Garde, Decadence, 

Kitsch  (Bloomington, 1977), 229.

 HERÓI VITIMA

1. Jacques de Launay,  Hitler en Flandres  (Bruxelas, 1975), 103-108.2. Adolf Hitler,  Mein Kampf   (Munique, 177.3.  Hitler's Table Talk, 1941-1944,  introd. H. R. Trevor-Roper, trad. N. 

Cameron e R. H. Stevens (Londres, 1953), 44.4. Hitler,  Mein Kampf,  179.5. Hans Mend,  Adolf Hitler im Felde 1914-1918  (Diessen, 1931), 47-58.

6. In Joachim C. Fest,  Hitler,  trad. Richard e Clara Winston (Nova York, 1975), 70.

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7. In Peter Merkl, Political Violence Under the Swastika  (Princeton, 

1975), 167.8.   Hitler's Table Talk,  44.9. Hitler,  Mein Kampf  ,  772.

10. In Robert Waite, Vanguard of Nazism  (Nova York, 1969), 42.11. Em seu prefácio à segunda edição, Jünger,  In Stahlgewittern, xii.

12. Feder é citado em  Le Crapouillet,  julho de 1933, 40; Ley in Richard Grunberger, The 12-Year Reich  (Nova York, 1971), 51; Strasser in Barbara Miller Lane, “Nazi Ideology: Some Unfinished Business”, 

Central European History,  7/1 (1974), 23.13. Philipp Witkop (org.), Kriegsbriefe gefallener Studenten  (Munique, 

s .d. [1933]), 5-6.14. Christopher Isherwood, Goodbye to Berlin  (Harmondsworth, 1965),

202 .

15. Numa carta ao Reitor, Universidade de Bonn, l.° de janeiro de 1937, Thomas Mann,  Briefe 1937-1947,  org. Erika Mann (Frankfurt am 

Main, 1963), 13.

 A ARTE COMO VIDA

1. In Albert Speer,  Inside the -ThifÛ Reich,  trad, de Richard e Clara Winston (Nova York, 1970), 299.

2. Michel Tournier,  Le vent Paraclet,  189.3. Joseph Goebbels, Final Entries 1945: The Diaries,  org. Hugh 

Trevor-Roper, trad. Richard Barry (Nova York, 1978), 194.4. In René Rémond,  La Droite en France, 2  vols. (Paris, 1968), 11:384.

5. In Fest,  Hitler,  381.6. Ibid., 142.

O  MITO COMO REALIDADE 

1. In Michael Balfour, Propaganda in War 1939-1945  (Londres, 1979), 48.

2. Gabriele d’Annunzio, in Alexander Rüstow, Freedom and Domination,  trad. S. Attanasio (Princeton, 1980), 586.

3. In Benjamin,  Das Kunstwerk,  49.

4. Diário, 2 de fevereiro de 1933, Kessler, Tagebücher,  748; ver também Saul Friedländer,  Reflections of Nazism: An Essay on Kitsch and Death,  trad. T. Weyr (Nova York, 1984), 41-53.

5. W. Petwidic,  Die autoritäre Anarchie  (Hamburgo, 1946).6. In Konrad Heiden,  Der Fuehrer: Hitler's Rise to Power,  trad. Ralph 

Manheim (Boston, 1944), 190, 378; e Hans Peter Bleue!, Sex and  Society in Nazi Germany,  trad. J. M. Brownjohn (Filadélfia, 1973), 38.

7. Robert G. L. Waite, The Psychopathic God: Adolf Hitler   (Nova York, 1977); Rudolph Binion,  Hitler Among the Germans  (No

va York, 1976); e Norbert Bromberg e Verna V. Small,  Hitler's Psychopathology  (Nova York, 1983).

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8. Ernst Hanfstaengl,  Hitler: The Missing Years  (Londres, 1957), 124.9. Goebbels, Final Entries ,  133.

10.  Hitler's Table Talk , 309-12, 537, 577-78, 707.11. Rauschning,  Hitler Speaks ,  18-19.12. Anne Morrow Lindbergh, The Wave of the Future: A Confession 

of Faith  (Nova York, 1940).

13. Goebbels, Final Entries ,

  205.14. Nevile Henderson, Failure of a Mission  (Nova York, 1940), 151-52.15. André François-Poncet, The Fateful Years,  trad. J. LeClercq (Lon

dres, 1949), 209.16. In Alan Bullock,  Hitler: A Study in Tyranny  (Harmondsworth, 

1962), 379.17. George Mosse, The Nationalization of the Masses  (Nova York, 

1975), 155-58.18. Joachim C. Fest, “On Remembering Adolf Hitler”,  Encounter,  41/4 

(outubro de 1973), 20.

19. Ver também Alvin H. Rosenfeld,  Imagining Hitler   (Bloomington, 1985).

“ES IST EIN FRÜHLING OHNE ENDE!”

1. Donald M. Douglas, “The Parent Cell: Some Computer Notes on the Composition of the First Nazi Party Group in Munich, 1919- 1921”, Central European History,  10 (1977), 55-72 e Michael H. Kater, The Nazi Party  (Cambridge, Mass., 1983), 29.

2. Joachim C. Fest, The Face of the Third Reich,  trad, de M. Bullock (Londres, 1970), 252.

3. Dos 400 mil emigrantes alemães entre 1933 e 1941 apenas cerca de 10% podiam ser chamados de refugiados políticos. A maioria era de refugiados raciais. Hans-Albert Walter in Walter Zadeck (org.), Sie flohen vor dem Hakenkreuz  (Reinbek bei Hamburg, 1981), 10- 11.

4. Gottfried Benn, “Über die Rolle des Schriftstellers in dieser Zeit” (1929), Gesammelte Werke,  4 vols. (Wiesbaden, 1958-1961), IV:211.

5. Rudolf G. Binding et al., Sechs Bekenntnisse zum neuen Deutsch

land   (Hamburgo, 1933), excertos em Josef Wulf (org.),  Literatur  und Dichtung im Dritten Reich  (Reinbek bei Hamburg, 1966), 107.

6. Diário, 10 de abril de 1917, Paul Morand,  Journal,  209.7. In Gold e Fizdale,  Misia,  296.8. Benn, “Lebensweg eines Intellektualisten” (1934), Gesammelte 

Werke,  IV:64-65.9. Maurice Mandelbaum, in Stephen Spender (org.), W.  H.  Auden: 

 A Tribute  (Londres, 1975), 121.10. In Irving Howe, The Decline of the New   (Nova York, 1970), 42.11. In Wulf (org.),  Literatur,  150.

12. Jeffrey Herf,  Reactionary Modernism: Technology, Culture, and  Politics in Weimar and the Third Reich  (Cambridge, 1984).

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13. In Hugh Trevor-Roper, The Last Days of Hitler  

(Londres, 1950), 

57-58. Ver também Stern,  Hitler,  34.

14. Goebbels, Final Entries, 174.15. Diário, 4 de setembro de 1925, Joseph Goebbels, The Early Goeb

bels Diaries, 1925-1926 , org. Helmut Heiber, trad. O. Watson (Lon

dres, 1962), 35.

16. Na introdução de H. R. Trevor-Roper ao último volume dos diários de Goebbels, Final Entries,

 

xxxii.

17. Goebbels, Final Entries,  330-331.

18. In Fest,  Hitler,  746, e Trevor-Roper,  Last Days,  199.19. Trevor-Roper,  Last Days, 217-18.

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FONTES SELECIONADAS

As fontes para este trabalho são exíremamente variadas. Consistem cm 

informações publicadas e não-publicadas, consultadas e reunidas em 

muitos anos de- leitura e investigação nas bibliotecas e nos arquivos da 

Europa e da América do Norte. Listar todo o material que consultei durante a pesquisa seria uma tarefa impossível. Listar só as principais 

obras publicadas neste período já exigiria um volume próprio. Portanto, 

só aquelas coleções de fontes primárias que usei com grande proveito  

são aqui registradas. Algumas das fontes secundárias mais significativas 

são mencionadas nas notas.

Nova York, New York Public Library, Performing Arts Research Center, 

Dance Collection.Gabriel Astruc, Papéis.Jacques-Émile Blanche, manuscritos variados.Sergei Pavlovich Diaghilev, Papéis 1909-1929 e Correspondência.

Londres, Imperial War Museum.Papéis: W. G. Bailey, A. G. Bartlett, H. R. Bate, H. D. Bryaá, Guy

 

Buckeridge, F. L. Cassel, Iain Colquhoun, E. B. Cook, Elmer W. 

Cotton, R. von Dechend, T. Dixon, David H. Doe, B. W. Downes, 

H. V. Drinkwater, J. S. Fenton, V. M. Fergusson, J.W. Gamble, R. G. Garrod, Kenneth M. Gaunt, David L. Ghilchick, Arthur Gibbs,

 

William C. S. Gregson, John W. Harvey, R. G. Heinekey, Edward 

R. Hepper, Edmund Herd, C. E. Hickingbotham, Harold Horne, 

Walter Hoskyn, Alfred Howe, G. W. G. Hughes, Percy H. Jones, 

Samuel Judd, Leslie H. Kent, E. D. Kingsley, Peter McGregor, P. 

Mortimer, Roland D. Mountfort, Richard Noschke, M. W. Peters, 

P. H. Pilditch, Garfield Powell, W. A. Quinton, I. L. Read, John R. 

Rees, Ronald D. Rees, Arthur G. Rigby, Frank M. Robertson, G. 

R. P. Roupell, Alexander Runcie, E. Russell-Jones, Siegfried Sassoon, 

Eric Scullin, A. Self, R. Stafford, Richard R. Stokes, Hiram Sturdy, F. H. T. Tatham, Harold A. Thomas, Oswald Tilley, John M. S.

 

Walker, M. Leslie Walkinton, H. G. R. Williams. Miscellaneous Item 

469.

Registros de História Oral: Philip Neame, -James D. Pratt, J. P. O. 

Reid.

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Department of Art, Papéis: John Nash, Paul Nash, C. R. W. Nevin- 

son, William Roberts, Christmas Card Collection.Londres, Public Record Office.

Diários de Guerra (W095). Papéis do Quartel-General Militar 

(WO 158). Diretoria de Operações e Informações Militares (WO 106). 

Papéis Kitchner (WO 159). Mapas e Planos (W0153). Sumários de 

Informações (W0157). Conselho do Ministério da Guerra (W0163). Londres, Liddell Hart Centre for Military Archives, King’s College, Uni

versidade de Londres.Papéis: C. H. Foulkes, Basil Liddell Hart, Ian Hamilton, Edward 

L. Spears.Paris, Service historique de 1’armée de terre, Château de Vincennes. 

Journaux cies Marches et Opérations (22N, 24N, 25N, 26N). Grand Quartier Général (16N). Dossier Montlebert (1K143).Papiers Mealin (1K112). Dons et Témoignages: Chansons de tran-

 

chée (87), Carnet de route d’un combattant allemand en 1914 (103), 

Carnet de route du lieutenant René Hemery (170).Coblença, Bundesarchiv._____Reichskanzlei (R43I), Neue Reichskanzlei (R43II),

 

Reichssicherheitshauptamt (R58), arquivos da UFA (R109I), protocolo de Filmoberprüfstelle, 11 de dezembro de 1930 (Kl. Erw. 457).

Friburgo em Breisgan, Bundesarchiv-Militärarchiv.Papéis: Émile-Marcel Décobert, Karl von Einem, Hermann Rittervon Giehrl, Frithjof Freiherr von Hammerstein-Gesmold, Henry 

Holthoff, Rudolf Müller, Gerhard von Nostitz-Wallwitz, Gustav 

Riebensahm, Paul Schulz, Bernhard Schwertfeger, Gerhard Tappen, Ferdinand von Trossei, Franz von Trotta gen. Treyden, Erwin von

 

Witzleben.Coleções de manuscritos (MSg2): Georg Eberle, Annemarie Heine,

 

Felix Kaiser, os irmãos Bernhard; Clemens, e Aloys Lammers, 

Lücke, Ernst Prasuhn, Gerhard Schinke, Heinrich Schlubeck, Ernst 

Wisselnick, Karl Zieke, Erinnerungsfeier “Goldene Monstranz”.

Bonn, Politisches Archiv, Auswärtiges Amt.

Schuldreferat. Botschaft London Geheimakten. Botschaft Paris. 

Kunst und Wissenschaft. Bücher und Zeitschriften.Wissenschaft — Reisen. Presse-Abteilung.

Munique, Bayerisches Kriegsarchiv.Kriegstagebücher.Papéis: Oberst von der Aschenauer (HS2047), Gustav Baumann 

(HS2646), Otto Weber (HSP984), Georg Will (HS2703).

Munique, Institut für Zeitsgeschichte.

Carl Jödicke, Dokumente und Aufzeichnungen betr. Ullstein-Verlag (F501).

454

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ÍNDICE REMISSIVO

 À la recherche du temps perdu 

(Proust), 268ácido sulfúrico: produção de, 97

 

Acton, Harold, 46 

Acton, Lord, 159Adams, Reverendo J. Esslemont,

 

150Adorno, Theodor, 383 

Aeroplano. Ver  avião 

 agents provocateurs,   298-99, 300-1 

AGFA (firma), 97 

agricultura: no pós-guerra, 330 

Aisne, frente de, 153 

Aitken, Alexander, 222 

Akenbrand, Alfons, 255 

Albert, catedral de: destruição da, 

205-6Alberto, rei da Bélgica, 314 

Alcock, John, 317 

Aldington, Richard, 360, 371 

Alemanha: abordagem espiritualda guerra, 123-29, 158-61, 203-

 

8, 247-60, 302; aceitação popular do nazismo, 398-99; ame-

 

ricanização no pós-guerra, 

344-46; arquitetura na, 34-36, 

113; arquitetura modernista 

na, 34-36; associação entre a 

guerra e a arte na, 127-29, 158- 

59, 248-49, 257-58; atitudes belicosas britânicas para com a,

 

158-60; bloqueio naval britânico contra a, 216, 255» como 

ameaça aos valores britânicos, 

175-77; como potência militar 

e econômica dominante, 105-6; 

condições de Versailles após 

a derrota da, 323; crise de

alimentos em 1916, 264; cultura Volk, 54; dança moderna

 

ria, 113; declaração de guerra 

à Rússia e à França, 88-89; 

despersonalização na, 98-99; 

diante da derrota, 255-56; e o 

deus da guerra, 247-49; economia no pós-guerra, 345-46, 374, 392; educação na, 100-1, 111-12; eleições de 1912 na,

 

103; espírito de revolta na,^ 

111-23; fabulação na, 107; 

fronteiras da, 93; fusão de sociedade e cultura na Grande

 

Guerra, 247-60; guerra franco- 

prussiana, 71, 74, 94, 99-100, 

106, 111; historiadores justificam ataques a civis, 207-8; histórias oficiais da guerra,

 

326; Hitler torna-se chanceler 

da, 380; idealismo secular na, 107-8; individualismo e honra

 

pessoal, 249-50;  Kultur  como 

ideal, 95, 106-11, 120, 124, 

263; literatura nacionalista no 

pós-guerra, 392; modernismo 

da, 13-15, 383-84, 397-99; movimento de juventude na, 52,

 

112, 114-16; mudanças demográficas em, 97-98; mulheres

 

no mercado de trabalho da, 112; nacionalismo na, 102, 110-11, 247-49; opiniões sobre 

a história, 249-50, 253; oposição à guerra na, 264-66; origens tribais da, 117; papel de 

Bismarck na unificação da, 94- 

96; população da, 97-98; preo-

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cupação com a Bildung, 107; 

preocupação com Macht, 107, 

111; preocupação com Tech

nik, 98-103, 383, 394, 405-7; produção industrial da, 96-97; 

progressos pós-industriais da, 

98-99; propaganda na Grande Guerra, 207-9; protecionismo 

econômico na, 102; radicalis

mo no pós-guerra, 14; reações 

à efervescência cultural na, 

117-18; realinhamentos políticos no pós-guerra, 325-26; re

gionalismo da, 93; relações exteriores e política exterior 

antes da guerra (Weltpolitik ),

120-21; reparações no pós- guerra, 373-74; Repúbliea—de Weimar, 14, 373, 390, 392; 

responsabiliza a Grã-Bretanha 

pela guerra, 257-58; senso de 

dever (Pflicht ) na, 228-31, 249- 

53, 260; senso d e , missão na, 

114; sentimento antibritânico 

na, 121, 126, 257-58; sentimen

tos populares a favor da guer

ra na, 81-92, 123-29, 247-60; sistema político da, 102-3, 112; sociedade versus  comunidade 

na, 98-99; sociedades nacionalistas na, 102; totalitarismo 

nos esforços de guerra, 254- 55; união aduaneira, 104; uni

ficação num Estado, 92-99, 

252; urbanismo na, 98; ver  também  Berlim; exército ale

mão; Grande Guerra, nazistas; veneração da administra

ção na, 99; vontade e honra 

na, 250-51; xenofobia e racismo na, 109-11.

Alfonso XIII, rei da Espanha, 47

 All Our Yesterdays  (Tomlinson), 370

Allgemeine Elektrizitäts-Gesellschaft, 77

Alsácia, 74América. Ver   Estados Unidos

Americanização: da Europa, 341-46 

anabatistas de Münster, 255 

anarquismo, 73

 Anel,  ciclo de (Wagner), 74, 108, 

253

anos trinta: ascensão nazista nos. 

Ver   nazistas; valorização da guerra nos, 368

anos vinte: como negação da Gran

de Guerra, 327-28; culto da  juventude nos, 329, 332; estilo 

internacional dos, 330-31; fas

cinação pela morte, 361; fuga 

da realidade nos, 328-29; li

vros de guerra nos, 360 {ver  também Nada de novo no 

 front ); manias e cinismo dos, 329-30; moda dos, 329; reali

dade versus  mito dos, 327-29; 

valorização da guerra nos, 368-69

Anschütz, Gerhard, 252 

Antheil, George, 361 

 Anti-machiavel. (Frederico II), 99- 100

anti-semitismo, 38, 382-83, 389-90, 392, 402-4, 412-13; com ódio 

de si mesmo, 403; solução final nazista, 405

Apóllinaire, Guillaume, 28, 191 

Appleton, Thomas, 68 

 Après-midi dyun faune, L.  (De- bussy/Nijinsky), 47-48, 56, 63- 

64, 113

 Arabic:  afundamento do, 218 

arianismo, 401-2 Aristóteles, 250 

Aries, Michael, 331 

Armínio, 117, 250 

Armistício,' 255, 265, 304-5, 323-24, 

326

 Army Quarterly, The,  366 

Arnold, Sir Thomas, 161-62 

Arp, Hans, 269

arquitetura: alemã, 35-36; art-nou- 

veau,  34; estilo internacional no pós-guerra, 331-32; moder-

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nismo, 33-34, 113; nazista,401; parisiense, 33-36, 68 

Arras, batalha de, 187 

art nouveau,  34-47 

arte: como forma, 276-98; como 

regeneração, 51-54; distinção 

entre vida e, 21; e moral, 286- 91; e o socialismo, 272; formas experimentais de, 276; a 

guerra como, 267-76; kitsch, 385; nazista, 385, 394-98; nova 

estética da guerra, 276; papel do público na, 67, 75; Paris como centro cultural, 71-75; radical, 53; ver também movi-

mentos e estilos específicos;

versus  história, 368-70 arte de governar; efeitos da Gran

de Guerra sobre a, 304 

arte grega, 43 

arte secessionista, 63 

arte total, 44, 53-54; ver também 

Gesamtkunstwerk  

artes russas: em Paris, 42-54 

artilharia: bombardeio de curto alcance, 199; na Grande Guerra, 

182-83, 190, 198, 199 

Artois, frente de, 186 

 Asas  (filme), 352 

Aschenhauer, major von Der, 151 

Associação dos Judeus Alemães, Berlim, 89

Associação Nacional dos Clubes de 

Moços, 345 

Astor, John L., 38 

Astor, Lady, 316

Astruc, Gabriel, 26, 27, 30, 31-32, 37, 38-39Atkins, Thomas, 143, 156, 167 

atrocidades, histórias de: a propaganda, 298-99, 301-2 

Audens, W. H., 412 

Auric, Georges, 342 

Auschwitz, campo de extermínio, ' 383, 404

Áustria: arquitetura na, 37; guerra 

prussiana contra a, 94; ultimato à Sérvia, 82-83

 Autobahnen,  407automóveis, 70; cemitério em Ver- 

dun, 11; entusiasmo de Hitler 

pelos, 406autoridade: fracasso tia, na Grande 

Guerra, 272-73

avant-garde:  e as classes baixas, 66; uso do termo, 14 

aviadores. Ver   avião; Lindbergh, Charles Augustus

Avião, emprego nazista do, 407; entusiasmo fascista pelo, 407-8; simbolismo do, 321-22; 337- 39; simbolismo do voo de 

Lindbergh, 321-22, 333-41; potencial militar do, 335-36, 338 

(ver também  reides aéreos); taxa de fatalidade entre os aviadores, 337-38

Badische Anilin, firma, 97 

Baker, Josephine, 264, 330, 341, 347, 349

Baksta, Léon, 43, 45, 46, 47 

Balanchine, George, 347 

Baldwin, Stanley, 374 

balé: evolução histórica do, 58-60; ver também composições es

 pecíficasbalé russo, 26-34, 44-51, 58; ver  

também  Ballets Russes Bali Hugo, 269Ballets Russes, 44-51, 72, 322, 408- 

9; e  A sagração da primavera, 26-34, 64 (ver também A sagração da primavera); esteti- 

cismo e política, 65; a guerra 

com gás compartilha a novidade com, 213; homossexualidade nos, 55-56; perda de 

atenção no pós-guerra, 347-48 

Barbusse, Henri, 225, 227 

Barrès, Maurice, 69, 402 

Bauer, Coronel Max, 204 

Bauhaus, escola da, 333 

bávaros versus  prussianos, 177 

Bayard, Èmile, 36 

Bayreuth, festival de, 74, 108, 109

457

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Beardsley, Aubreu, 174 Beaverbook, Lord, 278 Behrens, Peter, 37 Bélgica: e a trégua de Natal de 

1914, 177-78; na Grande Guerra, 123, 136, 258; política de 

ocupação alemã, 203-4, 205-6, 302belle époque,  71, 74 bem público: senso de, 229 Benjamim, Walter, 385 Benn, Gottfried, 411, 412, 413 Benois, Alexandre, 43, 44, 45, 50, 

63, 66, 72Bentham, Jeremy, 173  Benvenuto Celline  (Berlioz), 39 

Berger, Marcei, 340Bergson, Henri, 52, 209 ----- ^Berlim: aura de novidade em, 103- 

4; os Ballets Russes em, 44; bombardeio aliado de (Segunda Guerra Mundial), 382; casamento no período pré-guerra em, 89; como capital, 103-6, 112; como centro de imigração cosmopolita, 104, 105;

cortes penais moabitas, 88; dinâmica de, 103-6; manifestações anti-sérvias em, 82-85; manifestações contra a guerra em, 92-93; população de, 92- 93, 104; sentimentos favoráveis à guerra em, 81-92; ver  

também  Alemanha  Berliner Bôrsen-Zeitung,  366  Berliner Illustrirte Zeitung,  363 

 Berliner Lokal-Anzeiger , 86, 127  Berliner Tageblatt,  93, 117, 127, 316, 340

Berlioz, Hector, 39 Bernanos, Georges, 273 Bernard, Jean-Marc, 231 Bernes, Gerald, 347 Bernhardi, Friedrich von, 124 Bernstein, Eduard, 264 Berr, Henri, 244

Bethmann Hollweg, Theobald von, 82, 83, 87, 215, 218, 254

Béthune, frente de, 139  Better Times,  283  Bildung:  preocupação alemã com, 

107Binding, Rudolf, 263, 285, 411 Bismarck, Otto von, 74, 87, 94, 

121, 125, 248, 251; e a unificação da Alemanha, 94-95, 99

Blachon, Georges, 218 Blanche, Jacques-Émile, 39, 50, 73- 

74, 75, 269, 274 Blasis, Carlo, 59 Blass, Ernst, 247  Blast,  117 Bleak House  (Dickens), 96 

Blériot, Louis, 314, 322  Blitzkrieg,  406 Blumenfeld, Franz, 252-53 Blunden, Edmund, 324, 352, 360, 

374-75Boasson, Marc, 193, 223, 271, 285, 

292, 295, 296, 372 Boccioni, Umberto, 52 Bois, Ilse, 309 Bois sacre, Le  (Flers, Cavaillet), 

57bolchevistas, 228, 264, 324; aceitos pela comunidade artística e intelectual, 411-12 

Bonn, Moritz Julius, 105 Borden, Mary, 343 

 Boris Godunov  (Mussorgsky), 43 Boston: salões de baile em, 61 Bourdelle, Antoine, 36, 39 Box, Charles, 162 

Boyd, Thomas, 290 Braque, Georges, 212 Brasillach, Robert, 398, 411 Braun, Eva, 416 Braun, Otto, 129 Breker, Arno, 386  Bremer Biirger-Zeitung,  91 Brest-Litovsk, Tratado de (1918), 

228Bridoux, André, 224, 295 

 Briefe an das Leben  (Eichacker), 262

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Brittain, Vera, 232-37 

Brooke, Rupert, 46, 164, 175-76, 177

Brown, Arthur Whitten, 317 

Brussel, Robert, 47 

Buchanan-Dunlop, Major A. H., 

150-51Bucher, Lothar, 112-13 

Buck, Richard, 45 

B’iilow, Principe Bernhard von, 121 

Burckhardt, Jacob, 111, 249-50 

Byron, George Gordon, Lord, 17, 126

Caillaux, Henriette, 48 

Caillaux, Joseph, 48 

Calmette, Gaston, 47-48 

caminho de volta, O 

(Remarque), 359-60

Camondo, Conde Isaac de, 37-38 

Campana, Roger, 194, 199 

Canby, Henry Seidel, 363 

Canetti, Elias, 81 

Capote, Truman, 20 

Capus, Albert, 79 

Carlyle, Thomas, 396 

Carr (aviador), 336 Carstairs, Carroll, 372 

Caruso, Enrico, 38 

Casement, Roger, 219 

Cassel, Sir Ernest, 39 

Castle, Irene, 331 

Catarina II, a Grande, czarina da 

Russia, 42Catedral de Notre Dame, Paris, 

206

Catedral de Rheins: bombardeio da, 206, 207

Cavaillett, Gaston de, 57 

Cavaleiros Teutônicos, 250 

Cavalieri, Lina, 38 

Céline, Louis-Ferdinand, 25 

censura: na Grande Guerra, 224, 298-99

Chaliapin, Feodor, 43, 72, 348 

Chamberlain, Houston Stewart, 

109-10, 114, 122, 250, 340 Chamberlain, Joseph, 162

Chamberlain, Neville, 408 

Champagne, frente de, 186 

Chanel, Coco, 331 

Chaney, Bert, 288 

Charleston (dança), 321, 330, 344 

Charpentier, Gustave, 72 

Chartier, Émile, 296 

Chatte, La  (Sauguet/Balanchine), 347

Chemin des Dames: batalha de, 190, 226, 235

Chemnitzer Volksstimme,  125 

Cherfils, general, 215 

Chesterton, G. K., 162 

Chevallier, Gabriel, 225 

Chiappe, Jean, 340 

Chicago Tribune, 319 

choque emocional causado pelas 

bombas, 223, 272; ver também 

psiconeuroseciência: educação na, 100-1 

ciganos: nos campos de extermínio 

nazistas, 383cinema: americano na Alemanha, 

345; e a Grande Guerra, 286; nos anos 20, 330, 346; sobre 

a experiência da guerra, 352; 

uso pelos nazistas, 406, 408-9; versão cinematográfica de  Nada de novo no front,

  358, 378 

civilização, 106, 110-11, 114, 126, 156-57, 161, 173-76, 230-31, 2J7-38; e o senso de história, 249; e os valores burgueses na 

Grande Guerra, 228-31, 237-40, 244-45; valores solapados pela 

Grande Guerra, 244-45 

classe média. Ver   valores burgueses; civilizações

classes sociais: estetismo e, 65-66 

Claudel, Paul, 314, 339 

Clausewitz, Karl von, 247 

Clemenceau, Georges, 69, 323, 325 

Cleópatra 

(balé), 47, 56 

Clube do Livro-do-Mês, 351, 366 

Cobb, Humphrey, 289 Cobb, Richard, 350

459

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Cocteau, Jean, 26, 33, 53, 57, 73, 191

Code of Terpsichore, The  (Blasis), 59

Coli, François, 336 colonialismo, 71; alemão, 120 

comércio do livro: e os livros de guerra, 352Comissão Clarendon de 1864, 162 companheirismo na guerra de trin

cheiras, 293-96Comuna de Paris de 1871, 69 comunistas: oposição a  Nada de 

novo no front,  364 condições atmosféricas: e o moral 

das tropas na guerra de trin

cheiras, 141-42, 192-94r-e-a política, 81-82Conrad von Hõtzendorf, Conde 

Franz, 136Contraponto  (Huxley), 332 Convenção de Haia de 1907, 209, 

214Convent Garden, Londres, 46-47 Coolidge, Caloin, 316, 317 Coubert, Gustave, 73 

Cousin, Victor, 100 Craig, Gordon, 386 Crane, Hart, 378 Crémieux, Benjamin, 239 críquete, 162 Crosby, Caresse, 311 Crosby, Harry, 275, 311, 322, 350, 

360, 378Cru, Jean Norton, 244 cubismo, 277

cultura do corpo, 59-60, 115-17 cultura Volk , 53 Cummings, E. E., 279, 290 Cunard, Nancy, 342

dadaistas, 262, 269, 281, 285, 361, 372

 Daily Express, 278, 320, 338  Daily Herald,  335  Daily Mail,  171-72, 178-79, 211, 

300, 312Dalling soldado, 169

dança: Charleston, 321, 330, .344; evolução histórica da, 57-61; popular, 61-62; ver também 

Ballets Russes dança grega, 57, 58 Daniel Rops, 363 

d’Annunzio, Gabriele, 400, 402, 413Dardanelos, 187, 303 David, André, 340 David, Eduard, 125 Davidson, J. C. C., 374 de Pinedo (aviador), 336 

 Death of a Hero  (Aldington), 370 Debussy, Claude, 47, 49, 72, 74, 

76

Declaração de Haia de 1899, 210 Declaração de Londres de 1909, 216

Décobert, Émile Marcei, 149 defecação, imagens de: entre os 

soldados, 289-90 Degas, Edgar, 158 Delage, Maurice, 33 Delaunay, Robert, 322 Delbrück, Hans, 264 

Dèlvert, Charles, 194, 196, 199, 226, 289, 293-94  Demian  (Hesse), 332 Denis, Maurice, 36 Departamento de Guerra da Tche- 

coslováquia, 366 Derby Eve Bali, 316, 320, 321 Derrick, T., 277 Descartes, René, 110 d’Espérey, marechal Franchel, 346 

Devine, Frank, 143 Dherbécourt, senador, 339 desemprego: no pós-guerra, 325, 

328, 371, 374Diaghilev, Sergei Pavlovitch: anos 

de formação de, 17-19; como esteta e divulgador, 51-53; e  A sagração da primavera,  33-34, 59, 61, 62, 65, 77; e  Morte em Veneza,  17-18; e o balé 

como forma de arte total, 43- 44; e o momento faustiano,

460

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127; e os Ballets Russes, 43- 50, 191, 322, 347; homossexualidade, 17-19, 56-57, 412; juventude e primeiros sucessos de, 39-44; morte em Veneza, 17, 19; na Alemanha, 112-13; per

da de prestígio no pós-guerra, 347-48; relações com Nijinsky, 17-18, 56-57, 80; vida em Veneza, 17-19

doença venérea: entre os soldados, 289

Dickens, Charles, 96 Dickinson, G. Lowes, 296, 363, 366 Dilthey, Wilhelm, 110, 250 Dinamarca: guerra alemã contra a, 

94Disraeli, Benjamin, 130 Dobujinski, Mstislav, 42 Dodge, Mabel, 30 Dõhring, licenciado, 89 Dolin, Anton, 19 Dompierre, frente de, 154 Donnay, Maurice, 178 Dorgelès, Roland, 224, 268, 279 Dostoievski, Fiodor, 74 Doumergue, Gaston, 48, 314 Dreiser, Theodore, 377 Dresden, 105, 112 Drieu la Rochelle, Pierre, 294, 295 Droysen, Johann G., 110, 250 du Maurier, major Guy, 174 Duchamp, Marcel, 20 Duncan, Isadora, 58, 67, 113, 303, 

310, 331, 348-49 

Dupont, Maurice, 79-80 Dürer, Albrecht, 251

Eastman, Max, 55 Eaton, Reverendo Charles Aubrey, 

303École des Beaux-Arts, Paris, 35 Eduardo, Principe de Gales, 316 educação: e valores burgueses,

239; elementar obrigatória, 

100, 239; na Alemanha, 100-2; secundária e superior, 100

educação técnica: na Alemanha, 100-2

Eggebrecht, Axel, 363 Ehrenburg, Ilyia, 325, 333 Eichacker, Reinhold, 262 Einstein, Albert, 52, 101, 333 

 Eizige und sein Eigentum, Das (Stirner), 66 êlan vital, 52  Elektra  (Strauss), 64, 118 Eliot, T. S., 158, 280, 309, 323, 349 Elizabeth, Princesa da Inglaterra, 

318empirismo: e a civilização anglo- 

francesa, 107emprego: divisão de, 240 

empréstimo Dawes, 345 energia: e o desenvolvimento industrial, 96-97

 Enfant et íes sortilèges, V   (Ravel), 342

 Englishman's House, An  (du Maurier), 174

 Enormous Room, The (Cummings), 290

Epstein, Jacob, 158 

escoteiros, 60Espanha: Guerra Peninsular na, 

161, 205espectro da rosa, O  (balé), 32, 54, 

56espírito esportivo: e a guerra, sen

so britânico de, 161-68, 177 Esquadrilha Lafayette, 334-35 

 Estação Horizonte  (Remarque), 356 estados-maiores: atitudes para com 

á guerra, 297-98Estados Unidos: adoção do isola- 

cionismo depois da guerra, 323; ajuda na Grande Guerra, 255, 335; americanização da Europa, 341; como símbolo do pós-guerra, 341-42; entram 

na Grande Guerra, 218, 255 Estetismo: da vida, 107-8; e da 

política, 65

estilo internacional: no pós-guerra, 331-32

461

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Estrasburgo: bombardeio de, 204-5 

estrategistas de gabinete: desprezo 

dos soldados pelos, 292-93 

estudantes: entusiasmo pela guerra 

entre os, alemães, 84-85, 127 

Etiópia, 400

eufemismos: usados para descrever a guerra, 279-81, 298 

Eulenburg, Príncipe Philipp zu, 

122

euritmia, 59, 76

exército alemão, 134-35; alistamento por classe social, 244; ata

ques a civis, 204-6; atiradores 

de tocaia no, 214; atitudes britânicas para com o, 169-70; 

baixas do, 136, 188; eartaS" de 

estudantes mortos publicadas, 

393; colapso' da Frente Oci

dental, 255, 263; e a guerra de 

desgaste, 203-4; e a guerra 

total, 203-4; e a guerra de 

trincheiras, 137-47; e a nova 

tecnologia da guerra, 203-19; 

e a oposição à guerra, 264; e 

a trégua de Natal de 1914, 

132-33, 147-54, 177-80 e 261; 

gás usado pelo, 209-13, 218 

(ver também  gás); lança-cha- 

mas usados pelo, 214; lealdade no, 225, 261-62, 264; mo

ral e motivações no, 220-44; morteiros de trincheira usados 

pelo, 214; objeções a  Nada de 

novo no front,  366-67; ordens 

de mobilização emitidas para 

o, 88, 134; plano Schlieffen, 119, 134-35, 136, 203; regis

tros militares do, 261; saques 

em busca de roupas, 141; Stellungskrieg,  218; táticas e 

atitudes para com a guerra, 

202-19; ver também 

Grande 

Guerra

exército austríaco, 132, 255 

exército belga, 134 

exército britânico: alistamento no, 

137, 167-68, 244; artistas ofi-

ciais do, 277-78; ataques e 

contra-ataques, 145-46; atitu

des para com os alemães, 168- 

69; baixas do, 136-37, 140, 187, 188; código social vito

riano e senso de dever, 171- 

75; e a guerra de trincheiras, 

136-47 (ver também  guerra de 

trincheiras); e a trégua de 

Natal de 1914, 130-34, 147-54, 

154-71; em Mons, 134-35; introdução de nova tecnologia 

pelo, 215; introdução do recrutamento no, 234, 235; lealdade 

no, 225; liderança no, 241; 

moral e motivação no, 220-45; 

motim no, 226; organizações 

esportivas em recrutamento 

voluntário, 167-68; razões pa

ra a confraternização de Natal em 1914, 156-71; uso de gás pelo, 211, 212; ver tambémGrã-Bretanha; Grande Guerra 

exército francês: atrocidades come-, tidas pelo, 208; baixas do, 136, 

187, 188; colapso do, 187; con

fraternização com os alemães 

durante a trégua, 153, 170; e 

a trégua de Natal de 1914, 

132-33, 178; frentes do, 232- 

43; introdução de nova tecnologia pelo, 213-14; liderança 

do, 241; moral e motivação 

no, 220-46; motins no, 190, 192, 226, 234, 243, 291, 293, 

297, 375; psicologia do sol

dado do, 244; ver tambémGrande Guerra; guerra de 

trincheiras

exército russo, 132, 134, 136, 187; 

baixas do, 228; colapso do, 

228, 255; e o mito de sua

destinação à Frente Ocidental, 

300; em Berlim (na Segunda 

Guerra Mundial)

 Exit, V  

(Montherlant), 73 

 Exiles  (Joyce), 73

462

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exposição do Salon d’Automne, Petit Palais, 42

expressionismo, 328, 413; violência 

no, 116“Extremados”, batalhão dos, 167- 

68

Falaba:  torpedeamento do, 217 

Falkenhayn, Erich von, 136, 144, 187-88, 218 

Fargue, Léon-Paul, 33 

Farmer, Fuzileiro G. A., 131 

fascismo: aceito pela comunidade 

artística e intelectual, 411-12; e a estetização da política e 

da violência, 384, 399; entu

siasmo por voar, 399, 407; erotismo do, 411-12; oposição 

a  Nada de novo no front, 364-65; perspectiva futurista 

do, 384; as relações de Lind- bergh com o, 407-8; ver tam

bém  nazistas 

Faulkner, William, 377 

Fauré, Gabriel, 72 

Fausto  (Goethe), 119 

fauvistas, 73 

Fayolle, Mari Émile, 297 

Feder, Gottfried, 391 

Ferry, Abel, 232 

Fest, Joachim, 409-10 

Festubert: batalha de, 187 

Feu, Le 

(Barbusse), 225, 226 

Feurbach, Ludwig, 55 

Figara, Le,  78-79, 178, 340, 347 

filme. Ver  

cinema 

Filosofov, Dmitri, 17 

Fim de jornada  (Sherriff), 352, 366 

Fischer, Rudolf, 127, 271 

Fischer, Samuel, 361 

Fischer Verlag, S., 361 

Fisher, H. A. L., 370 

Fitzgerald, F. Scott, 246, 341 

Flandres, frente de: guerra de trincheiras na, 137-47, 156, 187 

Flaíiner, Janet, 322 Flêischer, Hans, 253

Flers, Robert de, 57 

Flex, Walter, 262 

Foch, marechal Ferdinand, 314 

Fokine, Michel, 44, 48, 59, 63-64, 347

Folies Bergères, Paris, 342 

Fontane, Theodor, 101, 118 

Forain, J. L., 36força aérea alemã: reides aéreos 

realizados pela, 206, 207, 274; na Segunda Guerra Mundial,407

Força Expedicionária Britânica 

(BEF). Ver   Exército britânico 

Ford, Ford Madox, 158 

Fortnightly Review, The, 

374 

fotografia: como meio, 274, 352, 357

França: a Alemanha declara guerra 

à, 89; civilização versus Kul- 

tur   alemã, 108, 110-11, 114, 

126; como árbitro cultural, 72- 75; condições no pós-guerra, 374-75; e a Guerra da Península, 161; exilados modernis

tas na, 73-74; no  fin de siècle, 67-75; política no pós-guerra, 

325-26; população da, 98; produção industrial da, 97; Segundo Império, 71; senso do 

dever proveniente dos valores 

da classe média, 228-231; sentimento antigermânico na, 74; sentimentos antibritânicos no 

pós-guerra, 375; taxa de nata

lidade em declínio na, 71-72; 

Terceira República, 70-71; valores burgueses na Grande 

Guerra, 239-40; ver também 

exército francês; Grande Guerra; Paris

François-Poncet, André, 381-82,408

Frank, Bruno, 363 

Frankfurter Zeitung,  87 

Francisco Ferdinando, arquiduque 

da Áustria, 79, 82

463

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 franco-atirador , O  (Weber), 39 

Fredenburgh, T., 290 

Frederico Barba-roxa, imperador 

do Sacro Império Romano, 

119, 250

Frederico II, o Grande, rei da 

Prússia, 89, 92-93, 99, 250, 396, 398, 400; Testamento de 

1752, 99

Freikõperkultur,  115

frente interna da Grande Guerra, 232-33, 279-80; antipatia dos soldados pelos civis, 294; car

tas da, 294; estrategistas de gabinete, 293; material de- 

leitura vindo da, 293-94; ver  

também  imprensa; propaganda Frente Ocidental: batalhas da, ver  

batalhas específicas ;  fracasso 

alemão na, 255; guerra com 

gás na, 209-13; moral e motivações na, 220-46; períodos 

da, 189; surrealismo e, 191; 

tática na, 144-45, 187; ver também  exército alemão; exército 

britânico; exército francês; 

guerra de trincheiras; Grande Guerra

Frente Oriental: colapso do exér

cito russo, 227, 256; táticas na, 145, 187

Freud, Sigmund, 52, 55, 327, 333 

Frick, Wilhelm, 367-68, 380 

Friedell, Egon, 372 

Fromelles, frente de, 145 

Frühlingserwacheti  (O despertar  da primavera)  (Wedekind), 63 

Fry, C. B., 163 

Fíy, Rogêr, 112 

Fudakowski, Janek, 20 

Fürstenberg, Max Egon Fürst zu, 118

futebol: 161-62, 168-69; batalhão dos jogadores de, 168-69 

futurismo, 42, 52, 53, 116, 270, 

277j na perspectiva nazista, 384, 410

“Futurismos e futuristas” (Palácio 

Grassi, Veneza, 1986), 21 

Gabo, Naum, 347 

Galieni, Joseph Simon, 241 

Galipoli, campanha de, 176, 187 

Galsworthy, John, 270 

Gamble, J. W., 274-75, 280 

Gamier, Tony, 34 

Garrod, R. G., 133 

gás: experiência de Hitler com o, 388, 390; nos campos de extermínio nazistas, 405; usado 

na Grande Guerra, 183, 196, 

205, 209-13, 217, 218, 154, 281, 

299, 303

gás de cloro, 212-13; ver também gás

gás de fosgênio, 212-13; ver tam

bém  gásgás de mostarda, 212-13; ver tam

bém  gásgás venenoso. Ver   gás 

Geibel, Emanuel, 111 Generation Missing, A  (Carstairs), 

372

George, Stefan, 114 geração perdida, 294, 360, 361 

Germain, José, 350, 372 

Gesamtkunstwerk , 43-44, 89, 108 

Gestapo, 378, 399 

Ghéusi, P. B., 347-48 Ghilchick, David, 263, 284 

Gide, ‘André, 51, 53, 57, 225, 309, 

321Gilman (aviador), 336 

Giraudoux, Jean, 199 Giselle, 56 

Glaeser, Ernst, 127 

Glazunov, Aleksandr, 43 

Goddard, Paulette, 353 

Godin, Pierre, 339 

Goebbels,. Joseph, 378, 380, 381, 395, 397, 399, 400, 401, 405, 

408, 415, 416; organiza as co

memorações da eleição, 381-82 

Goebbels, Magda, 416 Goering, Herrmann, 380, 401, 407

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Goethe, Johann Wolfgang von, 11, 

93, 120, 126, 251, 253, 353, 377 

Goldring, Douglas, 407 

Goll, Ivan, 188, 340, 343 

Goncharova, Natalia, 54, 347 

Goodbye to all that  (Graves), 366, 

374Gosse, Edmund, 268 

Gosset, Alphonse, 36 

Gould, Gerald, 175 

Grã-Bretanha: acusada de causar 

a guerra pela Alemanha, 257- 

58; ameaça alemã aos valores 

da, 175-76; arquitetura na, 

113; arte e cultura na, 157-58; 

atitudes milenaristas para com 

a guerra, 126-27; civilização 

versus Kultur  alemã, 107-8, 

110-11, 114, 126, 156; código 

social na época da Grande 

Guerra, 171-75; como potência 

conservadora, 13-14, 157-58;

condições no pós-guerra, 374; 

conformismo na, 174; ^e a 

Guerra da Península, 161; e a 

guerra submarina alemã, 215- 

16; espírito esportivo e guerra, 161-68; insularidade da, 172; medo e ódio alemão da, 

121, 126, 257-58; missão na 

Grande Guerra, 156-71; mo

ralidade vitoriana/eduardiana 

e a Grande Guerra, 158-59, 

171-75; Pax Britannica, 13- 

14, 114, 157; política nopós-guerra, 325-26; popula

ção da, 98; produção indus/  

trial da, 97; qualidade de 

vida na, 172; reides de zepe

lim sobre a, 207; senso de 

dever proveniente dos valores 

da classe média, 158-59, 228- 

31, 237; sentimentos antifran- 

ceses no pós-guerra, 374-75; valores burgueses na Grande 

Guerra, 228-31, 237-38; ver 

 também   exército britânico; 

Grande Guerra

Graham, Kenneth, 176 

Grand Palais, Paris, 35; exposição 

“Locomoção Aérea” no, 322 

Grande desfile, O, 352 

Grande Guerra: abordagem espiri

tual alemã da, 123-4, 159-60, 

203-8, 247-59, 302; armistício, 

255-56, 265, 303-4, 323-24,

326; artilharia na, 182-83; ata

ques civis na, 205-7, 217-18; 

atitudes alemãs para com as 

regras da guerra, 203-19; ati

tudes britânicas e alemãs para 

com a causa da, 156-61; atitu

des milenaristas para com a, 

126, 159, 248; baixas da, 136- 

37, 140, 187-88, 197-99, 201-2, 

227, 243, 244, 324; chuvas de 

inverno de 1914, 137-47; códi

go social britânico na época 

de, 171-75; comemorações do 

soldado desconhecido,. 326-27, 

333-34; como guerra de des

gaste, 187, 204-5, 226; como 

guerra total, 204-5, 217; con

dições de paz da, 323; confra

ternização durante a, ver  tré

gua do Natal de 1914; cortes- 

marciais na, 221, 234; censura 

na, 224, 298-302; desenvolve 

seu próprio impulso, 235-36; 

deserção na, 221, 243; diários 

e cartas, 221, 222-23, 232; e o 

caráter pessoal, 237; efeitos 

imediatos da, 321-33; em 

1914, 136-180; espírito esportivo britânico e a, 161-68; estra

tégias da, 186-202; frente inter

na, 232-33, 280-81; gás usado 

na, 183, 196, 205, 209-13, 219, 

254; guerra de posição, 188; 

guerra de trincheiras, 136-47, 

182-202 (ver também  guerra 

de trincheiras); guerra subma

rina na, 205, 216-19; histórias 

oficiais da, 326-27; insubordinação na, 221, 226, 227, 235;

465

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lança-chamas na, 205, 213-14; 

licença para ver a família, 

291-94; liderança militar na, 

240-41, 272-73, mobilização de 

tropas, 134; moral e motiva

ção na, 226-46; moralidade 

como decoro, 237; na literatura, 351-79; nova tecnologia in

troduzida pelos alemães, 203- 

19; paralisação provocada pe

las chuvas de inverno de 

1914, 137-47; o plano Schlief- 

fen da Alemanha, 120, 133- 

34, 136-203; poptííação às vés

peras da, 98; previsão de bre

vidade da, 124; propaganda 

na, 133, 207-9, 233, 268, 298- 

303; razões para a trégua do 

Natal de 1914, 154-71; reali- 

nhamento político no pós- 

guerra, 325-26; reides aéreos, 

207, 269, 274; repressão da 

memória da, 327; saques, 141; 

senso do dever na, 226, 228- 

46; sentimentos populares a 

favor da, 81-92; serviço militar 

obrigatório introduzido, 235- 

36, 240; significado da, 12; 

tanques introduzidos na, 215- 

16; trégua do Natal de 1914, 

130-34, 147-54, 154-71, 177-80; 

tréguas de 1915, 180; ultima

to à Sérvia, 83-84; valores bur

gueses na 228-31, 237-41, 245- 

46; ver também  exército ale

mão; exército britânico; exér

cito francês; Frente Ocidental; 

verão de 1914, 81-82 

Granville, Lord, 215 

Graves Robert, 227, 242, 274, 291, 

294, 295, 304, 324, 352, 360, 

366, 370, 371, 374 

Grécia: Guerra com a Turquia, 

324

Green Hat, The  (Arlen), 331 

Gregson, William, 217 

Grey, Lady de, 38

Grey, Sir Edward, 138, 258 

Griffith, Wyn, 274 

gripe: epidemia de 1918-19, 323 

Groener, general Wilhelm, 354 

Gropius, Walter, 37 

Gross, Valentine, 26, 29-30, 31, 33 

Group of Soldiers, A  (Nevinson), 278

Gruber, Max von, 402 

Grundlagen des neunzehntèn Jahr- 

 hunderts  (Chamberlain), 108 

guerra: como arte, 267-75; e arte, 

associações alemãs de, 127-28, 

159-60; espírito esportivo bri

tânico e a, 161-69 

Guerra Civil Americana, 124 

Guerra da Criméia, 124 

Guerra de trincheiras, 182-202; ali

mentação na, 193-94; avanços 

para a terra de ninguém, 185- 

86; assassinato de oficiais, 

243; ataques de gás, 193, 196, 

205, 209-14, 219, 254, 280, 299, 

303; baixas da, 136-37, 187- 

88, 197-200, 201-2, 243; barga

nhas durante a -trégua, 151-52; 

bombardeios de curto alcance 

200; brincadeiras entre as li

nhas, 143-44; camaradagem 

na, 233-34; cartas de casa, 

293; choque emocional causa

do pelas bombas na, 223-24, 

272-73; colapso das barreiras 

sociais na, 295-96; como expe

riência estética, 274-75; como 

guerra de posições, 189; companheirismo na, 294-97; con

dições climáticas e moral das 

tropas, 141-42, 191-94; condi

ções com as chuvas de inver

no de 1914, 137-47; crítica 

histórica de, 240-42; defesa 

como ataque na, 1^89-90; de

serções, 243; dessensibilização 

na, 221-25; duração do turno 

de serviço, 192; e a barragem 

de artilharia, 182-85, 189, 199-

466

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200; e a sensação de isolamen

to, 271; e a tática da Frente 

Ocidental, 145-47, 187-91; e o 

conceito de guerra total, 204- 

5; e o senso esportivo britâni

co, 161-68; enterros durante a 

trégua, 150; estabelecida pelas primeiras batalhas, 137-38 

(ver também batalhas específi

 cas);  fedor de morte na, 185, 

197-200; frio na, 192-94; hor. 

ror versus  tédio na, 200-1; 

imunização contra a brutalida

de, 201; inadequação da lin

guagem tradicional para des

crever a, 278-79; jogo de fute

bol durante a trégua, 152-53; 

lama e,. 191-94; lança-chamas 

na, 205, 214; licença passada 

em casa, 291-94; material de 

leitura recebido de casa, 292- 

94; metralhadoras na, 189-90; 

moral e motivação na, 220- 

46; morteiros empregados na, 

214; mutilação na, 198; para- 

sitos na, 195-96; peso das mo

chilas, 184-85; prioridade dos 

interesses materiais na, 224, 

232-33; privação de sono na, 

196-97; reações automáticas 

na, 221-27; reconstrução de 

trincheiras, 143; regras de’

comportamento, 221-22; rela

ções entre soldados e oficiais, 

144-45, 147, 242-43; responsa

bilidade de, atribuída aos ale

mães, 214; retratada na arte, 

277-78; saída das trincheiras, 

220, 221, 243; senso de cama

radagem na, 294-97; senso de 

dever na, 227, 228-46; sujeira 

e imundície de, 192-93, 194- 

95; tédio nas, 201-2; tiros de 

tocaia e reides noturnos na, 

142-43, 214; trabalho noturno, 

197; trégua do Natal de 1914, 

130-34, 147-54, 153-78; trocas

de rações, 144; ver também 

exército britânico; exército 

francês; exército alemão; visão 

dos artistas da, 268-69 

Guerra dos Balcãs (1913), 78 

Guerra dos Bôeres; 124 

Guerra franco-prussiana (1870-71), 71, 74, 94, 100, 106, 111, 204, 

Guerra peninsular, 161, 205 

guerra química. Ver  gás 

guerra russo-japonesa (1905), 42 

guerra submarina: na Grande

Guerra, 205, 215-18, 254 

guerra total, 204-5, 254; e a guerra 

submarina, 216-17 

Guilherme I, kaiser da Alemanha, 

87Guilherme II, kaiser da Alemanha,

 

47; abdicação de, 323; como 

marionete durante a guerra, 

254; dispensa Bismarck, 94, 

118; e o sentimento popu

lar a favor da guerra, 82, 84, 

85-86, 87, 88, 89; homossexua

lidade no séquito de, 113, 118- 

19; interesse pelas artes e 

pela dança, 118-19; personali

dade de, 118-19; xenofobia de 

109

Guffuhle, Comtesse, 38, 43 

Guinle, Alexandre, 340 

Gundolf, Friedrich, 114 

Gurkha, tropas: na Grande Guer

ra, 301

Gurney, Ivor, 370

Haber Fritzs, 209 

Hahn, Reynaldo, 46 

Haig, Marechal de campo Sir Dou

glas, 138, 214, 235, 241, 245, 

297

Halam, Henry, 101 

Halsey, Margaret, 345 

Hamilton, general Sil Ian, 303, 

359

Hanfstaengl, Ernst, 403, 410 Harden, Maximillian, 115

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Hardy, Thomas, 176 

Harich, Walter, 252 

Harnack, Adolf von, 207, 257-58, 

264

Hartlepool: bombardeio de, 207 

Harvey, John W., 192, 201, 299 

Hauptmann, Gerhart, 207, 254, 411 Haussmann, Conrad, 125 

Haussmann, Barão Georges, 68, 69, 

71

Hay, Ian, 230

hedonismo: xio-^ds-guerra, 327 

Hegel, G. W. F., 111 

Heidegger, Martin, 411, 412 

Heine, Heinrich, 67 

Heinz, Friedrich Wilhelm, 391 

Hemery, René, 304 

Hemingway, Ernest, 318, 341, 346, 

352, 360

Henderson, Nevile, 408 

Herder, Johann von, 53 

Hermann, monumento a, na flo

resta Teutoburg, 117 

Herrick, Myroq T., 317, 319, 335 

Herzl, Theodor, 20, 108 

Hesse, Hermann, 128, 332, 346 

Hesse, Rudolf, 401 

Heuss, Theodor, 125 

Himmler, Heinrich, 401 

Hindenburg, Paul von, 136, 254, 

325; presidente eleito da Ale

manha, 393, 398 

Hines, cabo interino, 165, 170 

Hirschfield, Magnus, 115, 126, 127 

história: como arte e não ciência, 

250; cultural, 12-13; e o revisionismo de  Nada de novo no 

 front,  376; e o senso de iden

tidade anglo-frances, 231; mili

tar, 12-13, 326-27; negação da, 

nos ataques civis da Grande 

Guerra, 207-8; opiniões alemãs 

sobre a, 250-51, 253; versões 

oficiais da Grande Guerra, 

326-27; versus  arte, 369, 371; 

versus  ficção, 12; versus  mito. 395

história cultural, 12-13.

história militar: 12-13; da Grande

Guerra, 326

historiadores: sobre a liderança

militar da Grande Guerra, 

240-41; versões oficiais da 

Grande Guerra, 326; versus 

artistas, 368-69

 History of Europe  (Fisher), 370 

Hitler, Adolf, 109, 373, 377, 380; 

anti-semitismo de, 389, 403-5; aparência de, e teorias raciais, 

401; capacidade de liderança 

de, 394-95; como soldado des

conhecido, 391; discurso de, 

396, 409; entusiasmo pelo cinema 406, 408; experiência 

de guerra de, 386-90; fascina

ção por carros e aviação, 407; 

 juventude de, 386-87; morte 

de, 416-17; nomeado chan

celer, 380, 393; opiniões so

bre a tecnologia, 389; opiniões 

sobre a organização social, 

389; opiniões sobre políti

ca, 389; personalidade de, 404-5; personalização da his

tória, 395; sexualidade de, 

403; simbolismo para os ale

mães, 409-10; sobre a vida 

como arte, 398; tentativas de 

assassinato contra, 398-99, 

400; vítima de gás, 390 

Hobbes, Thomas, 304 

Höchst, firma, 97 

Hoffmann, E. T. A., 53 

Hofmannsthal, Hugo von, 64. 

Hohenzollern, dinastia, 94, 250 

Holanda: relatório sobre a guerra 

química, 213

Holmes, Oliver Wendeil, 68 

holocausto, 382-83, 403 

“homens ocos, Os”   (Eliot), 323 

homossexuais, 17-19, 55-57, 73,

411; apoio à Grande Guerra, 88; emancipação dos, 13, 55,

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112, 114-15; os campos de extermínio nazistas, 383 

Hope, T. S., 243 Houghton, Alanson B., 316 Housman, A. E., 176 Huelsenbeck, Richard, 269 

Hugenberg, Alfred, 373 Hughes, coronel G. W. G., 211 Huguet, general, 375 Huizinga, Johan, 130 Hulse, Edward, 169 Hülsen-Hãeseler, Dietrich conde 

von, 118humanismo: morte do, 285 

 Humanité,  L\ 318 Humbert, general, 235 

humor negro: expressando a nova sensibilidade, 282-83 

Humperdinck, Engelbert, 207 Huot, Louis, 244 Huxley, Aldous, 332

Ibsen, Henrik, 112 idealismo alemão, 112, 248-49, 250- 

51

idealismo secular: os nazistas e o, 383

Igreja Memorial do Kaiser Guilherme, Berlim, 119 

 Illustrated London News,  46  Im Westen nichts Neues. Ver Nada 

de novo no front  imagens escatológicas: entre os sol

dados, 288-89Imperial War Museum, Londres, 

277imperialismo: britânico, 117 impotência sexual: entre soldados 

e veteranos, 273, 372 imprensa: britânica antigermânica, 

168; censura e propaganda na Grande Guerra, 298-303; desprezo dos soldados pela, 292; e o voo de Lindbergh, 310, 313, 315, 317, 319-20; e os 

valores burgueses, 239; sobre  A sagração da primavera,  31-

32; sobre a trégua de Natal de 1914, 156, 177-80; sobre os Ballets Russes no pós-guerra, 347-48; sobre temas da guerra*, 352

impressionismo, 42, 73; na músi

ca, 50indústria de alcatrão: na Alemanha e na Grã-Bretanha, 102 

indústria de corantes, 97 indústria do aço, 97 indústria do ferro, 97 industrialismo: na Alemanha, 96-98 Inglaterra. Ver   Grã-Bretanha intelectuais; e a Grande Guerra, 

267-68; apoio aos nazistas na Alemanha, 411-13

introversão: entre os soldados,273-86, 298-99 

Ionesco, Eugène, 280 Irlanda, 173; apoio alemão aos na

cionalistas, 219ironia: como expressão da nova 

sensibilidade, 280-85; senso de, na Grande Guerra, 227-28 

Isherwood, Christopher, 332, 333, 393Isherwood, Frank, 140, 233 isolamento: e a guerra de trinchei

ras, 271-72; e o sentimento de camaradagem dos soldados, 294-98

Jacobs, Monty, 362-63 Jacobsen, Freidrich, 258 Jacques-Dalcroze, Émile, 59, 77, 

409Jahn, Turnvater, 116 

 Jahrgang 1902  (Glaeser), 128 James, Henry, 164, 206, 209, 268, 

270, 300-1 Jarry, Alfred, 290 

 jazz, 342Jerome, Jerome K., 165-66, 168 

 Jeux  (Debussy/Nijinsky), 27, 28, 49, 56, 57

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Joffre. general Joseph, 189, 241, 314. 375

Johannet, René, 237 Johannsen, Christian, 58 Johst. Hanns. 413 Jones, David, 231, 270, 275 

Jones, Percy, 140, 148, 151, 169, 195, 231, 234, 274 

Jorge V, rei da Inglaterra, 46, 229, 316

 Jovem Tòrless, O  (Musil), 332 Joyce, JamesTTlT 108, 271, 290-91, 

412Judd, Samuel, 151  July 1914  (Ludwig), 128 Jung, Edgar, 412

Jünger, Ernst, 188, 192, 198, 208, 262, 292, 294, 295, 356, 391 Jutlândia: batalha da, 216, 218 

 juventude: culto da, nos anos vinte, 332; curiosidade sobre a guerra no pós-guerra, 377; movimento de emancipação da, 13-14, 55-56, 73, 112, 114-15

Kafka, Franz, 81, 322 

Kahn. Otto H., 39 Kahr, Gustav von, 412  Kangaroo  (Lawrence), 66 Kardoff, Wilhelm von, 102 Karsavina, Tamara, 45, 46, 56 Kellerman, Bernhard, 363 

 Kemmel Times,  283 Kerouac, Jack, 69 Kessler, Harry Count, 348, 382, 400 King, Mackenzie, 335 

Kipling, Rudyard, 157, 164, 270 Kirchhoff (cantor), 149 Kirchner, Ernst Ludwig, 114 Kitchenner, Horatio Herbert, 138, 

215, 230, 286, 301  kitsch:  o nazismo como, 385, 410 Klatt. Fritz, 253 Klausener, Erich, 412 Klee, Paul, 267, 332 Klemm, Wilhelm, 251 

Klimt, Gustav, 55 

Kluck. Alexander von, 135

Kochno, Boris, 19 Kraus. Karl, 417 Kreisler, Fritz, 201, 223 Krell, Max, 362 

 Krieg  (renn). 370 Kroll Opera House, Berlim, 395 

Kropp, Peter, 354 

 Kultur:  como ideal alemão, 95, 106-111, 119, 325, 262; e a Gesamtkunstwerk, 107-8; nazistas e o, 392, 413; versus  civilização anglo-francesa 

Kuznetsova (cantora), 72

La Bassée, frente de, 139 Laban, Rudolf von, 409 

Laloy, Louis, 77lança-chamas: na Grande Guerra, 205, 214-15

Landowska, Wanda, 38 Langbehn, Julius, 108, 114, 250, 

340Langemarck, Flandres: primeiro

emprego de gás em, 209-10 Larionov, Mikhail, 43, 54, 347 latrina: imagens de: entre os sol

dados, 290-91 Lawrence, D. H., 66, 68 Lawrence, T. E.. 324 Lawson, Dillon, 371 Le Bon, Gustave, 245 Le Cateau: batalha de, 137 Le Corbusier (Charles Édouard 

Jeanneret), 35Le Touquet, frente de, 145 

Leane, B. B., 178 

 Lebensreformbewegung,  112 Léger, Fernand, 342 Lei Seca, 346 

 Leibeskultur, 59. 115 Lênin, Vladimir, 219, 269 Lessing, G. E., 126 Levaillant, Maurice, 340 Lewis, Wyndham, 11b Ley, Robert, 391, 402 

liberação: como motivo, 13 

Liddell Hart, Basil, 134-35, 282

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Marx, Karl, 157 

Masefield, John, 279 

Masterman, Charles, 277 

Maud’huy, coronel, 241 

Mazenod, Pierre de, 212, 380 

McGill, Patrick, 222 

McGregor, Peter, 184, 193, 236, 271-72, 287

Meier-Graefe, Julius, 122 

 Mein Kampf^X Hitler), 390 

Meinecke, Friedrich, 81, 91-92, 125, 207, 264

 Meistersinger, Die  (Wagner), 410 

Méléra, César, 237 

Metropolitan Ópera, Nova York, 38

Metternich, Principe Klemens von, 

93, 157Mies van der Rohe, Ludwig, 37 

Milestone, Lewis, 378 

Mill, John Stuart, 157, 159, 173, 239, 256

 Minenwerfer  (Minnies), 214 

Miquel, Pierre, 209 

 Mir iskusstva. Ver Mundo da Arte 

mito: versus  história, 395; como realidade, para os nazistas, 

395-410mobilização industrial: para a

Grande Guerra, 187 

moda: nos anos vinte, 331; silhueta esbelta, 59-60, 331 

modernismo: alemão, 36-37; americano, 34146; dos anos vinte,

 

328-33; e  Nada de' novo no 

 front, 372-73; e o voo de Lindbergh, 321; e os exilados, 73; 

e os nazistas, 383-84, 398, 414; 

a experiência dos soldados e 

o, 273; na arquitetura, 35-37; ná política, 304; uso do termo, 14

momento faustiano, 126 

Montherlant,' Henry de, 73, 296, 332 

moralidade: destruição da perspec

tiva na Grande Guerra, 273- 74; e a arte, 286-91; e o ca-

ráter, 237; ver também  moralidade sexual

moralidade eduardiana: e a Grande Guerra, 171-75

 

moralidade sexual, 54-57; na Alemanha, 114-15; na arte e na

 

literatura, 115-16; repudiada entre os soldados, 288-89; ver 

 também  homossexuais 

moralidade vitoriana, 54-55, 158- 59; e a Grande Guerra, 171-75

 

Morand, Paul, 199, 412 

Morgan, Pierporit, 38 

Morley, Christopher, 363 

 Morning Post,  370 

 Morte em Veneza  (Mann), 18-20 

Mortimer, brigadeiro P., 282 Moscou: como centro modernista, 

342Mosley, Sir Oswald, 384

 

morteiros de trincheira, 215 

Mottram, R. H., 360, 370 

Mountfort, Roland D., 167, 195, 

291movimento feminista, 14, 112, 115;

apoio à Grande Guerra, 88 

movimento pangermânico, 204, 255 

movimentos de emancipação, 14; 

dos jovens, 14, 55-56, 73, 112, 

115, 116-17; feministas, 14,112, 115; homossexuais, 14, 55-56, 112, 114-15, 126

 

Mozart, Wolfgang Amadeus, 50 

Muggeridge, Malcolm, 382 

mulheres: americanas, domínio das, 

342; trabalhadoras na Alemanha, 112Munch, Eduard, 112

 

 Mundo da Arte (Mir iskusstva), 

41-43, 51, 65Munique, 105, 112;  putsch   nazista 

em, 400Munro, Colin, 152

 

Münster, conde Georg, 71 

Murry, John Middleton, 353-54 

Museu Nacional da Guerra, Londres, 277

472

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música: evoluções no século XIX, 

50; ver também composições 

específicas 

música alemã, 50 

Musil, Robert, 382 

Mussolini, Benito, 391, 400, 408, 

413Mussorgsky, Modest, 43, 72

nacionalismo: na Alemanha, 102, 

110, 248-51nacionalismo místico: na Alema

nha, 110

 Nada de novo no front  (Remar

que): acusações em, 360; co

mo  best-seller, 369; críticas a, 

259-60, 366-67, 376; como o 

grande romance da guerra, 

370; como propaganda, 366- 67; como foi escrito, 357-62; 

e o modernismo, 373; e a 

mentalidade do pós-guerra, 

359, 360, 368, 371-72, 376-77, 

377-78; e a história revisionista, 376; filme de, 357, 377-78, 

416; história da publicação de, 

362-63; imagens de defecação 

em, 290, 365; linguagem de, 366; objeções militares a, 366- 

67; proibição nazista de, 367- 

68, 378-79; publicação em fo

lhetim, 351; reação dos veteranos a, 371-72, 376-77; re

cepção e resenhas de, 363-67; 

tema da geração perdida em, 360; temas do livro, 357-60; 

traduções de, 351-52, 363, 366; 

vendas de, 351-52, 364, 369; 

verdade de, 363-67, 377-78 

Napoleão I, 74, 93, 100, 205, 250 

Napoleão III, 71, 157 

narcisismo: dos nazistas, 384-85, 

402; pós-guerra, 327; e o racismo, 402 

Nash, Paul, 191, 276 

National Gallery, Londres, 158 

Naumann, Friedrich, 73, 248 nazistas, 14; aceitação popular dos,

398-99; anti-semitismo dos, 403; arquitetura dos, 401; 

campos de extermínio, 382-83, 

404-5; celebração da morte 

pelos, 400-1; celebração das 

vitórias de 1933, 381-82; comí

cios monstros de Nuremberg, 

408-9; como culto, 395; como 

doutrina do conflito, 397; co

mo espetáculo, 395, 408-9;como movimento, 396, 400-1; 

contradições do programa político dos, 400-1; e a  avant-

 

 garde,  394-95; e a literatura 

nacionalista, 392; e as eleições 

de 1929 e 1930, 393; e o mo

dernismo, 384, 397, 414; evolução do partido, 395; ganhos 

na eleição de 1933, 380, 393; 

Lindbergh e os, 407-8; o mito 

como realidade para os, 398- 410; A Noite das Longas Fa

cas, 412; princípios dos, 394- 

98; programa de Vinte e Cinco Pontos dos, 396; proib^ão 

de  Nada de novo no  /flpf, 

367-68, 378-79; proibição e 

queima de livros, 367-68, 378- 

79, 394; propaganda feita pelos, 406; relações com a comu

nidade artística e intelectual, 

411-13; simbolismo de Hitler 

para os alemães, 410; socialis

mo dos, 391; tecnicismo dos, 384, 394, 405; tese racista dos, 

401-5 (ver também  anti-semi

tismo); uso do cinema, 406, 408-9; ver também  Hitler,

 

Adolf; visão futurista dos, 384, 411

Neuve Chapelle: batalha de, 143; frente de, 187

Nevill, capitão W. P., 166-67 

Nevinson, C. R. W., 277, 343 

Nevinson, Henry W., 343 

“New Church” Times, 283 

 New Statesman, 174  New York Times,  65

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Partido Socialdemocrata (SPD) 

(Alemanha), 89, 102-3, 125, 373; e a Grande Guerra, 254,

 

264Partido Trabalhista (Grã-Breta

nha), 325

partidos de esquerda: no pós-guerra, 325-26, 327

passaportes: introdução dos, 304 

 Pássaro de fogo, O  (Stravinsky), 

61, 347Passchendaele: batalha de, 188-89

 

Pastors, Gerhart, 251, 257 

patentes: desenvolvimento na Alemanha e na Grã-Bretanha, 101

 

 Paths of Glory, The  (Nevinson), 

277-78patriotismo: e o senso de dever,

 

231

Pattenden, soldado, 160 

 Pavilion d’Armide, Le  (balé), 44 

Pavlova, Anna, 45, 56 

Pax Britannica, 14, 114, 157 

Pedro o Grande, Czar da Russia, 

41, 42

Péladan, joséphin, 267 

 Pélleas et Melisande  (Maeterlinck), 123

penteados, estilos de, no pós-guerra, 331

Percin, general, 199 

Percy, W. R. M., 169 

Pergaud, Louis, 208 

Péronne: bombardeio de, 205 

Perret, Auguste, 34, 37 

Pétain, general Philippe, 223, 232, 

298Petipa, Marius, 58

 

Petit Palais, Paris, 35, 42 

 Petrushka  (Stravinsky), 56, 62 

 Pflicht  (dever) senso alemão de, 

228-30, 249, 251-52, 260 

Picardia,  front  de, 187 

Picasso, Pablo, 73, 112-13, 191, 212 

Piltz, Maria, 30

pintura: na França  fin de siècle, 

73; ver também movimentos 

específicos

Pirandello, Luigi, 280 

Planck, Max, 52, 101 

Poelzig, Hans, 37 

poesia: modernista, 274; sobre o 

símbolo do vôo de Lindbergh, 

339-40; versus  história, 250 

 Ponte de San Luis Rey, A  (Wilder), 368 

 Populaire,  336 

Portland, duquesa de, 38 

pós-impressionismo, 36, 112-13 

Potemkin, Grigori, 42 

Poulenc, Francis, 342 

Pound, Ezra, 158, 397, 413 

Pourtalès, conde Friedrich von, 88 

Pourtalès, condessa de, 29 

Powell, Anthony, 230 

Powell, Garfield, 223, 232, 275, 

293Priestley, J. B., 174

 

Primeira Guerra Mundial. Ver 

Grande Guerra

primitivismo: interesse alemão 

pelo, 117, 122-23 

 Principe Igor  (Borodin), 32, 44 

produção de energia elétrica, 96-97, 104

propaganda: do período da guerra 

na França, 170; e os artistas 

britânicos, 277; e os valores 

burgueses, 239-40; na Grande 

Guerra, 133-34, 207-9, 233,

268, 298-302;  Nada de novo 

 no front  denunciado como, 

366-67; nazista, 406; ver tam

 bém   imprensaprostituição: na Alemanha, 115;

na Frente Ocidental, 288 

Proust, Marcei, 38, 51, 57, 62-63, 

74, 268, 372

Prússia, 93; administração na, 99, 

104; e a unificação da Alemanha, 93, 94, 95-96, 99, 104;

 

educação na, 100-1; industria- 

lismo na, 104; ver também 

Alemanha versus  Saxônia, 170, 

177-78

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psiconeurose: entre os soldados e 

veteranos, 272, 273, 371-72; 

ver também  choque emocio

nal causado pelas bombas 

 Punch,  47, 50, 60, 152, 163 

Pushkin, Aleksander, 33

Quandt, Harald, 416 

Quinton, W. A., 133 

Quittard, Henri, 27, 28, 77

Rachmaninov, Sergei, 43 

racionalismo, 52-53; e a civilização anglo-francesa, 107, 256 

racionamento de alimentos: para a 

Grande Guerra, 187 

racismo, 401-5; na Alemanha, 109- 

10; ver também  anti-semitismo 

Radbruch, Gustav, 264 

radicais: e a Grande Guerra,

268-70; no pós-guerra, 325-26, 

327, 332

rádio: nos anos vinte, 330; usado 

pelos nazistas, 408 

 Rag-Time  (Auric), 342 

 Rag-Time  (Stravinsky), 342 

 Rainbow, The  (Lawrence), 67 

Rambert, Marie, 26, 77, 78 

Raper, coronel Henry S., 213 

Rathenau, Walther, 120, 255, 323, 

404

Ravel, Maurice, 33, 72, 342 

Raws, J. A., 197-98 

Ray, Man, 20

Read, Herbert, 177, 190, 192, 227, 

233, 238, 294, 295, 297, 363, 

370

Rebelião dos Boxers, 117 

recrutados: na Grande Guerra,235-36, 240 

Reforma, 92 

Regnier, Pierre de, 340 

Reichstag, Berlim, 395, 397 

reides aéreos: da Grande Guerra, 206, 207, 269, 274 

 Releve du matin, La  (Motherland), 332

religião; na Alemanha, 92, 95 

Remark, Peter Franz, 354 

Remarque, Erich Maria, 290, 350- 79; anos de formação de, 353- 54; carreira no pós-guerra, 

355; e a fama, 362-78; e a 

redação de  Nada de novo no 

 front,  357-62; empréstimos, 

356-57; escreve O  caminho de 

volta,  359-60; experiência de 

guerra de, 354-55; fascinação 

pela morte, 356-61; sugerido 

para o Prêmio Nobel, 363, 366 

 Rembrandt ais Ersieher  (Lang- 

behn), 108 

Renan, Ernest, 100 

Renn, Ludwig, 352, 360, 370 renovação revolucionária: a Gran

de Guerra e a, 269-70; ver 

 também  radicais 

Revolução de 1848, 69 

Revolução Francesa de 1789, 68 

Revolução Russa de 1905, 42, 66 

Revolução Russa de 1917, 69, 219, 227-28, *324, 411 

 Revue des deux mondes,  219 

 Revue Nègre, La,  347  Rhapsodie nègre  (Poulenc), 342 

Rhodes, Cecil, 164 

Richepin, Jean, 61 

Richter, Hans, 269 

Rickert, Heinrich, 110 

Ricketts, Charles, 48 

Riebensahm, Gustav, 132, 141, 150, 167

Riefenstahl, Leni, 405 

Riezler, Kurt, 84, 91 Rilke, Rainer Maria, 249, 270 

Rrmsky-Korsakov, Nicholai, 43, 46 

Rimsky-Korsakov, Vladimir, 43 

Rivière, Jacques, 51, 75, 77, 225 

Roberts, Róbert, 173 

Robertson, general Sil William, 215 

Rocheblave, Samuel, 72 

Rodin, Auguste, 47 

Roerich, Nicholas, 43, 45, 63, 77 

Rolland, Romain, 253 

romantismo, 53

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Sikh, tropas na Grande Guerra, 

302

Silésia, 99, 104 

 sílfides, As   (balé), 32 Sitwell, Sacheverell, 347 

Smiles, Samuel, 171-72, 228 

So ziehen wir aus zur Hermanns schlacht  (Strobl), 117 socialismo: entre os soldados, 272; 

na Alemanha, 102-3, 112 (ver 

 também   nazistas)

Sociedade da Cruz Vermelha Britânica, 220

Sociedade do Livro (Grã-Breta

nha), 351

Sociedades de ginástica: na Alemanha, 116 

Société Musicale, 38 Soissons: bombardeio de, 205 

Soldado desconhecido: celebração do, 327, 334

Somme: batalha do, 138, 182, 188, 

190, 200, 215, 261, 283;  front 

do, 153-54, 168, 191-92, 193- 

94, 222, 233, 245-46, 270-71, 279, 293-94 

Somme Times, 283-84 

Sommer, Albert, 146-47 

Somov, Konstantin, 66 

Sorley, Charles, 85, 142, 177, 179 

Soschka, Cyril, 232  sozialen Volkstaat, 248 Spanish Farm  (Mottram), 370 

Speer, Albert, 386, 405, 409, 413 

Spender, Stephen, 327 Spessivtseva, Olga, 347 

Sport im Bild , 355-56 

Squire, J. C., 367 

Stäel, Madame de, 100 

Stechlin, Der  (Fontane), 101 

Stein, Gertrude, 28, 31, 32 

Steinthal, Hugo, 222 

Stillman, James, 30 

Stirner, Max, 66 

Stokes, Richard, 233, 280 

Strachey, Lytton, 57 

Strasser, Gregor, 391, 412

Strauss, Richard, 55, 64, 72, 115- 

16, 118, 411, 412Stravinsky, Igor, 73, 191, 342,

347;  A sagração da primave

 ra,  12, 13, 25-26, 29, 32, 34, 

61-65, 274, 347; e o balé como 

forma de arte, 43-44; sobre a 

cultura alemã, 118-19 Streicher, Julius, 402 

Stresemann, Gustav, 373 Strindberg, August, 112 

Strobl, Karl Hans, 117 Suábia, 92

Suave é a noite  (Fitzgerald), 246 submarinos, 215-18 

Subterrâneos do Vaticano, Os  (Gide), 53

Sudermann, Hermann, 207 

Sunday Chronicle  (Londres), 363 

surrealismo, 328: e a Frente Ocidental, 191

Sybel, Heinrich von, 250 Syberberg, Hans-Jurgen, 410 

Symons, Arthur, 108 Szôgyény-Marich, conde Laszlo, 84

Tägliche Rundschau,  83 

Taine, Hippolyte, 74 

tango, 61

tanques: na Grazie Guerra, 215-16 

Tatham, F. H. W197-98  

Tchaikowsky, Piotr, 55 

Technik. Ver  tecnologia 

tecnologia: avanços pós-industriais 

da, alemã, 96-98; como inspiração artística, 53-54; e a 

perspectiva nazista, 383-84, 

393-94, 405-7; educação em, 

100-1; fascinação alemã pela, 99-105

Temps, Le,  370 

Tennyson, Alfred Lord, 96 

Terceiro Reich. Ver  nazistas 

terra de ninguém, 184-85, 189-91, 271

Testemunhas-de-jeová: nos campos de extermínio nazistas, 383

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371; reação a  Nada de novo 

 no front,  372-74, 376 

Vidrac, Charles, 224 

Viena, 105

Viena, Congresso de, 93 

Vie parisienne, 293 

Vieux Volontaires de la Grande 

Guerre, 334

violência: do culto nazista, 399« 

400; e a sexualidade, 116 

Villet-le-Duc, Eugène, 68 

“Vital Lâmpada” (Newbolt), 163 

Vítima, A. Ver sagração da prima

vera, A

Vladimir, grão-duque, 43 

Voivenel, Paul, 245 

Voltaire, 99Vassische Zeitung  (Berlim), 84; 

publica  Nada de novo no front 

em folhetim, 351, 362-63 

Vring, Georg von der, 356 

Vrubel, Mikahil, 42

Werkbund, 37 

Wesley, John, 173 

Wessel, Horst, 400 

Wharton, Edith, 300 

What Price Glory?  (filme), 352 

Wheen, A. W., 365 

Whistler, James A. M., 158 Whitby: bombardeio de, 205-6 

Wilde, Oscar, 20, 52, 55, 126, 174 

Wilder, Thornton, 368 

Wilson, arquidiácono, 173 

Wilson, general-de-divisão Henry, 137

Wilson, Sir Horace, 408 

Wilson, Woodrow, 303, 323, 325 

Wind in the Willows, The  (Gra- 

hame), 176Windelband, Wilhelm, 110 

Winnington-Ingram, Reverendíssi

mo A. F., 302-3 

Wipers Times,  283, 284 

Witkop, Philipp, 257, 393 

Wolfe, Tom, 21