Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por...

13
Revista Brasileira de Ensino de F´ ısica, v. 29, n. 2, p. 175-187, (2007) www.sbfisica.org.br Modelo de quarks e sistemas multiquarks (Quark model and multiquarks systems) Cristiane Oldoni da Silva 1 e Paulo Laerte Natti 2 1 Departamento de F´ ısica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil 2 Departamento de Matem´atica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil Recebido em 20/7/206; Revisado em 17/10/2006; Aceito em 23/10/2006 A descoberta de muitas part´ ıculas, especialmente nos anos 50, com o surgimento de novos aceleradores, causou a busca por um modelo que descrevesse de forma simplificada o conjunto de part´ ıculas conhecidas. O modelo de quarks, baseado nas estruturas matem´aticas da teoria de grupos, forneceu no in´ ıcio dos anos 60 uma descri¸c˜ ao simplificada da mat´ eria hadrˆonica conhecida, propondo que trˆ es part´ ıculas, chamadas quarks, dariam origem a todos os h´adrons observados. Este modelo foi capaz de prever a existˆ encia de part´ ıculas posteriormente detectadas, confirmando sua consistˆ encia. Extens˜oes do modelo de quarks foram implementadas no in´ ıcio dos anos 70 com o objetivo de descrever part´ ıculas observadas que eram estados excitados das part´ ıculas funda- mentais e outras que apresentavam novos n´ umeros quˆanticos (sabores). Recentemente, estados ex´oticos do tipo tetraquarks e pentaquarks, chamados tamb´ em de sistemas multiquarks, j´a previstos pelo modelo de quarks, fo- ram observados, o que renovou o interesse na forma como os quarks est˜ao confinados dentro dos h´adrons. Neste artigo apresentamos uma revis˜ao do modelo de quarks e uma discuss˜ao sobre estes novos estados ex´oticos. Palavras-chave: modelo de quarks, multiquarks, confinamento. The discovery of many particles, especially in the 50’s, when new accelerators appeared, motivated the sear- ching for a model that would describe in a simple form the whole of known particles. The quark model, based in the mathematical structure of group theory, provided in the beginning of the 60’s a simplified description of hadronic matter already known, proposing that three particles, called quarks, would originate all the observed hadrons. This model was able to preview the existence of particles that were later detected, confirming its con- sistency. Extensions of the quark model were made in the beginning of the 70’s, focusing in describing observed particles that were excited states of the fundamental particles and others that presented new quantum numbers (flavors). Recently, exotic states like tetraquarks and pentaquarks, also called multiquarks systems, predicted by the model, were observed, what renewed the interest in the way how quarks are confined inside the hadrons. In this article we present a review of the quark model and a discussion on the new exotic states. Keywords: quark model, multiquarks, confinement. 1. Introdu¸c˜ ao Desde a antiguidade, os fil´osofos j´a se preocupavam em encontrar os elementos b´asicos respons´aveis pela cons- titui¸c˜ ao da mat´ eria. Os fil´osofos gregos pr´ e-socr´aticos imaginavam que os diversos materiais do mundo fossem formados pelos quatro elementos fogo, ´agua, terra e ar, como pensava Emp´ edocles (494-434 a.C.), ou mesmo que um ´ unico elemento b´ asico, por exemplo, a ´agua, pudesse se transformar em qualquer coisa, conforme imaginava Tales de Mileto (624-548 a.C.). Dem´ocrito (460-370 a.C.) formulou a id´ eia de que todos os corpos s˜ao formados por pequenas unidades fundamentais, `as quais ele atribuiu o nome de ´atomos. Em 1808, John Dalton (1766-1844) propˆos um mo- delo atˆomico, no qual as diversas substˆancias eram com- bina¸c˜ oes de ´atomos de hidrogˆ enio, carbono, ferro etc., explicando a essˆ encia de toda a mat´ eria encontrada na natureza. Em 1869, Dimitri Mendeleev (1834-1907) classifi- cou os elementos qu´ ımicos conhecidos, de acordo com as suas propriedades, em uma tabela, indicando que os ´atomos eram compostos por “blocos de constru¸c˜ ao” ainda menores, e que esses blocos em diferentes com- bina¸c˜ oes determinavam as propriedades dos elementos qu´ ımicos. Devido `a periodicidade das propriedades, ele foi capaz de prever a existˆ encia de elementos ainda des- conhecidos, que vieram a ser descobertos algum tempo depois. John Joseph Thomson (1856-1940), realizando ex- periˆ encias com tubos de raios cat´odicos, mostrou em 2 E-mail: [email protected]. Copyright by the Sociedade Brasileira de F´ ısica. Printed in Brazil.

Transcript of Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por...

Page 1: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Revista Brasileira de Ensino de Fısica, v. 29, n. 2, p. 175-187, (2007)www.sbfisica.org.br

Modelo de quarks e sistemas multiquarks(Quark model and multiquarks systems)

Cristiane Oldoni da Silva1 e Paulo Laerte Natti2

1Departamento de Fısica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil2Departamento de Matematica, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

Recebido em 20/7/206; Revisado em 17/10/2006; Aceito em 23/10/2006

A descoberta de muitas partıculas, especialmente nos anos 50, com o surgimento de novos aceleradores,causou a busca por um modelo que descrevesse de forma simplificada o conjunto de partıculas conhecidas. Omodelo de quarks, baseado nas estruturas matematicas da teoria de grupos, forneceu no inıcio dos anos 60 umadescricao simplificada da materia hadronica conhecida, propondo que tres partıculas, chamadas quarks, dariamorigem a todos os hadrons observados. Este modelo foi capaz de prever a existencia de partıculas posteriormentedetectadas, confirmando sua consistencia. Extensoes do modelo de quarks foram implementadas no inıcio dosanos 70 com o objetivo de descrever partıculas observadas que eram estados excitados das partıculas funda-mentais e outras que apresentavam novos numeros quanticos (sabores). Recentemente, estados exoticos do tipotetraquarks e pentaquarks, chamados tambem de sistemas multiquarks, ja previstos pelo modelo de quarks, fo-ram observados, o que renovou o interesse na forma como os quarks estao confinados dentro dos hadrons. Nesteartigo apresentamos uma revisao do modelo de quarks e uma discussao sobre estes novos estados exoticos.Palavras-chave: modelo de quarks, multiquarks, confinamento.

The discovery of many particles, especially in the 50’s, when new accelerators appeared, motivated the sear-ching for a model that would describe in a simple form the whole of known particles. The quark model, basedin the mathematical structure of group theory, provided in the beginning of the 60’s a simplified description ofhadronic matter already known, proposing that three particles, called quarks, would originate all the observedhadrons. This model was able to preview the existence of particles that were later detected, confirming its con-sistency. Extensions of the quark model were made in the beginning of the 70’s, focusing in describing observedparticles that were excited states of the fundamental particles and others that presented new quantum numbers(flavors). Recently, exotic states like tetraquarks and pentaquarks, also called multiquarks systems, predictedby the model, were observed, what renewed the interest in the way how quarks are confined inside the hadrons.In this article we present a review of the quark model and a discussion on the new exotic states.Keywords: quark model, multiquarks, confinement.

1. Introducao

Desde a antiguidade, os filosofos ja se preocupavam emencontrar os elementos basicos responsaveis pela cons-tituicao da materia. Os filosofos gregos pre-socraticosimaginavam que os diversos materiais do mundo fossemformados pelos quatro elementos fogo, agua, terra e ar,como pensava Empedocles (494-434 a.C.), ou mesmoque um unico elemento basico, por exemplo, a agua,pudesse se transformar em qualquer coisa, conformeimaginava Tales de Mileto (624-548 a.C.). Democrito(460-370 a.C.) formulou a ideia de que todos os corpossao formados por pequenas unidades fundamentais, asquais ele atribuiu o nome de atomos.

Em 1808, John Dalton (1766-1844) propos um mo-delo atomico, no qual as diversas substancias eram com-

binacoes de atomos de hidrogenio, carbono, ferro etc.,explicando a essencia de toda a materia encontrada nanatureza.

Em 1869, Dimitri Mendeleev (1834-1907) classifi-cou os elementos quımicos conhecidos, de acordo comas suas propriedades, em uma tabela, indicando queos atomos eram compostos por “blocos de construcao”ainda menores, e que esses blocos em diferentes com-binacoes determinavam as propriedades dos elementosquımicos. Devido a periodicidade das propriedades, elefoi capaz de prever a existencia de elementos ainda des-conhecidos, que vieram a ser descobertos algum tempodepois.

John Joseph Thomson (1856-1940), realizando ex-periencias com tubos de raios catodicos, mostrou em

2E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fısica. Printed in Brazil.

Page 2: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

176 Silva e Natti

1897 que o feixe de raios catodicos era composto departıculas com carga eletrica negativa, determinandoa velocidade e a razao carga-massa destes corpusculos,posteriormente chamados de eletrons. Em 1898 proposum modelo, que ficou conhecido como “pudim de pas-sas”, onde os atomos nao seriam mais indivisıveis, masformados por uma “pasta” de carga positiva com cargasnegativas (passas) homogeneamente distribuıdas nela.

Em 1886, Eugene Goldstein (1850-1930), tambemrealizando pesquisas com tubos de raios catodicos, mascom catodos perfurados, observou feixes luminosos nosentido oposto ao dos raios catodicos, os quais foramchamados de raios canais. Posteriormente, verificou-seque os raios canais eram compostos por partıculas po-sitivas, as quais foi dado o nome de proton em 1904.Desta forma o modelo de Thomson se tornou incom-pleto, pois nao levava em consideracao a existencia dosprotons.

Ernest Rutherford (1871-1937), em 1911, utilizandopartıculas alfa, mostrou que o nucleo atomico deveriaser extremamente denso e formado por cargas positivas,protons, enquanto os eletrons estariam distribuıdos aoredor do nucleo, o que faria com que os atomos tivessemgrandes espacos vazios.

Para que houvesse avanco na compreensao dos mo-delos atomicos, foram essenciais a descoberta e uti-lizacao dos raios-X, e das radiacoes alfa, beta e gama.Experiencias realizadas por James Chadwick (1891-1974) em 1932, envolvendo partıculas alfa, indicarammais um componente da famılia atomica: o neutron.Assim, todos os elementos quımicos presentes na tabelaperiodica passaram a ser entendidos como combinacoesde somente tres partıculas diferentes: protons, neutronse eletrons. Com o aperfeicoamento da camara de nu-vens, criada por Charles Thomson Rees Wilson (1869-1959) em 1911, foram observadas novas partıculas, opositron, por exemplo, em 1931, que e a antipartıculado eletron. Outras partıculas foram sendo detecta-das, dentre elas a partıcula de Hideki Yukawa (1907-1981), chamada de pıon, em 1947, atraves de estudosde chuveiros atmosfericos gerados por raios cosmicos.Entre 1950 e 1960 surgiram aceleradores de partıculasque permitiram que reacoes muito mais energeticas fos-sem realizadas. Uma nova propriedade das partıculasfoi descoberta, a estranheza, que e uma caracterısticaintrınseca da partıcula, como a sua massa e sua cargaeletrica, por exemplo. Desta forma a lista de partıculasconhecidas cresceu substancialmente. Com a desco-berta de mais partıculas, comecou a ficar claro que exis-tia uma nova ordem em meio a abundancia de partıculasobservadas.

No final dos anos cinquenta buscava-se uma sime-tria, como as periodicidades identificadas por Mende-leev, que ordenasse o conjunto de partıculas conheci-das, [1]. O modelo de Sakata (1956), baseado na estru-tura matematica do grupo SU(3), ao estender a ideiade Fermi e Yang, considerando o proton, o neutron

e tambem a partıcula estranha Λ como as partıculasfundamentais, foi um primeiro passo que permitiu umadescricao simplificada da materia hadronica. Em 1961,Gell-Mann e Ne’eman, independentemente, observaramque os 8 barions conhecidos, o proton e o neutron entreeles, com spin igual a 1/2, apresentavam um padraoquando esquematizada a estranheza destes em funcaode suas cargas. Os mesons com spin 0 tambem apre-sentavam este padrao, ou seja, a formacao de octetosde partıculas. Esta classificacao dos barions e mesonsem octetos ficou conhecida como Caminho Octuplo ouCaminho do Octeto. Em 1964, Gell-Mann e Zweig,independentemente, propuseram um modelo onde trespartıculas, com numero barionico e carga fracionarios,chamadas quarks, dariam origem a todos os hadronsobservados, o chamado modelo de quarks, explicandoinclusive o padrao dos octetos . A descoberta, aindaem 1964, da partıcula Ω− formada de tres quarks es-tranhos, a qual em 1962 havia sido prevista por Gell-Mann, confirmou a consistencia do modelo de 3 quarks.Atualmente ja foram detectados seis tipos diferentesde quarks e para cada um deles sua respectiva anti-partıcula, [2].

A partir dos anos 70, como previsto pelo modelo dequarks, comecaram a ser observados estados hadronicosexcitados em momento angular, excitacao radial e ou-tras excitacoes, semelhantes as excitacoes anterior-mente observadas nos nucleos atomicos, das partıculasque preenchiam as configuracoes mais baixas previstaspelo modelo de quarks, Ref. [3], o que elevou drama-ticamente o numero de hadrons observados. Enfim, apartir de 2002, estados hadronicos exoticos formadospor quatro quarks, chamados tetraquarks, e por cincoquarks, chamados pentaquarks, foram observados, [4].

Neste artigo vamos revisitar o modelo de quarks ediscutir os novos modelos para a forca entre os quarks.Na secao 2 apresentamos, de forma breve, o modelo.Nas secoes 3, 4 e 5 desenvolvemos uma descricao daspropriedades das partıculas atraves da simetria dos gru-pos SU(N). Na secao 6, o modelo de quarks e estendidopara descrever excitacoes observadas dos estados fun-damentais das partıculas. Finalmente, na secao 7 dis-cutimos as recentes observacoes de partıculas exoticas,tambem chamadas de sistemas multiquarks.

2. Modelo de quarks

Os hadrons, palavra de origem grega que significa pe-sado, sao todas as partıculas formadas por quarks. Ainteracao responsavel por manter os quarks unidos nonucleo atomico e a interacao forte, assim como a in-teracao eletromagnetica mantem protons e eletrons uni-dos formando atomos. Note que na escala do nucleoatomico, a interacao forte e mais intensa que a in-teracao eletromagnetica. Experimentalmente, verifica-se que os quarks nao se manifestam em estados livres,[5]. Acredita-se que os quarks tenham massas de re-

Page 3: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 177

pouso extremamente elevadas e se liguem para formarhadrons com energias de ligacao igualmente elevadas,de modo que somente em situacoes (colisoes) extrema-mente energeticas eles se manifestem como partıculaslivres em pequenas distancias. Este fenomeno e conhe-cido como confinamento dos quarks e esta relacionadoa um numero quantico, como a carga eletrica, chamadocarga de cor, Refs. [6, 7]. Neste modelo, as cores nasquais os quarks poderiam existir sao, por convencao,vermelho (R-red), azul (B-blue) e amarelo (Y -yellow)e as respectivas anticores. No entanto, ainda de acordocom o modelo, somente estados, hadrons, sem cor po-dem ser observados. Para que isto ocorra, somente epossıvel formar partıculas com tres quarks (qqq), umde cada cor, denominadas barions, ou partıculas comum quark e um antiquark (qq), com uma cor e suaanticor, denominadas mesons. Esta teoria para a in-teracao dos quarks, chamada cromodinamica quantica,Refs. [6, 7], ou simplesmente QCD, foi verificada ex-perimentalmente a partir de 1968, no Acelerador Li-near de Stanford, California, SLAC, quando foram rea-lizadas medicoes do espalhamento de eletrons altamenteenergeticos de 20 GeV sobre protons, para grande mo-mentos transferidos. Os resultados, indiretamente, con-firmaram a existencia dos quarks, pois indicaram co-lisoes com partıculas pontuais de cargas + (2/3) e e− (1/3) e, onde e e a carga fundamental, mostrando queo proton nao e fundamental, mas sim formado por trespartıculas, como previsto no modelo dos quarks. Pos-teriormente, medidas no SLAC em 1972, da secao dechoque do espalhamento e+e− → q q, proporcional aonumero de cores, indicaram resultados compatıveis coma existencia de tres cores, confirmando as predicoes daQCD.

Existem muitas analogias entre a eletrodinamicaquantica, Refs. [6-8], ou simplesmente QED, e a cromo-dinamica quantica. Na QED temos a carga eletrica (po-sitiva/negativa), enquanto na QCD temos as tres car-gas de cor (cor/anticor). Na QED o foton e responsavelpela interacao eletromagnetica entre partıculas carrega-das, enquanto na QCD oito gluons sao responsaveis pelainteracao forte entre os quarks carregados de cor. NaQCD cores iguais se repelem, enquanto cores diferentesse atraem. Enfim, a grande diferenca entre estas teo-rias e que os oito gluons carregam cor, enquanto o fotonnao tem carga eletrica, isto faz com que os gluons in-terajam fortemente entre si. Esta ultima caracterısticada QCD gera uma lei de Gauss para a interacao fortemuito diferente da lei de Gauss eletrica, consequente-mente o comportamento da forca forte com a distanciatorna-se tambem muito diferente daquele apresentadopela forca eletrica.

Os quarks, assim como os eletrons, possuem um spinintrınseco igual a 1/2 e, por convencao, paridade posi-tiva. Os barions, estados de tres quarks, podem ter spintotal (S = S1 + S2 + S3) igual a S = 1/2 ou S = 3/2, ouseja, spins semi-inteiros, sendo, portanto, classificados

como fermions (partıculas que obedecem a estatısticade Fermi-Dirac e ao Princıpio de Exclusao de Pauli).Por outro lado, os mesons, estados de dois quarks, po-dem ter spin total (S = S1+S2) igual a S = 0 ou S = 1,sendo classificados como bosons (partıculas que obede-cem a estatıstica de Bose-Einstein), [9-10]. Os quarkssao fermions e, portanto, quarks identicos nao podemse combinar para formar barions (segundo o princıpiode exclusao), a menos que exista outro numero quanticoque os diferencie. Esse numero e justamente a carga decor.

Ate o momento ja foram observados seis tipos dequarks, tambem chamados sabores, que sao o quark u(up), o quark d (down), o quark s (strange), o quark c(charm), o quark b (bottom) e o quark t (top), [5]. Porsimetrias, como o numero de leptons tambem e seis,ou seja, eletron e neutrino eletronico, muon e neutrinomuonico, tau e neutrino tauonico, Ref. [6], e porquetanto os quarks como os leptons agrupam-se em famıliasde dois elementos, acredita-se que o numero de sabo-res (tipos) de quarks existentes deva ser par e nao haevidencias para que existam outros sabores de quarks,[5, 6].

Os quarks constituintes dos protons e neutrons sao,respectivamente, u + u + d e u + d + d. Como existediferenca de carga eletrica entre protons e neutrons,admite-se que o quark u tenha carga fracionaria +2/3e,enquanto o quark d tenha carga −1/3e, onde e e a cargafundamental. Desta forma, a carga do proton e +1 edo neutron e 0. Por outro lado, os quarks constitu-intes dos mesons π+ e π− sao u + d e u + d, respec-tivamente. Observe que os mesons π+ e π− tem seusquarks e antiquarks trocados, de modo que o meson π−

e antipartıcula do meson π+e vice-versa. Na proximasecao, considerando apenas dois sabores de quarks, ouseja, os quarks u e d, identificaremos as partıculas fun-damentais, barions e mesons, que sao estados ligadosdestes quarks.

3. SU(2): partıculas com dois saboresde quarks

O conceito de simetria e fundamental em fısica teoricae a linguagem matematica natural para descrever sime-trias (periodicidades) e a teoria de grupos, Ref. [11],que foi utilizada no desenvolvimento do modelo dequarks, em especial o SU(N), responsavel por gerar ospadroes observados nas tabelas de partıculas.

Protons e neutrons sao partıculas muito pareci-das, com massas muito proximas, diferindo por suascargas eletricas, de modo que elas foram interpreta-das como manifestacoes de uma mesma partıcula, cha-mada nucleon, situacao analoga aos dois estados de umeletron (spin para baixo e spin para cima). A interacaoeletromagnetica seria responsavel pela quebra de sime-tria do nucleon, e, portanto, pela diferenca de massaentre protons e neutrons. A estrutura matematica

Page 4: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

178 Silva e Natti

usada para discutir a similaridade entre neutrons eprotons, chamada isospin, e uma copia do formalismoutilizado para descrever os estados de spin do eletron,ou seja, o grupo SU(2). Os geradores de SU(2), ouseja, as matrizes que geram as transformacoes do grupoSU(2), sao as matrizes de Pauli, Refs. [10-12]

σ1 =(

0 11 0

)σ2 =

(0 −ii 0

)

σ3 =(

1 00 −1

), (1)

que formam uma base, de modo que qualquer matrizunitaria, 2× 2, com determinante +1, pode ser escritacomo uma combinacao linear de σ1, σ2, σ3 e da matrizidentidade.

Consideremos a interacao de dois nucleons (protonse/ou neutrons) de isospin I = 1/2. Como as projecoessao I3 = ±1/2, temos estados nucleon-nucleon, Refs.[6-12], com isospin total I = 1 ou I = 0, ou seja,Tripleto de estados com I = 1

|I = 1, I3 = 1〉 = |1/2, 1/2〉 ⊗ |1/2, 1/2〉 = |p〉 |p〉|I = 1, I3 = 0〉 =

√1/2 (|p〉 |n〉+ |n〉 |p〉) (2)

|I = 1, I3 = −1〉 = |1/2,−1/2〉 ⊗ |1/2,−1/2〉 = |n〉 |n〉Singleto de estados com I = 0

|I = 0, I3 = 0〉 =√

1/2 (|p〉 |n〉 − |n〉 |p〉) . (3)

Na realidade, a simetria entre protons e neutronse devida a semelhanca de massas dos quarks u e d,mu ≈ md ≈ 350 MeV. Portanto, a simetria de isospine uma simetria entre os quarks u e d, e nao entre osnucleons.

Por convencao, o quark u = |1/2, +1/2〉 e representadopor um estado de isospin I = 1/2 e projecao I3 = +1/2,enquanto o quark d = |1/2,−1/2〉 e representado porum estado de isospin I = 1/2 e projecao I3 = −1/2.Da mesma forma como foi exposto anteriormente paranucleons, utilizando a notacao |I, I3〉, onde I e o iso-spin total e I3 e a projecao do isospin total, analisemosa interacao entre quarks u e d, formando estados comisospin total I = 1 ou I = 0,Tripleto de estados com I = 1

|1, 1〉 = uu

|1, 0〉 =√

1/2(ud + du) (4)

|1,−1〉 = dd;

Singleto de estados com I = 0

|0, 0〉 =√

1/2(ud− du), (5)

onde a seguinte notacao foi utilizada |1, 1〉 = |1/2, 1/2〉 ⊗|1/2, 1/2〉 = |u〉 ⊗ |u〉 = |u〉 |u〉 = uu. Podemos represen-tar simbolicamente esta interacao por

12 ⊗ 1

2 = 1S ⊕ 0A, (6)

onde os ındices S e A denotam estados simetricos e anti-simetricos por troca de partıculas, respectivamente. Al-ternativamente, atraves da notacao (2S + 1), temos

2⊗ 2 = 3⊕ 1, (7)

ou seja, dois tipos de quarks combinados com dois ti-pos de quarks geram um tripleto de estados simetricose um estado singleto anti-simetrico, [13]. Note que osestados formados por dois quarks, nas Eqs. (4) e (5),sao coloridos, pois, de acordo com a QCD, somenteestados formados por tres quarks (qqq), um de cadacor, denominados barions, ou estados formados por umquark e um antiquark (qq), com uma cor e sua anti-cor, denominados mesons, sao estados sem cor. Ainda,de acordo com a QCD, estados coloridos nao sao esta-dos observaveis, pois nao ha partıculas fısicas que pos-sam ser associadas a estes estados com carga e numerobarionico semi-inteiros.

Para formar partıculas observadas com tres quarks,um de cada cor, como os barions, e necessario combinaros estados de dois quarks dados nas Eqs. (4) e (5) comum terceiro quark. Como tınhamos quatro estados evamos combinar cada um deles com um quark u ou umquark d, obteremos oito possıveis estados. A construcaodetalhada destes estados pode ser encontrada nas Refs.[6, 13, 14]. Convidamos o leitor a construir estes 8 esta-dos quanticos a partir dos estados quanticos de 2 quarksdados nas Eqs. (4) e (5). Para dois quarks tınhamos oisospin total I = 1 ou I = 0. Adicionando uma terceirapartıcula para os estados simetricos (I = 1), teremosestados com isospin total I = 3/2 ou I = 1/2. Para oestado anti-simetrico (I = 0) a adicao de uma terceirapartıcula fornecera apenas estados I = 1/2. Os oitoestados estao listados na Tabela 1 por suas projecoes deisospin, onde utilizamos a notacao qqq = |q〉⊗ |q〉⊗ |q〉,por simplicidade.

c

Tabela 1 - Estados ligados de tres quarks para dois sabores de quarks, [6].

I3 = 3/2 I I3 = 1/2 I3 = −1/2 I3 = −3/2

uuu = ∆++

1√3(uud + udu + duu) = ∆+ I 1√

3(ddu + dud + udd) = ∆0

ddd = ∆−1√6

[(ud + du)u− 2uud] = pS I − 1√6

[(ud + du)d− 2ddu] = nS

1√2(ud− du)u = pA

1√2(ud− du)d = nA I

Page 5: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 179

Escrevendo na forma simbolica, como fizemos paraduas partıculas [13]

(12 ⊗ 1

2

)⊗ 12 =

(1⊗ 1

2

)⊕ (0⊗ 1

2

)=

(32S⊕ 1

2SM

)⊕ 12AM

ou

(2⊗ 2)⊗ 2 = (3⊗ 2)⊕ (1⊗ 2) = (4⊕ 2)⊕ 2, (8)

identificamos quatro estados simetricos (S) de isospin3/2 (primeira linha da Tabela 1), dois estados simetricosmisturados (SM , simetricos com relacao a troca dosdois primeiros quarks) de isospin 1/2 (segunda linhada Tabela 1) e dois estados anti-simetricos misturados(AM) de isospin 1/2 (terceira linha da Tabela 1).

A partıcula ∆++, le-se delta mais mais, da Tabela1 e chamada de ressonancia ∆++, Ref. [14]. Ela foia primeira ressonancia observada, por Fermi em 1952,ao medir um pico na secao de choque do espalhamentopıon-proton com meia-vida de τ ≈ 10−23 s. Meias-vidas desta magnitude sao caracterısticas de reacoesenvolvendo a interacao forte. Ressonancias sao esta-dos gerados, via interacao forte, com spin, paridade,carga, massa, etc., bem definidas e que sao entendidascomo partıculas elementares. Em termos dos consti-tuintes quarkionicos, a reacao que gera a ressonancia∆++ pode ser representada por

p + π+ → ∆++ + π0 → p + π+

uud + du → uuu + uu → uud + du.

Note que, neste espalhamento, um par de quarksdd e aniquilado e um par uu e criado num primeiromomento para gerar a ressonancia ∆++ e, em seguida,temos um processo inverso que restaura as partıculasiniciais. Outros processos podem ocorrer, como, porexemplo

p + π+ → Σ+ + K+ → p + π+

uud + du → uus + su → uud + du.

Nesta ultima interacao, a ressonancia Σ+, le-se sig-ma mais, e o meson K+, le-se kaon mais, sao geradosdevido a criacao de um par de quarks estranhos ss.

Enfim, as partıculas (estados) designadas por pS ,pA, nS e nA, na Tabela 1, sao os estados fundamen-tais e excitados de protons e neutrons, respectivamente,por troca de quarks. Em analogia com estados des-critos por suas projecoes de spin, estes estados seriamestados emparelhados e desemparelhados, respectiva-mente. Enfim, para que as funcoes de onda totais des-tas partıculas fermionicas sejam anti-simetricas, deve-mos lembrar que os quarks possuem tambem o numeroquantico de cor, que assume os tres possıveis valores R,B, e Y , de modo que a funcao de onda de cor pode sersimetrica ou anti-simetrica por troca destes numerosquanticos. Por exemplo, para barions (tres quarks),uma funcao de onda de cor anti-simetrica, Ref. [6], edada por

(qqq)Singleto de Cor =√

16 (RY B −RBY +

BRY −BY R + Y BR− Y RB) .

Na proxima secao iremos estender este formalismoao estudo de estados ligados de quarks, barions emesons, quando sao considerados tres possıveis sabo-res para os mesmos.

4. SU(3): partıculas com tres saboresde quarks

Com a descoberta de novas partıculas no final dosanos cinquenta, percebeu-se que algumas partıculasmuito massicas, que deveriam decair rapidamente, naodecaıam. Essa manifestacao de estabilidade foi inter-pretada, naquele perıodo, como devida a um novo tipode quark, chamado quark s, com um novo numeroquantico que devia ser conservado nas reacoes, chamadoestranheza, Refs. [1, 14], e denotado por E. Normal-mente a estranheza de uma partıcula e denotada porS, o que pode ser confundido com o seu estado de spin,tambem denotado por S, e, portanto, neste texto, deno-taremos o estado de estranheza de uma dada partıculapor E. O novo numero quantico tambem pode ser re-presentado pela hipercarga, Refs. [1, 14], Y = B + E,conforme a Fig. 1, onde B e o numero barionico. Comosao necessarios tres quarks para formar um barion, cadaquark tem numero barionico 1/3, enquanto antiquarkstem numero barionico −1/3. Note tambem que a cargados quarks u, d e s, dada por Qe, onde e e a cargafundamental e Q = I3 + Y/2, pode ser dada em ter-mos da hipercarga e da projecao de isospin do quarkconsiderado.

Os numeros quanticos dos quarks u, d e s sao dadosna Tabela 2. Observe que os estados dos quarks cita-dos na Fig. 1 e na Tabela 2 podem ser caracterizadospor dois numeros quanticos, a projecao de isospin I3

e a estranheza E. A carga e a hipercarga sao dadasem termos destes numeros quanticos. Neste sentido, acarga eletrica de um quark e uma manifestacao de seusestados de isospin e estranheza, lembrando que todosos quarks tem numero barionico B = 1/3.

Y

2/3

- ½ ½

- 2/3

I3 I3

Y

2/3

- ½ ½

- 2/3 s

d u

u d

s

Figura 1 - SU(3): tripletos de quarks e antiquarks com os respec-tivos numeros quanticos de hipercarga Y e projecao de isospinI3.

Page 6: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

180 Silva e Natti

Tabela 2 - Numeros quanticos dos quarks u, d e s.

Quark I Spin B Q I3 E Y

u I 1/2 1/3 +2/3 +1/2 0 +1/3

d I 1/2 1/3 −1/3 −1/2 0 +1/3

s I 1/2 1/3 −1/3 0 −1 −2/3

Com a existencia de um numero quantico aditivo,devido a um novo tipo de quark, em adicao a I3, se-

ria natural tentar acomodar a nova simetria em umgrupo maior. A partir de uma generalizacao da sime-tria de isospin, verificou-se que o formalismo utilizadopara descrever os estados ligados (interacoes) possıveisdestas partıculas deveria ser unitario e descrito pelogrupo SU(3). Os geradores deste grupo sao as oito ma-trizes de Gell-Mann, Refs. [11-13]

c

λ1 =

0 1 01 0 00 0 0

λ2 =

0 −i 0i 0 00 0 0

λ3 =

1 0 00 −1 00 0 0

λ4 =

0 0 10 0 01 0 0

λ5 =

0 0 −i0 0 0i 0 0

λ6 =

0 0 00 0 10 1 0

λ7 =

0 0 00 0 −i0 i 0

λ8 =

1√3

1 0 00 1 00 0 −2

. (9)

d

Com tres sabores de quarks (u, d e s) para for-mar estados de dois quarks, teremos nove combinacoespossıveis, que podem ser separadas em seis estadossimetricos e tres anti-simetricos, Refs. [6-13]. Estesestados sao dados na Tabela 3. Assim, podemos es-crever simbolicamente

3⊗ 3 = 6⊕ 3. (10)

Lembramos que tais estados de dois quarks nao saoobservados fisicamente, pois de acordo com a QCD so-mente estados de tres quarks (barions) e estados quark-antiquark (mesons) sao observaveis.

Tabela 3 - Estados ligados (nao-fısicos) de dois quarks para tressabores de quarks.

Simetricos Anti-simetricos Iuu 1√

2(ud− du) I

1√2(ud + du)

dd 1√2(us− su) I

1√2(us + su)

ss 1√2(ds− sd)1√

2(ds + sd)

Identifiquemos os mesons fundamentais que saoestados ligados do tripleto de quarks (u, d e s). Mesonssao estados ligados de quark-antiquark com numerobarionico B = 0. Os possıveis spins totais de um estadoqq sao S = 0 (quarks antiparalelos) ou S = 1 (quarksparalelos). Se o momento angular deste estado e L,entao o momento angular total J do meson assume ospossıveis valores |L− S| < J < |L + S|. Define-se paraos estados mesonicos a paridade ou paridade-P e a con-jugacao de carga ou paridade-C, respectivamente, como

P = (−1)L+1 (11)

C = (−1)L+S . (12)

A operacao de paridade e uma reflexao de todasas coordenadas atraves da origem, de modo que aspartıculas cuja funcao de onda muda de sinal sob atransformacao P sao ditas terem paridade intrınsecaımpar, enquanto as que nao mudam, paridade par. Aoperacao de conjugacao de carga corresponde a trocade uma partıcula por sua antipartıcula.

Vamos utilizar os operadores acima definidos paraclassificar os mesons em multipletos JPC . Os esta-dos de L = 0 sao os multipletos pseudo-escalares(JPC = 0−+), quando S = 0, e os multipletos vetoriais(JPC = 1−−), quando S = 1. Para os tres sabores u,d e s, temos tambem, obviamente, nove estados liga-dos quark-antiquark, no entanto agora agrupados emum octeto e num singleto de estados mesonicos. Noteque para estados ligados quark-quark, com tres sabo-res, tınhamos um sexteto e um tripleto de estados, vejaa Eq. (10). A construcao destes estados quanticos, queformam uma base neste espaco de estados, e efetuadanas Refs. [6, 11, 13]. Simbolicamente

3⊗ 3 = 8⊕ 1. (13)

Os nonetos mesonicos sao mostrados na Fig. 2. NaFig. 2a apresentamos os estados experimentais quark-antiquark com momento angular total J = 0, que for-mam o multipleto JPC = 0−+ (L = 0, S = 0), eem 2b apresentamos os estados experimentais quark-antiquark com momento angular total J = 1, que for-mam o multipleto JPC = 1− − (L = 0, S = 1).

Page 7: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 181

K 0K

+

p+

K-

p -

p0

(a)

K*0 K*+

K*-K

*0

(b)

wr- r+

r0

jh h’

K0

Figura 2 - Nonetos mesonicos: (a) Noneto mesonico pseudo-escalar JPC = 0−+. (b) Noneto mesonico vetorial JPC = 1−−.

A representacao destes estados, em termos dos tressabores de quarks considerados, e dada na Tabela 4.As partıculas do multipleto 1−− podem ser entendidascomo estados excitados de emparelhamento de spins daspartıculas do multipleto 0−+.

Consideremos agora as representacoes dos barions,estados qqq, em termos de tres sabores de quarks. Nestecaso temos 27 estados que podem ser agrupados emquatro multipletos. Simbolicamente

3⊗ (3⊗ 3) → 3⊗ (6⊕ 3)→ (10S ⊕ 8SM )⊕ (8AM ⊕ 1). (14)

Tabela 4 - Estados ligados mesonicos qq para tres sabores dequarks.

Partıculas I Estados

π0, ρ0 I2(uu− dd)/

√2

π+, ρ+ ud

π−, ρ− −du

η (uu + dd− 2ss)/√

6

η′ (uu + dd + ss)/√

3

ω (uu + dd)/√

2

ϕ ss

K+, K∗+ us

K0, K∗0 ds

K0, K∗0 −sd

K−, K∗− su

A representacao dos multipletos dados na Eq. (14)e mostrada na Fig. 3.

1

0

-1

-2

ddd uuu

y

sss

Å Å Å

Figura 3 - Os multipletos qqq de SU(3).

Quando L = 0, a Fig. 4 identifica cada estado daFig. 3 com a respectiva partıcula observada experimen-talmente. Utilizamos a notacao JP para caracterizar osmultipletos deste caso, sendo J o momento angular to-tal e P a paridade das partıculas. Note que o octeto

JP = 3/2− ausente na Fig. 4 e formado por partıculasque possuem os mesmos estados do octeto JP = 1/2+

mostrado, e que podem ser entendidas como estados ex-citados de emparelhamento de spins das partıculas domultipleto JP = 1/2+.

A representacao dos estados do decupleto, em ter-mos dos tres sabores u, d e s dos quarks, quando L = 0,e descrita na Tabela 5. A representacao dos estados dosoctetos sao dados na Tabela 6 e o estado singleto e dado,explicitamente, por

Λ =1√6

[s(du− ud) + (usd− dsu) + (du− ud)s] .

J = ½p +

J = ½p -

(1193)(1116)

(1318)

r(939)

L (1405)L

n

J = 3/2p +

S- S

0

S+

X0

X-

W- (1672)

X (1530)0*

S+* (1385)S-*

D- D0D+ D++

(1232)

X-*

S0*

Figura 4 - Singleto 1/2−, octeto 1/2+ e decupleto 3/2+ debarions com tres sabores de quarks. Os valores entre parentesescorrespondem as massas destas partıculas em MeV. O octetoJP = 3/2− ausente e formado pelos estados excitados de empa-relhamento de spins do octeto 1/2+.

Tabela 5 - Representacoes dos estados simetricos qqq pertencen-tes ao decupleto JP = 3/2+, quando L = 0, para tres sabores dequarks.

Partıcula I2Estado simetrico

∆− I2ddd

∆0 1√3(ddu + dud + udd)

∆+ 1√3(uud + udu + duu)

∆++ uuu

Σ−∗ 1√3(dds + dsd + sdd)

Σ0∗ 1√6(dsu + uds + sud + sdu + dus + usd)

Σ+∗ 1√3(uus + usu + suu)

Ξ−∗ 1√3(dss + ssd + sds)

Ξ0∗ 1√3(uss + ssu + sus)

Ω− sss

Continuando nossa construcao das partıculas obser-vadas em termos dos constituintes quarkionicos, da-dos experimentais atualizados confirmam que ja fo-ram observadas partıculas com cinco diferentes sabo-res de quarks. Em 1974, mesons que carregam onumero quantico c, chamado charm, foram observadosnos aceleradores de Brookhaven, em Long Island e noSLAC, na California, ambos nos Estados Unidos. Ci-tamos algumas famılias de mesons com charm: mesonsD = cu, cu, cd, cd (≈ 2450 MeV), mesons Ds = c s, cs(≈ 2500 MeV) e mesons J/ψ = c c (3100 MeV). A par-tir destas medidas e de modelos teoricos, tem-se que

Page 8: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

182 Silva e Natti

a massa do quark c e da ordem de mc ≈ 1870 MeV.Em 1977, mesons que carregam o numero quantico b,chamado bottom ou beauty, foram observados no Fer-milab, Chicago. Novamente citamos algumas famıliasde mesons com beauty : mesons B = bu, bu, b d, bd(≈ 5270 MeV) e mesons Υ = b b (≈ 9460 MeV).Dados indicam que a massa do quark b e da ordemde mc ≈ 5280 MeV. Enfim, em 1996, no Fermilab,estimou-se que a massa do quark t e da ordem demt ≈ 175000 MeV ou mt ≈ 0, 175 TeV . Salientamosque ate o momento nenhum barion ou meson, contendoo quark t, foi observado diretamente, devido a pequenameia-vida destas partıculas. Uma tabela completa eatualizada destas famılias de estados mesonicos pesa-dos pode ser encontrada na Ref. [5], no topico quarkmodel.

Consideremos o quarteto de sabores de quarks u, d,s e c, como mostrado na Fig. 5. Neste caso devemos es-tender a simetria de sabores para SU(4). Procedendo deforma analoga, obtemos para estados de tres partıculasinteragentes (quarks), com quatro sabores possıveis, 64

estados de barions agrupados em quatro multipletos.Simbolicamente

4⊗ 4⊗ 4 → 20S ⊕ 20SM ⊕ 20AM ⊕ 4A. (15)

A construcao de todos estes 64 estados e a identi-ficacao dos respectivos multipletos tornam-se extrema-mente trabalhosas, sendo, neste caso, melhor utilizar-mos tecnicas elegantes da teoria de grupos. Este estudosera descrito na proxima secao.

C

I3

Y

Cud

S

Figura 5 - Quarteto SU(4): o tripleto de quarks forma um quar-teto com a adicao do quark c. c

Tabela 6 - Representacoes de simetrias misturadas para os estados qqq pertencentes aos octetos JP = 1/2+ e JP = 3/2−, quando L = 0,para tres sabores de quarks.

Partıcula I Estado misturado simetrico Estado misturado anti-simetrico

p I 1√6

[(ud + du)u− 2uud] 1√2(ud− du)u

n − 1√6

[(ud + du)d− 2ddu] 1√2(ud− du)d

Σ+ 1√6

[(us + su)u− 2uus] 1√2(us− su)u

Σ0 1√6

hs(du+ud)√

2+ dsu+usd√

2− 2(du+ud)s√

2

i1√2

hdsu+usd√

2− s(ud+du)√

2

i

Σ− 1√6

[(ds + sd)d− 2dds] 1√2(ds− sd)d

Λ0 1√2

hdsu−usd√

2+

s(ud−du)√2

i1√6

hs(du−ud)√

2+ usd−dsu√

2− 2(du−ud)s√

2

i

Ξ− − 1√6

[(ds + sd)s− 2ssd] 1√2(ds− sd)s

Ξ0 − 1√6

[(us + su)s− 2ssu] 1√2(us− su)s

d

5. SU(N) e as tabelas de Young

A obtencao dos estados ligados de quarks, qqq e qq,com N > 3, onde N e o numero de sabores, torna-se demasiadamente trabalhosa. Portanto seria provei-toso utilizar uma regra geral, a partir da qual fossepossıvel obter essas informacoes. O metodo das Tabe-las de Young, Refs. [6, 11], permite a obtencao dasrepresentacoes para SU(N) de forma rapida e elegante.Sendo N o numero de sabores de quarks que estamosconsiderando, definimos a seguinte notacao

Representa o estado N

N - 1

1

2

3

Representa o conjugado N∗ (N − 1 caixas empilhadas)

Exemplos:

N = 2

N = 3

N = 4

N* = 2

N* = 3

N* = 4

Page 9: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 183

Tendo em vista essa representacao simbolica, proce-demos da seguinte forma para realizar a operacao (in-teracao) entre duas partıculas, cada uma com N sabo-res, atraves do metodo das Tabelas de Young, Refs. [6,11]

N N = = = A BÄ Ä Ä Å (16)

Portanto, para estados ligados de dois quarks, com Nsabores, representados pelo produto N ⊗ N , temos aspossıveis representacoes (multipletos) dadas pelos coe-ficientes racionais A e B. Para determinar A e B de-vemos implementar dois procedimentos que identificamos respectivos numeradores e denominadores destes co-eficientes.

Procedimento para a determinacao do numera-dor

Para um dado diagrama, representando o produto dasrepresentacoes de SU(N), insere-se N em cada caixada diagonal principal, comecando pelo canto superioresquerdo. Nas diagonais imediatamente acima e abaixose insere N +1 e N−1, respectivamente. Nas proximasdiagonais insere-se N+2 e N−2 e assim por diante, con-forme mostrado no diagrama abaixo. O numerador docoeficiente do diagrama e o resultado da multiplicacaode todas as quantidades dentro das caixas.

N +1

N +1

N

N

N - 3

N -1

N

N - 1

N - 2

N +2

Procedimento para a determinacao do denomi-nador

O numero associado ao denominador e obtido atravesdo Metodo dos Ganchos. O Metodo dos Ganchos, Refs.[6, 11, 13], consiste em tracar linhas, atraves das caixas,que entram pela lateral direita do diagrama analisado.Quando entra na caixa, a linha gira 90 e desce poruma coluna ate deixar o diagrama. O numero total decaixas, pelas quais a linha passou, e o valor do gan-cho associado a estas caixas. Devem-se tracar todos osganchos possıveis atraves das caixas do diagrama. Oproduto de todos os ganchos e o denominador.

Consideremos o caso ja estudado na secao 3 de esta-dos ligados de dois quarks com dois possıveis sabores.Nesta situacao tınhamos obtido que 2⊗2 = 3⊕1, ondeA = 3 e B = 1. Calculemos estes coeficientes atravesdo metodo das Tabelas de Young. Vejamos

2 Å 2 = Å

sendo que

= = = =N N+1

2 x 1 = 2

N N( +1)

2 2

6 3 pois = 2N

e

2 x 1 = 2

= = = =N N( - 1)

2 2

2 1

N

N-1

Consideremos outro exemplo, ja estudado na secao4. Calculemos as representacoes de estados ligados dequark-antiquark quando N = 3. Neste caso temos queutilizar o conceito de diagrama conjugado N∗ = N .Vejamos

3 Ä 3 = Ä Å = A Å B=

Calculando os numeradores e denominadores, obte-mos A = 8 e B = 1, ou seja, 3⊗ 3 = 8⊕ 1.

Enfim, podemos obter a representacao irredutıvel deestados ligados de barions (tres quarks) para N sabo-res, combinando mais um estado com os dois estadosque ja haviam sido combinados na Eq. (16), ou seja

(N N NÄ ) Ä = Å Ä Å Å Å=

Para obter o valor dos coeficientes devemos seguir osprocedimentos ja enunciados para calcular os numera-dores e os denominadores de cada diagrama. Deixamospara o leitor esta tarefa. Utilizando esses procedimen-tos, o resultado geral para a interacao de tres quarksem SU(N) e dado por

(N ⊗N)⊗N =[

N(N+1)(N+2)6 ⊕ (N−1)N(N+1)

3

]

⊕[

N(N−1)(N−2)6 ⊕ (N−1)N(N+1)

3

].

(17)

Atraves da Eq. (17) e possıvel obter os resultadosja citados anteriormente para (2⊗ 2)⊗ 2, (3⊗ 3)⊗ 3 e(4⊗4)⊗4, alem de todas as representacoes irredutıveispara um N qualquer. No modelo atual de quarks, consi-derando a existencia de seis sabores de quarks, obtemosque a representacao irredutıvel para estados barionicosqqq e dada em termos dos seguintes multipletos

(6⊗ 6)⊗ 6 = (56⊕ 70)⊕ (70⊗ 20). (18)

Page 10: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

184 Silva e Natti

Devemos salientar que grande parte das partıculasprevistas na Eq. (18) ainda nao foram observadas de-vido as limitacoes em energia, sensibilidade, etc., dosgrandes acelerados atuais.

Na proxima secao o modelo de quarks sera adap-tado para descrever excitacoes observadas dos estadosfundamentais das partıculas descritas nas secoes prece-dentes.

6. Modelo de quarks e estados excita-dos

Apesar de ser razoavelmente pequena a quantidade debarions e mesons fundamentais formados pelos quarksmais leves (u, d e s), a quantidade de partıculas excita-das, constituıdas por esses quarks, que sao observadas, eimensa. Inicialmente, foram observadas partıculas quepreenchiam as configuracoes mais baixas previstas pelomodelo de quarks: estados quark-antiquark (mesons)ou estados de tres quarks (barions) com momento an-gular orbital L = 0. Estas sao as partıculas descritasna secao 4. Entretanto, comecaram a aparecer estadosexcitados destas partıculas, fazendo com que o modelofosse estendido para poder acomodar tais estados. Ex-citacoes de energias mais altas podem ser obtidas porexcitacao radial, excitacao orbital e pela adicao de paresquark-antiquark, Refs. [13, 15]. Estes estados excitadossao instaveis ao decaimento forte e sao observados ex-perimentalmente como ressonancias, mas sao descritoscomo estados ligados no modelo de quarks.

Os estados excitados podem ser divididos em doistipos, dependendo se a mudanca no estado de cadapar de quarks e em grau de liberdade interno ou espa-cial, [13]. Os estados sao caracterizados pelos numerosquanticos (n, L, S, J , I, E, etc.), que fornecem a ex-citacao radial, o momento angular orbital, o spin, omomento angular total, o isospin, a estranheza, etc.,destes. As excitacoes radiais e orbitais sao expressaspor uma coordenada relativa simples e uma variacaode momento angular do quark ativo em relacao ao res-to do sistema, considerando que apenas um quark, emum barion, por exemplo, e responsavel pela transicaoque produz a ressonancia sendo os outros dois apenasespectadores e permanecendo no mesmo estado inicial.

Uma particularidade caracterıstica destas excitacoes ea alternancia de paridade com aumento do momentoangular orbital.

Para os mesons, a paridade-P e a paridade-C ja defi-nidas nas Eqs. (11-12), a conjugacao (troca) de carga-paridade e a paridade-G sao operacoes definidas, res-pectivamente, por

CP = (−1)S+1 (19)

G = (−1)L+S+I, (20)

onde o spin mesonico total S pode ser S = 0 ou S = 1.Note que o isospin I pode assumir os valores I = 0ou I = 1, caso os constituintes quarkionicos do mesonconsiderado sejam apenas os quarks u e d. No casode mesons que contenham quarks s, c, b e t em suaconstituicao, o isospin I tambem pode assumir o va-lor I = 1/2, ja que estes quarks tem isospin I = 0. Aparidade-G e uma operacao que combina a conjugacaode carga com uma rotacao de isospin. Tal quantidade eutil para mesons constituıdos de quarks e seus propriosantiquarks, os quais apresentam carga de isospin nula(Iz = 0), e para os mesons com carga unitaria de isospin(Iz = 1), como ud e du, pois e possıvel formular regrasde selecao para estes sistemas isospin-carregados.

A Tabela 7 apresenta os estados mesonicos funda-mentais e alguns excitados, em momento angular, for-mados pelos quarks u, d e s. Nas duas primeiras linhastemos os mesons fundamentais ja descritos na Tabela4. Os primeiros estados excitados mesonicos, em mo-mento angular, L = 1, sao apresentados nas linhas 3a 6 da Tabela 7, onde o sistema quark-antiquark apre-senta um movimento relativo numa onda tipo-p. Estesmesons foram previstos teoricamente pelo modelo dequarks nos anos 60, inclusive suas massas, atraves daformula de Gell-Mann e Okubo (Refs. [6, 13]), e, algunsdeles, observados experimentalmente no inıcio dos anos70, Refs. [3, 5]. Os proximos estados mesonicos ex-citados, em massa crescente, nao presentes na Tabela7, sao aqueles onde o sistema quark-antiquarks esta naprimeira excitacao radial (n = 2) numa onda tipo-s(L = 0). Uma tabela atualizada dos estados mesonicosexcitados pode ser encontrada na Ref. [5], no topicoquark model.

Tabela 7 - Mesons com L = 0 e L = 1. Entre parenteses sao dadas as massas dos mesons em MeV.

2S+1LJ I JPC I = 1 I = 1/2 I = 0 I = 0301I 1−− ρ (770) K∗ (890) ω (782) ϕ (1020)100 0−+ π (140) K (495) η (550) η′ (958)312 2+ + a2 (1320) K∗

2 (1430) f2 (1270) f ′2 (1525)311 1+ + a1 (1260) K1A (1270) f1 (1285) f ′1 (1420)310 0+ + a0 (1450) K∗

0 (1430) f0 (1370) f ′0 (1710)111 1+− b1 (1235) K1B (1400) h1 (1170) E (1380)

Page 11: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 185

Tabela 8 - Alguns barions, de diferentes multipletos, constituıdos pelos quarks u, d e s. Entre parenteses sao dadas as massas dosmesons em MeV.

JP E = 0 E = −1 I E = −2 E = −3Classificacao (SU(6), LP ) SU(3)

I = 1/2 ou 3/2 II = 0I I = 1 I = 1/2 I = 03/2+ I ∆ (1232) Σ (1385) Ξ (1530) Ω (1672) (56, 0+) 101/2+ N (939) Λ (1116) Σ (1193) Ξ (1318) (56, 0+) 83/2− N (1515) Λ (1690) Σ (1660) Ξ (1850) (70, 1−) 81/2− Λ (1405) (70, 1−) 11/2+ N (1460) Λ (1670) Σ (1560) Ξ (1825) (56, 0+) 83/2− Λ (1520) (70, 1−) 11/2− N (1525) Λ (1670) Σ (1616) Ξ (1788) (70, 1−) 81/2− ∆ (1630) Σ (1760) Ξ (1890) Ω (2020) (70, 1−) 103/2− ∆ (1670) (70, 1−) 101/2− N (1715) Λ (1750) Σ (1690) Ξ (1755) (70, 1−) 83/2− N (1755) Ξ (1820) (70, 1−) 85/2− N (1675) Λ (1830) Σ (1765) Ξ (1930) (70, 1−) 85/2+ N (1688) Λ (1820) Σ (1915) Ξ (2030) (56,2+) 87/2+ ∆ (1940) Σ (2030) Ξ (2250) Ω (2405) (56,2+) 107/2− Λ (2100) (70, 3−) 19/2− Σ (2250) Ξ (2500) (70, 3−) 89/2+ Λ (2350) Σ (2450) (56, 4−) 811/2+ ∆ (2420) Σ (2600) Ξ (2780) Ω (2960) (56, 4−) 1015/2+ ∆ (2850) Σ (3000) Ξ (3150) Ω (3300) (56, 6−) 10

A Tabela 8 apresenta os estados barionicos funda-mentais e alguns excitados, tambem em momento an-gular, formados pelos quarks u, d e s, [5]. Para barionsformados apenas pelos quarks u e d, os valores per-mitidos para spin e isospin sao 1/2 e 3/2. Entretanto,caso o quark s tambem seja considerado, podemos tertambem barions com isospin I = 0 ou I = 1. Os estadosbarionicos de menor energia encontrados experimental-mente tem momento angular orbital L = 0. Observeque nas quatro primeiras linhas da Tabela 8 temos es-tes barions fundamentais ja descritos nas Figs. 3 e 4, enas Tabelas 5 e 6 da secao 4.

Recentemente, alguns estados ligados quarkionicosexoticos, ja previstos pelo modelo de quarks, chamadosde sistemas multiquarks, foram observados em variosexperimentos de altas energias. Por outro lado, ha gru-pos que afirmam nao ter visto tais estados multiquarksem seus respectivos experimentos. Na proxima secaovamos descrever, atraves do modelo de quarks, estesestados exoticos.

7. Multiquarks: estados exoticos

As partıculas, barions e mesons, estudadas ate o mo-mento sao pacotes de dois ou tres quarks. Entretanto,nos ultimos anos, houve uma procura por partıculasexoticas, os chamados tetraquarks e pentaquarks, queteriam uma estrutura de dois quarks e dois antiquarks,para os tetraquarks, e quatro quarks e um antiquark,para os pentaquarks, [4]. Os tetraquarks seriam basi-camente estados ligados de dois mesons, enquanto ospentaquarks seriam estados ligados de um barion comum meson. Estas ressonancias dos estados fundamen-tais, previstas pelo modelo de quarks, preservam osprincıpios da QCD, pois elas tem as mesmas proprieda-

des das partıculas ja estudadas, por exemplo, sao semcor.

A existencia de pentaquarks foi prevista por Dia-konov et al. [15], em 1997. Uma das partıculas pre-vista por eles era o Θ+, uma partıcula com massa derepouso de 1540 MeV, com uma largura de 15 MeVe formada pelos quarks uudds. A partıcula Θ+ seriamembro de um antidecupleto de barion, representadopor um triangulo como na Figs. 3 e 4, cujas extremi-dades seriam preenchidas por estados exoticos. Nestemodelo Θ+ seria um estado ligado de um neutron comum meson K+, ou de um proton com um meson K0,ou seja, Θ+ = p K0 ou Θ+ = n K+. Em 2003, Nakanoet al. [16], no Laser-Electron Photon facility Spring-8,em Osaka, Japao, tambem conhecido com LEPS, afir-maram ter observado Θ+. Neste experimento fotons dealtıssima energia interagiriam com um neutron, ou umproton, formando um pentaquark. Enfim, o pentaquarkdecairia rapidamente, em 10−20 s, em um meson e numneutron ou proton. Ate o momento, uma dezena deexperimentos, afirmam ter constatado a existencia dapartıcula Θ+, enquanto, outra dezena de experimen-tos, nao observou tal estado exotico, [17]. Novos ex-perimentos estao sendo montados para elucidar estacontroversia. A Fig. 6 esquematiza como estes sis-temas multiquarks seriam observados em reacoes defotons, neutrinos e protons contra alvos de neutronsou protons.

Outros experimentos afirmam ter observado outrosestados de pentaquarks, contudo a existencia destaspartıculas ainda esta em debate. Citamos o pentaquarkΞ−−, membro do antidecupleto de Diakonov, Petrov ePolyakov, formado pelos quarks ddssu. O Ξ−− seriadescrito como estados ligados barion-meson da forma:Ξ−− = Ξ− π− ou Ξ−− = Σ− K−. A massa observada

Page 12: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

186 Silva e Natti

para o pentaquark Ξ−−, em colisoes proton-proton noCERN, Suıca, por Alt e colaboradores [18], em 2004, foide 1862 MeV com uma largura de 18 MeV. Pentaquarkscompostos de mesons D = cu, cu, c d, cd tambem foramobservados. Aktas e colaboradores [19] em 2004 detec-taram o pentaquark Θc = D− p ou Θc = D+ p, emcolisoes eletron-proton no acelerador HERA, em Ham-burgo, Alemanha. O Θc e formado pelos quarks uuddce as observacoes indicaram uma massa de 3099 MeVcom a largura de 12 MeV.

Figura 6 - Deteccao das partıculas usadas para reconstruir oestado de pentaquark Θ+. A formacao do estado ressonante pen-taquark e detectada devido ao seu decaimento em um neutronn e num meson K+. Nas reacoes que contem kaons neutros,os pentaquarks podem ser identificados atraves do decaimentoK0 → π+π−.

Em 2003, Jaffe e Wilczek [20] estenderam o modelode pentaquarks, prevendo tambem os tetraquarks, queseriam estados ligados de dois mesons. Varios expe-rimentos recentes relatam possıveis observacoes destesestados. Em 2003, observacoes de Aubert et al. [21]em colisoes eletron-antieletron no SLAC, California,EUA, indicaram a existencia do tetraquark DsJ . Otetraquark DsJ e formado por mesons Ds = c s, cs eπ0 = (uu − dd)/

√2. Medidas indicaram que a massa

do tetraquark DsJ e de 2317 MeV com uma larguramuito estreita. Enfim, outro estado tetraquark obser-vado foi o X com massa de 3872 MeV. O tetraquark Xfoi observado em 2003 em colisoes eletron-antieletronno acelerador KEKB, em Tsukuba, Japao [22].

Estas descobertas mostram que o numero de quarksque podem constituir uma partıcula nao sao apenas tresquarks (barions) ou pares de quark-antiquark (mesons).Trabalhos recentes procuram novos modelos para des-crever a forca entre quarks, [23]. Na Ref. [4], Okiharu,Suganuma e Takahashi fazem uma revisao do potencialinterquarks, com enfase no potencial de sistemas te-traquarks. Seus calculos teoricos, utilizando uma abor-dagem chamada grade-QCD, onde o espaco e simuladopor uma rede discreta de ponto e as equacoes da QCDsao resolvidas por aproximacoes sucessivas nos pon-tos da rede, mostram que os tetraquarks comportam-secomo um estado ligado de dois mesons.

Por outro lado, Riordan e Zajc, na Ref. [24], fazemuma revisao dos resultados experimentais obtidos nosultimos cinco anos, em experimentos de colisoes ultra-relativısticas frontais de feixes de nucleos de atomos

de ouro, conduzidos no acelerador RHIC, em Long Is-land, EUA. Verificou-se que nestas colisoes a materiacomporta-se como um amontoado de quarks, gluons,fotons, eletrons e outras partıculas livres, como pre-visto pela QCD. Na QCD a forca entre quarks diminuicom a distancia, propriedade esta chamada de liberdadeassintotica. A surpresa apresentada por estes experi-mentos foi que o amontoado de partıculas tem tambemum comportamento coletivo, como um lıquido, e nao ode um gas quase ideal como os fısicos teoricos imagina-vam. Isto significa que os quarks e os gluons, mesmo noregime de liberdade assintotica da QCD, interagem co-letivamente de maneira intensa, provavelmente devidoa grande quantidade de partıculas (congestionadas) nopequeno volume em torno da colisao. Medidas sugeremque este lıquido flui quase sem viscosidade, de modoque, provavelmente, este seja o fluido mais perfeito jaobservado. Sobre as propriedades do plasma de quarkse gluons, em colisoes realizadas no CERN/SPS e em ou-tros experimentos no BNL/RHIC. Kodama, apresentauma revisao dos resultados obtidos, [25].

Em 2008 o detector ALICE (Ref. [26]) do acelera-dor LHC, no CERN, Suıca, entrara em operacao. Ascolisoes frontais de nucleos de chumbo atingirao umaenergia combinada de 1 milhao de GeV, o que permi-tira uma melhor investigacao das propriedades do sis-tema quark-gluon. Espera-se que a descoberta destessistemas multiquarks, e a entrada em funcionamentode novos aceleradores, revelem novos aspectos da fısicahadronica, especialmente aqueles relacionados com aspropriedades da forca interquark.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Universidade Estadual deLondrina pelo apoio financeiro a pesquisa atraves doPrograma FAEPE/UEL/2005-Fundo de Apoio ao En-sino, Pesquisa e Extensao. C.O. da Silva agradecea CAPES/SESU pela bolsa de Iniciacao CientıficaPET/Fısica/UEL-Programa Especial de Treinamento.

Referencias

[1] R. Eisberg e R. Resnick, Fısica Quantica: Atomos,Moleculas, Solidos, Nucleos e Partıculas (EditoraCampus, Rio de Janeiro, 1994); D. Halliday, R. Resnicke J. Walker, Fundamentos de Fısica: Otica e FısicaModerna (Editora LTC, Rio de Janeiro, 1995), v. 4;S. Gasiorowicz, Fısica Quantica (Editora GuanabaraDois, Rio de Janeiro, 1979).

[2] Portal do Stanford linear Acelerator Center, www2.slac.stanford.edu/vvc/theory/quarks.html, acesso em10/2006.

[3] H.J. Lipkin, Physics Reports 8, 173 (1973).

[4] F. Okiharu, H. Suganuma and T.T. Takahashi, Phys.Rev. D 72, 014505 (2005).

Page 13: Modelo de quarks e sistemas multiquarks - SciELO ... · que os raios canais eram compostos por part¶‡culas po-sitivas, µas quais foi dado o nome de pr¶oton em 1904. Desta forma

Modelo de quarks e sistemas multiquarks 187

[5] S. Eidelman e colaboradores, Phys. Lett. B 592,1 (2004). Disponıvel em http://pdg.lbl.gov/2006/reviews/contents sports.html, acesso em 10/2006.

[6] F. Halzen and A.D. Martin, Quarks & Leptons: An In-troductory Course in Modern Particles Physics (JohnWiley & Sons, London, 1984).

[7] H. Fritzsch, Quarks: The Stuff of Matter (Basic BooksPublishers, New York, 1983).

[8] R.P. Feynman, QED - A Estranha Teoria da Luz e daMateria (Gradiva, Lisboa, 1988); S.S. Schweber, QEDand the Men Who Made It: Dyson, Feynman, Schwin-ger and Tomonaga (Princeton University Press, Sus-sex, 1994).

[9] S.R.A. Salinas, Introducao a Fısica Estatıstica(EDUSP, Sao Paulo, 1997).

[10] A.F.R. de Toledo Piza, Mecanica Quantica (EDUSP,Sao Paulo, 2003).

[11] J.F. Cornwell, Group Theory in Physics (AcademicPress, London, 1990) v. 1 e 2.

[12] C. Cohen-Tannoudji, B. Diu and F. Laloe, QuantumMechanics (Hermann and John Wiley & Sons, Paris,2005) v. 2, cap. 10.

[13] F.E. Close, An Introduction to Quarks and Partons(Academic Press, London, 1989).

[14] D.H. Perkins, Introduction to High Energy Physics(Cambridge University Press, Cambridge, 2000).

[15] D. Diakonov, V. Petrov and M. Poliakov, Z. Phys. A359, 305 (1997).

[16] T. Nakano e colaboradores (LEPS Collaboration),Phys. Rev. Lett. 91, 012002 (2003).

[17] K.K. Seth, Int. J. Mod. Phys. A 20, 4585 (2005).

[18] C. Alt e colaboradores (NA49 Collaboration), Phys.Rev. Lett. 92, 042003 (2004).

[19] A. Aktas e colaboradores (H1 Collaboration), Phys.Lett. B 588, 17 (2004).

[20] R. Jaffe and F. Wilczec, Phys. Rev. Lett. 91, 232003(2003).

[21] B. Aubert e colaboradores (BABAR Collaboration),Phys. Rev. Lett. 90, 242001 (2003); P. Krokovny e co-laboradores (Belle Collaboration), Phys. Rev. Lett. 91,262002 (2003).

[22] S.K. Choi e colaboradores (Belle Collaboration), Phys.Rev. Lett. 91, 262001 (2003); B. Aubert e colabora-dores (BABAR Collaboration), Phys. Rev. Lett. 93,041801 (2004).

[23] A.E. de Bernardini, Rev. Bras. Ens. Fıs. 25, 305 (2003).

[24] M. Riordan e W.A. Zajc, Scientific American (Brasil)49, 40 (2006).

[25] T. Kodama, Bras. J. Phys. 34, 205 (2004).

[26] Portal do detector ALICE no LHC, CERN. http://aliceinfo.cern.ch/Public, acesso em 10/2006.