Modelo de Calgary - Apoio
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Modelo de Calgary
As primeiras referências ao MACF (Modelo de Avaliação de Calgary de
Família) datam dos anos oitenta e surgiram na primeira publicação ―Enfermeiras e
Famílias‖, de Wright, Leahey (1984), tendo sido reconhecido mundialmente e utilizado
em várias investigações. Actualmente, é referenciado pela comunidade científica e
utilizado em vários trabalhos de investigação a nível nacional e internacional (Barbieri,
2004; Filizola, Ribeiro, Paravarini, 2003; Queiroz, 2007; Chistoffel, Pacheco, Reis,
2008; Montefusco, Bachion, Nakatani, 2008; Figueiredo, Martins, 2009; Santos, 2009).
O MCAF é uma estrutura multidimensional que consiste em três categorias
principais: Estrutural; Desenvolvimento; Funcional. Cada categoria engloba várias
subcategorias que podem ou não ser avaliadas, ou seja, a aplicação do modelo não
exige avaliação de todas as categorias em simultâneo, como referem as autoras do
modelo, ―nem todas as subcategorias precisam de ser avaliadas em uma primeira
reunião com a família, e algumas nunca precisarão de avaliação‖ (Wright, Leahey;
2009:45). A figura que se segue, representa o MACF. O enfermeiro define que
categoria ou subcategoria são relevantes e apropriadas para uma determinada família,
naquele momento, com o sentido de reunir informação necessária que lhe possibilite
fazer uma avaliação integrada. O foco de avaliação familiar centra-se na interacção
entre os diferentes elementos que compõem a família (Wright, Leahey, 2009;
Chistoffel, Pacheco, Reis, 2008).
Interna
Estrutural Externa
Contexto
Estágios
De Desenvolvimento
Tarefas
Vínculos
Instrumental Actividades de Vida Diária
Funcional
Expressiva
Fig 1 – Fonte: Adaptado de Wright, Leahey, 2009 - Diagrama do MCAF
- Composição Familiar - Género - Orientação Sexual - Ordem de Nascimento - Subsistemas - Limites
- Família Extensa - Sistemas mais amplos
- Etnia - Raça - Classe Social - Religião e Espiritualidade - Ambiente
- Comunicação Emocional
- Comunicação Verbal
- Comunicação não Verbal
- Comunicação Circular
- Solução de Problemas
- Papéis
- Influência e Poder
- Crenças
- Alianças e Uniões
AV
AL
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MÍL
IA
Pela avaliação estrutural da família o enfermeiro toma conhecimento de quem
faz parte da família, por exemplo, no caso concreto de uma família com um idosos
dependente poderá ser importante saber com quem vive o idoso dependente, quais os
vínculos afectivos intra e extra familiares dos diferentes membros, e em que contexto a
família e o idoso está inserida. Estes três aspectos da estrutura familiar podem ser
examinados pela estrutura interna, estrutura externa e contexto. Cada dimensão pode
ser analisada separadamente. A avaliação estrutural interna permite reunir todo um
conjunto de informação referente à composição familiar, género, orientação sexual,
ordem de nascimento, subsistemas e limites da família.
A subcategoria género é considerada um construto básico e fundamental no
sistema familiar. O profissional de enfermagem pode identificar o predomínio, ou não,
de género numa família. O género influencia o cuidado da saúde da família, assim
como promove diferenças significativas na distribuição dos papéis familiares, em
particular o papel terapêutico.
A ordem de nascimento, as diferenças de idades entre irmãos são condições a
ponderar na avaliação familiar. Estes são factores que influenciam o desenvolvimento
das relações intra e extra familiares e têm significado para os recursos de cuidados à
família. Os subsistemas (conjugal, paternal, fraternal) caracterizam o nível de
diferenciação do sistema familiar. É através dos subsistemas que a família assegura
as suas funções. Cada elemento da família pode incorporar diferentes subsistemas,
mas, em cada um deles, essa pessoa tem um diferente nível de poder e recorre a
diferentes habilidades para o seu desempenho, ou seja, em cada subsistema a pessoa
comporta-se de acordo com a posição que ocupa.
Os limites referem-se às regras para ―definir quem e como participa‖. Numa
família todos os subsistemas têm limites e a sua principal função é proteger a
diferenciação dos seus membros. Os limites podem ser difusos, rígidos ou
permeáveis. A diferenciação familiar pode ser alterada à medida que os limites se
alteram. Entende-se por limites difusos, por exemplo, quando os membros da família
se tornam íntimos, em termos emocionais, ficam com um sentido elevado de pertença
ao grupo e com menos autonomia individual. Os limites balizam o comportamento
comunicacional entre os diferentes elementos de uma família.
Os limites rígidos, inflexíveis promovem a desintegração de subsistemas.
Podemos elucidar esta situação com um exemplo: se o marido admite que só as
mulheres devem participar nos autocuidados aos idosos dependentes, e se a esposa
concorda, o filho do idoso pode ficar separado ou na periferia do subsistema idoso
adulto- filho.
Os limites permeáveis, em oposição aos rígidos, permitem uma flexibilidade
adequada, as regras existem mas podem ser alteradas no sentido de melhor
cooperação com a finalidade de atingir o bem-estar do grupo. Este tipo de limites é a
condição ideal para as famílias com um idoso dependente no autocuidado. Os limites
tendem a mudar com o desenvolvimento da família ao longo do tempo. Por exemplo,
os limites familiares tornam-se ambíguos durante o processo de reorganização após a
chegada ou perda de um dos elementos. Isto pode ser sentido quando um idoso se
torna dependente e vai viver para casa de um filho. O idoso pode ser fisicamente,
psicologicamente ou até socialmente dependente, o que exige reorganização familiar.
Urge definir: quem faz o quê? Quando? Como?
Deste modo, face a uma crise acidental, os estilos dos limites podem facilitar
ou restringir o funcionamento familiar.
Ainda sobre limite, Wright, Leahey (2009) fazem alusão que Green e Werner,
nos fins dos anos noventa, atribuíram um outro significado ao termo limite,
relacionando-o à proximidade interpessoal, intrusão e responsabilidade da intimidade.
O acto de compartilhar, de modo relativo, o território pode ser avaliado com os
aspectos de tempo de contacto (tempo passado junto), espaço pessoal (proximidade
pessoal, toque), espaço emocional (dividir afectos), espaço de informação (informação
mútua conhecida), partilha de conversas e espaço de decisão (extensão em que as
decisões são localizadas em diferentes membros ou subsistemas). Esta
caracterização de limite aperfeiçoa o tipo de relação entre os diferentes membros de
uma família. O acesso a esta informação é significativa para o enfermeiro para saber a
dimensão da responsabilidade — proximidade de um limite, particularmente quando
está a trabalhar com famílias promove identificação de recursos internos para a
continuidade de cuidados no seu ambiente natural.
As mesmas autoras referem-se à composição da família como um grupo
pessoas ligadas por fortes vínculos emocionais, com sentido de posse e a inclinação a
participar nas vidas uns dos outros. Assim, estes grupos de pessoas assumem um
compromisso de relacionamentos a longo prazo. Para a enfermagem faz sentido
observar as alterações na composição familiar. Estas alterações podem ser
permanentes, como resultado da perda ou da dependência de um dos membros, ou
temporárias. São permanentes se por exemplo um idoso fica sempre no mesmo
ambiente familiar; temporária se permanece por períodos em diferentes contextos
familiares ou institucionais. Para o enfermeiro e implicitamente para os cuidadores os
recursos familiares podem fazer a diferença na continuidade dos cuidados; por
exemplo, quando a composição do número de elementos varia, por vezes os recursos
tornam-se escassos, sendo necessário recorrer a suporte externo à família.
A estrutura externa possui duas subcategorias: família extensa e sistemas mais
amplos na família. Sobre a ―família extensa‖ obtém-se informação sobre a origem e
procriação da família, assim como se identifica a actual geração.
Os vínculos estabelecidos com membros da família extensa são forças muito
influentes para o sistema. Os apoios ou os conflitos podem existir mesmo a grandes
distâncias. A avaliação do contacto com a família extensa orienta os profissionais para
a quantidade e qualidade do apoio de uma determinada família.
Os ―Sistemas mais amplos‖ referem-se a diferentes instituições sociais e pessoas com
as quais a família tem algum contacto e que funcionam como apoios pontuais. Apoios
ao nível do bem-estar público, apoio legal, apoios nos cuidados de saúde, apoio
educativo entre outros.
Ainda incluída na avaliação estrutural, ponderar o contexto onde a família está
inserida. O contexto é explicado como a citação total ou as informações básicas
relevantes a algum facto ou personalidade. O contexto inclui cinco subcategorias:
Etnia; Raça; Classe social; Religião / Espiritualidade e Ambiente. Cada subcategoria
pode contribuir para a singularidade de cada família.
Numa visão sociológica, a etnicidade reporta-se a práticas culturais e a
modelos de entender o mundo, facto que pode distinguir os grupos e as comunidades.
Para muitas pessoas a etnicidade é um elemento central da identidade do indivíduo e
do grupo. Pode fornecer uma importante linha de continuidade com o passado e é
muitas vezes mantida viva através de práticas de tradições (Giddens, 2008). A etnia
alude ao conceito de ―unidade‖ da família tendo em conta a sua história, classe social
e religião. Pela mesma podem ser entendidos os processos subtis e manifestos
transmitidos de geração em geração. As autoras do MACF são da opinião de que a
etnia é um factor importante que influencia a interacção familiar, sendo essencial o
reconhecimento da infinidade, variedade e ausência de estereótipos nas famílias
provenientes de vários grupos étnicos. Acreditam ser relevante para os profissionais
de enfermagem reconhecer os seus próprios pontos invisuais e ajustar as
intervenções de acordo com as diferenças étnicas de cada família.
A raça influencia a identificação individual e de um grupo e a postura da família na
sociedade envolvente. Atitudes raciais, estereótipos e discriminação são influências
fortes sobre a interacção familiar, podem representar restrições negativas nos
relacionamentos intra e extra familiares. A raça faz a intersecção com variáveis de
interferência como classe, religião e etnia. A raça pode ser entendida como um
conjunto de relações sociais que permite que os indivíduos e as pessoas sejam
localizados com base em características biológicas. As diferenças raciais são mais do
que formas de descrever as diferenças humanas, são também factores importantes na
reprodução de padrões de poder e de desigualdade na sociedade (Giddens, 2008).
É importante que os profissionais de saúde entendam as diferentes condutas e
perspectivas de saúde da família influenciados pela identidade racial (Wright, Leahey,
2009). Como postula Honoré (2002), é importante escutar o que cada um quer
expressar quando fala de saúde, tentando compreender qual é o contexto biográfico e
social do sujeito que a expressa e o momento em que é referido. Mais refere que as
concepções variam de pessoa para pessoa, de acordo com as civilizações, épocas em
que são produzidas e do estatuto social de quem as emite.
A classe social continua a explicar uma parte significativa das desigualdades
observadas nas sociedades contemporâneas, seja a nível do poder, das
oportunidades educacionais do acesso aos serviços de saúde ou de muitos outros
aspectos da existência individual ou de um grupo (Almeida, Machado, Capucha,
Torres, 1994).
A subcategoria classe social afecta o modo pelo qual os membros de uma
família se definem ou são definidos, como difundem os afectos, como se organizam no
seu dia-a-dia, como encaram os desafios, as crises normativas e as crises acidentais.
A classe social é modelador dos valores e sistemas de crenças da família. Esta
subcategoria molda os projectos educacionais e profissionais. Assim, a prestação de
cuidados de saúde deve ter em conta o contexto cultural, social e económico das
pessoas e suas famílias. O reconhecimento das crenças da classe social entre os
diferentes elementos das famílias pode estimular novas estratégias de promoção e
intervenção de saúde.
Ainda, na sequência de avaliação estrutural contexto temos a Religião e
Espiritualidade que também influenciam os valores, os hábitos sociais e os cuidados
de saúde. Em alguns grupos étnicos é comum a combinação de práticas religiosas e
de saúde. A religião influencia as crenças sobre saúde, doença e adaptação. As
emoções como medo, culpa, esperança podem ser excitadas ou compensadas pelas
crenças religiosas. A avaliação desta subcategoria pode ser oportuna aquando de
crises, visto que as crenças, espiritualidade e transcendência dão explicações para a
capacidade de recuperação da família. Pesquisas levadas a cabo por Wright nos anos
noventa levaram a autora a admitir que o sofrimento e a insensibilidade a ele são
questões de espiritualidade. Julga-se ser pertinente questionar as famílias se a religião
ou espiritualidade influenciam as práticas de cuidados de saúde. Os profissionais de
saúde devem estar atentos à existência ou não de sinais de influência religiosa que
interfiram na saúde e doença.
Os recursos físicos, psicológicos, sociais e espirituais devem ser entendidos,
dentro do necessário equilíbrio e ser vividos à luz, não só do que a ciência produz mas
também do que é adaptável a cada caso particular. O essencial é a busca de recursos
que beneficiem a saúde. Cada pessoa, cada família, nas suas diferentes etapas da
vida, deve ser capaz de desenvolver o máximo de energia, vitalidade para responder
aos diferentes desafios com que se debatem. Compreender a saúde neste sentido
garante uma melhor qualidade de vida individual e colectiva (Nunes, 1999).
Por último, a subcategoria ambiente, que circunscreve aspectos da
comunidade mas mais amplos. Os factores ambientais, adequação de espaços,
privacidade e acesso a diversas instituições de apoio influenciam o funcionamento da
família. Estes factores têm pesos diferentes ao longo do ciclo vital da família, em
função da necessidades individuais e ou colectivas. Porque famílias envelhecidas têm
menos recursos, é responsabilidade dos profissionais avaliar se o ambiente onde a
família está inserida tem capacidade para apoiar no funcionamento da mesma. Os
factores de um ambiente local têm impacte sobre o estado de saúde e pode ser o foco
da prática de enfermagem (CIPE, 2002).
A segunda dimensão do MACF reporta-se à avaliação do desenvolvimento da
família. Este pode ser identificado tendo em conta o estágio, as tarefas e os vínculos
da família. As evidências produzidas, pelas investigadoras, autoras do modelo
despertam-nos para a utilidade de se distinguir ―desenvolvimento da família‖ e ―ciclo
vital da família‖. O primeiro enfatiza a trajectória exclusiva construída por uma família.
Caracteriza-se por crises esperadas, mas nem sempre previsíveis, e por ser um
conceito abrangente que inclui todos os processos de evolução transaccional
associado ao crescimento de uma família.
O ciclo vital da família refere-se à trajectória típica que a maioria das famílias
tradicionais percorre. As várias fases do ciclo vital de uma família estão muito
associadas às entradas e saídas dos seus membros. Estes eventos de entradas e
saídas geram mudanças que requerem reorganização dos papéis e regras familiares.
Assim, o profissional de enfermagem precisa de compreender o desenvolvimento de
uma família para intervenção ao nível da promoção, prevenção, tratamento e
reabilitação.
A avaliação detalhada do comportamento dos diferentes elementos que
constituem uma família, segundo o MACF, é obtida pela avaliação funcional. Esta
avaliação versa dois aspectos básicos do funcionamento familiar: instrumental e
expressivo.
A componente instrumental do funcionamento refere-se às actividades de vida diárias.
Actividades básicas de sobrevivência aludem ao autocuidado, são as que permitem a
pessoa valer-se a si própria.
Pela avaliação funcional expressiva adquirimos informação referente a nove
subcategorias: Comunicação emocional; Comunicação verbal; Comunicação não
verbal; Comunicação circular; Solução de problemas; Papéis; Influência e poder;
Crenças; Alianças e uniões. Elementos fortes que influenciam as interacções
pessoais.
Wright, Leahey (2009) corroboram a opinião de alguns autores quando referem que
muitas destas subcategorias diferenciam as famílias no seu estado de saúde e bem-
estar. Estas áreas devem ser exploradas aquando da avaliação do funcionamento da
família, avaliar ―o aqui e agora‖ no sentido de se identificarem as forças e as limitações
em cada subcategoria. Assim, o foco de avaliação versa essencialmente sobre a
interacção entre os membros da família.
Em síntese, podemos referir que o MACF proporciona uma estrutura
fundamental para os profissionais que trabalhem com famílias. O enfermeiro pode
utilizar as três principais categorias: estrutural, de desenvolvimento e funcional para
uma avaliação macro das forças e dificuldades da família. Ou, por outro lado, pode
fazer uma avaliação micro e explorar mais detalhadamente as áreas específicas de
funcionamento da família. Em qualquer dos casos o enfermeiro tem de ter habilidade
para reunir todas as informações e pensar sempre numa avaliação integrada. Após a
avaliação, o enfermeiro e a família ponderam a necessidade e tipo de intervenções.