MOBILIDADE URBANA-EX MINISTRO DE S TRANSPORTES CLORALDINO SEVERO

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02/03/2015 Jornal do Comércio - “Metrô é tiro no pé” diz ex-ministro Cloraldino Severo - [email protected] - Gmail https://mail.google.com/mail/u/0/?hl=pt-BR#inbox/14bd9ede58cec778 1/7 Fernanda Nascimento O ex-ministro dos Transportes Cloraldino Severo é um dos grandes críticos da política de desenvolvimento do transporte coletivo realizada pelo governo federal. Na gestão de João Figueiredo (1979-1985), Cloraldino foi responsável pelo planejamento e construção da Trensurb – que completa 30 anos hoje – e defende que o modelo de trens de superfície continua sendo o grande eixo de transporte para a Região Metropolitana. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Cloraldino avalia que o metrô não deveria ser uma alternativa para a cidade de Porto Alegre. Para o engenheiro, a escolha mais adequada, do ponto de vista técnico e financeiro, é o investimento em uma rede de BRTs. "Porto Alegre precisa parar com esta história de metrô e fazer outra coisa. Por que fazer uma linha subterrânea na Voluntários da Pátria e na Farrapos se já tem uma linha que é só colocar o BRT e ter mais sofisticação?", questiona. Conforme o ex-ministro, o principal problema do transporte coletivo é a ausência de redes que interliguem diferentes veículos. Responsável pelo cancelamento da construção do aeromóvel na Capital e crítico deste modelo de transporte por acreditar beneficiar apenas empresas, Cloraldino vê as investigações sobre os trabalhos das empreiteiras no País como uma possibilidade para a mudança de rumos na política dos transportes. "Com as investigações, as empresas estão em uma situação difícil e não irão pegar dinheiro fácil. É um momento para aproveitar a fragilidade e reencaminhar as coisas." Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do sistema de transporte público no Brasil? Cloraldino Severo - Estamos realmente mal orientados nessa questão. No passado, a União entrou pesado na questão do transporte,

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https://mail.google.com/mail/u/0/?hl=pt-BR#inbox/14bd9ede58cec778 1/7

Fernanda Nascimento

O ex-ministro dos Transportes Cloraldino Severo é um dos grandes

críticos da política de desenvolvimento do transporte coletivo realizada

pelo governo federal. Na gestão de João Figueiredo (1979-1985),

Cloraldino foi responsável pelo planejamento e construção da Trensurb

– que completa 30 anos hoje – e defende que o modelo de trens de

superfície continua sendo o grande eixo de transporte para a Região

Metropolitana.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Cloraldino avalia que o

metrô não deveria ser uma alternativa para a cidade de Porto Alegre.

Para o engenheiro, a escolha mais adequada, do ponto de vista técnico

e financeiro, é o investimento em uma rede de BRTs. "Porto Alegre

precisa parar com esta história de metrô e fazer outra coisa. Por que

fazer uma linha subterrânea na Voluntários da Pátria e na Farrapos se

já tem uma linha que é só colocar o BRT e ter mais sofisticação?",

questiona. Conforme o ex-ministro, o principal problema do

transporte coletivo é a ausência de redes que interliguem diferentes

veículos.

Responsável pelo cancelamento da construção do aeromóvel na Capital

e crítico deste modelo de transporte por acreditar beneficiar apenas

empresas, Cloraldino vê as investigações sobre os trabalhos das

empreiteiras no País como uma possibilidade para a mudança de

rumos na política dos transportes. "Com as investigações, as empresas

estão em uma situação difícil e não irão pegar dinheiro fácil. É um

momento para aproveitar a fragilidade e reencaminhar as coisas."

Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do sistema de

transporte público no Brasil?

Cloraldino Severo - Estamos realmente mal orientados nessa

questão. No passado, a União entrou pesado na questão do transporte,

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em geral, e do transporte urbano, em particular, tanto na formação de

quadros como nos recursos e nas equipes para fazer o planejamento.

Durante a crise energética, no governo (Ernesto) Geisel (1974 a 1976),

fui chamado para elaborar um plano para atacar a crise do Petróleo, e

ali nasceu uma série de conceitos. Depois, com a crise energética, no

governo Figueiredo se fez um programa para sanar os problemas de

energia e transporte urbano, com os trens metropolitanos. Não

adiantava projetar coisas para o futuro distante, era preciso resultados

com o mínimo de recursos. Então, surgiu o conceito de aproveitar as

redes ferroviárias para implementar sistemas de transporte, o que

originou a Trensurb, o metrô de Belo Horizonte. Hoje, com todo este

escândalo na política brasileira, há um domínio econômico das

administrações que passam a ter também componente político muito

forte em todas as suas coisas. Enquanto ministro, fui contra o uso do

automóvel e por isso fui criticado.

JC - E o governo atual?

Cloraldino - Dentro de um quadro compreensivo de economia

crescendo, o governo sentiu que poderia haver problemas de emprego

mesmo com a renda brasileira aumentando e reduziu combustível,

impostos, favorecendo o crescimento da frota dos veículos. Isso

produziu um efeito no transporte de massa. Acredito que se cometeu

um equívoco, porque o problema de transporte urbano é a liderança

nacional, tínhamos antes uma posição forte de coordenação, que

encaminhava soluções e a Trensurb está aí porque o Geipot (Grupo de

Estudos de Integração da Política Nacional) fez estudos, projetos e deu

para o Ministério dos Transportes. Hoje, o governo fica na posição de

simplesmente dar dinheiro. Isso não basta. O Ministério das Cidades

não ocupou o espaço da forma que precisaria ocupar, talvez falte

montar quadros, mas parece que estão mais preocupados

politicamente em fazer inaugurações de obras.

JC - Quais seriam as medidas que adotaria se tivesse no

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ministério?

Cloraldino - A primeira coisa é enfrentar o nó do transporte coletivo,

algo que não está acontecendo do ponto de vista do interesse público.

As empresas conduzem dentro da sua visão empresarial, e precisamos

criar um espaço para que o transporte tenha efeito de rede. Se alguém

tem um nível de renda e trabalha em mais de uma atividade, por

exemplo, não poderá ficar horas no tráfego, no transporte coletivo, vai

utilizar o automóvel porque é mais racional. É preciso não fazer como

o Ministério das Cidades que quer colocar uma linha de metrô em

Porto Alegre, o que é um desastre.

JC - Por quê?

Cloraldino - Fui conselheiro do metrô de São Paulo, do metrô do Rio

? onde acompanhei praticamente a construção de toda a primeira

etapa ? e o que posso dizer é que é uma coisa extremamente cara, exige

investir, exige planejamento, não só de engenharia, mas planejamento

financeiro seguro e sustentabilidade. Quem está se metendo nisso tem

que ter dinheiro para fazer. Porto Alegre, para construir uma primeira

linha de 10 quilômetros, levará 10 a 15 anos ou mais. Essa linha do

Centro até a Assis Brasil vai mexer com a matriz de transporte da

cidade, e Porto Alegre tem o projeto perfeito para a cidade, que é o

BRT. Com o dinheiro que a União se dispõe a dar se faria toda uma

rede, como Bogotá (na Colômbia) fez, e a partir da experiência de

Curitiba. O BRT pode ter o mesmo conforto do metrô e se faz uma

rede. Mas no momento em que nesta rede se dá uma linha para uma

empresa, outra parte para uma segunda e isso ?fica no comando

destas empresas não vai funcionar de forma adequada. Porto Alegre

precisa parar com esta história de metrô e fazer outra coisa. Por que

fazer uma linha subterrânea na Voluntários da Pátria e na Farrapos se

já tem uma linha que é só colocar o BRT e ter mais sofisticação? O

governo federal tem todo o dinheiro para fazer o seguinte: levar a

Trensurb da Farrapos até a Fiergs (Federação das Indústrias do Rio

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Grande do Sul). Tem que se convencer de que tudo que se fizer na BR-

116 e na BR-448, assim como em qualquer estrada, vai ficar superado

em pouco tempo. O projeto estrutural da Região Metropolitana é a

Trensurb. Os trens duraram 30 anos e hoje estão sendo renovados. É

preciso renovar os antigos, colocar os novos trens, diminuir o espaço

entre viagens ? que pode chegar até em 90 segundos ? e aumentar o

tamanho dos trens e das estações. A Trensurb poderia assumir esse

eixo norte e leste, o grosso do transporte, o que custa menos dinheiro e

produz mais.

JC - E por que a insistência no metrô?

Cloraldino - O dia em que fizerem a mesma coisa que fizeram na

Petrobras e no metrô de São Paulo saberemos. Em primeiro lugar, as

empresas fabricantes dos trens se juntam e inventam mercado. Para

elas não interessa se em Portugal construíram metrô e depois não tem

passageiros. O Estado está quebrado em Portugal e na Espanha

porque se fez uma série de coisas desse tipo. A (construtora)

Odebrecht fez uma proposta para o metrô daqui, que se falava em R$ 1

bilhão e ela ofereceu para fazer por R$ 9 bilhões. A coisa ficou tão

escandalosa que saíram para outro sistema e estão falando em R$ 5

bilhões ? o que mesmo assim é um absurdo. A prefeitura não tem nem

dinheiro para terminar as obras que estão em andamento, muito

menos para se endividar. O Estado mostra todos os dias nos jornais

que não tem dinheiro. E por que eles querem fazer uma PPP (Parceria

Público Privada)? Porque a PPP é muito boa para empreiteiros,

fabricantes e o governo do momento se beneficia de aparecerem

financiadores de campanha. Mas depois a bomba estoura na frente,

como em Portugal, onde tem autoestradas sem pessoas para usar. Sou

acostumado a inaugurar obras, projetei a freeway (BR-290), dupliquei

a travessia do Guaíba, estudei a vida toda essas questões; e o metrô de

Porto Alegre é um tipo no pé. Há grandes chances de ocorrer aquilo

que aconteceu no Rio de Janeiro, no governo Geisel, sem garantia de

dinheiro e não terminando as coisas. Então imagina essa cidade, sem

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dinheiro, fazer um metrô com um terço municipal, um terço estadual,

um terço federal e o setor privado entrando com muito pouco dinheiro.

É preciso ser realista: Porto Alegre, pelo crescimento populacional

previsto, que é de redução da população, com uma descentralização

prevista pelo Plano Diretor, não tem necessidade de metrô, mas de um

sistema em rede com o BRT.

JC - A Trensurb cresceu pouco nestes 30 anos?

Cloraldino - Cresceu muito pouco, era previsto chegar logo aos 250

mil passageiros. Quando construímos, me criticaram porque não fiz o

metrô enterrado, mas com o que foi gasto para ir até Sapucaia

faríamos apenas o trecho do Centro de Porto Alegre. Canoas queria

que passasse por baixo, os empreiteiros também, mas não tem

demanda para isso. Acontece que os municípios não fizeram o que

deveriam, os planos urbanísticos de densificação, com pessoas na linha

dos trens, e uma ampla integração com o ônibus. Este é o projeto, esta

é a espinha dorsal do transporte. Estamos vivendo um momento

especial, todas as concessões estão vencidas, algumas nem

concorrência tiveram, o que o Ministério das Cidades; o governo do

Estado e as prefeituras deveriam fazer era investir nesse trem, para

que se movimentasse com menos intervalos, com uma alimentação

municipal melhor.

JC - O senhor ficou conhecido por ter vetado a implantação

do aeromóvel em Porto Alegre. Como vê a proposta de

construção deste sistema em Canoas?

Cloraldino - Fui ministro quando ministro mandava e havia recursos

para fazer. Politicamente, como sou gaúcho, iria agradar todo mundo

e seria a coisa mais fácil. Mas se fizesse o aeromóvel seria um

irresponsável diante dos estudos mostrando a inviabilidade técnica e

econômica. Depois, todos que examinaram tiveram a conclusão óbvia

de que o sistema tem uma baixa capacidade de transporte, que

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equivale a um micro-ônibus, não se pode compará-lo com um metrô.

Na época, disse que esses sistemas de cabines pequenas são utilizados

em aeroportos, parques e universidades, em que se interligam

múltiplos terminais. Continuaram insistindo porque é cômodo, não se

faz concorrência e se contrata o sistema que não tem capacidade, além

de ser bom para os empreiteiros que constroem muito concreto.

JC - Mesmo com esse debate, o aeromóvel foi construído no

aeroporto e tem a previsão de construção em Canoas.

Cloraldino - Foi um absurdo o caso do aeroporto. Ali tem a estação

da Trensurb, uma passarela coberta e se quisessem sofisticar

poderiam colocar uma esteira e um micro-ônibus ligando os dois

locais. Gastaram quase R$ 40 milhões com um enorme carro que não

faz sentido e não tem passageiros. A solução são micro-ônibus

especiais para levar os passageiros do aeroporto para os hotéis. Em

Canoas, o que se tem que fazer é simples: um plano cicloviário padrão

e integração das linhas de ônibus sendo a Trensurb responsável por

assegurar os seus horários, não as empresas concessionárias que

disponibilizam ônibus quando querem.

JC - O modelo de ciclovias em rede, que tem sido

implementado em São Paulo, é uma boa alternativa?

Cloraldino - Não posso garantir que estejam sendo executadas

corretamente, e as circunstâncias de São Paulo são bem difíceis. Não

estou dizendo que a ciclovia é a solução, é uma das soluções e, no caso

da Trensurb, é um elemento que pode ser importante.

JC - Quais as mudanças que, a curto prazo, podem ser feitas

no transporte coletivo?

Cloraldino - Temos uma oportunidade grande e o governo federal,

através do Ministério das Cidades, precisa fazer uma mudança de

rumo. Não será uma mudança drástica, porque o Congresso Nacional

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é o local do poder econômico, mas pode reencaminhar e falar: vamos

parar de jogar dinheiro fora. Nas obras da Copa do Mundo, nem fazer

as linhas do BRT fizeram direito e ainda tiveram que refazer várias, e

isso não é porque os engenheiros não saibam, é porque o poder

econômico atua e não há uma força política para enfrentar. Só que

agora, com as investigações, as empresas estão em uma situação difícil

e não irão pegar dinheiro fácil. É um momento para aproveitar a

fragilidade e reencaminhar as coisas.

Perfil

Cloraldino Soares Severo é engenheiro civil formado pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), especialista em

transportes. Iniciou a trajetória profissional no Departamento

Nacional de Estradas de Rodagem (Dner, atualmente Dnit), em 1961.

Em 1968, se tornou chefe da Divisão de Planejamento do órgão e, no

ano seguinte, diretor de Planejamento. Em 1972, passou a

superintendente do Grupo de Estudos de Integração da Política

Nacional (Geipot), criado pelo governo federal para prestar apoio

técnico e administrativo aos órgãos do Poder Executivo, formulando e

executando a política nacional de transportes durante o regime militar.

Em 1982, se tornou ministro dos Transportes, no governo do ex-

presidente João Figueiredo, e permaneceu no cargo até o fim da

gestão. Em 1985 iniciou a trajetória como consultor no setor de

transporte, trabalhando para diversas organizações. Nos anos 1990,

também começou a lecionar, tendo trabalhado por 13 anos como

professor de engenharia da Universidade Luterana do Brasil, além de

outros cursos de pós-graduação. Atualmente, é consultor.