“Mitos Modernos e Ritos Profanos: Provocações”

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Por Robson da Costa de Souza ([email protected]) Mestre em Ciências da Religião/ UMESP Doutor em Serviço Social/ UFRJ

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Por Robson da Costa de Souza ([email protected])

Mestre em Ciências da Religião/ UMESP Doutor em Serviço Social/ UFRJ

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Procura-se, primeiramente, delinear a importância da perspectiva sócio antropológica na observação das “crenças” (religiosas ou não), entendidas aqui como elementos pertencentes ao conjunto de símbolos que permeia todos os aspectos da vida social. Nesse contexto, estamos trabalhado com a hipótese de que a compreensão das múltiplas dimensões simbólicas e estruturais de determinada sociedade é imprescindível no estudo das identidades sociais (SOUZA, 2013). Por outro lado, a problematização que será realizada ao longo desta aula desdobra-se numa reflexão de ordem epistemológica: a “arquitetura mítica” insiste em permanecer nas “construções sociais da realidade”, inclusive sob a forma de “racionalizações laicas”.

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Ora, através de um “processo dialético”, o ser humano constrói um “mundo para si”. No entanto, a sociedade é um produto humano que retroage continuamente sobre seu produtor. De acordo com BERGER (1985), a cultura é um produto socialmente construído e tem a função de criar um mundo socialmente ordenado em face da possibilidade da desordem, do caos. Nesse sentido, a religião tem parte importante nesses processos, dividindo mesmo com a ciência esse empreendimento;

Assim como na Sociologia, a reflexão antropológica aplicada à religião considera a experiência do sagrado sub specie temporis, ou seja, “a antropologia religiosa coloca metodologicamente entre parênteses o problema da verdade do objeto da religião” (PRANDI; FILORAMO; 1999).

“O mito é o nada que é tudo” (Fernando Pessoa)

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Uma reflexão de ordem epistemológica nos ajuda a fazer uma revisão crítica aos modos de pensar delineados pela própria modernidade, principalmente no que concerne aos significados atribuídos ao senso comum;

“A ciência não acredita em magia. Mas o senso comum teimosamente se agarra a ela. Você já viu uma pessoa jogando boliche? Não é curioso que ela entorte o corpo, depois de lançada a bola, num esforço para alterar a sua direção, à distância? Esta torcida de corpo é um ritual mágico, uma tentativa de mudar o curso dos eventos por meio do desejo. A crença na magia, como a crença no milagre, nasce da visão de um universo no qual os desejos e as emoções podem alterar os fatos. A ciência diz que isto não é verdade. O senso comum continua, teimosamente, a crer no poder do desejo” (ALVES, 2002, p. 17);

“O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver” (Ibid., p. 21).

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FONTE: Google Imagens

Na Antropologia, até mesmo uma experiência cultural exótica pode se tornar um precioso objeto de investigação. Através da “observação participante”, o pesquisador consegue superar o estranhamento inicial e entrar em contato com o universo dos pesquisado”.

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“a religião é um sistema de símbolos que age para instaurar atitudes e motivações fortes,

onipresentes, duráveis, mediante a elaboração de conceitos relativos a uma ordem geral da

existência, e que reveste tais conceitos de um sentido de positividade que faz com que tais

atitudes e motivações apareçam como as únicas reais”

(GEERTZ, apud FILORAMO & PRANDI, 1999, p. 219).

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A primazia do mundo do ritual face aos mitos – “Creio que para tentar compreender uma religião deveríamos concentrar a atenção sobre os ritos mais do que sobre as crenças” (Radcliffe-Brown apud TERRIN, 2004, p. 21);

Trata-se de uma ação simbólica. A princípio, o rito tem as seguintes características: (a) envolve uma coletividade; (b) ratifica os valores comuns do grupo; (c) reforça o aspecto moral do papel social; (d) sanciona passagens de status, modificações de lugar, para indivíduos e grupos dentro da sociedade;

Num ritual, “o mundo imaginado” e o “mundo vivido”, fundidos sob a ação de um só conjunto de formas simbólicas, revelam ser o mesmo mundo (GEERTZ, 1989).

O rito também pode adquirir uma conotação negativa – Às vezes, o indivíduo recorre a formas ritualizadas para combater a ansiedade e a angústia (neurose obsessiva).

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Na obra “O Sagrado Selvagem”, Roger Bastide (1898-1974) identificou a permanência, no contexto da sociedade ocidental, de fragmentos de mitos “primitivos”;

Ora, em nossa sociedade secularizada, a relação entre o ser humano e a natureza passa a ser mediada pela técnica. Entretanto, houve o desenvolvimento de uma nova arquitetura mítica. Nossa civilização, longe de destruir os mitos, multiplicou-os (“processos mistificadores”).

Bastide destaca, por exemplo, “o mito do progresso” e a “fabricação das utopias”. De acordo com esse autor, a fabricação de utopias caminha na contramão dos valores erigidos em torno do mito do progresso. Para Bastide, as utopias “não passam, na verdade, de mitos da sociologia, da marca da recusa do homem em aceitar a época em que vive tal qual moldada pela história” (BASTIDE, 2006, p. 107). Tem, no entanto, a mesma finalidade da mitologia natural: “transcender a sua finitude acrescentando um suplemento de significação às coisas; mas, enquanto na mitologia natural esse suplemento se situa no ‘além místico’, na utopia ele se situa no ‘além’ histórico: o futuro” (Ibid., p. 108).

“O homem é uma máquina de inventar deuses” (Bérgson)

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“Aquilo que Nietzsche, com efeito, invocara com todo desejo, 'a morte de Deus', só podia terminar com a multiplicação dos antigos deuses voltando à tona, ou com a criação de novos

deuses – a 'ciência', a 'técnica' – de ora em diante reivindicando para si o privilégio de holocaustos sangrentos. Há, contudo, um fato novo que decerto precisaria ser estudado mais a fundo que

a própria mitologia: é o fato de os mitos estarem sendo cada vez mais manipulados graças ao poder que assumiram na

sociedade moderna as forças da informação, quer porque os capitais privados direcionam os nossos sonhos segundo as necessidades da produtividade, quer porque os Estados os

selecionam e impõem em nome de alguma ortodoxia política”. (Roger Bastide)

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Antropólogos como Terrin e C. Rivière

referem-se aos atos estereotipados, simbólicos e repetitivos do domínio secular (ritos seculares e profanos);

Em nossa sociedade, o rito se emancipa do contexto religioso, sendo reconhecido como forma geral de expressão da sociedade e da cultura (TERRIN, 2004). Assim, a ritualidade profana se expressa em estilos de vida da sociedade moderna: jogo, moda etc.

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Uma definição ou compreensão adequada do fato religioso faz parte do mundo do observador ou, ao invés, é própria de quem vive a experiência religiosa?

De acordo com o método funcionalista, as estruturas apenas se mostram a uma observação feita “de fora” (“olhar distanciado”);

Por outro lado, ninguém pode olhar a realidade a partir de um unmarked place. Assim, um/a pesquisador/a que não tem experiência religiosa terá categorias cognitivas para ver (corretamente) a empiria em questão?

Entretanto, a hipótese anterior desdobra-se no seguinte problema: se cada religião torna-se hermenêutica para si mesma, então as intolerâncias religiosas parecem justificáveis em nome de um critério mais profundo de fé religiosa.

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A coexistência de diferentes sistemas cognitivos nas sociedades modernas (VELHO, 2003, p. 49);

Um sistema cognitivo não é dado empiricamente, mas é uma construção do observador (Ibid., p. 52);

Ao estudar grupos religiosos, o antropólogo deve: (a) ser capaz de descobrir e de registrar funções e movimentos em geral ocultos, ou não imediatamente perceptíveis, ao participante do rito; (b) mapear e comparar o universo de representações e relações sociais constituídas por esses mesmos grupos; (c) perceber o significado desse conjunto de crenças e sua importância para construções sociais da realidade em nossa cultura (Ibid., p. 54); (d) demonstrar, através da análise dos dados coletados, que existem categorias, valores, temas, atividades, que se articulam, que fazem sentido uns em relação aos outros (Ibid., p. 52).

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ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e a suas regras. 4ª ed. São Paulo: Loyola, 2002. BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. GIOVANNI, Filoramo; PRANDI, Carlo. As Ciências das Religiões. São Paulo: Paulus, 1999. TERRIN, Aldo Natale. Antropologia e horizontes do sagrado. São Paulo: Paulus, 2004. ___________________. O Rito - antropologia e fenomenologia da ritualidade. São Paulo: Paulus, 2004. VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. SOUZA, Robson. Mulheres evangélicas e práticas religiosas: uma análise comparativa na perspectiva de gênero. 2013. 189p. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ. Disponível em: http://teses2.ufrj.br/30/teses/811562.pdf.

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