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TraduçãoLenita Esteves

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Copyright © 2015, Kevin Sands Tradução para a Língua Portuguesa © 2017, Casa da Palavra/LeYa, Lenita EstevesTítulo original: The Blackthorn Key

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.

Preparação: Elisa NogueiraRevisão: Fernanda Marão e Nina LopesDiagramação: Crayon Editorial e D29 | Sílvia DantasProjeto gráfico do miolo: Karin PaprockiProjeto gráfico da capa: James FraserImagem de capa: Antonio Javier CaparoAdaptação de capa e miolo: Leandro Dittz

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Angélica Ilacqua CRB ‑8/7057

Sands, KevinO enigma de Blackthorn / Kevin Sands ; tradução de Lenita

Esteves. – Rio de Janeiro : LeYa, 2017. 352 p.

ISBN 978 ‑85 ‑441 ‑0297‑8Título original: The Blackthorn Key

1. Literatura juvenil 2. Ficção 3. Sobrenatural – Ficção I. Título II. Esteves, Lenita

16‑0090 CDD 028.5

Índices para catálogo sistemático:1. Literatura juvenil

Todos os direitos reservados àEditora Casa da PalavraAvenida Calógeras, 6 | sala 70120030‑070 – Rio de Janeiro – RJwww.leya.com.br

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AdvertênciA:As receitas e os remédios citados neste

livro foram usados por boticários de verdade.

Existe uma explicação para o fato de não os

utilizarmos mais: uns são traiçoeiros, outros são

perigosos e alguns poucos são simplesmente

letais. Então, como dizem, não tente reproduzir

esses experimentos em casa. Sério!

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QUINTA ‑FEIRA, 28 DE MAIO DE 1665diA dA Ascensão

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ENCONTREI.Mestre Benedict disse que não estava nem um pouco sur‑

preso, várias vezes nos últimos três anos teve certeza de que

eu acabaria encontrando. Mas foi apenas na véspera do meu

aniversário de 14 anos que aquilo me ocorreu de forma tão

clara. Pensei que o próprio Deus havia sussurrado no meu

ouvido.

Meu mestre acha que ocasiões como essa devem ser lem‑

bradas. Por isso, como ele recomendou, anotei minha fór‑

mula. Meu mestre sugeriu o título.

A ideia mais idiota do Universo

por Christopher Rowe, aprendiz do

mestre Benedict Blackthorn, boticário

Método de manipulação:

Fuce as anotações particulares do seu mestre. Encontre

uma receita protegida por um código secreto e decifre ‑a.

Em seguida, roube os ingredientes necessários no esto‑

que. Finalmente — e este é o passo mais importante —

procure seu melhor amigo, um garoto de personalidade

forte e juízo fraco semelhantes aos seus, e diga a ele es‑

sas palavras: “Vamos construir um canhão.”

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C A P Í T U LO

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— VAMOS CONSTRUIR UM CANHÃO — FALEI.Tom não estava prestando atenção. Ele estava muito concen‑

trado, mordendo a língua, enquanto reunia forças para lutar

contra o urso preto empalhado que dominava a entrada da bo‑

tica do meu mestre. Tom tirou sua camisa de linho e jogou ‑a

num gesto heroico em cima das taças de antimônio que brilha‑

vam na bancada perto do fogo. Na prateleira de carvalho mais

próxima, ele pegou a tampa esmaltada de um frasco de boticá‑

rio (o Arrasa ‑Verrugas de Blackthorn, de acordo com os garran‑

chos escritos no rótulo) e segurou ‑a diante do peito como um

escudo em miniatura. Com a mão direita, ele brandia ameaça‑

doramente um rolo de macarrão.

Tom Bailey, filho do padeiro William, era o melhor solda‑

do de mentira que eu já tinha visto. Embora fosse apenas

dois meses mais velho que eu, ele já era um palmo mais alto

e tinha um corpo forte, mas meio gorducho, por causa do

seu hábito de roubar as tortas do pai. E, na segurança da

botica, longe dos horrores da batalha, como morte, sofri‑

mento e até mesmo uma suave reprimenda, a coragem de

Tom era inigualável.

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Ele olhava furioso para o urso sem vida. As tábuas do chão

rangeram quando ele avançou e ficou ao alcance das garras

maliciosamente curvas do animal. Tom empurrou a cristaleira

para o lado, fazendo as balanças de latão tinirem. Depois,

ergueu o rolo coberto de farinha numa espécie de continên‑

cia. A fera imóvel rugia silenciosamente em resposta, e seus

dentes de quase 3 centímetros prometiam matá ‑lo. Ou pelo

menos exigir vários minutos de tedioso polimento.

Eu me sentei no balcão no fundo da botica, com as per‑

nas penduradas, batendo os sapatos de couro contra a ma‑

deira entalhada. Era melhor ter paciência. Isso às vezes era

necessário com Tom, porque a mente dele funcionava quan‑

do queria.

— Acha que pode roubar minhas ovelhas, senhor Urso?

Não vou lhe dar trégua hoje!

De repente, ele interrompeu o gesto e o rolo de macarrão

ficou parado no meio da estocada. Quase pude ouvir as en‑

grenagens rangendo dentro da cabeça dele.

— Espere aí... O quê? — perguntou, virando ‑se para mim,

intrigado. — O que foi que você disse?

— Vamos construir um canhão — repeti.

— O que isso quer dizer?

— Exatamente o que você acha que quer dizer. Você e eu.

Vamos construir um canhão — respondi, abrindo os braços.

— Sabe? Bum?

Tom franziu a testa.

— Não podemos fazer isso.

— E por que não?

— Porque as pessoas não podem simplesmente cons‑

truir canhões, Christopher. — Ele falou isso como quem

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explica a uma criança pequena e boba por que ninguém

deve comer fogo.

— Mas é assim que os canhões são feitos. As pessoas

constroem canhões. Ou você acha que Deus envia canhões

aqui para baixo durante a Quaresma?

— Você entendeu o que eu quis dizer.

Cruzei os braços.

— Não entendo por que você não fica animado com isso.

— Talvez porque você nunca é o alvo dos seus esquemas

mirabolantes.

— Que esquemas? Não tenho esquema nenhum.

— Eu passei a noite inteira vomitando aquela “poção de

força” que você inventou.

Ele realmente estava com umas olheiras.

— Ah, entendi. Desculpe — falei, encolhendo ‑me um

pouco. — Acho que exagerei nos caracóis pretos. Não preci‑

sava de tantos.

— A poção precisava de menos Tom, na verdade.

— Também não banque o bebê chorão — respondi. —

Vomitar faz bem. Equilibra os humores do corpo.

— Gosto dos meus humores como eles são.

— Mas desta vez eu tenho uma receita — falei, pegando

o pergaminho e agitando ‑o diante dele. — Uma receita de

verdade. Do mestre Benedict.

— Como é que um canhão pode ser feito com uma receita?

— Não é o canhão inteiro. Só a pólvora.

Tom ficou paralisado. Ele olhou para os frascos à sua vol‑

ta, como se entre as centenas de poções, ervas e pós que

lotavam a botica houvesse um remédio que pudesse livrá ‑lo

daquela situação.

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— Isso é ilegal.

— Saber uma receita não é ilegal — respondi.

— Mas fazer é.

Bem, isso era verdade. Apenas os mestres e as pessoas

que têm uma certificação real podem produzir pólvora. E

estou muito longe de ser qualquer uma dessas coisas.

— E lorde Ashcombe está nas ruas hoje — disse Tom.

Isso sim me fez parar.

— Você o viu?

Tom fez que sim com a cabeça.

— Em Cheapside, depois da missa. Dois homens do rei

estavam com ele.

— Como ele é?

— Tem cara de malvado.

“Malvado” era exatamente o que eu tinha imaginado. Lor‑

de Richard Ashcombe, barão de Chillingham, era o guardião e

fiel general do rei Charles aqui em Londres. Ele estava na cida‑

de procurando um bando de assassinos. Nos últimos quatro

meses, cinco homens foram cruelmente assassinados em suas

casas. Cada um havia sido amarrado, torturado e tivera a bar‑

riga aberta para sangrar até morrer.

Três das vítimas eram boticários, um fato que me fazia

enxergar assassinos escondidos nas sombras noite após noi‑

te. Ninguém sabia direito o que esses assassinos queriam,

mas a chegada de lorde Ashcombe significava que o rei estava

determinado a detê ‑los. Lorde Ashcombe tinha a reputação

de se livrar dos homens hostis à Coroa enfiando a cabeça

deles em estacas colocadas nas praças para todo mundo ver.

Mesmo assim, não precisávamos ser tão cuidadosos.

— Lorde Ashcombe não vai vir aqui — falei, tanto para

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Tom quanto para mim mesmo. — A gente não matou nin‑

guém. E é bem improvável que o guardião do rei venha aqui

atrás de supositórios, você não acha?

— E o seu mestre? — perguntou Tom.

— Ele não precisa de supositório.

Tom fez uma careta.

— Quero saber quando ele vai voltar. Está quase na hora

do jantar — disse, pronunciando “hora do jantar” com cer‑

ta ansiedade.

— Mestre Benedict acabou de comprar a nova edição do

Tratado de ervas medicinais de Culpeper — respondi. — Ele

está na cafeteria com Hugh. Vão ficar um tempão lá.

Tom apertou o escudo contra o peito.

— É uma péssima ideia.

Saltei do balcão e sorri.

******

Para ser um boticário, você precisa entender uma coisa: a

receita é tudo.

Não é como assar um bolo. As poções, os cremes, as ge‑

leias e os pós preparados por mestre Benedict (com a minha

ajuda) exigem um toque incrivelmente delicado. Uma colhe‑

rada a menos de nitrato ou uma pitada a mais de anis pode

fazer seu fabuloso novo remédio para hidropisia se transfor‑

mar numa inútil meleca verde.

Mas receitas novas não caem do céu. É preciso descobri ‑las.

Isso leva semanas, meses, até anos de trabalho árduo.

E também custa uma fortuna: ingredientes, equipamentos,

carvão para alimentar o fogo, gelo para resfriar os produtos.

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Acima de tudo, é perigoso. Fogos ardentes. Metais derretidos.

Elixires com cheiro suave que corroem as entranhas. Tinturas

que parecem inofensivas como água, mas que exalam invisí‑

veis gases mortais. Cada novo experimento significa jogar com

a vida. Por isso, uma boa fórmula vale mais que ouro.

Se você conseguir lê ‑la.

↓M08→1110071710132216082211221315262422131722101608

2211221315262609191001132624040924101122131526

141422070415132608102613142611221322252208260

915260804141516132213

Tom coçou a cabeça.

— Achei que teria mais palavras e coisas.

— É um código.

Ele suspirou.

— Por que as receitas estão sempre em código?

— Porque os outros boticários fazem de tudo para roubar

seus segredos. Quando tiver minha própria botica — falei,

com orgulho —, vou colocar tudo em código. Ninguém vai

roubar as minhas receitas.

— Mas ninguém vai querer. A não ser que seja para pro‑

duzir veneno.

— Eu já pedi desculpas.

— Talvez essa receita esteja codificada porque o mestre

Benedict não quer que ninguém leia. E com “ninguém” eu

quero dizer você.

— Ele me ensina novos códigos toda semana.

— Ele ensinou esse?

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— Tenho certeza de que planeja ensinar.

— Christopher...

— Mas eu já decifrei. Veja — respondi, apontando para a

notação ↓M08→. — Isso é uma cifra de substituição. Cada

dupla de números representa uma letra e as setas indicam

como substituí ‑los. Comece com “08” e o substitua por “M”.

Depois continue contando: se 08 é “M”, 09 é “N” e assim

por diante.

Mostrei a ele a tabela que eu tinha feito.

A B C D E F G H I J K L M22 23 24 25 26 01 02 03 04 05 06 07 08

N O P Q R S T U V W X Y Z09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21

Tom olhou para a receita e depois para o grupo de núme‑

ros no topo da página.

— Então, se você substituir os números pelas letras

corretas...

— Você consegue ler a mensagem — respondi, virando

o pergaminho para mostrar a tradução que eu tinha escrito

no verso.

Pólvora

Uma parte carvão. Uma parte enxofre. Cinco partes sa‑

litre. Moer separadamente. Misturar.

E foi exatamente isso que fizemos. Nós nos sentamos

diante da grande mesa de trabalho, ficando o mais distante

possível da lareira. Tom sugeriu sabiamente que pólvora e

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fogo não são bons amigos. Ele tirou as colheres de sangria

que estavam na mesa e pegou os pilões e os almofarizes da

janela próxima do urso enquanto eu buscava os frascos com

os ingredientes das prateleiras.

Comecei moendo o carvão. Nuvens fuliginosas subiram

pelo ar, misturando ‑se com o cheiro de terra das raízes e er‑

vas secas que pendiam das vigas. Tom, olhando desconfiado

para a porta da frente, na expectativa de ver algum sinal do

meu mestre, cuidou do salitre, esmagando os cristais que

eram muito parecidos com sal de cozinha. O enxofre já esta‑

va na forma de um fino pó amarelo, então, enquanto Tom

misturava os ingredientes, peguei na sala dos fundos um

tubo de latão fechado numa das extremidades. Usei um pre‑

go para fazer um buraco perto da extremidade fechada. Nes‑

se buraco, introduzi um pedaço de corda cinzenta.

Tom arqueou as sobrancelhas.

— Mestre Benedict guarda estopins de canhão?

— A gente usa isso para acender coisas que estão longe.

— Sabe, coisas que estão longe provavelmente não deve‑

riam ser acesas.

A mistura resultante pareceu inofensiva, apenas um fino

pó preto. Tom a despejou na extremidade aberta do tubo

enquanto eu o segurava. Um pouco de pó escorreu pela late‑

ral, caindo no chão. Soquei o pó dentro do tubo com um

chumaço de algodão.

— O que vamos usar como bala do canhão? — pergun‑

tou Tom.

Mestre Benedict não tinha na botica nada que coubesse

bem dentro do tubo. O melhor que consegui arranjar foi um

punhado de balas de chumbo, cujas raspas usávamos em

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nossos remédios. Elas desceram pelo tubo, batendo nas pare‑

des, e caíram com um baque surdo no chumaço de algodão que

estava no fundo.

Agora precisávamos de um alvo, e rápido. Montar tudo

aquilo tinha levado muito tempo, e, embora eu garantisse a

Tom que meu mestre não retornaria tão cedo, suas idas e

vindas não eram exatamente previsíveis.

— A gente não vai disparar essa coisa lá fora — disse Tom.

Ele tinha razão. Os vizinhos não iam gostar de ver balas

de chumbo voando pela rua. E, apesar de o castor empalha‑

do sobre a lareira ser um alvo bastante tentador, havia ainda

menos chance de o mestre Benedict apreciar nossa iniciativa

se travássemos uma guerra contra os animais que enfeita‑

vam sua botica.

— Que tal aquilo? — sugeri, apontando para um pequeno

caldeirão de ferro pendurado perto da lareira. — Podemos

atirar no fundo dele.

Tom afastou as taças de antimônio que estavam na outra

mesa, abrindo espaço suficiente para colocar o caldeirão.

Peguei nosso canhão e o segurei com firmeza contra minha

barriga. Tom rasgou um pedaço do pergaminho onde estava

escrita nossa receita decifrada e o aproximou da lareira até

que ele pegasse fogo. Depois, acendeu o estopim do canhão.

Faíscas chiaram, correndo em direção ao cano como uma

vespa em chamas. Tom se enfiou atrás do balcão e ficou es‑

piando.

— Olhe isso! — exclamei, animado.

O estouro quase arrebentou meus ouvidos. Vi uma explo‑

são e um monte de fumaça. O tubo me deu um coice como se

fosse um touro furioso e me atingiu bem no meio das pernas.

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