MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE ORTE … - UTI -neonatal.pdf · de serviços e, ao...

25
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE P ARNAMIRIM- DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE PARNAMIRIM: URGENTE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através da 4ª Promotoria de Justiça de Parnamirim – Tutela da Saúde Pública, signatária da presente, situada na Avenida Prof. Clementino Câmara, n.º 230, Centro, Parnamirim/RN, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra o Município de Parnamirim, a ser intimado para o cumprimento da medida antecipatória adiante pleiteada na pessoa do Diretor da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior, Prefeito do Município de Parnamirim, Maurício Marques dos Santos, com endereço para intimações na Av. Tenente Medeiros, 105, Centro, Parnamirim, e endereço residencial na Rua Tenente Mario Jamal, 19, Cohabinal, Parnamirim/RN e posteriormente citado na pessoa do Procurador-Geral do Município, na sede da Procuradoria Geral do Município, aduzindo, para tanto, as razões de fato e de direito a seguir expendidas: I – SÍNTESE FÁTICA O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde, instaurou o Inquérito Civil n.º 04/2011 ( anexo I), a fim de verificar os recursos humanos da Maternidade Divino Amor. Durante o trâmite do Inquérito Civil, ocorreu em meados de junho a paralisação parcial das atividades da Maternidade Divino Amor em decorrência da greve. Diante desta situação grave e de a existência de uma UTI – Neonatal com 10 leitos no interior da Maternidade, esta Promotora de Justiça ingressou com Ação Civil Pública na Vara da Fazenda Pública em desfavor do

Transcript of MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE ORTE … - UTI -neonatal.pdf · de serviços e, ao...

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

4ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE PARNAMIRIM- DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA

COMARCA DE PARNAMIRIM:

URGENTE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através da 4ª

Promotoria de Justiça de Parnamirim – Tutela da Saúde Pública, signatária da presente, situada na

Avenida Prof. Clementino Câmara, n.º 230, Centro, Parnamirim/RN, vem, perante Vossa

Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra

o Município de Parnamirim, a ser intimado para o cumprimento da medida antecipatória adiante

pleiteada na pessoa do Diretor da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior,

Prefeito do Município de Parnamirim, Maurício Marques dos Santos, com endereço para

intimações na Av. Tenente Medeiros, 105, Centro, Parnamirim, e endereço residencial na Rua

Tenente Mario Jamal, 19, Cohabinal, Parnamirim/RN e posteriormente citado na pessoa do

Procurador-Geral do Município, na sede da Procuradoria Geral do Município, aduzindo, para

tanto, as razões de fato e de direito a seguir expendidas:

I – SÍNTESE FÁTICA

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Promotoria de

Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde, instaurou o Inquérito Civil n.º 04/2011 (anexo I), a fim

de verificar os recursos humanos da Maternidade Divino Amor.

Durante o trâmite do Inquérito Civil, ocorreu em meados de junho a paralisação

parcial das atividades da Maternidade Divino Amor em decorrência da greve. Diante desta situação

grave e de a existência de uma UTI – Neonatal com 10 leitos no interior da Maternidade, esta

Promotora de Justiça ingressou com Ação Civil Pública na Vara da Fazenda Pública em desfavor do

SINDMED ( Sindicato dos Médicos) , SINDSAÚDE (Sindicato dos Profissionais de Saúde ) e Município

de Parnamirim, a fim de garantir a continuidade do serviço no período de greve.

O Juiz da Vara da Fazenda pública, em 08 de julho de 2011, decidiu, liminarmente,

da seguinte forma:

a) Ao Sindicato dos Médicos do Estado do Rio Grande do Norte e ao Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Rio Grande do Norte que providenciem, em 48h (quarenta e oito horas), o retorno ao trabalho na Maternidade Divino Amor de todos os servidores dos setores urgência, emergência e UTI neonatal e de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos servidores necessários à realização das cirurgias eletivas obstetrícias, mesmo sem situação de urgência, para os partos cesárea e normal ;

b) Ao Município de Parnamirim que, em 72h (setenta e duas horas), implemente as medidas administrativas necessárias ao adequado funcionamento da aludida unidade hospitalar, inclusive com o atendimento eletivo (cirurgias ginecológicas e obstetrícia), consultas e exames ambulatoriais .

Por fim, fixou a multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o

caso de descumprimento da decisão.

Com efeito esta decisão vale para assegurar a continuidade dos serviço durante a

greve e que vem sendo descumprida pelo Município de Parnamirim, ocasião em que já está sendo

executado a multa judicial imposta para o Município adotar medidas administrativas para não

haver descontinuidade dos serviços da maternidade durante a greve dos médicos.

Todavia, a situação que se pretende tutelar na presente ação não é a garantia

dos serviços da UTI – Neonatal durante a greve, mas a insuficiência atual de profissionais para

compor a escala de plantão da UTI – Neonatal, em virtude do desligamento dos profissionais

contratados informalmente.

Nos autos do Inquérito Civil em anexo, consta Termo de Ajustamento de Conduta

(fls. 243/248 do IC - 04/2011) celebrado com esta Promotoria de Justiça e com a 1ª Promotoria

de Justiça com atribuições em defesa do Patrimônio Público e com o Município de Parnamirim, no

qual constatou-se que a Maternidade Divino Amor possui, aproximadamente, 189 servidores

efetivos, 27 contratações temporárias vencidas desde o mês de julho de 2010, 29 ocupantes de

cargos comissionados, que não correspondem na sua maioria a cargos de direção, chefia e

assessoramento e 135 contratados verbalmente, percebendo remuneração através de plantões

eventuais, sem possuir outro vínculo com o Município.

Já na UTI – neonatal encontramos o seguinte quadro de médicos : 01 intensivista

neonatal efetivo e nove contratados informalmente.

Diante desta situação, o Município obrigou-se a contratar temporariamente, de

modo formal, até 19 de agosto de 2011, os profissionais que hoje ocupam as funções de forma

precária e de até 31 de abril de 2012, nomear os que foram aprovados em concurso público.

Consta nos autos informações dos Coordenadores da obstetrícia, pediatria e UTI –

Neonatal ( fls. 267/273 do IC 04/11) que os contratados precariamente foram convocados a partir

do dia 21 de julho de 2011 até à direção da Maternidade para celebrarem o contrato de prestação

de serviços e, ao informarem que não assinariam o contrato no valor proposto, foram

comunicados pelo diretor da maternidade sobre o desligamento das suas funções na referida

Maternidade a partir de 1º de agosto de 2011.

Diante deste quadro, o Diretor da Maternidade solicitou aos Coordenadores e

responsáveis técnicos da obstetrícia, pediatria e neonatal que realizassem a escala de plantão

apenas com os profissionais concursados efetivos que compõe a Maternidade Divino Amor.

Resta importante, neste momento, considerar o fato de que os contratados que

prestavam serviços na UTI neonatal foram desligados das suas funções, independentes do motivo

de desfazimento do vínculo, se por iniciativa da direção ou deles mesmos que resolveram não

celebrar mais contrato com o Município nas condições que anteriormente estavam submetidos,

restando apenas a constatação de que a partir de hoje, 1º de agosto de 2011, somente existe um

médico intensivista neonatal para exercer as funções de responsável técnico, médico

diarista/rotineiro e médico plantonista nos termos da Resolução – RDC nº 7, de 24/02/2010 –

ANVISA( anexo II), nos 30 dias do mês de agosto.

É fato que esta única médica ingressou no plantão hoje às 7 horas da manhã e

estará se desligando às 19 horas, oportunidade em que deverá entregar o plantão ao Diretor

Técnico da Maternidade.

Assim há vidas de bebês, muitos deles prematuros e com baixo peso, que correm

risco de morte iminente diante da falta de providências adotadas pelo Município de Parnamirim.

No dia 29 de julho de 2011, esta Promotora de Justiça ao tomar ciência da situação

que ocorreria segunda-feira, 1º de agosto de 2011, concedeu prazo de 24 horas para o Prefeito,

Diretor-geral da Maternidade Divino Amor e Secretário Municípal de Saúde (fls.276/278) se

pronunciarem em relação as medidas que adotariam diante iminência de fechamento da UTI –

Neonatal hoje, não obtendo nenhuma resposta até a hora de impetração da presente ação.

Ocorre que atualmente consta na UTI -neonatal 06 (seis) recém-nascidos/lactentes

que se encontram internados na UTI Neonatal deste nosocômio ( fls. 279/287), a saber:

• Leito 1 - Luiz Guilherme Vital de Lima – DN 21/02/11;

• Leito 4 – RN de Yhonara Raíssa M. Ceciliano – DN 30/02/11,

• Leito 5 – RN de Valéria de Cássia Dionísia da Costa - DN 24/07/11;

• Leito 7 – RN de Tânia Cristina Borges – DN 26/07/11;

• Leito 8 – RN de Alane Ziele Noberto dos Santos – DN 26/07/11;

• Leito 9 – Ryan Gabriel Oliveira Duarte – DN 16/03/11;

Tais bebês necessitam de uma resposta urgente do judiciário para terem

garantido o direito à vida, tendo em vista a comunicação chegada, por volta das 8 horas e 40

minutos nesta Promotoria de Justiça, da Responsável Técnica da UTI – Neonatal de que em

face da inexistência de escala médica da UTI-Neonatal a partir de 01/08/11 restou

impossibilitado a manutenção da respectiva UTI- Neonatal, solicitando, em caráter

emergencial, a remoção imediata de tais crianças.

Pelos relatórios médicos constantes nos autos, os bebês apresentam problemas

graves, alguns com pesos de 730g, e os transportes para Natal, caso exista leitos disponíveis,

fatalmente ocasionarão riscos a saúde e a integridade da saúde destes neonatos.

As Unidades de Tratamento Intensivo neonatal são unidades hospitalares

destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco admitidos com idade entre 0 a 28

dias que dispõem de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos

específicos próprios, recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras

tecnologias destinadas a diagnóstico e terapêutica.

A UTI -neonatal funciona nas instalações da Maternidade Divino Amor com 10 leitos,

possuindo uma taxa de ocupação de 50 a 70% de leitos, conforme informação da Médica

Responsável pela UTI ( fls.270/272) . Atualmente, os leitos da UTI encontram-se em processo de

credenciamento junto ao Ministério da Saúde, aguardando apenas a publicação do

credenciamento dos 08 leitos de UTI – Neo.

Importante ressaltar que a UTI funcionava até o dia 31 de julho de 2011, com

pediatras capacitados tecnicamente para atuação em UTI – Neonatal e Pediátrica, em

conformidade com a RDC nº 07 de 24/02/2010, sendo as funções exercidas pelos seguintes

profissionais médicos:

• Ana Carolina Sarmento Torres – Intensivista Pediátrica;

• Célia Gilna M. Gomes - Neonatologista;

• Éric Calasans de Barros – Neonatologista;

• Tânia Eda da Costa Maruoka – Neonatologista;

• Iracema Augusta C. C. Muniz – Neonatologista e responsável técnica pela UTIN – única

efetiva do quadro;

• Thaysa Rebouças dos Santos – Neonatologista;

• Júlia Ferreira Lopes – Neonatologista;

• Michelle Cristina da Cunha Guerra – Neonatologista;

• Pollyanna da Rocha Gerôncio – Neonatologista;

• Tereza Iria de Queiroz Chaves - Neonatologista ;

Com efeito, a escala de plantão para o mês de agosto, entregue nesta Promotoria

de Justiça, pela Coordenadora da UTI – Neonatal, no dia 29 de julho de 2011 ( fls.273), em razão

de sua convocação para prestar depoimento nos autos do Inquérito Civil, não consta o nome de

nenhum profissional médico, uma vez que de acordo com a RDC já citada a coordenadora não

exerce as funções de plantonista.

A situação dos contratados, informalmente, em não desejarem continuar com os

serviços na respectiva UTI – Neo ocorre devido a grande insatisfação e desmotivação no ambiente

de trabalho. Segundo afirmou a Coordenadora em seu depoimento, muitos profissionais da UTI já

trabalhavam com sobrecarga de trabalho ocasionada pelo déficit de pessoal médico e por durante

longo período não terem direito a gozo de férias e falta por motivo de doença, mediante atestado

médico.

A falta de planejamento e sensibilidade do Município em solucionar o problema de

falta de recursos humanos resta evidente quando se percebe que desde 1997 não há concurso

público para a saúde no Município de Parnamirim e muitos dos profissionais acima citados

trabalham informalmente na Maternidade desde a abertura da UTI – Neonatal no ano de 2004,

quando ainda era localizada na antiga Maternidade Sadi Mendes. Dessa forma, observa-se que o

quadro caótico da atenção à gestante e ao neonato surge da ineficiência da administração

municipal que não busca uma solução desde a formação da UTI, na qual nunca houve efetivação

do corpo clínico.

Importante ressaltar que não é só os Munícipes de Parnamirim que restaram

desassistidos com o fechamento da UTI – Neonatal mais todos os 46 municípios que pactuaram com

Parnamirim e demais recém-nascidos que venham a necessitar de UTI – Neonatal, independente

de que localidade o sejam.

Para o funcionamento da UTI – Neonatal, de acordo com a Portaria GM/MS nº 3432

de 12 de agosto de 1998 e Resolução – RDC nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, da Diretoria

Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em anexo II, os recursos humanos de

médicos para funcionamento de uma UTI – Neonatal são os seguintes:

• Um responsável técnico com título de especialista em Pediatria com área de atuação em

Neonatologia;

• médico diarista/rotineiro1: 1 (um) para cada 10 (dez) leitos, nos turnos matutinos e

vespertino, com título de especialista em Pediatria com área de atuação em

Neonatologia;

• Médico plantonista2:no mínimo 1(um) para cada 10 (dez) leitos, em cada turno, devendo

estar disponível em tempo integral para assistência aos pacientes internados na UTI,

durante o horário em que estão escalados para atuação na UTI;

A situação de UTI – Neonatal no nosso Estado é bastante grave, uma vez que

somente possui este tipo de serviço os municípios de Mossoró, Currais Novos, Natal e Parnamirim,

conforme informações contidas no Plano Operativo Estadual para a redução da mortalidade

infantil – 2009 e 2010, em anexo III.

Na cidade de Natal, a rede pública possui aproximadamente 25 leitos de UTI

Neonatal ( fls. 306), para cobrir praticamente todo o Estado sendo a ampliação deste leitos

obstada diante da falta de recursos humanos qualificados, conforme informação contida no Plano

já citado.1 Profissional médico, legalmente habilitado, responsável pela garantia da continuidade do

plano assistencial e pelo acompanhamento diário de cada paciente;2 Profissional médico, legalmente habilitado, com atuação em regime de plantões;

Já na rede privada a situação ainda é mais grave, quando verificamos apenas 19

leitos de UTI – Neonatal, conforme informações colhidas no CNES ( Cadastro Nacional de

Estabelecimentos de Saúde), anexo IV.

Para ilustrar a deficiência de leitos de UTI – neo no Estado do Rio Grande Norte,

relevante informar a situação do maior hospital público que presta atendimento materno-infantil,

consoante informação da 47ª Promotoria de Justiça de Natal, repassando comunicado da

Coordenação do setor de Neonatologia em conjunto com a Direção Médica do Hospital Santa

Catarina – José Pedro Bezerra, quanto aos graves problemas de demora e impossibilidade de

plena prestação dos serviços de saúde voltados à parturiente e ao r ecém-nascido pela falta de

leitos de UTI neonatal. Destacam-se, por oportuno, os seguintes trechos :

“O Serviço de neonatologia do Hospital Dr. Jose Pedro Bezerra,

referência de alto risco para todo o Estado do Rio Grande do Norte, tem

um déficit crônico de recursos humanos, especialmente nas áreas de

medicina e enfermagem.

(...) Na situação atual, é impossível habilitarmos os 8 leitos de terapia

intensiva neonatal para o qual temos espaço e equipamentos, mas

infelizmente inexistência de recursos humanos. (...)

Reiteramos que para a reabertura dos 5 leitos de médio risco que foram

indisponibilizados por falta de recursos humanos de enfermagem, ainda

aguardamos uma resolução do órgão central da saúde. Essa situação

retarda o fluxo de pacientes egressos da UTI neonatal repercutindo na

disponibilidade de vagas.”

É importante salientar, Ilma Julgadora, que a impossibilidade de ativação de 08

(oito) leitos de UTI neonatal no maior hospital de referência do Estado ocorre por exclusiva falta

de recursos humanos, que já é de conhecimento público desde março do presente ano, quando

fora veiculada matéria jornalística intitulada “Sobram aparelhos, mas faltam médicos para criar

novos leitos”.

Assim, não se pode permitir o fechamento dos leitos de UTI – neonatal neste

Município, sob pena de agravar ainda mais o déficit de leitos de UTI – neo no Estado.

Pela gravidade da situação, com ameaça de suspensão de serviço essencial a usuário

prioritário (infanto-juvenil), o Ministério Público tentou que a administração adotasse algumas

medidas, que restaram ineptas e resta a seguinte indagação o que será feito com os recém-

nascidos após as 19 horas do dia de hoje, onde não existirá mais plantonistas para

cobrir a escala de plantão da UTI – Neonatal da Maternidade Divino Amor?

Assim, Nobre Julgador, aguardar eventual decisão da gestão sobre o que fazer no

caso concreto significa esperar que grave dano à coletividade se concretize, tornando-se

imprescindível a adoção das providências para a solução do problema o mais rápido possível,

garantindo que, imediatamente, hoje às 19 horas haja plantonista capacitado para continuar o

funcionamento da UTI – Neonatal da Maternidade Divino Amor.

E essas providências, considerado o esgotamento de todas as tentativas consensuais

possíveis junto à gestão do SUS, o Ministério Público entende que somente obterá pela via

judicial, com o Poder Judiciário solucionando a importante questão, impondo, pela força da lei,

ao caso concreto, as normas protetivas vigentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem

como resgatando o princípio da Prioridade Absoluta, previsto no artigo 227 da CF, caput e,

especialmente em seu §1º, onde se ler: “O Estado promoverá programas de assistência integral à

saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não

governamentais...”..

II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Preliminarmente, cumpre fixar a competência da Justiça da Infância e Juventude

para apreciação do conflito ora posto em Juízo, visto que é possível o surgimento de

questionamento dentro da relação processual que se formará a partir da interposição da presente

ação.

Primeiramente, devemos observar a disciplina trazida pela Lei n.º 8.069/90

(Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), concernente à competência da Justiça da Infância e

da Juventude.

Neste sentido, dispõe o art. 148, IV, do ECA:

“Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

(...)

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou

coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no artigo

209.”

27. Mais adiante, o Estatuto trata de esmiuçar a norma acima transcrita para

asseverar que:

“Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade

por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao

não oferecimento ou oferta irregular:

(...)

VII - de acesso às ações e serviços de saúde.”

Deste modo, pela sistemática do Estatuto, demandas em que se discutam ações e os

serviços de saúde frente ao direito de uma criança ou adolescente serão de competência do

Juizado da Infância e da Juventude, em respeito ao princípio constitucional do devido processo

legal.

O conceito de devido processo legal, na mesma medida em que aponta para um

processo observante da legislação vigente, também aponta, como o nome já indica, um processo

idôneo, apropriado à situação tutelável.

Desta forma, de acordo com o direito que se discute em juízo, haverá um tipo de

processo e de tutela jurisdicional apropriada, de forma a se resguardar a efetividade deste

direito.

Portanto, o princípio do devido processo legal apresenta uma plasticidade, de forma

a permitir a adequada prestação jurisdicional, variando de acordo com o tipo de direito, ou ainda

de acordo com o titular do direito, conforme o caso.

Na Infância e Juventude, o processo há de pautar-se pela garantia da prioridade

absoluta, conceito este que exige instrumentais apropriados de tutela aos direitos infantis. É esse

o caso das disposições do ECA, que representam normas especiais de proteção, tendo,

portanto, procedência sobre as normas gerais que determinam a competência das Varas da

Fazenda pública.

Tal assertiva ganha força ao se perceber que a especialidade das normas

estatutárias garante, dentre outros aspectos:

1º) o conhecimento da demanda por um Juízo dotado de uma equipe interdisciplinar, a qual

colabora com o magistrado na construção da solução em cada caso;

2º) o julgamento da causa dentro de um sistema de proteção e atendimento pautado pela

completude institucional, de forma a incitar os juristas a orientar suas posições dentro de um

maior espectro de contato com áreas afins às demandas da saúde (tais como educação e

assistência social);

3º) a aplicação de instrumentais de tutela diferenciados aos infantes, nos moldes previstos nos

arts. 208 e seguintes do ECA; e

4º) o comprometimento jurisdicional com a especificidade dos demandantes infanto-juvenis,

diferentemente de uma Vara da Fazenda Pública, em que os feitos relativos a crianças e

adolescentes dividiriam espaço com vários outros tipos de feitos em que o Poder Público seja

parte.

Deste modo, conclui-se que a garantia da prioridade absoluta será melhor

consubstanciada em feito que transcorra perante o Juizado da Infância e Juventude – daí o

disciplinamento estatutário.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por sua primeira turma, tem decidido,

de forma reiterada, pela competência da Vara da Infância e da Juventude, conforme ilustra o

acórdão abaixo transcrito:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA E CONDIÇÕES DA AÇÃO. AÇÃO CIVIL

PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO

DE PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ARTS.

148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRA

ESPECIAL. I - É competente a Vara da Infância e da Juventude do local onde

ocorreu a alegada omissão para processar e julgar ação civil pública ajuizada

contra o Estado para a construção de locais adequados para a orientação e

tratamento de crianças e adolescentes alcoólatras e toxicômanos, em face do

que dispõem os arts. 148, IV, 208, VII, e 209, do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Prevalecem estes dispositivos sobre a regra geral que prevê como

competentes as Varas de Fazenda Pública quando presentes como partes

Estado e Município. II - Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp

871204/RJ. Rel. Min. Francisco Falcão. 1ª Turma. DJ 29.03.07, p. 234).

É de se lembrar, ainda, que as normas de competência ora analisadas são de

natureza absoluta, como estabelece o art. 209 do ECA, de forma categórica:

“Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde

ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta

para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a

competência originária dos Tribunais Superiores.”

Por todas as implicações acima expostas, fixa-se a competência da Vara Infanto-

juvenil, uma vez ser a mesma que melhor resguardará, no caso concreto, a tutela dos direitos da

Infância e Juventude, assegurando julgamento com prioridade às causas que envolvam crianças e

adolescentes, face à conduta inadequada ou omissão do Poder Público, exatamente como é o caso

em baila.

III – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Indiscutível é a legitimidade do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

para figurar no pólo ativo da presente demanda. O artigo 129, inciso IX, da Carta Magna dispõe

que é função institucional do Ministério Público exercer outras atribuições que lhe forem

conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedado prestar consultoria

jurídica bem como representar judicialmente as entidades públicas.

Com efeito, o art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069,

de 13 de Julho de 1990, conferiu ao Parquet legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil

Pública para tutelar os interesses individuais da criança e do adolescente. Senão vejamos: “É

garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério

Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.” 40. Outrossim, assevera o

mesmo diploma legal, no artigo 201, que: “Compete ao Ministério Público: (…) V - promover o

inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou

coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso

II, da Constituição Federal;”.

Apenas para ilustrar e rebater quaisquer dúvidas, veja-se a posição do renomado

doutrinador HUGO NIGRO MAZZILLI3 a respeito do tema: “Na defesa de interesses apenas

individuais, raramente se justificará a iniciativa ou a intervenção da instituição. Poderão elas

ocorrer quando a questão diga respeito a questões de SAÚDE, educação, ou outras matérias

indisponíveis ou de grande relevância social. Assim, tanto é problema do promotor de justiça

zelar pelo acesso à educação de centenas ou milhares de menores, como de apenas uma única

criança.” (destaques acrescidos). 42. Patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do

RN para a propositura da presente ação.

IV – DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR

Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos artigos 196

a 200 da Constituição Federal, sendo a disposição específica do primeiro que:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação.”

O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito

fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos,

que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado.

Não se trata mais, portanto, de apenas impedir a intervenção do Estado em

desfavor das liberdades individuais, como nos direitos de primeira geração. Na verdade,

consoante ensinamentos de Alexandre de Moraes4, trazendo excerto de Acórdão do STF:

“Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos

fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem

histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente

3 In “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. Pág. 47. 4 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45.

reconhecidos. Como destaca Celso de Mello: c) enquanto os direitos de

primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades

clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos

de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se

identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o

princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam

poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as

formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um

momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e

reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores

fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade’ (STF

– Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,

17-11-1995, p. 39.206)”.

Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir

do Estado prestações sociais nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho,

etc.

Cumpre-nos ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o princípio

da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal e que se

apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.

Daniel Sarmento5, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de Interesses na

Constituição”, assevera que:

“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos

jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado

como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito

e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa

humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico,

como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em

todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito.

Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor

próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo

de respecto a la persona humana.”

Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro

axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e

5 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59.

balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se

desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado.

Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu

preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde.

Dentre eles está a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a qual estabelece, em

seu art. 2º, que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Poder Público prover

as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, assegurando acesso universal e igualitário às

ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Dispõe, ainda, que a atuação do Estado no que tange à Saúde será prestada através

do Sistema Único de Saúde – SUS, com ações e serviços desenvolvidos de acordo com as diretrizes

previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, ainda, aos princípios próprios, a teor dos arts. 4º e 7º,

abaixo transcritos:

“Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e

indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de

Saúde – SUS.”

“Art. 7°...................... I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em

todos os níveis de assistência; II - Integralidade de assistência, entendida como

um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos,

individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de

complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de

sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem

preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; ..................... XI – conjugação

de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à

saúde da população;”.

Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde

elenca como princípio a integralidade da assistência, definindo-a como um conjunto articulado e

contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em

todos os níveis de complexidade do sistema.

Contudo, os fatos narrados demonstram que, ao contrário do que dispõe a

legislação constitucional e infraconstitucional, o Sistema Único de Saúde, por intermédio de seus

órgãos com atribuição em nível municipal, não tem garantido o atendimento ao paciente mirim

de forma satisfatória, ignorando o acesso prioritário apregoado na Constituição Federal,

verbis:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão.”

Essa prioridade, inclusive, foi bastante reforçada no âmbito da política pública de

saúde, através da instituição da “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e

Redução da Mortalidade Infantil”, na qual o Ministério da Saúde estabelece a obrigatoriedade do

cuidado integral e multiprofissional da criança, que dê conta de compreender todas as suas

necessidades e direitos como indivíduo.

Tal agenda também traça as diretrizes para a organização de uma rede integrada de

assistência, que deve se basear nos princípios já garantidos na Constituição Federal, no Estatuto

da Criança e no Sistema Único de Saúde, como o direito de acesso prioritário aos serviços de

saúde, hierarquizados e com enfoque da integralidade do indivíduo e da assistência, que garantam

a resolubilidade adequada e promovam a eqüidade.

No caso do Município de Parnamirim, a Maternidade Divino Amor está sob gestão

municipal e é quem garante a assistência materno infantil, o que torna inconcebível a simples

menção da paralisação da sua UTI – neonatal.

Até porque, pelo princípio da eficiência da Administração Pública, a ela não cabe

apenas realizar o serviço, mas fazê-lo de modo a conseguir o melhor resultado possível, dispondo

de todos os meios necessários.

Corroborando essa afirmação, Leonardo José Carneiro da Cunha6 enumera os limites

ao poder discricionário da Administração Pública, incluindo: a própria lei que o autoriza, a

vinculação à consecução da finalidade pública, a existência e legitimidade dos motivos

determinantes, os princípios constitucionais da Administração Pública e os princípios da

proporcionalidade e razoabilidade.

No particular, quanto aos princípios da Administração Pública, o autor destaca o

princípio da eficiência, calcado no dever do administrador público atuar para alcançar o melhor

resultado possível, atendendo ao conteúdo dos referidos princípios.

Ainda, com base na lição de Juarez Freitas7, afirma que "na relação entre

discricionariedade e os princípios da eficiência (dever de fazer do modo certo), da eficácia

(dever de fazer aquilo que deve ser feito) e da economicidade (dever de otimizar a ação

estatal), o administrado público, no exercício das escolhas administrativas, está obrigado a

trabalhar tendo como meta a melhor atuação" .

Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do

6 A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 555. 7Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 29.

Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos

serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito fundamental

sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de

dificultar-se-lhe o acesso.

Corroborando a exposição acima, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se, nos

autos da ADPF 45, no sentido de promover e garantir o direito fundamental à saúde, conforme

dispõe trecho da decisão proferida em medida cautelar, da lavra do Min. Celso de Mello, a seguir

transcrito:

“(...) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções

institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a

atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA

DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p.

207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside,

primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto,

embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando

os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos

que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia

e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura

constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo

programático. (...) Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal

hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou

político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo,

arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o

estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de

condições materiais mínimas de existência. (...) Não obstante a formulação e a

execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que,

por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre

reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação

do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.”

Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Município de Parnamirim de garantir o

funcionamento da UTI neonatal inserida na Maternidade Divino Amor, que se encontra em vias

de fechamento, em visível dano à integridade física dos recém-nascidos e bebês que lá se

encontram ou que venham a necessitar deste serviço para viabilizar à vida.

A falta de recursos humanos médicos na UTI – neonatal da Maternidade Divino Amor

consiste na mais veemente negação do ordenamento pátrio brasileiro, patrocinada pelo

comportamento desidioso do réu. É de importância fundamental lembrar que a Constituição

federal de 1988 erigiu a saúde a direito fundamental de todo cidadão brasileiro e determinou

proteção à infância e à adolescência com prioridade absoluta.

Consistindo a falta de recursos humanos o principal entrave para que a UTI

-neonatal realize a atenção aos neonatos, resta evidente que o Ente Municipal Demandado possui

os meios necessários para viabilização da solução do problema que se apresenta. Entretanto, sem

apresentar motivo razoável ou de ordem constitucional, opta por não sanar a falta de recursos

humanos e mantém o desumano status quo, situação esta que demanda intervenção do Poder

Judiciário.

Cumpre evidenciar ainda, Ilma. Julgadora, que a atenção pré-natal, obstétrica e

neonatal humanizada e de qualidade é direito da mulher e do recém-nascido, nos termos da

Portaria MS nº 1.067, de 04/07/2005, diploma normativo este que institui a Política Nacional de

Atenção Obstétrica e Neonatal. Conforme estatuído em seu artigo 2º, são os seguintes os

princípios e diretrizes para a estruturação dessa política:

I - toda gestante tem direito ao acesso a atendimento digno e de

qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério;

II - toda gestante tem direito ao acompanhamento pré-natal adequado de

acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I desta

Portaria;

III - toda gestante tem direito de conhecer e ter assegurado o acesso à

maternidade em que será atendida no momento do parto;

IV - toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que

essa seja realizada de forma humanizada e segura, de acordo com os

princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I desta Portaria;

V - todo recém-nascido tem direito à assistência neonatal de forma

humanizada e segura;

VI - toda mulher e recém-nascido em situação de intercorrência

obstétrica e neonatal tem direito a atendimento adequado e seguro de

acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I

desta Portaria;

VII - as autoridades sanitárias dos âmbitos federal, estadual e

municipal são responsáveis pela garantia dos direitos enunciados nos

incisos acima; e

VIII - toda gestante tem o direito à presença de acompanhante durante o

trabalho de parto e pós-parto imediato de acordo com a Lei nº 11.108/05.

Reforçam os comandos normativos supracitados o Pacto Nacional pela Redução da

Mortalidade Materna e Neonatal, lançado em 2004, e aprovado na Comissão Intergestores

Tripartite e no Conselho Nacional de Saúde, visando à promoção da melhoria da atenção

obstétrica e neonatal através da mobilização e da participação de gestores das esferas Federal,

Estadual e Municipal e da sociedade civil organizada.

No mesmo sentido, foi elaborado o Pacto pela Saúde, aprovado pela Portaria MS nº

399, de 22 de fevereiro de 2006, tem entre as prioridades e objetivos previstos em seu

componente Pacto pela Vida a redução da mortalidade infantil e materna;

A questão posta apresenta repercussões de ordem internacional quando se observa

que a REDUÇÃO DA MORTALIDADE INFANTIL em pelo menos 15% até 2015 e a MELHORIA DA SAUDE

DAS GESTANTES configuram dois dos OITO OBJETIVOS DO MILÊNIO estabelecidos no ano 2000 pela

Organização das Nações Unidas (ONU).

Com o objetivo de atender aos compromissos assumidos internacionalmente, em

março de 2009, os Governadores dos Estados do Nordeste e da Amazônia Legal firmaram um

compromisso para acelerar a redução das desigualdades nessas duas regiões, tendo pactuado,

para tanto, quatro metas, dentre as quais estão a redução da mortalidade infantil (crianças

menores de um ano de idade) em, no mínimo, 5% ao ano, especialmente o componente

neonatal (até 27 dias de nascido), nos anos de 2009 e 2010.

Em recente data, 24 de junho de 2011, foi editada a Portaria nº. 1.459/2011,

voltada à instituição da Rede C egonha, como forma de assegurar à mulher o direito ao

planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem

como, à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento

saudáveis .

No cenário estadual, destaca-se o Plano Operativo Estadual voltado ao

estabelecimento de ações estratégicas para a redução da mortalidade infantil, distribuídas em

diferentes eixos ( anexo III).

Em 10 de março de 2010, no auditório da Secretaria de Estado da Saúde Pública, o

então Governador do Estado, Iberê Ferreira de Souza, e os Prefeitos dos nove municípios

prioritários do Estado, dentre eles o Município de Parnamirim, — assim considerados por serem

responsáveis por mais de 50% dos óbitos infantis no Rio Grande do Norte — assinaram Termos de

compromisso para a redução da mortalidade infantil, mediante os quais se comprometeram a

cumprir o Plano Estadual e os Planos Municipais para Redução da Mortalidade Infantil,

compromissos estes que foram renovados, ratificados e novamente assinados pelos representantes

dos mesmos municípios, incluindo Parnamirim, e, desta feita, pela atual Governadora do Estado,

Rosalba Ciarline Rosado, em solenidade realizada no dia 11 de abril de 2011, no centro de eventos

do Hotel Praiamar, nesta Cidade.

Os mencionados índices de mortalidade infantil, Excelentíssima Julgadora, são

estarrecedores. Entre os anos de 2000 e 2007 morreram 7.526 crianças menores de um ano

de idade no Estado do Rio Grande do No rte , sendo o maior número de ocorrências verificado na

capital Natal (2.058 óbitos), em Mossoró (716), em Parnamirim (354), em Caicó (170) e em

Ceará-Mirim (151). Desses óbitos prematuros, aproximadamente 76% das mortes de recém-

nascidos ocorrem por CAUSAS EVITÁVEIS, em sua maioria relacionadas à falta de atenção

adequada à mulher durante a gestação, no parto e também ao feto e ao bebê;

Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever

do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão

aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito

fundamental sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de

reduzi-lo ou de dificultar-se-lhe o acesso, ainda mais quando existe estrutura de UTI

-neonatal, com equipamento de alto custo, apta para atender aos recém nascidos, mas faltam

recursos humanos médicos para que a UTI continue funcionando plenamente e de forma

eficiente. Reafirma-se: AS ATUAIS CAUSAS PARA O FECHAMENTO DA UTI – NEONATAL SE DEVE

EXCLUSIVAMENTE À FALTA DE PESSOAL MÉDICOS E NÃO À FALHAS NA ESTRUTURA FÍSICA E

EQUIPAMENTOS DO SERVIÇO.

Corroborando a exposição realizada, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou

no sentido de promover e garantir o direito fundamental à saúde, conforme dispõe o seguinte

acórdão trazido à colação:

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA

PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO

DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À

SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA

EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.

1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na

prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual

ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser

óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma

alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia

do maior de todos os bens, que é a própria vida.

2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à

saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos

artigos 6º e 196.

3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população

carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua

sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos

pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº

238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel.

Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a

regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata.

Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em

1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do

Estado" (art. 196).

5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível

interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem

ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da

vida.

6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com

temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante

preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à

vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades

básicas dos cidadãos.

7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do

Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da

enfermidade da recorrente. (STJ. ROMS 11183/PR - 1999/0083884-0. DJ

04/09/2000, p. 121).

Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Município de Parnamirim de dotar a UTI –

neonatal dos profissionais necessários para o pleno funcionamento. A falta de recursos humanos

acarreta visível dano às integridades físicas e psíquicas dos infantes norte-riograndenses e

contribui para que os lamentáveis números de mortalidade infantil aumentem.

V – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

Dispõe o artigo 213 do ECA:

Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de

fazer ou não fazer o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou

determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao

do adimplemento:

§1º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado

receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela

liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.

§2º- O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor

multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for

suficiente e compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o

cumprimento do preceito.

O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 autoriza a concessão de medida de urgência em sede

de ação civil pública: “Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,

em decisão sujeita à agravo.”

Para tanto, mister que estejam presentes os requisitos do fumus boni iuris, que

vem a ser a plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, e do

periculum in mora, configurado em um dano potencial, um risco que corre o processo principal de

não ser útil ao interesse demonstrado pela parte.

In casu, a fumaça do bom direito restou evidenciada através de toda a

argumentação exarada nesta peça, notadamente da última informação apresentada pela

Responsável Técnica da UTI - Neonatal sobre a importância da Unidade para as crianças do

nosso Estado e os riscos da paralisação iminente serviço de UTI – Neonatal que causará risco

de morte aos que ali estão internados.

O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, representado pela

inobservância das disposições contidas na Constituição Federal, artigos 1°, incisos II e III, artigos

196 e 227, observando-se que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, bem como é

fundamento do Estado Democrático de Direito o respeito à cidadania e à dignidade da pessoa

humana.

A jurisprudência já tem mostrado ser possível a concessão da antecipação de tutela

em desfavor do Poder Público, notadamente quando se faz necessário a manutenção do estado de

saúde, conforme se pode conferir pela leitura das recentes decisões concessivas no âmbito do

nosso estado, em ações das Promotorias da Saúde:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 001.08.037821-9.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO

FUNDAMENTAL DO CIDADÃO À SAÚDE PÚBLICA, NO CONTEXTO DA PRÓPRIA

VIDA. DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO (UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIO)

DE PRESTAR TOTAL ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS DOENTES.

I – A cidadania e a dignidade da pessoa humana são princípios

fundamentais da República Federativa do Brasil, que tem entre os

seus objetivos, o de promover o bem-estar de toda coletividade (CF,

arts. 1º, II e III e 3º, IV).

II – É postulado constitucional o direito à saúde pública do cidadão,

no conteúdo da própria vida, bem como o dever do Estado, na acepção

genérica (União, Estados e Municípios), de oferecer total assistência

objetivando a prevenção, proteção e recuperação das pessoas

doentes, especialmente quando carentes de recursos financeiros para

assumir às suas expensas (CF,arts. 5º, caput, 196 e 197).

III – O Estado membro da federação poderá ser demandado pelo

Ministério Público, mediante ação civil pública, para assumir a

responsabilidade administrativa e financeira pelo atendimento

integral de pacientes internados em unidades de sua rede

hospitalar, ou que procurem assistência governamental,

assumindo, inclusive, o custeio perante entidades privadas para de

forma emergencial suprir as deficiências públicas.

IV – Para dar efetividade à sentença, o magistrado poderá adotar

medidas judiciais consistentes com a finalidade de solucionar a falta

ou deficiência no atendimento público às pessoas doentes, até mesmo

o bloqueio de verbas do erário para pagamento do tratamento

de saúde dos hipossuficientes, respaldado no artigo 461, § 5º, do

Código de Processo Civil.”

“ACP n.º 0037571-58.2009.8.20.0001 (001.09.037571-9).

CONCLUSÃO Ante o exposto, defiro liminarmente a tutela antecipada

requerida pelo Ministério Público Estadual, para determinar ao MUNICÍPIO

DE NATAL, por intermédio da Secretaria Municipal de Saúde, que no prazo

de 90 (noventa) dias: a) providencie a coleta do material e os exames

laboratoriais de baciloscopia em pelo menos 50% (cinquenta por cento) das

unidades de saúde de todos os distritos sanitários da cidade, assegurando

com isto o diagnóstico e o acompanhamento efetivos dos casos de

tuberculose; b) realize os exames de PPD (prova tuberculínica) e

radiológicos (Raio-X do tórax), quando necessário, informando quais os

serviços de referência para esses exames aos pacientes suspeitos de

tuberculose; c) implante o serviço de atendimento à criança no controle

de tuberculose no Centro Clínico Pediátrico do Alecrim, dotando-o dos

equipamentos, adequações estruturais e recursos humanos necessários.

Objetivando dar efetividade à decisão, aplicando as regras do art. 11

da Lei da Ação Civil Pública e do art. 461, §§ 4º e 5º do Código de

Processo Civil, arbitro multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais)

pessoalmente ao administrador ou servidor que injustificadamente

deixar de cumprir alguma das medidas, além da responsabilização

administrativa e penal, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a

pessoa jurídica de direito público (Município de Natal), a ser revertida

em prol do Fundo Municipal de Saúde e destinada à solução do problema

relacionado à tuberculose, notificando-se para tanto, por mandado, a

Procuradoria Geral do Município e o senhor Secretário Municipal de Saúde,

Thiago Barbosa Trindade. CITE-SE o demandado, na forma da lei, para que

possa responder à ação no prazo legal (art. 297, c/c os arts. 188, do CPC).

(…) Cumpra-se. Publique-se. Natal (RN), 06 de setembro de 2010. Luiz

Alberto Dantas Filho Juiz de Direito”.

De fato, não há dúvidas de que o ordenamento jurídico pátrio tutela o direito

invocado, com prioridade absoluta, na seara constitucional e mesmo legal.

Quanto ao perigo da demora, é certa a sua existência na medida em que a partir

de hoje, dia 1º de agosto de 2011, às 19 horas, não haverá mais cobertura da escala de

plantão de neonatais na UTI - Neonatal da Maternidade Divino Amor, colocando em risco a vida

dos que estão internados na unidade de terapia intensiva e aos recém-nascido que a ele

acorrerem para atendimentos que não podem esperar.

Caso o pedido somente venha a ser deferido em decisão judicial de mérito,

ocasionará a morte dos que hoje se encontram na unidade de terapia intensiva, pois faltará o

atendimento atualmente especializado e os equipamentos que os mantém vivos.

Assim, presentes os requisitos exigidos em Lei, requer esse Parquet, desde já, a

Vossa Excelência, a CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA, em caráter urgente, a fim de que seja

determinado ao Município de Parnamirim, pelo seu Prefeito, que garanta e viabilize,

imediatamente, a completude das escalas de plantão da UTI - Neonatal, através das seguintes

medidas administrativas abaixo explicitadas.

Vislumbre-se que o Município de Parnamirim é responsável administrativamente

e financeiramente pelo atendimento integral de pacientes internados na UTI – neonatal da

Maternidade Municipal Divino Amor, como também pelos que necessitarem deste serviço,

devendo, inclusive, assumir o custeio perante entidades privadas para de forma emergencial

suprir as deficiências públicas.

Porém, algumas ponderações quanto ao custeio perante entidades privadas

merecem reflexão:

Primeiro, diz respeito ao número insuficiente de leitos privados de UTI –

neonatal no Estado, quando se vislumbra que somente existem 19 leitos, e públicos, ,

aproximadamente, 42 para atender o Estado inteiro ( conforme informação contida no Plano

Estadual já citado).

Segundo, não existe qualquer impasse quanto a estrutura física ou equipamentos

da UTI – Neonatal, mas apenas embaraços relacionados a falta de médicos especializados, visto

que existe somente um único médico efetivo naquela unidade e os demais foram dispensados

verbalmente após se recusarem a assinar contrato com o Município nas condições salarias

propostas.

Terceiro, o custo de um dia de UTI privada é altamente dispendioso, no qual,

conforme informação telefônica com a Promater, somente a entrada de um paciente na UTI –

neonatal já custa aproximadamente R$ 600,00 (seiscentos reais) fora os custos com os

equipamentos que utilizarão e os medicamentos, bem como o contrato com o SUS para UTI –

adulta é de R$ 960,00 ( novecentos e sessenta reais) por dia de internação. Enquanto isto,

relevante informar que o Município mantém contrato com a COOPANEST (fls.299/305) para

prestação de serviços de plantão de anestesia na Maternidade Divino Amor sob o valor de R$

1.100,00 ( mil e cem reais), valor este compatível com o praticado no mercado.

Portanto, considerando que com o plantão no valor acima estipulado, no qual se

necessitará de dois plantonistas por 24 horas mais o valor que será pago ao médico

diarista/rotineiro (manhã e tarde) por dia, custará equivalente a 3 (três) recém-nascidos numa

UTI privada, porém com esta equipe, a este custo, será possível atender 10 leitos.

Assim, resta clarividente a economicidade da escolha de contratar recursos

humanos para a continuidade do serviço de UTI - neonatal.

Neste sentido, relevante citar novamente a lição de Juarez Freitas8, o qual

afirma que "na relação entre discricionariedade e os princípios da eficiência (dever de fazer

do modo certo), da eficácia (dever de fazer aquilo que deve ser feito) e da economicidade

(dever de otimizar a ação estatal), o administrado público, no exercício das escolhas

administrativas, está obrigado a trabalhar tendo como meta a melhor atuação" .

Importante, ainda, registrar que a necessidade de qualificação necessária para os

médicos que laboram na UTI, impede que a medida antecipatória seja a remoção de médicos de

outros serviços para as atividades na UTI, visto que o Município não possui em seu quadro

intensivistas neonatais em número suficiente para cobrir as escalas.

Por fim, deve-se também entender que a transferência destes recém-nascidos

provocará uma real exposição as suas vidas, conforme relatado nos relatórios médicos, pois diante

da fragilidade destes seres com menos de 1 kg, um transporte até Natal com certeza causará

riscos iminentes de morte. Neste sentido, interessante, citar parte do relatório médico do recém-

nascido de Alana Ziele Norberto dos Santos, de peso atual de 730g, quanto ao risco de

transferência informado pela Coordenadora Médica da UTI – Neonatal ( fls. 280): “ Ressalto

que, se inevitável a transferência desse recém-nascido para outra Unidade de Terapia

Intensiva, estaremos pondo em risco a sua vida durante o transporte, devido à fragilidade

de sua condição clínica, inerente à prematuridade e extremo baixo peso”.

Também, não há qualquer impedimento legal para pagamento dos profissionais no

valor proposto, visto que o Município não se encontra no seu limite prudencial de gastos com

pessoal, conforme informações prestadas pelo Controlador Geral do Município, em audiência

realizada com a 6ª Promotoria de Justiça ( fls. 292/297).

Assim, diante dos argumentos acima expostos e diante dos requisitos legalmente

exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional encontrarem-se

8Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 29.

presentes, o Ministério Público requer a Vossa Excelência que conceda a antecipação total da

tutela, determinando ao Município de Parnamirim, o seguinte:

1) A convocação e a contratação, imediata, de profissionais médicos capacitados para

exercerem as funções de médico plantonista e médico diarista/rotineiro da UTI –

neonatal, em número compatível para fechar escala e com a capacitação técnica

exigida pelas normas legais, para iniciarem as atividades a partir das 19 horas do dia

de hoje (01/08/2011) até a posse dos aprovados em concurso público, seja diretamente

ou através de Cooperativa Médica, com o valor de acordo com o praticado no mercado,

ou seja, ao que já é pago pelo Município de Parnamirim aos médicos da cooperativa de

anestesia que trabalham na Maternidade Divino Amor, qual seja de R$ 1.100,00 ( um

mil e cem reais) a fim de que não haja interrupção dos serviços de UTI – Neonatal.

Devendo o cumprimento da medida ocorrer da seguinte forma para que não haja

interrupção dos serviços:

a) a UTI – neonatal deverá funcionar nas 24 horas com: 02 médicos plantonista com escala

de 12 horas e 01 médico diarista/rotineiro para manhã e tarde, percebendo cada um deles a

importância de R$ 1.100,00 ( um mil e cem reais) por 12 horas de plantão e por 8 horas diárias de

trabalho na função de médico diarista/rotineiro;

b) a intimação da respectiva decisão deverá ocorrer , simultaneamente, no Diretor Geral

da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior, haja vista que o art. 7º , inciso I, da

RDC nº 7 de 2010, disciplina que: A direção do Hospital onde a UTI está inserida deve garantir:

o provimento dos recursos humanos e materiais necessários ao funcionamento da unidade e

à continuidade da atenção, em conformidade com as disposições desta RDC, e no Prefeito,

Maurício Marques dos Santos, em seu endereço profissional ou residencial.

c)Para dar efetividade à decisão e garantia aos profissionais que receberão os seus

honorários médicos no valor proposto acima, requer o bloqueio de verbas do erário,

especialmente as destinadas à publicidade, para pagamento dos profissionais médicos da

UTI – neonatal, respaldado no artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil.

2) Caso as medidas anteriores restem impossibilitadas, por alguma implicação de ordem

técnica, requer que o Município de Parnamirim seja responsabilizado administrativamente

e financeiramente pelo atendimento integral de pacientes internados na UTI - neonatal,

ou que procurem assistência municipal, assumindo, inclusive, o custeio perante

entidades privadas para de forma emergencial suprir as deficiências públicas. Para

garantir o pagamento das entidades privadas, requer o bloqueio de verbas do erário,

especialmente as destinadas à publicidade, respaldado no artigo 461, § 5º, do Código

de Processo Civil.

Requer, por fim, que seja aplicada multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais

pessoalmente ao administrador ou servidor que injustificadamente deixar de cumprir

alguma das medidas, além da responsabilização administrativa e penal, e de R$ 5.000,00

(cinco mil reais) para a pessoa jurídica de direito público (Município de Parnamirim), a ser

revertida em prol do Fundo Municipal de Saúde, nos termos do art. 11 da Lei da Ação Civil

Pública e do art. 461, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil.

VI – DO PEDIDO PRINCIPAL

Ante o exposto, requer a Vossa Excelência:

a) a citação do Município de Parnamirim para, querendo, responder à presente ação;

b) a confirmação da TUTELA ANTECIPADA concedida, notificando-se, para devido cumprimento, as

seguintes autoridades: Diretor Geral da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior,

com endereço na Av. Tenente Medeiros, 145, Centro, Parnamirim, e o Prefeito do Município,

Maurício Marques dos Santos, com endereço para intimações na Rua Tenente Medeiros, 105,

Centro, Parnamirim/RN, sob pena de multa por cada dia de descumprimento;

c) a CONDENAÇÃO do Município de Parnamirim, em obrigação de fazer, a fim de que que garanta e

viabilize, imediata e permanentemente, a completude das escalas de plantão da UTI – neonatal da

Maternidade Divino Amor, através da contratação temporária e posterior nomeação dos

concursados, quando finalizado o certame público previsto no Termo de Ajustamento de Conduta

para 30 de abril de 2012;

d) a fixação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais pessoalmente ao

administrador ou servidor que injustificadamente deixar de cumprir alguma das medidas,

além da responsabilização administrativa e penal, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a

pessoa jurídica de direito público (Município de Parnamirim), a ser revertida em prol do Fundo

Municipal de Saúde.

REQUER, MAIS AINDA, que as intimações dos atos processuais sejam pessoais, na

forma do artigo 236, §2º, do Código de Processo Civil, na Promotoria de Defesa dos Diretos da

Saúde .

Sem custas e emolumentos, em razão do disposto no artigo 18 da Lei n.º 7.347/85.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para efeitos fiscais.

Embora já tenha apresentado o Ministério Público Estadual prova pré-constituída

do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental, testemunhal (cujo rol

encontra-se ao final), pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao

pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a

apresentação da contestação.

Termos em que,

Confia no deferimento a fim que se decida pela preservação da vida.

Parnamirim (RN), 1º de agosto de 2011.

Luciana Maria Maciel Cavalcanti Ferreira de Melo

4ª Promotora de Justiça de Parnamirim

ROL DE TESTEMUNHAS:

• Iracema Augusta, Responsável Técnica pela UTI – neonatal da Maternidade Divino Amor,

com endereço residencial a Av. Rui Barbosa, 1122/902 -B, Lagoa Nova, Natal/RN;

• Ione Vilela da Silva Santos, Coordenadora da Pediatria na Maternidade Divino Amor,

com endereço a Rua Professor Saturnino, 1062, Nazaré, Natal/RN;

• BHETANIA GUEDES HORTENCIO VIANA, médica pediatra da Maternidade Divino Amor;

• Glícia Soares Silva, técnica da SESAP e Coordenadora do grupo de saúde da criança;

• Alssângela Costa Machado, técnica da Sesap, Coordenadora de atenção à saúde de alta

e média complexidade;

Luciana Maria Maciel Cavalcanti Ferreira de Melo

4ª Promotora de Justiça de Parnamirim