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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
4ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE PARNAMIRIM- DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA
EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA
COMARCA DE PARNAMIRIM:
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através da 4ª
Promotoria de Justiça de Parnamirim – Tutela da Saúde Pública, signatária da presente, situada na
Avenida Prof. Clementino Câmara, n.º 230, Centro, Parnamirim/RN, vem, perante Vossa
Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA contra
o Município de Parnamirim, a ser intimado para o cumprimento da medida antecipatória adiante
pleiteada na pessoa do Diretor da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior,
Prefeito do Município de Parnamirim, Maurício Marques dos Santos, com endereço para
intimações na Av. Tenente Medeiros, 105, Centro, Parnamirim, e endereço residencial na Rua
Tenente Mario Jamal, 19, Cohabinal, Parnamirim/RN e posteriormente citado na pessoa do
Procurador-Geral do Município, na sede da Procuradoria Geral do Município, aduzindo, para
tanto, as razões de fato e de direito a seguir expendidas:
I – SÍNTESE FÁTICA
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Promotoria de
Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde, instaurou o Inquérito Civil n.º 04/2011 (anexo I), a fim
de verificar os recursos humanos da Maternidade Divino Amor.
Durante o trâmite do Inquérito Civil, ocorreu em meados de junho a paralisação
parcial das atividades da Maternidade Divino Amor em decorrência da greve. Diante desta situação
grave e de a existência de uma UTI – Neonatal com 10 leitos no interior da Maternidade, esta
Promotora de Justiça ingressou com Ação Civil Pública na Vara da Fazenda Pública em desfavor do
SINDMED ( Sindicato dos Médicos) , SINDSAÚDE (Sindicato dos Profissionais de Saúde ) e Município
de Parnamirim, a fim de garantir a continuidade do serviço no período de greve.
O Juiz da Vara da Fazenda pública, em 08 de julho de 2011, decidiu, liminarmente,
da seguinte forma:
a) Ao Sindicato dos Médicos do Estado do Rio Grande do Norte e ao Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado do Rio Grande do Norte que providenciem, em 48h (quarenta e oito horas), o retorno ao trabalho na Maternidade Divino Amor de todos os servidores dos setores urgência, emergência e UTI neonatal e de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos servidores necessários à realização das cirurgias eletivas obstetrícias, mesmo sem situação de urgência, para os partos cesárea e normal ;
b) Ao Município de Parnamirim que, em 72h (setenta e duas horas), implemente as medidas administrativas necessárias ao adequado funcionamento da aludida unidade hospitalar, inclusive com o atendimento eletivo (cirurgias ginecológicas e obstetrícia), consultas e exames ambulatoriais .
Por fim, fixou a multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o
caso de descumprimento da decisão.
Com efeito esta decisão vale para assegurar a continuidade dos serviço durante a
greve e que vem sendo descumprida pelo Município de Parnamirim, ocasião em que já está sendo
executado a multa judicial imposta para o Município adotar medidas administrativas para não
haver descontinuidade dos serviços da maternidade durante a greve dos médicos.
Todavia, a situação que se pretende tutelar na presente ação não é a garantia
dos serviços da UTI – Neonatal durante a greve, mas a insuficiência atual de profissionais para
compor a escala de plantão da UTI – Neonatal, em virtude do desligamento dos profissionais
contratados informalmente.
Nos autos do Inquérito Civil em anexo, consta Termo de Ajustamento de Conduta
(fls. 243/248 do IC - 04/2011) celebrado com esta Promotoria de Justiça e com a 1ª Promotoria
de Justiça com atribuições em defesa do Patrimônio Público e com o Município de Parnamirim, no
qual constatou-se que a Maternidade Divino Amor possui, aproximadamente, 189 servidores
efetivos, 27 contratações temporárias vencidas desde o mês de julho de 2010, 29 ocupantes de
cargos comissionados, que não correspondem na sua maioria a cargos de direção, chefia e
assessoramento e 135 contratados verbalmente, percebendo remuneração através de plantões
eventuais, sem possuir outro vínculo com o Município.
Já na UTI – neonatal encontramos o seguinte quadro de médicos : 01 intensivista
neonatal efetivo e nove contratados informalmente.
Diante desta situação, o Município obrigou-se a contratar temporariamente, de
modo formal, até 19 de agosto de 2011, os profissionais que hoje ocupam as funções de forma
precária e de até 31 de abril de 2012, nomear os que foram aprovados em concurso público.
Consta nos autos informações dos Coordenadores da obstetrícia, pediatria e UTI –
Neonatal ( fls. 267/273 do IC 04/11) que os contratados precariamente foram convocados a partir
do dia 21 de julho de 2011 até à direção da Maternidade para celebrarem o contrato de prestação
de serviços e, ao informarem que não assinariam o contrato no valor proposto, foram
comunicados pelo diretor da maternidade sobre o desligamento das suas funções na referida
Maternidade a partir de 1º de agosto de 2011.
Diante deste quadro, o Diretor da Maternidade solicitou aos Coordenadores e
responsáveis técnicos da obstetrícia, pediatria e neonatal que realizassem a escala de plantão
apenas com os profissionais concursados efetivos que compõe a Maternidade Divino Amor.
Resta importante, neste momento, considerar o fato de que os contratados que
prestavam serviços na UTI neonatal foram desligados das suas funções, independentes do motivo
de desfazimento do vínculo, se por iniciativa da direção ou deles mesmos que resolveram não
celebrar mais contrato com o Município nas condições que anteriormente estavam submetidos,
restando apenas a constatação de que a partir de hoje, 1º de agosto de 2011, somente existe um
médico intensivista neonatal para exercer as funções de responsável técnico, médico
diarista/rotineiro e médico plantonista nos termos da Resolução – RDC nº 7, de 24/02/2010 –
ANVISA( anexo II), nos 30 dias do mês de agosto.
É fato que esta única médica ingressou no plantão hoje às 7 horas da manhã e
estará se desligando às 19 horas, oportunidade em que deverá entregar o plantão ao Diretor
Técnico da Maternidade.
Assim há vidas de bebês, muitos deles prematuros e com baixo peso, que correm
risco de morte iminente diante da falta de providências adotadas pelo Município de Parnamirim.
No dia 29 de julho de 2011, esta Promotora de Justiça ao tomar ciência da situação
que ocorreria segunda-feira, 1º de agosto de 2011, concedeu prazo de 24 horas para o Prefeito,
Diretor-geral da Maternidade Divino Amor e Secretário Municípal de Saúde (fls.276/278) se
pronunciarem em relação as medidas que adotariam diante iminência de fechamento da UTI –
Neonatal hoje, não obtendo nenhuma resposta até a hora de impetração da presente ação.
Ocorre que atualmente consta na UTI -neonatal 06 (seis) recém-nascidos/lactentes
que se encontram internados na UTI Neonatal deste nosocômio ( fls. 279/287), a saber:
• Leito 1 - Luiz Guilherme Vital de Lima – DN 21/02/11;
• Leito 4 – RN de Yhonara Raíssa M. Ceciliano – DN 30/02/11,
• Leito 5 – RN de Valéria de Cássia Dionísia da Costa - DN 24/07/11;
• Leito 7 – RN de Tânia Cristina Borges – DN 26/07/11;
• Leito 8 – RN de Alane Ziele Noberto dos Santos – DN 26/07/11;
• Leito 9 – Ryan Gabriel Oliveira Duarte – DN 16/03/11;
Tais bebês necessitam de uma resposta urgente do judiciário para terem
garantido o direito à vida, tendo em vista a comunicação chegada, por volta das 8 horas e 40
minutos nesta Promotoria de Justiça, da Responsável Técnica da UTI – Neonatal de que em
face da inexistência de escala médica da UTI-Neonatal a partir de 01/08/11 restou
impossibilitado a manutenção da respectiva UTI- Neonatal, solicitando, em caráter
emergencial, a remoção imediata de tais crianças.
Pelos relatórios médicos constantes nos autos, os bebês apresentam problemas
graves, alguns com pesos de 730g, e os transportes para Natal, caso exista leitos disponíveis,
fatalmente ocasionarão riscos a saúde e a integridade da saúde destes neonatos.
As Unidades de Tratamento Intensivo neonatal são unidades hospitalares
destinadas ao atendimento de pacientes graves ou de risco admitidos com idade entre 0 a 28
dias que dispõem de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos
específicos próprios, recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras
tecnologias destinadas a diagnóstico e terapêutica.
A UTI -neonatal funciona nas instalações da Maternidade Divino Amor com 10 leitos,
possuindo uma taxa de ocupação de 50 a 70% de leitos, conforme informação da Médica
Responsável pela UTI ( fls.270/272) . Atualmente, os leitos da UTI encontram-se em processo de
credenciamento junto ao Ministério da Saúde, aguardando apenas a publicação do
credenciamento dos 08 leitos de UTI – Neo.
Importante ressaltar que a UTI funcionava até o dia 31 de julho de 2011, com
pediatras capacitados tecnicamente para atuação em UTI – Neonatal e Pediátrica, em
conformidade com a RDC nº 07 de 24/02/2010, sendo as funções exercidas pelos seguintes
profissionais médicos:
• Ana Carolina Sarmento Torres – Intensivista Pediátrica;
• Célia Gilna M. Gomes - Neonatologista;
• Éric Calasans de Barros – Neonatologista;
• Tânia Eda da Costa Maruoka – Neonatologista;
• Iracema Augusta C. C. Muniz – Neonatologista e responsável técnica pela UTIN – única
efetiva do quadro;
• Thaysa Rebouças dos Santos – Neonatologista;
• Júlia Ferreira Lopes – Neonatologista;
• Michelle Cristina da Cunha Guerra – Neonatologista;
• Pollyanna da Rocha Gerôncio – Neonatologista;
• Tereza Iria de Queiroz Chaves - Neonatologista ;
Com efeito, a escala de plantão para o mês de agosto, entregue nesta Promotoria
de Justiça, pela Coordenadora da UTI – Neonatal, no dia 29 de julho de 2011 ( fls.273), em razão
de sua convocação para prestar depoimento nos autos do Inquérito Civil, não consta o nome de
nenhum profissional médico, uma vez que de acordo com a RDC já citada a coordenadora não
exerce as funções de plantonista.
A situação dos contratados, informalmente, em não desejarem continuar com os
serviços na respectiva UTI – Neo ocorre devido a grande insatisfação e desmotivação no ambiente
de trabalho. Segundo afirmou a Coordenadora em seu depoimento, muitos profissionais da UTI já
trabalhavam com sobrecarga de trabalho ocasionada pelo déficit de pessoal médico e por durante
longo período não terem direito a gozo de férias e falta por motivo de doença, mediante atestado
médico.
A falta de planejamento e sensibilidade do Município em solucionar o problema de
falta de recursos humanos resta evidente quando se percebe que desde 1997 não há concurso
público para a saúde no Município de Parnamirim e muitos dos profissionais acima citados
trabalham informalmente na Maternidade desde a abertura da UTI – Neonatal no ano de 2004,
quando ainda era localizada na antiga Maternidade Sadi Mendes. Dessa forma, observa-se que o
quadro caótico da atenção à gestante e ao neonato surge da ineficiência da administração
municipal que não busca uma solução desde a formação da UTI, na qual nunca houve efetivação
do corpo clínico.
Importante ressaltar que não é só os Munícipes de Parnamirim que restaram
desassistidos com o fechamento da UTI – Neonatal mais todos os 46 municípios que pactuaram com
Parnamirim e demais recém-nascidos que venham a necessitar de UTI – Neonatal, independente
de que localidade o sejam.
Para o funcionamento da UTI – Neonatal, de acordo com a Portaria GM/MS nº 3432
de 12 de agosto de 1998 e Resolução – RDC nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, da Diretoria
Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em anexo II, os recursos humanos de
médicos para funcionamento de uma UTI – Neonatal são os seguintes:
• Um responsável técnico com título de especialista em Pediatria com área de atuação em
Neonatologia;
• médico diarista/rotineiro1: 1 (um) para cada 10 (dez) leitos, nos turnos matutinos e
vespertino, com título de especialista em Pediatria com área de atuação em
Neonatologia;
• Médico plantonista2:no mínimo 1(um) para cada 10 (dez) leitos, em cada turno, devendo
estar disponível em tempo integral para assistência aos pacientes internados na UTI,
durante o horário em que estão escalados para atuação na UTI;
A situação de UTI – Neonatal no nosso Estado é bastante grave, uma vez que
somente possui este tipo de serviço os municípios de Mossoró, Currais Novos, Natal e Parnamirim,
conforme informações contidas no Plano Operativo Estadual para a redução da mortalidade
infantil – 2009 e 2010, em anexo III.
Na cidade de Natal, a rede pública possui aproximadamente 25 leitos de UTI
Neonatal ( fls. 306), para cobrir praticamente todo o Estado sendo a ampliação deste leitos
obstada diante da falta de recursos humanos qualificados, conforme informação contida no Plano
já citado.1 Profissional médico, legalmente habilitado, responsável pela garantia da continuidade do
plano assistencial e pelo acompanhamento diário de cada paciente;2 Profissional médico, legalmente habilitado, com atuação em regime de plantões;
Já na rede privada a situação ainda é mais grave, quando verificamos apenas 19
leitos de UTI – Neonatal, conforme informações colhidas no CNES ( Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde), anexo IV.
Para ilustrar a deficiência de leitos de UTI – neo no Estado do Rio Grande Norte,
relevante informar a situação do maior hospital público que presta atendimento materno-infantil,
consoante informação da 47ª Promotoria de Justiça de Natal, repassando comunicado da
Coordenação do setor de Neonatologia em conjunto com a Direção Médica do Hospital Santa
Catarina – José Pedro Bezerra, quanto aos graves problemas de demora e impossibilidade de
plena prestação dos serviços de saúde voltados à parturiente e ao r ecém-nascido pela falta de
leitos de UTI neonatal. Destacam-se, por oportuno, os seguintes trechos :
“O Serviço de neonatologia do Hospital Dr. Jose Pedro Bezerra,
referência de alto risco para todo o Estado do Rio Grande do Norte, tem
um déficit crônico de recursos humanos, especialmente nas áreas de
medicina e enfermagem.
(...) Na situação atual, é impossível habilitarmos os 8 leitos de terapia
intensiva neonatal para o qual temos espaço e equipamentos, mas
infelizmente inexistência de recursos humanos. (...)
Reiteramos que para a reabertura dos 5 leitos de médio risco que foram
indisponibilizados por falta de recursos humanos de enfermagem, ainda
aguardamos uma resolução do órgão central da saúde. Essa situação
retarda o fluxo de pacientes egressos da UTI neonatal repercutindo na
disponibilidade de vagas.”
É importante salientar, Ilma Julgadora, que a impossibilidade de ativação de 08
(oito) leitos de UTI neonatal no maior hospital de referência do Estado ocorre por exclusiva falta
de recursos humanos, que já é de conhecimento público desde março do presente ano, quando
fora veiculada matéria jornalística intitulada “Sobram aparelhos, mas faltam médicos para criar
novos leitos”.
Assim, não se pode permitir o fechamento dos leitos de UTI – neonatal neste
Município, sob pena de agravar ainda mais o déficit de leitos de UTI – neo no Estado.
Pela gravidade da situação, com ameaça de suspensão de serviço essencial a usuário
prioritário (infanto-juvenil), o Ministério Público tentou que a administração adotasse algumas
medidas, que restaram ineptas e resta a seguinte indagação o que será feito com os recém-
nascidos após as 19 horas do dia de hoje, onde não existirá mais plantonistas para
cobrir a escala de plantão da UTI – Neonatal da Maternidade Divino Amor?
Assim, Nobre Julgador, aguardar eventual decisão da gestão sobre o que fazer no
caso concreto significa esperar que grave dano à coletividade se concretize, tornando-se
imprescindível a adoção das providências para a solução do problema o mais rápido possível,
garantindo que, imediatamente, hoje às 19 horas haja plantonista capacitado para continuar o
funcionamento da UTI – Neonatal da Maternidade Divino Amor.
E essas providências, considerado o esgotamento de todas as tentativas consensuais
possíveis junto à gestão do SUS, o Ministério Público entende que somente obterá pela via
judicial, com o Poder Judiciário solucionando a importante questão, impondo, pela força da lei,
ao caso concreto, as normas protetivas vigentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem
como resgatando o princípio da Prioridade Absoluta, previsto no artigo 227 da CF, caput e,
especialmente em seu §1º, onde se ler: “O Estado promoverá programas de assistência integral à
saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não
governamentais...”..
II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Preliminarmente, cumpre fixar a competência da Justiça da Infância e Juventude
para apreciação do conflito ora posto em Juízo, visto que é possível o surgimento de
questionamento dentro da relação processual que se formará a partir da interposição da presente
ação.
Primeiramente, devemos observar a disciplina trazida pela Lei n.º 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), concernente à competência da Justiça da Infância e
da Juventude.
Neste sentido, dispõe o art. 148, IV, do ECA:
“Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
(...)
IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou
coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no artigo
209.”
27. Mais adiante, o Estatuto trata de esmiuçar a norma acima transcrita para
asseverar que:
“Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade
por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao
não oferecimento ou oferta irregular:
(...)
VII - de acesso às ações e serviços de saúde.”
Deste modo, pela sistemática do Estatuto, demandas em que se discutam ações e os
serviços de saúde frente ao direito de uma criança ou adolescente serão de competência do
Juizado da Infância e da Juventude, em respeito ao princípio constitucional do devido processo
legal.
O conceito de devido processo legal, na mesma medida em que aponta para um
processo observante da legislação vigente, também aponta, como o nome já indica, um processo
idôneo, apropriado à situação tutelável.
Desta forma, de acordo com o direito que se discute em juízo, haverá um tipo de
processo e de tutela jurisdicional apropriada, de forma a se resguardar a efetividade deste
direito.
Portanto, o princípio do devido processo legal apresenta uma plasticidade, de forma
a permitir a adequada prestação jurisdicional, variando de acordo com o tipo de direito, ou ainda
de acordo com o titular do direito, conforme o caso.
Na Infância e Juventude, o processo há de pautar-se pela garantia da prioridade
absoluta, conceito este que exige instrumentais apropriados de tutela aos direitos infantis. É esse
o caso das disposições do ECA, que representam normas especiais de proteção, tendo,
portanto, procedência sobre as normas gerais que determinam a competência das Varas da
Fazenda pública.
Tal assertiva ganha força ao se perceber que a especialidade das normas
estatutárias garante, dentre outros aspectos:
1º) o conhecimento da demanda por um Juízo dotado de uma equipe interdisciplinar, a qual
colabora com o magistrado na construção da solução em cada caso;
2º) o julgamento da causa dentro de um sistema de proteção e atendimento pautado pela
completude institucional, de forma a incitar os juristas a orientar suas posições dentro de um
maior espectro de contato com áreas afins às demandas da saúde (tais como educação e
assistência social);
3º) a aplicação de instrumentais de tutela diferenciados aos infantes, nos moldes previstos nos
arts. 208 e seguintes do ECA; e
4º) o comprometimento jurisdicional com a especificidade dos demandantes infanto-juvenis,
diferentemente de uma Vara da Fazenda Pública, em que os feitos relativos a crianças e
adolescentes dividiriam espaço com vários outros tipos de feitos em que o Poder Público seja
parte.
Deste modo, conclui-se que a garantia da prioridade absoluta será melhor
consubstanciada em feito que transcorra perante o Juizado da Infância e Juventude – daí o
disciplinamento estatutário.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por sua primeira turma, tem decidido,
de forma reiterada, pela competência da Vara da Infância e da Juventude, conforme ilustra o
acórdão abaixo transcrito:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA E CONDIÇÕES DA AÇÃO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO
DE PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ARTS.
148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRA
ESPECIAL. I - É competente a Vara da Infância e da Juventude do local onde
ocorreu a alegada omissão para processar e julgar ação civil pública ajuizada
contra o Estado para a construção de locais adequados para a orientação e
tratamento de crianças e adolescentes alcoólatras e toxicômanos, em face do
que dispõem os arts. 148, IV, 208, VII, e 209, do Estatuto da Criança e do
Adolescente. Prevalecem estes dispositivos sobre a regra geral que prevê como
competentes as Varas de Fazenda Pública quando presentes como partes
Estado e Município. II - Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp
871204/RJ. Rel. Min. Francisco Falcão. 1ª Turma. DJ 29.03.07, p. 234).
É de se lembrar, ainda, que as normas de competência ora analisadas são de
natureza absoluta, como estabelece o art. 209 do ECA, de forma categórica:
“Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde
ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta
para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a
competência originária dos Tribunais Superiores.”
Por todas as implicações acima expostas, fixa-se a competência da Vara Infanto-
juvenil, uma vez ser a mesma que melhor resguardará, no caso concreto, a tutela dos direitos da
Infância e Juventude, assegurando julgamento com prioridade às causas que envolvam crianças e
adolescentes, face à conduta inadequada ou omissão do Poder Público, exatamente como é o caso
em baila.
III – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Indiscutível é a legitimidade do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte
para figurar no pólo ativo da presente demanda. O artigo 129, inciso IX, da Carta Magna dispõe
que é função institucional do Ministério Público exercer outras atribuições que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedado prestar consultoria
jurídica bem como representar judicialmente as entidades públicas.
Com efeito, o art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069,
de 13 de Julho de 1990, conferiu ao Parquet legitimidade para o ajuizamento de Ação Civil
Pública para tutelar os interesses individuais da criança e do adolescente. Senão vejamos: “É
garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério
Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.” 40. Outrossim, assevera o
mesmo diploma legal, no artigo 201, que: “Compete ao Ministério Público: (…) V - promover o
inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou
coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso
II, da Constituição Federal;”.
Apenas para ilustrar e rebater quaisquer dúvidas, veja-se a posição do renomado
doutrinador HUGO NIGRO MAZZILLI3 a respeito do tema: “Na defesa de interesses apenas
individuais, raramente se justificará a iniciativa ou a intervenção da instituição. Poderão elas
ocorrer quando a questão diga respeito a questões de SAÚDE, educação, ou outras matérias
indisponíveis ou de grande relevância social. Assim, tanto é problema do promotor de justiça
zelar pelo acesso à educação de centenas ou milhares de menores, como de apenas uma única
criança.” (destaques acrescidos). 42. Patente, portanto, a legitimidade do Ministério Público do
RN para a propositura da presente ação.
IV – DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR
Os fundamentos básicos do direito à saúde no Brasil estão elencados nos artigos 196
a 200 da Constituição Federal, sendo a disposição específica do primeiro que:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.”
O direito à saúde, tal como assegurado na Constituição de 1988, configura direito
fundamental de segunda geração. Nesta geração estão os direitos sociais, culturais e econômicos,
que se caracterizam por exigirem prestações positivas do Estado.
Não se trata mais, portanto, de apenas impedir a intervenção do Estado em
desfavor das liberdades individuais, como nos direitos de primeira geração. Na verdade,
consoante ensinamentos de Alexandre de Moraes4, trazendo excerto de Acórdão do STF:
“Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem
histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente
3 In “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. Pág. 47. 4 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 44-45.
reconhecidos. Como destaca Celso de Mello: c) enquanto os direitos de
primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades
clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos
de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se
identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as
formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade’ (STF
– Pleno – MS n° 22164/SP – rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I,
17-11-1995, p. 39.206)”.
Destarte, os direitos de segunda geração conferem ao indivíduo o direito de exigir
do Estado prestações sociais nos campos da saúde, alimentação, educação, habitação, trabalho,
etc.
Cumpre-nos ressaltar, outrossim, que baliza nosso ordenamento jurídico o princípio
da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1°, inciso III, da Constituição Federal e que se
apresenta como fundamento da República Federativa do Brasil.
Daniel Sarmento5, em sua erudita obra intitulada “A Ponderação de Interesses na
Constituição”, assevera que:
“Na verdade, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos
jurídicos, a máxima kantiana, segundo a qual o Homem deve sempre ser tratado
como um fim em si mesmo e nunca como um meio. O ser humano precede o Direito
e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa
humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico,
como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção da sua dignidade, em
todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito.
Como afirma José Castan Tobena, el postulado primário del Derecho es el valor
próprio del hombre como valor superior e absoluto, o lo que es igual, el imperativo
de respecto a la persona humana.”
Nesta linha, o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro
axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e
5 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 59.
balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se
desenvolvem no seio da sociedade civil e do mercado.
Visando concretizar o mandamento constitucional, o legislador estabeleceu
preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde.
Dentre eles está a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a qual estabelece, em
seu art. 2º, que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Poder Público prover
as condições indispensáveis ao seu pleno exercício, assegurando acesso universal e igualitário às
ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
Dispõe, ainda, que a atuação do Estado no que tange à Saúde será prestada através
do Sistema Único de Saúde – SUS, com ações e serviços desenvolvidos de acordo com as diretrizes
previstas no artigo 198 da CF, obedecendo, ainda, aos princípios próprios, a teor dos arts. 4º e 7º,
abaixo transcritos:
“Art. 4°. O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e
indireta e das funções mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de
Saúde – SUS.”
“Art. 7°...................... I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em
todos os níveis de assistência; II - Integralidade de assistência, entendida como
um conjunto articulado e contínuo de serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de
complexidade do sistema; III – preservação da autonomia das pessoas na defesa de
sua integridade física e moral; IV – igualdade da assistência à saúde, sem
preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; ..................... XI – conjugação
de recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, na prestação de serviços de assistência à
saúde da população;”.
Verifica-se, destarte, que a própria norma disciplinadora do Sistema Único de Saúde
elenca como princípio a integralidade da assistência, definindo-a como um conjunto articulado e
contínuo de serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em
todos os níveis de complexidade do sistema.
Contudo, os fatos narrados demonstram que, ao contrário do que dispõe a
legislação constitucional e infraconstitucional, o Sistema Único de Saúde, por intermédio de seus
órgãos com atribuição em nível municipal, não tem garantido o atendimento ao paciente mirim
de forma satisfatória, ignorando o acesso prioritário apregoado na Constituição Federal,
verbis:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.”
Essa prioridade, inclusive, foi bastante reforçada no âmbito da política pública de
saúde, através da instituição da “Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da Criança e
Redução da Mortalidade Infantil”, na qual o Ministério da Saúde estabelece a obrigatoriedade do
cuidado integral e multiprofissional da criança, que dê conta de compreender todas as suas
necessidades e direitos como indivíduo.
Tal agenda também traça as diretrizes para a organização de uma rede integrada de
assistência, que deve se basear nos princípios já garantidos na Constituição Federal, no Estatuto
da Criança e no Sistema Único de Saúde, como o direito de acesso prioritário aos serviços de
saúde, hierarquizados e com enfoque da integralidade do indivíduo e da assistência, que garantam
a resolubilidade adequada e promovam a eqüidade.
No caso do Município de Parnamirim, a Maternidade Divino Amor está sob gestão
municipal e é quem garante a assistência materno infantil, o que torna inconcebível a simples
menção da paralisação da sua UTI – neonatal.
Até porque, pelo princípio da eficiência da Administração Pública, a ela não cabe
apenas realizar o serviço, mas fazê-lo de modo a conseguir o melhor resultado possível, dispondo
de todos os meios necessários.
Corroborando essa afirmação, Leonardo José Carneiro da Cunha6 enumera os limites
ao poder discricionário da Administração Pública, incluindo: a própria lei que o autoriza, a
vinculação à consecução da finalidade pública, a existência e legitimidade dos motivos
determinantes, os princípios constitucionais da Administração Pública e os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade.
No particular, quanto aos princípios da Administração Pública, o autor destaca o
princípio da eficiência, calcado no dever do administrador público atuar para alcançar o melhor
resultado possível, atendendo ao conteúdo dos referidos princípios.
Ainda, com base na lição de Juarez Freitas7, afirma que "na relação entre
discricionariedade e os princípios da eficiência (dever de fazer do modo certo), da eficácia
(dever de fazer aquilo que deve ser feito) e da economicidade (dever de otimizar a ação
estatal), o administrado público, no exercício das escolhas administrativas, está obrigado a
trabalhar tendo como meta a melhor atuação" .
Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do
6 A Fazenda Pública em Juízo. 7 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 555. 7Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 29.
Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos
serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito fundamental
sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de
dificultar-se-lhe o acesso.
Corroborando a exposição acima, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se, nos
autos da ADPF 45, no sentido de promover e garantir o direito fundamental à saúde, conforme
dispõe trecho da decisão proferida em medida cautelar, da lavra do Min. Celso de Mello, a seguir
transcrito:
“(...) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções
institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a
atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA
DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p.
207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto,
embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando
os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos
que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia
e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo
programático. (...) Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal
hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou
político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo,
arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência. (...) Não obstante a formulação e a
execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que,
por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre
reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação
do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.”
Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Município de Parnamirim de garantir o
funcionamento da UTI neonatal inserida na Maternidade Divino Amor, que se encontra em vias
de fechamento, em visível dano à integridade física dos recém-nascidos e bebês que lá se
encontram ou que venham a necessitar deste serviço para viabilizar à vida.
A falta de recursos humanos médicos na UTI – neonatal da Maternidade Divino Amor
consiste na mais veemente negação do ordenamento pátrio brasileiro, patrocinada pelo
comportamento desidioso do réu. É de importância fundamental lembrar que a Constituição
federal de 1988 erigiu a saúde a direito fundamental de todo cidadão brasileiro e determinou
proteção à infância e à adolescência com prioridade absoluta.
Consistindo a falta de recursos humanos o principal entrave para que a UTI
-neonatal realize a atenção aos neonatos, resta evidente que o Ente Municipal Demandado possui
os meios necessários para viabilização da solução do problema que se apresenta. Entretanto, sem
apresentar motivo razoável ou de ordem constitucional, opta por não sanar a falta de recursos
humanos e mantém o desumano status quo, situação esta que demanda intervenção do Poder
Judiciário.
Cumpre evidenciar ainda, Ilma. Julgadora, que a atenção pré-natal, obstétrica e
neonatal humanizada e de qualidade é direito da mulher e do recém-nascido, nos termos da
Portaria MS nº 1.067, de 04/07/2005, diploma normativo este que institui a Política Nacional de
Atenção Obstétrica e Neonatal. Conforme estatuído em seu artigo 2º, são os seguintes os
princípios e diretrizes para a estruturação dessa política:
I - toda gestante tem direito ao acesso a atendimento digno e de
qualidade no decorrer da gestação, parto e puerpério;
II - toda gestante tem direito ao acompanhamento pré-natal adequado de
acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I desta
Portaria;
III - toda gestante tem direito de conhecer e ter assegurado o acesso à
maternidade em que será atendida no momento do parto;
IV - toda gestante tem direito à assistência ao parto e ao puerpério e que
essa seja realizada de forma humanizada e segura, de acordo com os
princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I desta Portaria;
V - todo recém-nascido tem direito à assistência neonatal de forma
humanizada e segura;
VI - toda mulher e recém-nascido em situação de intercorrência
obstétrica e neonatal tem direito a atendimento adequado e seguro de
acordo com os princípios gerais e condições estabelecidas no Anexo I
desta Portaria;
VII - as autoridades sanitárias dos âmbitos federal, estadual e
municipal são responsáveis pela garantia dos direitos enunciados nos
incisos acima; e
VIII - toda gestante tem o direito à presença de acompanhante durante o
trabalho de parto e pós-parto imediato de acordo com a Lei nº 11.108/05.
Reforçam os comandos normativos supracitados o Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal, lançado em 2004, e aprovado na Comissão Intergestores
Tripartite e no Conselho Nacional de Saúde, visando à promoção da melhoria da atenção
obstétrica e neonatal através da mobilização e da participação de gestores das esferas Federal,
Estadual e Municipal e da sociedade civil organizada.
No mesmo sentido, foi elaborado o Pacto pela Saúde, aprovado pela Portaria MS nº
399, de 22 de fevereiro de 2006, tem entre as prioridades e objetivos previstos em seu
componente Pacto pela Vida a redução da mortalidade infantil e materna;
A questão posta apresenta repercussões de ordem internacional quando se observa
que a REDUÇÃO DA MORTALIDADE INFANTIL em pelo menos 15% até 2015 e a MELHORIA DA SAUDE
DAS GESTANTES configuram dois dos OITO OBJETIVOS DO MILÊNIO estabelecidos no ano 2000 pela
Organização das Nações Unidas (ONU).
Com o objetivo de atender aos compromissos assumidos internacionalmente, em
março de 2009, os Governadores dos Estados do Nordeste e da Amazônia Legal firmaram um
compromisso para acelerar a redução das desigualdades nessas duas regiões, tendo pactuado,
para tanto, quatro metas, dentre as quais estão a redução da mortalidade infantil (crianças
menores de um ano de idade) em, no mínimo, 5% ao ano, especialmente o componente
neonatal (até 27 dias de nascido), nos anos de 2009 e 2010.
Em recente data, 24 de junho de 2011, foi editada a Portaria nº. 1.459/2011,
voltada à instituição da Rede C egonha, como forma de assegurar à mulher o direito ao
planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem
como, à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento
saudáveis .
No cenário estadual, destaca-se o Plano Operativo Estadual voltado ao
estabelecimento de ações estratégicas para a redução da mortalidade infantil, distribuídas em
diferentes eixos ( anexo III).
Em 10 de março de 2010, no auditório da Secretaria de Estado da Saúde Pública, o
então Governador do Estado, Iberê Ferreira de Souza, e os Prefeitos dos nove municípios
prioritários do Estado, dentre eles o Município de Parnamirim, — assim considerados por serem
responsáveis por mais de 50% dos óbitos infantis no Rio Grande do Norte — assinaram Termos de
compromisso para a redução da mortalidade infantil, mediante os quais se comprometeram a
cumprir o Plano Estadual e os Planos Municipais para Redução da Mortalidade Infantil,
compromissos estes que foram renovados, ratificados e novamente assinados pelos representantes
dos mesmos municípios, incluindo Parnamirim, e, desta feita, pela atual Governadora do Estado,
Rosalba Ciarline Rosado, em solenidade realizada no dia 11 de abril de 2011, no centro de eventos
do Hotel Praiamar, nesta Cidade.
Os mencionados índices de mortalidade infantil, Excelentíssima Julgadora, são
estarrecedores. Entre os anos de 2000 e 2007 morreram 7.526 crianças menores de um ano
de idade no Estado do Rio Grande do No rte , sendo o maior número de ocorrências verificado na
capital Natal (2.058 óbitos), em Mossoró (716), em Parnamirim (354), em Caicó (170) e em
Ceará-Mirim (151). Desses óbitos prematuros, aproximadamente 76% das mortes de recém-
nascidos ocorrem por CAUSAS EVITÁVEIS, em sua maioria relacionadas à falta de atenção
adequada à mulher durante a gestação, no parto e também ao feto e ao bebê;
Destarte, uma vez que o art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever
do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão
aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação, não deve este direito
fundamental sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de
reduzi-lo ou de dificultar-se-lhe o acesso, ainda mais quando existe estrutura de UTI
-neonatal, com equipamento de alto custo, apta para atender aos recém nascidos, mas faltam
recursos humanos médicos para que a UTI continue funcionando plenamente e de forma
eficiente. Reafirma-se: AS ATUAIS CAUSAS PARA O FECHAMENTO DA UTI – NEONATAL SE DEVE
EXCLUSIVAMENTE À FALTA DE PESSOAL MÉDICOS E NÃO À FALHAS NA ESTRUTURA FÍSICA E
EQUIPAMENTOS DO SERVIÇO.
Corroborando a exposição realizada, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou
no sentido de promover e garantir o direito fundamental à saúde, conforme dispõe o seguinte
acórdão trazido à colação:
CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA
PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO
DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À
SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA
EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.
1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na
prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual
ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser
óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma
alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia
do maior de todos os bens, que é a própria vida.
2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à
saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos
artigos 6º e 196.
3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população
carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua
sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos
pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº
238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel.
Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).
4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a
regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata.
Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em
1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do
Estado" (art. 196).
5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível
interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem
ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da
vida.
6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com
temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante
preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à
vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades
básicas dos cidadãos.
7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do
Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da
enfermidade da recorrente. (STJ. ROMS 11183/PR - 1999/0083884-0. DJ
04/09/2000, p. 121).
Não há dúvida, pois, quanto ao dever do Município de Parnamirim de dotar a UTI –
neonatal dos profissionais necessários para o pleno funcionamento. A falta de recursos humanos
acarreta visível dano às integridades físicas e psíquicas dos infantes norte-riograndenses e
contribui para que os lamentáveis números de mortalidade infantil aumentem.
V – DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Dispõe o artigo 213 do ECA:
Art. 213. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou
determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento:
§1º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela
liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.
§2º- O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor
multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente e compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 autoriza a concessão de medida de urgência em sede
de ação civil pública: “Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia,
em decisão sujeita à agravo.”
Para tanto, mister que estejam presentes os requisitos do fumus boni iuris, que
vem a ser a plausibilidade do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, e do
periculum in mora, configurado em um dano potencial, um risco que corre o processo principal de
não ser útil ao interesse demonstrado pela parte.
In casu, a fumaça do bom direito restou evidenciada através de toda a
argumentação exarada nesta peça, notadamente da última informação apresentada pela
Responsável Técnica da UTI - Neonatal sobre a importância da Unidade para as crianças do
nosso Estado e os riscos da paralisação iminente serviço de UTI – Neonatal que causará risco
de morte aos que ali estão internados.
O fumus boni iuris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado, representado pela
inobservância das disposições contidas na Constituição Federal, artigos 1°, incisos II e III, artigos
196 e 227, observando-se que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, bem como é
fundamento do Estado Democrático de Direito o respeito à cidadania e à dignidade da pessoa
humana.
A jurisprudência já tem mostrado ser possível a concessão da antecipação de tutela
em desfavor do Poder Público, notadamente quando se faz necessário a manutenção do estado de
saúde, conforme se pode conferir pela leitura das recentes decisões concessivas no âmbito do
nosso estado, em ações das Promotorias da Saúde:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 001.08.037821-9.
EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO
FUNDAMENTAL DO CIDADÃO À SAÚDE PÚBLICA, NO CONTEXTO DA PRÓPRIA
VIDA. DEVER SOLIDÁRIO DO ESTADO (UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIO)
DE PRESTAR TOTAL ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS DOENTES.
I – A cidadania e a dignidade da pessoa humana são princípios
fundamentais da República Federativa do Brasil, que tem entre os
seus objetivos, o de promover o bem-estar de toda coletividade (CF,
arts. 1º, II e III e 3º, IV).
II – É postulado constitucional o direito à saúde pública do cidadão,
no conteúdo da própria vida, bem como o dever do Estado, na acepção
genérica (União, Estados e Municípios), de oferecer total assistência
objetivando a prevenção, proteção e recuperação das pessoas
doentes, especialmente quando carentes de recursos financeiros para
assumir às suas expensas (CF,arts. 5º, caput, 196 e 197).
III – O Estado membro da federação poderá ser demandado pelo
Ministério Público, mediante ação civil pública, para assumir a
responsabilidade administrativa e financeira pelo atendimento
integral de pacientes internados em unidades de sua rede
hospitalar, ou que procurem assistência governamental,
assumindo, inclusive, o custeio perante entidades privadas para de
forma emergencial suprir as deficiências públicas.
IV – Para dar efetividade à sentença, o magistrado poderá adotar
medidas judiciais consistentes com a finalidade de solucionar a falta
ou deficiência no atendimento público às pessoas doentes, até mesmo
o bloqueio de verbas do erário para pagamento do tratamento
de saúde dos hipossuficientes, respaldado no artigo 461, § 5º, do
Código de Processo Civil.”
“ACP n.º 0037571-58.2009.8.20.0001 (001.09.037571-9).
CONCLUSÃO Ante o exposto, defiro liminarmente a tutela antecipada
requerida pelo Ministério Público Estadual, para determinar ao MUNICÍPIO
DE NATAL, por intermédio da Secretaria Municipal de Saúde, que no prazo
de 90 (noventa) dias: a) providencie a coleta do material e os exames
laboratoriais de baciloscopia em pelo menos 50% (cinquenta por cento) das
unidades de saúde de todos os distritos sanitários da cidade, assegurando
com isto o diagnóstico e o acompanhamento efetivos dos casos de
tuberculose; b) realize os exames de PPD (prova tuberculínica) e
radiológicos (Raio-X do tórax), quando necessário, informando quais os
serviços de referência para esses exames aos pacientes suspeitos de
tuberculose; c) implante o serviço de atendimento à criança no controle
de tuberculose no Centro Clínico Pediátrico do Alecrim, dotando-o dos
equipamentos, adequações estruturais e recursos humanos necessários.
Objetivando dar efetividade à decisão, aplicando as regras do art. 11
da Lei da Ação Civil Pública e do art. 461, §§ 4º e 5º do Código de
Processo Civil, arbitro multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais)
pessoalmente ao administrador ou servidor que injustificadamente
deixar de cumprir alguma das medidas, além da responsabilização
administrativa e penal, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a
pessoa jurídica de direito público (Município de Natal), a ser revertida
em prol do Fundo Municipal de Saúde e destinada à solução do problema
relacionado à tuberculose, notificando-se para tanto, por mandado, a
Procuradoria Geral do Município e o senhor Secretário Municipal de Saúde,
Thiago Barbosa Trindade. CITE-SE o demandado, na forma da lei, para que
possa responder à ação no prazo legal (art. 297, c/c os arts. 188, do CPC).
(…) Cumpra-se. Publique-se. Natal (RN), 06 de setembro de 2010. Luiz
Alberto Dantas Filho Juiz de Direito”.
De fato, não há dúvidas de que o ordenamento jurídico pátrio tutela o direito
invocado, com prioridade absoluta, na seara constitucional e mesmo legal.
Quanto ao perigo da demora, é certa a sua existência na medida em que a partir
de hoje, dia 1º de agosto de 2011, às 19 horas, não haverá mais cobertura da escala de
plantão de neonatais na UTI - Neonatal da Maternidade Divino Amor, colocando em risco a vida
dos que estão internados na unidade de terapia intensiva e aos recém-nascido que a ele
acorrerem para atendimentos que não podem esperar.
Caso o pedido somente venha a ser deferido em decisão judicial de mérito,
ocasionará a morte dos que hoje se encontram na unidade de terapia intensiva, pois faltará o
atendimento atualmente especializado e os equipamentos que os mantém vivos.
Assim, presentes os requisitos exigidos em Lei, requer esse Parquet, desde já, a
Vossa Excelência, a CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA, em caráter urgente, a fim de que seja
determinado ao Município de Parnamirim, pelo seu Prefeito, que garanta e viabilize,
imediatamente, a completude das escalas de plantão da UTI - Neonatal, através das seguintes
medidas administrativas abaixo explicitadas.
Vislumbre-se que o Município de Parnamirim é responsável administrativamente
e financeiramente pelo atendimento integral de pacientes internados na UTI – neonatal da
Maternidade Municipal Divino Amor, como também pelos que necessitarem deste serviço,
devendo, inclusive, assumir o custeio perante entidades privadas para de forma emergencial
suprir as deficiências públicas.
Porém, algumas ponderações quanto ao custeio perante entidades privadas
merecem reflexão:
Primeiro, diz respeito ao número insuficiente de leitos privados de UTI –
neonatal no Estado, quando se vislumbra que somente existem 19 leitos, e públicos, ,
aproximadamente, 42 para atender o Estado inteiro ( conforme informação contida no Plano
Estadual já citado).
Segundo, não existe qualquer impasse quanto a estrutura física ou equipamentos
da UTI – Neonatal, mas apenas embaraços relacionados a falta de médicos especializados, visto
que existe somente um único médico efetivo naquela unidade e os demais foram dispensados
verbalmente após se recusarem a assinar contrato com o Município nas condições salarias
propostas.
Terceiro, o custo de um dia de UTI privada é altamente dispendioso, no qual,
conforme informação telefônica com a Promater, somente a entrada de um paciente na UTI –
neonatal já custa aproximadamente R$ 600,00 (seiscentos reais) fora os custos com os
equipamentos que utilizarão e os medicamentos, bem como o contrato com o SUS para UTI –
adulta é de R$ 960,00 ( novecentos e sessenta reais) por dia de internação. Enquanto isto,
relevante informar que o Município mantém contrato com a COOPANEST (fls.299/305) para
prestação de serviços de plantão de anestesia na Maternidade Divino Amor sob o valor de R$
1.100,00 ( mil e cem reais), valor este compatível com o praticado no mercado.
Portanto, considerando que com o plantão no valor acima estipulado, no qual se
necessitará de dois plantonistas por 24 horas mais o valor que será pago ao médico
diarista/rotineiro (manhã e tarde) por dia, custará equivalente a 3 (três) recém-nascidos numa
UTI privada, porém com esta equipe, a este custo, será possível atender 10 leitos.
Assim, resta clarividente a economicidade da escolha de contratar recursos
humanos para a continuidade do serviço de UTI - neonatal.
Neste sentido, relevante citar novamente a lição de Juarez Freitas8, o qual
afirma que "na relação entre discricionariedade e os princípios da eficiência (dever de fazer
do modo certo), da eficácia (dever de fazer aquilo que deve ser feito) e da economicidade
(dever de otimizar a ação estatal), o administrado público, no exercício das escolhas
administrativas, está obrigado a trabalhar tendo como meta a melhor atuação" .
Importante, ainda, registrar que a necessidade de qualificação necessária para os
médicos que laboram na UTI, impede que a medida antecipatória seja a remoção de médicos de
outros serviços para as atividades na UTI, visto que o Município não possui em seu quadro
intensivistas neonatais em número suficiente para cobrir as escalas.
Por fim, deve-se também entender que a transferência destes recém-nascidos
provocará uma real exposição as suas vidas, conforme relatado nos relatórios médicos, pois diante
da fragilidade destes seres com menos de 1 kg, um transporte até Natal com certeza causará
riscos iminentes de morte. Neste sentido, interessante, citar parte do relatório médico do recém-
nascido de Alana Ziele Norberto dos Santos, de peso atual de 730g, quanto ao risco de
transferência informado pela Coordenadora Médica da UTI – Neonatal ( fls. 280): “ Ressalto
que, se inevitável a transferência desse recém-nascido para outra Unidade de Terapia
Intensiva, estaremos pondo em risco a sua vida durante o transporte, devido à fragilidade
de sua condição clínica, inerente à prematuridade e extremo baixo peso”.
Também, não há qualquer impedimento legal para pagamento dos profissionais no
valor proposto, visto que o Município não se encontra no seu limite prudencial de gastos com
pessoal, conforme informações prestadas pelo Controlador Geral do Município, em audiência
realizada com a 6ª Promotoria de Justiça ( fls. 292/297).
Assim, diante dos argumentos acima expostos e diante dos requisitos legalmente
exigidos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional encontrarem-se
8Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 29.
presentes, o Ministério Público requer a Vossa Excelência que conceda a antecipação total da
tutela, determinando ao Município de Parnamirim, o seguinte:
1) A convocação e a contratação, imediata, de profissionais médicos capacitados para
exercerem as funções de médico plantonista e médico diarista/rotineiro da UTI –
neonatal, em número compatível para fechar escala e com a capacitação técnica
exigida pelas normas legais, para iniciarem as atividades a partir das 19 horas do dia
de hoje (01/08/2011) até a posse dos aprovados em concurso público, seja diretamente
ou através de Cooperativa Médica, com o valor de acordo com o praticado no mercado,
ou seja, ao que já é pago pelo Município de Parnamirim aos médicos da cooperativa de
anestesia que trabalham na Maternidade Divino Amor, qual seja de R$ 1.100,00 ( um
mil e cem reais) a fim de que não haja interrupção dos serviços de UTI – Neonatal.
Devendo o cumprimento da medida ocorrer da seguinte forma para que não haja
interrupção dos serviços:
a) a UTI – neonatal deverá funcionar nas 24 horas com: 02 médicos plantonista com escala
de 12 horas e 01 médico diarista/rotineiro para manhã e tarde, percebendo cada um deles a
importância de R$ 1.100,00 ( um mil e cem reais) por 12 horas de plantão e por 8 horas diárias de
trabalho na função de médico diarista/rotineiro;
b) a intimação da respectiva decisão deverá ocorrer , simultaneamente, no Diretor Geral
da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior, haja vista que o art. 7º , inciso I, da
RDC nº 7 de 2010, disciplina que: A direção do Hospital onde a UTI está inserida deve garantir:
o provimento dos recursos humanos e materiais necessários ao funcionamento da unidade e
à continuidade da atenção, em conformidade com as disposições desta RDC, e no Prefeito,
Maurício Marques dos Santos, em seu endereço profissional ou residencial.
c)Para dar efetividade à decisão e garantia aos profissionais que receberão os seus
honorários médicos no valor proposto acima, requer o bloqueio de verbas do erário,
especialmente as destinadas à publicidade, para pagamento dos profissionais médicos da
UTI – neonatal, respaldado no artigo 461, § 5º, do Código de Processo Civil.
2) Caso as medidas anteriores restem impossibilitadas, por alguma implicação de ordem
técnica, requer que o Município de Parnamirim seja responsabilizado administrativamente
e financeiramente pelo atendimento integral de pacientes internados na UTI - neonatal,
ou que procurem assistência municipal, assumindo, inclusive, o custeio perante
entidades privadas para de forma emergencial suprir as deficiências públicas. Para
garantir o pagamento das entidades privadas, requer o bloqueio de verbas do erário,
especialmente as destinadas à publicidade, respaldado no artigo 461, § 5º, do Código
de Processo Civil.
Requer, por fim, que seja aplicada multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais
pessoalmente ao administrador ou servidor que injustificadamente deixar de cumprir
alguma das medidas, além da responsabilização administrativa e penal, e de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) para a pessoa jurídica de direito público (Município de Parnamirim), a ser
revertida em prol do Fundo Municipal de Saúde, nos termos do art. 11 da Lei da Ação Civil
Pública e do art. 461, §§ 4º e 5º do Código de Processo Civil.
VI – DO PEDIDO PRINCIPAL
Ante o exposto, requer a Vossa Excelência:
a) a citação do Município de Parnamirim para, querendo, responder à presente ação;
b) a confirmação da TUTELA ANTECIPADA concedida, notificando-se, para devido cumprimento, as
seguintes autoridades: Diretor Geral da Maternidade Divino Amor, João Antônio de Brito Júnior,
com endereço na Av. Tenente Medeiros, 145, Centro, Parnamirim, e o Prefeito do Município,
Maurício Marques dos Santos, com endereço para intimações na Rua Tenente Medeiros, 105,
Centro, Parnamirim/RN, sob pena de multa por cada dia de descumprimento;
c) a CONDENAÇÃO do Município de Parnamirim, em obrigação de fazer, a fim de que que garanta e
viabilize, imediata e permanentemente, a completude das escalas de plantão da UTI – neonatal da
Maternidade Divino Amor, através da contratação temporária e posterior nomeação dos
concursados, quando finalizado o certame público previsto no Termo de Ajustamento de Conduta
para 30 de abril de 2012;
d) a fixação de multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil) reais pessoalmente ao
administrador ou servidor que injustificadamente deixar de cumprir alguma das medidas,
além da responsabilização administrativa e penal, e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para a
pessoa jurídica de direito público (Município de Parnamirim), a ser revertida em prol do Fundo
Municipal de Saúde.
REQUER, MAIS AINDA, que as intimações dos atos processuais sejam pessoais, na
forma do artigo 236, §2º, do Código de Processo Civil, na Promotoria de Defesa dos Diretos da
Saúde .
Sem custas e emolumentos, em razão do disposto no artigo 18 da Lei n.º 7.347/85.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos.
Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), para efeitos fiscais.
Embora já tenha apresentado o Ministério Público Estadual prova pré-constituída
do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental, testemunhal (cujo rol
encontra-se ao final), pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao
pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a
apresentação da contestação.
Termos em que,
Confia no deferimento a fim que se decida pela preservação da vida.
Parnamirim (RN), 1º de agosto de 2011.
Luciana Maria Maciel Cavalcanti Ferreira de Melo
4ª Promotora de Justiça de Parnamirim
ROL DE TESTEMUNHAS:
• Iracema Augusta, Responsável Técnica pela UTI – neonatal da Maternidade Divino Amor,
com endereço residencial a Av. Rui Barbosa, 1122/902 -B, Lagoa Nova, Natal/RN;
• Ione Vilela da Silva Santos, Coordenadora da Pediatria na Maternidade Divino Amor,
com endereço a Rua Professor Saturnino, 1062, Nazaré, Natal/RN;
• BHETANIA GUEDES HORTENCIO VIANA, médica pediatra da Maternidade Divino Amor;
• Glícia Soares Silva, técnica da SESAP e Coordenadora do grupo de saúde da criança;
• Alssângela Costa Machado, técnica da Sesap, Coordenadora de atenção à saúde de alta
e média complexidade;
Luciana Maria Maciel Cavalcanti Ferreira de Melo
4ª Promotora de Justiça de Parnamirim