Milonga dos Caídos - sesipr.org.br · O ACORDEONISTA ANITA CORONEL ... FULVIO (andando de um lado...

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Linda Bulik Milonga Dos Caídos Milonga dos Caídos Linda BULIK A realidade pode ser mais estranha que a ficção e a verdade da ficção maior que a dos fatos presumidos reais.(George Gerbner) “Temam menos a morte e mais a vida insuficiente.(Bertolt Brecht) Para Alexandre França

Transcript of Milonga dos Caídos - sesipr.org.br · O ACORDEONISTA ANITA CORONEL ... FULVIO (andando de um lado...

Linda Bulik Milonga Dos Caídos

Milonga dos Caídos

Linda BULIK

“A realidade pode ser mais estranha que a ficção e a verdade da ficção maior que a dos fatos

presumidos reais.” (George Gerbner)

“Temam menos a morte e mais a vida insuficiente.” (Bertolt Brecht)

Para Alexandre França

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 2

Peça teatral baseada em acontecimentos da história recente do Brasil. Os verdadeiros atores

sociais são vividos por personagens fictícias em que cada uma representa o caso de centenas

de ocorrências.

PERSONAGENS

FÚLVIO

MÁXIMO

PLÍNIO

O ACORDEONISTA

ANITA

CORONEL

POLICIAL 1 / ARLINDO DIAS

POLICIAL 2 / SILVIO CON

DR. PAZ

DELEGADO / PEDRO SELVA

AGENTE / PAULO SILVA

CABO X

PADRE TEODORO

JUIZ

ANA GUERRA

NINA BLANCO

MARIA DAS DORES

HYPÓLITO REI

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 3

Cena 1

Uma estação ferroviária. Sentado em um banco, o acordeonista ensaia alguns acordes.

Ouve-se o apito do trem chegando. Dois jovens: Fúlvio, que já se encontra no cais à espera

do irmão e, logo em seguida, Máximo que desce de um dos vagões.

FULVIO (andando de um lado a outro, grita assim que o vê)

Máximo! Máximo!

MÁXIMO – Que bom te ver, meu irmão.! E então? Recebi sua carta, apressei-me em vir,

mas você não me disse...

FÚLVIO - Sim, era urgente! Você sabe, o velho anda muito abalado desde que soube o que

aconteceu com Plínio....

MÁXIMO – O que houve? Plínio não está na Universidade?

FULVIO – Então você não soube?

MÁXIMO – Sim, soube que entrou para o curso de direito e estava fazendo muitas coisas...

FÚLVIO – Não mais...

MÁXIMO – Como não mais?

FÚLVIO – (abaixando a voz) Precisou partir no meio da noite...

MÁXIMO - Ele não estava trabalhando no jornal da cidade? Como se chama mesmo?

Tribuna do Povo?

FÚLVIO – Não, Fúlvio! Preciso te falar. Quer me ouvir?

MÁXIMO – Não faça mistério.

FÚLVIO – Plínio, entrou para um desses movimentos da oposição; alguns colegas foram

presos e outros tiveram de entrar para a clandestinidade. Plínio foi junto...

MÁXIMO – (como que fulminado por um raio) – E você sabe, para onde ele foi?

FÚLVIO – Disse que ia tentar o Chile.

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Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 dez. 1968.

O acordeonista levanta-se, vai até o centro do palco, e entoa a canção de Nei Lisboa:

68 foi barra/Plena ditadura/Plena resistência/Plena tropicália/ Plena confusão/ Foi um rebuliço

lá em casa/Manifestos, passeatas/Festivais de minissaias/Meu irmão limpando a arma/Meu

irmão/E a revolução?/Que estava por chegar/Tão certo quanto o bem/Sempre vem e

vence/Nas histórias infantis/Difícil de aceitar/ Que o mal tenha o poder/ De escrever na

história/ Um final tão infeliz/ 68 foi bala/E mais bala foi setenta e um, e dois, e.../Mais bala

foi depois/Sempre alguém sumido de casa/Torturado, morto,/Mutilado pelo Estado ao bel-

prazer/Boiando no Rio da Prata/Guerrilheiros, jornalistas,/Marinheiros, padres e

bebês/Boiando no Rio da Prata/Visto num jazigo vago/ Ou num muro de Santiago/Ou jogado

numa vala comum/68 foi bala/Sempre alguém sumido de casa/Meu irmão/ E a revolução/

Difícil de contar/Mas fácil de entender/A razão e a hora/De quem vive um ideal/Se eu fosse

te dizer/O que há em mim de teu/ Meu irmão, a glória/É uma história sem final/Mais duro é

perceber/Se eu fosse te falar/Do Brasil de agora/Que seria tudo igual/ Miséria/Doença/

Policia brutal/ Luxúria/ Mentira /Autoridade sem moral/ Viu? Hum, hum/ 68 foi barra/ Como

é 2001.

Cena 2

40 anos depois, Máximo retorna à cidade e ao mesmo local, agora transformado em museu –

Memorial – onde se ergue um painel com os nomes de todos ou quase todos os mortos e

desaparecidos durante os governos militares.

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Entra acompanhado de uma criança, provavelmente sua neta, a quem começa a contar uma

história. A menina, curiosa, tenta achar alguém no meio de tantos nomes...

Entra Fúlvio.

MÁXIMO - Eis-me aqui de volta ao mesmo lugar onde desembarquei há muito tempo e, hoje,

caminho à sombra do passado.... mas agora só vejo nomes e fotografias em preto e branco.

Onde andará Plínio?

FÚLVIO – É melhor não tocar neste assunto!

MÁXIMO – Ele voltou?

FÚLVIO – Ele caiu prisioneiro, por dez longos anos, você imagina?

MÁXIMO – Quantos anos ele tinha então?

FÚLVIO – Uns dezenove, talvez vinte.

MÁXIMO – Meu Deus, quando saiu já estava com trinta?

FÚLVIO - É.

MÁXIMO – O tempo é um preço muito alto que se paga aos cães de guarda do sistema...

FÚLVIO – ...mas é o preço que estão dispostos a pagar todos aqueles que clamam por justiça

e nenhum tribunal, que eu saiba, pesou o tempo na balança de sua deusa.

MÁXIMO – mesmo que o gesto que aprisiona alguém tenha sido inútil? Afinal, o que

mudou?

FÚLVIO – Ainda que o gesto seja inútil, Antígone quer enterrar os seus mortos. O que ela

conseguiu?

MÁXIMO – A ira de Creonte?!

FÚLVIO – Não!!!! Por Deus! Conseguiu manter a chama da vigilância e despertar a

consciência que ruge contra os tiranos.

MÁXIMO - Vamos aos fatos. Quero saber de Plínio. Ele voltou?

FÚLVIO – Cara, nem te conto!

MÁXIMO – Conte! Lembrar! Lembrar! Lembrar!

Cena 3

Flash-Back. Certa manhã de abril. Uma manifestação estudantil em plena Avenida acaba

mal. Vários estudantes são conduzidos aos safanões à presença de um certo coronel. Plínio,

de terno e gravata, carrega uma pasta preta.

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CORONEL – O que você tem aí?

PLÍNIO – Aí onde?

CORONEL – Nessa pasta, ora essa!

PLÍNIO – Livros, coronel.

CORONEL – Não seria coquetel molotov?

PLÍNIO – Não sei do que está falando.

CORONEL – Falo do que você está transportando aí nessa pasta. Deixe-me ver.

Policiais se aproximam, arrancam a pasta do rapaz, e ao revirá-la num gesto brusco -

surpresa e frustração – caem um monte de bíblias no chão.

CORONEL – Hãannn!!!!! O que você faz com tanta bíblia?

PLÍNIO – Sou evangélico.

CORONEL – Evangélico.

PLÍNIO - É. Quando não estou na faculdade, sou vendedor de livros, coronel. Faço isto como

meio de vida.

CORONEL - Desde quando subversivo é evangélico? (dirigindo-se aos policiais). Andem

soltem-no! (consigo mesmo) Desde quando evangélico é subversivo?

Plínio é solto.

Cena 4

Volta ao presente. Entra em cena o acordeonista – narrador distanciado – cantando:

Tempo inglório. Tempo sombrio. Nosso barco vagabundo, flutuando no cais do porto, partia

levando a bordo os sonhos que acariciaste, Plínio, afundando numa ilha misteriosa. Sabe, a

bandeira de luta que empunhaste, era tão real como sonhar... O que aconteceu depois, eu

contarei a vocês.

Dias depois, Plínio foi novamente preso e levado para um lugar incerto e não sabido. Nunca

mais foi visto. Nunca mais tivemos notícias do seu paradeiro.

MÁXIMO – Ficou muito tempo preso?

FÚLVIO - Dez anos!

MÁXIMO –Você sabe como foi que aconteceu?

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FÚLVIO - Aconteceu o seguinte: o pai, um advogado muito conceituado da região, estava no

escritório, quando entraram dois caras e disseram que o filho dele tinha sofrido um acidente.

Aí ele saiu desesperado....

Flash Back.

Cena 5

POLICIAL 1 - Doutor, somos da polícia. Estamos atrás do senhor para saber o seguinte: o

senhor tem a carteira de identidade do seu filho?

POLICIAL 2 - Tem a fotografia do seu filho?

DR. PAZ – Por que?

POLICIAL 1 - Seu filho sofreu um acidente.

POLICIAL 2 - O senhor precisa nos acompanhar, porque ele está lá, foi acidente de

automóvel.

DR. PAZ – (veste o paletó correndo e sai desesperado passando até na frente dos carros;

chega e senta no automóvel dos policiais).

POLICIAL 1 - Não houve nada com o seu filho, o senhor está preso.

DR. PAZ – (desmonta)

Cena 6

Na Delegacia. Sala do Delegado.

POLICIAL 2 – Ele é todo seu.

DELEGADO - Assina aqui, primeiro.

DR. PAZ - ........

DELEGADO - Confessa!

DR. PAZ – Primeiro eu quero saber o que eu fiz, para estar aqui.

DELEGADO – Não seja cínico.

DR. PAZ - Antes de assinar, já que estou preso, quero um advogado que possa me defender

lá fora .

DELEGADO – Assine!

DR. PAZ – Posso pelo menos telefonar a minha mulher; avisar a ela...

DELEGADO – Não. Não pode não.

DR. PAZ – Não assino.

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DELEGADO - Assina!

DR. PAZ - Preciso de um habeas-corpus.

DELEGADO – Tá brincando ou tá sonhando?

DR. PAZ – Nem uma coisa nem outra. Sem a presença do advogado, não assino nada.

DELEGADO - Então eu vou refrescar a sua memória enquanto o senhor não assina. Na sua

ficha consta: SUJEITO PERIGOSO – DESORDEIRO - SUBVERSIVO - ANARQUISTA –

COMUNISTA....

Leve-o para a cela. Policial, enfia-lhe um capuz e um camisolão.

DELEGADO (já na cela, sentado num banquinho, prossegue o interrogatório com um copo

de uísque na mão) Aqui está escrito que o senhor tem um filho – Plínio - , pego, na fronteira,

participando de movimento clandestino. Confere?

DR. PAZ – Meu filho há muito tempo saiu de casa e nunca mais tive notícias dele. Os

senhores me chamaram aqui me dizendo que sofreu um acidente e agora que está preso? Onde

está meu filho, eu quero saber.

DELEGADO - Quieto. Quem interroga aqui sou eu.

AGENTE – Doutor, desculpa interromper, mas acaba de chegar isso pro senhor.

DELEGADO – O que é isso?

AGENTE – Um pedido de habeas-corpus.

DELEGADO (lê o requerimento em voz alta e rasga o papel). Aqui na sua ficha diz também

que o senhor faz parte do grupo dos onze.... Vai negar?

DR. PAZ – Nego sim.

DELEGADO - ??? O senhor parece valente, mas espera pra ver até onde vai essa sua

valentia.

DR. PAZ - Eu não sei por que vocês estão fazendo isso com a gente […], como estou sendo

preso se o presidente da República tem anunciado a distensão lenta e gradual? O que vocês

não querem admitir é que esse governo tem duas caras: uma que se entrega e outra linha dura

dos porões...

CABO X (intervindo indignado) aplica no prisioneiro um tremendo soco na cara

arrancando-lhe um pivô, que voa longe.

DELEGADO lança o copo de uísque no rosto do prisioneiro encharcando o capuz e sai de

cena.

POLICIAL 2 (assumindo o posto do delegado ausente) – Queremos que diga onde fica o

aparelho de João Guerra.

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DR. PAZ – Não sei e mesmo que soubesse não diria.

POLICIAL 2 – Você é quem sabe.

CABO X - Desfere outro murro em Dr. Paz.

POLICIAL 2 - Carcereiro! Traga o torniquete! Vamos encaminhá-lo para a “câmara do

purgatório”.

Cena 7

Na “câmara do purgatório”, ou na “fossa”, revestida com material isolante. Uma imensa

cruz de madeira estendida no chão. Apetrechos de tortura esparramados pela sala: cavaletes,

cordas, fios elétricos, ripas de madeira, mangueiras de borracha, palmatórias, cadeiras...

1º dia

POLICIAL 1, POLICIAL 2 e CABO X amarram o prisioneiro com fios elétricos na cruz.

POLICIAL 1 – Cadê o torniquete?

CABO X posiciona o torniquete no centro da sala.

POLICIAL 2 – Tragam as velas.

CABO X – acende as velas em volta do prisioneiro crucificado.

POLICIAL 1 – Prontos?! “Pimentinha” nele, rapazes.

POLICIAL 2 – Agora ele fala!

DR. PAZ – Não diz nada. Urra de dor.

2º dia

As mesmas personagens, em coro, andando de um lado para o outro, gritando ordens umas

para as outras.

- O garrote!

- A cadeira do dragão!

- O pau-de-arara!

- Urros de dor.

- Muita pancadaria.

- Gritos.

- Silêncio.

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3º dia

CABO X - Quem sabe você quer fazer uma declaração pública na TV testemunhando contra

os seus comandantes políticos?

DELEGADO (entrando) – Isso mesmo!

DR. PAZ - Não tenho nenhuma divergência desse tipo.

DELEGADO - Eu trouxe aqui o texto para assinar.

DR. PAZ – Não vou assinar nada.

DELEGADO – Basta colaborar e liberamos você.

DR. PAZ - Não!

4º dia

Na sala do Delegado

CABO X entra trazendo Plínio completamente grogue, apanhando, aos empurrões, socos e

pontapés...

DELEGADO - "Estão vendo seus merdas, estão aí cagados para ir para a rua e são tudo uns

fedelhos, como esse bosta".

Tem início um interrogatório à base de porrada.

POLICIAL 1 - Qual o seu ponto?

POLICIAL 2 – Onde é o seu ponto?

CABO X – Onde fica o seu aparelho?

- Ponto?

- Aparelho?

- Ponto?

- Aparelho?

CABO X – Está surdo? Onde fica seu aparelho?

PLÍNIO - Moro na casa dos meus pais.

POLICIAL 1 – Não é verdade.

PLÍNIO – É verdade.

POLICIAL 2 – Não é verdade.

PLÍNIO – É verdade.

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CABO X – Não é verdade.

PLÍNIO – É verdade.

POLICIAL 1 – Qual é o seu ponto-polícia?

PLÍNIO – Não me lembro.

POLICIAL 2 – Onde é o seu ponto-polícia?

PLÍNIO – Não sei.

CABO X – Está surdo? Onde é o seu ponto?

PLÍNIO – Já disse. Não sei.

É empurrado para dentro da “câmara do purgatório”. Arrancam-lhe as roupas deixando-o

só de capuz.

5º dia

Um relógio de parede marca duas horas da matina na Câmara do Purgatório, ou “fossa”,

na gíria policial da época. Plínio apanha muito e “desmaia”.

CABO X – Tá fingindo.

PLÍNIO - Leva um chute no saco, acorda gritando de dor – 9 horas no Clube da Esquina.

CABO X (gritando histérico) – Que Clube da Esquina?

AGENTE, CABO X, POLICIAL 1 e POLICIAL 2 revezam-se simultaneamente no

interrogatório:

- Choque

- Ponto

- Aparelho

- Dá na tomada.

- Clube da Esquina onde?

- Choque

PLÍNIO – Não sei o nome da rua. Só sei ir lá.

DELEGADO (entrando na “fossa”) – Parem! Gostei da ideia. Vamos lá, mas se você estiver

mentindo, vamos te matar.

CABO X – Para o pau! Cadê a chave da viatura?

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DELEGADO – Vão vocês, que eu tenho mais o que fazer aqui.

São seis horas da matina. Plínio é vestido, algemado e enfiado na mesma caminhonete que

lhe prenderam, rumo ao Clube de Esquina.

POLICIAL 1 - Onde?

PLÍNIO – Peguem a Avenida dos Patriotas. Dobrem na Vila Lobos. Contem dez quadras,

virem à esquerda até encontrar um campo de futebol.

POLICIAL 2 – E aí?

PLÍNIO – É aqui.

CABO X – Quem está no ponto? Você disse às nove horas?

PLÍNIO – Sim, às nove, mas pode ser que atrase um pouco. Quem vem hoje é o nosso

comandante.

POLICIAL 1 – O Domingos? Uau!!!! O DOPS está na cola dele, meu, faz uma pá de tempo e

nós é que vamos pegar o cara?! Urra!!!!!

POLICIAL 2 – Se botarmos a mão nesse cara, o Lamarca está com os dias contados.

CABO X – Espera aí. Qual é a segurança do Domingos?

PLÍNIO – Quatro pessoas.

CABO X – Qual o armamento?

PLÍNIO (exagerando) – Duas calibre doze e duas metralhadoras.

Ao ouvir isso, os policiais quase têm um orgasmo misto de medo e contentamento.

Descem do carro e rapidamente montam um aparato policial no campo de futebol

transformado em observatório da operação militar. Policiais em trajes civis disfarçados de

jardineiros, pipoqueiros, casais de namorados....- rádio na mão - montam a guarda do

local, passeando de lá para cá. Plínio fica sentado num banco, algemado nos pés e nos

punhos, com um policial de cada lado.

AGENTE DISFARÇADO EM PIPOQUEIRO (olha o relógio e comenta) – Nove horas! Não

apareceu ninguém. (continua andando)

AGENTE DISFARÇADO EM JARDINEIRO (um tempo depois) Dez horas e ainda não

entrou ninguém?

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AGENTES DISFARÇADOS EM CASAL DE NAMORADOS (indignados) Onze horas e

ainda não entrou ninguém!!!!!!

Ouve-se a voz do delegado no rádio – deixado no centro da cena – Traz esse Zé Ninguém

imediatamente para cá que ele está nos enrolando!

Desmancha-se a cena. Plínio sai já levando porrada.

PLÍNIO (grita) - Eu não tenho culpa se o cara não entrou no ponto, por favor, eu falei a

verdade, falei a verdade!

Na Delegacia – Sala do Delegado

Delegado ouve, pelo rádio, a notícia do sequestro do embaixador alemão Ehrenfried Von

Holleben.

Rádio ZY100 - Os sequestradores estão exigindo o resgate de 40 prisioneiros políticos

libertados em troca do diplomata entre os quais uma criança de dois anos de idade. Daqui a

pouco anunciaremos os nomes dos presos trocados na maior façanha de todos os tempos... (a

rádio sai do ar e não volta mais).

Alguns minutos depois o locutor anuncia: Tivemos alguns problemas aqui nos nossos

estúdios. Pedimos desculpas aos rádio-ouvintes. Prosseguiremos com nossa programação

musical da tarde hoje – Milonga dos Caídos. Com vocês, meus caros ouvintes, “Milonga De

La Verdad”, na interpretação inesquecível de Juan San Luis.

Entram os policiais arrastando Plínio consigo. O delegado pega, em cima da sua mesa, uma

ficha do DOPS para arquivo e fica olhando e balançando a cabeça. Desliga o rádio.

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Fonte: Folha de S. Paulo, domingo, 18 de novembro de 2012.

6º dia

Na câmara do purgatório

DELEGADO (entrando) - Temos uma surpresa para o senhor, Dr. Paz. Está preparado para

uma acareação ?

DR. PAZ - ??????

DELEGADO - Antes, porém, queremos que nos aponte quem é de fato o chefe da operação

C, José Manoel da Silva, codinome João Guerra, e onde se encontra. Aqui na ficha consta

que ele está em algum lugar, supostamente um aparelho de guerrilha também na fronteira.

Onde?

DR. PAZ - ???????

DELEGADO – Reconhece este rapaz?

CABO X tira o capuz de Plínio.

DR. PAZ - limita-se a olhar firme, altivo, sem demonstrar medo e nem que conhece Plínio.

DELEGADO (para Plínio) – você reconhece este senhor?

CABO X – Acabamos de lhe aplicar o soro da verdade.

DELEGADO – Senta o Dr. Paz na cadeira do dragão e dá-lhe “pimentinha”.

CABO X apaga o cigarro nos mamilos do rapaz e obedece ao delegado.

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PLÍNIO - ...mas eu não tenho nada para dizer. Eu já disse. Eu sou estudante e vendedor de

livros.

POLICIAL 1 E POLICIAL 2 põem Plínio no pau-de-arara, molham o corpo do rapaz e

aplicam-lhe choques elétricos nos órgãos genitais ao mesmo tempo que vão proferindo toda

sorte de palavrões enquanto dura a sessão.

DELEGADO – Confessa!

PLÍNIO – (grunhe um nome) Padre Teodoro!

DELEGADO - Espera aí, que história é essa? Você não é evangélico?

PLÍNIO – E por acaso não sou?

DELEGADO – Neste caso, como veio a saber das atividades do Padre Chen?

PLÍNIO – Nas comunidades, no trabalho social, trabalhamos com uma visão ecumênica.

DELEGADO - Relaxem o prisioneiro. Por enquanto. Vamos averiguar a informação.

Busquem o Padre Teodoro.

Na sala do delegado

Delegado sozinho liga para o comandante.

DELEGADO - Senhor a situação está ficando difícil. Eu só queria compreender por que tanta

gente, que não tem nada a dizer, está sendo trazida para cá. "Perdemos tempo dando laço no

cara durante dois, três dias e ele não tem nada a dizer". Por que então enviar todos esses

presos para São Paulo?

CABO X traz uma mulher para depor. DELEGADO desliga o telefone e pega a ficha dela.

Entra o Padre Teodoro sob o efeito do soro da verdade.

DELEGADO – Pegamos as suas fichas da catequese. O senhor se aproveita da Pastoral para

corromper a nossa juventude?

PADRE TEODORO – Achávamos que íamos fazer uma simbiose entre o cristianismo e o

marxismo, a revolução, o engajamento, a luta. Mas os golpes militares explodiram em toda

América Latina. Houve um momento em que havia dez mil jovens na cadeia aqui. Tenho um

recorte do jornalista Hélio Fernandes, que relata isso e pede aos militares que soltem os

jovens que estão mofando na cadeia.

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DELEGADO – O cristianismo virou comunista.

PADRE TEODORO – A opção pelos pobres é de Jesus Cristo.

DELEGADO – Confessa então que o senhor é um padre comunista?

PADRE TEODORO - Na hora em que se entra no social tem de ler como está o econômico.

DELEGADO – O senhor abriu as portas da igreja para esses assassinos, assaltantes de

banco...

PADRE TEODORO – Eu tenho um sonho. A nossa revolução não é dar tiro por aí. É a

revolução do pensamento.

DELEGADO – Muito bonito de se ouvir, mas não é o que diz a sua ficha.

PADRE TEODORO - Depois que fui mordido pela realidade, quero trabalhar nas

comunidades eclesiais de base. Servir à minha paróquia, conforme os princípios da minha

igreja, porém fazer uso da minha razão, não como peça de uma engrenagem, mas raciocinar

livremente a respeito dos dogmas religiosos. Tu me entendes? É só o que tenho a dizer.

7º dia

Na câmara do purgatório

CABO X – Não adianta. Ela não fala.

DELEGADO – Pegamos a Ana. Companheira de João Guerra! VAR-PALMARES! Muito

bem. Hoje vamos interrogar todos juntos e despidos inclusive ela. Que horas são?

CABO X – Quatro horas da madrugada.

POLICIAL 1 – rasga a roupa de Ana e a amarra na cruz com fios elétricos.

Tem início a pancadaria e a covardia.

POLICIAL 2 – com as pontas dos dedos balança um rato morto pela calda.... olhar maligno,

ri um riso diabólico e ameaçador... - Que tal este roedor, com uma “pimentinha”, na

perereca?

CABO X - esmaga o cigarro aceso no braço do Dr. Paz e o POLICIAL 2 bate no Padre

Teodoro.

DELEGADO – Que horas são?

CABO X - Sete da matina!

DELEGADO – Vamos parar. Hoje é dia de jogo. O Brasil vai entrar em campo.

POLICIAL 1 – É a Copa pessoal!

POLICIAL 2 - Vocês, vocês vão ficar aqui mofando.

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Entra o acordeonista:

Copa do Mundo de 1970: os gritos da torcida encobrem os urros de dor dos prisioneiros

políticos sob tortura nos porões dos quartéis e nas delegacias de polícia.

Corta Flash-back - Volta ao presente

Cena 8 – 2012 – Corte Memória, Verdade e Justiça / Comissão Nacional de Justiça

O presidente informa os procedimentos de abertura da Audiência Pública ordinária. Lembra

“a importância do estabelecimento da verdade histórica sobre o período em análise, com o

objetivo de ajudar na elucidação de denúncias e fatos pertinentes”. Lembra ainda que o

trabalho desta câmara é esclarecer os acontecimentos e encaminhar um relatório final à

Suprema Corte a quem compete julgar em última instância, uma vez que o período a que se

referem os processos – quarenta anos - não permitem mais julgamentos em primeira e

segunda instância. Declara aberta a sessão, quando passarão a ser ouvidas as testemunhas e

far-se-á o interrogatório dos acusados.

JUIZ - Testemunha, Ana Guerra, a senhora conhecia Plínio Mantovani?

ANA GUERRA – Sim. Plínio era um rapaz muito guapo e de fala mansa. Duas vezes, caiu

prisioneiro ao suspeitarem que estaria participando da luta armada. Foi apanhado e

imediatamente interrogado. Queriam que ele dissesse o nome dos companheiros envolvidos, o

endereço do aparelho e o lugar exato do ponto. Como ele se recusasse a fornecer nomes, foi

conduzido à “fossa”, a sala de tortura do DOPS, onde apanhou muito até o dia em que o

despiram e o encostaram na parede, simulando um fuzilamento. Plínio não aguentou. Pediu

que acabassem de vez com aquilo.

JUIZ – Foi executado?

ANA GUERRA – Sim.

JUIZ – A senhora presenciou o fuzilamento?

ANA GUERRA – Eu tinha sido pega e trancafiada numa cela separada, porém contígua a dos

rapazes. Eu podia ouvir os gritos de dor e as ordens que os policiais davam. Um dia, passando

mal, pedi ao carcereiro para me conduzir à enfermaria do presídio. No caminho, cruzamos

com um grupo que vinha em sentido contrário. O carcereiro rapidamente me empurrou para

dentro de uma sala, mas pelo buraco da fechadura pude ver Plínio Mantovani sendo escoltado

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 18

até à fossa. Em seguida, ouvi um disparo. E mais outro. E mais outro. Silêncio. Vi o policial

Pedro Selva sair do local e pude ver o corpo de Plínio Mantovani estendido no chão. Os

demais presos foram, mais tarde, executados pelo pelotão de fuzilamento no pátio de

execução. Cumpriam ordens de Pedro Selva.

JUIZ – Acusado, Pedro Selva, o senhor se lembra disso?

PEDRO SELVA – Não nego, meritíssimo, que Plínio Mantovani foi executado. Mas eu nada

tive a ver com a história.

JUIZ – Nos autos consta que o motivo da execução foi uma carta do prisioneiro interceptada,

quando recebeu uma visita. O senhor pode nos dizer o que dizia aquela carta?

PEDRO SELVA – Não, Senhor Juiz.

JUIZ – Testemunha, Nina Blanco, a senhora conhecia o conteúdo dessa carta?

NINA BLANCO – Sim. Na carta, endereçada ao pai, que também estivera preso, Plínio pede

perdão por tê-lo envolvido na sua história pessoal e ter-lhe causado tanta dor, tanto dano

moral e físico.

JUIZ – Como a senhora veio a saber disso?

NINA BLANCO – Num dia em que fomos todos ao banho de sol, aproveitando um cochilo

do vigilante, Plínio Mantovani me mostrou a carta.

JUIZ – Ficaram sabendo quem era o pai?

NINA BLANCO – Não.

JUIZ – Acusado, Agente Paulo Silva, o senhor assistiu à execução?

AGENTE – De forma alguma.

JUIZ – Acusado, Arlindo Dias, vulgo Policial 1, o senhor participou do pelotão de

fuzilamento?

POLICIAL 1 – Nunca soube ter havido execução de prisioneiros políticos nas dependências

do presídio.

JUIZ – Não tomou conhecimento de que o prisioneiro Plínio Mantovani morreu nas

dependências do DOI-CODI?

POLICIAL 1 – Não.

JUIZ – Acusado, Silvio Con, vulgo Policial 2, o senhor participou do pelotão de fuzilamento?

POLICIAL 2 – Nego.

JUIZ – Vou, então, refazer a pergunta: o senhor nega o envolvimento de policiais no episódio

da morte de Plínio Mantovani?

POLICIAL 2 – Perfeitamente.

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 19

JUIZ – Neste caso, tem conhecimento do modo como morreu o prisioneiro?

POLICIAL 2 - Suicídio.

JUIZ – Testemunha, Maria das Dores, pode nos relatar o que presenciou nesses dez anos de

confinamento?

MARIA DAS DORES – Os presos apanhavam muito. Havia um cheiro insuportável tanto nas

celas quanto na “fossa”. Havia a crença que era preferível morrer a delatar. Nem sob tortura.

JUIZ – A que atribui a sobrevivência em tão imundo lugar?

MARIA DAS DORES – Ah, meritíssimo, aos poucos fomos nos conhecendo e criando

cumplicidades. Não tardou e alguém teve a brilhante ideia de formar um grupo de teatro, para

o qual contávamos com a benevolência de alguns funcionários, que nos cediam roupas para

compor o figurino da peça. Alguns passavam materiais e ajudavam a construir o cenário. A

faxineira, passava por baixo do pano, os acessórios que solicitávamos. Aproveitávamos os

dias festivos, quando os policiais desapareciam, para fazer as apresentações. Ou fazíamos isso

ou nos entregávamos à depressão.

JUIZ – Conheceu o prisioneiro Plínio Mantovani?

MARIA DAS DORES – Sim, Meritíssimo. Era um bravo rapaz, inteligente e culto. Nunca

perdia o humor. Foi dele a ideia de juntar todos para formar o grupo teatral. Tinha até um

nome: Companhia Teatro de Presídio. O público eram os funcionários e os demais presos.

Cada dia, ao nos despedirmos, era uma vitória sobre si mesmo.

JUIZ – Acusado, Cabo X, o seu nome consta nos autos como um dos torturadores mais

célebres da ditadura militar. O senhor assistiu a uma dessas montagens dos prisioneiros

políticos?

CABO X – Sim. Lembro, certo dia, em que uma prisioneira foi libertada, houve um rebuliço

lá no presídio. Os presos comemoraram o acontecimento cantando a Internacional até verem-

na sumir por trás dos muros...

JUIZ – É verdade então que o senhor aproveitou o acontecimento para submeter o grupo a

mais uma terrível sessão de tortura por terem entoado a Internacional dentro do presídio?

CABO X – Não. O fato existiu, mas eu não tomei parte nisso.

JUIZ – O senhor participou do pelotão de fuzilamento?

CABO X – Não. Não houve pelotão algum de fuzilamento.

JUIZ – Testemunha Ana Guerra reconhece este homem?

ANA GUERRA – Sim, Meritíssimo. Eu o reconheci na primeira sessão de tortura. Pela voz –

a mesma daquele que se fazia passar por amigo, camarada na guerrilha. Quando reconheci sua

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 20

voz na prisão mandei avisar os companheiros. Não acreditaram em mim. O Comando fez

uma reunião e concluíram que eu estava enganada sob o efeito da tortura. Continuaram

acreditando nele até que o “ aparelho” caiu – e aí soube-se mais tarde - porque ele nos

delatou ao colocar microfones escondidos, que o exército ouvia.

Ouve-se um tumulto muito grande na sala do julgamento. É o público reagindo às

declarações do Cabo X aos gritos de verdade e justiça. É a mídia pedindo passagem e

projetando seus holofotes sobre a cena. O juiz bate o martelo e pede ordem no recinto.

JUIZ – batendo o martelo – Silêncio! A sessão ainda não acabou. Neste momento solicitamos

a presença de Hypólito Rei, filho de militantes que atuaram contra a ditadura militar e se

tornou vítima do regime ainda criança.

JUIZ – Poderia resumir sua história em breves palavras?

HYPÓLITO REI - Sim, meritíssimo. Nasci em fevereiro de 1968, filho de um sindicalista

membro do Partido Comunista, que virou um dos fundadores da Vanguarda Popular

Revolucionária, liderada pelo Carlos Lamarca. Meu pai ajudou a organizar a guerrilha em São

Paulo e, no dia 19 de maio de 1970, ele foi preso, quando estava no “ponto” para passar

informações aos companheiros. Eu fui preso com minha mãe, que também era militante da

VPR, no mesmo dia, em nossa casa, na Vila Formosa. A gente primeiro foi para a Operação

Bandeirantes, depois para o DOPS. Na época, eu só tinha dois anos de idade. Fui usado para

ameaçar meu pai, nas sessões de tortura. Não tenho lembranças. Só traumas.

JUIZ – Como é que você foi fichado?

HYPÓLITO REI – Nesse vai e volta, apareceu minha ficha num álbum do DOPS de

“terroristas e subversivos”. Tem uma foto minha, aos dois anos, e está escrito que sou

“subversivo”.

HYPÓLITO REI – Como foi que você saiu da prisão?

HYPÓLITO REI – Saí do presídio com a minha vó. Ela estava na lista dos 40 presos políticos

libertados em troca do embaixador alemão, que tinha sido sequestrado. Primeiro fomos para à

Argélia e depois para Cuba. Meus país ainda ficaram presos. Eles só foram resgatados no

sequestro do embaixador suíço Giovanni Bücher, e foram para o exílio no Chile.

JUIZ – Do que você se lembra?

HYPÓLITO REI – Daí pra frente não me lembro de mais nada. A única coisa que sei é que

não fui só eu. Foram centenas de crianças que passaram por situação parecida, dentro e fora

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 21

dos cárceres. Eu só quero reconstituir a minha história. Por que? Por que a mim foi negada

toda minha cultura, meus direitos civis?

JUIZ – Acusado, Pedro Selva, o que o senhor tem a relatar sobre o caso dessa criança, presa

com a avó pela ditadura e fichada pelo DOPS como subversiva?

DELEGADO PEDRO SELVA – Não tenho nada a ver com tal ficha, embora reconheça que

ela tenha passado pelas minhas mãos. Não sou responsável por ela.

Ouve-se um tremendo burburinho na sala de audiências. O juiz suspende a sessão.

Lá fora, a mídia corre atrás de acusados e testemunhas, os flashes espocando aqui e lá.

Cena 9

Museu Memorial do Exílio

A menina do começo da peça grita – Vovô, achei, achei! Venha ver, aqui está o nome de tio

Plínio.

Máximo e Fúlvio aproximam-se do local. A menina aponta com o dedo o nome de Plínio

Mantovani gravado no painel.

MÁXIMO (tira algumas fotos) - Olha pra cá, Anita!

ANITA – Vovô, tio Plínio é desaparecido ou morreu mesmo?

MÁXIMO – Isto é o que mais desejamos saber, querida. Seu corpo ainda não foi encontrado.

FÚLVIO - A história, Anita, vai resgatar a memória dos acontecimentos nos porões dos

cárceres.

ANITA corre pelos jardins e acomoda-se num balanço. Põe-se a balançar cada vez com mais

ímpeto e para o alto sobre um cenário de cidade en plongé. De um balcão iluminado do alto

de uma das laterais do palco uma soprano canta Youkali, de Kurt Weill, em francês:

C'est presque au bout du monde/Ma barque vagabonde/Errant au gré de l'onde/M'y conduisit

un jour/L'île est toute petite/Mais la fée qui l'habite/Gentiment nous invite/A en faire le

tour/Youkali, c'est le pays de nos désirs/Youkali, c'est le bonheur, c'est le plaisir/Youkali, c'est

la terre où l'on quitte tous les soucis/C'est dans notre nuit/Comme une éclaircie/L'étoile qu'on

suit/C'est Youkali !/Youkali, c'est le respect de tous les vœux échangés/Youkali, c'est le pays

des beaux amours partagés/C'est l'espérance/Qui est au cœur de tous les humains/La

Linda Bulik Milonga Dos Caídos 22

délivrance/Que nous attendons tous pour demain/Youkali, c'est le pays de nos désirs/Youkali,

c'est le bonheur, c'est le plaisir/Mais c'est un rêve, une folie/Il n'y a pas de Youkali!1

Blecaute.

FIM

1 É quase ao fim do mundo/Que meu barco errante/Vagueando pelas ondas/Me conduziu um dia/A ilha é

pequena/Mas a fada que lá vive/Gentilmente nos convida/A um passeio por ali/Youkali é a terra dos nossos

desejos/Youkali é a alegria, é o prazer/Youkali é o lugar onde esquecemos os problemas/É em nossa noite/Como

uma réstia de luz/A estrela que seguimos/É Youkali!/Youkali é o respeito a todos os juramentos /Youkali é a

terra do amor correspondido/É a esperança/Que há em todo coração humano/A libertação do que esperamos para

o amanhã/Youkali é a terra de nossos desejos/Youkali é a alegria, é o prazer/Mas é um sonho, uma

insensatez/Não há Youkali!/