MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS
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18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas
Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia
MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS: AS OPERAÇÕESINDICIÁRIAS EM UMA PRÁTICA DA INSTALAÇÃO FOTOGRÁFICA
Anahy Jorge - Professora Assistente da Faculdade de Artes Visuais - UFG
Doutoranda em Études et pratiques des arts - EAVM - UQAM - Canadá
Resumo / abstrat
Nosso trabalho busca analisar poeticamente os jogos relacionais que as operaçõesindiciárias imprimem na prática artística da instalação fotográfica. Oriundas doprocesso artístico, as operações indiciárias aparecem como provocadoras de
dicotomias poéticas envolvendo os elementos constitutivos da instalação como:passado e presente, apagamento e visibilidade, material e imaterial. Por meio desseprojeto, pretendemos analisar poeticamente essas emergências no transcorrer doprocesso artístico envolvendo a coleta, o tratamento, a espacialização do documentofotográfico de mulheres brasileiras e quebequenses e a moldagem de objetos emporcelana. O estudo analisará a instalação Au-dela du regard (O mais profundo doolhar) e quatro outras instalações que orientaram minha pesquisa e reflexão poéticasobre a morte: Les Suisses morts de Christian Boltanski, Stella Venesiener de AlainFleischer, La morgue de Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain.
Palavras-chave: instalação fotográfica, operação indiciária, fotografia, morte, reviver.
Notre recherche cherche à analyser poétiquement les jeux relationnels développés par les opérations indiciaires dans une pratique artistique de l’installation photographique.Venues du processus artistiques et enveloppant les éléments constitutifs, ces opérations émergent en tant que véhicule de dichotomies poétiques dans l’installation telles que : passé et présent, effacement e visibilité, matériel et immatériel. Ainsi, nous voulons analyser poétiquement ces émergences dans le moment de la collecte, du traitement et de la spatialisation du document photographique de femmes brésiliennes et québécoises et sur les objets moulés en porcelaine. Cet étude analysera
l’installation Au-delà du regard et quatre autres installations photographiques qui ont orienté ma recherché et réflexion poétique sur la mort: : Les Suisses morts de Christian Boltanski, Stella Venesiener de Alain Fleischer, La morgue de Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain.
Mots-clés: installation photographique, opération indiciaire, photographie, mort, revivre.
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A finalidade desta comunicação é apresentar a pesquisa em desenvolvimento
no nosso doutorado em estudos e práticas das artes da Universidade do
Québec em Montreal. Esse projeto procura demonstrar a participação poética
dos jogos de memória proporcionados pela ação das operações indiciárias
realizadas durante o processo artístico da instalação fotográfica. Tal processo
envolve fotografias documentais de mulheres e objetos em argila.
Nosso interesse por este esse objeto de estudo surgiu como resultado de
minhas experiências pessoais cujas origens remontam á atividades tanto como
professora de escultura de artes visuais, quanto como artista trabalhando em
torno de seus desdobramentos poéticos, sobretudo no que se refere ao
conceito da morte. Ambas as vivências se concretizaram na realização de um
projeto de doutorado teórico-prático, no qual os objetivos principais, pilares
sustentadores, traduziram-se na ênfase dada á importância da prática artística
como mola propulsora de uma poética que problematizar a relação
estabelecida entre o conceito de reviver embutido ao conceito de morte.
Primeiramente, do ponto de vista de uma especificamente esfera profissional,
gostaríamos de colocar o primeiro contexto propulsor do projeto em questão,
ou seja: a dificuldade de se vivenciar a prática artística nos meios acadêmicos.
Esse questionamento surgiu muito mais pelas preocupações teórico-práticas
de nosso exercício com docente na área da escultura, ressaltando-se o
questionamento sobre o espaço destinado a essas práticas, do que,
propriamente, da defasagem da dimensão prática artística em relação àspesquisas teóricas. Tal questionamento surgiu inicialmente como uma questão
se ser refletida e, posteriormente, fortaleceu-se na experiência cotidiana da
sala de aula, para em seguida, tornar-se uma inquietude diante do
esvaziamento de nossos ateliês destinados ao contexto da prática artística
tridimensional. Surgiram, então, alguns questionamentos: Trata-se de uma
situação vivenciada pelas universidades federais que não investem em seus
espaços de experimentação plástica? Ou será que esse contexto, por sua vez,
surgiu como conseqüência de uma apatia coletiva diante de uma prática que
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poderia apresentar-se como produtiva e prazerosa. Essa realidade apresentou-
se como campo aberto para observações, análises e considerações que
direcionaram o presente projeto para o campo processual da prática da
instalação fotográfica e, consequentemente, de sua reflexão.
O que fazer quando os ateliês permanecem inativos? Espaços que se tornaram
inoperantes e que poderiam se apresentar como lugares de convergências
poéticas, palcos onde o prazer do fazer se faz presente entre todos,
envolvendo tanto o estudante, quanto o docente que orienta. O que
observamos, por enquanto, é o estabelecimento de uma relação de partilha de
um em direção ao outro, concretizando-se na relação constante do fazer e do
compreender. Nossa preocupação atual se resume dessa forma: o que
faremos quando não existirem tais campos de experimentações em nossas
instituições? Talvez a tendência seja a de privilegiar as experimentações
teóricas cuidadosamente modeladas e inseridas em espaços unicamente
teóricos, ao invés de incentivarmos as criações artísticas tridimensionais
contemporâneas, que poderiam ser realizadas, inter-relacionadas, expandidas,
compreendidas e vivenciadas.
Nesse processo, não entendemos, evidentemente, o ato de fazer como ato
mecânico e automatizado, mas como interface entre o pensar e o fazer,
buscando sempre a complementaridade do conceitual: relação fundamental ao
desenvolvimento sensório e perceptivo de ser.
Sabemos que a prática artística possui sua própria poética. Nesse sentido,
entendemos que as operações artísticas são interfaces entre o pensar e o
fazer, entre a concretude e sua reflexão, entre o humano e a materialidade de
suas realizações e, desse ponto de vista, compreenderemos melhor as
relações entre o que nos interroga e nos faz refletir sobre a questão da teoria e
da prática. É nesse cruzamento que o artista se situa e busca controlar e
construir seu trabalho, emergindo como criador e construtor em meio amateriais, ao espaço e ao observador. Assim, poderíamos afirmar que ele
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materializa suas percepções e suas ilusões no contexto material e espacial da
obra. Ele realiza essa dimensão pessoal e internalizada via ações ou
operações: interfaces necessárias para a concretude da obra. Assim, as ações
artísticas agem, operam e criam obedecendo e seguindo uma direção
determinada pelo querer subjetivo do artista.
Dentro dessa perspectiva, nosso projeto intitulado “Migrações de memórias
femininas - As operações indiciárias em uma prática da instalação fotográfica”
registra e analisa as operações indiciárias realizadas no decorrer da construção
da instalação a ser realizada por meio de imagens fotográficas de mulheres, as
quais foram documentadas entre os anos 1860 e 1960 em arquivos de
instituições brasileiras e canadenses e na confecção de cabeças de bonecas
em porcelana.
Dentre a um conjunto de propostas e ações, privilegiamos somente o
comportamento de um tipo em especial: as indiciárias. Nosso interesse focaliza
somente aquelas que desenvolvem uma relação especial com o índice. O signoque veicula o traço daquilo que o gerou. Dessa forma, a operação indiciária,
que fica assim denominada, traz o processo em si, veicula não somente o
signo final mas o percurso que lhe serviu de origem.
Com o propósito de compreender melhor esse conceito, a operação indiciária,
vamos exemplificar seu modus operandi no interior do contexto fotográfico.
Segundo os estudos de Philippe Dubois (1), a conexão física constitui a baseinterna do processo fotográfico. Antes de ser mimética, de parecer a seu
modelo como nenhuma outra manifestação artística, a fotografia apresenta
uma característica primordial : a de ser fisicamente ligada a seu objeto. O
processo mecânico, quase automático gerado é o fator responsável pela
situação. É dessa forma que a fotografia realiza sua dimensão de fidedignidade
com a realidade: através de características processuais que aumentam a
capacidade de reprodução, de transcrição do que se encontra diante da
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câmera, ou seja, ela realiza com exatidão a transposição de uma imagem real
(em três dimensões) para uma realidade em duas dimensões.
Assim, as operações indiciárias, na abordagem que utilizamos no nosso
trabalho, emergem adotando um comportamento processual similar ao
desenvolvido pelo processo do ato fotográfico, apresentando o mesmo
contexto de marca e de vestígio do objeto captado. Fortalecendo ainda mais
esse contexto, utilizamos os estudos filosóficos de Didi Huberman (2), que
mencionam a relação entre o paradigma da digital, de correspondência e de
transposição relacionado com o objeto e o conceito de índice. Dentro de umarcabouço de operações, nós podemos citar alguns desses tipos de operações
como as moldagens, os decalques, as sombras, os depósitos, as transposições
físicas do objeto (ready-made), as impressões, os escaneamentos, as
projeções, as frottages, etc.
Dessa maneira, tendo a prática como primeiro campo basilar deste presente
projeto, falta-nos mencionar o fator poético inserido nas obras analisadas: oconceito de morte e de reviver. Tal dimensão conceitual torna-se, então, no
instigador poético das manifestações operatórias indiciárias e, igualmente,
como o segundo pilar do presente projeto, pressupondo sempre que os dois
momentos da construção do objeto artístico são inseparáveis. Poética e
historicamente, nossa pesquisa aprofunda-se nos últimos dez anos, reiterando
continuadamente, os desdobramentos do conceito de morte tais como a morte
de uma memória, de um desejo, de uma imagem e a morte do corpo.
O conceito de morte, sempre presente nos estudos sobre o fator tempo no
contexto da fotografia (3) nos serviu de base para problematizar o contexto
poético da pesquisa. Vale lembrar que o acesso e o contato com os arquivos
fotográficos do Québec foram preponderantes para o desenvolvimento desse
conceito em direção a outro conceito: o de reviver.
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A possibilidade de acessar arquivos e bibliotecas institucionais do Canadá que
reúnem coleções provenientes de estúdios fotográficos conceituados no país,
produzindo e documentando gerações de pessoas desde o início de século
dezenove, nos ofereceu a experiência única de visualizar mais de duas mil
fotografias. Documentos fotográficos contendo imagens de pessoas que
viveram a partir de 1850 catalogados e documentados, nos possibilitou a
oportunidade de visualizar um banco de dados visuais de gerações e gerações
de pessoas desconhecidas, que estariam perdidas no tempo se não
estivessem inseridas em um Arquivo de vidas (4).
Um questionamento emerge em nosso pensar: como poderiam estar mortas?
Os estudos psicanalistas de Tisseron (5), que abordam o contexto fotográfico
sugerem essa aceitação da morte, da existência do luto e de dar uma outra
vida ao referente. Essa relação é desenvolvida a partir da mesma considerada
semelhança que envolve dois agentes: o objeto real e sua imagem fotográfica.
Desse ponto de vista, consideramos a presença da fotografia documental como
objeto, um produto oriundo de um outro tempo e mediador importante entre o
hoje e o ontem.
Simbolicamente, o mesmo autor empregará o termo “envelope” para designar a
relação entre essa fotografia e o mundo. Como envelope, a fotografia envolve o
signo, torna-se uma extensão de sua materialidade. Poeticamente, entender a
imagem fotográfica como envelope, auxilia na dicotomia estabelecida entre o
material e o imaterial. Esse conceito traz uma importante discussão: de umcorpo envolvendo um outro corpo. Essa condição proporcionada pela imagem
fotográfica intensifica na obra um fato importante: a presença do imaterial.
No contexto dessa pesquisa, abordaremos quatro obras que apresentam a
discussão da morte em suas materializações poéticas: Les Suisses morts de
Christian Boltanski, Stella Venesiener de Alain Fleischer, La morgue de
Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain.
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Como exemplo de práticas artísticas que se enquadram na perspectiva deste
estudo, a obra de Christian Boltanski, ilustra perfeitamente a realização das
mesmas operações indiciárias em relação à imagem fotográfica: a coleta de
imagens já realizadas (obituários), e a realização de um tratamento de luz
focado no enquadramento dos rostos das imagens das pessoas. Tal
procedimento cria, dessa maneira, efeitos fantasmagóricos com lâmpadas
iluminando alguns rostos. Um outro exemplo é encontrado na instalação de
Alain Fleischer : La nuit sans Stella . Ele fotografa imagens de mulheres de
cemitérios italianos. Nessa obra, a projeção encadeada de imagens, a
presença da luz e a desmaterialização dos objetos representados são
elementos importantes da execução de outras operações indiciárias: a projeçãoluminosa. Essa instalação é constituída de inúmeras projeções de imagens
fotográficas de mulheres nas paredes vazias da capela de Brigittines. Em meio
a um espaço escuro, o público participa e interage com as projeções
manuseando um dispositivo em forma de espelho, numa procura contínua
pelos focos de projeções. Já, Andres Serrano, na sua instalação: La morgue ,
recorre á utilização de imagens de cadáveres como obra de arte. O artista
utiliza literalmente, como foco de interesse, o corpo já quase sem vida ou noseu momento de morte e, os apresenta sem pudor diante de nossos olhos:
imagens ampliadas apresentando e focalizando parcialmente corpos
destituídos de vida. Outro trabalho que consideramos exemplar é o de
Dominique Blain. Ela nos mostra imagens de crianças em meio a situações de
risco e de violência. Coleta, ao longo dos anos, revistas e jornais e,
posteriormente, os apresenta em ambientações tridimensionais. Nesse
processo, é inicialmente realizada uma coleta de imagens, que sãoescaneadas e passadas por diversos tratamentos imagéticos e, em seguida,
inseridas em suas instalações.
Na nossa instalação Au-delà du regard, apresentamos os documentos
fotográficos constituindo duas animações visuais dialogando no espaço. Esse
contexto imagético foi construído a partir de coletas de imagens, impressões,
escaneamentos e projeções, as quais, conjuntamente com os objetosmoldados em argila dialogam no espaço da instalação.
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Cada processo envolvendo essas operações salienta um aspecto dual,
dicotômico e contraditório: apresentam e apagam a visibilidade dos signos
captados, abordam ao mesmo tempo o passado e o presente e materializam o
signo ao mesmo tempo em que os desmaterializam.
No caso específico de nossa pesquisa, esse processo começa desde a coleta
de fotografias documentais, passando por seu tratamento em meios
digitalizados e, promovem sua espacialização por meio de projeções de
animações visuais dialogando com as moldagens dos objetos em argila. O que
denominamos como contexto da morte é abordado por nós de forma diferente:
não se apresenta como luto, um caso em Boltanski; não revive essas mulheres
em outros contexto, como Fleischer; não apresenta as imagens de pessoas em
seu momento de morte, como em Serrano. Nosso trabalho coloca em jogo,
como relação dialógica, a possibilidade da continuação da vida após a morte.
Nossa estratégia foi a escolha da colocação em jogos de projeções animadas
de rostos luminosos, de nomes e de sobrenomes em meio de cabeças de
bonecas de porcelana. Relaciona assim, no tempo e no espaço, uma ação de
migração de memórias, mencionando uma possibilidade de reviver diferente.
O quadro teórico dessa pesquisa inicia-se junto à dimensão poética das
dinâmicas das operações indiciárias. Vista pelo viés do contexto
interdisciplinar, integra a fotografia, o conceito de arquivo fotográfico e de
índice no interior das operações artísticas. Os jogos de oposições do processode espacialização (envolvendo passado e presente, material e imaterial,
visibilidade e apagamento), e a escultura no campo ampliado, resultaram de
reflexões originárias da filosofia, das novas tecnologias, dos estudos
feministas, psiquiátricos e, igualmente da semiologia relacionada ao universo
da fotografia.
Todo o processo artístico, individual, assim como de outros criadores, foi
acompanhado, documentado e analisado pela ciência poiétique , ciência do150
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fazer, que acompanha metodologicamente todas as ações, escolhas realizadas
no decorrer da prática de instalação fotográfica de todas as obras envolvidas
nessa pesquisa. Usamos a poiétique como ciência do fazer, lugar de
convergência onde o fazer ocupa o centro das atenções. Essa ciência se impõe
no contexto abordado, visto que ela analisa justamente o processo artístico
situando, observando e descrevendo as construções criativas da forma como
elas aparecem no contexto histórico e interno da obra. Os estudos de alguns
autores serão abordados (6) com o objetivo de aprofundar sua compreensão e
de sustentar os conceitos próprios dessa ciência: o da obra se realizando no
tempo, uma abordagem importante para o conhecimento do agir individual do
artista. Zeraffa, por exemplo, menciona a importância de estudarminuciosamente os dados concretos recolhidos durante o desenvolvimento da
obra.
Essa ciência se alia, no nosso trabalho, ás ciências sociais, solicitando e se
apropriando de algumas de suas ferramentas de observação como, por
exemplo, jornais de bordo, fotografias, desenhos e projetos. Recorreremos
igualmente á abordagem sistêmica procurando dar conta das relações
existentes entre os conceitos teóricos e práticos levantados e, nos ajudará na
atividade de interpretação de dados, da utilização de representações gráficas
próprias à ciência sistêmica, como, por exemplo, os esquemas. Segundo De
Rosnay (7), a ciência sistêmica desenvolve uma maneira arborescente de
visualizar a globalização da pesquisa e os jogos relacionais entre os conceitos
– chaves importantes para a compreensão e análises de objetos de estudo.
Como já foi dito anteriormente, a questão da prática inscreve-se, do nosso
ponto de vista, dentro de uma pluridisciplinaridade englobando a fotografia, a
escultura, a instalação e os novos meios afins ás práticas artísticas. Dessa
forma, essa dimensão interdisciplinar é de fundamental importância para nosso
trabalho, vincula a pesquisa teórica relacionada à filosofia, à psiquiatria, à
semiologia e ás relações entre a fotografia e os conceitos de morrer e dereviver.
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Segundo Palmade (8), a pluridisciplinaridade se apresenta como uma interação
entre diversos conteúdos, mais ou menos vizinhos, originários de disciplinas
conexas dentro de seus domínios de conhecimento. Suas associações
conduzem a um objetivo comum sem a intenção de modificar os métodos e as
características essenciais apresentadas por cada ciência ou campo teórico.
Para exemplificarmos com o projeto abordado, na ocasião do tratamento de
cada imagem, graças ao procedimento do escaneamento, modificamos
parcialmente as imagens com o propósito de realizarmos as animações visuais
a partir de imagens fixas. Nesse momento, o dispositivo de vídeo dialoga com a
fotografia e com a escultura. Já em outro momento da pesquisa, ao focalizar a
espacialização das imagens, abordamos o contexto da instalação fotográfica.
Esse termo artístico, complexo e híbrido, comporta diversos conceitos
originários da arquitetura, do teatro, do vídeo, da fotografia e das novas
tecnologias.
Da mesma forma que a escultura abrange tudo o que a circula, atraindo para o
universo da obra o espaço circundante do local de exposição, o cruzamento
dos elementos escultóricos como os objetos moldados em porcelana se
relacionam com as imagens projetadas no centro e nas paredes da instalação.
Assim, diversos objetos produzidos a partir de vários procedimentos e materiais
- como, por exemplo, a moldagem das bonecas em porcelana -, são dispostos
no mesmo espaço em que as animações visuais colocam em cena referências
do universo do vídeo e do domínio das novas mídias eletrônicas.
Podemos dizer, nesse sentido, que tanto em relação á multiplicação das
imagens fotográficas e sua espacialização, quanto em relação ás cabeças de
bonecas no chão da exposição, nosso objetivo foi o de apresentar formas
diferentes e simplificadas de teatralização. Sem mencionarmos que as
operações indiciárias realizadas em cada fase do processo artístico trazem a
influência do campo da semiologia associado ao contexto fotográfico. Dessa
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forma, podemos dizer que o nível de relação entre as diversas disciplinas
caracteriza-se por certa simplicidade, colocando ao mesmo tempo, aspectos de
colaboração, de cruzamento híbrido, consentindo, porém, que cada disciplina
deixe a ver suas características intrínsecas.
Assim, ao construirmos esse projeto, visando o cruzamento de duas bases de
experiência – a produção artística pessoal e a experiência de ensino de
disciplinas escultóricas – focalizamos a prática como veículo de uma discussão
teórica sobre o conceito da morte. Concebemos tal conceito como migração de
memórias que sobrevivem ao tempo e ao espaço demarcado pela realidade
que vivemos. Ao colocarmos em cena em todas as suas instâncias
constitutivas, os objetos em argila e as imagens fotográficas, evidenciamos por
esse procedimento a emergência das dinâmicas das operações indiciárias
realizadas e, constatamos que somos seres vivenciando dicotomias similares,
trazendo em nossas vidas passado/presente, imaterial/material,
visibilidade/apagamento.
Notas
(1). Dubois, Philippe. « L’art est-il (devenu) photographique ». In L’acte photographique . Paris : Nathan,1994, p.59.
(2). Didi-Huberman. L’empreinte . France : Centre Georges Pompidou, 1997, p. 194.(3). Sotang, Susan. « Objets mélancoliques ». In Sur la photographie . Paris: Union Générale d’Éditions,
1983, p. 100.(4) Fleischer, Alain. La nuit sans Stella . Paris : Actes Sud, 1995, p. 35.(5) Tisseron, Serge. Le mystère de la chambre claire . Paris : Flammarion, 1999, p.182.(6) Zéraffa, Michel. « Le langage poïétique ». In Recherches poïétiques . Paris : Éditions Klincksieck, 1975,
p. 51.(7) De Rosnay, J. Le macroscope. Vers une vision globale . Paris : Éditions du Seuil, 1975, p.107.(8) Palmade, Guy. « De L’interdisciplinarité en général » dans Interdisciplinarité et idéologies . Paris,
Éditions Anthropos, 1977, p. 40.
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Curriculum Vitae
Graduação em Artes Visuais – habilitação escultura, UFG,1986-1990; Mestrado
em Arte Publicitária e Produção Simbólica, ECA-USP, 1994-1997; Prima
Obra,1999; Museu de arte Contemporânea – Goiânia, 2003; Museu de Arte
Contemporânea – São Paulo, 2004; Itaú Cultural, 2004; Doctorat d’Études et
pratiques des arts – UQAM – Canadá, 2004-2009; Bolsista da CAPES, 2004-
2006; Membro do Ciam (Centre interuniversitaire des arts médiatiques) 2005 -
2009; ANPAP, 2005; Centre de diffusion et d’experimentation – Cdex – UQAM -
Canada, 2006, 2007 e 2009; Art Mûr – Montréal – Canadá, 2008.