MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

13
18º Encontr o da Associ ação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS: AS OPERAÇÕES INDICIÁRIAS EM UMA PRÁTICA DA INSTALAÇÃO FOTOGRÁFICA Anahy Jorge - Professora Assistente da Faculdade de Artes Visuais - UFG Doutoranda em Études et pratiques des arts - EAVM - UQAM - Canadá Resumo / abstrat Nosso trabalho busca analisar poeticamente os jogos relacionais que as operações indiciárias imprimem na prática artística da instalação fotográfica. Oriundas do processo artístico, as operações indiciárias aparecem como provocadoras de dicotomias poéticas envolvendo os elementos constitutivos da instalação como: passado e presente, apagamento e visibilidade, material e imaterial. Por meio desse projeto, pretendemos analisar poeticamente essas emergências no transcorrer do processo artístico envolvendo a coleta, o tratamento, a espacialização do documento fotográfico de mulheres brasileiras e quebequenses e a moldagem de objetos em porcelana. O estudo analisará a instalação Au-dela du regard (O mais profundo do olhar) e quatro outras instalações que orientaram minha pesquisa e reflexão poética sobre a morte: Les Suisses morts de Christian Boltanski, Stella Venesiener de Alain Fleischer, La morgue de Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain.  Palavras-chav e: instalação f otográfica, operação indiciária, fotografia, morte, reviver. Notre recherche cherche à analyser poétiquemen t les jeux relationnels développés par les opérations indiciaires dans une pratique artistique de l’installation photographique. Venues du processus artistiques et enveloppant les éléments constitutifs, ces opérations émergent en tant que véhicule de dichotomies poétiques dans l’installation telles que : passé et présent, effacement e visibilité, matériel et immatériel. Ainsi, nous voulons analyser poétiquement ces émergences dans le moment de la collecte, du traitement et de la spatialisation du document photographique de femmes brésiliennes et québécoises et sur les objets moulés en porcelaine. Cet étude analysera l’installation Au-delà du regard et quatre autres installations photographiques qui ont orienté ma recherché et réflexion poétique sur la mort: : Les Suisses morts de Christian Boltanski, Stella Venesiener de Ala in Fleischer, La mo rgue de And res Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain.  Mots-clés: installation photographiqu e, opération indiciaire , photographie, mort, revivre. 143

Transcript of MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 1/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS: AS OPERAÇÕESINDICIÁRIAS EM UMA PRÁTICA DA INSTALAÇÃO FOTOGRÁFICA

Anahy Jorge - Professora Assistente da Faculdade de Artes Visuais - UFG

Doutoranda em Études et pratiques des arts - EAVM - UQAM - Canadá

Resumo / abstrat

Nosso trabalho busca analisar poeticamente os jogos relacionais que as operaçõesindiciárias imprimem na prática artística da instalação fotográfica. Oriundas doprocesso artístico, as operações indiciárias aparecem como provocadoras de

dicotomias poéticas envolvendo os elementos constitutivos da instalação como:passado e presente, apagamento e visibilidade, material e imaterial. Por meio desseprojeto, pretendemos analisar poeticamente essas emergências no transcorrer doprocesso artístico envolvendo a coleta, o tratamento, a espacialização do documentofotográfico de mulheres brasileiras e quebequenses e a moldagem de objetos emporcelana. O estudo analisará a instalação Au-dela du regard  (O mais profundo doolhar) e quatro outras instalações que orientaram minha pesquisa e reflexão poéticasobre a morte: Les Suisses morts  de Christian Boltanski, Stella Venesiener de AlainFleischer, La morgue  de Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain. 

Palavras-chave: instalação fotográfica, operação indiciária, fotografia, morte, reviver.

Notre recherche cherche à analyser poétiquement les jeux relationnels développés par les opérations indiciaires dans une pratique artistique de l’installation photographique.Venues du processus artistiques et enveloppant les éléments constitutifs, ces opérations émergent en tant que véhicule de dichotomies poétiques dans l’installation telles que : passé et présent, effacement e visibilité, matériel et immatériel. Ainsi, nous voulons analyser poétiquement ces émergences dans le moment de la collecte, du traitement et de la spatialisation du document photographique de femmes brésiliennes et québécoises et sur les objets moulés en porcelaine. Cet étude analysera 

l’installation Au-delà du regard et quatre autres installations photographiques qui ont orienté ma recherché et réflexion poétique sur la mort: : Les Suisses morts de Christian Boltanski, Stella Venesiener de Alain Fleischer, La morgue de Andres Serrano et Inner Sanctum de Dominique Blain. 

Mots-clés: installation photographique, opération indiciaire, photographie, mort, revivre.

143

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 2/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

A finalidade desta comunicação é apresentar a pesquisa em desenvolvimento

no nosso doutorado em estudos e práticas das artes da Universidade do

Québec em Montreal. Esse projeto procura demonstrar a participação poética

dos jogos de memória proporcionados pela ação das operações indiciárias

realizadas durante o processo artístico da instalação fotográfica. Tal processo

envolve fotografias documentais de mulheres e objetos em argila.

Nosso interesse por este esse objeto de estudo surgiu como resultado de

minhas experiências pessoais cujas origens remontam á atividades tanto como

professora de escultura de artes visuais, quanto como artista trabalhando em

torno de seus desdobramentos poéticos, sobretudo no que se refere ao

conceito da morte. Ambas as vivências se concretizaram na realização de um

projeto de doutorado teórico-prático, no qual os objetivos principais, pilares

sustentadores, traduziram-se na ênfase dada á importância da prática artística

como mola propulsora de uma poética que problematizar a relação

estabelecida entre o conceito de reviver embutido ao conceito de morte.

Primeiramente, do ponto de vista de uma especificamente esfera profissional,

gostaríamos de colocar o primeiro contexto propulsor do projeto em questão,

ou seja: a dificuldade de se vivenciar a prática artística nos meios acadêmicos.

Esse questionamento surgiu muito mais pelas preocupações teórico-práticas

de nosso exercício com docente na área da escultura, ressaltando-se o

questionamento sobre o espaço destinado a essas práticas, do que,

propriamente, da defasagem da dimensão prática artística em relação àspesquisas teóricas. Tal questionamento surgiu inicialmente como uma questão

se ser refletida e, posteriormente, fortaleceu-se na experiência cotidiana da

sala de aula, para em seguida, tornar-se uma inquietude diante do

esvaziamento de nossos ateliês destinados ao contexto da prática artística

tridimensional. Surgiram, então, alguns questionamentos: Trata-se de uma

situação vivenciada pelas universidades federais que não investem em seus

espaços de experimentação plástica? Ou será que esse contexto, por sua vez,

surgiu como conseqüência de uma apatia coletiva diante de uma prática que

144

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 3/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

poderia apresentar-se como produtiva e prazerosa. Essa realidade apresentou-

se como campo aberto para observações, análises e considerações que

direcionaram o presente projeto para o campo processual da prática da

instalação fotográfica e, consequentemente, de sua reflexão.

O que fazer quando os ateliês permanecem inativos? Espaços que se tornaram

inoperantes e que poderiam se apresentar como lugares de convergências

poéticas, palcos onde o prazer do fazer se faz presente entre todos,

envolvendo tanto o estudante, quanto o docente que orienta. O que

observamos, por enquanto, é o estabelecimento de uma relação de partilha de

um em direção ao outro, concretizando-se na relação constante do fazer e do

compreender. Nossa preocupação atual se resume dessa forma: o que

faremos quando não existirem tais campos de experimentações em nossas

instituições? Talvez a tendência seja a de privilegiar as experimentações

teóricas cuidadosamente modeladas e inseridas em espaços unicamente

teóricos, ao invés de incentivarmos as criações artísticas tridimensionais

contemporâneas, que poderiam ser realizadas, inter-relacionadas, expandidas,

compreendidas e vivenciadas.

Nesse processo, não entendemos, evidentemente, o ato de fazer como ato

mecânico e automatizado, mas como interface entre o pensar e o fazer,

buscando sempre a complementaridade do conceitual: relação fundamental ao

desenvolvimento sensório e perceptivo de ser.

Sabemos que a prática artística possui sua própria poética. Nesse sentido,

entendemos que as operações artísticas são interfaces entre o pensar e o

fazer, entre a concretude e sua reflexão, entre o humano e a materialidade de

suas realizações e, desse ponto de vista, compreenderemos melhor as

relações entre o que nos interroga e nos faz refletir sobre a questão da teoria e

da prática. É nesse cruzamento que o artista se situa e busca controlar e

construir seu trabalho, emergindo como criador e construtor em meio amateriais, ao espaço e ao observador. Assim, poderíamos afirmar que ele

145

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 4/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

materializa suas percepções e suas ilusões no contexto material e espacial da

obra. Ele realiza essa dimensão pessoal e internalizada via ações ou

operações: interfaces necessárias para a concretude da obra. Assim, as ações

artísticas agem, operam e criam obedecendo e seguindo uma direção

determinada pelo querer subjetivo do artista.

Dentro dessa perspectiva, nosso projeto intitulado “Migrações de memórias

femininas - As operações indiciárias em uma prática da instalação fotográfica”

registra e analisa as operações indiciárias realizadas no decorrer da construção

da instalação a ser realizada por meio de imagens fotográficas de mulheres, as

quais foram documentadas entre os anos 1860 e 1960 em arquivos de

instituições brasileiras e canadenses e na confecção de cabeças de bonecas

em porcelana.

Dentre a um conjunto de propostas e ações, privilegiamos somente o

comportamento de um tipo em especial: as indiciárias. Nosso interesse focaliza

somente aquelas que desenvolvem uma relação especial com o índice. O signoque veicula o traço daquilo que o gerou. Dessa forma, a operação indiciária,

que fica assim denominada, traz o processo em si, veicula não somente o

signo final mas o percurso que lhe serviu de origem.

Com o propósito de compreender melhor esse conceito, a operação indiciária,

vamos exemplificar seu modus operandi no interior do contexto fotográfico.

Segundo os estudos de Philippe Dubois (1), a conexão física constitui a baseinterna do processo fotográfico. Antes de ser mimética, de parecer a seu

modelo como nenhuma outra manifestação artística, a fotografia apresenta

uma característica primordial : a de ser fisicamente ligada a seu objeto. O

processo mecânico, quase automático gerado é o fator responsável pela

situação. É dessa forma que a fotografia realiza sua dimensão de fidedignidade

com a realidade: através de características processuais que aumentam a

capacidade de reprodução, de transcrição do que se encontra diante da

146

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 5/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

câmera, ou seja, ela realiza com exatidão a transposição de uma imagem real

(em três dimensões) para uma realidade em duas dimensões.

Assim, as operações indiciárias, na abordagem que utilizamos no nosso

trabalho, emergem adotando um comportamento processual similar ao

desenvolvido pelo processo do ato fotográfico, apresentando o mesmo

contexto de marca e de vestígio do objeto captado. Fortalecendo ainda mais

esse contexto, utilizamos os estudos filosóficos de Didi Huberman (2), que

mencionam a relação entre o paradigma da digital, de correspondência e de

transposição relacionado com o objeto e o conceito de índice. Dentro de umarcabouço de operações, nós podemos citar alguns desses tipos de operações

como as moldagens, os decalques, as sombras, os depósitos, as transposições

físicas do objeto (ready-made), as impressões, os escaneamentos, as

projeções, as frottages, etc.

Dessa maneira, tendo a prática como primeiro campo basilar deste presente

projeto, falta-nos mencionar o fator poético inserido nas obras analisadas: oconceito de morte e de reviver. Tal dimensão conceitual torna-se, então, no

instigador poético das manifestações operatórias indiciárias e, igualmente,

como o segundo pilar do presente projeto, pressupondo sempre que os dois

momentos da construção do objeto artístico são inseparáveis. Poética e

historicamente, nossa pesquisa aprofunda-se nos últimos dez anos, reiterando

continuadamente, os desdobramentos do conceito de morte tais como a morte

de uma memória, de um desejo, de uma imagem e a morte do corpo.

O conceito de morte, sempre presente nos estudos sobre o fator tempo no

contexto da fotografia (3) nos serviu de base para problematizar o contexto

poético da pesquisa. Vale lembrar que o acesso e o contato com os arquivos

fotográficos do Québec foram preponderantes para o desenvolvimento desse

conceito em direção a outro conceito: o de reviver.

147

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 6/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

A possibilidade de acessar arquivos e bibliotecas institucionais do Canadá que

reúnem coleções provenientes de estúdios fotográficos conceituados no país,

produzindo e documentando gerações de pessoas desde o início de século

dezenove, nos ofereceu a experiência única de visualizar mais de duas mil

fotografias. Documentos fotográficos contendo imagens de pessoas que

viveram a partir de 1850 catalogados e documentados, nos possibilitou a

oportunidade de visualizar um banco de dados visuais de gerações e gerações

de pessoas desconhecidas, que estariam perdidas no tempo se não

estivessem inseridas em um Arquivo de vidas  (4). 

Um questionamento emerge em nosso pensar: como poderiam estar mortas?

Os estudos psicanalistas de Tisseron (5), que abordam o contexto fotográfico

sugerem essa aceitação da morte, da existência do luto e de dar uma outra

vida ao referente. Essa relação é desenvolvida a partir da mesma considerada

semelhança que envolve dois agentes: o objeto real e sua imagem fotográfica.

Desse ponto de vista, consideramos a presença da fotografia documental como

objeto, um produto oriundo de um outro tempo e mediador importante entre o

hoje e o ontem.

Simbolicamente, o mesmo autor empregará o termo “envelope” para designar a

relação entre essa fotografia e o mundo. Como envelope, a fotografia envolve o

signo, torna-se uma extensão de sua materialidade. Poeticamente, entender a

imagem fotográfica como envelope, auxilia na dicotomia estabelecida entre o

material e o imaterial. Esse conceito traz uma importante discussão: de umcorpo envolvendo um outro corpo. Essa condição proporcionada pela imagem

fotográfica intensifica na obra um fato importante: a presença do imaterial.

No contexto dessa pesquisa, abordaremos quatro obras que apresentam a

discussão da morte em suas materializações poéticas: Les Suisses morts  de

Christian Boltanski, Stella Venesiener  de Alain Fleischer, La morgue  de

Andres Serrano et Inner  Sanctum de Dominique Blain. 

148

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 7/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

Como exemplo de práticas artísticas que se enquadram na perspectiva deste

estudo, a obra de Christian Boltanski, ilustra perfeitamente a realização das

mesmas operações indiciárias em relação à imagem fotográfica: a coleta de

imagens já realizadas (obituários), e a realização de um tratamento de luz

focado no enquadramento dos rostos das imagens das pessoas. Tal

procedimento cria, dessa maneira, efeitos fantasmagóricos com lâmpadas

iluminando alguns rostos. Um outro exemplo é encontrado na instalação de

Alain Fleischer : La nuit sans Stella . Ele fotografa imagens de mulheres de

cemitérios italianos. Nessa obra, a projeção encadeada de imagens, a

presença da luz e a desmaterialização dos objetos representados são

elementos importantes da execução de outras operações indiciárias: a projeçãoluminosa. Essa instalação é constituída de inúmeras projeções de imagens

fotográficas de mulheres nas paredes vazias da capela de Brigittines. Em meio

a um espaço escuro, o público participa e interage com as projeções

manuseando um dispositivo em forma de espelho, numa procura contínua

pelos focos de projeções. Já, Andres Serrano, na sua instalação: La morgue ,

recorre á utilização de imagens de cadáveres como obra de arte. O artista

utiliza literalmente, como foco de interesse, o corpo já quase sem vida ou noseu momento de morte e, os apresenta sem pudor diante de nossos olhos:

imagens ampliadas apresentando e focalizando parcialmente corpos

destituídos de vida. Outro trabalho que consideramos exemplar é o de

Dominique Blain. Ela nos mostra imagens de crianças em meio a situações de

risco e de violência. Coleta, ao longo dos anos, revistas e jornais e,

posteriormente, os apresenta em ambientações tridimensionais. Nesse

processo, é inicialmente realizada uma coleta de imagens, que sãoescaneadas e passadas por diversos tratamentos imagéticos e, em seguida,

inseridas em suas instalações.

Na nossa instalação Au-delà du regard, apresentamos os documentos

fotográficos constituindo duas animações visuais dialogando no espaço. Esse

contexto imagético foi construído a partir de coletas de imagens, impressões,

escaneamentos e projeções, as quais, conjuntamente com os objetosmoldados em argila dialogam no espaço da instalação.

149

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 8/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

Cada processo envolvendo essas operações salienta um aspecto dual,

dicotômico e contraditório: apresentam e apagam a visibilidade dos signos

captados, abordam ao mesmo tempo o passado e o presente e materializam o

signo ao mesmo tempo em que os desmaterializam.

No caso específico de nossa pesquisa, esse processo começa desde a coleta

de fotografias documentais, passando por seu tratamento em meios

digitalizados e, promovem sua espacialização por meio de projeções de

animações visuais dialogando com as moldagens dos objetos em argila. O que

denominamos como contexto da morte é abordado por nós de forma diferente:

não se apresenta como luto, um caso em Boltanski; não revive essas mulheres

em outros contexto, como Fleischer; não apresenta as imagens de pessoas em

seu momento de morte, como em Serrano. Nosso trabalho coloca em jogo,

como relação dialógica, a possibilidade da continuação da vida após a morte.

Nossa estratégia foi a escolha da colocação em jogos de projeções animadas

de rostos luminosos, de nomes e de sobrenomes em meio de cabeças de

bonecas de porcelana. Relaciona assim, no tempo e no espaço, uma ação de

migração de memórias, mencionando uma possibilidade de reviver diferente.

O quadro teórico dessa pesquisa inicia-se junto à dimensão poética das

dinâmicas das operações indiciárias. Vista pelo viés do contexto

interdisciplinar, integra a fotografia, o conceito de arquivo fotográfico e de

índice no interior das operações artísticas. Os jogos de oposições do processode espacialização (envolvendo passado e presente, material e imaterial,

visibilidade e apagamento), e a escultura no campo ampliado, resultaram de

reflexões originárias da filosofia, das novas tecnologias, dos estudos

feministas, psiquiátricos e, igualmente da semiologia relacionada ao universo

da fotografia.

Todo o processo artístico, individual, assim como de outros criadores, foi

acompanhado, documentado e analisado pela ciência poiétique , ciência do150

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 9/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

fazer, que acompanha metodologicamente todas as ações, escolhas realizadas

no decorrer da prática de instalação fotográfica de todas as obras envolvidas

nessa pesquisa. Usamos a poiétique  como ciência do fazer, lugar de

convergência onde o fazer ocupa o centro das atenções. Essa ciência se impõe

no contexto abordado, visto que ela analisa justamente o processo artístico

situando, observando e descrevendo as construções criativas da forma como

elas aparecem no contexto histórico e interno da obra. Os estudos de alguns

autores serão abordados (6) com o objetivo de aprofundar sua compreensão e

de sustentar os conceitos próprios dessa ciência: o da obra se realizando no

tempo, uma abordagem importante para o conhecimento do agir individual do

artista. Zeraffa, por exemplo, menciona a importância de estudarminuciosamente os dados concretos recolhidos durante o desenvolvimento da

obra.

Essa ciência se alia, no nosso trabalho, ás ciências sociais, solicitando e se

apropriando de algumas de suas ferramentas de observação como, por

exemplo, jornais de bordo, fotografias, desenhos e projetos. Recorreremos

igualmente á abordagem sistêmica procurando dar conta das relações

existentes entre os conceitos teóricos e práticos levantados e, nos ajudará na

atividade de interpretação de dados, da utilização de representações gráficas

próprias à ciência sistêmica, como, por exemplo, os esquemas. Segundo De

Rosnay (7), a ciência sistêmica desenvolve uma maneira arborescente de

visualizar a globalização da pesquisa e os jogos relacionais entre os conceitos

 – chaves importantes para a compreensão e análises de objetos de estudo.

Como já foi dito anteriormente, a questão da prática inscreve-se, do nosso

ponto de vista, dentro de uma pluridisciplinaridade englobando a fotografia, a

escultura, a instalação e os novos meios afins ás práticas artísticas. Dessa

forma, essa dimensão interdisciplinar é de fundamental importância para nosso

trabalho, vincula a pesquisa teórica relacionada à filosofia, à psiquiatria, à

semiologia e ás relações entre a fotografia e os conceitos de morrer e dereviver.

151

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 10/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

Segundo Palmade (8), a pluridisciplinaridade se apresenta como uma interação

entre diversos conteúdos, mais ou menos vizinhos, originários de disciplinas

conexas dentro de seus domínios de conhecimento. Suas associações

conduzem a um objetivo comum sem a intenção de modificar os métodos e as

características essenciais apresentadas por cada ciência ou campo teórico.

Para exemplificarmos com o projeto abordado, na ocasião do tratamento de

cada imagem, graças ao procedimento do escaneamento, modificamos

parcialmente as imagens com o propósito de realizarmos as animações visuais

a partir de imagens fixas. Nesse momento, o dispositivo de vídeo dialoga com a

fotografia e com a escultura. Já em outro momento da pesquisa, ao focalizar a

espacialização das imagens, abordamos o contexto da instalação fotográfica.

Esse termo artístico, complexo e híbrido, comporta diversos conceitos

originários da arquitetura, do teatro, do vídeo, da fotografia e das novas

tecnologias.

Da mesma forma que a escultura abrange tudo o que a circula, atraindo para o

universo da obra o espaço circundante do local de exposição, o cruzamento

dos elementos escultóricos como os objetos moldados em porcelana se

relacionam com as imagens projetadas no centro e nas paredes da instalação.

Assim, diversos objetos produzidos a partir de vários procedimentos e materiais

- como, por exemplo, a moldagem das bonecas em porcelana -, são dispostos

no mesmo espaço em que as animações visuais colocam em cena referências

do universo do vídeo e do domínio das novas mídias eletrônicas.

Podemos dizer, nesse sentido, que tanto em relação á multiplicação das

imagens fotográficas e sua espacialização, quanto em relação ás cabeças de

bonecas no chão da exposição, nosso objetivo foi o de apresentar formas

diferentes e simplificadas de teatralização. Sem mencionarmos que as

operações indiciárias realizadas em cada fase do processo artístico trazem a

influência do campo da semiologia associado ao contexto fotográfico. Dessa

152

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 11/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

forma, podemos dizer que o nível de relação entre as diversas disciplinas

caracteriza-se por certa simplicidade, colocando ao mesmo tempo, aspectos de

colaboração, de cruzamento híbrido, consentindo, porém, que cada disciplina

deixe a ver suas características intrínsecas.

Assim, ao construirmos esse projeto, visando o cruzamento de duas bases de

experiência – a produção artística pessoal e a experiência de ensino de

disciplinas escultóricas – focalizamos a prática como veículo de uma discussão

teórica sobre o conceito da morte. Concebemos tal conceito como migração de

memórias que sobrevivem ao tempo e ao espaço demarcado pela realidade

que vivemos. Ao colocarmos em cena em todas as suas instâncias

constitutivas, os objetos em argila e as imagens fotográficas, evidenciamos por

esse procedimento a emergência das dinâmicas das operações indiciárias

realizadas e, constatamos que somos seres vivenciando dicotomias similares,

trazendo em nossas vidas passado/presente, imaterial/material,

visibilidade/apagamento.

Notas

(1). Dubois, Philippe. « L’art est-il (devenu) photographique ». In L’acte photographique . Paris : Nathan,1994, p.59.

(2). Didi-Huberman. L’empreinte . France : Centre Georges Pompidou, 1997, p. 194.(3). Sotang, Susan. « Objets mélancoliques ». In Sur la photographie . Paris: Union Générale d’Éditions,

1983, p. 100.(4) Fleischer, Alain. La nuit sans Stella . Paris : Actes Sud, 1995, p. 35.(5) Tisseron, Serge. Le mystère de la chambre claire . Paris : Flammarion, 1999, p.182.(6) Zéraffa, Michel. « Le langage poïétique ». In Recherches poïétiques . Paris : Éditions Klincksieck, 1975,

p. 51.(7) De Rosnay, J. Le macroscope. Vers une vision globale . Paris : Éditions du Seuil, 1975, p.107.(8) Palmade, Guy. « De L’interdisciplinarité en général »  dans Interdisciplinarité et idéologies . Paris,

Éditions Anthropos, 1977, p. 40.

153

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 12/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

Referências Bibliográficas

BAQUÉ, D. Du montage moderniste aux métissages postmodernes. La photographie 

en jeu . In X, L’œuvre en procès- croisements des arts, vol II. Sorbonne : Centred’études et de recherches en Arts plastiques, 1997.

BERTHET, D. Vers une esthétique du métissage? Paris :L’Harmattan, 2002

BEAUVOIR, Simone de. Le deuxième sexe II . Paris : Gallimard, 1976.

COUCHOT, Hillaire. L’art numérique . Paris : Flammarion, 1991.

COLLIN, Françoise. Les femmes de Platon à Derrida . Paris :Plon, 2000. p. 680-695.

DE ROSNAY, J. Le macroscope. Vers une vision globale . Paris : Éditions du Seuil,

1975.

DIDI-HUBERMAN. L’empreinte . France : Centre Georges Pompidou, 1997, p. 193. _______________. Images malgré tout . Paris : Les Éditions de Minuit, 2003.

 _______________. L’image Survivante . Paris : Les Éditions de Minuit, 2002.

DUBOIS, P. L’acte photographique . Paris: Nathan. 1990.

DURAND, R. Le regard pensif . Paris : La différence, 1981.

DURAND, R. Le temps de l’image . Paris, 1995.

DURAND, R. Habiter l’image . Paris: Marval, 1994.

FLEISCHER, Alain. La nuit sans Stella . Paris : Actes Sud, 1995.

PALMADE, Guy. Interdisciplinarité et idéologies . Paris, Éditions Anthropos, 1977.

PASSERON, René. La naissance d’Icare . Paris : ae2cg Éditions, 1996.

PLAZA, Jùlio et Mônica Tavares. Processos Criativos com os meios eletrônicos: 

Poéticas digitais . São Paulo: Editora Ucitec, 1998.

REGE COLET, N. Pluridisciplinarité, interdisciplinarité, transdisciplinarité: quelles 

perspectives en éducation?. Genève, Université de Genève, Cahiers de la section des

sciences de l’éducation n. 71, 95p,pp.16-34. Sans ISBN, 1993.

SONTAG, Susan. Sur la photographie . Paris: Union Générale d’Éditions, 1983.

STEVENSON, Ian. Réincarnation et Biologie . Paris : Éditions Dervy. 1997.

TISSERON, Serge. Le mystère de la chambre claire . Paris : Flammarion, 1999.

KRAUSS, R (1989). The originality of the avant-garde and other modernist myths .

Cambridge: The Mit Press, 1989.

MERIDIEU, Florence. Histoire Matérielle & immatérielle de l’art moderne . Paris :

Bordas cultures, 1994.

154

7/29/2019 MIGRAÇÕES DE MEMÓRIAS FEMININAS

http://slidepdf.com/reader/full/migracoes-de-memorias-femininas 13/13

18º Encontr o da Associação Naciona l de Pesquisadores em Art es Plásticas

Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/ 09/ 200 9 - Salvador, Bahia

155

Curriculum Vitae

Graduação em Artes Visuais – habilitação escultura, UFG,1986-1990; Mestrado

em Arte Publicitária e Produção Simbólica, ECA-USP, 1994-1997; Prima

Obra,1999; Museu de arte Contemporânea – Goiânia, 2003; Museu de Arte

Contemporânea – São Paulo, 2004; Itaú Cultural, 2004; Doctorat d’Études et

pratiques des arts – UQAM – Canadá, 2004-2009; Bolsista da CAPES, 2004-

2006; Membro do Ciam (Centre interuniversitaire des arts médiatiques) 2005 -

2009; ANPAP, 2005; Centre de diffusion et d’experimentation – Cdex – UQAM -

Canada, 2006, 2007 e 2009; Art Mûr – Montréal – Canadá, 2008.