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Aborda a alimentação dos monges cistercienses de Alcobaça no século XVIII

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(História, 96, 2007, p.38-43) Produção de bens e dieta alimentar dos Cistercienses de Alcobaça no século

XVIII António Valério Maduro

O domínio alcobacense, localizado na Estremadura, compreendia uma área superior

a 40.000 hectares, num horizonte geográfico que do vértice da Serra dos Candeeiros

alcançava o oceano e uma linha de costa que se estendia de Salir do Porto a S. Pedro de

Moel. Constituído por doação de D. Afonso Henriques, a que se juntaram outras

incorporações, os seus núcleos de povoamento deram origem a treze vilas, das quais três

eram portos de mar. A sua história de vida tem termo com a revolução liberal, em virtude

do decreto de extinção das ordens religiosas de 28 de Maio de 1834, se bem que os monges

já tivessem deixado o Mosteiro em 1833.

A diversidade da paisagem e a fertilidade das terras dos Coutos de Alcobaça

levaram Frei Manuel dos Santos a sustentar a auto-suficiência agrícola do território

cisterciense (1979, p.20). Mas este enaltecer da obra que os monges produziram não pode

fazer esquecer as relações privilegiadas de mercado que mantinham com outras comarcas.

Assim se garantia o escoamento do excedente dos frutos da terra e se importavam os bens

de que careciam. Pelo porto de S. Martinho embarcavam-se muitos milheiros de fruta de

caroço, muitos moios de trigo, cevada e feijão branco para Lisboa, pipas de vinho para

Leiria, Santarém e Tomar. Volumosas também eram as produções de milho grosso e de

azeite.

Mas vejamos os géneros que chegavam à mesa dos monges, as técnicas de

produção/transformação a que eram sujeitos e, em que medida, estas subsistências, mesmo

as mais vulgares, servem para aferir as distâncias entre povo e privilegiados.

1 – O pão

Segundo Iria Gonçalves (2000, p.23), o pão camponês, ao longo da Idade Média,

apenas se diferenciava do pão consumido pelos monges quanto à taxa de peneiração.

Enquanto a farinha de trigo utilizada na cozedura do pão dos monges registava uma taxa de

extracção entre 55 a 60%, o pão que entrava na alimentação dos serviçais e dos camponeses

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quedava-se nos 65 a 75%, chegando ao pão das famílias mais carenciadas a situar-se na

ordem dos 85%. A gradação da depuração do pão das sementes que parasitavam a seara de

trigo, das impurezas, do farelo e sêmeas, fazia com que este género cambiasse de cor do

mais alvo para o mais escuro, já sem falarmos na questão do paladar.

Com a “revolução do milho”, a broa passa a ser o principal sustento das classes

populares. A expressão popular “diz-me o que comes e eu dir-te-ei quem és”, mostra,

inequivocamente, que os alimentos definem o estatuto social e económico dos homens. A

coloração do pão e do vinho constituía de facto um marcador cultural. A antinomia do

claro/escuro faz todo o sentido nestes alimentos. Ao pão alvo e ao vinho aberto consumido

pelas classes dominantes, contrapõe-se o pão escuro ou muito escuro e o vinho carregado

daqueles que desempenham os serviços braçais. O pequeno pão ou merendeira designado

por micha que os monges distribuíam diariamente aos pobres na portaria do Mosteiro e

junto às Granjas era constituído essencialmente de farinha de milho, algum centeio e rolão

de trigo (desperdício do pão consumido pelos monges). O milho também entrava na dieta

alimentar camponesa sob a forma de sopas (as migas) e papas. Em alguns lares ainda é

possível encontrar moinholas para moer o milho destinado às papas. A própria espiga, antes

de finalizar o processo de maturação, era muito apreciada depois de assada nas brasas. O

consumo do trigo pelas classes populares restringia-se ao período de espera do milho novo.

Para melhor aproveitar o cereal, a moenda fazia-se na pedra segundeira e a farinha não era

espoada, do que resultava um pão de tipo integral. A farinha de trigo era ainda traçada com

algum milho e cevada (pão meado, terçado). Ainda durante a primeira metade do século

XX, o consumo de pão alvo entre os camponeses era considerado um luxo reservado para

os dias festivos. “Dantes as mulheres levavam a farinha com o rolão e as sêmeas, mas hoje

está tudo fidalgo e só querem comer pão alvo” (Joaquim Mateus, moleiro, Turquel).

2 – O azeite

A partir da segunda metade do século XVII, os monges mandam plantar magníficos

olivais na beirada da Serra dos Candeeiros. Só na Granja de Val Ventos (Turquel), por

estimativa dos louvados, contam-se 60.000 pés de oliveiras. O olival obedecia a regras de

compasso (9 metros no alinhamento, contra 17 metros entre as diversas carreiras), o que

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facilitava os trabalhos de lavra, apanha e carreto dos frutos e impedia o ensombramento. O

armazém de azeite de Val Ventos, que ocupava o piso térreo do celeiro, possuía 23 pias de

pedra lioz para arrecadar o óleo da safra, dos foros e maquias do lagar. Cada pia

comportava aproximadamente 181 almudes de azeite, pelo que a capacidade de arrecadação

total ultrapassava as 166 pipas. A abundância de azeite explica a importância deste género

nas receitas do Mosteiro. Mas a qualidade do azeite produzido não era toda igual. O regime

de monopólio do Mosteiro obrigava o mundo camponês a dar a moer a sua azeitona nos

moinhos de azeite da Ordem. Os frutos da comunidade camponesa sujeitavam-se a uma

espera prolongada na tulha, o que deteriorava irremediavelmente a qualidade do azeite. Mas

o próprio azeite dos olivais do Mosteiro padecia da apanha tardia da azeitona, da falta de

escolha dos frutos sãos dos gafados, da não separação do azeite das três espremeduras, das

condições tecnológicas e sanitárias deficientes. Contudo, a pronta laboração da sua azeitona

evitava fermentações indesejáveis e garantia ao azeite uma qualidade louvável para os

requisitos da época.

3 – O vinho

A literatura de viagens é pródiga a exaltar a fama dos vinhos de Alcobaça. William

Beckford, na curta estada que faz em 1794 no Mosteiro de Alcobaça, não poupa louvores

ao vinho elaborado nas adegas monásticas. “O meu famoso cozinheiro francês, na exaltação

do momento, declarou, nada patrioticamente, que o Clos de Vougeot era uma zurrapa

comparado com o Aljubarrota – divino, etéreo, perfumado Aljubarrota!” (1997, p.49).

O fabrico do vinho na comarca de Alcobaça seguia, predominantemente, o método

de bica aberta (sangrando imediatamente o mosto da lagariça para tonéis de atesto). Este

vinho era produzido a partir de uvas brancas, as primeiras a serem vindimadas. O

povoamento das vinhas do Mosteiro assentava no monopólio das castas brancas, relegando

as tintas para uma função exclusiva de cobertura. Brancas e tintas fermentavam à parte,

estimando-se a percentagem das tintas de lote entre 20 a 25%. Para rosar os brancos

contava-se exclusivamente com a adição de tintas, pois em Alcobaça não existiam

sabugueiros de que se pudessem colher bagas. O vinho das uvas tintas era feito por

curtimenta (entre seis a sete dias) em dornas e balseiros. Para fortalecer e aromatizar o

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vinho mosto adicionavam-lhe “folhelho torrado, camoesas assadas com açúcar e cascas de

laranja”.

O costume de adicionar cascas de laranja para intensificar o carácter frutado do

vinho, acabou por desempenhar um papel relevante no processo de conservação. A casca de

laranja, rica em ácido cítrico, possibilitava a subida da acidez real, meio responsável pela

conservação dos vinhos brancos, sendo hoje em dia substituída pela adição de ácido

tartárico. Os cistercienses tinham ainda o cuidado de arrobar os seus vinhos (Vandeli, 1813,

p.76). O arrobe, produto já utilizado pelos gregos, cartagineses e romanos, era obtido a

partir do mosto de uva fresco (privilegiava-se o arrobe feito de uvas brancas desengaçadas)

que era fervido em lume brando até evaporar cerca de metade a dois terços do líquido. Para

além de adubar os vinhos, tinha a função de os conservar, daí constituir uma prática

obrigatória arrobar os vinhos que tinham de ser embarcados. Por tonel (equivalente a duas

pipas ou superior) acrescentava-se meio almude de arrobe no período em que decorria a

fermentação tumultuosa. De todos estes procedimentos e técnicas obtinha-se um vinho

ligeiramente corado, macio de beber e de graduação alcoólica elevada.

Estima-se num quartilho a quantidade de vinho ingerida a cada refeição pelos

monges, mas este quantitativo podia ser mais elevado, dado que os copos em que se servia

o vinho levavam bem, na opinião do Marquês de Fronteira e Alorna, meia canada (1926,

p.424).

Nem todos os vinhos beneficiavam da qualidade final dos licores monásticos. Os

camponeses, à semelhança do azeite, eram constrangidos a produzir os seus vinhos nos

lagares do Mosteiro. As fermentações nestes frutos delicados levavam à caldeira (queima

para aguardente) uma parte substancial destes vinhos.

4 – O pescado

O peixe fresco consumido pelos monges provinha do porto da Pederneira e de

Peniche. Temos referências a cambadas de chernes, pargos, congros, corvinas, robalos,

besugos, pescadas, sardinhas. Para além do peixe fresco, o Mosteiro adquiria pescada seca

de Vila do Conde e de destinos mais longínquos como a Holanda e a Irlanda, cação de

Buarcos, carapau, grandes quantidades de bacalhau… Sáveis, enguias e lampreias, muitas

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lagostas e amêijoas, polvos e lulas, entravam regularmente na dieta alimentar dos monges

brancos.

5 – As carnes e queijos

A falta de pastos condicionava a criação de gado bovino. Segundo o testemunho de

Frei Manuel de Figueiredo, o gado para abate criado na comarca dava uma carne

demasiado gorda e insípida.

Durante o século XVIII, a maior parte dos animais de trabalho e açougue eram

importados do Minho. A inexistência de vacas leiteiras obrigava o Mosteiro a adquirir

barris de manteiga para abastecer a sua requintada cozinha. Esta dependência do exterior

quanto a gado maior não era exclusiva do senhorio alcobacense. Na segunda metade do

século XIX, o relatório da Sociedade Agrícola do distrito de Leiria (1856), menciona que o

distrito “está longe de possuir os gados necessários, quer para as suas precisões agrícolas,

quer para as económicas (...) que importa quase todos os seus bois ou de canga ou de

açougue: que não tem vacas de leite, e por consequência não tem manteigas”.

As varas de porcos abundavam. Provavelmente devido à qualidade superior do

gado, o Mosteiro adquiria para consumo, engorda e procriação porcos provenientes do

Alentejo e das Beiras. A criação do porco fazia-se sob diferentes regimes. O mais usual era

o pascigo livre nos restolhos, nas terras de olival até ao amadurecimento da azeitona e no

período posterior à colheita, nas matas de folhosas, nos matos das charnecas.

No lote de aquisições da cozinha do Mosteiro encontram-se lombos de porco,

pedaços de toucinho, presuntos, enchidos, como as morcelas de Arouca, paios, leitões para

assar, entre outros acepipes.

Os rebanhos de ovinos do Mosteiro provinham em grande parte da região

transmontana. No mês de Maio de 1748, declara-se uma despesa de 464.000 réis com a

compra de 580 carneiros (800 réis a rês) que vieram de Trás-os-Montes e, no mês sequente,

repete-se a aquisição de 630 “carneiros cascos” dessa província.

O leite, em particular o da cabra, supria o défice dos bovinos leiteiros. Grande parte

do leite era transformado em queijos. Frei Manuel de Figueiredo gaba os “queijinhos e

requeijões de vintém”. Na farta mesa do instituto monástico para além do requeijão e queijo

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fresco produzido nas queijarias locais, consumiam-se queijos do Alentejo, de Parma,

Flamengos, de Hamburgo.

Segundo relata Frei Manuel de Figueiredo, a criação de patos e frangos bastava as

necessidades da comarca, já a de perus era insuficiente. Este parecer é confirmado pelos

livros de contabilidade do Mosteiro. No mês de Julho de 1747 regista-se uma despesa “em

19 perus que se compraram à porta a 6.600 réis; e em 95 que se compraram em Seiça

[Ourém] e sua condução por 27.180 réis”. A análise dos inventários de compras atesta um

consumo elevado de aves à mesa do Mosteiro. Em primeiro lugar encontram-se as galinhas,

seguidas dos frangos. De Maio de 1747 a 1748 contabilizámos 7.788 galinhas e 519

frangos. Para igual período de tempo registamos o extraordinário consumo de 51.589 ovos.

Perus, patos e coelhos também entram no rol, numa proporção mais comedida. Não nos

podemos contudo esquecer que a coelheira do Mosteiro tinha capacidade para suprir a

maioria das necessidades conventuais. No diálogo que mantém com um jovem monge, é

proposto a William Beckford visitar a “cerca de coelhos, que é a melhor do mundo ” (1997,

p.44). James Murphy, outro ilustre conviva do Mosteiro, descreve, no ano de 1795, esta

instalação. A coelheira “tem 200 pés de comprimento, por 125 de largura. Cercada de

paredes com 16 pés de altura. O chão é pavimentado com grandes ladrilhos cujas juntas

estão ligadas com cimento.

Há pequenos abrigos ao longo do muro, onde estão colocados potes de barro ovais,

com 11 polegadas de altura e 9 de profundidade. Cada um destes potes tem na parte da

frente uma espécie de tubo arredondado, por onde a coelha aqui gera e cria os seus filhos.

Dentro da área da coelheira há também várias filas de potes colocados visivelmente à parte,

para os machos. Estão calculados, ao todo, em 5 ou 6.000 os coelhos que ali vivem

alimentados pelas plantas dos jardins vizinhos juntamente com as sobras do convento”

(1988, pp.91-92).

As granjas do Mosteiro possuíam o seu pombal, como podemos constatar no

descritivo da Quinta da Granja de Turquel. Era uma criação que não dava despesa dado que

os animais se alimentavam livremente nos campos. Para cativar os pombos era costume

dar-lhes alimpaduras de grãos.

Para além dos animais de criação, a gastronomia monástica era prendada por

variadas peças de caça, entre as quais se contam coelhos e patos bravos, perdizes,

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codornizes, galinholas e ades (designação genérica atribuída às aves palmípedes). Para

tempero das carnes utilizava-se muita mostarda, pimenta, noz-moscada. Terminamos as

carnes com o relato do repasto degustado pelo aristocrata Beckford: “A macedónia estava

uma perfeição, os hortulanos [aves de arribação] e as codornizes eram autênticos nacos de

gordura celestial, as carnes salteadas e os molhos bechamel estavam para além de qualquer

elogio” (1997, p.62).

6 – As frutas

A fruticultura foi muito acarinhada pelos cistercienses. O amor com que velavam

os seus pomares de laranjeiras doces, limas e pessegueiros explica que para os designarem

utilizassem a singela expressão de Jardim.

A diversidade de árvores frutíferas repartia-se entre os pomares de espinho, caroço e

pevide. Frei Manuel de Figueiredo testemunha-nos a sua enorme variedade. “Os Pomares

constam de frutas chamadas de caroços principiando pelas primeiras frutas de cerejas,

ginjas, albricoques, damascos, até as maçãs, e peros de Inverno [frutas de pevide] que são

mais raras, ainda que criam árvores de bastante corpo [e nos de espinho] laranjeiras doces,

e agras, limeiras, cidreiras, limoeiros que dão limões grandes e galegos”.

Temos algum conhecimento das variedades cultivadas das diferentes espécies

frutíferas. Nas laranjeiras, os livros de contabilidade do Mosteiro fazem referência à laranja

da China. Segundo Beckford as primeiras laranjeiras da China que tinham vindo para

Portugal foram plantadas no claustro de D. Dinis. Quanto às pereiras, Batista de Castro

informa-nos sobre as castas e designações populares. Temos então as “de rei, de conde,

bergamotas, bojardas, carvalhaes, conforto, flamengas, gervasias, codornos, engonxo, S.

Bento, bom cristão, virgulozas, lambe-lhe os dedos” (Natividade, 1912, pp.6,11). A

historiadora Iria Gonçalves (1989, p.95) recupera diversas qualidades de peros,

nomeadamente os de Santiago, brancos, marmelares, e as maçãs baionesas que, pela sua

excelência, os monges elegiam nos foros. As fontes do século XVIII dão-nos, ainda, conta

da maçã leirioa (abundante nas terras da Vestiaria), das deliciosas e aromáticas camoesas.

As camoesas eram utilizadas para adubar os vinhos, conferindo-lhes um paladar frutado, ao

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gosto dos requisitos da época. A sua maturação que decorria entre os meses de Outubro e

Novembro adequava-se perfeitamente ao período de execução do tempero vinário.

O consumo de frutas pelos monges era elevado com se pode testemunhar através

dos registos de despesa com caixas de laranjas, pêssegos, figos, arrobas de peras, cerejas,

etc. William Beckford, no banquete que o abade do Mosteiro dedicou em sua honra, refere

que “quanto a doces e frutas, não era aqui o seu lugar; esperavam-nos numa sala adjacente,

ainda mais espaçosa e sumptuosa, onde os eflúvios das iguarias e molhos não nos

alcançavam” (1997, p.37). A curta descrição de Beckford remete o consumo da fruta para o

final da refeição. Sabe-se, todavia, que a fruta tinha critérios de consumo. Consoante a sua

qualidade e atributos associados (frutos quentes/frios; leves/pesados, etc.) podiam servir de

entrada, acompanhamento ou sobremesa. Alguns frutos não eram compatíveis com

determinados pratos ou alimentos (interdito que atingia e atinge com muita frequência o

melão e a melancia). A fruta podia servir igualmente como acompanhamento do vinho.

Como bem sabemos, a fruta é um bem da época, mas muitos cuidados foram

disponibilizados para dilatar o seu período de conservação e garantir a provisão de frutas na

mesa fora do seu tempo próprio. Na casa das barras, das frutas ou frutaria, as maçãs, os

peros, etc., eram dispostos sobre camas de palha ou de fetos (denominadas por barras). Os

frutos eram regularmente observados, sendo retirados os podres ou tocados para não

contagiarem as outras peças.

A indústria da seca de frutos foi também bastante desenvolvida no território dos

Coutos, ganhando notoriedade os ramais de maçãs camoesas, as peras aparadas, as passas

de ameixa. O pároco de Prazeres de Aljubarrota, no contributo que dá ao “Dicionário

Geográfico”, destaca os atributos das frutas de passar, nomeadamente, “as ameixas

caragoçanas, a que em outras partes chamam moscatéis, e as peras de almíscar aparadas

célebres em todo o reino”. Entre as aquisições da farta cozinha monástica dá-se nota, no

mês de Novembro de 1748, de dois alqueires de peras secas de Aljubarrota. Passa-se

também o figo do Algarve e as uvas que em cachos se penduravam no barrotado das adegas

e celeiros.

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7 - Os doces

Terminamos com os doces. A doçaria está bem representada pelas extraordinárias

compras de açúcar, arroz e leite indispensáveis ao arroz doce e manjar branco, pelos barris

de manteiga, pelos inúmeros ovos, por arrobas de amêndoa (de Torres Novas), por

chocolate… As artes da doçaria e conserva requisitavam grandes quantidades de peras,

laranjas, pêssegos, cidras, abóboras e figos. A pêra e a abóbora cobertas eram consumidas

em épocas festivas. Importavam-se bolos de Almoster, queijadas, entre outros mimos.

Na Quinta do Campo (Valado dos Frades) e de Val Ventos (Turquel) desenvolve-se

a indústria apícola. Nesta última granja levanta-se, no ano de 1765, o maior colmeal dos

Coutos. Situado numa encosta virada a nascente, os covões de abelhas instalavam-se em

patamares servidos por uma escadaria lateral. O muro apiário com 2 metros de altura

cercava uma superfície com 20 metros de largura por 20 metros de comprimento. O murado

abrigava os cortiços e colmeias dos ventos gélidos, servia de barreira a fogos e protegia do

ataque de texugos e doninhas, entre outros animais, responsáveis por estragos consideráveis

nos enxames. Para manter os enxames saudáveis durante o Inverno, depositavam junto aos

cortiços tigelas com castanhas piladas cozidas. As artes da cresta realizavam-se no mês de

Junho, mas quando convinha reforçar a enxameação a cresta era bienal.

Graças a esta actividade abundava o mel de tão grande utilidade no receituário de

doces e também noutros pratos requintados, nas bebidas fermentadas, na arte terapêutica…

O mel da Serra (mel de alecrim) era mesmo considerado o mais claro que se produzia em

Portugal.

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