Micronutrientes em cana de-açúcar a fome oculta dos canaviais
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MICRONUTRIENTES EM CANA-DE-AÇÚCAR: A FOME OCULTA DOS CANAVIAIS
Estêvão V. Mellis
José A. Quaggio
O agronegócio canavieiro desempenha papel importante na economia do Brasil, colocando o País em
posição de destaque internacional em programas de substituição de combustíveis fósseis. A produtividade
agrícola da cana-de-açúcar tem apresentado aumentos expressivos no País, mas a produtividade média de
80 t ha-1 ainda é baixa e poderá ser melhorada. Um dos fatores que contribui para essa baixa
produtividade é a expansão da cultura em áreas com solos de baixa fertilidade, especialmente no Estado de
São Paulo. Esses solos exigem manejo mais aprimorado da fertilidade para se obter produções
economicamente viáveis. Portanto, além da correção da acidez do solo com a calagem, adubação NPK e
rotação de culturas com leguminosas como a soja, amendoim ou adubos verdes, os micronutrientes boro,
cobre, manganês, molibdênio e zinco estão se tornando a cada dia mais necessários à produtividade e
qualidade da cana.
O IAC foi pioneiro na pesquisa com micronutrientes em cana-de-açúcar no Brasil no início dos anos
60. Porém, naquela época não foi observado ganho de produtividade. A partir de 1975, com a criação do
pró-álcool, a pesquisa com micronutrientes começou a despertar maior interesse. Naquela época a cultura
da cana teve grande expansão no país, especialmente no Estado de São Paulo, passando a ser cultivada não
somente em áreas tradicionais, mas também em solos de baixa fertilidade. Embora as pesquisas com
micronutrientes em cana tenham aumentado nesse período, pouquíssimos trabalhos apresentaram
resultados positivos à aplicação de micronutrientes. Caso raro de resposta, com ganhos de produtividade
de até 40 toneladas por hectare, foi obtido com a adubação da cana-planta com cobre em solos de tabuleiro
costeiro, que têm baixíssima fertilidade natural. Porém, esses resultados ficaram restritos a essa região e
não ocorreram nos demais estados produtores, bem como em outros países, onde foram conduzidos
também ensaios com objetivos semelhantes. Isso fez com que essa prática ficasse esquecida nos
programas de adubação da cana-de-açúcar em todo o mundo.
Novas variedades e melhorias no manejo da cultura têm proporcionado ganhos expressivos de
produtividade na cana-planta que, em alguns casos, chegam a ultrapassar 200 t.ha-1. Com a intensificação
da produção, mesmo em áreas tradicionais, com solos mais férteis, as reservas de micronutrientes do solo
estão sendo exauridas principalmente devido à generalização da prática do uso de fertilizantes químicos
concentrados, sem reposição dos micronutrientes que são removidos com as colheitas. Além disso, a cana-
de-açúcar apresenta freqüentemente o fenômeno da “fome oculta” em relação aos micronutrientes, ou seja,
a deficiência existe, limitando economicamente a produtividade, mas a planta não mostra sintomas visíveis.
Ao analisar grande número de amostras de solo de canaviais de diversas regiões tradicionais de
produção de cana, os responsáveis pelo Laboratório de Análises de Solo do IAC, bem preparado para
analisar os micronutrientes em solos, concluíram que os teores de micronutrientes estavam extremamente
baixos na maioria das áreas de produção. Esses fatos associados à baixa produtividade da cana-de-açúcar
nesses solos foram a motivação para o início do projeto “Micronutrientes em Cana-de-Açúcar”,
coordenado pelos Pesquisadores José A. Quaggio e Estevão V. Mellis, do Centro de Solos e Recursos
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Ambientais do IAC e que conta com apoio financeiro da FAPESP.
Além dos pesquisadores do IAC participam também do projeto treze unidades produtoras de açúcar e
álcool do Estado de São Paulo: Usina Branco Peres, Usina Moema, Usina Batatais, Usina São João, Usina da
Pedra, Usina Nova América, Usina Cocal, Usina Guaíra, Usina Colorado, Grupo Virgulino Oliveira (Unidades
José Bonifácio e Itapira), Usina Guarani, Usina Vista Alegre e Grupo Cosan (Unidade Costa Pinto).
O objetivo da pesquisa é avaliar a resposta da cultura da cana-de-açúcar à adubação com
micronutrientes (boro, cobre, manganês, molibdênio e zinco) em solos do Estado de São Paulo,
especialmente em solos de baixa fertilidade. Foi adotada uma nova estratégia de experimentação em
relação às pesquisas anteriores, baseada em doses mais elevadas (suficientes para 3 a 4 anos) e fontes
solúveis desses micronutrientes e, portanto, prontamente disponíveis para as plantas. Assim, entre 2006 e
2008 foi instalada uma rede de quinze ensaios em diferentes ambientes de produção de cana, das mais
importantes regiões canavieiras do Estado de São Paulo.
Os tratamentos foram constituídos por doses de micronutrientes que, com exceção do boro, foram
aplicados no sulco de plantio da cana, utilizando-se os sulfatos como fonte dos micronutrientes cobre,
manganês e zinco, bórax como fonte de boro e molibdato de amônio como fonte de molibdênio.
Independente do tipo de solo e variedade empregada, a cana-planta apresentou ganhos expressivos
de produtividade com a aplicação de micronutrientes, principalmente para zinco, molibdênio e manganês.
O zinco foi o micronutriente que proporcionou os maiores ganhos de produtividade ‑ média de 17 % de
aumento ‑, em relação às parcelas que não receberam aplicação de micronutrientes. Para o molibdênio e o
manganês, os ganhos médios de produtividade foram de 14 % e 12 % respectivamente.
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Figura 1 – Efeito da aplicação de micronutrientes em cana-de-açúcar.
Os resultados econômicos podem ser exemplificados com o zinco, cuja dose aplicada é suficiente
para 3 a 4 safras. A aplicação de 10 kg ha-1 de zinco no sulco de plantio proporcionou, em média, um lucro
de R$ 567,00 por hectare em relação à testemunha, somente na primeira safra. Com a agregação de valor
com a atividade industrial, verifica-se que o uso desse micronutriente proporciona ganhos adicionais
consideráveis, com incremento de receita de R$ 2.455,00 em açúcar ou de R$ 953,00 em etanol por hectare
de cana plantado. Considerando os ganhos nos cortes futuros, o retorno econômico será ainda maior, pois
em alguns ensaios já foram colhidas as primeiras soqueiras, as quais mantiveram as respostas observadas
como a cana-planta.
Embora o ganho marginal com o aumento da produtividade da cana-planta não tenha apresentado
grande lucratividade para os tratamentos com cobre e molibdênio, o ganho estimado com o incremento da
produção de açúcar e etanol mostra-se vantajoso em relação à testemunha, mesmo para os tratamentos
que não apresentaram diferença estatística significativa na produção de colmos. Isso demonstra a
necessidade de realização de mais estudos com micronutrientes em cana-de-açúcar que possibilitem
estabelecer recomendações de adubação mais precisas para esses nutrientes.
Tabela 1 - Produtividade média de cana (colmos, açúcar e etanol), qualidade e viabilidade econômicaem resposta à aplicação de micronutrientes em oito locais.
Tratamentos Produtividade daCana Açúcar total Açúcar Etanol
Custodo
Adubo
Lucro nacana
Lucrocom o açúcar
Lucrocom oetanol
t/ha Kg/t cana t/ha L/ha ‑------------------R$ /ha ‑‑‑‑‑‑-----------
Controle 106 154 16,4 8520
0
0
0
0
Zn 126 * 154 ns 19,5 * 10093 * 63
567
2455
953
Mn 119 * 152 ns 18,1 * 9568 * 85
325
1296
592
Cu 117 * 152 ns 18,0 * 9411 * 158
188
1142
414
B 114 ns 152 ns 17,5 ns 9133 ns 46
206
847
350
Mo 117 * 154 ns 17,8 ns 9221 * 174
167
963
279
Completo 114 ns 153 ns 17,6 ns 9159 ns 531
279
444
118
Média 116 153 17,8 9286 - - - -CV % 10,50 5,08 11,16 10,50 - - - -
Médias seguidas de asterisco (*) diferem estatisticamente em relação ao tratamento controle; ns= não diferem estatisticamente.Base de dados: Litros de etanol por hectare considerando-se rendimento médio de 85 litros por tonelada de cana; Custo do Adubo =R$31,5; Preço médio do açúcar R$ 41,1 por saca de 50 kg; Preço médio do etanol R$ 0,64.
Pretende-se agora na segunda etapa deste projeto, refinar essa tecnologia, buscando doses ótimas e
formas mais eficientes de aplicação desses nutrientes.
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Os ganhos de produtividade proporcionados pelos micronutrientes na cana-de-açúcar vão além do
simples fato de se produzir mais e aumentar a rentabilidade da cultura. Atualmente com o interesse
crescente por biocombustíveis no mundo, há uma grande demanda pela produção de etanol de cana-de-
açúcar no País, o que tem feito com que a área ocupada pela cultura cresça a cada dia. Essa expansão tem
gerado crítica por parte da comunidade internacional, que chegou a considerar o Brasil como o principal
responsável pela crise mundial de alimentos, alegando-se que a cana-de-açúcar tem ocupado áreas antes
destinadas à produção de grãos. Essa expansão também é apontada como uma das principais causas do
desmatamento da Amazônia.
Portanto, o uso de micronutrientes na cana-de-açúcar poderá vir a ser uma solução eficaz para frear
essa expansão, evitando assim restrições de exportação ao etanol brasileiro por barreiras não tarifárias.
Os ganhos de produtividade com a adoção desta nova tecnologia proporcionará também ganhos de
eficiência na logística de transporte até às unidades de produção. Portanto, com balanço energético ainda
mais favorável e competitivo, comparado a outras fontes de energia renovável, como por exemplo, o etanol
de milho, tornará a produção de etanol de cana-de-açúcar ainda mais sustentável.
Origem: Instituto Agronômico - IAC - www.iac.sp.gov.br
Estêvão Vicari Mellis possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federalde São Carlos (2000), mestrado em Pós-graduação em Ciência do Solo pela Faculdade deCiências Agrária e Veterinárias de Jaboticabal, UNESP (2002) e doutorado em Pós-graduaçãoem Solos e Nutrição de Plantas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP(2006). Atualmente é pesquisador científico nível II do Instituto Agronômico de Campinas.Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fertilidade do Solo e Nutrição dePlantas, atuando principalmente nos seguintes temas: micronutrientes, adsorção edessorção de metais, nutrição de plantas e qualidade do produto.CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/0817817761324793 Contato: [email protected]
Jose Antonio Quaggio Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras(1977), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1983) edoutorado em Solo Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1991). Atualmente éprofessor titular do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área deAgronomia, com ênfase em Fertilidade do Solo e Adubação, atuando principalmente nosseguintes temas: análise de solo, citros, calagem, adubação e adubação de citros.CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7522535401526607 Contato: [email protected]
Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte
Dados para citação bibliográfica(ABNT):MELLIS, E.V.; QUAGGIO, J.A. Micronutrientes em cana-de-açúcar: a fome oculta dos canaviais. 2009. Artigo em Hypertexto.Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_3/MicronutrientesCana/index.htm>. Acesso em: 11/11/2014
Publicado no Infobibos em 01/09/2009imprimir Envie para um amigo
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