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Micotoxinas: impacto na produção de aves Adaptado de G. Devegowda 1 e K. Dawson 2 1 PhD, Universidade de Ciências Agrícolas, Bangalore, Índia 2 PhD, North American Bioscience Center, Alltech Inc., Lexington, KY, EUA Fungos e micotoxinas Há mais de 10.000 espécies conhecidas de fungos, a maioria benéfica ao homem. Os fungos têm sido utilizados há milhares de anos na produção de pães, queijos, antibióticos, etc. Entretanto, cerca de 50 espécies de fungos são prejudiciais ao homem, animais de produção e animais de companhia, produzindo toxinas denominadas micotoxinas, que parecem estar envolvidas nos mecanismos de ataque e defesa dos microorganismos. Essas toxinas podem causar sérios danos aos animais e seres humanos. Nenhuma região do mundo pode escapar desses “assassinos silenciosos”, que causam um enorme impacto negativo na produtividade animal e na saúde humana (Devegowda et al., 1998). Análises realizadas nos principais laboratórios de micotoxinas do Brasil constatam que, em média, o percentual de amostras de milho contaminadas com aflatoxina varia entre 50% e 100%. Os maiores percentuais de contaminação foram encontrados entre os meses de janeiro e junho, quando os níveis de contaminação variaram entre 5 ppb e 40 ppb de aflatoxina. Nos meses de julho a dezembro, o percentual de amostras contaminadas se manteve próximo de 100% para aflatoxina, sendo que os níveis de contaminação variaram de forma crescente entre 3 ppb e 15 ppb. A micotoxina mais presente nas amostras de milho analisadas no ano de 2004 foi a fumonisina, atingindo 95 a 100% de positividade e com níveis de contaminação variando entre 2 ppm e 20 ppm. Estes dados sugerem que o tempo de armazenamento aumenta a concentração de micotoxinas nos grãos de milho e que há pouca variação durante o ano em relação à positividade de amostras contaminadas com aflatoxina ou fumonisina. Segundo a Organização para Alimentos e Agricultura (FAO) da ONU, aproximadamente 25% do fornecimento mundial de grãos está contaminado com micotoxinas. Estima-se que a perda econômica resultante da contaminação por micotoxinas chegue a milhões de dólares ao ano, afetando principalmente os agricultores, os produtores de animais para consumo humano e produtores de alimentos e rações. Principais micotoxinas encontradas em alimentos e rações e seus efeitos Aflatoxinas e Ácido Ciclopiazônico - Hepatotoxinas, imunossupressão Ocratoxina e Citrinina - Nefrotoxinas, gota Toxina T-2 e Diacetoxiscirpenol - Lesões orais, perda de apetite, irritação cutânea e gastrointestinal Fumonisinas e Moniliformina - Distúrbios neurológicos, lesão hepática Vomitoxina e Ácido Fusárico - Recusa de ração, dermatotoxinas Zearalenona - Distúrbios estrogênicos e reprodutivos Fonte: Devegowda et al. (1998)

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Micotoxinas: impacto na produção de aves

Adaptado de G. Devegowda1 e K. Dawson2 1PhD, Universidade de Ciências Agrícolas, Bangalore, Índia

2PhD, North American Bioscience Center, Alltech Inc., Lexington, KY, EUA Fungos e micotoxinas Há mais de 10.000 espécies conhecidas de fungos, a maioria benéfica ao homem. Os fungos têm sido utilizados há milhares de anos na produção de pães, queijos, antibióticos, etc. Entretanto, cerca de 50 espécies de fungos são prejudiciais ao homem, animais de produção e animais de companhia, produzindo toxinas denominadas micotoxinas, que parecem estar envolvidas nos mecanismos de ataque e defesa dos microorganismos. Essas toxinas podem causar sérios danos aos animais e seres humanos. Nenhuma região do mundo pode escapar desses “assassinos silenciosos”, que causam um enorme impacto negativo na produtividade animal e na saúde humana (Devegowda et al., 1998). Análises realizadas nos principais laboratórios de micotoxinas do Brasil constatam que, em média, o percentual de amostras de milho contaminadas com aflatoxina varia entre 50% e 100%. Os maiores percentuais de contaminação foram encontrados entre os meses de janeiro e junho, quando os níveis de contaminação variaram entre 5 ppb e 40 ppb de aflatoxina. Nos meses de julho a dezembro, o percentual de amostras contaminadas se manteve próximo de 100% para aflatoxina, sendo que os níveis de contaminação variaram de forma crescente entre 3 ppb e 15 ppb. A micotoxina mais presente nas amostras de milho analisadas no ano de 2004 foi a fumonisina, atingindo 95 a 100% de positividade e com níveis de contaminação variando entre 2 ppm e 20 ppm. Estes dados sugerem que o tempo de armazenamento aumenta a concentração de micotoxinas nos grãos de milho e que há pouca variação durante o ano em relação à positividade de amostras contaminadas com aflatoxina ou fumonisina. Segundo a Organização para Alimentos e Agricultura (FAO) da ONU, aproximadamente 25% do fornecimento mundial de grãos está contaminado com micotoxinas. Estima-se que a perda econômica resultante da contaminação por micotoxinas chegue a milhões de dólares ao ano, afetando principalmente os agricultores, os produtores de animais para consumo humano e produtores de alimentos e rações. Principais micotoxinas encontradas em alimentos e rações e seus efeitos

• Aflatoxinas e Ácido Ciclopiazônico - Hepatotoxinas, imunossupressão • Ocratoxina e Citrinina - Nefrotoxinas, gota • Toxina T-2 e Diacetoxiscirpenol - Lesões orais, perda de apetite, irritação cutânea e

gastrointestinal • Fumonisinas e Moniliformina - Distúrbios neurológicos, lesão hepática • Vomitoxina e Ácido Fusárico - Recusa de ração, dermatotoxinas • Zearalenona - Distúrbios estrogênicos e reprodutivos

Fonte: Devegowda et al. (1998)

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Fatores que favorecem a contaminação A produção de micotoxinas ocorre quando os fungos se desenvolvem em culturas no campo, na colheita, no armazenamento ou durante o processamento de ração, quando as condições são favoráveis. Durante os períodos de crescimento e colheita, o teor de umidade é considerado um fator determinante no nível de infestação fúngica em culturas no campo e no acúmulo de micotoxinas nos ingredientes de ração. Estresse associado à estiagem e/ou grãos quebrados também podem aumentar a penetração de fungos nos grãos. Padrões meteorológicos de precipitação pluviométrica intensa e irregular recentemente identificados em todo o mundo, inundações em algumas áreas e estiagem e geadas ocasionais em outras levaram ao aumento de casos registrados de grãos de ração contaminados por micotoxinas. Alguns países tropicais e semitropicais vêm registrando contaminação por Fusarium em culturas anteriormente contaminadas apenas por aflatoxina, porém ainda não se sabe ao certo se isso está relacionado ao clima ou a outros fatores. Há uma tendência de aumento nos casos de contaminação por micotoxinas e na possibilidade de misturas de micotoxinas tornarem-se co-contaminantes na ração à medida que os sistemas globais de transporte de grãos e de comercialização de commodities agrícolas mostram-se mais eficientes. Como resultado das amplas remessas de grãos e de outros componentes de ração que circulam por todo o mundo, rações completas podem agora conter uma mistura mais complexa de ingredientes provenientes de diversas regiões geográficas. Embora já se admita a existência de mais de 300 micotoxinas capazes de induzir sinais de toxicidade em espécies mamíferas e aviárias, pouco se sabe sobre seu modo de ação. Devido à diversidade das estruturas e propriedades químicas das micotoxinas, os mecanismos moleculares de ação incluem alterações em vários processos metabólicos encontrados no organismo. Os três principais mecanismos incluem: 1. Inibição de síntese de proteína, DNA e RNA e formação de produtos da adução de DNA 2. Alteração na estrutura das membranas e indução de peroxidação lipídica 3. Indução de morte celular programada (apoptose) Efeitos sinérgicos Os alimentos podem ser contaminados através de um único fungo que produz mais de uma toxina, quando dois ou mais ingredientes contendo diferentes micotoxinas são utilizados na elaboração de uma ração ou pela contaminação de um único ingrediente contendo mais de uma espécie de fungo que produz diferentes micotoxinas. A presença de mais de uma micotoxina na ração pode causar efeitos tóxicos sinérgicos, ou seja, a combinação destas pode aumentar a sua toxidade aos animais. A intensificação do comércio de grãos tem proporcionado condições favoráveis à sinergia entre as diversas micotoxinas. Atualmente, as rações são produzidas a partir de uma mistura de ingredientes oriundos de diferentes regiões geográficas, com processamento e armazenamento desuniformes. Isso aumenta a possibilidade de combinações entre toxinas de diferentes partes do mundo na mesma ração.

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Portanto, diferentes toxinas podem estar presentes simultaneamente na ração, dificultando os testes de diagnóstico e causando prejuízos ainda maiores aos avicultores. Devido ao efeito sinérgico, as combinações de micotoxinas têm maior impacto sobre os animais do que as toxinas isoladas. Por isso, níveis aparentemente baixos de toxinas individuais tornam-se importantes quando combinados. Impacto das micotoxinas na saúde e desempenho produtivo de aves As micotoxinas representam um grave problema na avicultura mundial. Seus efeitos – incluindo redução do ganho de peso e piora da eficiência alimentar - comprometem a saúde geral das aves, provocam hematomas na carcaça, lesões hepáticas e renais, podendo resultar em sérias implicações econômicas aos avicultores. A aflatoxina é uma das principais micotoxinas, sendo produzida principalmente pelos fungos Aspergillus flavus e A.parasiticus. Pesquisas demonstram que as aflatoxinas são responsáveis por graves intoxicações e seu consumo pode causar câncer hepático em várias espécies, incluindo os seres humanos (Oliveira, 1997). Em aves, os principais efeitos observados são a piora da conversão alimentar, lesões hepáticas e imunossupressão. Além disso, como os metabólitos da aflatoxina podem ser transferidos através da carne sua presença nas aves torna-se também preocupante do ponto de vista da saúde humana. Outras micotoxinas de importância na avicultura são as fumonisinas, a zearalenona, o desoxinivalenol (também conhecido como DON ou vomitoxina), a ocratoxina A e a toxina T-2. A ocratoxina A é conhecida como a mais tóxica para as aves, causando lesões no fígado e rins e resultando em redução de ganho de peso, retardo da maturação sexual e diminuição da produção de ovos. As ocratoxinas são produzidas pelos fungos A. alutaceus e A. alliaceus, ocorrendo mais comumente em cereais e leguminosas. A toxina T-2 causa lesões orais e intestinais, além de quedas de produção e aumento do número de ovos trincados. Esta toxina é produzida por fungos do gênero Fusarium, assim como as fumonisinas, que causam perda de peso, diarréia, necrose hepática, hiperplasia biliar e lesões nas células epiteliais do intestino. A vomitoxina (DON) pertence ao grupo dos tricotecenos, que inclui mais de 30 toxinas importantes. São produzidas por vários tipos de fungos, mas principalmente espécies do gênero Fusarium. Nas aves, podem causar nefropatia, imunossupressão, acentuada redução de peso, aumento de condenações de carcaça, redução do ganho de peso, comprometimento do sistema imunológico e aumento do peso da moela. A zearalenona, outra importante micotoxina na produção de aves, é produzida por fungos do gênero Fusarium e Giberella, estando normalmente associada à ocorrência de fumonisinas. Os principais sintomas de intoxicação por zearalenona são baixo desempenho reprodutivo, imunossupressão, baixo consumo de ração e prolapso de cloaca. Controle e prevenção de micotoxinas Para prevenir a ocorrência de micotoxinas na ração, uma das medidas é o plantio de cultivares de grãos mais resistentes ao ataque de fungos no período pré-colheita. O tratamento do milho antes do armazenamento é uma alternativa para prevenir o crescimento fúngico durante o período pós-colheita. Os ácidos orgânicos têm sido muito utilizados neste tipo de prevenção. Além da manutenção da qualidade e prevenção de crescimento fúngico, o uso de ácidos orgânicos permite armazenar os grãos com maiores teores de umidade, otimizando o uso dos

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equipamentos de secagem e permitindo a compra do milho no período de colheita com melhores preços. As estratégias de controle de micotoxinas incluem diversas abordagens tecnológicas, químicas ou de outra natureza, que visam basicamente a redução dos níveis de micotoxinas encontrados no trato digestivo dos animais. Uma vez que não existem maneiras práticas de eliminar totalmente as micotoxinas e não existem substâncias químicas viáveis para inativá-las sem prejuízo à ração, o uso de produtos adsorventes torna-se a melhor alternativa para evitar os efeitos das micotoxinas em rações contaminadas. Existem diversos tipos de adsorventes de micotoxinas. Os adsorventes à base de argilas inorgânicas são polímeros de alto peso molecular que, uma vez adicionados à ração, são capazes de formar complexos irreversíveis com as moléculas da micotoxina na luz intestinal. No entanto, tais complexos não são digestíveis e, portanto, passam diretamente pelo trato digestivo e são excretados nas fezes, além de apresentarem superfícies menos ativas para adsorção. Devido à sinergia entre as micotoxinas, um adsorvente eficaz deve ser capaz de adsorver diferentes tipos de micotoxinas, com estruturas moleculares e polaridades bastante variáveis. O adsorvente também deve ser eficaz em baixos níveis de inclusão, uma vez que estes são diluentes que irão promover a redução da densidade de nutrientes da dieta. Recentes avanços no campo da bioquímica de carboidratos sugerem que certos polissacarídeos podem ser utilizados em menores taxas de inclusão, reduzindo significativamente a biodisponibilidade de muitos tipos de micotoxinas. Pesquisas demonstram que o glucomanano modificado derivado da parede celular da levedura Saccharomyces cerevisiae 1026 é capaz de adsorver de forma efetiva uma ampla gama de micotoxinas, entre elas as aflatoxinas, fumonisina e zearalenona. Outra característica do glucomanano modificado é a rapidez com que se liga às toxinas. Este é um fator de grande importância no controle efetivo das micotoxinas. Pesquisas demonstram que a maioria das micotoxinas é liberada no trato digestivo no período de 30 minutos após a ingestão de alimento. Como a maior parte da adsorção ocorre no intestino delgado antes de atingir o intestino grosso, é fundamental que o adsorvente aja rapidamente. Além da ação rápida, o glucomanano modificado mantém sua capacidade de adsorção na presença de conteúdos intestinais. No intestino, os adsorventes encontram-se sujeitos a vários fatores como o pH, temperatura, enzimas, microorganismos, etc., que podem afetar sua capacidade de adsorção. Isto explica o fato de alguns produtos não permanecem aderidos às micotoxinas em condições de pH variável.

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Características de um adsorvente ideal de micotoxinas

• Capacidade de adsorver uma ampla gama de micotoxinas • Baixa taxa de inclusão efetiva na ração • Dispersão rápida e uniforme na ração durante a mistura • Estabilidade térmica durante peletização, extrusão e armazenamento • Baixa afinidade com vitaminas, minerais ou outros nutrientes • Alta estabilidade em grande variação de pH • Biodegradabilidade após excreção

Considerações finais A contaminação de rações animais e alimentos para consumo humano com micotoxinas têm sido um problema enfrentado por diversos países. A contaminação varia com o tipo de grão, condições de colheita e armazenagem, origem geográfica e condições climáticas. Além de perdas econômicas significativas ao avicultor, as micotoxinas podem resultar em quadros graves de toxicidade, prejudicando a produção animal e também a saúde humana, por meio da ingestão de ovos e de carne de frango contaminados. Medidas como o uso de cultivares mais resistentes ao ataque fúngico e a utilização de ácidos orgânicos no tratamento de grãos podem prevenir a ocorrência de micotoxinas em rações animais. Após a contaminação, os adsorventes de micotoxinas surgem como uma alternativa viável de controle, minimizando o impacto negativo das toxinas na produção animal em conseqüentemente, os prejuízos ao produtor. O glucomanano modificado derivado da parede celular de levedura tem se mostrado efetivo na adsorção de uma ampla variedade de micotoxinas, sem apresentar efeitos sobre os componentes nutricionais do alimento, como vitaminas e minerais.