Métodos e Metodologias da Ciência Política no Brasil: Uma ... · 2 1. A formação dos...

23
Métodos e Metodologias da Ciência Política no Brasil: Uma Análise dos Currículos de Pós- Graduação Lilian Oliveira IESP/UERJ [email protected] Jairo Nicolau DCP/IFCS/UFRJ [email protected] Área Temática: Ensino e Pesquisa em Ciência Política e Relações Internacionais Preparado para apresentação no 8° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Gramado, 1 a 4 de Agosto de 2012.

Transcript of Métodos e Metodologias da Ciência Política no Brasil: Uma ... · 2 1. A formação dos...

Métodos e Metodologias da Ciência Política no Brasil: Uma Análise dos Currículos de Pós-

Graduação

Lilian Oliveira

IESP/UERJ

[email protected]

Jairo Nicolau

DCP/IFCS/UFRJ

[email protected]

Área Temática:

Ensino e Pesquisa em Ciência Política e Relações Internacionais

Preparado para apresentação no 8° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política. Gramado, 1 a 4 de Agosto de 2012.

1

Nas diversas áreas da ciência, pensar a formação e a produção dos seus profissionais é um exercício recorrente. Essa tarefa

permite não apenas entender o trabalho que é realizado, mapeando as mudanças teóricas e metodológicas ocorridas, mas

também analisar o amadurecimento e a institucionalização das disciplinas. Na Ciência Política, alguns pesquisadores têm voltado

sua atenção para as abordagens teóricas e metodológicas que têm prevalecido no ensino, nas pesquisas e nas publicações da

disciplina. As questões que ganham atenção envolvem temas como: a extensão do uso dos diferentes métodos de pesquisa nas

diversas áreas da disciplina; em que medida a formação recebida pelos alunos de pós-graduação, no que diz respeito ao ensino

de métodos de pesquisa (modelos formais, estatística e técnicas qualitativas, por exemplo) é adequada; e se os periódicos da

disciplina representam as pesquisas que são feitas pelos estudiosos.

Este trabalho se insere nesta tradição de pesquisa. Seu objetivo é mapear a formação oferecida aos alunos de pós-graduação em

Ciência Política no Brasil. Quais orientações metodológicas estão presentes nas disciplinas ofertadas? Quais métodos de pesquisa

são ensinados no processo de formação dos futuros profissionais da disciplina? Quais temas e orientações teóricas foram

privilegiados pelos docentes desses programas? Para investigar essas questões, analisamos as disciplinas dos programas de pós-

graduação em Ciência Política de duas instituições brasileiras – IUPERJ e USP – nos últimos quarenta anos.

Este trabalho está organizado da seguinte maneira. A primeira seção faz uma breve revisão de alguns estudos que analisaram a

formação dos alunos de Ciência Política, sobretudo nos Estados Unidos. A segunda seção apresenta brevemente o cenário de

pós-graduação em Ciência Política no Brasil. Na terceira seção são apresentados o desenho da pesquisa e os resultados

encontrados. Por fim, a quarta seção apresenta a discussão dos resultados encontrados e as conclusões do trabalho.

2

1. A formação dos estudantes de Ciência Política

Nos Estados Unidos, a discussão sobre a formação dos estudantes de Ciência Política vem de longa data e avançou muito nos

últimos anos. No começo da década de 1990, o cientista político John Wahlke, em nome da equipe nomeada pela Associação

Americana de Ciência Política (APSA) para avaliar a formação dos estudantes da disciplina, escreveu um relatório com a avaliação

dos programas e com as recomendações que foram julgadas necessárias para o aperfeiçoamento desses programas. O relatório

mostrou como os currículos das faculdades e das universidades estavam desestruturados. Os cursos apresentavam-se de

maneira desconexa, sem uma continuidade entre as diversas etapas da formação.

As principais recomendações do Relatório Wahlke (como ficou conhecido o documento) são: os estudantes devem ser expostos às

diferentes abordagens e aos diferentes métodos e enfoques analíticos existentes na Ciência Política; os departamentos devem

expor seus estudantes aos diversos subcampos existentes na disciplina, bem como às disciplinas próximas, como História,

Economia, Geografia, entre outras, todas de elevada importância para o entendimento dos fenômenos do mundo político; os

cursos de Ciência Política deveriam fornecer aos seus estudantes o conhecimento e as habilidades necessárias para compreender

as análises políticas e desenvolver sua capacidade analítica, através do ensino de filosofia da ciência, de métodos de pesquisa, de

estatística básica, de habilidades de escrita, uso de programas de computador para análise de dados e de experiência em

pesquisa (Wahlke, 1991).

Após a divulgação do Relatório Wahlke, alguns profissionais da disciplina voltaram o olhar para esse importante aspecto da

Ciência Política, que é a formação recebida pelos estudantes, sobretudo os de pós-graduação. No entanto, a preocupação exposta

no relatório quanto às habilidades transferidas aos estudantes, principalmente no que diz respeito aos métodos de pesquisa, não

3

teve a repercussão esperada nos departamentos. O que se percebeu, por outro lado, foi o predomínio de algumas abordagens

metodológicas, sobretudo as quantitativas, em detrimento de outras (Ishiyama, 2005).

Algumas pesquisas têm mostrado o pequeno impacto que o Relatório Wahlke teve na estruturação dos programas de formação da

disciplina. Parker (2010), por exemplo, avaliou a oferta dos cursos de métodos quantitativos, métodos de pesquisa e projeto de

pesquisa em departamentos de Ciência Política de diferentes países. Para ele, poucos departamentos possuem um treinamento

sistemático em metodologia. Os programas têm negligenciado uma formação em métodos em prol da exposição aos diferentes

subcampos da disciplina. Parker encontrou uma diferença entre os países: os programas de formação localizados nos Estados

Unidos, no Canadá e na Austrália possuem o menor investimento em métodos, enquanto que os programas localizados em países

europeus oferecem uma estrutura mais coerente de ensino de métodos e prática de pesquisa, seguindo mais de perto as

recomendações do relatório Wahlke.

Nos anos recentes, os debates sobre as orientações metodológicas da disciplina têm ocupado um lugar crescente na Ciência

Política. A constatação de que os métodos quantitativos são privilegiados nas publicações e na formação dos alunos gerou

reações. O Movimento Perestroika, surgido no início dos anos 2000 nos Estados Unidos, é um exemplo dessa reação. Os

cientistas políticos que fazem parte desse movimento têm protestado contra a hegemonia da escolha racional e dos métodos

quantitativos nos artigos publicados nos principais periódicos, bem como na formação dos estudantes. Com esse movimento, os

tipos de metodologia empregados nos artigos publicados e a diversidade metodológica do treinamento oferecido nos programas de

pós-graduação ganharam relevância nas discussões (Hogan & Thies, 2005).

Barth, Bennett & Rutherford (2003) realizaram uma pesquisa sobre os cursos de metodologia e de métodos (sobretudo modelos

formais, métodos estatísticos e técnicas qualitativas) oferecidos nos 30 principais programas de pós-graduação em Ciência Política

4

dos Estados Unidos. Os resultados desafiam os argumentos daqueles que afirmam existir o ensino de métodos alternativos de

pesquisa nos programas. Segundo os autores, existe uma incongruência entre o crescente número de pesquisas com orientação

qualitativa e a baixa proporção de cursos de métodos qualitativos oferecidos ou requisitados nos departamentos. Nos programas,

os métodos estatísticos predominam tanto na oferta quanto nos requisitos. Apontam também a necessidade de os departamentos

terem um corpo docente cujas orientações envolvam os três enfoques de métodos, ainda que alguns deles tenham mais afinidade

com um método do que com outro. Mesmo que os métodos estatísticos sejam os mais usados pelos pesquisadores, esse uso

pode ser combinado com os modelos formais e os estudos de casos. Desse modo, o desafio não é ensinar menos estatística, mas

ensinar mais métodos qualitativos e modelos formais.

Para investigar quais são esses requisitos exigidos para a formação de um doutor em ciência política, Schwartz-Shea (2003)

analisou os programas de metodologia e de métodos de 57 programas de doutorado nos Estados Unidos. A autora investigou três

conjuntos de questões: 1) os requisitos do programa são amplos ou são definidos segundo a afinidade com cada campo da

disciplina? 2) quais são as definições curriculares de métodos e metodologia; ou seja, os cursos de métodos são exclusivamente

quantitativos ou os cursos de métodos qualitativos também são ofertados? 3) em que medida temas como filosofia da ciência e

história da Ciência Política estão presentes nos currículos dos doutorados?

Os resultados da pesquisa de Schwartz-Shea (2003) mostram que os currículos dos programas de doutorado dão maior ênfase ao

ensino de métodos quantitativos (surveys e experimentos). Esse predomínio dos métodos quantitativos é criticado pela autora,

uma vez que os estudantes não encontrarão subsídios para desenvolver suas pesquisas se não forem expostos às diversas

orientações metodológicas e de métodos. O pluralismo metodológico propagado na disciplina deve implicar que nenhum enfoque

pode, a priori, ser defendido como o mais adequado para as pesquisas em Ciência Política.

5

Para além das discussões que envolvem quanto cada orientação metodológica tem ganhado espaço nos departamentos de

Ciência Política, os estudos sobre a formação dos estudantes de pós-graduação também se preocupam com a questão de como

essa formação relaciona-se com a vida profissional dos cientistas políticos. A ideia é que os cursos de pós-graduação ofereçam

habilidades que os estudantes possam utilizar em suas futuras carreiras. Em alguns países, tais como os do Reino Unido, esse

processo tem sido influenciado pelos governantes. Isso porque a transferência de habilidades é vista como uma forma de auxiliar

os indivíduos a competir profissionalmente no universo econômico e social, bem como uma contribuição para o desenvolvimento

do país em diversas áreas (Clark, 2011).

Além disso, Clark (2011) mostra que essas habilidades estratégicas auxiliam áreas de ação importantes, como tecnologia, trabalho

em grupo e resolução de problemas. Lembra ainda que a ênfase nessas áreas não decorre apenas de pressão feita pelos

formuladores de políticas públicas, mas os estudantes também demandam essa transferência de habilidades. Embora alguns

programas ofereçam cursos como “pensamento crítico” ou “apresentação oral e escrita”, os programas deveriam preocupar-se

também em tentar fornecer aos seus estudantes habilidades que possam ser úteis em suas carreiras profissionais depois dos anos

de estudo.

2. Os Programas de Pós-graduação em Ciência Política no Brasil

No Brasil, os primeiros programas de pós-graduação em Ciência Política surgiram no final da década de 1960. O primeiro curso de

mestrado foi criado em 1967 no Departamento de Ciência Política da UFMG e o segundo, em 1969, no IUPERJ (Instituto

Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). Desde então, outros programas foram criados, consolidando, assim, a

institucionalização da disciplina no país. Segundo o relatório da última avaliação trienal da CAPES para a área de Ciência Política

6

e Relações Internacionais (triênio 2007-2009), divulgado em 2010, existem 27 programas em funcionamento, sendo que 15 são

em Ciência Política e 12 são em RI.

Apesar da consolidação dos programas de pós-graduação em Ciência Política no país, existem poucos estudos que analisam a

formação oferecida por esses programas aos seus estudantes. Soares (2005), em uma análise mais geral sobre o que chama de

“calcanhar metodológico” da Ciência Política brasileira, afirma que a formação dos profissionais da disciplina é deficiente em

métodos, tanto qualitativos quanto quantitativos. E esse escasso investimento metodológico traz prejuízos para a disciplina, tais

como: dificuldade de criação de uma área interdisciplinar com outras áreas das ciências sociais; impossibilidade dos profissionais

conseguirem ter acesso às pesquisas que são produzidas por pesquisadores quantitativos (no Brasil e em outros países);

dificuldade de os cientistas políticos brasileiros publicarem seus trabalhos em revistas internacionais; e, por fim, uma perda de

espaço da disciplina no estudo de questões relevantes, abrindo espaço para que profissionais de outras áreas predominem sobre

temas que são próprios da Ciência Política.

Segundo o relatório da avaliação feita pela CAPES dos programas de pós-graduação (triênio 2007-2009), existem 15 programas

de pós-graduação em Ciência Política, quase todos sediados em universidades federais. Para analisar a formação oferecida aos

estudantes de pós-graduação em Ciência Política no Brasil, serão analisadas as ofertas de disciplinas dos dois programas que

receberam o conceito máximo da avaliação da CAPES, quais sejam, IUPERJ e USP. Antes de analisar as ofertas de disciplinas

desses programas, vale fazer menção a um dos critérios utilizados pelo comitê, que se refere à proposta curricular.

Um dos critérios de avaliação considerados pela CAPES é a proposta do programa. Nesse critério, um dos itens refere-se à

coerência, consistência, abrangência e atualização das áreas de concentração, linhas de pesquisa, projetos em andamento e

proposta curricular. A avaliação deste item possui quatro parâmetros: muito bom, quando as áreas dos programas são compatíveis

7

com as linhas de pesquisa e é fornecida aos alunos uma frequente formação metodológica; bom, que é conferido quando as áreas

e as linhas de pesquisa são compatíveis, mas não existe regularidade na oferta de disciplinas ou em metodologia; regular é

atribuído quando existem problemas de compatibilidade entre área de concentração e linhas de pesquisa, bem como deficiências

metodológicas; e, por fim, fraco é conferido quando não existe nenhuma formação em metodologia. Segundo a comissão

avaliadora, a maior parte dos programas recebeu parâmetros de avaliação muito bom ou bom nesse item, o que revela, segundo

os seus critérios, a existência de uma formação metodológica dos alunos, embora não exista regularidade na oferta em todos eles.

3. A oferta de disciplinas nos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política no Brasil: IUPERJ e USP

Para esta primeira fase da pesquisa, selecionamos os dois programas com a pontuação máxima na última avaliação da CAPES: o

IUPERJ e a USP. O programa de pós-graduação em Ciência Política do IUPERJ, vinculado à Universidade Cândido Mendes

(UCAM), foi criado em 1969, com o curso de mestrado. O curso de doutorado surgiu no ano de 1982. O programa de pós-

graduação em Ciência Política da USP foi criado em 1974, com os cursos de mestrado e doutorado.

Vale fazer uma breve menção sobre o ocorrido com o IUPERJ. No ano de 2010, o programa passou por uma transformação, com

a transferência de todo o seu corpo docente e discente para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Nessa universidade, o

novo programa passou a se chamar IESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos). O nome IUPERJ passou a pertencer a um

novo programa de pós-graduação, com outra formação, mas ainda vinculado à UCAM. Mesmo sendo público e notório que o

programa do IESP represente a continuidade do programa anterior, este trabalho analisará a oferta de disciplinas do programa de

pós-graduação em Ciência Política que existiu até o primeiro semestre do ano de 2010.

8

A pesquisa cobre o período que vai de 1971 a 2011. Apesar de o programa de mestrado do IUPERJ ter sido criado em 1969, os

primeiros programas de curso disponíveis são do ano de 1971. As fontes dos dados foram as grades de ofertas de disciplinas

oferecidas pelos programas em cada semestre. Na USP, foram analisadas todas as disciplinas ofertadas no período

disponibilizado. Como no IUPERJ existia também o programa de pós-graduação em Sociologia, foi preciso criar um critério para

inclusão no banco. Sendo assim, somente entraram na análise as disciplinas oferecidas pelos professores da área de Ciência

Política; ou pelos professores da área de Sociologia, nos casos das disciplinas consideradas obrigatórias pela Ciência Política.

O banco de dados foi organizado de acordo com as seguintes variáveis: ano; instituição; disciplina; área e professor(es)

responsável(eis). As disciplinas foram classificadas em nove áreas temáticas, a saber: teoria política (história do pensamento

político, discussões de conceitos, filosofia política, entre outros); métodos (métodos estatísticos, métodos qualitativos, modelos

formais, metodologia e desenho de pesquisa, epistemologia das ciências sociais, entre outros); instituições políticas (legislativo,

executivo, judiciário, sistema eleitoral, sistema partidário, instituições eleitorais, entre outras); política brasileira; comportamento

político (eleições, comportamento eleitoral, participação política, partidos, entre outros); relações internacionais; políticas públicas

(política social, política econômica, política científica e tecnológica, entre outras); seminário de tese (seminários para elaboração

de dissertações e teses) e outros. Na categoria outros foram incluídas as disciplinas que não se enquadravam nas demais

categorias, seja porque versavam sobre temas muito gerais, sem definição precisa, ou porque diziam respeito a temas muito

específicos, sem correspondência com temas tradicionais da Ciência Política.

Para o que nos interessa prioritariamente neste trabalho, o ensino de metodologia e de métodos nos programas de pós-

graduação, classificamos as disciplinas da área de métodos em 6 subtipos, que são: estatística, métodos não-quantitativos,

metodologia e desenho de pesquisa, epistemologia das ciências sociais, programas de análise de dados e outros (aqui foram

9

classificadas as disciplinas que não se enquadravam nos demais subtipos). Essa classificação permite dimensionar quais

orientações metodológicas são privilegiadas pelos docentes dos programas de pós-graduação na formação dos seus estudantes.

3.1. Os resultados

Nesses 40 anos, foram ofertadas 1113 disciplinas nos dois programas, uma média de aproximadamente 28 disciplinas por ano. O

Gráfico 1 mostra a evolução da oferta das disciplinas ao longo do período nos dois programas. Note-se que a oferta do IUPERJ

era expressiva nas primeiras décadas, caiu entre o final da década de 1980 e início da década de 1990 e voltou a subir nos anos

2000. A oferta da USP foi menor nas primeiras décadas, mas aumentou nos anos 2000, diminuindo a diferença em relação ao

instituto carioca.

10

Gráfico 1: Número de cursos oferecidos por ano nos departamentos de ciência política do IUPERJ e da USP

11

Gráfico 2: Cursos de ciência política do IUPERJ e da USP por áreas temáticas

12

O Gráfico 2 apresenta a distribuição das áreas das disciplinas por instituição no período analisado. Note-se que nos dois

programas, a área de teoria política teve maior oferta, chegando a quase um terço do total. No IUPERJ, a área que teve a segunda

maior oferta foi a de métodos, com 12,5%. Em terceiro lugar vem seminário de tese, com 9,5%. Muito próximas estão as ofertas

das áreas de instituições políticas, comportamento político e política brasileira, oscilando entre 7% e 8%. As menores ofertas são

as de políticas públicas e relações internacionais. Na USP, a área em segundo lugar na oferta de disciplinas é de instituições

políticas, com cerca de 20% e em terceiro lugar vem relações internacionais, com 10%. Com proporções bem similares estão as

ofertas das áreas de métodos, comportamento político e política brasileira, com cerca de 10% cada. As menores ofertas são as de

seminário de tese e políticas públicas.

Os dados revelam um padrão bem diferente entre as duas instituições, salvo a oferta de teoria política, que aparece em primeiro

lugar em ambas. Mas esse padrão pode ser comum a todos os programas de pós-graduação em Ciência Política do país, dada a

forte tradição de filosofia política na história da disciplina no país. Para além, as demais áreas diferem fortemente. Em geral, a

oferta de disciplinas do IUPERJ tem privilegiado cursos de métodos e de seminário de tese, enquanto que a USP privilegiou os

temas de instituições políticas e relações internacionais. É interessante notar que a área de políticas públicas é a que teve a menor

oferta nos dois programas, ficando com cerca de 5%. Esse dado revela um fato que vem sendo discutido por alguns membros da

comunidade acadêmica de Ciência Política, que tem a ver com o abandono dessa importante área de estudo pelos profissionais

da área.

O Gráfico 3 apresenta os resultados das áreas das disciplinas separados por instituição e década. Aqui podemos perceber mais

nitidamente como o ensino de tópicos tradicionais da Ciência Política se comportou nesses 40 anos de ensino de pós-graduação

no Brasil. A área de teoria política teve um aumento expressivo entre a década de 1970 e 1980, nas duas instituições. Nas

décadas seguintes ela permaneceu constante no IUPERJ, mas caiu nos anos 2000 na USP. A área de métodos era expressiva na

13

década de 1970 no IUPERJ, mas decresceu de lá para cá, mesmo sendo ainda a segunda oferta do programa. A USP apresentou

um crescimento na oferta das disciplinas de métodos, saindo de nenhuma disciplina ofertada na década de 1970, para quase 13%

da oferta na década de 2000.

A área de seminário de tese teve um aumento na oferta a partir dos anos 1990 no IUPERJ, sendo que na USP ela passou a ser

expressiva somente nos anos 2000. A área de política brasileira experimentou uma variação interessante nas duas instituições. Na

década de 1970, a oferta chegava a quase 15% no IUPERJ e na USP a quase 7%. Na década seguinte, a área teve uma

diminuição impressionante no IUPERJ, caindo para quase 6%, ao passo que na USP subiu para quase 10%. Na década de 1990,

a oferta do IUPERJ permaneceu a mesma, ao mesmo tempo em que na USP subiu para 15%. Já nos anos 2000, a oferta das

disciplinas na área de política brasileira praticamente desapareceu nos dois programas, caindo para 2% no IUPERJ e 1,5% na

USP.

A área de instituições políticas cresceu no IUPERJ a partir dos nos 1980 e nas décadas seguintes manteve-se constante. Já na

USP, essa área apresentou maior oscilação. Nas décadas de 1970 e 1980, a oferta das disciplinas nessa área era expressiva,

oscilando entre 15% e 17%. Na década de 1990, apresentou uma queda expressiva, chegando a 7%, voltando a crescer um pouco

nos anos 2000, alcançando 9% da oferta. A área de comportamento político apresenta padrões bem distintos nos dois programas.

Enquanto no IUPERJ das primeiras décadas a oferta era pouco expressiva, chegando ao máximo de 6%, na década de 1990

houve um aumento considerável, chegando a 11%, e na década de 2000 cai um pouco, indo para 9%. Na USP, a oferta das

disciplinas dessa área passou por uma oscilação expressiva. Se nos anos 1970 chegava a 20% da oferta, nos anos 1980 caiu

vertiginosamente para cerca de 9%, chegando a 3% nos anos 1990. Nos anos 2000, a oferta de disciplinas nessa área voltou a

crescer, chegando a 8%.

14

As relações internacionais não são uma área de ensino privilegiada no IUPERJ, como os dados permitem ver. Nesses 40 anos, a

oferta chegou ao máximo de 6%. Já na USP, o ensino de RI teve seu auge na década de 1990, onde alcançou cerca de 17% da

oferta. Nos anos 2000, essa área apresentou uma queda, mas ainda continua sendo expressiva, chegando a cerca de 13% da

oferta. Por fim, a área de políticas públicas. Embora no IUPERJ a oferta chegasse a quase 8% na década de 1970, o ensino de

disciplinas nessa área caiu ao longo dos anos, chegando a apenas 3% nos anos 2000. Na USP, no entanto, o ensino de

disciplinas nessa área cresceu vertiginosamente na última década, alcançando quase 16% da oferta.

15

Gráfico 3: Cursos de ciência política do IUPERJ e USP, por área temática e década.

16

Gráfico 4: Cursos de método oferecidos no IUPERJ e na USP, segundo a área.

17

As 119 disciplinas de métodos foram divididas em cinco áreas. De uma maneira geral, a oferta das disciplinas de métodos, nas

duas instituições, privilegia essencialmente o ensino de estatística, chegando a 50% da oferta. O ensino de disciplinas de

metodologia e desenho de pesquisa figura em segundo lugar, com 14% da oferta. Em terceiro lugar, com 10%, está o ensino de

métodos não-quantitativos. Vale ressaltar que o ensino de disciplinas ligadas à área de epistemologia das ciências sociais é

ínfima, chegando a 5% da oferta.

O Gráfico 4 mostra, de maneira detalhada, como os cursos de métodos estão distribuídos entre os dois programas. No IUPERJ,

das 81 disciplinas oferecidas nesses 40 anos, o ensino de estatística prevaleceu em quase 67% delas. A segunda posição foi

ocupada pelas disciplinas da área de metodologia e desenho de pesquisa, com 11%. O ensino das disciplinas sobre métodos não

quantitativos e epistemologia das ciências sociais teve uma oferta irrisória nessa instituição, figurando com quase 4%. Por outro

lado, o programa da USP teve outro padrão de oferta de disciplina de métodos, com o ensino mais diversificado. Das 38 disciplinas

de métodos, o ensino de estatística figura em primeiro lugar, mas em proporção bem menor, com quase 30%. Logo em seguida

vêm as disciplinas de métodos não quantitativos, com 24% da oferta. Em terceiro lugar figuram as disciplinas de metodologia e

desenho de pesquisa, com 19%. Por fim, têm-se as disciplinas de epistemologia das ciências sociais, com 8% da oferta. O ensino

de programas de análise de dados é inexistente nos dois programas, salvos os dois cursos sobre o uso do pacote estatístico

SPSS que foram ofertados pelo IUPERJ na década de 1970.

18

4. Discussão dos resultados e considerações finais

Como dissemos, o objetivo deste trabalho é fazer uma exploração inicial sobre a formação dos alunos de pós-graduação em

Ciência Política no Brasil. Para tanto, foram analisadas as grades de ofertas de disciplinas de dois programas – IUPERJ e USP –

entre os anos de 1971 e 2011. Nossa intenção foi fazer um mapeamento das disciplinas privilegiadas pelos programas nesses 40

anos de pós-graduação. Foram ofertadas, nas duas instituições, 1113 disciplinas, com uma média de 28 por ano.

As disciplinas foram classificadas em nove áreas temáticas. O ensino de teoria política sempre foi dominante na oferta das

disciplinas, chegando a 1/3 da oferta na década de 2000. Lembrando que foram classificadas aqui as disciplinas que tratavam da

história do pensamento político, dos principais autores clássicos e contemporâneos, além da discussão de conceitos e de filosofia

política.

No que diz respeito aos tópicos mais substantivos da Ciência Política, percebe-se que alguns temas clássicos da análise política

foram preteridos com o passar dos anos. Talvez o mais impressionante desses fosse o ocorrido com o ensino de tópicos da

política brasileira, que de tema relevante nos anos 1970 até a década de 1990, praticamente deixou de ser ministrado nos anos

2000. Isso revela um quadro preocupante, pois evidencia que os estudantes terminam seus estudos de pós-graduação, salvo se

esse for o tema de suas dissertações e teses, desconhecendo as principais características do sistema político brasileiro. Tal

debilidade impede que os profissionais da área de Ciência Política sejam capazes de contribuir para o entendimento dos

fenômenos políticos, bem como de dar respostas para os problemas que lhes são apresentados.

Outra área que quase não foi contemplada nas ofertas de disciplinas foi a de políticas públicas. Com exceção do programa da

USP na última década, esse tema foi pouco explorado na formação dos cientistas políticos, o que também revela uma deficiência

grave. Isso porque o país passou por muitas transformações nas últimas décadas, com governos nas esferas federais e

19

subnacionais que privilegiaram os investimentos em políticas públicas. Como resultado disso, o que se perceberam foram

consideráveis mudanças na estrutura socioeconômica brasileira, com alterações, por consequência, no sistema político e no

comportamento dos atores políticos. Sem que o tema das políticas públicas seja explorado durante o período de formação, pode

ser custoso aos profissionais da disciplina entender e acompanhar as mudanças que ocorrem na vida política do país.

Por fim, e o que interessa mais diretamente neste trabalho, algumas considerações sobre o ensino de métodos e de metodologia

de pesquisa. Como vimos, das 1113 disciplinas ofertadas nos 40 anos analisados, apenas 119 (cerca de 10%) visavam o ensino

dessa área temática, sendo que a oferta no IUPERJ (81) é bem superior à da USP (38). Além disso, vimos também que quando se

pensa em ensino de métodos ou metodologia nos programas, pensa-se em métodos estatísticos. Não existe, a se julgar pela

oferta de disciplinas, a preocupação em apresentar aos estudantes questões elementares de epistemologia das ciências sociais ou

de lógica da pesquisa científica, o que torna no mínimo curioso o ensino de métodos estatísticos sem que seja ensinada, antes

disso, a finalidade desses métodos.

Ao contrário do que foi apresentado no relatório final da avaliação da CAPES, que julgava, entre outros itens, a atualidade e a

diversidade metodológica na proposta curricular dos programas, nossa primeira exploração sobre o processo de formação dos

estudantes de Ciência Política mostra que os estudantes não são expostos às diversas orientações metodológicas. Estes

resultados aproximam-se daqueles encontrados por pesquisadores que estudaram os programas de pós-graduação em outros

países, sobretudo nos Estados Unidos. Como vimos na primeira seção, nesse país também não existe uma formação sistemática

em métodos e metodologia de pesquisa. Quando existem disciplinas de métodos, elas ensinam, exclusivamente, métodos

estatísticos, ficando preteridos os métodos não quantitativos, sobretudo os qualitativos.

20

Sendo assim, o que se tem é um quadro inquietante. Mesmo nos programas de pós-graduação em Ciência Política que possuem o

conceito máximo da avaliação da CAPES, o ensino de métodos e de metodologia de pesquisa é deficiente. Pode-se especular que

nos outros 13 programas o quadro seja semelhante, revelando uma deficiência comum à disciplina no Brasil. A despeito das

tentativas feitas pelos programas, ainda há muito a ser feito.

21

Referências

BARTH, A., BENNETT, A. e RUTHERFORD, K. R. (2003), “Do We Preach What We Practice? A Survey of Methods in Political

Science Journals and Curricula”, PS: Political Science and Politics, vol. 36, nº 2, pp. 373-378.

CAPES (2010), Relatório de Avaliação 2007-2009 Trienal 2010: Área de Avaliação – Ciência Política e Relações Internacionais.

CLARK, A. (2011), “Embedding Transferable Skills and Enhancing Student Learning in a Political Science Research Methods

Module: Evidence from the United Kingdom”, PS: Political Science and Politics, vol. 44, nº 1, pp. 135-139.

HOGAN, R. E. & THIES, C.G. (2005), “The State of Undergraduate Research Methods Training in Political Science”, PS: Political

Science and Politics, pp. 293-297.

ISHIYAMA, J. (2005), “Examining the Impact of the Wahlke Report: Surveying the Structure of the Political Science Curricula at

Liberal Arts and Sciences Colleges and Universities in the Midwest” PS: Political Science and Politics, vol. 38, nº 1, pp. 71-75.

PARKER, J. (2010), “Undergraduate Research-Methods Training in Political Science: A Comparative Perspective”, PS: Political

Science and Politics, pp. 121-125.

SCHWARTZ-SHEA, P. (2003), “Is this the Curriculum we Want? Doctoral Requirements and Offerings in Methods and

Methodology”, PS: Political Science and Politics, vol. 36, nº 2, pp. 379-386.

SOARES, G. A. D. (2005), “O Calcanhar Metodológico da Ciência Política no Brasil”, in C. O. Martins (org.), Para onde vai a Pós-

Graduação em Ciências Sociais no Brasil. Bauru, EDUSC, pp. 73-104.

22

WAHLKE, J. C. (1991), “Liberal Learning and the Political Science Major: A Report to the Profession”, PS: Political Science and

Politics, vol. 24, nº 1, pp. 48-60.