Mestrando e Especialista em Direito Processual Civil pela ... · novo cpc – v. 11 – medidas ......
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MEDIDAS ATÍPICAS NA EXECUÇÃO
MEASURES NOT TYPIFIED BY LAW IN ENFORCEMENT
Mauro Gabriel Junior
Mestrando e Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP
Área do Direito: Processual
Resumo: O objetivo do presente trabalho é estabelecer parâmetros gerais para
aplicabilidade das medidas atípicas em quaisquer das modalidades de
execução. Isso porque o art. 139, IV, do CPC/15, ao impor ao juiz o dever de
promover a efetividade das decisões judiciais, por meio de qualquer ato
executivo, não traz nenhum requisito a ser antes observado, dando a falsa
ideia de que seu agir seria ilimitado. Essa omissão normativa trouxe sérias
discussões na doutrina e jurisprudência, notadamente quanto ao emprego
destas medidas na execução de pagar quantia certa. Ante o conflito entre
direitos fundamentais em jogo, traçamos uma interpretação sistemática do
instituto, conforme as normas constitucionais e infralegais brasileiras, com a
finalidade de contribuirmos para o desenvolvimento da atividade jurisdicional,
especialmente para a estabilidade, previsibilidade e uniformidade no tratamento
do jurisdicionado.
Palavras-chave: medidas atípicas – execução – novo código de processo civil
– diretrizes gerais
Abstract: This paper aims to establish general guidelines for the applicability of
atypical measures in any of the execution modalities. That is because the art.
139, IV, of New Civil Procedure Code, imposes the judge the duty of promoting
the effectivity of judicial decisions, by means of any measures not typified by
law in enforcement, but does not bring any requirement to be noted, giving the
false impression that his actions could be unlimited. That normative omission
has brought serious discussions in the doctrine and in the case law, notably
related to the use of those actions in the execution of obligation to pay a certain
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amount. Facing the conflict of fundamental rights at stake, we draw a
systematic interpretation of the institute, according to the constitutional and
infra-constitutional rules in Brazil, aiming to contribute to the development of the
jurisdictional activity, especially for stability, predictability and uniformity in the
parties treatment.
Keywords: measures not typified – execution – new civil procedure code –
guidelines general
SUMÁRIO: 1. Notas iniciais – 2. Regras gerais sobre a aplicabilidade do
art. 139, IV, do CPC/15 construídas à luz da doutrina – 3. Regras gerais
sobre a aplicabilidade do art. 139, IV, do CPC/15 sob o prisma da
jurisprudência – 4. Notas conclusivas – 5. Bibliografia.
1. NOTAS INICIAIS
O CPC/15, no art. 139, IV, estabeleceu que o juiz, no direção do
processo, terá a incumbência de “determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária”.
Dessa redação normativa, infere-se que o legislador rompeu com a
tradição do CPC/73, que limitava tais medidas às obrigações de fazer, não
fazer e entregar coisa.
Na visão de Humberto Theodoro Junior, agora pode o juiz também
valer-se de meios não tipificados na execução por quantia certa, a exemplo das
astreintes e daquelas mencionadas no § 1º do art. 536 do CPC/15, para forçar
o devedor a cumprir aquilo que lhe cabe1. De igual modo pensa Arruda Alvim2.
1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – vol. 1. 59 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 440. 2 O autor faz, todavia, um apelo à necessidade de cautela na fixação de astreinte em execução de pagar quantia para não torná-la uma sanção ao obrigado e não gerar um enriquecimento sem causa ao credor (ALVIM, Arruda. O novo contencioso cível no cpc/2015. São Paulo: RT, 2016, p. 416).
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O art. 139, IV, do CPC/15 dá suporte a outros dois dispositivos do
código – arts. 297 e 536, § 1º – cujo âmbito de incidência é voltado para o
respectivo instituto que representam. O art. 297 visa à efetivação da tutela
provisória, ao passo que o art. 536, § 1º (c.c. os arts. 538, § 3º, e 771,
parágrafo único) aplica-se, especificamente, às obrigações de fazer, não fazer
e entregar coisa, estampadas em títulos judiciais ou extrajudiciais3. O art. 139,
IV, é regra mais ampla justamente porque se presta à execução de qualquer
obrigação, até mesmo a de pagar quantia, fazendo jus à denominação de
cláusula geral do sistema processual4.
A lei, porém, não esclarece se essa atuação do magistrado se dará
de ofício ou mediante requerimento da parte.
Interpretando o caput e os demais incisos do art. 139 do CPC/15,
que buscam, também, em última análise, um processo justo, célere e efetivo,
temos que o juiz prescinde de qualquer provocação para fixar essas medidas
executivas.
Seria, realmente, um contrassenso permitir que, de um lado, o juiz,
de ofício, possa reprimir, por exemplo, atos que agridam a dignidade da justiça
ou a duração razoável do processo e, de outro, fique à mercê de pedido do
interessado, para zelar pelo cumprimento de seu próprio pronunciamento.
Sem falar que estaríamos a identificar graus de efetividade da
jurisdição segundo o procedimento executivo adotado, pois, para as obrigações
de fazer, não fazer e entregar coisa, o legislador, textualmente, permitiu que o
3 Eduardo Talamini, em sentido contrário, defende que “... não parece viável afirmar a direta e integral incidência das regras do art. 536 e 537 ao processo executivo de obrigações de fazer ou não fazer fundado no título extrajudicial. [...] Em primeiro lugar, descarta-se a emissão de provimentos mandamentais que constituam propriamente ordem de cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, na execução do título extrajudicial. Na execução do título extrajudicial, o juiz não profere decisão de mérito, reconhecendo a razão do credor e impondo o cumprimento da obrigação. Diante da constatação da presença do ato formal que permite executar (o título extrajudicial), o juiz limita-se a autorizar a execução. Não há nisso nenhuma ordem de cumprimento no sentido estrito do termo [...] Quem pretender comando direto à parte adversária deve optar pela via cognitiva do processo de conhecimento, como autoriza o art. 785 do CPC, para tentar obter sentença com eficácia prevista no art. 499”. Estende, ainda, o autor este raciocínio às obrigações de entregar coisa, pois “... não há um comando de entrega de coisa revestido de eficácia mandamental. Não há ordem. Mas simples determinação de entrega, depois da qual incidem mecanismos sub-rogatórios ou se tem a conversão em perdas e danos [...]”. (TALAMINI, Eduardo. Poder geral de adoção de medidas executivas e sua incidência, nas diferentes modalidades de execução. In: DIDIER JR., Fredie (Coord.). Grandes temas do novo cpc – v. 11 – medidas executivas atípicas. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 37-38 e 45) 4 DIDIER JR, Fredie., CUNHA , Leonardo J. C., BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos arts. 139, IV, 297 e 536, § 1º, cpc. Revista de Processo, Maio/2017, v. 267/2017, p. 227 – 272.
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juiz, de ofício, determine as medidas necessárias à satisfação do exequente
(art. 536, caput, CPC/15). O credor, nestas obrigações, teria uma jurisdição
mais rápida e eficaz na tutela de seu direito, quando comparada com o
procedimento da obrigação de pagar quantia certa, que nada dispõe sobre
essa atuação do magistrado. Essa dicotomia no gerenciamento da execução, a
depender da espécie de obrigação, geraria uma ofensa, injustificada, na
isonomia do jurisdicionado.
Com razão, portanto, Roberto Sampaio Contreiras de Almeida, ao
propor esta exegese, no sentido de que o julgador pode (deve) agir
independente de postulação das partes5.
Disto decorre que, segundo Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da
Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, em havendo
proposta de medida atípica pelo interessado, pode o juiz não aplicá-la ou
adotar medida diversa, até mesmo em sua natureza, ainda que de maior ou
menor gravidade (arts. 536 e 537, caput, e § 1º, CPC/15), visto estarmos diante
de uma mitigação à regra da congruência objetiva (arts. 141 e 492, CPC/15)6.
Veja-se que meios executivos, nos termos da clássica lição de
Giuseppe Chiovenda, são aquelas medidas conferidas por lei ao órgão
jurisdicional com o fito de garantir ao credor a fruição de seu direito. Divide o
mestre italiano os meios executivos em duas categorias: (i) meios de coerção;
e (ii) meios de sub-rogação. Os primeiros – meios de coerção – são aqueles
em que o órgão jurisdicional, para assegurar a satisfação da obrigação do
credor, depende da participação do destinatário de sua ordem. Nestes casos, o
Estado-juiz influi na vontade do devedor, pressionando-o a honrar aquilo que
deve. Cita como exemplo a aplicação de multas, o arresto e o sequestro com
função coercitiva. Já os segundos – meios de sub-rogação – são aqueles atos
perpetrados pelo Estado-juiz que prescindem de qualquer agir (vontade) do
devedor7.
5 ALMEIDA, Roberto Sampaio Contreiras de. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo, DANTAS, Bruno (Coord.). Breves comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2016, p. 479-480. 6 DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272 7 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. J. Guimaraes Menegale. São Paulo: Saraiva, 1942, v. I, p. 402-403.
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A par dessa classificação, Olavo de Oliveira Neto explica que, “como
as medidas coercitivas podem ser mandamentais ou executivas lato sensu,
então haveria uma pequena imprecisão no texto do inciso, pois estaria a falar
do gênero (meios de coerção) e também de uma de suas espécies (medidas
mandamentais)”8.
As medidas indutivas, por seu turno, também relacionadas pelo
legislador como instrumento apto a potencializar os resultados práticos do
processo, apesar de não se encontrarem no âmbito das medidas coercitivas ou
sub-rogatórias, são também classificadas pela doutrina como forma de
execução indireta9, à medida que concedem uma espécie de prêmio ao
obrigado, por tomar determinada posição dentro do processo, tal como ocorre
com a redução da verba honorária nos arts. 338, parágrafo único, e 701, caput
e § 1º, do CPC/1510.
Embora quaisquer desses atos executivos se prestem a dar
efetividade à tutela jurisdicional, falta uma regulamentação objetiva da matéria,
eis que o CPC/15 não estabelece parâmetros, temporais (quanto ao momento
em que podem ser empregadas) e/ou materiais (quanto ao objeto e sua
extensão), v. g., deste poder-dever de atuação do magistrado.
Na doutrina há quem sustente a aplicação restritiva das medidas
atípicas, de sorte que não poderiam elas, em regra, a partir de uma visão
utilitarista do magistrado, restringir direitos individuais para obtenção da
satisfação de obrigações pecuniárias11, como também há outros autores,
defendendo justamente o contrário, ou seja, que o juiz possui amplo espectro
de instrumentos para fazer valer suas decisões judiciais12. Os tribunais do país
também vêm se posicionamento sobre o tema de variadas maneiras. As cortes
de cúpula, mormente o STJ, têm poucos julgados acerca do art. 139, IV, do
8 OLIVEIRA NETO, Olavo de. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord.) Comentários ao código de processo civil: arts. 1º a 317 – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017, v. 1, p. 626. 9 DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272. 10 OLIVEIRA NETO, p. 626. 11 A exemplo de STRECK, Lenio; NUNES, Dierle. Senso incomum: como interpretar o artigo 139, IV, do cpc? carta branca para o arbítrio? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-branca-arbitrio#_ftnref14. Acessado em 10 de janeiro de 2019. 12 Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 213, THEODORO JÚNIOR, p. 440; e ALVIM, p. 416.
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CPC/15 e, ainda, não há nenhuma decisão paradigma a ser acolhida, com grau
de observância forte, no sistema processual.
Considerando esse tormentoso cenário e a natureza fundamental do
conflito de direitos em jogo, procuramos estabelecer uma interpretação do
instituto conforme as normas constitucionais e infralegais brasileiras, visando,
em última análise, concretizar a própria função do direito, no sentido de trazer
estabilidade, previsibilidade e uniformidade no tratamento do jurisdicionado.
Registramos, por derradeiro, que, ante as limitações de tempo e
espaço deste ensaio, não temos a ambiciosa pretensão de esgotar o tema, a
despeito de sua evidente pertinência.
2. REGRAS GERAIS SOBRE A APLICABILIDADE DO ART. 139, IV, DO
CPC/15 CONSTRUÍDAS À LUZ DA DOUTRINA
É cediço que a efetividade da tutela jurisdicional é uma garantia
constitucional e um dever a ser perseguido pelo Estado, sob pena de
incentivarmos a instabilidade social, pelo desrespeito às instituições – aqui
inserida a decisão judicial (art. 1º, I, CF; art. 3º, CPC/15)13.
A propósito do tema, ressaltam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero que a tutela jurisdicional há de ser efetiva por
imposição dos fundamentos do próprio Estado Constitucional, eis que a força
normativa do Direito fica combalida quando desprovida de atuabilidade.
Lembram, aliás, que a efetividade pertence ao princípio da segurança jurídica,
à medida que só podemos falar em segurança se houver confiança na
realização do direito positivo. Por isso, deve-se, no processo, sempre que
possível, propiciar à parte a tutela específica de seu direito material, ao invés
de seu equivalente monetário14.
O art. 139, IV, do CPC/15 foi criado justamente para atender a esta
finalidade. Mas, para tanto, não podemos nos olvidar das escolhas feitas pelo
13 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva, e MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2016, p. 300-301. 14 MARINONI et al, p. 95.
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legislador na instrumentalização do cumprimento de cada obrigação (fazer, não
fazer, entregar coisa ou pagar).
Quer-se dizer: ainda que o sistema processual vigente municie o juiz
com certa liberdade para ordenar que o Estado ou o próprio executado
concretize o título executivo, não se pode subverter toda a cadeia de atos do
cumprimento de sentença ou do processo de execução elegidos previamente
para a satisfação da obrigação.
Por isso, as medidas atípicas hão de ser acionadas somente quando
esgotado e infrutífero o procedimento executivo da respectiva obrigação
prevista no CPC/15. Existe uma relação de subsidiariedade entre as medidas
atípicas e as medidas típicas estabelecidas para o adimplemento forçado de
cada obrigação. Nesse sentido, o Enunciado n. 12 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis15.
Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e
Rafael Alexandria de Oliveira, tratando dessa subsidiariedade, apontam que ela
seria, na verdade, devida apenas na execução das obrigações de pagar
quantia, pois, para as demais (fazer, não fazer e entregar coisa), a atipicidade
na efetivação do direito é a regra. Destacam que os arts. 921, III16, e 924, V17,
do CPC/15 determinam que, na ausência de bens penhoráveis, a execução da
obrigação pecuniária será suspensa durante um ano, iniciando-se a contagem
da prescrição intercorrente com o término deste prazo, o que pode causar a
extinção da execução. Sendo obrigatória essa suspensão da execução,
entendem que resta prejudicada a adoção de medidas atípicas para efetivação
do crédito, através da substituição da respectiva penhora, adjudicação e
alienação. Na perspectiva dos e. processualistas, apenas poderíamos falar em
medidas atípicas na execução monetária se estivermos diante de violação de
deveres processuais de colaboração com o juízo, como na ausência de
indicação de bens à penhora pelo devedor, caso em que seria possível a
aplicação de multa18. Na essência, não estão a defender a aplicação do art.
15 “A aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II”. 16 Art. 921. Suspende-se a execução: [...]III - quando o executado não possuir bens penhoráveis; 17 Art. 924. Extingue-se a execução quando: [...]V - ocorrer a prescrição intercorrente. 18 DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272.
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139, IV, do CPC/15 para obrigação pecuniária, mas para obrigação de natureza
diversa (fazer), hipótese na qual, para os autores, a subsidiariedade em tela
sequer seria necessária.
Ousamos, respeitosamente, nos distanciar, em parte, dessa
interpretação dos ilustres juristas, pois partimos do pressuposto de que, nas
obrigações envolvendo a entrega de dinheiro, só podemos cogitar de
efetividade da tutela executiva pelo art. 139, IV, do CPC/15 quando estivermos
na presença daquele obrigado que deixa de atender ao comando judicial pelo
seu livre-arbítrio.
Explica-se.
Diante de um devedor contumaz, que blinda seu patrimônio, não há
que se falar em suspensão da execução19, mas sim na adoção de meios
executivos para pressioná-lo a pagar o débito ou a indicar onde se encontram
seus bens.
Foge do alcance da norma aquele que, involuntariamente, não têm
condições financeiras de quitar a dívida20 (aqui, a suspensão da execução pela
ausência de bens penhoráveis, realmente, ocorrerá).
A subsidiariedade ora retratada liga-se ao procedimento executivo
de cada obrigação, ainda que, para algumas, a atipicidade dos meios
executivos tenha sido eleita como a regra geral. A preferência legal pela busca
e apreensão ou imissão na posse nas obrigações de entregar coisa do art. 538,
caput, do CPC/15, ilustrativamente, é exemplo de tipicidade a ser
salvaguardada pelo magistrado21. Do mesmo modo, temos que as formalidades
para a prática do ato delineadas no procedimento devem ser preservadas,
19 Marcelo Abelha Rodrigues, a propósito do assunto, a despeito de reconhecer a suspensão automática do processo na hipótese de ausência de bens do executado, defende que, nesta situação, estamos diante de uma presunção absoluta de sua condição de insolvente civil (art. 750, CPC/73), razão pela qual deve o magistrado promover as sanções processuais reguladas pelo instituto da insolvência civil, entre elas a do art. 752 do CPC/73 (“o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles”), tornando o devedor inapto para a prática de atos na vida de civil (art. 782 do CPC/73). Sob sua ótica, como consequência dessas penalizações, o devedor não poderia ter cartão de crédito, conta em banco, realizar contratos onerosos e etc. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. O que fazer quando o executado é um “cafajeste”? apreensão de passaporte? da carteira de motorista? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI245946,51045-O+que+fazer+quando+o+executado+e+um+cafajeste+Apreensao+de+passaporte. Acessado em 10 de janeiro de 2019). 20 Ver GAJARDONI, Fernando da Fonseca. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca, DELLORE, Luiz, ROQUE, André Vasconcelos, OLIVIERA JR., Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo: comentários ao CPC 2015: parte geral. 2 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 508. Edição e-book. 21 É o quanto sustenta TALAMINI, p. 43.
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como a presença de dois oficiais de justiça na busca e apreensão do art. 536, §
2º, do CPC/1522. É defeso aplicar o princípio da atipicidade da tutela executiva
como justificativa para driblar requisitos positivados para cada obrigação. O art.
139, IV, do CPC/15 não é um cheque em branco na mão do magistrado. Do
contrário, estaríamos a legitimá-lo a dispor do processo e do procedimento,
alterando as regras do jogo, sem qualquer parâmetro objetivo, o que,
certamente, esbarra no devido processo legal, na segurança jurídica e no
contraditório23.
É esta, a propósito, a advertência de Teresa Arruda Alvim, Maria
Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro
Torres de Mello, a saber:
... se há disciplina específica para a prestação da tutela jurisdicional em cada conjunto de espécies de obrigações, é necessário que se interprete este dispositivo (inc. IV do art. 139) com grande cuidado, sob pena de, se se entender que em todos os tipos de obrigações, inclusive de pagar quantia em dinheiro, pode o juiz lançar mão de medidas típicas das ações executivas lato sensu, ocorrer completa desconfiguração do sistema engendrado pelo próprio legislador para as ações de natureza condenatória24.
Atente-se que o CPC/15 não só disciplinou um procedimento distinto
a depender da natureza da obrigação, como também fez opções proibitivas
sobre o uso de certos atos executivos na satisfação do credor.
Um exemplo do que se afirma encontra-se na regra do art. 916, § 7º,
do CPC/15. Com efeito, não pode o juiz permitir ao devedor o parcelamento do
débito, previsto, exclusivamente, para a execução de título extrajudicial, no
22 Ver DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272. 23 Interessante, neste ponto, destacar a exegese de Marcelo Abelha Rodrigues, ao sustentar que o juiz, no processo de execução ou no cumprimento de sentença de pagar quantia, depois ordenar ao executado o cumprimento da obrigação no prazo legal e obter o descumprimento de seu mandamento, está autorizado a adotar todas as medidas executivas típicas e/ou as medidas executivas atípicas, elencadas na clausula geral do art. 139, IV do CPC/15. Vale dizer: para o autor o procedimento executivo é atípico e imediato, e não subsidiário. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. O executado cafajeste II: medida coercitiva como instrumento da medida sub-rogatória. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI267289,31047-O+executado+cafajeste+II+medida+coercitiva+como+instrumento+da+medida. Acessado em 10 de janeiro de 2019. 24 WAMBIER et al. Primeiros ... . p. 300.
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cumprimento de sentença, a pretexto de estar aplicando uma medida indutiva
na efetivação da tutela jurisdicional25-26.
De igual modo, não pode o julgador, no cumprimento de sentença,
diminuir ou aumentar o prazo do devedor para saldar o débito ou o valor da
multa do art. 523, caput, § 1º, do CPC/15, como sugere, data venia, Cassio
Scarpinella Bueno27.
Igualmente, não é cabível a imposição de prisão ao réu devedor de
um contrato de compra e venda, por exemplo. Os amplos poderes concedidos
ao magistrado pelo art. 139, IV, do CPC/15 para a efetivação de suas decisões,
na realidade social, não ficam à margem dos ditames Constitucionais, que, na
espécie, somente autoriza a prisão civil do devedor de obrigação alimentícia
(art. 5º, LXVII)28.
É forçoso convir, portanto, que o juiz não deve empregar medidas
atípicas cuja natureza seja incompatível com o procedimento e a espécie da
obrigação que se quer satisfeita.
De mais a mais, temos que o contraditório prévio, como regra geral
do sistema, há, igualmente, de ser respeitado, quando do manejo dessas
medidas atípicas (arts. 9º e 10, CPC/15), ficando assegurado às partes o
25 Manifestando-se pela higidez da proibição, ver MEDINA, José Garcia. Curso de direito processual civil moderno. 3 ed. (E-book) São Paulo: RT, 2017, p. 687; MARINONI et al, p. 852; e BARIONI, Rodrigo. O parcelamento do crédito do exequente no novo cpc. Revista de Processo, Jun/2015, vol. 244/2015. p. 153-164. Em sentido contrário, encontramos o Enunciado 331 do FPPC, cujo teor dispõe que “o pagamento da dívida objeto de execução trabalhista pode ser requerido pelo executado nos moldes do art. 916”. 26 TJSP; Agravo de Instrumento 2226325-04.2017.8.26.0000; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 6ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 09/03/2018; Data de Registro: 09/03/2018; e TJPR, Agravo de Instrumento n. 1580095-4, rel. Des. Dalla Vecchia, 11ª Câmara Cível, julgado em 08.02.2017. 27 Para o ilustre professor, “não se trata de querer enfatizar o comportamento do devedor/réu/executado por trás do ato de pagamento em dinheiro, de forma a empregar a atipicidade que caracteriza (e expressamente) o modelo executivo das obrigações de fazer (art. 536, § 1º). Trata-se, de forma direta, de permitir ao magistrado, por exemplo, reduzir o prazo de quinze dias a que se refere o caput do art. 523 ou de aumentar a multa coercitiva do § 1º do mesmo dispositivo, para criar condições concretas para a eficiente prestação da tutela jurisdicional, que é a única desejada pelo “modelo constitucional do direito processual civil””. (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de processo civil. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 480). Essa multa, pensamos nós, possui natureza híbrida: é, ao mesmo tempo, coercitiva e punitiva. Como o art. 139, IV, do CPC/15 tem como finalidade estimular a efetividade da tutela executiva e não sancionar o obrigado, fica prejudicada sua alteração, para mais ou para menos. 28 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1075.
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controle do exercício da atividade jurisdicional por meio do agravo de
instrumento (art. 1.015, parágrafo único, CPC/15).
Como bem observa Fernando da Fonseca Gajardoni, uma vez
cientificado o devedor da possibilidade de aplicação do art. 139, IV, do CPC/15,
permite-se que explique as razões de seu inadimplemento ou da
impossibilidade do emprego de tais medidas, dando-se oportunidade ao
magistrado de aferir a real necessidade do caso concreto, evitando excessos e
permitindo a calibração de qual a melhor técnica a ser aplicada, a exemplo da
demonstração pelo devedor de que a apreensão de sua CNH é por demais
onerosa (art. 805, CPC/15), já que trabalha como motorista. Sob o prisma do r.
professor, o contraditório prévio não perturbaria a efetividade da medida, pois
não haveria patrimônio a ser dissipado nem ocultado, afinal, essa situação –
caso ocorresse - teria se dado anteriormente, diante da frustração das medidas
típicas. Destarte, se numa execução de obrigação de pagar quantia certa a
intenção do credor é revelar o patrimônio oculto por parte do devedor, a
ausência de elementos de prova deste ardil, prejudicaria o uso de mecanismos
indiretos de coação, porque não cumpririam outra finalidade senão a de
penalização, o que é incompatível com esta espécie de execução29. Em outras
palavras: só tem aplicabilidade esses meios coercitivos ao devedor de dinheiro
que não atende à decisão judicial porque, simplesmente, não quer.
Conquanto defendemos que esta deva ser a regra do sistema, já
que a medida executiva não tem caráter sancionatório, reconhecemos que é
possível, à luz do caso concreto, ser conveniente o diferimento do contraditório
para depois da aplicação da medida, se houver risco de inviabilizá-la. Basta
pensarmos na situação em que o devedor, ostentando uma vida social diversa
da registrada nos autos da execução, com seguidas viagens de turismo pelo
mundo, insiste em não prestar aquilo que é devido ao credor, prejudicando a
satisfação do débito com o escamoteando de seu patrimônio. Imagine, ainda,
que esse devedor publique em redes sociais que, em poucos dias, irá deixar o
país, para viver no estrangeiro. Nesse caso, pensamos estar autorizado o
magistrado a buscar e apreender seu passaporte, sem sua prévia oitiva, para
que não frustre o ato executivo, como forma de coagi-lo a honrar a obrigação.
29 GAJARDONI, p. 508.
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O fundamento jurídico deste provimento jurisdicional encontra-se, todavia, na
tutela de urgência (art. 300 e ss, CPC/15), não nas medidas atípicas (art. 139,
IV, CPC/15). A nosso ver, esses institutos não se confundem, embora tenham
idêntico escopo: a preservação da efetividade da jurisdição. Veja-se que o art.
139, IV, do CPC/15 dispensa a urgência, sendo só utilizado após a frustração
do caminho legal traçado pelo legislador para materialização in concreto do
título executivo30.
Observamos, ainda, que o (des)acerto da aplicação da medida
atípica passará, outrossim, pelo crivo da regra da proporcionalidade (art. 8º,
CPC/15), cuja análise se dá em três planos, escalonados, de forma sequencial
e subsidiária, a saber: da utilidade (adequação), da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito, conforme nos ensina Virgílio Afonso da
Silva31.
Esclarecemos que os princípios da razoabilidade e da eficiência,
enquanto pressuposto de aplicação de qualquer norma do CPC/15 (art. 8º),
encontram-se, por nós, inseridos no bojo da regra da proporcionalidade,
mormente no que tange ao controle de meios e fins do ato executivo escolhido
30 É o que, parece-nos, quis dizer Daniel Amorim Assunpção ao afirmar que “somente em situações excepcionais, de extrema urgência, admissível a adoção do contraditório diferido, nos termos do art. 9°, parágrafo I, do Novo CPC. A decisão do juiz deve ser devidamente fundamentada, nos do art. 489, § 1º, do Novo CPC, sendo recorrível por agravo de instrumento 1.015, parágrafo único, do Novo CPC)”. (NEVES, p. 1076). Também sendo favorável ao contraditório diferido, DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272. 31 Acerca da relação escalonada, sequencial e subsidiária por nós afirmada, ensina o autor que: “a real importância dessa ordem fica patente quando se tem em mente que a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção. A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da divisão em sub-regras. Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal para a promoção dos objetivos pretendidos. Em outros casos, pode ser indispensável a análise acerca de sua necessidade. Por fim, nos casos mais complexos, e somente nesses casos, deve-se proceder à análise da proporcionalidade em sentido estrito”. (SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. Abr/2002, vol. 798/2002, p. 23-50)
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pelo órgão jurisdicional e pela necessidade de sua aplicação, que, por sua vez,
não pode extirpar nenhum direito do mundo jurídico32-33.
Desta feita, o ato executivo atípico há de ser útil (adequado) em
conduzir o réu a cumprir a obrigação, no sentido de nele gerar um verdadeiro
estímulo, influenciando-o a prestar aquilo que lhe é devido. É despiciendo, por
exemplo, bloquear o cartão de crédito do devedor que não utiliza este tipo de
serviço ou aplicar astreintes para coagir o devedor reticente, que nada detém
de patrimônio em seu nome, a pagar o montante devido.
Por seu turno, a necessidade de uma específica medida atípica
demostra-se pela aplicação do princípio da menor onerosidade do devedor (art.
805, CPC/15), isto é, cumpre ao magistrado eleger, entre atos de igual
intensidade, aquele que, além de ser útil para o procedimento executivo, seja
menos gravoso para o devedor. É proibido, assim, determinar-se o corte de
energia de prédio público, no qual funciona serviço público administrativo, no
intuito de coagir estado da federação a acatar ordem judicial de nomeação de
32 Não se confunde a regra da proporcionalidade com o princípio da razoabilidade, o qual se circunscreve à compatibilidade entre meios e fins de uma medida adotada pelo Estado para consecução de determinados fins. Uma medida judicial pode ser, assim, considerada desproporcional, apesar de razoável. A razoabilidade mostra-se, na verdade, como estando contida na proporcionalidade, no plano da utilidade/adequação. Nas palavras de Virgílio Afonso da Silva: “[...] Pode-se admitir que tenham objetivos semelhantes, mas isso não autoriza o tratamento de ambos como sinônimos. Ainda que se queira, por intermédio de ambos, controlar as atividades legislativa ou executiva, limitando-as para que não restrinjam mais do que o necessário os direitos dos cidadãos, esse controle é levado a cabo de forma diversa, caso seja aplicado um ou outro critério. [...] A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes - a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito - que são aplicados em uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade. [...] A exigência de razoabilidade, baseada no devido processo legal substancial [refere-se à posição do STF], traduz-se na exigência de "compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins". [...] Essa configuração da regra da razoabilidade faz com que fique nítida sua não-identidade com a regra da proporcionalidade. O motivo é bastante simples: o conceito de razoabilidade, na forma como exposto, corresponde apenas à primeira das três subregras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade, pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins [...]”. (idem, ibidem). 33 Fredie Didier Jr. et al, por exemplo, aduzem que a eficiência da atuação do magistrado se dará com a escolha dos meios que tenham aptidão para promover o resultado que ser quer alcançado, evitando-se meios que produzam resultados insignificantes, resultados duvidosos ou, ainda, resultados com muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado (DIDIER JR. et al. Diretrizes ... .). Ora, tudo o quanto proposto pelos respeitosos juristas foram por nós inseridos no bojo da regra da proporcionalidade (utilidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Por isso, temos por cumprida a norma fundamental do art. 8º do CPC/15.
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candidato a concurso público34. Ainda que questionável a utilidade/adequação
desta medida, ela, sem dúvida, é desnecessária, eis que existem outros meios
coercitivos à disposição do juízo menos gravosos para o executado, como a
multa.
A proporcionalidade em sentido estrito é outro critério a ser
sopesado quando da aplicação do meio executivo no processo, de sorte que a
satisfação do credor não autoriza a extinção do direito do devedor. A título
ilustrativo, seria equivocado determinar o cancelamento do CNPJ da empresa-
devedora, pois que ficaria impossibilitada de dar prosseguimento à exploração
da atividade empresarial, mesmo que cumprisse a obrigação.
O respeito à dignidade do executado também é outro critério de
avaliação da determinação judicial, por conta do art. 8º do CPC/15 e art. 1º, III,
da CF. Nessa senda, é proibida, v. g., a cobrança de dívida, com a fixação de
faixas ou cartazes defronte à sua residência, para constrangê-lo a quitar a
dívida. De acordo com Daniel Amorim Assunção Neves, essa liberdade
concedida ao juiz no art. 139, IV, do CPC/15 encontra limites na própria lei e
nos próprios princípios de Direito, sendo defeso a determinação de formas
vexatórias de pressão psicológica35.
Lembramos que essas diretrizes até aqui aduzidas são avaliadas e
reavaliadas a todo o momento no curso do processo, enquanto não obtido o
resultado almejado com o ato executivo adotado. Significa, portanto, dizer que
a medida atípica pode ser modificada ou excluída pelo juízo na hipótese de
revelar-se ineficaz ou excessiva. Sendo este o caso, outra vez mais, deve-se
observar na imposição da nova medida seus pressupostos de aplicabilidade.
Trata-se de autorização concedida ao magistrado que advém da própria
finalidade do instituto: garantir o direito à tutela executiva.
Cumpre-nos zelar pela opção, legítima e democrática, do legislador
em estender os poderes de efetivação da tutela jurisdicional do magistrado
para qualquer espécie de obrigação, inclusive a de pagar quantia, com o
escopo de que se dê concretude à vocação do próprio processo, que é a
resolução real da lide.
34 Trata-se curioso exemplo extraído do artigo de Fredie Didier Jr. et al que se deu na 1ª Vara dos Juizados Especiais da Fazenda Pública de Salvador-BA, no processo de n. 8001293-26.2015.8.05.0001 (idem, ibidem). 35 NEVES, p. 1075.
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Roberto Sampaio Contreiras de Almeida, neste ponto, assevera que:
No cômputo geral, esse incremento da participação do juiz na direção do processo e, por conseguinte, na sua cooperação para a realização da justiça, pode ser considerado, em última análise, como um alinhamento metodológico do novo Código com as premissas teóricas do instrumentalismo, ou seja, a busca pela otimização do sistema voltada à maior efetividade das decisões judiciais. Nessa linha, devem ser levados em conta os aspectos externos do processo, que são ligados aos seus objetivos e resultados a perseguir, não somente no plano individual, mas, sobretudo, no coletivo e social, na medida em que o processo consiga atingir resultados práticos capazes de contribuir para a almejada pacificação social, considerada escopo magno do processo36.
Sendo assim, em apertada síntese, vislumbra-se que o (des)acerto
na aplicação do art. 139, IV, do CPC/15 só poderá ser aferido à luz dos fatos
subjacentes à demanda, pois é a partir deles que identificaremos: (i) o respeito
ao contraditório; (ii) o esgotamento do uso de medidas típicas, antes da fixação
das medidas atípicas (subsidiariedade); (iii) a proporcionalidade da medida
empregada para conduzir à satisfação da obrigação; e (iv) o respeito à
dignidade do executado.
A fundamentação da decisão judicial, nesse contexto, haverá de ser
adequada, suficiente e completa, para que o jurisdicionado, sobretudo o
devedor, possa exercer seu controle, afastando o uso desmedido de medidas
(in)diretas na execução que se distanciam de sua natureza e se transformam
em verdadeiras sanções processuais37.
36 ALMEIDA, p. 476. 37 “Todo pronunciamento judicial de cunho decisório precisa ser fundamentado (art. 93, IX, CF (LGL\1988\3); arts. 11 e 489, II, CPC (LGL\2015\1656)). O papel da fundamentação ganha ainda mais importância quando o órgão julgador exercita o poder geral de efetivação previsto nos arts. 139, IV, e 536, § 1º, do CPC (LGL\2015\1656), determinando medida atípica para forçar o cumprimento de determinada prestação. É pela análise da fundamentação que se poderá controlar a sua escolha por esta ou aquela medida executiva atípica. Deve o juiz, na fundamentação decisória, expor racionalmente os motivos da sua escolha, demonstrando, com atenção ao art. 489, § 1º, CPC (LGL\2015\1656), de que modo a sua opção atende aos critérios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito [...]. Considerando que a escolha da medida executiva atípica pressupõe a análise de enunciados normativos de conteúdo semântico aberto, bem como a consideração de distintos pontos de vista, é essencial a observância do contraditório (arts. 7º e 9º, CPC (LGL\2015\1656)), ainda que diferido para momento posterior – a defesa na fase de cumprimento, o recurso cabível ou mesmo eventual pedido de reconsideração”. (DIDIER JR et al. Diretrizes ... . p. 227-272).
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3. REGRAS GERAIS SOBRE A APLICABILIDADE DO ART. 139, IV, DO
CPC/15 SOB O PRISMA DA JURISPRUDÊNCIA
Conforme aduzimos no início deste trabalho, a jurisprudência a
respeito da interpretação e aplicação do art. 139, IV, do CPC/15 é parca e nada
uniforme, inexistindo súmula ou qualquer decisão forte (precedente) no sistema
processual, cuja observância seja categórica para os magistrados.
Constatamos que no STF está em andamento uma ação direta de
inconstitucionalidade (ADI 5941), proposta pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), tendo por objeto os arts. 139, IV; 297, caput; 380, parágrafo único; 403,
parágrafo único, 536, caput e § 1º; e 773 do CPC/15, com fulcro, grosso modo,
na violação da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da liberdade de
locomoção e do devido processo legal, violação essa causada pela
possibilidade de tais regras autorizarem a adoção de técnicas de execução
indireta, consubstanciadas na suspensão do direito de dirigir, apreensão de
carteira nacional de habilitação do executado e/ou de seu passaporte, além da
proibição de participação de concurso ou de licitação públicos daquele de
quem se exige a submissão à decisão judicial. Citou-se, como exemplo
concreto dessas supostas ilícitas medidas, a decisão do Juízo da 2ª Vara Cível
da Comarca de Pinheiros/SP, proferida nos autos do processo n. 4001386-
13.2013.8.26.0011, em que se suspendeu a CNH e se apreendeu o passaporte
do executado. Nesta ADI, requereu-se, inclusive, em sede de medida cautelar,
a suspensão da aplicabilidade do art. 139, IV, do CPC/15, mas a liminar foi
indeferida pelo relator Ministro Luiz Fux, estando, pois, em pleno vigor o
dispositivo no território nacional. Considerando que não há prazo para
julgamento definitivo desta demanda, permanecemos sem diretrizes no
emprego das medidas atípicas, mormente no que tange às obrigações de
pagar quantia.
Apesar desse cenário, intimamente ligado aos poucos anos de vida
do CPC/15, encontramos algumas decisões no STJ acerca da matéria38, dentre
38 Ver REsp 1733697/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 13/12/2018; AgInt no AREsp 1283998/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/10/2018, DJe 17/10/2018; Decisão monocrática no AREsp 1301175, de relatoria do Ministro MARCO
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as quais a proferida pela 4ª Turma, no RHC 97.876/SP39, de relatoria do
Ministro Luís Felipe Salomão, em 05.06.2018, publicada em 09.08.2018.
Pensamos ser este acórdão, atualmente, o de maior relevância em torno do
assunto, pois que nele se delineou com maior precisão os requisitos gerais
BUZZI, publicada em 12.12.2018; Decisão monocrática no RHC 088490, de relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, publicado em 08.11.2017; Decisão monocrática no HC 428553, de relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, publicado em 12/12/2017; e etc. 39 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015. INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO CONHECIMENTO. 1. O habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise. 3. O CPC de 2015, em homenagem ao princípio do resultado na execução, inovou o ordenamento jurídico com a previsão, em seu art. 139, IV, de medidas executivas atípicas, tendentes à satisfação da obrigação exequenda, inclusive as de pagar quantia certa. 4. As modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. 5. Assim, no caso concreto, após esgotados todos os meios típicos de satisfação da dívida, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, deve o magistrado eleger medida que seja necessária, lógica e proporcional. Não sendo adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação das decisões judiciais, será contrária à ordem jurídica. 6. Nesse sentido, para que o julgador se utilize de meios executivos atípicos, a decisão deve ser fundamentada e sujeita ao contraditório, demonstrando-se a excepcionalidade da medida adotada em razão da ineficácia dos meios executivos típicos, sob pena de configurar-se como sanção processual. 7. A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e à medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental. 8. A liberdade de locomoção é a primeira de todas as liberdades, sendo condição de quase todas as demais. Consiste em poder o indivíduo deslocar-se de um lugar para outro, ou permanecer cá ou lá, segundo lhe convenha ou bem lhe pareça, compreendendo todas as possíveis manifestações da liberdade de ir e vir. 9. Revela-se ilegal e arbitrária a medida coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial (duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária. 10. O reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência. 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12. Recurso ordinário parcialmente conhecido. (RHC 97.876/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 09/08/2018)
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para adoção dos meios atípicos pelo magistrado como método de efetivação
da tutela jurisdicional.
Nesse RHC, definiu-se, basicamente, que a apreensão do
passaporte do devedor de dinheiro constitui violação ao seu direito
constitucional de ir e vir, porque o caso concreto analisado não revelou
qualquer especificidade a justificar a medida, sendo, pois, inadequada e
desproporcional frente o inadimplemento da obrigação.
Para os ministros julgadores, o fato de o devedor, a despeito de ter
sido citado para pagar, permanecer inerte, sequer apresentando bens à
penhora, não autoriza, por si só, a restrição de sua locomoção ao território
nacional.
Isso porque, nos termos do acórdão proferido, a liberdade é uma
garantia fundamental do cidadão de caráter absoluto, que somente poderia vir
a ser mitigada mediante expressa previsão normativa, tal como ocorre na seara
criminal.
Estabeleceu-se, ainda, na decisão ora em comento que as medidas
atípicas são subsidiárias das típicas e, para serem implementadas, exigem
adequada fundamentação, contraditório prévio e efetivo entre as partes, além
da demonstração de sua real necessidade para a situação fática sub judice.
Como tais pressupostos foram inobservados pelo magistrado na
primeira instância, já que se limitou a “deferir o pedido de fls. 104/105” e a
“oficiar ao respectivo órgão de controle estatal (Polícia Federal)”, decidiu-se
pelo reconhecimento da ilegalidade da apreensão do passaporte, sem prejuízo
do uso desta mesma medida em outros processos em que demonstrada sua
instrumentalidade.
Por derradeiro, neste julgamento, fixou-se, ao final, que a suspensão
do direito de dirigir do devedor (CNH), por si só, não fere sua liberdade, eis que
fica restrita ao deslocamento de veículo automotor, e, por essa razão, o HC
não foi admitido neste ponto, conduzindo a parte interessada a valer-se do
sistema recursal, caso queira debater sobre sua legalidade.
A nosso ver, a Corte Superior, com o devido respeito, acertou,
parcialmente, ao analisar o art. 139, IV, do CPC/15.
Concordamos com os pressupostos consignados pelos ministros da
4ª Turma do STJ para o emprego do art. 139, IV, do CPC/15 – embora
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sustentamos a possibilidade de diferimento do contraditório, a depender do
risco à efetividade da medida in concreto.
Discordamos, contudo, do caráter absoluto conferido ao direito de ir
e vir para justificar a impossibilidade da apreensão do passaporte. O RHC em
epígrafe, neste quesito, apresenta uma contradição lógica na racionalidade de
sua fundamentação, porque, apesar de alçar a liberdade de locomoção como
absoluta, reconheceu que ela só seria excepcionada em execução de título
(extra)judicial acaso houvesse expressa previsão legislativa. Ora, se absoluto
fosse esse direito, não comportaria qualquer flexibilização (muito menos
admitir-se-ia a viabilidade de apreensão do passaporte em outro processo,
como constou do acórdão).
Em se tratando de direito, ainda que de natureza fundamental,
sempre comportará uma interpretação restritiva ou ampliativa, conforme o
conflito em que inserido, sem que isso leve à sua aniquilação ou
supervalorização no sistema40. A vida é exemplo claro de que inexiste direito
absoluto na própria Constituição, eis que pode ser suprimida em casos de
legitima defesa.
Logo, entre a tutela jurisdicional efetiva do credor e a liberdade
individual do devedor, ambos direitos fundamentais, dá-se preponderância
àquele ao invés deste, se as peculiaridades fáticas assim exigirem.
Sem razão, pois, a interpretação adotada por parte da jurisprudência
dos tribunais de justiça, a exemplo do TJSP41,TJRS42 e TJMG43, no sentido de
que a execução por quantia certa deve se limitar à aplicação do princípio da
40 Nas palavras de Arruda Alvim, “dizer que os direitos fundamentais devem ser garantidos de maneira proporcional significa entender a própria proporcionalidade em sua dupla dimensão: proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) e proibição de proteção em excesso (Ubermassverbot). A compreensão proporcional dos direitos fundamentais é dever do Estado, que não pode se omitir de garanti-los, tampouco exceder em sua proteção, violando outras garantias. A tarefa da proporcionalidade é dar ao legislador infraconstitucional e aos julgadores os limites de aplicação das leis. Fala-se em regra da proporcionalidade sobre o uso de outras regras; uma diretriz para a promoção de direitos fundamentais”. (ALVIM, p. 72) 41 TJSP; Agravo de Instrumento 2128938-52.2018.8.26.0000; Relator (a): Sandra Galhardo Esteves; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Carlos - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 27/08/2018; Data de Registro: 27/08/2018. 42 Agravo de Instrumento Nº 70078686912, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 22/11/2018 e Agravo de Instrumento Nº 70079104311, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 25/10/2018. 43 TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0707.09.194998-2/001, Relator(a): Des.(a) Amorim Siqueira , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/11/2018, publicação da súmula em 06/12/2018.
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responsabilidade patrimonial, capitulado no art. 789 do CPC/15: “o devedor
responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de
suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Tal tese, cumpre-nos ressaltar, não é pacífica nem mesmo nas
citadas cortes estaduais, cujos colegiados também já se filiaram, em outros
julgados, ao quanto entendeu o STJ no RHC 97.876/SP44-45-46.
Abstratamente, não dá para se falar em impertinência da apreensão
de passaporte como meio fértil a estimular o devedor a procurar arcar com sua
responsabilidade.
Se a prisão civil (medida não patrimonial) ainda é aceita, com
restrição, é verdade, no ordenamento, razão não há para se refutar, de plano, a
inaplicabilidade da apreensão do passaporte ou outra medida de coerção
indireta na execução, notadamente paras as obrigações de pagar quantia. O
saldo positivo no adimplemento de dívidas alimentares decorrentes da prisão
ratifica esse nosso pensar.
Por isso, advogamos no sentido de que, respeitados os
pressupostos de aplicabilidade do art. 139, IV, do CPC/15 traçados alhures
(vide capítulo n. 2), o juiz pode se valer de quaisquer medidas atípicas, com o
fito de promover o sucesso da tutela executiva.
Reconhecemos, todavia, que, especificamente quanto ao mérito do
RHC 97.876/SP, o STJ agiu adequadamente ao cassar a restrição imposta ao
executado, porque a decisão de primeira instância impugnada – “defiro o
pedido de fls. 104/105” –, além de desrespeitar o contraditório prévio e a
subsidiariedade da atipicidade dos meios executivos, padecia de ausência de
fundamentação, cerceando o direito de defesa da parte constrangida47.
44 TJSP; Agravo de Instrumento 2189457-90.2018.8.26.0000; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ubatuba - 1ª Vara; Data do Julgamento: 18/12/2018; Data de Registro: 18/12/2018. Neste caso, embora o pedido da parte tenha sido indeferido, respeitou-se a recente interpretação do STJ. 45 Agravo de Instrumento Nº 70076961572, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Luís Medeiros Fabrício, Julgado em 31/10/2018. 46 TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.13.419219-4/002, Relator(a): Des.(a) Rogério Medeiros , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/09/0018, publicação da súmula em 25/09/2018. 47 No pensar de Daniel Amorim Assunção Neves, “será ônus do executado demonstrar no caso concreto essas particularidades para que a medida executiva não seja aplicada” (NEVES, p. 1076).
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4. NOTAS CONCLUSIVAS
Pelo exposto, concluímos que as medidas executivas atípicas do art.
139, IV, do CPC/15:
a) podem ser empregadas apenas quando os meios executivos
típicos restarem infrutíferos na efetivação da prestação obrigacional
(subsidiariedade);
b) especificamente quanto às obrigações de pagar quantia, além do
respeito à subsidiariedade, antes de serem aplicadas, exige-se a verificação da
presença do elemento volitivo do obrigado, ou seja, provas de que não cumpre
a obrigação porque não quer, pois, do contrário, estaríamos a penalizar aquele
que está passando por dificuldades financeiras por circunstâncias alheias à sua
vontade;
c) exigem compatibilidade para com o procedimento e a natureza da
obrigação a ser cumprida, não podendo ser vedadas pelo ordenamento;
d) devem respeito, como regra, ao contraditório prévio, sendo,
excepcionalmente, concedidas liminarmente, antes da oitiva do réu, quando
houver risco de que sejam frustradas (arts. 9º e 10 c.c. art. 300 e ss., CPC/15);
e) devem respeito à regra da proporcionalidade (art. 8º, CPC/15),
atendendo aos seus critérios de utilidade, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito em relação ao objeto da execução, de sorte que, dentre os
meios de idêntica potencialidade de efetivação da obrigação, deve-se
empregar aquele de menor gravame ao executado, para não lhe acarretar a
aniquilação de qualquer direito e não transformar o ato numa sanção
processual;
f) estão proibidas de aviltar a dignidade do executado (art. 8º,
CPC/15, e art. 1º, III, CF);
g) terão que estar devidamente motivadas na decisão que as defere,
por força do art. 489, § 1º, do CPC/15 e art. 93, IX, da CF, demonstrando-se os
pressupostos acima referidos e, sobretudo, as condutas do réu que
explicitaram a necessidade de sua aplicabilidade.
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